BRUCE LEE
Vida, Paix達o e Morte do Pequeno Drag達o
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Ao fã dedicado. Nos idos de 1983, a então Editora Bangor Ltda., lançava um material inédito com seis volumes intitulado: “BRUCE LEE, Vida, Paixão e Morte do Pequeno Dragão – Recordações, confissões, anedotas, conselhos técnicos e segredos do mito da arte marcial”.
Tal material continha um esforço grande da equipe (abaixo respeitada) em trazer novos informes, entrevistas e imagens inéditas do incrível Lee Jun Fan (Bruce Lee). Este divulgador teve acesso ao respectivo material, em meados de 2003/4, e, após manuseá-lo, percebeu estar diante de uma verdadeira joia. Infelizmente as revistas-livretos estavam em péssimas condições de conservação, o que fazia com que este divulgador, cada vez que comentava sobre o respectivo material, precisasse mostrar a seus amigos com grande zelo e cuidado, para que o mesmo não se desintegrasse. Outro ponto importante de se destacar é que, ao que se percebe, à época de sua publicação, a mencionada Editora possuía também parcos recursos e seus profissionais chegavam a realizar correções à mão nos originais antes da impressão final. Alguns textos possuem dificuldade em sua tradução do original, outros 3
estão repetidos, e ainda é possível encontrar montagem fora de sequência, inclusive das imagens. De fato, mesmo sendo dono dos originais, era complicado entender a ordem e coerência de alguns dos textos que se invertiam, repetiam ou estavam em páginas trocadas. Objetivando a conservação dos ditos livretos, o divulgador optou por digitalizá-los e então reconstruir seu conteúdo, sempre respeitando ao máximo sua originalidade e expurgando os defeitos de gráfica e impressão acima referidos, trazendo uma coerência satisfatória aos textos e pesquisas tão carinhosamente construídos por seus Editores. As imagens aqui oferecidas também são as mesmas que estavam ilustrando o material original, a única coisa que o divulgador realizou foi nova pesquisa das mesmas, buscando imagens coloridas, permanecendo em preto e branco e com a qualidade dos originais apenas aquelas inéditas em toda a internete e que passam a ser históricas. Outro ponto a respeito das mesmas é que se procurou introduzi-las dentro do contexto e evitar o excesso onde não havia necessidade, a exemplo da repetição de fotos no curso dos livretos que eram usadas até mesmo de forma espelhada ou ainda de ponta cabeça. Infelizmente o divulgador, até o lançamento do presente trabalho, não conseguiu localizar em nenhuma livraria, sebo ou colecionadores, inclusive com o Sr. Leo Akio Imamura (que até a publicação deste ainda é vivo) o sexto volume que completaria com chave de ouro a digna publicação da extinta Editora Bangor. Por tal motivo, conclamo aos fãs, que, porventura tiverem 4
acesso à mesma, que entrem em contato com este divulgador, para que se possa completar o trabalho, o qual será devidamente creditado nos digitais realizados. Abraços e boa informação. Divulgador. kheopsojusto@gmail.com.br
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Edição: EDITORA BANGOR LTDA. Av. Ipiranga, 818 — 5.° and., cj. 51 Diretor: Samuel Gorban Tel.: 223-6745 — S. Paulo Editor responsável: Nivaldo Caíres Souza Colaboradores: ASSISTÊNCIA TÉCNICA EM ARTES MARCIAIS: Leo Akio Imamura MATERIAL INFORMATIVO: Maria Antonietta Fernandes ARTE: Sérgio Olivella PRODUÇÃO: Armando Soifer BIBLIOGRAFIA: BRUCE LEE: “The Man Only Y Knew”, por Linda Lee. BRUCE LEE: “The Untold Story”, por Grace Lee. BRUCE LEE: “Fightingethod”, por Bruce Lee e Mito Uyeara. JEET-KUNE-DO: “The Art and Philophy of Bruce Lee”, por Dan Inosanto. TAO OF JEET-KUNE-DO, por Bruce Lee. BRUCE LEE: “Le Roi du Kung Fu”, por Renee Chateau Informações de: “BLACK BELT MAGAZINE” e “FIGHTING STARS”. “ILUSTRATED KARATÊ”: Depoimentos e entrevistas etc.: “Bruce Lee” The Inconparable Fighter, por Mito Uyeara. Promoção e Divulgação Clarion - Produções Artísticas e Comércio Ltda. Av. 23 de Maio, 3118 Diretor: Adiles J. Ribeiro. Tels.: 572-3734 — 571-5331 7
Ao Primeiro Volume
Seu excepcional domínio nas Artes Marciais impregnou as mais antigas tradições com o cunho pessoal de sua graça e carisma, na medida em que repartia com o mundo o que outrora havia sido propriedade exclusiva de uns poucos privilegiados. Sua energia, ambição e genialidade preencheram sua carreira artística de glória e controvérsias, desde suas primeiras apresentações em
público
estranha
chocante morte.
e
Os filmes que clássicos a
fez
no
até
sua
tornaram-se
gênero, destinados
permanecerem
como
supremas
apresentações da
arte do Kung Fu,
em
beleza plástica e
termos
de
como mensagem de sua filosofia de vida. Sua figura, acima de tudo de grande lutador — e não apenas de combates físicos, mas principalmente da luta da própria vida que enfrentou de peito aberto e mãos limpas, com a dignidade que somente os grandes lutadores possuem — permanece e continua como exemplo de perseverança e de coragem para as gerações futuras que vieram ou venham conhecê-lo através do legado 8
deixado por seus filmes, seus livros e suas memórias... "O homem, criatura viva e criador individual, é sempre mais
importante do que qualquer estabelecido estilo ou sistema." "Mudar não por causa da mudança, mas mudar para melhorar." Sua meta: a melhora do ser humano, em cada aspecto da vida! Nunca houve alguém como ele antes, como expressão máxima de renovação e despojamento do misticismo que vinha cobrindo o mundo das Artes Marciais. É possível que jamais haja quem possa substituí-lo... Na morte, como fora em vida, Bruce Lee continua sendo uma lenda viva e imorredoura. Aqui está para os leitores que desconhecem a veracidade dos fatos, pela primeira vez apresentados com detalhes exclusivos, a verdadeira e fascinante história do homem mais excitante de nosso tempo: Bruce Lee — a figura maior na Arte Marcial deste século.
Os Editores
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Ao Segundo Volume
A figura de Bruce Lee agiganta-se perante a juventude como ídolo e exemplo a seguir. Exemplo de indômita força de vontade, exímio artista marcial, filósofo emérito com obras editadas postumamente, Bruce Lee justifica bem o culto que lhe prestamos. Simples, amigo, não tinha vaidade e a presunção dos falsos mestres, todos o podiam tratar por “irmão”... Mostrava sempre o olhar aberto, franco e leal do Verdadeiro Mestre!” Mestre!
Ruy de Mendonça
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Ao Terceiro Volume
Dizem que sua morte foi injusta e prematura, mas eu sei que sua morte teve um significado. BRUCE LEE sempre foi um instrutor, um mestre, um guia. Mesmo após sua morte, continua nos ensinando sobre a vida. Só temos que lhe agradecer por ter repartido seus pensamentos e lições conosco e ajudando a enriquecer nossas vidas, por ter trazido dignidade à sua raça e por ter mostrado ao mundo “O caminho”.
Richard Torres
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INTRODUÇÃO Parece impossível que 11 anos após a morte de Bruce Lee seus filmes continuem sendo exibidos em cinemas de todo o mundo, sua imagem continue captada em tantos posters, seu rosto continue capa de tantas revistas! Temos a impressão de que o falecido herói está mais vivo que muitos astros que o sucederam! O que torna Bruce Lee único é a variedade de talentos que possuía e o que realizou nos seus curtos 32 anos de vida. Foi o mais perfeito lutador que o cinema conheceu: ninguém conseguia (nem consegue) mais rapidez e graça diante das câmeras. Todavia, a habilidade de Bruce Lee não era apenas vista no cinema. Sérios e respeitados artistas marciais admiravam a dedicação através da qual Lee se tornara um dos mais formidáveis lutadores de todos os tempos! Bruce era inteligente o bastante para perceber o que havia de errado com as artes marciais existentes e remodelar os sistemas de combate de tal forma que nunca mais seriam os mesmos de antes... Sua filosofia de adaptação, Jeet Kune Do, transcendeu as limitações 12
das artes marciais para inspirar seus seguidores em muitas áreas da vida. A isto tudo se acrescente sua ilimitada energia, soberbo físico, simpatia e encanto pessoal que o tornaram um dos mais fotogênicos astros da história do cinema. Sua habilidade cinematográfica, embora dependesse mais da ação do que da representação em si, foi única e deixa até hoje uma poderosa impressão. Ainda que suas habilidades não tenham tido realmente uma boa chance de se desenvolverem plenamente no cinema, o material que nos foi deixado mostra que Lee possuía um aguçado sentido para o espetáculo, o que o levaria a fazer filmes que teriam muito mais senão apenas espetacular coreografia de cenas de combate. Bruce Lee continua vivo no coração de seus inúmeros admiradores em todo o mundo... e esta coleção intenta proporcionar a seus fãs do Brasil momentos de recordação e esclarecimento.
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SUMÁRIO Entrevista Leo Akio Imamura............................................ BRUCE LEE A realidade de sua vida................................. JEET KUNE DO Uma arte criada por BRUCE LEE............ BRUCE LEE Os primeiros contatos com o NUNCHAKU... O legado de BRUCE LEE................................................... Uma aula de BRUCE LEE.................................................. O treinamento de BRUCE LEE........................................... Entrevista exclusiva com ED PARKER............................... BRUCE LEE Sua filosofia de vida e de luta........................ Recordando BRUCE LEE................................................... Nota da 5ª. Edição..............................................................
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ENTREVISTA COM: Leo Akio Imamura Procurando esclarecer ao público sobre as diversas dúvidas existentes a respeito de Bruce Lee e o Jeet-Kune-Do, Maria Antonietta Fernandes — reconhecidamente a maior autoridade em Bruce Lee na América do Sul — entrevista o consultor técnico desta publicação, professor Leo Akio Imamura. Sendo o único no país a realizar um trabalho de pesquisa e divulgação sobre o Jeet-Kune-Do, é a pessoa mais credenciada a esclarecer as inúmeras dúvidas a respeito do assunto. M.A.F. - P — Em Junho de 1984 foi publicada uma tradução sua do famoso texto escrito pelo próprio Bruce Lee para a revista "Black Belt", tentando esclarecer, de uma vez por todas, o que é o Jeet-Kune-Do. Infelizmente, naquela época, o alcance desta conceituada revista se restringia apenas ao território norte-americano. Você acredita que essa publicação, agora em português, possa esclarecer o público brasileiro a respeito desse tema? Leo - R — Sem dúvida alguma. Apesar de esse texto ter sido publicado em Setembro de 1971 e republicado por diversas revistas sobre o assunto, acredito que poucos brasileiros tenham conhecimento dele. Afinal, um texto escrito pelo próprio fundador do Jeet-Kune-Do tencionando esclarecê-lo para o público deve sempre ser o ponto de partida para qualquer tipo de especulação, ou seja, ninguém pode dizer que conhece o mínimo de Jeet-Kune-Do sem ter o conhecimento desse artigo. 15
P — Mas afinal, o que é o Jeet-Kune-Do? R — Como o próprio Lee disse em seu texto, é mais fácil dizer o que NÃO é Jeet-Kune-Do do que tentar defini-lo. Contudo, gostaria de dizer apenas que Jeet-Kune-Do é um processo de autoconhecimento e nunca um sistema ou estilo. Bruce Lee sempre alertava seus alunos sobre o perigo de tomar o meio pelo fim, enunciando sempre o ensinamento Zen sobre o dedo apontando para a Lua. P — Atualmente o que se faz em temos de pesquisa e divulgação do Jeet-Kune-Do no mundo? R — Através de informações de nossos correspondentes no exterior, atualmente está muito em moda nos Estados Unidos os chamados "Seminários" onde pessoas passam uma semana em determinada localidade "aprendendo" as técnicas das mais variadas artes marciais. Dentre os maiores "experts" que ministram esses seminários, podemos citar Remy Persas (Arnis), Bill Wallace (Karatê Full Contact), William Cheung (Wing Chun) e três discípulos diretos de Bruce Lee: Dan Inosanto, Larry Hartsell e Tím Tackett que procuram esclarecer, da melhor maneira possível, o que é o JeetKune-Do. Paralelamente a esse trabalho, a Filipino Kaly Academy e a Asian Martial Arts Academy (lideradas por Dan Inosanto) mantêm uma turma fechada (privativa) de treinamento objetivando a pesquisa e o desenvolvimento do Jeet-Kune-Do. P. - E no Brasil? R — No Brasil a única entidade a pesquisar e divulgar o JeetKune-Do é a Organização Self-Defense de Artes Marciais, situada à Av. Indianópolis, 1.151 em São Paulo. P — O que distingue seu trabalho dos demais trabalhos 16
realizados por outros instrutores de artes marciais? R — A base de meu trabalho é essencialmente fazer com que cada aluno busque um nível razoável de auto-conhecimento, aprendendo a explorar seu próprio potencial, P — O que você ensina em sua academia? R — Em primeiro lugar, eu ensino "para", para depois ensinar "em", pois eu ensino indivíduos em qualquer lugar, seja dentro de uma academia ou não. Para esses indivíduos, busco fugir o mínimo possível da essência das artes marciais, sem fazer rodeios e mostrando técnicas simples, mas eficientes. Digo mostrando, porque cabe ao aluno escolher o que quer ou não aprender. P — É sabido que a sua academia é a única a possuir um trabalho teórico com base em livros e fitas de videocassete. Por que você dá tanta ênfase a esse tipo de trabalho? R — Para que o aluno possa ter um poder de discernimento, deve estar ciente de todos os pontos fortes e fracos de todas as artes marciais, além de um sólido conhecimento sobre as mais diversas filosofias, e pensamentos do mundo todo. Assim, eu desmistifico a ideia de que o artista marcial é um mero lutador. Em minha opinião, todo artista marcial deve ser um lutador mas nem todo lutador tem capacidade de ser um artista marcial. A grande diferença entre os dois é que o artista marcial sabe quando lutar, pois possui o que chamamos de "poder de discernimento". P — De que forma você se identifica com Bruce Lee? R — Tanto física quanto mentalmente somos bem diferentes. 17
No entanto, existem certas características comuns entre nós, como por exemplo a crença de que o indivíduo é mais importante do que qualquer sistema estabelecido, seja no campo das artes marciais ou não. P — Você (como Bruce Lee foi) é perito na arte do manejo do Nunchaku. Qual é a sua opinião a respeito desta arma? R — Em primeiro lugar, gostaria de dizer que 90% do que Bruce apresentou no cinema eram técnicas de puro efeito dramático. O que atesta sua pericidade com o Nunchaku são pequenos detalhes que escapam à vista do observador leigo, além de anotações técnicas e testemunhos de pessoas ligadas a ele. Hoje, muita gente crê no poder milagroso no Nunchaku quando, na verdade, esta arma é como qualquer outra, com suas virtudes e defeitos. P — O que você acha mais eficiente num combate? R — Todas as técnicas são eficientes num combate, desde que elas sejam bem executadas. Soco, chute, golpes de projeção, chaves, imobilizações, todas essas técnicas são de fundamental importância desde que o praticante saiba quando e onde aplicá-las. Nos filmes, Bruce Lee realizava um uso excessivo de técnicas de pernas. No entanto, a razão disto é que estas possuem um efeito dramático maior que as técnicas de braço, aliás as suas preferidas. P — O que você acha dos torneios de artes marciais? R — Não há como avaliar o grau de eficiência de um indivíduo num torneio, pois assim como qualquer ato natural, o ato de combater é total e irrestrito, não podendo se limitar a regras ou coisas do gênero. Seria a mesma coisa que instituir um campeonato de respiração onde o campeão seria aquele que pudesse absorver maior 18
quantidade de oxigênio. Entretanto, se encararmos as artes marciais não como defesa pessoal, mas sim como um desporto, aí sim, os torneios, campeonatos e competições teriam razão de ser. P — O que é essencial para a prática da arte marcial? R — Sem dúvida alguma, a força de vontade. Sem ela, nada se conseguirá. P — Quais são os preceitos básicos para que se tenha uma boa técnica? R — Força, velocidade, precisão, equilíbrio e noção de tempo e espaço. Sem um desses elementos básicos, uma técnica não poderá ser considerada boa. Observe você que isso contraria o preceito clássico onde a forma vem em primeiro lugar. Em Jeet-Kune-Do, em primeiro lugar vem a eficiência, e não a plástica como em muitos estilos clássicos. P — Para concluir, qual a chave do grande sucesso do artista marcial? R — Existem três segredos básicos para o sucesso do artista marcial, que são: treinar, treinar e treinar. No entanto, nenhum desses três segredos inclui um treinamento robótico onde a pessoa não se exprime, mas sim imita. No primeiro "treinar", você deve treinar para você. No segundo "treinar", você deve treinar com os outros. E no terceiro, treinar por você e pelos outros. Só assim você conseguirá algo nas artes marciais.
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BRUCE LEE: A REALIDADE DE SUA VIDA NASCE UM ÍDOLO A 27 de Novembro de 1940, uma jovem mãe dava nascimento a seu quinto filho no San Francisco's Chinese Hospital (Hospital Chinês de San Francisco). Deitada em seu leito, uma mulher nascida em Shangai de descendência européia sentia-se perdida e solitária. Uma estrangeira em terra estranha. Seu marido, Lee Hoi Chuen, estava a três mil milhas de distância, em New York's Chinatown (Comunidade Chinesa de Nova Iorque), trabalhando para prover o sustento da família.
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Grace Lee, mãe do bebê, batizou-o com o nome Lee Jun Fan, que significa "Retorno a San Francisco". Pressentindo que seu filho voltaria à terra natal, ela preferiu a versão inglesa do nome Li, pois seu nome poderia ser pronunciado de forma errada na América. Mais tarde, o nome Lee Jun Fan foi trocado para Lee Yuen Kan, quando se percebeu que os caracteres chineses do nome eram similares aos de seu avô. Dez anos depois, devido ao seu nascimento ter ocorrido no ano e na hora do dragão, ficou conhecido por um punhado de fãs de filmes chineses como Siu Loong, que significa "Pequeno Dragão". E trinta e três anos depois ficaria conhecido no globo todo como Bruce Lee. Bruce foi o nome que o bebê Lee recebeu da enfermeira Mary Glover que atendeu o parto na ocasião de seu nascimento. O destino do pequeno Lee, contudo, parecia estar já traçado desde as primeiras horas de sua vinda ao mundo. Seus pais, Lee Hoi Chuen e Grace Lee, não eram apenas mais um par entre os milhares de chineses que imigraram para o Novo Mundo na esperança de partilhar do sonho americano. Eram artistas profissionais em turnê pela famosa Cantonese Opera Company (Companhia de Opera Chinesa). Mesmo antes de desmamar, com três meses de idade, Bruce Lee enfrentou uma câmera de cinema pela primeira vez. 4Segundo sua mãe, este filme foi realizado em 1941 e foi 21
intitulado "Golden Gate Girl’s". Por volta de seus cinco meses de idade, tendo a turnê de seus pais terminado nos Estados Unidos, Bruce realizou sua primeira viagem de uma longa série entre sua terra natal e sua terra de criação, Hong Kong. UM GAROTO PRECOCE Quando criança, Bruce Lee gostava de inventar as mais fantasiosas estórias com as quais entretinha seus irmãos, companheiros e até adultos. A imaginação fértil dava asas às mais fascinantes narrativas dando vazão a seu espírito brincalhão e alegre, às vezes em proporção que o tornavam quase diabólico nas peças e logros que engendrava. Entretanto, sua natureza era boa. Em seu livro "The Untold Story", Grace Lee, mãe de Bruce, conta que certo dia, ao adentrar na sala de estar, viu Bruce olhando a rua atentamente debruçado à janela. Subitamente o jovem Lee saiu correndo em direção à porta. Grace ainda perguntou-lhe aonde ia com tal afobação, mas ele não respondeu, apenas disparou a correr. Ela, então, foi ver o que seu filho estaria observando e viu seu garoto ajudando um homem cego a atravessar a rua de intenso tráfego. Mais tarde, Bruce disse à mãe que todos apenas passavam pelo cego e o pobre homem pareceu-lhe tão triste e frustrado que ele achou que tinha que fazer algo. 22
Outro fato que Grace Lee lembra com clareza deu-se quando Phoebe, irmã de Bruce, entrou às pressas na cozinha e disse-lhe que seu irmão estava morrendo. Bruce estava pulando como um louco apertando sua garganta e chamando em altos brados sua "mama". Ele havia engolido o bico de borracha da mamadeira de seu irmão Robert. A mãe ainda tentou acalmá-lo dizendo que um médico viria logo e que ele não sufocaria, pois ainda podia falar. Quando o médico chegou, o jovem sapeca já tinha deglutido toda a borracha e a única coisa a fazer foi dar-lhe o que o médico havia receitado como sendo o melhor remédio no caso... um laxante! O PEQUENO DRAGÃO
Sua outra irmã, Agnes, a quem Bruce chamava de "Pequena Rainha", lembra que, quando criança, Bruce costumava andar dormindo além de ter pesadelos. Dormiam 23
em camas tipo beliche e muitas vezes ela o via descer de seu beliche no meio da noite e, em profundo sono, perambular pela casa. Agnes lembra ainda das vezes em que seu irmão a protegia sempre que algum menino viesse importuná-la. Naquela época ela sentia-se muito lisonjeada e orgulhosa dele. Conforme o tempo passava, contudo, a energia excessiva de Bruce começou a ser canalizada negativamente, devido ao ambiente em que viviam. Os moleques e rapazotes das ruas formavam grupos que só sabiam brigar uns com os outros. Bruce começou a envolver-se em lutas sem nenhuma razão aparente. E se não saísse vencedor ficava furioso. Perder, ainda que ocasionalmente, era para ele insuportável e no final ele acaba sempre vencedor. Na maior parte de sua adolescência, Bruce Lee usou óculos. Desde a época de seus sete ou oito anos fora míope porque costumava passar horas e horas lendo livros e revistas de letras miúdas na cama antes de dormir, às escondidas de sua mãe. Um dia, com doze anos de idade viajava num ônibus, sem óculos, comendo tâmaras sentado ao lado de um senhor de aspecto grave e sisudo. 24
Ao terminar de comer jogou as cascas fora pelo que pensou que fosse uma janela aberta. Não é necessário dizer que a janela estava fechada e as cascas, batendo contra o vidro, caíram sobre o bem vestido passageiro. Este se virou furioso para Bruce gritando e perguntando se era cego. Bruce embaraçadamente respondeu que sem seus óculos acreditava que sim. Mais tarde, Bruce passaria a usar lentes de contato e tais problemas terminariam. A imaginação de Bruce Lee criava "brincadeiras" nem sempre engraçadas para as "vítimas". Às vezes polvilhava "pó de mico" nas pessoas e quase arrebentava tentando conter o riso. Sua mãe conta um episódio no qual Bruce trocou toda a mobília do quarto da empregada. Quando esta entrou, imediatamente começou a tropeçar em todas as coisas. A luz mais próxima ficava no centro do quarto e assim ela foi batendo e tropeçando em cada móvel até alcançar o interruptor para acender a luz. Só assim ela pôde ver a disposição das coisas. A empregada ficou furiosa, dizendo que aquilo só poderia ter sido obra de Bruce! Agnes, uma das irmãs de Bruce, confirma que ele era realmente muito travesso quando criança e uma das peças que gostava de pregar nos criados era mandá-los ao armazém buscar coisas que ele sabia que o armazém não vendia. Phoebe, sua outra irmã, lembra que certa vez ele colocou um livro em suas mãos e disse-lhe que deveria lê-lo por ser 25
um livro muito especial. Não havia título na capa, aumentando assim a curiosidade de sua irmã. Ao abrir o livro a jovem recebeu um tremendo choque elétrico. Bruce desatou a rir e saiu correndo pela casa. Bruce era muito tagarela, falava sempre e nunca parava quieto. Com suas extravagantes estórias e um maravilhoso senso de oratória e de humor, era sempre capaz de fazer todos a sua volta pararem para ouvi-lo e rirem mesmo se estivessem infelizes. Hong Kong é uma cidade difícil de se viver. A palavra "sobrevivência" tem, nesse lugar, um sentido muito mais profundo do que em qualquer outra parte do mundo. Sobreviver é trabalhar duro durante longas e árduas horas de cada dia, ano após ano. Entretanto há outro meio de se obter dinheiro para sua sobrevivência em Hong Kong... o crime. Em Hong Kong há centenas de gangues formadas por adolescentes. Em qualquer comunidade com mais de quatro milhões de pessoas num espaço relativamente pequeno, a maior preocupação do governo é manter a ordem pública.
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Na época em que alcançava sua puberdade, Bruce Lee era componente de um grupo de adolescentes. Seu grupo chamava-se "The Junction Street Eight Tigers" (Os Oito Tigres da Rua Junction). O lema do grupo era: "Lutar por justiça, ajudar o fraco, vencer os desordeiros: Um por todos e todos por Um!" Conforme Bruce crescia, sua reputação de valente crescia com ele. Inevitavelmente passou de brigas de escolas para brigas de ruas contra as demais gangues. Mas não era dinheiro ou desordem que ele buscava como os demais. Ele buscava apenas uma coisa: lutar! O próprio Lee nunca escondeu isso. Numa entrevista para a "Black Belt Magazine" ele afirmou que era um "punk" e vivia procurando brigas. Disse também que usava correntes e canetas que traziam lâminas ocultas. Nesse ínterim, sua carreira cinematográfica continuava. Embora tendo aberto as portas do mundo do cinema para o filho, o pai de Bruce não estava nada feliz em ter outro ator na família. Planejara instigar as ambições do filho para uma carreira mais estável. Ele o advertia sempre que haveria muitas complicações pela frente de quem quisesse seguir a carreira cinematográfica. Apesar de desaprovar essa vocação de Bruce Lee, Hoi Chuen não podia proibir seu filho da aceitar novos papéis. 27
Talvez pressentisse secretamente os talentos ocultos em seu notável menino. Aos treze anos Bruce Lee começou a interessar-se pelo Kung Fu. Então seu pai passou a ministrar-lhe lições de Tai Chi Chuan.
Seu pai, como milhares de outros chineses idosos ou entusiastas pela saúde, era praticante de Tai Chi Chuan. Esta arte é uma antiga disciplina chinesa mental e BRUCE LEE em contraste com sua rebeldia física, datando de 1.500 anos atrás, na época dos monges taoistas. O ponto chave do Tai Chi Chuan é a suavidade, e os movimentos lentos dos exercícios são combinados para alcançar-se um equilíbrio entre a mente, o corpo e o espírito. Os exercícios do Tai Chi Chuan são tão benéficos que 28
trabalham cada parte do corpo, desde as menores juntas até os maiores músculos, em harmoniosas e graciosas formas. O resultado é a melhoria geral da saúde, maior flexibilidade das juntas, estímulo na circulação sanguínea, maior atividade do sistema nervoso e do sistema respiratório. É, ainda, um caminho para a felicidade espiritual. Com a harmonia do corpo e da mente, o "chi" (energia interna) começa a fluir. Quando o fluxo do "chi" está livre, a energia espiritual começa a se desenvolver, o que conduz a um estado de realização interior. Através da prática do Tai Chi Chuan, o indivíduo desenvolve um estado de profunda percepção e coloca-se em contato direto com o Universo. Na época em que Bruce foi instruído por seu pai nessa arte, certamente não buscava objetivos tão elevados. Com treze anos, tudo que Bruce queria era aprender um meio de vencer mais facilmente suas brigas. Numa entrevista de 1967 para a "Black Belt Magazine", Bruce Lee disse que pensou no que aconteceria a ele, caso não tivesse seu grupo atrás de si na hora de enfrentar um grupo rival. Dessa forma decidiu aprender a proteger a si próprio, praticando Kung Fu. De certa forma isso faz sentido se considerarmos a hostilidade quase selvagem do ambiente em que Bruce cresceu. Todavia, como muitas artes de valor, Kung Fu exige meses de rigoroso treinamento antes que o principiante comece a perceber suas verdadeiras possibilidades. Os que se matriculam numa escola de Kung Fu por motivos não condizentes com os princípios dessa arte, ao curso de uma ou duas lições caem fora. Os que procuram apenas um meio de acrescentar recursos ao seu arsenal de belicosidade logo desistem, desiludidos com a dureza do treinamento básico. Somente os que vêem no Kung Fu algo mais que narizes 29
quebrados persistem. Assim deu-se com Bruce Lee. Atraído de início pelo único objetivo de aprender defesa pessoal, Bruce foi gradualmente dominado pela fascinação do Kung Fu. linha branca. Bruce, ainda furioso, soltou um par de chutes, atingindo o oponente no olho e na boca, o que lhe custou dois dentes. Após o incidente, os pais da "vítima" queixaram-se à polícia e a Sra. Lee teve de ajeitar a questão, advertindo depois o jovem filho de que se tal fato se.repetisse ela contaria a seu pai e providências seriam tomadas.
Quando Bruce atingiu seus 14 anos, descobriu outra maneira de expandir suas energias, a dança. Com natural 30
graça e agilidade aprendeu rapidamente todas as danças populares da época, sendo sua favorita o Chá-chá-chá. Cada dia, depois da escola, ia à casa de seu amigo Pearl Cho e praticavam até que se tornou campeão de Hong Kong. Mas as lutas de rua continuavam e cada vez que Bruce se envolvia numa encrenca, sua mãe tinha que comparecer à escola e conversar com o diretor. Nessa época, Bruce frequentava a Saint Francis Xavier College e um dos frades, o irmão Edward também notou que Bruce estava se tornando muito selvagem. Para ensinar-lhe uma lição de humildade, convidou-o a ir à sala de boxe de colégio e se pôs a boxear com ele. Bruce nunca boxeara antes, mas usando as técnicas de Wing Chun foi capaz de sair-se muito bem. Vendo que Bruce tinha talento, Frei Edward convidou-o a ingressar na equipe de boxe do colégio e a participar do próximo torneio interescolar. Quando Bruce Lee cursava seu último ano de Colégio, ele ainda voltou a atuar como protagonista de outro filme de sucesso, "The Orphan" Com dezessete 31
anos Bruce era muito forte, rápido, durão e insolente. Isso ressentia seus contemporâneos, colocando-o em sérios perigos com gangues de Kowloon. Todavia, nem sempre era Bruce quem procurava por encrencas, na maioria das vezes eram as encrencas que o procuravam. Desde muito jovem, Bruce Lee gostava de se vestir bem e cuidar de sua aparência pessoal. Como seus pais estavam razoavelmente bem de vida, o jovem Lee podia dispor de boas roupas. Certa .noite, tal esmero no vestir trouxe-lhe mais uma encrenca. Bruce estava fazendo uma travessia de balsa, quando dois "punks" começaram a provocar, perguntando-lhe se era um rapaz ou uma moça. Continuaram zombando, mas Lee conseguiu manter a calma até a balsa atracar. Ao descerem, Bruce não aguentou mais, pondo-se a xingá-los para espanto de seus provocadores! O maior deles avançou sobre Lee, que golpeou com um rápido e violento chute na canela. O "punk" não pode fazer outra coisa 32
a não ser pular e gritar de dor. Imediatamente Bruce avançou sobre o segundo que fugiu feito um coelho assustado. Bruce causava a seus pais muitas noites de insônia e uma terrível dor de cabeça, Eles sabiam que o jovem Lee estava rondando as ruas a procura de encrencas. A situação chegou a tal ponto que Bruce foi parar numa delegacia após uma briga. Para sua mãe foi a gota d'água. Ela proibiu-o de aceitar uma oferta do milionário produtor Sir Run Run Shaw, após o grande sucesso de "The Orphan". Era tempo de mudar. Por tudo isso, sua família decidiu enviá-lo para outro ambiente, uma outra vida que o afastasse das brigas, pois em Hong Kong ou se apanha ou se bate. O jovem Lee foi enviado para os Estados Unidos da América, onde deveria completar seu curso superior. Como mãe, Grace sentia em seu coração que partir seria a única solução e a única chance de Bruce para endireitar, fazendo algo de sua vida. Na América, o jovem Bruce Lee ia defrontar-se com um novo mundo. Com dezoito .anos de idade e apenas cem dólares no bolso além de uma passagem de terceira classe num navio cargueiro, partiu Bruce. O jovem Lee estava a caminho da América! Embora tivesse regressado aos Estados Unidos da América — sua terra natal — com o propósito de aprimorar sua educação, o "Sonho Americano" significava, para Bruce Lee em seus 18 anos, muito mais que apenas a chance de 33
frequentar uma Universidade. Ambicioso, sonhador, motivado pelo êxito de seus últimos filmes rodados em Hong Kong, o jovem Lee almejava, na América, as luzes de Hollywood! Ainda hoje, Hollywood continua sendo, mesmo para a capital do vasto império industrial cinematográfico mandarim — Hong Kong, uma meta inatingível, um Reino Mágico muito além do alcance dos mais consagrados atores do Oriente. Logo, portanto. Bruce descobriu que embora tivesse viajado cinco mil milhas em sua busca por realização e fortuna, o dourado portal da fama continuava inacessível à sua conquista imediata. Alguns anos mais tarde, quando as negociações para que Lee estrelasse sua própria série de Kung Fu na TV americana deram em nada, Bruce declararia aos repórteres: — "O que está dificultando as coisas é que uma série de pessoas em Hollywood estão agora reunidas tentando decidir se a audiência americana está pronta ou não para aceitar um herói oriental!"
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Em 1958, praticamente os únicos personagens chineses "tolerados" pelo público americano eram o cozinheiro Fu Manchu (por sinal um ator branco sob quilos de maquiagem) e as indispensáveis hordas de amarelos que se lançavam com sanguinária sanha sobre os soldados americanos nos famosos filmes de guerra. Se Bruce Lee aceitasse colocar um rabicho atrás da cabeça poderia conseguir talvez, na melhor das hipóteses, um lugar de extra frente à câmera de algum seriado de TV... Mas depois de ter liderado, na vida real, tantos grupos rebeldes nas perigosas ruas de Hong Kong por quase uma década, Bruce Lee não estava a fim de se deixar pregar um rabicho por ninguém. Os primeiros meses da nova vida de Lee nos Estados Unidos foram passados com um amigo de seu pai, em San Francisco. Mas Bruce não suportaria essa dependência por muito tempo: faria sua mala e rumaria para o norte de Seattle, no Estado de Washington, sobrevivendo do trabalho que todo imigrante chinês gostaria de poder evitar... ajudante de cozinha e lavador de pratos! Assim, durante o dia Bruce estudava na Edison Vocational High School, à noite trabalhava no Ruby Chow Restaurante, em cada momento livre de seu tempo, praticava diligentemente seu 35
Kung Fu! Foi uma mudança radical entre o rapazote líder das gangues de rua de Hong Kong e o então compenetrado estudante do Curso de Filosofia da Seattle's Washington University. Nessa época Bruce Lee já começava a ensinar sua concepção própria do estilo Wing Chun Kung Fu, primeiro para amigos mais íntimos e depois para alguns poucos alunos selecionados que pagavam um preço moderado pelas aulas dadas em parques de estacionamento ou porões de velhos edifícios, pois Lee não podia, ainda, dar-se ao luxo de manter uma escola.
Foi durante esse período que Bruce teve por colega de Universidade a bela estudante de medicina, descendente de suecos, Linda Emery que viria tornar-se sua aluna e logo 36
depois sua esposa. Conta-nos Linda: — "Eu tinha uma amiga chinesa que tomava lições de Kung Fu. Um dia ela me levou para assistir uma aula de Bruce que ensinava também filosofia oriental. Achávamos tudo muito excitante, divertido e eu acabei participando do grupo que sempre o seguia. Não sei se estava mais interessada no Kung Fu ou no professor! O fato é que em 1964 estávamos casados." Os primeiros anos desse casamento que durou até o dia da morte de Lee foram descritas por Linda como "embora financeiramente difíceis, extremamente felizes!” Para muitos amigos e parentes de Bruce, a escolha de uma esposa ocidental poderia parecer estranha, mas para os mais íntimos não havia nada de espantoso nesse relacionamento: — "Linda não é muito diferente das moças chinesas. — afirmou Peter Lee, irmão mais velho de Bruce — Apesar de norte-americana possui muito do temperamento oriental, ainda que continue comendo comida chinesa com garfo..." Poder-se-ia dizer que Linda representava o Yin e Bruce o Yang.
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Ela a parte suave e ele a parte enérgica de um todo que se integrava muito bem. Descrevendo seu relacionamento com o marido, logo após a morte de Lee, assim expressou-se Linda: — "Nosso casa mento não foi a matemática equação onde um mais um igualam dois, mas, .antes, duas metades que se ajustaram perfeitamente para formar um todo harmônico." Linda Lee, na verdade, foi, segundo testemunhos .de parentes e amigos íntimos do casal, durante toda a vida de Bruce a esposa meiga e compreensiva que conseguiu equilibrar o temperamento violento do companheiro, apoiando-o irrestritamente durante os anos de penúria ou.de fortuna, nas horas de decepções ou de alegrias. Foi desta maneira que acabou se tornando também parte do mundo privativo das Artes Marciais... — "Nunca estive fora de forma — relembra Linda — e podia dar conta do que os alunos de Bruce faziam. Depois de casados, Bruce treinava comigo, moderadamente, é claro! mas eu lhe servia como uma espécie de parceiro de treino no qual ele tentava ou experimentava suas novas concepções de combate." Deixando o Curso de Filosofia da Universidade de Washington um ano antes de graduar-se, Bruce Lee abriu sua primeira escola de Kung Fu na tentativa de manter-se com a família que iniciava. Essa escola era apenas um modesto salão localizado num pequeno porão, em Seattle. Não obstante, Bruce sentia38
se muito orgulhoso de seu "The Jun Fan Gung Fu Institute". Por um mês de instrução cobrava 22 dólares, fazendo um desconto para os alunos menores de idade.
Pouco tempo depois, Bruce e sua jovem esposa mudaram-se para Ookland, Califórnia, nas proximidades da baía de San Francisco, deixando a escola de Seattle nas mãos de um aluno e íntimo amigo, Taky Kimura. O casal Lee passou, então, a viver com outro amigo de Bruce, James Lee (não havia parentesco, o mesmo sobrenome era puro acaso). Com Jantes, Bruce abriu um segundo Jun Fan Institute e foi durante esse período que iniciou a preparação de um livro sobre sua arte. Não chegou a completá-lo, porém suas anotações foram compiladas e publicadas, após sua morte, sob o título "Tao of Jeet Kune Do". Bruce declarou na época que não tencionava publicar o livro porque — "muitas pessoas iriam usá-lo com fins lucrativos ou com o intento de abrirem escolas usando meu nome por instrutor... e eu jamais prostituirei minha arte por 39
dinheiro!" Por volta de 1964 o Karatê havia se estabelecido plenamente como a arte de combate mais letal nos Estados Unidos, seguido pelo Judô e Jiu Jitsu. Para Lee, a exclusiva popularidade das formas japonesas de combate representava um duplo desafio: a luta contra o preconceito, a rejeição e mesmo repulsa com que os americanos tratavam os chineses e a barreira que teria de superar para estabelecer — também entre os de sua própria raça — seu sistema revolucionário de ensino que rompia com 'todas as tradições. Ansioso para promover o então quase desconhecido modo de combate chinês, Kung Fu, dando a conhecer ao público americano algo mais sobre a cultura chinesa além do que sabiam sobre sua comida, Bruce empreendeu várias turnês pela região, fazendo demonstrações e participando de torneios. Foi numa dessas ocasiões que, pela primeira vez, Bruce Lee teve voltada para si a atenção de Hollywood! Um dos mais famosos eventos no campo das Artes Marciais, na época, era o Long Beach International Karatê Tournament, promovido pelo cognominado pai do Karatê americano, Ed Parker. Convidado por Parker, Bruce compareceu a fim de demonstrar parte dos recursos de sua Arte e o resultado foi surpreendente! Além do delírio popular e do impacto que seu 40
sistema revolucionário de luta causaria no mundo das Artes Marciais, esse evento abriu-lhe as portas para o sucesso também no mundo cinematográfico. Entre a seleta platéia estava o estilista Jay Sebring, famoso nos meios artísticos de Hollywood, cabeleireiro de Paul Newman e William Dozier — o gênio responsáve l pelo sucesso da série Batman. Dozier mencionou casualmente estar procurando um oriental para fazer o papel de filho n.° 1 de Charlie Chan e o primeiro nome que veio à cabeça de Sebring, ainda impressionado pela demonstração que assistira no torneio foi, é claro, Bruce Lee! Assim, logo depois Lee já estava fazendo um teste cinematográfico para a 20th Century Fox. Conseguir o papel para representar o filho de Charlie Chan já seria uma vitória, pois o próprio Charlie Chan era sempre representado por um 41
senhor branco, tal a barreira que um oriental — especialmente chinês — encontrava nos círculos do cinema americano. Mas as coisas começavam a melhorar para Lee e um dinheiro extra era mais que bem vindo, principalmente então que, em fevereiro de 1965, o jovem casal ganhava seu
primeiro filho, Brandon Lee... "O primeiro chinês de olhos azuis e cabelos loiros" — diria Lee orgulhoso! Bruce, Linda e Brandon mudaram-se para Los Angeles onde Lee recebeu um mês de treinamento na "20th Century Fox Acting School". Logo a seguir, Bruce levou a esposa e o filho para Hong Kong a fim de rever sua família chinesa e apresentar-lhe os novos membros. Ao regressar aos Estados Unidos, soube que a série Charlie Chan havia sido cancelada. William Dozier, contudo, decidira investir no sucesso de Batman e lançou um seriado baseado na antiga novela radiofônica "The Green Hornet". 42
Bruce recebeu, então, a oferta para representar o guardacostas e motorista oriental do herói Britt Reid, "Kato". — "Sabem como obtive esse papel? — diria Lee mais tarde ao jornalista Jack Moore, entre lacônico e sarcástico — O nome do herói da série era Britt Reid e eu era o único chinês em toda a Califórnia que podia pronunciar o nome Britt Reid, eis porquê!" Nessa época, Bruce Lee abria um terceiro Jun Fan Institute, em Los Angeles, deixando o de Oakland sob a orientação de James Lee. "The Green Hornet", no qual fora permitido a Bruce Lee demonstrar apenas uma pequena quota de Kung Fu, correu por todo o território dos Estados Unidos como uma série "medíocre"; porém o personagem "Kato" tornou-se um herói entre as crianças e estourou mais tarde em popularidade no Oriente.
Referindo-se a seu desempenho — muito formal — nesse seriado americano, comentou Lee à Rádio de Hong 43
Kong: — "Quando fiz "The Green Hornet" conforme olhava a meu redor via uma porção de seres humanos, mas ao olhar para mim mesmo percebia que eu era o único robô entre todos... porque não estava sendo natural!" Embora insatisfeito com sua participação nessa série de TV, a performance de Bruce como "Kato" granjeou-lhe muito prestígio no mundo das Artes Marciais... — "Eu poderia ter feito uma fortuna durante a apresentação do seriado, pois fui abordado insistentemente por vários homens de negócio que me propunham abrir uma cadeia de escolas "Kato - Defesa Pessoal", todavia recusei. Não achei que seria a coisa certa a fazer visto meu ensino ser de cunho estritamente pessoal." — afirmou Lee mais tarde.
Realmente, mais importante para Bruce do que impressionar aos homens de negócio do mundo das Artes Marciais, foi o enorme sucesso popular que "The Green Hornet" alcançou em todo o Oriente. Dublado em Mandarim, a série bateu todos os recordes de audiência em Singapura e nas Filipinas. "Kato" tornou-se um herói para o público oriental e os primeiros pares de Nunchaku — os bastões de luta que Bruce usou pela primeira vez no seriado — já se tornavam a marca 44
registrada de seus filmes, começando a aparecer em forma de brinquedo nas mãos dos moleques de rua de Hong Kong. Servindo-se de tal êxito, a 20th Century Fox, com o intento de negociar seu seriado no Oriente, promoveu uma turnê publicitária e Bruce viu-se solicitado por repórteres,
entrevistas e demonstrações que o lançaram em pleno êxito praticamente da noite para o dia. No show de TV "Enjoy Yourself Tonight" Bruce encerrou uma demonstração de Kung Fu partindo 5 tábuas, de uma polegada cada, pendentes em sua frente e 8 tábuas, de duas polegadas cada, unidas por uma fita adesiva, feitos que quase nenhum artista marcial se arriscaria a executar em público. Entre a platéia estava o produtor Raymond Chow buscando por um talento para sua recémformada companhia cinematográfica Golden Harvest. Antes que tivesse a oportunidade de entrar em contato com Lee, no intento de discutir um contrato para, pelo menos, um 45
filme, Bruce regressava a Los Angeles atraído, ainda, pelo apelo de Hollywood! Infelizmente para Bruce, porém, depois de "The Green Hornet", tudo que conseguiu foram "pontas" em filmes de pouco sucesso como "Ironside", "Blondie", "Here Come the Brides" e algum trabalho como diretor técnico de cenas de luta de outras películas... — "Afinal quem precisa de um ator chinês em Hollywood quando não for para Charlie Chan?" desabafaria Lee. Desgostoso com tal situação, Bruce voltou a ensinar sua visão pessoal do Kung Fu, e, para surpresa sua, nomes famosos como Steve McQueen, James Coburn, James Garner, o roteirista Stirling Silliphant, Joe Hyams, Elke; Sommer e outros passaram a buscar insistentemente o privilégio de serem admitidos como seus alunos. Logo, Silliphant, Coburn e McQueen tornaram-se não apenas discípulos, mas íntimos amigos: — "James Coburn definitivamente não é um lutador... — comentaria Bruce posteriormente em uma entrevista — aficionado, sim! É um homem muito pacífico. Estuda Arte Marcial porque encontra nela um espelho por onde ver a si mesmo. Eu, particularmente, acredito em todo tipo de conhecimento... em última instância, conhecimento significa auto-conhecimento. E é isso que Coburn busca! Steve (McQueen) já é muito nervoso. Poderá vir a ser um artista marcial muito bom se se tornar mais pacífico, como Coburn. No momento atingiu apenas o nível de sentir a Arte Marcial como um excitamento... como o produzido pela sua nova moto ou seu carro esporte, ou alguma forma de liberar suas emoções." Foi através da influência dos grandes nomes do cinema — que se tornaram seus amigos — que Bruce Lee conseguiu uma ponta no filme "Marlowe" da MGM, com James Garner e 46
um papel para quatro capítulos da série de TV "Long-street", com James Franciscus. "Longstreet" foi sua primeira real oportunidade para atuar num filme... e Bruce gostou!
“(...) Ouça... você não pode ver, mas você pode ouvir! Ouça o vento... Ouça os pássaros... Pode ouvi-los? Você tem que se tornar o vento. Esvazie sua mente. Penetre nas coisas como a água preenche a xícara. Você tem que. pensar no nada... tornar-se fluido... tornar-se o nada!" Lee ao seu discípulo cego: Longstreet O primeiro episódio da série "Longstreet" teve por título "The Way of the Intercepting Fists" - ou seja, o significado literal da arte de Bruce Lee. Jeet Kune Do. Nele, James Franciscus (Longstreet) - um detetive de seguros que ficara cego em um acidente - é testemunha de um crime, mas não conseguindo convencer a polícia de que poderia provar a identidade do assassino, resolve desafiá-lo e, para isso, é treinado por Lee em Jeet Kune Do, Esse episódio foi tão bem sucedido que até os exigentes críticos norte-americanos o elogiaram. O "New York Times" chegou mesmo a sugerir que Bruce tivesse seu próprio seriado! 47
Nessa época, a Warner Bros estava trabalhando num projeto chamado "The Warrior" que retratava um Mestre de Kung Fu Shaolin exilado no Oeste selvagem americano por ter matado um membro da Casa Imperial Chinesa.
Bruce esperava representar esse personagem, porém, mais tarde "The Warrior" seria lançado com muito êxito como a série de TV "Kung Fu" estrelada pelo então quase desconhecido David Carradine que além de não ter nenhum treinamento em Arte Marcial, declarava-se francamente adverso ao tema! Mais uma vez o preconceito racial americano golpeara Lee. profundamente... Todavia, Bruce tinha outro projeto em mente: ele, Siliphant e Coburn haviam escrito um roteiro centralizado no tema de um homem em busca de sua própria identidade - The Silent Flute - (A Flauta Silenciosa). Nesse projeto, também enviado a Warner, Bruce representaria cinco papéis diferentes. Entretanto houve problemas quanto aos locais de filmagens - que deveriam ser 48
na índia - e a Warner arquivou o projeto com receio de arriscar dinheiro numa produção duvidosa. Ainda assim, Bruce confiava num futuro promissor, mesmo que naquele particular momento tudo parecesse frustrador em sua vida. Enquanto aguardava respostas e ofertas, incerto das decisões a tomar, uma chamada telefônica de Hong Kong em linha aberta com transmissão radiofônica direta iria mudar toda sua vida! Desde sua visita promocional como "Kato", a imprensa local se mantinha em constante contato com o "Astro de Hollywood": - "Costumavam telefonar de manhã cedo e levar a conversa telefônica ao ar" - relembra Bruce - "Numa dessas ocasiões o locutor perguntou-me se eu gostaria de fazer um filme no Oriente. Quando respondi que faria se valesse a pena, comecei a receber chamadas telefônicas e ofertas de produtores de Hong Kong e da Tailândia", Uma dessas ofertas vinha do cabeça da Golden Harvest. Raymond Chow, que já havia tentado antes se aproximar de Bruce, sem sucesso. - "Eu não descobri Bruce Lee" -declararia Chow mais tarde para a revista Fighting Stars - "assim como ele não me descobriu, como muitas pessoas estão dizendo. Ele já havia feito "The Green Hornet" e "Longstreet" e muitos filmes em Hong Kong quando criança e adolescente. O que eu realmente fiz foi lembrar-me do carisma que ele tinha na tela e oferecer-lhe um papel principal. Eu não poderia vê-lo fazendo nada menor..." Raymond Chow arranjou um roteiro e telefonou para Los Angeles quase ao mesmo tempo em que a Shaw Brothers Studio oferecia a Lee uma proposta de contrato. Bruce foi muito franco e direto em sua conversa com 49
Chow e este enviou um representante para os Estados Unidos com o roteiro de um filme e um contrato pronto. Esse representante fora a esposa do diretor principal da Golden
Harvest, Lo Wei. Após alguns dias, ela regressaria a Hong Kong com o acordo assinado e pouco tempo depois Bruce Lee partia para sua primeira chance no filme que o lançaria ao estrelato mundial: "The Big Boss" - (O Dragão Chinês). A meta de Bruce Lee no cinema, segundo sua esposa Linda, era tornar-se um ator de nível internacional reconhecido mundialmente por sua qualidade em levar às telas o melhor em termos de Arte Marcial e coreografia cinematográfica. Um ano antes de assinar com Raymond Chow, Bruce já declarava abertamente sua convicção em tornar-se um dia um astro internacional... "Seguirei os passos de Clint Eastwood e Charles Bronson" - disse certa vez a um produtor cinematográfico norte-americano - "Eles se tornaram mundialmente famosos filmando na Europa, eu o serei filmando em Hong Kong". O produtor simplesmente riu na sua cara e advertiu: "Esqueça essa ideia! Você é chinês, o público 50
ocidental nunca o aceitará!" - "É o que veremos!" respondeu Lee secamente. Todavia essa discriminação racista serviu tão somente para reavivar as chamas de sua ardente ambição. No mais profundo de seu íntimo, Lee sabia que poderia conseguir o que queria! Por esse mesmo motivo não quis prender-se a nenhuma companhia cinematográfica do Oriente através de um contrato muito longo que o impedisse de aceitar ofertas de outras companhias norte-americanas ou européias. Ao chegar a Hong Kong a fim de empreender os preparativos para sua primeira grande película, Lee sem dúvida percebeu que embora os estúdios chineses estivessem disputando ferozmente sua presença, estavam muito aquém do estilo refinado de Hollywood ao qual se acostumara desde que fizera "The Green Hornet" e "Longstreet". Financeiramente, a Golden Harvest não era páreo para a Paramount e o orçamento de 500 mil dólares de Hong Kong para a introdução de Lee no mercado Mandarim, ainda que uma soma respeitável para os estúdios chineses era uma insignificância pelos padrões de Hollywood.
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A Show Brothers poderia absorver facilmente tal perda se o filme falhasse, mas um desastre financeiro desse porte significaria séria encrenca para a Golden Harvest e para o futuro cinematográfico de Bruce Lee no mercado Mandarim. O roteiro oferecido a Lee - profeticamente intitulado "The Big Boss" estava demasiadamente abaixo do nível literário de Siliphant, embora considerado um enredo acima da média pelos padrões chineses. Lee não pôde aceitá-lo sem fazer muitas modificações, comentando mais tarde: -"Tudo é exagerado nos filmes chineses. Para se fazer bons filmes é preciso usar de sutileza e poucas pessoas no negócio cinematográfico Mandarim arriscariam algum dinheiro nisso! É incrível a quantidade de matéria que tive que reescrever para "The Big Boss"! Felizmente Raymond Chow percebeu a necessidade de tais modificações e as aceitou".
Além da preocupação quanto ao roteiro e ao orçamento do filme, o local escolhido - uma pequena aldeia no exterior de Bangkok, Tailândia foi desastroso para Lee. A umidade 52
excessiva, o clima sufocante, a praga dos mosquitos, baratas e lagartos, a falta quase total de comida - só havia arroz e vegetais para a alimentação da equipe —, a ausência de comunicação com o resto do mundo contrastavam de maneira deprimente com os recursos de Hollywood que Bruce conhecera. Nesse ínterim, o primeiro episódio de "Longstreet" alcançava êxito sem precedentes nos Estados Unidos e a Paramount buscava ansiosamente por Lee para mais dois ou três episódios da série: - "Não poderiam achar-me," diria Lee mais tarde - "eu estava realmente no fim do mundo! Sem alimento e sem meios de comunicação. Cheguei a perder 4 quilos!"
Raymond Chow decepcionou-se ao assistir as primeiras provas do filme. Eram terríveis! O diretor não havia dado conta do trabalho e Chow foi obrigado a mudar de diretor em pleno desenrolar das filmagens. O homem chamado para salvar a 53
película foi Lo Wei, um conceituado veterano da Shaw-Bros. Mas, infelizmente, Lo Wei e Lee desentenderam-se, dando margem a uma intolerância que mais tarde agravou-se a ponto de um rompimento definitivo entre diretor e ator. Apesar dos reveses, da má sorte e das dificuldades que rodearam a equipe, Lee declararia depois: - "The Big Boss foi um filme importante para mim porque tive um papel principal pela primeira vez. Senti que podia fazer melhor do quem em "The Green Hornet" e contava com a experiência de já ter feito "Longstreet". Aos olhos sofisticados do Ocidente, "The Big Boss", apresenta um enredo medíocre tendo por cenário uma fabrica de gelo na Tailândia. Chen (Bruce Lee) chega para trabalhar na fábrica juntamente com seus primos e, pouco tempo depois, dois de seus amigos desaparecem da linha de produção.
Desconfiados com o contínuo desaparecimento de seus colegas de trabalho, os operários apelam para uma greve a fim de exigir uma resposta satisfatória do chefe. Como resposta, entretanto, o dono da fábrica envia um caminhão 54
carregado de capangas para persuadirem os homens a voltarem ao trabalho, Até então, Chen havia mantido uma promessa feita a sua mãe, de não se envolverem lutas, embora tivesse sido tentado a quebrá-la em muitas ocasiões anteriores. Agora, porém, tendo descoberto pacotes de heroína e cadáveres de seus amigos ocultos dentro dos blocos de gelo, Chen não pôde mais se conter e numa sucessão sangrenta de combates elimina virtualmente cada membro da quadrilha, culminando numa luta final com o próprio chefe que é morto também.
Quando as filmagens se completaram, tanto Lee quanto Chow acreditavam ter em mãos um filme razoavelmente bem sucedido. Embora nada brilhante, certamente não seria um fracasso como primeiro esforço de ambos: - "Eu não esperava que ‘The Big Boss’ quebrasse qualquer espécie de bilheteria," - confessaria Lee mais tarde - "mas sabia que seria um filme a dar lucro." O impacto que "The Big Boss" causou no Box-Office de Hong Kong surpreendeu a todos! Em seus primeiros 19 dias nas telas de Hong Kong, o filme rendeu $ H.K. 3,2 milhões, quebrando a maior prévia local de bilheteria "The Sound of Music" (A Noviça Rebelde) por $ H.K. 800 mil. 55
Em Singapura, na Malásia e nas Filipinas e por todo o resto do circuito Mandarim o filme ultrapassou todos os recordes anteriores. Mais de um milhão e meio de pessoas o assistiram no primeiro lançamento. - "Acredita-se nos meios do film-business que por "The Big Boss" ter se saldo tão bem. é improvável que seu sucesso seja igualado no futuro" publicou The China Mail, É fácil entender porque a audiência consagrou "The Big Boss" como "a grande renovação do cinema Mandarim". Para começar, havia um enredo razoável conectando as cenas de luta. Lee havia dado a cada personagem uma identidade própria com retoques humanos — o legado de sua experiência na América como roteirista. Para o Ocidente esses retoques ainda pareceriam desajeitados, mas para a audiência de Hong Kong eram os mais apropriados para retratar na tela, personagens que se parecessem com seres humanos e não com meros sacos de pancadas... "As pessoas gostam de filmes que oferecem algo mais do que apenas uma longa e infindável batalha." - comentou Lee na ocasião - "O que espero é que este filme represente um novo rumo para o cinema chinês.” Além disso, os fãs haviam descoberto um herói que valia a pena idolatrar. Muito diferente dos atores produzidos em estoque pela Shaw Studios, Lee era um astro natural. Ele possuía o carisma e a arrogância que tornam as lições teatrais irrelevantes: essa qualidade que faz os grande mitos ao cinema! Comparados com Lee, os mais populares atores chineses pareciam bonecos esculpidos em madeira! Os fãs de Hong Kong nunca haviam visto nada igual antes e apegaramse àquela imagem de rapaz de boa aparência e tranquilo charme, todavia lutador feroz quando necessário! A partir de então houve sempre pelo menos uma revista em Hong Kong com o rosto de Lee na capa... Era o início de um sucesso sem 56
precedentes! Mas o real motivo para o sucesso de "The Big Boss" assim como para os outros filmes de Bruce Lee - reside nas sequências de luta. Houve quem dissesse que ainda que Lee fosse o corcunda de Notre Dame, suas incríveis cenas de luta teriam sido mais que suficientes para fazer a platéia chinesa delirar. Segundo as palavras de um dos maiores críticos norteamericanos, nos filmes de Bruce Lee "Não se trata da vulgaridade de um pistoleiro tipo James Arness enchendo de balas ladrões de diligência bêbados; tampouco dos recursos fabricados para James Bond: aparelhos engenhosos que surgem na hora certa em socorro do herói! Não se trata do punho-martelo tipo John Wayne esmurrando para fora do salão os beberrões caídos sobre as mesas viradas e as imitações de vidro das janelas quebradas... Lee usa, antes, a própria ciência do corpo levada à sua mais apurada e fantástica forma de expressão e eficiência: Observar Lee lutar é como observar uma pantera dando caça a coelhos!" Ao comentar sobre seu personagem Chen, em The Big Boss, Bruce Lee explicou retratar um rapaz ingênuo que, acreditando em tudo que lhe diziam, tornou-se um animal feroz ao perceber que fora enganado. O termo que usou 57
descreve exatamente Lee em pleno combate: um animal lutando com furor frenético! Socos e chutes são desferidos
com perfeito controle e precisão, mas desfere encontra-se em êxtase furiosa lábios contraídos, garganta ressoando cortante como o de uma ave em pleno impressionante... e os fãs gostaram!
o homem que os - olhos brilhantes, num kiai agudo e ataque! Espetáculo
Para provar à audiência que as lutas de seus filmes não eram escoradas em truques cinematográficos, Lee e Chow desenvolveram um sistema de tomadas extralongas - algumas durando por mais de 20 segundos: tempo enorme na filmagem profissional. Em cenas de lutas típicas de Hollywood, o cameraman faz a tomada do atacante desferindo o golpe, corta e depois se posiciona atrás do ator que atacou para filmar a vítima recebendo o golpe. Naturalmente ninguém é atingido, a não ser por acidente, "O que Lee fazia” - diz o diretor de Golden Harvest, Michael Kaye – “era coreografar a luta e deixar a câmera correr, sem truques!" 58
É preciso lembrar que Lee estava lidando primariamente com uma audiência local que conhecia Kung Fu e que saberia perceber onde houvesse truques. Quando se observa um filme chinês comum, vê-se que as lutas são do tipo "rodamoinho", sem pausas, nas quais todo mundo bate em todo mundo... mas com Lee não era assim! Seus combates levados à tela eram os mais reais possíveis dentro do contexto cinematográfico. Terminadas as filmagens de "The Big Boss", Lee voltou aos escritórios da Golden Harvest para encontrar um monte de telegramas e cartas da Paramount. Produtores procuravam-no para mais alguns episódios da série "Longstreet”. Em Hollywood, uma série de telegramas e chamadas telefônicas internacionais é fato rotineiro no mundo cinematográfico. Em Hong Kong, porém, Lee foi instantaneamente considerado "propriedade quente" de Hollywood: - "É engraçado" - brincaria Lee mais tarde -"mas quando a Paramount enviou-me alguns telegramas, os produtores de Hong Kong consideraram-me um astro importante e meu prestígio aumentou pelo menos três vezes!". Com as premissas de êxito na América e um filme bem sucedido no Oriente, Lee voltou a Hollywood para aparecer em mais três episódios de "Longstreet".
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Todavia, baseado numa situação improvável - a de um detetive cego lidando com o mundo do crime - a série saiu logo do ar, depois que Siliphant parou de escrever os roteiros. Nos subsequentes capítulos que lhe deram, Lee não teve chance de mostrar sua arte nem sua filosofia. A despeito de tal revés, Lee continuava teimosamente convencido de que Hollywood estava em sua mão e permaneceu em Los Angeles para considerar outras possibilidades. A Warner Bros ainda pensava em fazer "The Warrior" e a MGM também estava interessada no projeto, mas visto as coisas não se definirem, Lee regressou a Hong Kong para empreender seu segundo grande filme pela Golden Harvest. Originalmetne chamado "The School for Chilvary", a película teve seu título trocado para "Fists of Fury" durante as filmagens. Posteriormente foi lançada nos Estados Unidos com o nome de "The Chinese Connection" e no Brasil chamou-se "A Fúria do Dragão". Rodada em parte nos próprios estúdios da Golden Harvest, foi dirigida ainda por Lo Wei e co-estrelada pela bela Nora Miao que apareceria também no próximo filme de Lee. "Fists of Fury" retrata os dias da Rebelião Boxer, em 1908. Lee é um discípulo de Kung Fu chamado Chen Chen que luta pela libertação chinesa contra a opressão japonesa. Chen regressa à sua velha escola Chin Wu, em Shangai, a tempo de testemunhar o funeral de seu falecido mestre Ho Yan Chia que, de acordo com os outros alunos, morrera de pneumonia. Porém as suspeitas de Chen de que assim não fora são confirmadas após o funeral, pela invasão da escola chinesa por homens da escola japonesa rival que trazem um cartaz onde se lia: - "Os Chineses são os Doentes da Ásia" - Por ordem do então responsável pela Chin Wu School, os alunos chineses 60
não respondem ao insulto.
Inconformado, porém, mais tarde Chen visita a Academia japonesa e derrota todos os seus membros, exclamando antes de sair: - "Agora vocês sabem que os chineses não são mais os doentes da Ásia!". O responsável pela Academia derrotada exige a prisão de Chen pela polícia chinesa, entretanto Chen descobre dois espiões japoneses entre os membros de sua escola responsáveis por terem envenenado o mestre Ho Yan Chia. Exigindo o nome do mandante e não obtendo resposta, Chen mata os espiões e os deixa pendurados num dos postes da rua, depois do que invade a escola rival e literalmente acaba com todos os seus componentes, incluindo um expert russo e um espadachim Samurai! Ao regressar à escola Chin Wu, descobre que quase todos os seus membros haviam sido mortos também é que a polícia já havia chegado. 61
Sob pressão do Consulado Japonês, o inspetor chinês (representado pelo próprio diretor Lo Wei, num estilo "Hitchcock") declara a prisão de Chen, garantindo, todavia, que a escola chinesa seria deixada em paz. Chen resolve entregar-se sob essa condição e ao sair enfrenta as armas das autoridades internacionais, morrendo metralhado em pleno ar, numa dramática arremetida final contra os opressores. Enquanto "Fists of Fury” estava sendo rodado e apesar do estrondoso sucesso, no circuito mandarim, de "The Big Boss", Lee continuava de espreita nas ofertas americanas, esperando que a Warner Bros o solicitasse para a série "The Warrior". Todavia "The Warrior" fora arquivado e a Warner decidiu que não queria nenhum oriental para estrelar a série. Fora uma decepção amarga para Lee que sabia ter sido novamente rejeitado na América exclusivamente pela cor de sua pele e o rasgo de seus olhos! "Fists of Fury" estava profundamente enraizado num sentimento anti-estrangeiro e talvez muito da interpretação de Lee houvesse sido sincera na expressão de sua revolta contra 62
o preconceito e a recusa de Hollywood em reconhecer suas capacidades como ator. No Oriente, entretanto, o prestígio de Lee crescia espetacularmente! rendeu em Hong Kong a maciça quantia de H.K. $4,3 milhões, forçando o "China Mail" a comer suas palavras de que nenhum outro filme superaria o recorde de "The Big Boss". Nas Filipinas, "Fists of Fury" ficou em cartaz por mais de seis meses, com as casas de espetáculos lotadas, o que levou o governo a finalmente decidir limitar a importação de filmes para proteger a indústria local. Na estréia em Singapura "Fists of Fury" causou o maior congestionamento de trânsito jamais visto na região, o que forçou o adiamento da avant-première por uma semana. Cambistas vendiam entradas de uma libra por quinze libras! Na Tailândia, o filme recebeu o "Oscar Asiático" como "Melhor Ação em Cinema". Na tela e fora dela Lee tornara-se um super-herói aos olhos populares: - "Bruce sabia instintivamente o que a audiência gostaria de ver e o que não gostaria" - diz André Morgan - "Não foi por acaso que seus filmes fizeram tanto sucesso!" Segundo Michael Kane certas cenas de "Fists of Fury" foram intencionalmente filmadas para elevar o moral do povo chinês. A célebre frase "Os Chineses não são mais os doentes da Ásia" e o cartaz que Lee despedaçou com um chute realmente em certa época afixado na entrada do Parque Xangai "Proibida a Entrada de Cães e Chineses", significavam muito mais que simples cenas de efeito cinematográfico. Para os chineses era como dizer-lhes "Vocês são chineses e, portanto, são tão bons ou melhores do que qualquer outra raça". Quando amigos de Bruce Lee voaram de Hollywood até Hong Kong para visitá-lo e atores norte-americanos com Bob Baker e, mais tarde Bob Wall e Chuck Norris participaram de 63
seus filmes tão somente para serem derrotados na tela por um chinês, o prestígio de Bruce em Hong Kong chegou a proporções descomunais. Eram dias em que o território chinês tentava despojar-se do obscuro manto da Revolução cultural e emergia como nova potência nos negócios políticos do mundo. Breve a China convidaria o presidente dos Estados Unidos e este aceitaria o convite. Quando James Coburn voou especialmente para ver Lee, o efeito causado foi o mesmo de Nixon atravessando 5.000 milhas para sentar-se com Mao! Para os produtores de Hong Kong, Bruce Lee estava colocando sua colônia, pela primeira vez, no mapa mundial!
- "Se alguém precisava de um herói eram os chineses de Hong Kong" escreveu o jornalista Peter Bennett. "Nunca tiveram um até que Lee aparecesse!" Todavia, o sucesso não trouxe apenas alegrias para Bruce Lee... trouxe-lhe também - e sobretudo! - problemas. Após o êxito estrondoso de "Fists of Fury", se não fosse Lee na tela, não seria ninguém! As jovens o adoravam, os rapazes 64
o imitavam e até os velhos praticantes de Tai Chi queriam conhecer seu Jeet Kune Do. Wang Yu, o primeiro ator do cinema Mandarim a receber HK.$ 100.000 por filme, parecia um extra perto de Lee. A batalha pela caça de um contrato com Bruce Lee estava desencadeada.
-"Era desconcertante." - confessaria Lee mais tarde — "Eu não sabia em quem confiar e chegava até a duvidar de meus velhos companheiros. Foi um período no qual eu não sabia quem estava tentando tirar vantagens de mim!” Estranhos chegavam a esperá-lo no portão de sua casa, com cheques de H.K.$ 200.000 que lhe eram entregues "como presente, simplesmente", desaparecendo depois. Lee destruía tais cheques sem chegar a descobrir de onde vinham e com que fim lhe haviam sido dados. Seu telefone tocava constantemente; fãs, desafios e produtores oferecendo fortunas de que nem poderiam dispor! Propostas chegavam aos montes, diariamente, em forma de cartas, telegramas ou por representantes pessoais. Um produtor chegou a colocar sua oferta num dos jornais de Hong Kong! A assinatura "Bruce Lee" num simples pedaço de papel 65
já representava dinheiro garantido. Ironicamente, o resultado de toda essa procura e pressão sobre Lee foi aproximá-lo ainda mais do produtor Raymond Chow — "Após os dois primeiros filmes, houve tantas ofertas que eu confessei a Bruce ser-me difícil, senão impossível, competir com as enormes somas que lhe propunham." - disse Chow. "Seria desonesto para com ele e para comigo." A solução encontrada foi formar uma nova companhia, a "Concord Films" cujos lucros seriam divididos meio a meio entre Chow e Lee. E foi assim que leve início o terceiro grande filme de Bruce Lee, já pela Concord Films, "The Way of the Dragon". Além da perspectiva de maior margem de lucro, a Concord deu a Lee a oportunidade de fazer as coisas inteiramente a seu modo. Foi uma oportunidade que agarrou com unhas e dentes, livrando-se.de Lo Wei e assumindo completo controle da produção como escritor do roteiro, diretor e astro. O produto final, na opinião de muitos, foi o melhor filme que Lee fez! O enredo era simples, baseando-se nas aventuras de um rapaz ate certo ponto ingênuo, mas que com sua honestidade, esforço e sinceridade consegue vencer a todos que se interpõem em seu caminho! Em resumo, a filosofia de vida de Lee. O cenário de "The Way of the Dragon" foi a famosa Roma, onde Tang Lung (Bruce Lee) chega do interior de Hong Kong para ajudar sua prima (Nora Miao) cujo restaurante chinês estava sendo ameaçado por uma quadrilha local. Após alguns reveses, Tang Lung desmantela toda a quadrilha culminando o filme com a monumental batalha no Coliseu Romano entre Bruce Lee e o sete vezes campeão 66
mundial de Karatê, Chuck Morris, contratado para acabar com Lee. Sem dúvida, a melhor luta jamais levada às telas. Uma obra prima que, na opinião de muitos, nunca será sequer igualada.
Quando as filmagens terminaram, Lee sabia o potencial que tinha em mãos! Esse filme, declarou ele, rendia mais de 5 milhões de dólares. Os críticos julgaram-no louco. Como poderia seu filme dobrar a renda de "Sound of Music"? - "Esse filme é diferente." - respondeu Lee... - e, como sempre, ele estava certo! Apenas nas primeiras três semanas de seu lançamento em Hong Kong, "The Way of the Dragon" rendeu H.K.$ 5,4 milhões l A razão fundamental para o sucesso do filme está na progressão natural de "The Big Boss" para "Fists of Fury" até "Way of the Dragon". Fundamentalmente, a fórmula era a mesma: o herói de alma limpa contra os patifes sujos, mas a 67
estrutura em "Way" apresentou-se muito mais refinada e as cenas de luta realmente mais soberbas e mais reais do que nos filmes anteriores. Enquanto suas duas primeiras películas, sob a direção de Lo Wei, tornaram-se grandes êxitos simplesmente pelo carisma de Lee, "The Way of the Dragon” foi um produto final mais refinado da arte cinematográfica sob qualquer ponto de vista. Não que Lo Wei — há muitos anos no ramo — fosse um mau diretor. Pelos padrões chineses, Lo Wei sabia o que a audiência queria. Mas continuava sendo um diretor chinês, de mente chinesa, limitado pela sua própria vivência nos filmes exclusivamente chineses! Lee, por outro lado, era um homem de duas Pátrias! Sabia ampliar os horizontes de sua terra e alcançar o outro lado do mundo: Europa e América. Em "Way of The Dragon"
conseguiu um equilíbrio entre a vigorosa inocência da indústria Mandarim e a habilidade e refinamento dos produtores norteamericanos. A decisão de filmar em Roma foi uma mostra do desejo de Lee pelo progresso. Assim como o foi sua luta com Norris. Ao derrotar Norris no chão pedregoso do Coliseu, Lee 68
estava dizendo outra vez à audiência que um chinês de l,65m. era tão bom ou melhor artista marcial que qualquer outro do mundo — exatamente o que eles queriam ver. Mas, agora, já com maior controle sobre produção, quis certificar-se de não estar instigando sentimentos perigosos — assim, levou sua .mensagem um tanto mais longe, terminando-a com um fundo moral... Quando Norris, braço e perna quebrados, acha-se encurralado contra a parede da arena, há uma tomada, de uns 10 segundos ou mais, em que Lee olha para seu oponente já vencido e num sentimento de compaixão e humanidade — senão também de respeito pela vida alheia — acena-lhe com a cabeça para que desista. . . Mas Norris, um profissional que vivia pela sua arte, recusa-se e arremete contra Lee num ataque final suicida. Lee vence, mas em vez de afastar-se, simplesmente, do campo de batalha, detém-se ante o adversário morto e cobre-lhe o corpo inerte com a vestimenta branca de lutador, cruzando-lhe sobre o peito seu cinturão preto em sinal de respeito e pesar. Nas palavras de Michael Kaye: - "Normalmente, em filmes chineses não se honra o inimigo. Você o mata do modo mais horrível possível e goza o fato. Mas Lee quis mostrar outra coisa... algo como "orgulhe-se de ser chinês, mas honre também seu inimigo. Ele é tão humano quanto você!" Com o extraordinário triunfo de “The Way of the Dragon", Lee provara, mais uma vez, do que era capaz. Era tempo de alcançar novos horizontes, mas não voltando a San Francisco com 100 dólares no bolso. . . Desta vez seria diferente, desta vez o mundo iria até ele! Hollywood vai a Hong Kong Se Bruce Lee tivesse vivido o suficiente para fazer as coisas a seu modo, nem “The Big Boss", "Fists of Fury" ou "The Way of the Dragon” teriam sido apresentados no Ocidente... — "Os três primeiros filmes que fiz não foram 69
dirigidos à audiência americana". - disse Lee a um repórter "Foram filmes estritamente feitos para o Oriente... estão muito fora da realidade americana!" Em Hong Kong, Lee fazia filmes para seu próprio povo, dando-lhes o que eles queriam ver. "The Way of the Dragon" foi parcialmente uma primeira tentativa de cobrir a brecha entre Oriente e Ocidente e Lee estava ansioso por outras oportunidades de refinar sua técnica antes de arriscar penetrar territórios mais sofisticados como Europa e América. Todavia, tão bem sucedidos foram seus três primeiros filmes que na ocasião em que "The Way of the Dragon" era lançado em Hong Kong, já havia pouco a cobrir dessa brecha! Run Run Shaw iniciara a moda Kung Fu no Ocidente com seu "King Boxer" estrelando Lo Lieh, cuja renda chegou a três milhões de dólares nos Estados Unidos. Em 1972, Run Run Shaw lançou "The Killer", "New One Armed Swordsman" e "Cold Sweat". A invasão Kung Fu havia começado... O diretor Michael Kave. da Golden Harvest, considerou a explosão Kung Fu na América meramente um período de obsessão pelo exotismo oriental. Com a invasão de tais filmes, revistas americanas começaram a publicar artigos sobre Bruce Lee e o colunista Robert Elegant, do Los Angeles Times, citou Bruce Lee como o expoente máximo da Arte Marcial no cinema. Raymond Chaw convenceu-se de que, sofisticado ou não, seu produto estava pronto para fazer sucesso no outro lado do mundo. Primeiro foi "Fists of Fury"... Na Europa, Estados Unidos e Canadá o filme bateu todos os recordes de bilheteria de filmes orientais anteriores, com as casas lotadas em todas as sessões. "Fenomenal”! — exclamou o publicitário londrino Mike Jones. "The Big Boss" foi o próximo lançamento na América e 70
repetiu o êxito anterior. Para espanto seu, Lee saltara direto da adoração dos fãs de Hong Kong para o coração dos americanos sem mesmo ter tentado isso!
Reconhecendo que Bruce Lee era outra coisa, muito acima dos atores e filmes comuns de Kung Fu, os fãs ocidentais transformaram-no num astro internacional virtualmente do dia para a noite. A indústria de Hong Kong imediatamente começou a manipular a imagem de Lee em milhares de camisetas, chaveiros, emblemas, distintivos, etc., vendidos também na América com larga margem de lucro. O rosto de Bruce Lee era presença obrigatória em cada revista de cinema ou de arte marcial e até bonecos com socos mecânicos já eram feitos com a imagem de Lee. Para o mundo ocidental e para os espertos homens de negócio, Bruce Lee e Kung Fu significavam a mesma coisa. Em Hong Kong, Lee e Chaw já começavam a trabalhar uma segunda produção da Concord Films, a ser chamada "The Game of Death". Embora não houvesse ainda um roteiro definido, Lee filmou várias sequências de luta com um velho amigo e astro 71
do basquete americano "Big Lew" - Kareem Abdul Jabbar. Jabbar, jogador do "Milwaukee Bucks", voara até Hong Kong para uma visita social e acabara concordando em aparecer em "The Game of Death".
As filmagens levaram uma semana e satisfizeram a todos, exceto ao empresário de Jabbar, nos Estados Unidos. Jabbar é um dos jogadores de maior seguro no negócio do basquete, não lhe sendo permitido nem visitas promocionais, por receio que se machuque. Quando seu empresário soube que passara as férias em Hong Kong trocando socos com o rei do Kung Fu, teve um ataque! Nesse Ínterim as ofertas continuavam inundando os escritórios da Golden Harvest e produtores de todo o mundo continuavam disputando um contrato com Bruce Lee. Em frente à enorme fila, convencidos agora de que também queriam uma fatia do astro de um milhão de dólares, estavam os produtores de Hollywood! Os mesmos que, há alguns anos, 72
haviam-lhe batido a porta na cara, escarnecendo: — "Um chinês nunca será um astro na América!"
Todas as portas antes solidamente trancadas para Lee abriam-se-lhe amplamente... Uma sensação altamente satisfatória. E a alegria de Lee deve ter aumentado consideravelmente quando se tornou claro que sua velha inimiga, a Warner Bros estava entre as muitas companhias que o buscavam! Ted Ashley, presidente da Warner Bros, telefonou à Concord e expôs seu plano para uma co-produção do "primeiro autêntico filme de arte marcial feito por uma companhia americana", como a equipe publicitária da Warner descreveria mais tarde o projeto. O produtor executivo da Warner, Fred Weintraub, voou a Hong Kong para apresentar a ideia e então Lee e Chaw voaram aos Estados Unidos para assinarem o contrato.
Weintraub e Paul Heller, com a equipe da Warner, juntarse-iam às forças da Concord, escorados pelo capital da Golden Harvest, para produzirem um filme chamado "Enter the 73
Dragon". As filmagens de "The Game of Death" foram adiadas e Lee atirou-se de corpo e alma na nova produção. Seria o maior filme que já fizera e estava entusiasticamente certo de que "Enter the Dragon" seria seu lançamento definitivo como astro de primeira grandeza no cenário internacional... feliz predição l Desde o início "Enter the Dragon" tinha todas as características de vir a ser mais uma cara produção de Hollywood, ou pelo menos assim seria visto nos círculos de Hong Kong. Realmente, pelos padrões americanos, o orçamento de U$ 600.000 dólares era relativamente modesto, considerandose que os filmes de James Bond, por exemplo, chegam a cerca de um milhão de dólares cada. Mas para os produtores chineses e fãs de Hong Kong U$ 600.000 dólares era uma enorme soma! Os homens da Golden Harvest, responsáveis pela construção do cenário, viram-se subitamente com acesso a mais dinheiro que o orçamento total de qualquer prévia produção na que tinham trabalhado!
O veterano ator de Hollywood, John Saxon, estudioso 74
das artes marciais, foi escolhido para estrelar com Lee e o resto do elenco era também significativo: Jim Kelly, campeão internacional de Karatê em 1971, Bob Wall, campeão profissional de Karatê norte-americano em 1970. Peter Archer, campeão de Karatê amador, Yang Sze, campeão de Shotokan do Sudeste Asiático. A irmã de Lee no filme seria a Faixa Preta de Hapkido, Campeã de Okinawa, Ângela Mao: a primeira dama dos filmes de Kung Fu. Mais de 200 extras para as cenas de combate e Lee na coreografia das sequências de luta. O Único lugar no qual "Enter the Dragon" não faria sucesso seria numa escola de cegos. O enredo de "Enter the Dragon" assemelha-se ao dos filmes de James Bond. Bruce, cujo nome da película é também Lee, representa o aluno favorito de um templo Shaolim recrutado para as fileiras de uma organização internacional de combate ao crime. Sua tarefa era infiltrar-se numa sinistra ilha-fortaleza localizada em águas internacionais, em algum ponto próximo à costa de Hong Kong. O dono da ilha - algo semelhante ao satânico Dr. No — possuía, em lugar de uma das mãos, uma garra postiça com pontas de aço e perverso amor por gatos... Antes de partir em sua missão, Lee vem a saber que sua irmã, encurralada por capangas da ilha de Hans que intencionavam violentá-la, havia cometido suicídio com uma lasca de vidro quebrado. Logicamente essa revelação transforma a missão de espionagem de Lee numa vingança pessoal contra o 75
homem que liderara a caça à jovem, provocando-lhe a morte. Durante a viagem para a ilha, Lee encontra seus companheiros de torneio: Roper (Saxon) - que fugia de seus credores, William (Kelly) - que fugia da polícia e Parsons (Archer) — que acabou ludibriado por Lee ao tentar provocá-lo para uma briga, terminando a viagem rebocado num pequeno bote salva-vidas, sob o escárnio da tripulação chinesa que oprimira e espancara pouco antes!
Os visitantes são hospitaleiramente recebidos por Hans com um banquete e à noite com o oferecimento de belas mulheres. Lee, porém, solicita apenas a presença de Mei Ling - que também trabalhava na ilha como agente do Serviço Secreto Americano — e após tomar informações com ela, ronda à noite pelos arredores, descobrindo subterrâneos ocultos nos quais Hans mantinha sua produção de ópio e comércio de escravas brancas. No próximo dia do torneio, Roper e William vencem facilmente seus oponentes, mas Hans descobre que alguém andara saindo à noite pela ilha, contrariamente às ordens dadas e ordena a Bolo, seu melhor lutador (Yang Sze) que 76
execute os negligentes guardas, como advertência a futuras desobediências. É, então, a vez de Lee enfrentar seu competidor, o guarda-costas pessoal de Hans, O'Hara (Bob Wall) justamente o homem responsável pela morte da irmã de Lee!
Após ter sido vergonhosamente espancado, O’Hara arremete contra Lee com duas garrafas quebradas que marcavam o campo de luta, mas, chutando-o, Lee o executa saltando sobre ele e quebrando-lhe o pescoço. Tomando William pelo indivíduo que fizera as rondas noturnas, Hans ordena sua presença e exige que confesse o que sabe. Ante sua recusa, lutam e William é morto pelas pancadas da mão de ferro de Hans. Então, o satânico Hans tenta recrutar Roper para sua organização criminosa exibindolhe o cadáver do amigo pendurado num gancho de açougue sobre um tanque de ácido. Diante disso, Roper finge concordar apenas para juntarse a Lee numa batalha, final contra os homens de Hans. Lee persegue Hans pessoalmente e num labirinto de espelhos dentro do Museu de Guerra da ilha Hans encontra a morte espetado na própria lança que cravara na porta minutos antes, em combate com Lee. 77
Terminadas as filmagens, Bruce sentia-se um homem feliz: — “Este é definitivamente o maior filme que já fiz! Estou orgulhoso dele porque fará sucesso tanto na América e Europa como no Oriente. Estou ansioso para ver o que acontecerá. . . aposto que o filme ultrapassará a renda de U$20 milhões de dólares!" Fred Weintraub também previa grandes resultados para "Enter lhe Dragon", declarando na ocasião: — “Bruce é um ator real e do potencial de Eastwood e Wayne. Essas pessoas valem seu peso em ouro!"
Infelizmente Lee não viveu para ver o espantoso sucesso de "Enter the Dragon" em todo o mundo! Nas primeiras semanas o filme alcançou três milhões de dólares nos Estados Unidos, em Londres monopolizou os melhores cinemas durante cinco semanas seguidas. Na Europa, especialmente na Itália, Espanha e Alemanha foi um box-office! Acredita-se que "Enter the Dragon" seja um filme a ser exibido periodicamente em todo o mundo, tendo já superado a renda de U$ 100 milhões de dólares, entre lançamentos e reprises. No Oriente, todavia, não chegou á alcançar o sucesso de "Fists of Fury" devido aos toques "ocidentais" dados ao filme e à interferência de Saxon e William no papel principal de Lee 78
como herói. Além disso, o roteiro parecia um tanto estranho comparado aos típicos filmes chineses. Ainda assim, chegou a U$ 4 milhões de dólares em Hong Kong, embora nas Filipinas tivesse sido ridiculamente proibido por “excessiva violência"(?) e por propagar a cultura branca! Já antes e durante as filmagens do épico de Hollywood, a pressão sobre Lee estava chegando a níveis intoleráveis. O "stress" do estrelato é uma síndrome bem conhecida no mundo do espetáculo. Acrescente-se a isso o sucessivos desafios a que Lee se via exposto, o que lhe ameaçava a primazia de lutador invicto. A adulação pública, a identidade de super-herói que era levado a viver em Hong Kong, os provocadores, os fotógrafos e toda a imprensa que procurava sempre novidades com as quais rechear as páginas das revistas e jornais, buscando, quando não brigas, a presença de Lee ao lado de belezas e cobiçadas estrelas de Hong Kong a fim de tecer algum comentário que desse margem a histórias picantes, eram fatores que o desgastavam emocionalmente... Por. outro lado, alguns biógrafos de Lee dizem que a adulação pública era um ingrediente vital necessário para ancorar seu dinâmico ego. Nomes como James Coburn, Steve McQueen e outros atores famosos de Hollywood estavam sempre associados ao de Lee e só então Bruce começava a compreender porque muitos deles buscavam a reclusão e o anonimato... —"É irônico, todos nós nos esforçamos para sermos ricos e famosos" - disse Lee certa vez a um repórter — “mas uma vez alcançada a fama, nem tudo é róseo! Dificilmente há algum lugar em Hong Kong onde eu possa ir sem ser cercado por pessoas e pedirem autógrafos. Sempre que vou a lugares públicos, como restaurantes, tento penetrar de esguelha, sem ser notado, sentar-me depressa numa mesa de canto com o 79
rosto contra a parede e comer de cabeça baixa antes que me reconheçam! Não sou desses indivíduos que conseguem se livrar das pessoas... Sinto que se posso perder um minuto para fazer alguém feliz, por que não fazê-lo? Agora, porém, compreendo porque astros como Steve e Big Low evitam lugares públicos. De início não percebia toda a publicidade que eu estava obtendo, mas logo tornou-se uma dor de cabeça responder às mesmas perguntas outra e outra vez, posar para fotos e forçar um sorriso!” Lee nunca fora de frequentar festas e evitava encontros sociais que eram parte integrante da indústria cinematográfica de Hong Kong — tanto quanto possível: — “Não sou dessa espécie de gente". — declarou certa vez a um jornal — "Não bebo e não fumo e esses eventos parecem-me sem sentido. Não gosto de usar roupas abafadas e de ir a lugares onde todo mundo tenta impressionar a todo mundo. Não estou dizendo que sou modesto... mas que prefiro apenas a companhia de poucos amigos com os quais possa conversar informalmente sobre Boxe e Artes Marciais".
Conforme a popularidade de Bruce Lee crescia, ele se recolhia cada vez mais para dentro de si mesmo, as vezes 80
passando dias seguidos trancado em seu estúdio equipado de refrigerador, televisão e prateleiras de livros e mais livros sobre Artes Marciais, Filosofia e Cinema. Embora sempre mantivesse um pequeno grupo de amigos íntimos, os menos íntimos afastavam-se, um a um, magoados ou ofendidos pela barreira emocional e física que Lee construirá ao redor de si. Raymond Chow tornou-se sua única visita constante de negócios. Por falta de outro assunto a explorar, uma revista de cinema publicou um artigo depreciativo sobre a dependência profissional de Lee a Golden Harvest e ao qual Bruce respondeu furiosamente: — "O artigo quer fazer crer que sou um desmiolado que só confio em Raymond Chow. Mas não sou! Sou meu próprio dono e tenho tanto cérebro quanto os outros!" Esse incidente não chegou a romper a ligação Lee/Chow nos negócios do cinema e Lee declararia mais tarde: — "Continuamos tão amigos quanto antes!" De fato, não havia motivo para dissensões entre ambos, já que a Golden Harvest subiu do último lugar para o de segundo maior estúdio do Oriente após os dois primeiros filmes de Lee, "The Big Boss" e "Fists of Fury". Todavia o caso serve para ilustrar o temor de Lee em ser explorado por outros. Ainda assim, aceitou gratuitamente um convite do Superior de sua velha escola Saint Francis Xavier College, para apresentar-se publicamente como mestre de cerimônias na entrega dos prêmios Sport Day Prizes aos alunos que se destacaram naquele, ano: — "Bruce foi um verdadeiro herói para todos nós aquela tarde" — declarou o Frei Eduard, responsável pelo colégio — "e muito gentil em ter vindo. Não precisei pedir duas vezes!" Realmente, o sucesso e o dinheiro não haviam mudado os sentimentos mais íntimos de Lee. Em outra ocasião, ao saber que um de seus amigos estava passando por sérias 81
dificuldades, Lee telefonou-lhe, de Hong Kong para os Estados Unidos, imediatamente perguntando-lhe porque não lhe dissera! Ante a réplica de que seu amigo se sentira acanhado... pois agora, afinal de contas, Bruce Lee era um nome famoso, um grande astro, Bruce exclamou enfaticamente: - "Olhe! Fique sabendo que sou a mesma ‘droga’ que sempre fui! Se precisar de alguma coisa, basta me dizer!" Nessa época, todavia, a vida de Bruce Lee já não lhe pertencia. Era propriedade comum de seus milhões de admiradores e quanto mais buscava a reclusão, mais era visado. Em dias passados, Lee era a procura constante da imprensa para fotos inocentes e cândidas entrevistas. Agora, porém, a fim de manter o apetite insaciável do grande público consumidor, a imprensa o caçava e espreitava como um gavião, esperando seu mais leve deslize para, com uma estória criada ao redor do fato, procurar quebrar sua zelosamente bem guardada imagem de super-herói. Segundo André Morgan: — "Era a velha história da imprensa italiana fazendo dinheiro com escândalos construídos ao redor de Jackie Kennedy ou Elizabeth Taylor!" Os fotógrafos viviam seguindo Lee, tirando fotos e as vendendo para revistas. Cada pequeno incidente se tornava sempre algo muito grande. Certa vez, por exemplo, Bruce teve uma contenda com um funcionário do estúdio da TV e isso deu margem aos cabeçalhos dos jornais pelos próximos três dias! Abdul Kareem Jabbar alugou sua casa aos Black Muslims, em Washington e houve aí um conflito racial com a presença da polícia, O cabeçalho da primeira página dos jornais de Hong Kong foi "Bruce Lee envolvido em assassinato em massa". Lia-se o artigo e via-se que o astro negro do basquete americano, Jabbar, que estivera em Hong Kong 82
filmando com Lee, alugara sua casa na América para um grupo racista que degenerou num conflito grave com a polícia local. Isso era tudo! E era esse o modo como a imprensa tratava Lee. Se Bruce se negasse a uma entrevista ou a posar para mais uma foto, no dia seguinte podia esperar a publicação de que "o agora famoso Bruce Lee destrata a imprensa e o público!" Essa situação agravou-se quando o diário de Hong Kong, "The Star", começou a publicar um artigo atribuído à autoria do filho de Yip Man, narrando fatos distorcidos da época em que Bruce era aluno do famoso mestre de Wing Chun e quando teria sido derrubado por um oponente durante uma aula de treinamento. Lee processou o jornal por difamação. O proprietário do jornal, o editor Granam Jenkins, um australiano rígido e intratável, vingou-se publicando uma retratação "sob ameaça", afirmando que Bruce o forçara a mudar a história... Começava a maior polemica do registro jornalístico de Hong Kong! Indubitavelmente a imprensa perseguia Lee, mas em mui tas oca siõ es seu pró prio tem per am ent o violento e extravagante o lançava de modo não bem vindo no 83
redemoinho da publicidade. Certa vez compareceu a um programa de TV de Hong Kong, no qual uma série de artistas marciais foram desafiados por um praticamente de meia idade a ser desequilibrado da posição de luta que assumira. Os colegas de Lee tentaram deslocar o homem do lugar é, um por um, todos falharam. Finalmente restava apenas Lee para tentar. . . Bruce simplesmente levantou-se aproximando-se do homem e deu-lhe um tremendo soco no rosto! O desafiante estatelou-se no chão! Quando perguntaram a Lee o porquê de tão agressivo comportamento, Lee replicou: - "Eu não empurro... eu soco!" Como lição de Jeet Kune Do fora perfeito! Mas na TV pareceu um incidente violento e desnecessário que só serviu para criar mais polemica em torno da reputação violenta de Lee. Desde as filmagens de "The Big Boss", Lee e Lo Wei, seu primeiro diretor, haviam se engajado num amargo relacionamento profissional envenenado pelo ego e diferenças artísticas de cada um. Em julho de 1973, esse relacionamento explodiu num amontoado de cabeçalhos sensacionalistas. Enraivecido pela ideia de que Lo Wei estava tirando proveito pessoal e atribuindo a si o sucesso de seus primeiros filmes, Bruce irrompeu na sala de som da Golden Harvest para dizer na cara do diretor o que pensava a seu respeito. Lo Wei 84
chamou a polícia -declarando-se ameaçado fisicamente e até tudo terminar os jornais já tinham outro prato cheio para muitas e muitas edições! Houve outros incidentes, alguns durante as filmagens de "Enter the Dragon". Lee desentendeu-se com o escritor Michael Allen e com o produtor Fred Weintraub. Seu desentendimento, porém, com Bob Wall, campeão profissional de Karatê americano, foi muito além dos limites da rivalidade profissional... Na cena em que Wall arremete contra Lee com duas garrafas quebradas que segurou por mais tempo que o previsto, em vez de soltá-las logo, Lee sofreu um feio e sério corte na mão, que o deixou fora de ação por vários dias. Não faltaram boatos de que amigos de Bob Wall teriam dito não ter sido inteiramente um acidente... A isso tudo, sem dúvida, pode-se atribuir a enorme tensão que pesava sobre Lee na ocasião. Ele queria desesperadamente ser um astro da categoria de Coburn e McQueen e sua impaciência a esse respeito era bem conhecida.
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Desde a idade de 13 anos, quando pressionava seus punhos contra a madeira da carteira escolar enquanto assistia às aulas, o corpo de Lee fora seu orgulho e sua obsessão. Passava horas seguidas, cada manhã, em rigoroso programa de treinamento. Chegava a acordar durante a noite, pular da cama e fazer exercícios para manter-se em forma e entre as muitas estórias agora lendárias sobre seu treinamento consta que possuía até um aparelho elétrico que o obrigava a esforçar-se ainda mais duramente. Sua casa em Kowloon, Hong Kong, era equipada com uma série colossal de aparatos, aparelhos e apetrechos de treinamento, incluindo uma sala de paredes revestidas de espelhos para que pudesse observar e corrigir suas próprias ações. Evitava alimentos enlatados e artificiais ao máximo, preferindo sua dieta de carne, legumes, peixe, ostra, ovos, leite, frutas e vitaminas. Lee treinava como se cada dia fosse o último de sua vida ou como se sua vida dependesse disso, o que, de certa forma e até certo ponto era verdade. Em alguns meses, porém, seu peso caíra de 140 para 120 libras... e isso o preocupava! Talvez coisas ainda mais sérias o preocupassem também, a ponto de não sair de casa sem levar, dizem, um par de nunchakus em seu carro e mesmo uma arma em sua pasta... depois do atentado que sofrera no aeroporto de San Francisco quando una bala disparada não se sabe de onde passou-lhe de raspão pela orelha! Que tipo de ameaça e por parte de quem, Lee temia que se concretizasse contra sua pessoa? Por que chegou a dizer a sua esposa Linda — "Não sei até quando vou poder manter as coisas... mas não viverei tanto quanto você!" Por que colocara sua vida sob um seguro fabuloso, que o tranquilizaria quanto ao sustento de sua esposa e filhos pelo resto de suas vidas? 86
JEET-KUNE-DO – UMA ARTE CRIADA POR BRUCE LEE AS ORIGENS DO JEET-KUNE-DO Ao estabelecer sua arte, Bruce Lee parece ter reconhecido o fato de que não há nada mais permanente do que a mudança. Através dos anos, algumas coisas permaneceram as mesmas, mas no geral houve uma modificação contínua. Por exemplo, quando Dan Inosanto o encontrou pela primeira vez, em 1964, ele já então havia alterado consideravelmente seu estilo original, Wing Chun. Assim que voltou aos Estados Unidos, de Hong Kong, com a idade de 18 anos Bruce começou a ajustar ângulos, posições e jogo de pernas de Wing Chun por achá-lo muito "rígido". O produto final de toda essa sua experimentação, que ele chamou Jun Fan (uma variante de seu nome chinês), foi a arte ensinada nas escolas que ele abriu em Seattle e Oakland, nos anos 60.
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Embora considerasse essa nova arte mais fluida que sua predecessora, Bruce sempre expressou uma alta consideração pelo Wing Chun. Na verdade, mesmo após ter dado um passo além ao criar Jeet-Kune-Do, continuava dizendo: "Gostaria de ressaltar o fato de que embora meu presente estilo seja totalmente mais vivo e eficiente, devo minha realização ao meu treinamento prévio no estilo Wing Chun, um grande estilo." WING-CHUN — O NÚCLEO Wing Chun (que significa "bonita primavera") consta ter sido fundado por uma mulher, Yim Wing Chun, há cerca de 400 anos. Esse estilo foi baseado nas técnicas da monja Shaolim Ng Mui, do templo ao sul da província Fukien. Yim Wing Chun, porém, achou que o estilo de Ng Mui era muito complexo e confiava demais em técnicas de força e vigorosas posições "cavaleiro", Ela buscava, em vez disso, meios mais simples, menos complicados e mais eficientes de defender a si mesma. Não os encontrando entre os estilos existentes, criou seu próprio estilo. Yin Wing Chun ensinou sua arte para o marido - um ator profissional que era também versado em artes marciais - e através dos séculos essa arte foi passada adiante a Leong 88
Bok Sul, Wong Wah Bo, Leong Yee Tal, Leong Jon, Chan Wah Soon, Yip Man (o instrutor de Lee), Leong Sheong e Wong Soon Sum. Embora suas raízes aprofundem-se nos lendários templos Shaolin da velha China, Wing Chun chega ao século XX como um dos estilos mais modernos da antiga arte do Kung Fu. Baseado na teoria de que a distância mais curta entre dois pontos é uma linha reta, Wing Chun dispensa os movimentos alongados e ondeantes que fazem parte da maioria das outras formas de Kung Fu. A linha central - uma linha imaginária que atravessa o centro do corpo - forma a base dos movimentos do Wing Chun, o eixo em torno do qual giram golpes e bloqueios. Os praticantes de Wing Chun são instruídos a manter sua linha central diretamente oposta ao queixo do oponente, quando em combate. A teoria de manter o cotovelo imóvel, os quatro cantos e o "lin sildie dar" (bloqueio e ataque simultâneos) contribuem à economia global de movimentos característica do Wing Chun. O primeiro destes conceitos, que afirma que a mão e o antebraço podem mover-se em qualquer direção, mas o cotovelo deve permanecer na posição aproximada de três polegadas frente ao corpo, define as linhas-limite para a 89
utilização apropriada das técnicas de Wing Chun. Os perímetros dos quatro cantos são idênticos aos do cotovelo imóvel: Sobrancelhas na parte superior, área da virilha na parte inferior e as regiões imediatamente após os ombros nas partes laterais. O corpo também é dividido em quatro áreas ou "entradas" (gates) como são chamadas. Dentro de cada "entrada" há uma área anterior e uma área posterior. "Lin sil die dar", embora bem simples teoricamente, é muito difícil de ser posto em prática. Como a tendência natural é recuar ou tentar bloquear um ataque, esse conceito só pode ser dominado após muito treinamento e disciplina. A simplicidade de Wing Chun reflete-se no número total de formas (kuens) do estilo: Apenas três! De uma forma ou de outra, todas as técnicas Wing Chun estão contidas dentro do "Sil lum tão" (pequena ideia), do "Chun kil (buscando a ponte) ou do "Bil jee" (dedos que disparam). O treinamento Wing Chun começa com o "Sil lum tao", fundamento básico de tudo que virá a seguir; evoluindo através do "Chum kil" e "Bil jee", respectivamente. Durante esse processo, o aluno também é instruído no "Chi Sao" (sticky hands — mãos aderentes). Este exercício, baseado no dinâmico equilíbrio das forças opostas (Ying-Yang), eleva a sensibilidade das 90
mãos e braços do aluno ao ponto de poder descobrir a intenção do oponente pelo tato. Finalmente, após as três formas e o "Chi Sao" terem sido dominados, o aluno aplica o que aprendeu nos 108 movimentos do "Mook Jong" (boneco de madeira para treinos). Método de treinamento único em todas as artes marciais, os 108 movimentos simulam cada situação concebível, situando-a como o ápice do treinamento Wing Chun. Todo conhecimento prévio é então posto em prática. Embora o pai de Bruce o tenha iniciado nos graciosos e fluentes movimentos do Tai-Chi-Chuan quando ele era apenas mais um jovem crescendo em Hong Kong, Bruce só começou seu treinamento aos 13 anos de idade.
Como já foi dito, ele decidira aprender Wing Chun devido a um sentimento de insegurança que surgiu uma vez estabelecida sua reputação de líder de turma e de lutador de rua:— "Eu queria saber — confessou ele certa vez a alguns amigos íntimos — o que me aconteceria se minha turma não estivesse por perto quando eu encontrasse uma gangue rival." Assim, Bruce tornou-se aluno do famoso mestre Yip Man, o então patriarca do estilo Wing Chun em Hong Kong — fazendo 91
de tudo para aprimorar sua instrução. Um de seus truques favoritos, por exemplo, era chegar à entrada da escola, bem antes dos outros alunos e quando estes começavam a chegar para a aula, eram recebidos por Bruce que balançava a cabeça, dizendo-lhes: — "O velho mestre não está. Não há aula hoje". — assegurando-se, assim, uma aula privativa! Bruce também tinha amigos de outros estilos, o que lhe deu oportunidade de ampliar seus horizontes, praticando incansavelmente após a escola, e mesmo durante os intervalos, com os ativos jovens chineses. Durante seu ano de formatura no Colégio, Bruce desenvolveu uma fascinação pelo Boxe e decidiu entrar numa competição amadora. Incomum feroz competidor, o fato de ter sido coroado o novo Campeão Colegial de Hong Kong surpreende apenas por nunca ter Bruce posto antes uma luva de Boxe! Todavia o verdadeiro propósito das incontáveis horas que Bruce passou aperfeiçoando suas técnicas com os alunos mais velhos de Yip Man e amigos de outros estilos, assim como da incomum experiência que obteve nos limites do ringue, foi algo puramente estrutural. De acordo com Bruce, a fonte ideal provedora de base para combate continuava sendo 92
os perigosos becos e ruelas de Hong Kong. Considerando-se a variedade de estilos de Kung Fu que eram — e continuam sendo — ensinados abertamente em Hong Kong, por que escolheu Bruce o estilo Wing Chun? Das indicações obtidas durante esses anos, segundo Dan Inosanto, houve três coisas que o atraíram, particularmente, para o Wing Chun: Sua estrutura econômica. Sua objetividade. Sua ênfase em energia ou treinamento de sensibilidade (chi-sao). Seja como for, cremos ser certo dizer que o Wing Chun, de fato, forma o núcleo do Jeet-Kune-Do. Somente a partir de um fundamento básico já praticamente reduzido ao essencial, poderia Bruce ter feito tão rápidos e surpreendentes progressos no desenvolvimento de sua própria arte, como veremos no decorrer desta edição. Segundo Linda Lee, esposa de Bruce, Jeet-Kune-Do é apenas o próprio modo de lutar e a filosofia pessoal de Bruce Lee... — "Bruce não gostava de chamar seu modo de luta e sua filosofia de um ‘estilo’” — diz Linda — “nem queria que se desse um nome a isso, mas para falar de uma coisa é preciso que haja um nome! Assim, a tradução literal de Jeet-Kune-Do seria ‘O Caminho do Punho Interceptador’". 93
Jeet-Kune-Do foi apenas seu próprio desenvolvimento através de tantos anos estudando artes marciais, lendo tudo que podia sobre artes marciais orientais e ocidentais, vendo o que funcionava e o que seria ainda mais eficiente, que adaptações poderiam ser feitas, criando novas coisas, etc. Não se pode dizer que Jeet-Kune-Do é composto "disto" ou "daquilo", porque simplesmente não há limite para Jeet-KuneDo. Era apenas o que funcionasse, uma espécie da expressão pessoal de Bruce. Naturalmente há técnicas básicas e há como usá-las da melhor maneira em qualquer situação que possa surgir. Em Jeet-Kune-Do, entretanto, não se pratica situações fixas como em outras artes marciais, do tipo "se o adversário fizer isso, você faz aquilo, etc..." Trata-se, apenas, de aprender como expressar a si mesmo através de seu corpo! Bruce não acreditava em ter regras fixas e, em artes marciais não acreditava em ter um estilo fixo ou normas préestabelecidas... Tudo para ele era mutável e adaptável, num processo de interação constante. Bruce era extremamente flexível e fluido em tudo que fazia. .-. sua arte marcial era sua vida e sua vida era sua arte marcial!
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A FILOSOFIA DO KUNG-FU VISTA POR BRUCE LEE "Gung Fu (Pronúncia Cantonesa de Kung Fu) é treinamento e disciplina visando a suprema realidade em autodefesa. A suprema realidade é a simplicidade. O verdadeiro praticante de Gung Fu nunca se opõe pela força ou cede completamente. É maleável como uma mola. É o complemento e não a oposição da força do oponente. Faz da técnica do adversário a sua técnica. Responde a quaisquer circunstâncias sem préarranjo. Sua ação é como a instantaneidade de uma sombra adaptando-se ao objeto móvel contra o sol. Sua tarefa é simplesmente completar a metade da ‘unidade’ espontaneamente. Não há nada a ‘tentar’ fazer... No estágio final do Gung Fu, oponente, ego, técnicas, tudo é esquecido. Tudo simplesmente ‘flui’. “A verdadeira arte do Gung Fu não é acumular, mas eliminar. Responda como um eco. Adapte-se como uma sombra. Golpeie como uma seta.” “Em Gung Fu, não se trata de quanto você aprende, mas de quanto você absorve. Não se trata de quanto conhecimento você pode acumular, mas o que você pode aplicar. Uma 95
técnica bem dominada vale mais do que mil delas aprendidas pela metade." Bruce Lee — 1964 A REALIZAÇÃO DE SEU IDEAL Durante certo tempo, quando aluno da Universidade de Washington (por volta de 1962), Bruce Lee pensava seriamente em abrir uma cadeia de escolas de Kung Fu por todo o país. Alguns anos mais tarde, quando sua crescente fama como "Kato" (personagem da série de TV "The Green Hornet") teria certamente assegurado o sucesso de tal empreendimen to, ele rejeitou a ideia acreditando que não era a maneira certa de levar a efeito sua arte. Depois, quando sua carreira cinematográfica começou a bater recordes, ele achou que esse era o meio apropriado para esclarecer o público sobre o verdadeiro significado oculto nas disciplinas marciais. Nos anos que se seguiram, entretanto, Bruce estabeleceu 96
três escolas (kwoon) em Seattle, Oakland e Los Angeles, respectivamente. Todas eram "não-comerciais" a ponto de não haver nenhuma placa exterior que as identificasse. Conforme já dito, ao chegar à América, de Hong Kong, Bruce Lee não perdeu tempo ajustando seu sistema ao novo ambiente. Inteligentemente, conscientizou-se do fato de que os movimentos compactos e as táticas de curta distância do Wing Chun, ideais para as condições super povoadas do Oriente, adaptavam-se mal às dispersas áreas metropolitanas de San Francisco e Seattle — os dois primeiros locais em que residiu. Para ilustrar melhor a profunda influência que o ambiente exerce nos métodos de luta, citamos um estilo de esgrima filipina que ensina seus praticantes a responderem a uma contenda deixando-se cair imediatamente no chão em postura sentada. Ridículo, você diria? Certamente o seria, se o ataque se desse em chão sólido, como um parque cimentado ou uma esquina deserta. Mas na região de onde vem esse estilo, constantes e pesadas chuvas deixam o solo tão molhado e 97
escorregadio que após desferir o primeiro golpe, o praticante invariavelmente cairia por terra. Portanto, conforme percebeu que o Wing Chun colocava demasiada ênfase em técnicas de curta-distância ou “infightlng" (técnicas de mãos) a prejuízo de técnicas de longa distância (chutes), Bruce Lee incorporou no seu Wing Chun alguns dos mais refinados chutes dos estilos do Norte da China. Foi essa forma híbrida de Wing Chun a que nos referimos hoje como "Método Jun Fan". Originalmente, entretanto, o termo Jun Fan foi usado para designar a escola — e não a arte — de Bruce Lee. "Jun Fan Gung Fu Institute" era o nome que Bruce deu aos seus estabelecimentos não comerciais em Seattle, Oakland e Los Angeles. Mais tarde, o significado desse termo mudaria novamente para significar "o lugar onde se treina Jeet-Kune-Do" e ainda depois, quando Jeet-Kune-Do estabeleceu-se firmemente como uma entidade própria, Jun Fan ficou sendo visto como a arte que Bruce ensinava em Seattle e Oakland — arte que era mais um Wing Chun ministrado com técnicas de chutes adicionais. Jeet-Kune-Do, então, realmente é uma forma liberada do método Jun Fan abrangendo muito mais. Mas Jun Fan continua sendo parte da arte total. Não se pode separar as duas coisas. Linda, a esposa de Bruce, lembra que seu marido começou a ensinar logo que chegou a Seattle, antes mesmo de 98
matricular-se oficialmente como aluno da Universidade de Washington. Dotado de superior talento e dinâmica personalidade, não é de se espantar que ele tenha atraído um proeminente — embora pequeno — grupo de seguidores. Entre eles estava o japonês-norte-americano Taky Kimura, então nos seus 30 anos, quando Bruce ainda não tinha chegado aos 20. Taky relembra como chegou a conhecer Bruce e sua arte... — "Eu estava aprendendo Judô por volta de 1959. Machuquei-me duas ou três vezes e sentia-me frustrado. Andava por aí com o braço na tipóia, quando um de meus amigos que conhecia Bruce, apareceu no supermercado onde eu estava trabalhando e me disse que conhecia um jovem de Hong Kong simplesmente ‘fenomenal’! Naturalmente, ouvi essa declaração com certa desconfiança porque já havia então visto um pouco de tudo na vida, não acreditando que houvesse muito mais a ser visto. Durante essa época, os rapazes treinavam em quintais e estacionamentos públicos. Assim, fui até um desses locais perto da Universidade e foi quando vi Bruce Lee pela primeira vez. Fiquei tão impressionado com sua demonstração de poder e velocidade que lhe pedi se poderia juntar-me ao 99
grupo. Durante um ano, então, treinamos horas seguidas todos os domingos. Depois da aula íamos a um restaurante chinês ouvir Bruce filosofar sobre uma xícara de chá." LUTA CONTRA BARREIRAS Nessa época, Bruce estava ficando cada vez mais farto de seu emprego no Ruby Chow's Restaurant. A proprietária do estabelecimento era uma proeminente figura local e havia consentido deixá-lo ficar num dos quartos de cima do restaurante em troca de seus serviços como garçom e ajudante de cozinha. Taky Kimura relembra que Ruby Chow era uma pessoa muito dominante e Bruce também. Houve um conflito de personalidades e Bruce percebeu que era tempo de cair fora. Mas Bruce também era um jovem muito orgulhoso e achava que tinha de manter sua própria vida em vez de ser uma carga para seu pai, dependendo deste lhe enviar dinheiro. Já que era dotado de vasto conhecimento em Artes Marciais, os rapazes do grupo que treinava com ele reuniram-se e decidiram abrir uma escola que lhe desse algum sustento. Taky lembra, ainda, como tentava impressionar seu jovem 100
instrutor com o fato de ser o aluno mais dedicado e esforçado que Bruce tinha apesar de sua idade. — "Eu treinava duas vezes mais duramente do que os outros rapazes por ser bem mais velho que eles. Certo dia, estava observando de rabo de olhos se isso impressionava Bruce. Naturalmente ele sabia exatamente o que eu estava fazendo, pois eu o ouvi dizer que eu nunca conseguiria... Isso me levou a treinar ainda mais duramente! Embora eu fosse um tanto desajeitado, creio que Bruce viu o quanto eu estava sendo dedicado e sincero no que tentava fazer, pois passou a treinar comigo à parte e mostroume uma série de coisas extras.
Depois soube que ele estava me preparando para ser seu 101
assistente. Com o passar do tempo, tornei-me o assistenteinstrutor de sua escola e mais ou menos conduzia todas as aulas. A primeira escola de Bruce se localizava em Chinatown porque, suponho, era uma área bem conhecida, e nosso grupo na época, era pequeno. Algum tempo depois vimos as limitações do local em Chinatown e como Bruce ia para a Universidade, achamos que lá usufruiríamos de maior potencial." Assim, o Jun Fan Gung Fu Institute foi reaberto na University Way, levando Bruce e seu assistente Taki Kimura a fazerem demonstrações no campus da Universidade e em várias casas de caridade na esperança de conseguir novos alunos. De início foram muito bem sucedidos e puderam manter uma escola na parte térrea de um complexo novo de apartamentos. A taxa de matrícula era U$ 22 dólares por mês e 18 para menores de idade. Certa vez, durante uma das demonstrações de Bruce, um karateca faixapreta japonês ressentiuse com as opiniões e ideias francas de Bruce e propôslhe um desafio. Bruce tentou explicar que não fora sua intenção menosprezar nenhum sistema em particular e sim 102
esclarecer sobre seus próprios métodos. Porém o karateca persistiu na exigência de uma luta, vociferando à multidão que se formou em volta de Bruce que ele "não sabia nada e não deveria sequer ser ouvido". Assim, Bruce foi obrigado a aceitar o desafio e ambos encaminha ram-se até um pátio esportivo nas proximidades. O desafiante quis primeiro estabelecer certas regras, como "não socar na cabeça ou virilha" e Bruce, contrariamente ao seu costume, aceitou-as até certo ponto. O resultado da breve disputa (11 segundos) nada deixou em dúvida! O karateca partiu com um forte chute que Bruce evitou facilmente, socando logo após seu oponente de ponta a ponta da quadra de esportes. Quando tudo acabou, o desafiante jazia numa poça de sangue. Conforme dito por Taky Kimura, Bruce foi até muito magnânimo no caso todo... — "O karateca ficou fora da escola uma semana inteira e quando voltou disse aos amigos que havia sofrido um acidente de carro. Em vez de desmenti-lo ou embaraçá-lo, Bruce deixou que 103
ficasse dito por dito." O Jun Fan Gung Fu Institute continuou até 1963, por volta da época do casamento de Bruce com a bela loira, também aluna da Universidade, Linda Emery. Foi então que houve uma mudança considerável de alunos e Bruce resolveu que a melhor coisa a fazer seria voltar a Chinatown com um pequeno grupo selecionado de dedicados praticantes. Taky aprovou a ideia, pois não se achava capaz de dar conta de um local muito grande sozinho... — "Bruce e eu discutíamos sobre isso um dia, depois de sua mudança para a Califórnia, e decidimos não promover muito a escola. Ele me disse: — Por que você simplesmente não mantém apenas alguns amigos íntimos nos quais possa confiar? — Assim, fiquei como instrutor operando, até hoje, apenas com um grupo privativo." Pouco menos de um ano após a escola de Seattle ter sido fechada, Bruce e Linda, recém-casados, mudaram-se para a casa de James Lee em Oakland. James Lee (nenhum parentesco com Bruce — o sobrenome era pura coincidência) já era um conceituado artista marcial e foi provavelmente o primeiro praticante de Kung Fu da América a apreciar a extraordinária habilidade de Bruce. Na verdade, foi por sugestão de James que Bruce viu-se solicitado por Ed Parker a participar do Torneio 104
Internacional de Karatê, fato que constituiu o maior impulso de sua carreira.
OS PRIMEIROS CONTATOS NA AMÉRICA, OS PRIMEIROS DESAFIOS James Lee conheceu Bruce em fins de 1962 apresentado por parentes deste, que tomavam lições de dança com Bruce desde sua vinda de Hong Kong. (Bruce ficou em San Francisco pouco tempo, sustentando-se com aulas de chacha-cha antes de aceitar o emprego no Ruzy Chow's
Restaurant). Impressionado com uma demonstração de Wing Chu dada 105
por Bruce, o irmão de James contou-lhe o que vira, mas James e Allen Joe estavam então no estilo clássico de Kung Fu e não prestaram muita atenção no fato. Porém, como Allen Joe deveria ir a Seattle para a Feira Mundial de 1962, James pediu-lhe que fosse procurar Bruce e constatasse até que ponto ele era mesmo bom... — "Quando fui a Seattle” — relata Joe — “procurei o Ruby Chow's Restaurant e lá fiquei até às 11 horas da noite quando Bruce apareceu bem-vestido e sem um sorriso. Devia estar querendo saber que diabo eu estava fazendo lá. Quando mencionei o nome de Robert, ele relaxou e começamos a conversar sobre Kung Fu. Fomos para os fundos onde ele me pediu para lhe mostrar meus movimentos clássicos.
Depois disse calmamente: "Isso não é bom. Agora veja isto." e de repente eu o vi, voando, pelo local todo! Fiquei realmente impressionado. Depois, quando me mostrou sua rotina de exercícios no Mook Jong — boneco de madeira para treinos — que montara atrás do restaurante, fiquei ainda mais 106
impressionado: ele era tão fluente em suas ações que tudo que eu havia aprendido antes, parecia rijo e desajeitado! Depois de minha volta ao lar Bruce escreveu-me, e duas semanas mais tarde James escreveu-lhe também, indo então visitá-lo. Foi a partir daí que se tornaram bons amigos. Bruce começou ensinar James sua versão de Wing Chun... — "Allen, esse rapaz é bom! Na verdade ele é irreal! — disse James. Foi o começo. A partir de então James e Bruce continuaram treinando juntos e abriram uma escola." Essa escola foi o segundo Jun Fan Institute, localizado na Broadway. Como Bruce, James tinha pouca paciência com a comunidade de artistas marciais que continuavam aderindo à velha crença de que os segredos do Kung Fu não deviam ser revelados aos não-chineses. Ambos concordaram em aceitar alunos de todas as raças na nova escola, fato que causou ressentimento e antagonismo entre os mais arraigados tradicionalistas. Bruce achava que ao criar seu próprio método, poderia evitar as ferozes rivalidades entre escolas, tão comuns em Hong Kong. Foi apenas uma vã esperança! Um dos primeiros "experts" a tentar colocar Bruce "em seu lugar" foi um mestre de Kung Fu da Baía de San Francisco. Wong Jack Man chegara recentemente de Hong Kong e 107
procurava estabelecer seu nome. Acompanha do de alguns seguidores, Wong apareceu na escola de Bruce certo dia trazendo um desafio por escrito, segundo o qual Bruce deveria fechar a escola ou parar de ensinar pessoas de outras raças, caso perdesse a luta que então teria lugar! Aparentemente o desafio era um ultimato de toda a comunidade de artistas marciais de San Francisco... — "Estou representando estas pessoas" — admitiu Wong, indicando seus seguidores. A resposta de Bruce foi simplesmente "Está bem!" Isso produziu um efeito desconcertante nos invasores que acreditavam que Bruce recuaria diante de um desafio tão sério feito por tão habilidoso lutador como Wong. Quando Wong Jack Man sugeriu que então, apenas trocassem técnicas durante alguns minutos, Bruce queimouse: — "Nada disso! Você veio aqui com um ultimato e um desafio esperando assustar-me. Você fez o desafio, portanto eu faço as regras. De minha parte, não há regras. É pra valer!" Uma das testemunhas, oculares da cena que se seguiu foi Linda Lee, na época grávida de oito meses. Ela relata que 108
minutos depois os homens de Wong tentavam parar a luta, pois Wong, vergonhosamente, fugia de Bruce! A coisa acabou quando Bruce levou o desafiante ao chão e exigiu sua rendição. Até o dia desse combate com Wong Jack Man, Bruce contentara-se em melhorar e expandir seu estilo original, Wing Chun. Tudo isso mudou, entretanto, quando ele começou a dissecar e analisar a luta que teve com Wong, percebendo que sua performance deixara a desejar (a luta deveria ter durado apenas alguns segundos) devido, em grande parte, à teimosa aderência a um estilo impenetrável às técnicas Law Horn Kuen do oponente. Além disso, Bruce confessouse incomumen te cansado no final da luta, o que veio lhe provar que não estava em perfeita forma. Assim, em parte por reconhecer as limitações do Wing Chun e em parte por reconhecer a necessidade de condicionamento físico apropriado, Bruce começou a intensificar sua busca pela suprema realidade em combate. E se alguma coisa ele aprendeu de seus muitos anos de experiência e treinamento, foi que todas as miríades de formas de artes marciais baseiam-se e confiam demais nos estilos que são 109
essencialmente incompletos. Conforme Linda Lee observa no seu fascinante livro "Bruce Lee: The Man Only l Knew" (Bruce Lee: O Homem Que Só Eu Conheci): — "Cada estilo tem suas formas, movimentos e características próprias e cada praticante que entra numa contenda crê que tem todas as respostas! Por essa razão Bruce recusou chamar Jeet-Kune-Do de um ‘estilo’, pois sentia que isso seria limitá-lo. Além do que, Jeet-Kune-Do não possui regras, determinadas de formas, ou movimentos, como tampouco de número fixo de técnicas a oporem-se." Na área de condicionamento físico, Bruce lucrou muito com a experiência de James Lee. Campeão halterofilista e ginasta em sua juventude, James treinara com cultores físicos como Jack La Lanne, Steve Reeves (Hércules), Clancy Ross e o recordista japonês Tommy Kono. Sendo também um soldador profissional, foi o responsável pela confecção de muitos dos aparelhos mecanizados de treinamento que Bruce usou para desenvolver sua espantosa força e potência.
Allen Joe atribui a James o crédito de Bruce ter se 110
interessado por cultura física... — "Não creio que Bruce tivesse começado nenhum treinamento com pesos seriamente antes de conhecer James. Embora seu sistema fosse baseado em esquivas e velocidade, Bruce continuava acreditando que você precisa ter alguma força. Na verdade, ele costumava treinar demais, chegando a fazer flexões de braço durante todo um dia com um par de alteres para desenvolver seus antebraços. Mais tarde comprou um par de pesos e passou a treinar regularmente com eles. Como fazia em relação à sua própria arte, Bruce colocava ênfase na simplicidade e eficiência do treinamento e prestava cuidadosa atenção nos locais onde montava seus aparelhos. Com a ajuda de Taky Kimura e James Lee, Bruce fez inúmeras exibições e demonstrações por toda a costa oeste dos Estados Unidos, antes do verão de 1964. Sua arte continuava sendo pouco conhecida além das Chinatawas (comunidades chinesas da América) e Bruce, naquele ano, a apresentou ao mundo, na inauguração do Torneio Internacional de Karatê, assombrando milhares de espectadores com sua soberba habilidade. Felizmente, Ed Parker estava presente documentando toda 111
a exibição: — "Filmei tudo em cores e som e guardei o filme esperando usá-lo algum dia." — Parker relata — "Mais ou menos um ano depois, eu estava ensinando Jay Sebring. Éramos muito amigos e conversamos sobre a necessidade de achar um rapaz para o papel de Kato porque o amigo de Jay, Bill Dozier, produtor de Batman, conseguira os direitos para produzir a série "The Green Hornet" e necessitava de alguém para o personagem Kato. Os produtores queriam alguém que conhecesse a arte de luta. Assim, arranjei para que Bill Dozier assistisse ao filme da demonstração de Bruce... — "É esse o rapaz que eu quero!”exclamou Bill. Logo a seguir Bruce foi contratado por Dozier, que o fez viajar à Los Angeles para um teste cinematográfico, no que resultou a assinatura de um contrato opcional para o ano seguinte.
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A escola de Bruce não apresentava muito lucro — pela simples razão de que Bruce era um perfeccionista e só admitia alunos sérios que ensinava individualmente; por isso a escola passou a funcionar na garagem de James Lee, em 1965. Pouco tempo depois, tendo à frente uma promissora carreira cinematográfica, Bruce decidiu mudar-se com a família (Brandon, seu primeiro filho acabara de nascer) para Hollywood. Por volta de 1967, Bruce Lee abriu oficialmente sua terceira — e última — escola de artes marciais. Ficava no térreo de um edifício de dois andares perto da velha Chinatown (comunidade chinesa) de Los Angeles. Como suas duas outras escolas anteriores, em Seattle e Oakland, a nova escola, de tijolos cinza e janelas pintadas de vermelho, não trazia nenhuma placa ou sinal que a identificasse. Para os que passavam pelo local, era apenas um edifício comum, de número 628. Segundo as ordens de Bruce, não era permitido, de modo algum, visitas no Jun Fan Institute número três e ele limitou, 113
propositalmente, as matrículas para selecionar o quadro de seus alunos entre talentosos artistas marciais e alguns poucos amigos da indústria cinematográfica. Bruce detestava classes grandes. Ele achava que o único modo de manter a qualidade de seu ensino era atendendo cada aluno individualmente. Ele estava certo! Vejamos, por exemplo, um treinador de pugilistas pode treinar um, dois, talvez três lutadores. Não mais. Isso porque ele precisa conhecer seus homens interior e exteriormente: seu lutador tem complexos emocionais? Fica tenso antes de uma luta? É facilmente excitável? É nervoso? É letárgico? Que passos devem ser tomados para levá-lo a uma correta estrutura mental? E assim por diante... Em outras palavras, cada indivíduo tem sua personalidade própria e única, cujos traços afetam sua performance — e cada um deve ser tratado de modo diferente. Por isso Bruce rejeitara veementemente as várias ofertas que recebia para estabelecer uma cadeia de escolas de Gun Fu "Kato" por toda a região. É verdade que, em 1966, Dan Inosanto e Bruce Lee abriram uma escola semipública, localizada atrás da Wayne Chan’s Pharmacy, em pleno centro da Chinatown local: era apenas uma sala que foi, depois, transformada em cinema. Na época, Bruce ainda não havia atingido o conceito do Jeet-Kune-Do — pelo menos não 114
em seus princípios subjacentes - Ele já havia, entretanto, desmembrado e modificado seu estilo Wing Chun, conservando, entretanto, sua base original por conter ela uma série de verdades. Mas era óbvio que Bruce Lee continuava evoluindo e progredindo. Daniel Lee, engenheiro eletrônico e professor de língua chinesa, foi o primeiro aluno admitido na escola de Bruce de Chinatown. Era uma época em que, não ainda preso aos compromissos do cinema ou TV, Bruce tinha mais tempo para treinar seus alunos e manter um alto padrão de treinamento que incluía programas suplementares de ajustamento físico especialmente prescritos para cada aluno. Bruce observava cada discípulo e lhe recomendava, por exemplo, — "Você tem que trabalhar mais nesta área e nesta, em flexibilidade e velocidade, etc." — Lee dedicava-se totalmente à classe, trabalhando arduamente com os alunos quatro dias por semana. Inspirados no exemplo de Bruce, os que estudaram com ele continuam sentindo profundo respeito e admiração pela sua grandeza: — "Bruce foi provavelmente a pessoa que mais respeitei em minha vida" — diz Dan Lee. “Ele era uma pessoa muito sincera, muito franca e muito intensa... Mas, acima de tudo, muito honesta! Se ele gostava de você, ele gostava de você. Se ele não gostava de você, ele lhe diria e é esse tipo de pessoa que eu gosto porque você sabe que o que é dito às suas costas é exatamente o mesmo que é dito em sua cara." Tendo se desenvolvido da firme convicção de Bruce de que combate real raramente – senão nunca – é limitado pelos dogmáticos "faça" e "não-faça" dos estilos sistematizados, as únicas restrições e limitações do Jeet-Kune-Do existem apenas nas habilidades individuais dos praticantes. 115
Essa mesma integridade com que Bruce vivia guia os princípios de sua arte, Jeet-Kune-Do. Da mesma forma com que Bruce não pensaria em aplicar fórmulas ou ideias fixas em seu relacionamento com a vida, os princípios do Jeet-Kune-Do dependem de liberdade total. Jeet-Kune-Do é uma arte na qual a única regra é o não haver regras. Ao se remover os entraves, normas e respostas fixas, uma certa liberdade flui naturalmente, conforme a realidade vai surgindo, e quanto mais perto da realidade o indivíduo se coloca, menos necessita de se apoiar em artifícios complicados ou técnicas fantasiosas. Como todos os seres humanos, temos uma tendência em sermos parciais com o que fazemos melhor; algo já tentado e realizado em nossa experiência física ou psicológica anterior tende a ser repetido, em prejuízo do que. nos é inusual ou desconhecido. Dan Inosanto, por exemplo, confessa que devido a sua pouca estatura, não se sente confortável quando usa chutes altos e, embora possa fazê-lo, prefere usar uma série rápida de agarres e golpes com as mãos e uma rápida sucessão de chutes baixos. O fato é que todos nós usufruímos de certa sensação de bem-estar quando nos atemos ao que nos é familiar e isso, de acordo com Bruce, é a primeira fraqueza da mente. Por 116
conseguinte, costumava referir-se à estrutura do Jeet-Kune-Do como sendo "um círculo sem circunferência". A ideia é não se prender a nenhuma coisa em particular. Não hesitar em colher elementos de tudo, que há ao redor: boxe, esgrima, luta romana, karatê, judô, balé, dança moderna ou qualquer outra coisa de qualquer campo que possa ser aplicada em combate — mesmo morder e arranhar, não importa!
É preciso, ainda, conhecer seus pontos fortes e suas fraquezas e ser capaz de reconhecer os pontos fortes e os pontos fracos do oponente — evitando os primeiros e explorando os últimos. Bruce fazia questão de esclarecer que Jeet-Kune-Do é mais do que simplesmente uma composição de muitos estilos e sistemas. Jeet-Kune-Do tem um tema central definitivo: preservar a linha central, manter um fluxo rítmico constante e atingir a habilidade de "ajustar-se" às técnicas do oponente — que precisam ser observadas o tempo todo. Embora a arte de Bruce Lee abranja muitas coisas, como temos visto, há sempre algo a ser acrescido, mas não de maneira confusa ou precipitada, pois o principal propósito do Jeet-Kune-Do e a preservação da linha comum que mantém todos os elementos 117
harmoniosamente integrados. A arte de "ajustar-se" ou "moldar-se" em espírito, que é a essência do Jeet-Kune-Do, foi descoberta por Bruce Lee muitos anos atrás, quando ele navegava sozinho num junco. Frustrado por ter sido até então incapaz de dominar a arte do "desprendimento" — que significa ser capaz de neutralizar o esforço do oponente ao mesmo tempo minimizando o gasto da própria energia — Bruce havia se afastado da prática do Wing Chun durante uma semana, para pensar sobre o assunto, acolhendo a sugestão de seu mestre Yip Man. Conforme sua frustração crescia, Bruce golpeou violentamente a primeira coisa que estava à sua frente: a água. Era isso! A água significava a corporificação do espírito etéreo das artes marciais. Afinal de contas, ele podia golpeála e nada lhe acontecia; podia até esfaqueá-la e ela não seria cortada... Agarrar um punhado de água seria impossível. Além disso, a água automaticamente assumia a forma de seu recipiente e, embora parecesse fraca, poderia, com o tempo, penetrar em qualquer substância da Terra. Assim, na natureza da água Bruce descobrira o princípio-guia do Jeet-Kune-Do. Como foi dito muitas vezes, a palavra chave do Jeet-KuneDo é "simplicidade". Seus movimentos são incisivos e eficientes, utilizando as linhas e ângulos mais diretos. Não é clássico, evitando as usuais táticas de bloqueio passivo. Na 118
opinião de Bruce, eficiência é tudo que dá resultado.
O treino de Bruce com os alunos era tanto físico quanto psicológico. Ele os ensinava a estarem mentalmente preparados para o combate; esse era seu ponto forte: a atitude mental apropriada. Era crença de Bruce que, ao aprender arte marcial, o indivíduo passava por três estágios de desenvolvimento e seu programa da escola de Chinatown evoluía ao redor desses estágios. O Primeiro Estágio ou Estágio Primitivo é o estágio da ignorância ORIGINAL na qual o indivíduo não sabe nada sobre a arte do combate. Numa luta ele "simplesmente" bloqueia e golpeia instintivamente, sem a preocupação do que está certo ou errado. Naturalmente tal indivíduo não pode ser chamado "científico", mas, pelo menos, está sendo ele mesmo 119
e seu ataque ou defesa é fluído. O Segundo Estágio ou Estágio da Sofisticação começa quando o indivíduo inicia seu treinamento. São ensinados os diferentes modos de bloquear e golpear, as várias maneiras de chutar, de posicionar-se, de respirar, de pensar... Inquestionavelmente tal indivíduo obteve um certo grau de conhecimento científico sobre combate, mas, infelizmente, seu eu original e seu sentido de liberdade perderam-se e sua ação não flui mais por si mesma. Sua mente tende a "congelar" em diferentes movimentos para cálculo e análise e, o que é pior, ele pode tornar-se "intelectualmente limitado" e manter-se fora da realidade. O Terceiro Estágio ou Estágio da Transcendência da Arte ocorre quando, após anos de séria e dura prática, o indivíduo percebe que, afinal de contas, Gung Fu não é nada especial e em vez de tentar impor-se, ele simplesmente "se ajusta" ao oponente como a água pressionando uma parede de terra - flui através da mais leve fenda. Não há nada a tentar fazer, mas apenas ser sem propósito e sem forma, como a água. Todas as técnicas clássicas e estilos padronizados são minimizados — senão abolidos — e o estado do nada prevalece... O indivíduo não está mais confinado. Na introdução de seu primeiro livro intitulado "Chinese Gung Fu: The Philosophical Art of Self Defense", Bruce escreveu: "É 120
verdade que o aspecto mental do Gung Fu é o fim desejado; contudo para alcançar esse estágio, habilidade técnica tem que vir primeiro." O que Bruce estava dizendo é descrito por Dan Inosanto como uma "totalidade de ser e crescimento constante". Bruce não via Jeet-Kune-Do como um fim em si mesmo, mas, antes, como um meio de se alcançar consciência espiritual através de uma arte física. Através de empenho e realização contínuos, excedendo certas metas, não chegando a alcançar outras plenamente, experimentando contínuos altos e baixos, você começa a ver que há, realmente, uma limitação às realizações físicas. Por falta de ambição, mudança de estilo de vida, chegada de idade avançada ou qualquer que seja o motivo, pode-se desistir inteiramente, estagnar ou começar a explorar em outras direções. Mas, pode-se perguntar: "O que resta a ser explorado?" Simples: a mente ou o eu interior. Certa vez, Bruce citou Charles P. Steinmetz, o falecido gênio da eletrônica que, pouco antes de sua morte, em 1923, foi indagado sobre que ramo da ciência faria maior progresso nos próximos anos. Após pausar por alguns minutos, respondeu vivamente: "Realização espiritual!" Bruce Lee tinha 26 anos quando abriu sua escola em Los Angeles. 121
Embora jovem em comparação a outros que também mereciam o título de "mestre", Bruce havia atingido então tal incomum nível de eficiência a ponto de ser virtualmente "intocável": pouquíssimas pessoas seriam capazes de lhe oferecer um treino significativo! Já havia, ainda, escrito um texto único sobre Artes Marciais, o que provara que ele era também versado nas filosofias subjacentes à Arte. Quando chegou a hora de transmitir seus conhecimentos e suas ideias aos outros, certamente não teve receio ou apreensão sobre sua habilidade de fazê-lo. Ele era bom e sabia disso! Por esse motivo pôde torcer o nariz à tradição, jogar o proverbial livro de regras pela janela e revolucionar as artes marciais, lançando-as em destaque mundial como nunca antes visto! O que mais espantava Dan Inosanto sobre Bruce Lee como instrutor, era o fato dele permanecer completamente à vontade, brincando e mantendo uma atmosfera relaxada, mas ao mesmo tempo assegurando a disciplina. Jerry Poteet, outro dos alunos de Lee da escola da College Street, relembra que Bruce podia ser autoritário quando a situação assim o exigia... — "Certa vez, Bruce levantou-se e disse diante da classe: "Eu sei que socialmente muitos de nós aqui somos amigos e fora da escola eu sou Bruce, mas aqui vocês me chamam sifu. Devido à informalidade, tem de haver alguma disciplina. Se esta escola fosse na China, haveria muitas pessoas aqui agora sem seus dentes da frente..." Porém Bruce também sabia ser compassivo e tolerante. “Lembro-me que em outra ocasião” — continua Jerry Poteet — “estávamos praticando um difícil exercício de chutes. Havia um aluno na classe particularmente desajeitado, com 122
tremenda dificuldade em fazer o exercício. Para ser sincero, ele estava se saindo terrivelmente mal e um de seus colegas começou a rir Bruce apenas olhou para ele e disse ríspido: ‘Se você pode fazer melhor, levante-se e venha aqui agora! Ou então varra esse sorriso da cara e eu quero silêncio daqui pra frente.’” A maioria dos sistemas clássicos de Kung Fu exigem que o novato passe os primeiros seis meses ou até um ano equilibrando-se nas rudimentares posições "a cavaleiro". Isso seria suposta-mente necessário para desenvolver força nas pernas, instilar paciência e testar a sinceridade dos alunos. Essas aplicações práticas continuam assunto de muito debate, mas Bruce chamava esses rituais de "exercícios de futilidade". Criticava, também, os instrutores que tentavam ensinar "a nadar em terra seca", segundo seu próprio modo de expressão. Ele insistia que, desde o início, os alunos deveriam ser treinados efetivamente em "sparring", de modo a terem suas chances de sobrevivência nas ruas grandemente aumentadas. De acordo com Bruce, "Ao praticar sparring você deve usar equipamento protetor adequado e ir com tudo! Então poderá, verdadeiramente, aprender o "timing" correto e a desenvolver a distância certa para desferir chutes e socos. É uma boa ideia praticar sparring com toda a espécie de indivíduos: altos, baixos, rápidos, desajeitados... sim, às vezes um indivíduo desajeitado confunde um homem melhor porque seu desajeitamento funciona como uma espécie de ritmo quebrado. Dan Lee, outro aluno de Bruce, concorda que muitos artistas marciais fariam bem se incorporassem condições mais realísticas em seu treinamento: Sempre que treinávamos, Bruce colocava ênfase em condicionamento físico. Além dos exercícios comuns para aptidão física, havia treinamento de tomada de consciência 123
(awareness) e de utilização dos instrumentos do próprio corpo. A meta do treinamento de tomada de consciência era aguçar nosso senso de percepção de modo que pudéssemos reconhecer, identificar e reagir aos movimentos do oponente instantaneamente, sem pensar ou estarmos limitados pelo que Bruce chamava de "parada psíquica". Por não focar em nenhum objeto em particular, a mente está livre para concentrar-se no aqui e agora. Esse tipo de concentração é melhor ilustrado pela audiência de um jogo de futebol. Em vez de prestar atenção, os espectadores tomam o campo inteiro do jogo. De modo similar, concentração, em Jeet-Kune-Do, não significa deter-se em nenhum aspecto particular do oponente. Bruce sentia um fascínio em desenvolver uma ampla variedade de equipamentos auxiliares de treino através dos quais podia aguçar seus instrumentos de combate: mãos e pés. Além de usar o saco pesado e o saco de velocidade, comuns aos pugilistas, Bruce introduziu em seu treinamento o saco "teto-chão", que é suspenso do chão ao teto por cordas elásticas de modo a revidar de maneira totalmente imprevista. Enquanto o saco pesado e o saco de velocidade eram usados para desenvolver poder, coordenação e reflexos, o saco tetochão era usado para aperfeiçoar "timing" — "Você deve usar o máximo de equipamento corporal protetor e dar tudo de si! É o único modo! Quando vale tudo num combate, sua estrutura mental muda porque você sabe que se cometer um erro, seu oponente estará vindo direto para cima de você! E então você começa realmente a respeitar um soco como algo real." Dando muita ênfase no treinamento de combate quase real para ensinar o praticante a não perder a calma e a ter reações rápidas sob pressão, Jeet-Kune-Do é mais eficiente que as outras artes marciais nesse campo. Nos praticantes mais 124
avançados, socos e outros ataques tornam-se ações reflexas, guiadas unicamente pelos sentidos refinados através de incontáveis horas de prática de sparring real. No instante em que ocorre uma abertura o ataque já está a caminho e será impossível de ser evitado. Devido à simplicidade de técnicas, o ataque, em Jeet-Kune-Do, é extremamente poderoso e eficiente. Todavia, além das técnicas e suas infinitas variações e aplicações, o espírito com o qual são executadas é igualmente — senão mais — importante. Por exemplo, o segredo do chute, conforme Bruce ensinou a Dan Inosanto, seria uma espécie de raiva controlada... Relembra Dan: — "Em certa aula, Bruce pediu-me que desse um chute lateral. Ele segurou para mim o escudo protetor durante cinco minutos e eu chutei com o que pensava ser tudo que — eu tinha para dar. Mas Bruce não estava satisfeito: "Você está em postura estudada" — disse-me — "Pense em algo que você odeia." Eu chutei novamente, mas os resultados foram os mesmos. Finalmente, Bruce veio até mim e esbofeteou-me! Por um segundo eu esqueci que ele era Bruce Lee, meu "sifu” e fui direto pra cima dele. Ele riu: "Okay, agora chute! É isso que eu quero!” Sob o ponto de vista "combate", Bruce achava que a maioria dos estilos clássicos não eram realísticos por darem tanta importância à forma quanto à eficiência. Para Bruce, era 125
necessário quebrar a tradição constantemente a fim de melhorar. A principal preocupação de Bruce não era o quanto alguma forma particular de combate parecesse boa, mas quão bem ela funcionasse. E isso também acontece em quase todos os esportes. Por exemplo, na corrida de uma milha, até que Roger Banister quebrasse o tabu da barreira humana, o tempo de quatro minutos era tido como algo além das capacidades do homem. Depois que ele quebrou esse tabu, o mundo soube que isso poderia ser feito e outros têm alcançado o mesmo resultado. Em 1807, o padrão ou método clássico de salto em altura era chamado "estilo tesoura" (scissor style). Em 1895 Mike Sweeney quebrou a tradição e o recorde mundial ao usar seu "Eastern roll" que passou a ser aceito como o novo padrão de salto em altura. Em 1912, George Horine quebrou novamente a tradição e o recorde anterior ao usar um estilo chamado "Western roll". Esse se tornou, então, o novo modelo de salto em altura. Em 1936, Dave Silbritton estabeleceu outro recorde com seu chamado Straddle Style e recentemente um homem chamado Fosbury decidiu, a despeito do pasmo dos juizes, mudar tudo isso com um novo e revolucionário estilo! Não é preciso dizer mais. Avaliar a importância da estadia de Bruce Lee na área de Los Angeles é impossível. O local era um núcleo de atividades de artes marciais nos anos 60 e início de 70. Isso lhe deu a oportunidade de conhecer e treinar com os maiores nomes dos torneios de Karatê, entre eles Chuck Norris, Joe Lewis, Mike Stone e Bob Wall — o que significa que Bruce expôs-se virtualmente a cada estilo e sistema existente. Na verdade, a maioria dos experts com os quais Bruce praticou sparring — incluindo os campeões nacionais de Karatê de toda a região — ficaram convencidos de que Bruce possuía poderes supernaturais. Louis Delgado, por exemplo, descreveu Bruce certa vez como: "Totalmente desconcertante, como se fosse 126
extraterrestre!" Mas Bruce ria dessas tolices. Ele costumava explicar a seus alunos que suas "irreais" demonstrações de poder e velocidade eram apenas o resultado do uso correto de agrupamentos musculares apropriados e de relaxamento. No momento certo. Muitas pessoas pensam que Jeet-Kune-Do é algo metafísico, mas isso não é verdade. Jeet-Kune-Do é algo bem simples: é a filosofia de Bruce Lee, baseada nas coisas que ele observou e constatou como verdades. Hoje, o número 628 da College Street é uma fábrica de costura... As janelas não são mais pintadas de vermelho e o interior, claramente visível, não conserva mais nada de seu conteúdo de outrora. Também não existe mais a miniatura do túmulo feito por George Lee, que um dia Bruce colocou na porta de sua escola como lembrete aos alunos e crítica aos estilos clássicos, na sua famosa inscrição: "Em Memória a um Homem outrora fluído, agora entorpecido e distorcido pela confusão clássica.”
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COMO O TERMO JEET-KUNE-DO FOI CRIADO "Usar nenhum caminho por caminho; ter nenhum limite por limite." Bruce Lee.
Tudo começou no início de 1968, quando Bruce Lee e Danny Inosanto estavam dando uma volta de carro. Conversavam sobre esgrima oriental e ocidental, quando Bruce disse que o método mais eficiente em contra-atacar, na esgrima, era o "stop-hit". Um stop-hit ocorre quando não se desvia de um golpe do adversário para depois contra-atacar, tudo é feito num único arremesso ou "hit". Intercepta-se e já se atinge no decorrer da ação do atacante. Este é o mais refinado e econômico de todos os contra-ataques. Foi então que Bruce disse a Dan: — “Deveríamos chamar nosso método de ‘stop-hitting fist style’ (estilo do punho stophit) ou ‘estilo do punho interceptor’." "Como seria isso em chinês?" perguntou Dan Inosanto. — "Seria "Jeet-Kune-Do" — disse Bruce. Jeet-Kune-Do, pois, significa literalmente "O Caminho do Punho Interceptor". Assim, em vez de bloquear e depois atingir, o principal conceito em Jeet-Kune-Do é dispensar completamente o bloqueio passivo e, em vez disso, interceptar e atingir. É claro que isso não pode ser feito o tempo todo, mas é a característica principal. Até 1967, o método de Bruce Lee era chamado "Jun Fan Gung Fu" e era uma modificação de várias técnicas de estilo Louva Deus do Norte, estilo Louva-Deus do Sul, Choy Li Fut, Garra de Águia, Boxe Ocidental, Hung Gar, Boxe Tailandês, Luta Romana, Judô, Jiu-jitsu e vários estilos Norte de Gung Fu. É óbvio que o Wing Chun era o núcleo incontestável e todos os outros sistemas envolveram ao redor dele. 128
Foi durante essa época que Bruce desenvolveu seu próprio estilo de chutes, modificado do estilo Norte de Gung Fu e grandemente melhorado pelo modo como ele treinava. Anos mais tarde, Bruce arrependeu-se por ter criado o termo "Jeet-Kune-Do" porque achava que isso, também, era limitado e, de acordo com Bruce, "Não há tal coisa chamada ‘estilo’ se você compreende totalmente as raízes do combate." O termo "Jeet-Kune-Do", entretanto, surgira naturalmente, porque Bruce costumava abreviar muitos conceitos de seu método, através de siglas. Contudo, como Bruce também dizia... "Jeet-Kune-Do é apenas um nome, não façam estardalhaço sobre isso!" Em vez de opor força à força, o praticante de Jeet-Kune-Do completa o movimento de seu oponente, "aceitando" seu fluxo de energia e derrotando-o através de sua própria força. A fim de adaptar-se aos mutáveis movimentos do oponente, o praticante de Jeet-Kune-Do deve, antes de tudo, compreender o verdadeiro significado de Yin/Yang, a estrutura básica do Jeet-Kune-Do. Jeet-Kune-Do baseia-se no símbolo de Yin/Yang, um par de forças mútuas, complementares e interdependentes que agem continuamente, neste Universo.
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No símbolo acima, o Yin/Yang é representado por duas partes complementares de "um todo", cada qual contendo, dentro de seus limites, as qualidades de sua parte complementar. Etimologicamente os caracteres do Yin/Yang significam "escuridão" e "luz". Na antiga representação do Yin/Yang, a parte escura do círculo é um desenho de nuvens e colinas. Yin pode representar qualquer coisa do Universo como: negatividade, passividade, suavidade, interioridade, insubstancialidade, feminilidade, lua, escuridão, noite, etc. A outra metade complementar do círculo é o Yang, que em sua antiga forma é qualquer coisa como positividade, atividade, firmeza, exterioridade, substancialidade, masculinidade, sol, brilho, dia, etc. O erro comum de muitos artistas marciais é ver essas duas forças, Yin/Yang como dualísticas (daí os chamados estilos "duro" e "suave"). Yin/Yang é uma força inseparável em incessante interação de movimento. São concebidas como essencialmente "uma" ou como duas forças co-existentes de um todo indivisível. Não são nem causa nem efeito, mas devem ser vistas como "som" e "eco", "luz" e "sombra". Se essa "unidade" for encarada como duas entidades separadas, a compreensão da suprema realidade do Jeet-Kune-Do não será alcançada. Na verdade, as coisas são "um todo" e não podem ser separadas em duas partes. Quando digo que o calor me faz transpirar, calor e transpiração são um único processo, pois 130
que são co-existentes. Se uma pessoa, numa bicicleta, quiser ir a algum lugar, não poderá pressionar os dois pedais ao mesmo tempo. O movimento de avanço requer essa "unidade" de pressionar e soltar o pedal. Pressionar é o resultado de soltar e vice-versa, cada qual sendo causa e efeito do outro. As coisas têm suas partes complementares e as partes complementares co-existem. Em vez de serem mutuamente exclusivas, são mutuamente dependentes e constituem uma a função da outra. No símbolo Yin/Yang há um ponto branco na parte negra e um ponto preto na parte branca. Isso serve para ilustrar o equilíbrio na vida, pois nada pode sobreviver por muito tempo indo em direção a um ou outro extremo, seja puro Yin (suavidade) ou puro Yang (firmeza]. Note que a árvore mais dura e rígida é a mais fácil de ser quebrada, enquanto o bambu ou o salgueiro sobrevivem curvando-se ao vento. Em Jeet-Kune-Do, Yang (firmeza) deve estar oculto em Yin (suavidade) e Yin em Yang (firmeza) deve estar oculto em Yin (suavidade) e Yin em Yang. Assim, o praticante de Jeet-KuneDo deve ser suave, mas não frouxo; firme, mas não duro. Firmeza/Suavidade O que é suavidade? A maleabilidade do junco ao vento — nem se opõe, nem cede. Qual o estado mais alto de adaptabilidade? Tente agarrar um punhado de água... O que é imobilidade? Imobilidade em movimento. O que é adaptação? A instantaneidade da sombra ajustando-se ao objeto imóvel. Você quer saber o que é escola interna e escola externa? Não há duas! Bruce Lee 131
Jeet-Kune-Do é treinamento e disciplina em direção a última realidade em combate. A última realidade é a volta à liberdade primária que é SIMPLES, DIRETA e NÃOCLÁSSICA Um bom praticante de Jeet-Kune-Do não opõe força nem cede completamente. É maleável como uma mola, é o complemento e não a oposição da força de seu oponente. NÃO TEM TÉCNICA, FAZ DAS TÉCNICAS DO OPONENTE A SUA TÉCNICA. Não tem intento; faz da oportunidade seu intento. O indivíduo deve responder às circunstâncias sem préarranjos artificiais e rígidos. Sua ação deve ser como a instantaneidade de uma sombra adaptando-se ao objeto móvel. Sua tarefa é simplesmente completar a outra metade da "unidade", espontaneamente. Em Jeet-Kune-Do não se acumula, mas elimina-se. Não se trata de um acréscimo diário, mas de um decréscimo diário. O auge do cultivo sempre se dirige à simplicidade. É q meio caminho do cultivo que leva á ornamentação. Assim, não se trata de quanto conhecimento fixo se acumulou; antes, trata-se de quanto se pode aplicar de maneira viva, que é importante. "Ser" é, definitivamente, mais valioso do que "fazer". Compreensão, em Jeet-Kune-Do, dá-se através do sentimento pessoal de momento a momento, no espelho do relacionamento e não através de um processo de isolamento. Ser é relacionar-se. Isolar-se é morrer. Qualquer técnica, por mais valiosa e desejável que seja, torna-se uma doença quando a mente fica obcecada com ela. Aprenda a princípio, aceite o princípio e dissolva o princípio. Em resumo, entre num molde sem ficar aprisionado nele e obedeça ao princípio sem ser limitado por ele. Meus seguidores em Jeet-Kune-Do atentem a isto: todas as normas fixas são incapazes de adaptabilidade e 132
maleabilidade. A VERDADE ESTÁ FORA DE TODAS AS NORMAS FIXAS. Quando se atinge maturidade nesta arte, o indivíduo terá uma forma amorfa. É como dissolver uma pedra de gelo na água que pode moldar-se a qualquer estrutura. QUANDO ALGUÉM NÃO TEM FORMA, PODE TER TODAS AS FORMAS; QUANDO ALGUÉM NÃO TEM ESTILO, PODE AJUSTAR-SE EM QUALQUER ESTILO. Na liberdade primária, o indivíduo utiliza todos os caminhos e não é limitado por nenhum, e da mesma forma, usa qualquer técnica ou meio que sirva a seus fins. Eficiência é tudo o que dá resultado positivo. Quando você percebe a verdade em Jeet-Kune-Do, você está num indiscriminado centro de um círculo que não tem circunferência.
Bruce Lee - 1967
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O CAMINHO DO JEET-KUNE-DO Os fãs de Bruce Lee certamente se lembrarão de uma cena cômica do filme "The Way of the Dragon", na qual Tang Lung (Bruce Lee) tenta inutilmente impressionar o vilão com uma elaborada movimentação muito parecida com um kata. Diante da atitude impassível e zombeteira do valentão, Tang Lung parte para um ataque direto que nocauteia o oponente! Efeito humorístico à parte, essa cena tem um significado. Nela, Bruce mostra claramente a maior característica de JeetKune-Do: simplicidade, em oposição a movimentos fantasiosos e, consequentemente, inúteis. Cada filme de Bruce Lee continha "lições" similares de Arte Marcial. Em "Fists of Fury", por exemplo, quando um dos vilões o agarra, muitos estilos exigiriam 3 ou mais movimentos para libertar seu praticante. Bruce, por outro lado, simplesmente desfere um único soco e liberta-se com simplicidade, mostrando, também, que algumas técnicas de agarre do judô são limitadas. Não menos significativo é o fato de que através de seus filmes Bruce estava tentando esclarecer o público sobre o que ele considerava ser um aspecto universalmente benéfico de sua herança cultural chinesa: o Kung Fu.
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Quando Dan Inosanto o visitou em Hong Kong, em 1972, durante as filmagens de "The Game of Death", Dan confessa ter começado a entender porque Bruce perseguia sua carreira cinematográfica com tão ardente zelo. Dan hospedou-se na casa de Bruce, em Kowloon; por três semanas e sempre que havia uma pausa nas filmagens punham-se a conversar. Durante uma dessas ocasiões Bruce confessou ao seu amigo que ao fazer as pessoas conhecerem uma das facetas peculiares a cultura chinesa, elas começariam a apreciar outros aspectos da vida chinesa também e isso consequentemente levaria à promoção de melhor compreensão entre Oriente e Ocidente. "Ação" (não violência) era a chave do sabor nos filmes de Bruce Lee, e o mesmo acontece em sua arte, Jeet-Kune-Do. Reduzido à eficiência, com ênfase em rapidez e logro, JeetKune-Do permite ao praticante um meio pelo qual alcançar eficientemente a linha mais direta de ataque. E, uma vez desferido esse ataque, não há quebras ou interrupções. Assim que uma técnica se aproxima do seu término, começa a fundirse na próxima e assim sucessivamente, em movimentos fluentes até que o conflito esteja resolvido. Como muitos gênios criadores, Bruce Lee estava apenas preocupado com o que é, não com o que poderia ou deveria 135
ser. Jeet-Kune-Do é! Espontâneo e explosivamente imprevisível, como uma forma livre de solo de jazz, a arte foi idealizada a fim de preparar o aluno para as incertezas que, sem dúvida, encontrará em combate real! A analogia com o jazz aplica-se, ainda, em outro campo. De início o novo tipo de música, rebelde e aparentemente desrespeitando todo o lirismo e estrutura clássicos, foi severamente criticado pelos tradicionalistas. Da mesma forma, muitos artistas marciais puristas, de início, tomaram Bruce por nada mais que um lutador de rua ou um fanfarrão. Lee, todavia, inabalável e inteligentemente expôs as diferenças entre "não ter forma" e "ter a não-forma": O primeiro denota incompetência, o último transcendência, respondeu a seus acusadores. Ainda, Bruce Lee sempre enfatizou que Jeet-Kune-Do intenciona, na verdade, ser um meio de auto-descoberta e esclarecimento interior. As distinções mais visíveis entre Jeet-Kune-Do e todas as outras formas de combate encontram-se em sua posição solta, sua ênfase em ritmo quebrado e sua abstenção das técnicas clássicas de bloqueio. Bruce usou a posição esquerda normal do boxe invertida porque achava que se deve colocar a melhor perna (e mão) à frente. Costumava observar Muhammad Ali e outros pugilistas 136
através de um espelho para simular a direita à frente. Sabendo que sua direita era mais rápida e mais forte que sua esquerda (naturalmente em toda a pessoa destra), Bruce queria utilizá-la ao máximo, assim, a posicionava onde podia causar maior dano ao oponente. Desta forma, a mão direita ainda poderia desempenhar a mesma função da "antena" que a esquerda faz no boxe; mas com a acrescida vantagem de ser capaz de nocautear um adversário com um simples soco. (um jab esquerdo se desfere facilmente, mas raramente com força de nocaute). Sua mão esquerda, não tão forte quanto a direita, era encaixada atrás, para acréscimo de poder. Segundo explica nas anotações que deixou: - "Devido à posição avançada, a perna e a mão condutora direita constituem pelo menos 80% de todo chutar e golpear em Jeet-Kune-Do. É importante ser capaz de golpear e chutar com velocidade e poder singularmente ou em combinação". Na posição de prontidão do Jeet-Kune-Do, o calcanhar direito fica levemente levantado para melhorar a mobilidade uma necessidade quando o indivíduo está diante de um adversário mais poderoso. Particular atenção é colocada no jogo de pernas - oscilar, trançar, fintar - a fim de apresentar um ritmo imprevisível que confunda o oponente, o que permite ao praticante de Jeet-Kune-Do penetrar na cadência do adversário e desferir um poderoso e decisivo golpe. As táticas de bloqueio tradicionais estão fora de cogitação porque representam o meio menos eficiente de contra-atacar. JeetKune-Do é orgânico, vivo, ativo. Cada movimento é por si mesmo caracteristicamente ofensivo. Bruce resumiu a posição "em guarda" (ou de prontidão) do Jeet-Kune-Do desta forma: - "Como uma serpente, você permanece de prontidão numa posição solta e seu golpe deve ser sentido antes de ser visto". Como um substituto mais dinâmico ao bloqueio, Bruce 137
aperfeiçoou o que é hoje conhecido como "trapping hands". "Trapping" se torna mais eficiente que o bloqueio, pois nele há menos esperdício de movimentos e a mão do oponente é plenamente imobilizada em vez de apenas desviada. Ainda, dá ao praticante de Jeet-Kune-Do a vantagem de deixar o oponente fora de ação, criando uma situação "um a um" favorável à mão de ataque deste praticante. Sua linhagem remonta ao estilo original de Bruce, o Wing Chun, no qual se afirma que "o ataque é a melhor forma de defesa". O Wing Chun rejeita a convencional sequência "um-dois" de bloqueio e contra-ataque, em favor ao simultâneo bloqueio/soco ou "pak-sao". A prática do Chi Sao ou "Sticky Hands" (mãos aderentes) é uma forma de sparring não exclusiva de Wing Chun, na qual dois oponentes posicionam-se frente a frente, os antebraços apenas se tocando, e tentam deslocar o adversário, mantendo todavia, o próprio equilíbrio. Este exercício, no qual Bruce era um mestre, é executado repetidas vezes a fim de aperfeiçoar as técnicas de mãos já aprendidas, enrijecer os antebraços e especialmente desenvolver sensibilidade de modo que o aluno possa reagir a um avanço do atacante automaticamente, sem pensar. Ao incorporar chi-sao e pak-sao com bong-sao ("desviar") e com lap-sao ("aparar", "desviar" ou "repelir" um golpe, quase um "agarre") aperfeiçoados, naturalmente, pelo seu extenso conhecimento de mecânica e movimento corporais, Bruce chegou ao "trapping hands" (mãos que pegam na armadilha, 138
que prendem). O "trapping" é, definitivamente, Wing Chun, mas modificado. Bruce costumava dizer - "Não importa de onde vem. Se é útil, não pertence a ninguém, é seu!” Assim era Bruce. Sempre que via algo de que gostasse, trabalhava nisso até aperfeiçoar, e levar a coisa muito além. No "trapping" você ataca, dá passos laterais, imobiliza a mão condutora do oponente e então conecta um soco. É uma forma muito sofisticada, inexistente em muitos outros sistemas de luta. Ao organizar sua arte, Bruce Lee tinha todas as credenciais certas: foi um adepto do boxe, teve o treino no Wing Chun para conhecer a linha central, tinha um irmão esgrimista, foi um lutador de rua para saber o que funcionava e o que não funcionava de fato. Tinha amigos do estilo norte de Kung Fu, o que lhe permitia desenvolver os chutes. Na América encontrou pugilistas e lutadores de luta romana, o que lhe permitiu alcançar ainda um outro estágio. Finalmente tinha a personalidade que teve para ir em frente, sempre! Diz Dan Inosanto: - "Era hábito de Bruce expor as vantagens e desvantagens dos vários estilos de combate nenhum deles era deixado de lado. Aconselhava a seus alunos a não pensarem em termos de Oriente vs Ocidente, Chinês vs Japonês, Okinawa vs Coreano, Karatê vs Judô, etc, com o propósito de determinar qual o melhor estilo, mas, antes, examinar cada método individualmente, encontrar seus pontos fracos e pontos fortes e inquirir, "Quando isto funcionará comigo?”Em outras palavras, se tenho duas armas: uma granada e uma faca e alguém me perguntar qual é superior eu responderia - "Depende". Suponha que o inimigo esteja a 15 jardas de distância - eu usaria a granada. Mas se estivéssemos numa cabine telefônica, seria melhor usar a faca..." 139
Outra consequência talvez ainda mais marcante da longa pesquisa de Bruce em todas as formas de combate — desde simples murros até a sofisticada esgrima - foi a descoberta de que, a despeito da miríade de estilos, existia apenas um determinado número de modos pelos quais iniciar um ataque cinco, para ser exato, todos os demais sendo variações desses cinco. Bruce os catalogou como se segue: ABC - Attack by Combínation (ataque por combinação) ABD - Attack by Drawing (ataque por indução) HIA - Hand Immobilization Attack ou FIA - Foot Immobilization Attack (ataque imobilizante de mão ou de pé). PIA - Progressive Indírect Attack (ataque progressivo indireto) SDA - Simple Direct Attack (ataque simples direto) ou SAA – Simple Angular Attack (ataque simples angular).
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A maioria dos sistemas de autodefesa clamam haver um, talvez dois e em raras ocasiões, três variações de ataque. Dois dos mais versáteis são invenções ocidentais: o boxe e a esgrima (da qual Bruce extraiu muita coisa em termos de ritmo e direção). Bruce incluiu todos os cinco métodos de ataque trabalhados por seu cunho pessoal - no Jeet-Kune-Do. E um tributo ao gênio de Bruce o fato dele ter sido tão preciso em delinear a verdadeira natureza do combate. Só alguém que se devota toda uma vida a dissecar meticulosamente cada arte e luta conhecida, poderia chegar a tão refinada nuança como o ataque progressivo indireto. Mas Bruce foi ainda mais longe. A habilidade em comunicar suas ideias inspirou a outros alunos a explorarem seus próprios talentos criativos. - "Quando chegou a hora de aplicar o que Bruce nos ensinou" - diz Dan Inosanto - "sobre os diferentes métodos de ataque, ele não quis que nos sentíssemos constrangidos por nenhuma regra que prescrevesse que método deveria ser usado e sob que circunstâncias. A melhor coisa a fazer em combate real, de acordo com Bruce, é deixar o oponente determinar a técnica apropriada para você. Isto se relaciona, novamente, à posição de prontidão básica na qual a combinação do jab direto dirigido à cabeça e o chute dirigido às canelas servem como um "preâmbulo" para decidir se você está em distância para chutes, socos, "trapping", etc. Um praticante de Jeet-Kune-Do deve ser capaz de reagir instantânea e intuitivamente a qualquer ataque, ajustando-se e não resistindo - à energia do oponente. Em resumo, Bruce costumava dizer: — "Sua técnica é minha técnica". Antes de pensar em sequer tocar no oponente, o praticante de Jeet-Kune-Do sabe que precisa primeiro sobrepujar um fator adversário imediato: a distância entre eles. Este processo 141
de cobrir a distância, de avançar "no território inimigo", de transição e avanço para o ataque, é conhecido na terminologia do Jeet-Kune-Do como "bridging the gap" (cobrir a brecha). Numa fração de segundos, o praticante "avalia" seu oponente, estabelecendo nesse processo a "tendência de fuga" do adversário - uma hipotética aura que define o parâmetro de qualquer técnica possível de ser usada - e ajusta seu ritmo (coordenação de mãos e pés) de maneira adequada, como preparação para penetrar na defesa do adversário colhendo-o no "estado de espírito despreparado" (o instante exato em que está recolhendo um golpe ou bloqueio ou considerando o desferir de um golpe ou bloqueio). Durante todo esse período crítico não há tempo para desperdício de movimentos. Um deslize e a vantagem é perdida! O oponente está sobre você e só a força decidirá o resultado. A fim de predominar, é imperioso que você esteja sempre cônscio da distância e do "timing" apropriados. Durante o confronto em si, raramente alguém é feliz o bastante para ter ao alcance um alvo primário na primeira tentativa. Às vezes você tem que atacar um alvo menor a fim de atingir um maior, isto ó, você tem de causar dor num alvo menor para forçar a abertura de um alvo maior ou ponto vital. Assim, Dan Inosanto ensina seus alunos que um chute bem executado na canela pode ser a chave para um soco de nocaute, o que traz à tona a questão da importância relativa dos chutes ou socos. Alguns estilos, notadamente os coreanos - confiam principalmente em chutes. Por outro lado, praticantes do Shotokan Karatê preferem os socos. Na opinião de Bruce Lee, muitos instrutores exigem que seus alunos passem um incontável número de horas praticando exaustivamente estilizadas técnicas de chutes. Bruce via com maus olhos a escola de pensamento que 142
dava preferência a estereotipados modos de desferir chutes. Também acreditava que era necessário praticar contra vários tipos de objetos: sacos, manguitos, papel e até árvores - além do próprio ar. De acordo com Bruce, há três pré-requisitos para chutes eficientes: força, flexibilidade e economia. O primeiro item é desenvolvido através da corrida, o segundo com exercícios de estiramento e o terceiro pelo sparring a fim de descobrir o caminho mais simples e direto até o oponente. Além disso, ele dizia: - "se você quiser chutar, chute!". Na filosofia do Jeet-Kune-Do provavelmente ressalta a impressão de que as mãos são armas superiores. Os pés são usados primariamente como técnicas que incomodam o oponente, para cobrir a distância. Ainda aqui, isto varia com o indivíduo, dependendo de sua velocidade, força e flexibilidade. No todo, porém, praticantes de JeetKune-Do são homens que usam mais as mãos. Bruce achava que o soco direto direito (ou esquerdo, se você for canhoto) era a espinha dorsal de todas as técnicas de soco do JeetKune-Do e escreveu intensamente sobre o assunto: "O soco direto direito é o mais rápido de todos os socos porque a distância mais curta entre dois pontos é uma linha reta. Com o mínimo de movimentos envolvidos no seu desferir, o equilíbrio não é perturbado e devido a ir direto a frente, no alvo, tem mais chance de atingir. O oponente tem menos tempo/ reação para bloquear. Além disso, o soco direto 143
direi to é o mais preciso de todos os socos." Bruce explica que é tolice, porém, confiar unicamente em uma técnica: “Nenhum soco, nem mesmo o eficiente direto condutor direito pode ser considerado um fim em si mesmo, embora haja estilos que só usem a linha reta de socos. O direto direito é usado como meio a um fim e deve, definitivamente, ser reforçado ou ancorado por outros socos angulares e mesmo chutes; tornando as armas de ataque flexíveis sem confinamento a nenhuma linha. Afinal de contas, um bom praticante deve ser capaz de golpear de todos os ângulos e com ambas as mãos (ou pernas) para tirar vantagem do momento". Finalmente, Bruce detalha exatamente como o soco deve ser desferido: "O modo de desferir o direto direito em Jeet-Kune-Do é diferente do modo do Kung Fu tradicional clássico. Antes de tudo, o soco nunca é posicionado no quadril, nem parte daí. Esse modo de desferir um soco não é realístico e expõe demais uma área que deve ser protegida. Naturalmente também acresce desnecessária distância a ser percorrida até o oponente. Em vez de vir do ombro, o soco é arremessado do centro do corpo, na forma de um punho vertical, diagonal ou horizontal, indo direto a frente, em direção do próprio nariz. O nariz, neste caso, faz o papel da linha guia central. O ponto importante é não adotar nenhuma postura fixa clássica ou movimentos preparatórios anteriores ao desferir do soco qualquer tipo de soco, neste aspecto. O direto direito é desferido da posição de prontidão sem acrescidos movimentos, como recuar ou puxar o braço para trás, ou levar a mão ao quadril ou ombro, jogar o ombro para trás, etc. Pratique seu soco direto a partir da posição de prontidão e termine novamente na mesma posição (não leve a mão ao 144
quadril!). Mais tarde, você deve ser capaz de golpear de onde quer que aconteça sua mão estar no momento. Lembre-se, socar desta maneira lhe dará acrescida velocidade (pois não há movimentos desperdiçados) e a chance de pegar o oponente de surpresa (logro) - não havendo movimentos anteriores alusivos ao soco. Relaxar é essencial para um socar mais rápido e poderoso. Deixe seu soco direto disparar cômoda e frouxamente, não enrijecendo ou cerrando o punho até o momento do impacto. Todos os socos devem terminar com uma explosividade (snap) várias polegadas além do alvo. Assim você soca através do oponente em vez de no oponente. Em Jeet-Kune-Do você nunca golpeia o oponente apenas com o punho; você o golpeia com todo seu corpo. Em outras palavras, você não deve atingir somente com o poder do braço. Os braços são, aqui, um meio de transmitir o poder a partir do "timing" correto dos pés, cintura, ombro e movimento do quadril em grande velocidade. Ao avançar para atacar, o pé direito não deve pisar antes que o punho faça contato ou o peso do corpo acabará no chão em vez de atrás do soco. Lembre-se de tomar poder do chão, ‘empurrando’ o corpo com o pé esquerdo. Contudo, este princípio - como qualquer princípio - pode às vezes deixar de ser levado em conta de acordo com a situação. Em outras 145
palavras, conheça o princípio, siga o princípio, dissolva o princípio". Para resumir esta questão do valor do chute versus soco, Dan Inosanto afirma que o conceito de Bruce era o de que o assunto é equilibrado. Inosanto acha que, contra um homem treinado, contra um bom artista marcial é melhor usar técnicas de mãos e contra um homem não treinado é melhor chutar porque ele não está acostumado com isso. Ou, em outras palavras, "Sua técnica é minha técnica". Através de seus filmes, Bruce podia demonstrar suas ideias com referência a combate e se entregava a essa tarefa de corpo e alma. Antes de partir para Hong Kong, nos anos 70, por exemplo, onde os métodos de produção eram, na melhor das hipóteses, primitivos. Bruce devorou cada livro sobre a arte do cinema que pôde encontrar. Não queria deixar nada ao acaso. Estudou, pois, a fundo, questões sobre direção, iluminação, técnicas de câmera, edição e produção para suplementar sua habilidade como ator. Para Bruce Lee, fazer cinema e arte marcial se tornou, em última instância, duas faces de uma mesma coisa. Seu método de vida e sua vocação emergiam juntos em harmonia. Afinal de contas, tanto um ator quanto um artista marcial têm que deixar de lado sua própria personalidade, gostos e 146
desgostos, preconceitos e assim por diante, a fim de efetivamente concentrar na tarefa a fazer. Seja retratando um personagem na tela ou derrotando um oponente, a mente precisa, antes, ser despojada de todas as noções preconcebidas do que deve ou não deve ser feito para se obter o desejado efeito. Mas talvez queiram saber porque em seus filmes Bruce sempre retratava um indivíduo humilde e pacífico que, uma vez levado a lutar, tornava-se um lunático violento... - "Dan" – costumava dizer Lee a seu amigo Inosanto - "um lutador tem de ser homem louco!"
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APÓS BRUCE LEE Por Dan Inosanto
"Aqueles de nós que fomos felizes a ponto de termos sido alunos de Bruce, somos gratos por tão incomparável experiência. Bruce era um homem de excepcional talento e profundeza de caráter. Seu notável desenvolvimento era uma inspiração para todos nós. James Lee, por exemplo, sempre dizia que após ter estudado com Bruce, se sentia moralmente elevado, mais honesto e que toda sua vida havia mudado. Outro aluno de Bruce, Dan Lee, disse que ‘Bruce era um exemplo vivo do valor dos exercícios básicos e da aptidão física. Sempre o víamos melhorando e amadurecendo no sentido de uma realidade maior.’ Ainda assim, de forma nenhuma somos os únicos a ter sentido o impacto da presença magnética de Bruce. Lee tocou também a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, que o reconheceram como o mais letal expoente do combate desarmado. Suponho estar mais ciente desse impacto pelo número sempre crescente de chamadas telefônicas e cartas que recebo diariamente de pessoas que querem saber mais sobre Bruce Lee. Olhando para o passado, é difícil crer que Bruce tenha realizado tanto em tão pouco tempo. Em menos de uma década, passou de um vaidoso rapaz de 18 anos recémchegado de Hong Kong ao primeiro superstar oriental do mundo! Um dos mais adorados e mundialmente conhecidos ídolos do cinema e da Arte Marcial.
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Após o sucesso impar de seus dois primeiros filmes, formou sua própria Companhia, a Concord Films. Assediado por ofertas da América, Europa e Oriente seu salário por filme elevava-se fabulosamente a cada momento. Não obstante, Bruce começava a sentir os efeitos do sucesso e a perda de sua privacidade (geralmente usava disfarces para poder sair às ruas), o que lhe impedia de desfrutar seu trabalho com a mesma descontração de antes. Segundo Bruce, ele não sabia mais quem eram seus amigos, em Hong Kong, porque todos pareciam querer usá-lo ou pedir-lhe favores. Não ter em quem confiar, exceto em sua esposa Linda, o deixava muito tenso. Entretanto, o desenvolvimento do Jeet-Kune-Do não cessou mesmo depois que Bruce se tornou um astro famoso. Ele continuava mostrando sempre aos mais íntimos suas novas técnicas de combate, procurando constantemente com quem treinar. Praticava sua corrida diária, religiosamente, seguida de uma sessão de treinamento, ainda que no set de filmagens quando não havia outro local disponível no momento! Além disso, ter de coreografar as numerosas cenas de luta estimulava suas ideias criativas e a inspiração o levava a encontrar coisas nunca antes postas numa tela de cinema. Havia ocasiões, ao explorar cenas para efeito dramático, em que reavaliava um certo movimento ou o uso de certa arma há tempos rejeitados como ineficientes, descobrindo, assim, algo a ser usado eficientemente na vida real.
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Em 1964 apresentei a Bruce à arte da Esgrima. Na época, contudo, não pareceu muito interessado. Mais tarde, quando eu o visitei em Hong Kong, ele me disse o que gostava e o que não gostava da Esgrima. Creio que o que o fez mudar de ideia foi a ênfase colocada nas mãos vazias e nos movimentos de valor funcional prático. Fiquei perplexo quando Bruce tomou os bastões e disse: ‘Okay, agora eu vou lhe mostrar o que eu faria com isto!’Eu o observei atentamente e, sem nenhuma experiência prévia ou treinamento anterior, Bruce desenvolveu um estilo de Esgrima que nem sequer podia saber existisse! Espantado exclamei – ‘Hey! Isso é Largo Mano!’ (determinado sistema de usar os bastões, nas Filipinas). – ‘Não sei como você chama isso’— respondeu Bruce – ‘mas é meu método!’ Embora fosse o último a admitir, Bruce praticava meditação regularmente. Sendo de certa forma um pragmatista. Tais práticas ‘ocultas’ não se ajustavam à sua imagem, por isso sempre rejeitava conceitos como ‘poder interno’, ‘'meditação’ e ‘chi’. Mas na privacidade de seu lar, a história era outra. Em sua lista de ‘Coisas a Fazer’ não faltava o item ‘Meditação’! 150
Por ocasião de suas frequentes viagens aos Estados Unidos, Bruce não perdia a oportunidade de combinar negócios com prazer. Assim, por entre encontros, conferências e compromissos, visitava-nos para avaliar nossos progressos, sugerindo trabalho em áreas que ainda necessitavam ser desenvolvidas. Ficávamos cientes, também, de seus mais recentes avanços na Arte Marcial e aproveitávamos para desfrutar alguns rounds de sparring livre. Foi durante uma dessas ocasiões que vi Bruce pela última vez. Após ter sofrido um desmaio, quando dublava as cenas de "Enter the Dragon", devido a exaustão e excesso de trabalho, Bruce viera aos Estados Unidos para um check-up completo por uma junta de médicos americanos.
O incidente repercutira enormemente em Hong Kong e o ânimo de Bruce achava-se muito deprimido. Porém, depois que uma bateria de testes não assinalaram nenhuma moléstia ou problema específico, Bruce recuperou seu bom humor e, como na ocasião tomávamos conta de seu cão Riff, passou em minha casa para almoçarmos juntos: - ‘Você quase perdeu seu sifu (instrutor).’ - disse rindo. Foi então que voltou a Hong Kong para terminar o roteiro de "The Game of Death", falecendo logo a seguir, sem razões lógicas aparentes. 151
A despeito das incoerências sobre as causas de sua morte, uma coisa é certa. O fundador está morto e o futuro do JeetKune-Do está agora nas mãos de seus discípulos. Ao morrer, Bruce deixou uma estreita e reservada organização de alunos selecionados e uma riqueza de material escrito que, a despeito de sua precoce partida, mantém a arte se expandindo em novas e excitantes direções. Talvez seu legado maior seja o recém-publicado ‘Tao of Jeet-Kune-Do’. Originalmente previsto como múltiplos volumes para uso exclusivo de seus alunos, ficou inacabado por ocasião de sua morte e desde então fora compilado em um único volume, disponível ao público em geral. Bruce começara a trabalhar no projeto por volta de 1970, quando sofrera séria lesão nas costas que o deixou afastado de outras atividades por vários meses. A estrutura do 'Tao’ é muito similar ao antigo clássico chinês ‘The Art of War’. Não há desperdício de expressão, o dialogo é mantido ao mínimo, tudo conciso e direto ao ponto. Na obra, Bruce estabelece várias verdades de acordo com os princípios dispostos de maneira desafiadora e filosófica. Contudo, agora que o ‘Tão’ chegou a ser publicado, espero que as pessoas não errem ao tomar o livro pela coisa real — o que não é! Como Bruce costumava dizer, é apenas um guia, um dedo apontando a lua... Não a própria lua! Outra fonte vital de informação que se refere a arte de 152
Bruce Lee pertence aos poucos privilegiados que receberam seu ensino em primeira mão. Bruce era muito seletivo quanto àqueles que ensinava — ‘Se conhecimento é poder, não o passemos adiante indiscriminadamente.’ — disse-me certa vez, e julgando pela relutância de seus discípulos em passar adiante o ensino, sua discrição parece ter sido observada. Aqueles de nós que resolvemos ensinar certas fases do Jeet-Kune-Do, tentamos fazer com o menor estardalhaço possível, o que significa que cada futuro aluno é escolhido muito cuidadosamente. Particularmente sinto a obrigação de divulgar a filosofia de Bruce da melhor maneira que eu puder. Quase todos os alunos de Bruce tinham um treinamento prévio em Artes Marciais antes de serem introduzidos ao Jeet-Kune-Do. Da mesma forma, exigimos que os alunos em potencial atinjam um alto nível de eficiência em auto-defesa básica como pré-requisito para serem admitidos no ensino do JeetKune-Do. Treinamento em Jeet-Kune-Do torna-se assim uma espécie de curso pós-graduação — um bônus para os alunos que o mereçam. Todavia, literatura escrita e instrução prática — não importa quão competentes — não são suficientes para assegurar a contínua evolução do Jeet-Kune-Do. Duas das quatro pessoas originais que Bruce autorizou a ensinar sua arte (ele próprio e James Lee) se foram, e agora uma nova geração está vindo à tona. Alguns podem traçar sua descendência diretamente do fundador, outros apenas leram sobre ele e o viram em filmes. Alguns, como eu mesmo, estudaram numerosas artes durante muitos anos, porém outros nunca desferiram um chute lateral, arremessaram um soco, ou viram o interior de uma academia. Segundo sugestão de Bruce, após fechar a College Street Kwoon, tomei quatro ou cinco alunos e comecei à ensiná-los em minha garagem em Carson, Califórnia. Nós a equipamos 153
com uns poucos sacos de treino e a dificuldade maior era encontrar espaço para a prática de sparring. Contudo permanecemos aí até parte de 1970 quando decidimos construir um ginásio nos fundos de minha casa, onde acumulei todo o velho equipamento de treino de Bruce ao meu próprio. Porém as coisas tomaram novo rumo, pois tive de mudar-me para mais perto de meu emprego e então me vi sem local para colocar todo aquele equipamento. Felizmente Richard Bustillo, que vinha treinando comigo há algum tempo, concordou em abrir uma Academia de Artes Filipinas. - Queríamos que o Jeet-Kune-Do continuasse a florescer, mas não queríamos que acontecesse de maneira a desmerecer a memória de Bruce. Após muita indecisão e análise, resolvemos ensinar a arte. Assim, a Academia visava promover as artes Filipinas e, simultaneamente, seguir o caminho que Bruce havia traçado. Nosso programa consiste de dez grupos — de novatos até alunos bem adiantados — e uma única classe de Jeet-KuneDo que funciona privativamente duas vezes por semana com um grupo de elite. Novos membros só são admitidos por consentimento unânime da equipe Jeet-Kune-Do, o que faz as decisões não serem tomadas por uma só pessoa.
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Assim, somente os alunos que apresentam atributos mentais e físicos proeminentes defrontam-se com uma chance de aprenderem algo sobre Jeet-Kune-Do. Bruce nunca quis ensinar sua arte comercialmente, e nunca gostou de classes grandes. Por isso, mantenho classes pequenas de Jeet-KuneDo e seleciono os alunos e os membros novos com grande cuidado. As aulas de Jeet-Kune-Do não são dadas a mais de 10 alunos e nenhuma mensalidade é cobrada. São gratuitas e somente os que querem cooperar para o sustento da escola o fazem. Não há, absolutamente, obrigação de pagar o ensino. Aos alunos principiantes não se ensina Jeet-Kune-Do, mas sim um curso de autodefesa que inclui elementos de boxe, Wing Chun, Esgrima, Panatukan e Kenpo. As técnicas de chutes são uma combinação do estilo chinês do Norte com Sikaran, a arte Filipina de luta com os pés. Portanto, é realmente impossível rotular o que ensinamos em nossa Academia. De qualquer forma, um nome é apenas um nome - um meio de identificação. Nada diz respeito à eficiência de uma determinada arte marcial. Por conseguinte, o currículo de nossa Filipino Kali Academy, pode ser descrito como Wing Chun, Esgrima, JeetKune-Do, etc., não faz diferença!
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A meu ver, as artes filipinas em particular são um veículo natural para o amadurecimento em Jeet-Kune-Do. Antas realçam a mão condutora e o pé condutor (da frente). Em Jeet-Kune-Do a mão da frente toma precedência sobre a mão de trás. Seja a direita ou a esquerda, a mão dianteira é a mão viva - a mão que apara, desvia, desliza o golpe. Em Esgrima, ocorre o mesmo. Em Jeet-Kune-Do usamos o termo ‘Trappping’; em Esgrima dizemos ‘Checking’. Bruce Lee, em muitos aspectos, ERA Jeet-Kune-Do. Sua liderança e inovação o provinham do espírito das formas livres e princípios da arte e ele jamais poderá ser substituído. Ele era o Einstein das Artes Marciais! Sempre procurava atingir um grau mais alto e mais aperfeiçoado. Estava muito adiante de seu próprio tempo. Era um perfeccionista. Se um dia surgir alguém fisicamente tão talentoso quanto Bruce, duvido que o iguale na totalidade de seu ser, com seu conhecimento e compreensão da natureza humana. Outra coisa que gostaria de dizer sobre Bruce, como 156
homem, era sobre sua generosidade. Constantemente largava seus próprios interesses para assistir a seus amigos. Mas quando o fazia, enfatizava – ‘Não há ajuda como a autoajuda!’ Uso a mim mesmo como exemplo: Eu era muito tímido, acanhado, um verdadeiro introvertido e Bruce ajudou melhorar minha personalidade, ensinando-me a ser mais confiante e proeminente. Perguntou-me, certa vez: - ‘Por que você é tão tímido, Dan? Já pensou sobre isso?’ — e eu disse: — ‘Bem, suponho que as pessoas me assustem.’ Ele retrucou: - ‘Por que as pessoas lhe assustam?’ e eu respondi: - ‘Bem, assusta-me cometer erros.’ Novamente Bruce: — ‘O que lhe poderia acontecer de pior se você cometesse um erro em público?’ E então eu relacionei todas as coisas, as piores coisas que poderiam acontecer e isso me deixou aliviado! Suponho que Bruce usasse o método socrático porque nunca respondia por mim, deixava-me sempre responder! Quando Bruce morreu, eu não estava certo sobre que caminho tomar... Apenas lembrava-me dele dizendo que JeetKune-Do tinha de evoluir constantemente se quisesse melhorar e acompanhar os rápidos passos das mudanças no mundo em que vivemos. Creio que a direção que tomamos agora está correta — e espero que já se tenha tornado claro que há muito mais sobre Bruce Lee e sua arte Jeet-Kune-Do do que muitas pessoas podem perceber. Pelo cinema Bruce descobrira o veículo que procurava para projetar sua arte e sua herança cultural e, assim fazendo, despedaçou enfim a infeliz imagem do chinês de trancinhas de modo tão dramático a trazer de novo dignidade e respeito para seu povo e seus antepassados. Mas isso não é tudo. Com seu dom por Showmanship, que o tornou uma das mais quentes propriedades do Show-Business internacional, Bruce ajudou milhões de pessoas em todo mundo a colocar de lado seus 157
temores e complexos e a lutar por uma vida melhor e mais digna, levados pelo irresistível apelo de sua magia nas telas. Ironicamente vemos esse abandono do ‘ego’ ou ‘destruição do ego’, para usar uma das frases favoritas de Bruce, posicionarse como a meta principal do treinamento em Jeet-Kune-Do. É, também, o primeiro passo para sermos capazes de apreciar a beleza dos outros. Em resumo, o pelo que nos empenhamos, em Jeet-Kune-Do, é um melhor entendimento de nós mesmos e do Universo em nosso redor.” Danny Inosanto
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FUTURO
TRIÂNGULO DO CONHECIMENTO
PASSADO
PRESENTE
"O passado é uma das fontes onde se busca conhecimento. Se do passado obtemos conhecimento, entretanto é do presente que aprendemos como usar esse conhecimento e como descobrir novos conhecimentos, derivados do antigo. E será no futuro que aprenderemos a fluir com as situações às quais seremos conduzidos. No futuro encontraremos a solução para problemas atuais e esse espaço ajuda nosso crescimento. Bruce Lee me disse certa vez, — ‘Das coisas velhas você obtém segurança, mas é somente com as novas que você ganha o fluxo para continuar em frente.’ Foi Bruce Lee que me encorajou a iniciar uma biblioteca e a colecionar todos os livros sobre todos os assuntos que me interessassem, quanto me fosse possível. Os livros servem como meio de exploração, pesquisa e investigação sobre o que tem sido feito no passado. Servem como um guia. Dão sabedoria. Oferecem filosofia. A filosofia é o amor que falta à ciência e a ciência é o uso apropriado do 159
conhecimento. O uso apropriado do conhecimento nos leva à moralidade. Se o mundo estivesse cheio de homens que governassem a si mesmos, não haveria necessidade de outros homens para nos governar. Realização, reconhecimento, auto-respeito: são necessidades fundamentais sem as quais os seres humanos não podem desempenhar suas funções apropriadamente. A maneira pela qual o indivíduo busca preencher essas necessidades, determina que espécie de pessoa ele é. JeetKune-Do é um dos caminhos, visa auto-cultivo como degrau à verdade e ao esclarecimento. Há certamente muitos outros, pois que a sabedoria não é propriedade exclusiva de um só método. Nas palavras de Bruce Lee: ‘Jeet-Kune-Do é apenas um nome; um bote usado para se atravessar um rio e uma vez atravessado esse rio, o bote deve ser posto de lado e não levado às costas.’” Danny Inosanto
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OS PRIMEIROS CONTATOS DE BRUCE LEE COM O NUNCHAKU Um de nossos leitores assiste os filmes de Bruce Lee todas as vezes que estão em cartaz, pois gosta de ver Lee manejando seu nunchaku. Ele diz: "A força e o estilo do nunchaku de Lee são inacreditáveis, tão fortes como uma rajada de vento e voam como um dragão. Ele converteu os dois bastões numa arma destinada a muitos propósitos..." Isto é verdade! Um nunchaku na mão de Bruce Lee voa tão rápido como uma hélice de avião. Não só produz um som arrepiante, mas também possui um potente ataque. Seu oponente pode ser dominado se você usar seu nunchaku para envolver o pescoço, o braço e as mãos dele. Os dois passos que Bruce Lee dava antes de entrar em ação eram particularmente interessantes. Ele segurava na extremidade de um dos bastões e movimentava seu nunchaku. Depois de algum tempo ele prendia nas axilas elegantemente. Estas ações produzem uma espécie de ritmo que aumenta o interesse do espectador. Foi Bruce quem inventou o nunchaku? Ele disse: "Atualmente ninguém anseia criar sua própria arma. A razão é que o desenvolvimento das artes marciais tem uma longa história. Todo o tipo de arma foi inventado e aperfeiçoado por nossos antepassados. Dessa forma nada pode ser inventado, exceto o método de treinamento." O nunchaku é derivado do san-chin-kun. Como o T'iehlien-pang, o shao-tse-kun e outros tipos de bastões, o nunchaku tem suas próprias normas para seu manejo. Quando Bruce Lee aprendeu artes marciais, ele teve contato 161
com esses bastões, contudo, a fim de melhorar sua técnica, Bruce discutiu uma vez com Dan Inosanto, professor de Educação Física e História. Ele admirou a excelente habilidade de Bruce Lee e elogiou a filosofia do Jeet-Kune-Do. Depois deste primeiro encontro eles tornaram-se bons amigos e trocaram conhecimentos de técnicas de combate. Devido ao fato de Dan ser perito no uso dos bastões, Bruce humildemente aprende com ele. Inosanto era sensacional no manejo dos bastões. Seu ataque era muito interessante. Ele podia trocar de lado três ou quatro vezes num piscar de olhos. Ele era chamado por Lee de "Mestre dos bastões mágicos". Seu manejo de bastões estimulou o interesse de Bruce Lee em aprender. Consequentemente, Lee concentrouse na prática do nunchaku e foi plenamente bem-sucedido. Como Bruce Lee, Dan Inosanto é uma dramática figura do povo americano. Em 1959, ele era um ativo praticante de artes marciais. Ele estudou hung kune, choy lay fut, judi, Karatê e Tae-kwondo. Em 1964, ele conseguiu o segundo lugar no torneio internacional de Karatê, em Long Beach. Nesta ocasião Bruce e Dan tornaram-se amigos. Nesta época Bruce Lee tinha apenas 24 anos e era muito impetuoso. No dia de encerramento do torneio, ele subiu no ring e criticou as competições de Karatê. Além disso ele desafiou todos os campeões. Ele tinha muitas virtudes e muitos peritos foram derrotados por seu jeet kune do. Isto impeliu Dan a admirar Bruce. Depois disto, eles discutiram outros problemas de artes marciais. Ele gostou da filosofia do jeet kune do e decidiu não participar mais de nenhum tipo de competição.
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MARU-GATA NUNCHAKU Usa-se para treinamento Não deve ser pesado.
Dan foi entrevistado, ele disse: "A filosofia do jeet kune do é de difícil compreensão e de grande profundidade. Na verdade, o verdadeiro propósito das artes marciais é nutrir sua confiança. Com uma atitude sincera e confiante, você pode ultrapassar todos os obstáculos e vencer todos os oponentes” Um repórter perguntou a ele: "Dizem que o nunchaku de Bruce Lee segue suas formas, é verdade?" O professor Inosanto respondeu: "Não, não totalmente! Meus movimentos de bastão apenas motivam Bruce Lee a manejar nunchaku. Depois de olhar-me manejando, ele cria o nunchaku do jeet kune do." De acordo com Bruce Lee, embora seu nunchaku em "Fists of Fury" seja geralmente reconhecido como indesafiável, ele não supera seu mestre. Lee achava que seu instrutor era o perito dos peritos nos bastões mágicos. Ninguém podia competir com ele. Inosanto diz que seus bastões mágicos não são nem chineses, nem americanos. São de uma técnica singular de sua pátria-mãe, as Filipinas. 163
Quando as Filipinas foram invadidas pela Espanha, esta espécie de arte marcial surpreendeu seus invasores por superior às espadas espanholas. Posteriormente, parte das técnicas foram passadas para Okinawa. O público concorda que a performance de Bruce Lee em "Fists of Fury" é soberba. É como um mágico manejando bastões mágicos. Ele envolve os espectadores em intenso prazer. Contudo, os bastões mágicos de Inosanto são até mais bonitos. Em "Game of Death", ele maneja vários tipos de bastões. Ele os maneja como "uma deusa de várias mãos". Os bastões voam para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda, como abelhas saindo da colméia! Não obstante, ele sinceramente respeita a performance de Lee em "Fists of Fury" e em "Enter the Dragon". Quando Lee dirigia "Enter the Dragon", Inosanto duvidava da habilidade de Lee na direção. Contudo, quando "Game of Death" estava em produção ele viu como Bruce dirigia a câmera e ensinava os atores. Ele admirava os talentos de Bruce e sem reserva dizia: "Bruce Lee é excelente!" Bruce Lee Jeet Kune Do Club Hong Kong — 1976
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O LEGADO DE BRUCE LEE ANÁLISE: habilidade de desmembrar o conhecimento a fim de que possa ser entendido. SÍNTESE: habilidade de reunir as peças para formar um novo todo. AVALIAÇÃO: habilidade de julgar o valor do conhecimento. CONHECIMENTO: acúmulo de material apreendido previamente. COMPREENSÃO: habilidade de interpretar o conhecimento em várias situações apresentadas. APLICAÇÃO: habilidade de usar o conhecimento em novas situações. "ESTILO" deve ser transcendido. "ESTILO" não tem nada a ver com eficiência de uma arte marcial. Não importa seja você praticante de Kung-Fu chinês, Karatê japonês, Karatê coreano, Karatê de Okinawa, Arte Marcial da Indonésia, da Malásia, Boxe Ocidental, Luta Romana, Boxe Tailandês, Savate, Boxe Burnês, Esgrima filipina, Kali, ou simplesmente luta de rua... A mente criativa e o corpo em constante progresso são os fatores importantes no processo de avanço nas Artes Marciais. Estilos ou sistemas desempenham apenas uma parte nesse processo. Alunos devem ser conduzidos de modo a pensarem por si mesmos, expressarem a si mesmos e encontrarem por si mesmos as respostas.
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EXPRESSÃO DO "EGO" É ARTE. Não se pode compreender as principais raízes do Jeet Kune Do através do acúmulo de muitos estilos diferentes; isso seria como um cantor que tentasse melhorar a voz acumulando canções! Antes, é preciso compreender as raízes do problema. Nossa meta, em Jeet Kune Do, é uma melhor compreensão de nós mesmos e do Universo que nos cerca. Realização, reconhecimento, auto-respeito são necessidades fundamentais sem as quais os seres humanos não podem desempenhar suas funções apropriadamente. E como o indivíduo procede a fim de buscar preencher essas necessidades, determina a espécie de pessoa que é. Jeet Kune Do é um dos meios: visa autocultivo como degrau à verdade e ao esclarecimento. Certamente há outros meios, pois sabedoria não é propriedade exclusiva de nenhum método. Nas palavras de Bruce Lee... "Jeet Kune Do é apenas um nome usado, um barco para se atravessar um rio. Uma vez atravessado o rio, deve ser posto de lado e não carregado nas costas como carga inútil!" Nosso grupo continuará caminhando na busca de nossa libertação pessoal e descoberta de nós mesmos... para que venhamos a conhecer a nós mesmos numa nova dimensão! Dan Inosanto — 1969
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RECORDANDO BRUCE LEE Vinte de julho deste, (1983) marcou o 10º aniversário da morte de Bruce Lee, indubitavelmente o mais célebre artista marcial que o mundo conheceu. A despeito de quaisquer controvérsias sobre sua meteórica carreira, as lendárias contribuições que Lee deixou, são indiscutíveis no campo do cinema, da arte marcial e da filosofia. De mãos vazias, Bruce Lee conseguiu elevar a imagem do povo oriental mais do que todos os esforços combinados de políticos e figuras diplomáticas desde o começo dos tempos! Mas Bruce Lee foi mais que um ator. Foi mais que um lutador. Foi mais que um filósofo. E aí está o significado maior de sua vida! Sua mensagem fala mais alto a qualquer pessoa que sinta que dedicação é a única coisa capaz de nos levar à realização de nossas metas pessoais. Sua lição universal é a de que nós podemos ser mais e melhores do que somos! Basta sabermos disso, querermos isso e nos esforçar por isso! O potencial individual só tem valor na medida em que cresce pela senda do autodesenvolvimento e do autoesclarecimento. Para Bruce Lee, a vida sempre foi um processo constante de aprendizagem, mudança e crescimento. Nossas mentes vivem num constante estado de tomada de decisões. Pequenas ou grandes, importantes ou não. E é a soma total dessas decisões que criam as qualidades individuais que, por sua vez, determinam o verdadeiro caráter de cada um de nós. Viemos todos da mesma fonte, respiramos o mesmo ar, 167
enfrentamos os mesmos problemas básicos, sentimos as mesmas emoções, sonhamos os mesmos sonhos e. em última instância, deparamos-nos com a mesma chamada "fatalidade" da vida... A grande diferença entre um homem qualquer e um Homem, está nesse processo de tomada de decisões. Bruce Lee o definia como um ato contínuo de "escolhas" ou de despojamento do não-essencial. Tal como o escultor que, cinzelando o bloco de mármore bruto, chega a encontrar sua obra-prima! Somos o que somos devido a nossos pensamentos... Nossos pensamentos são coisas reais! Nada poderia ser criado sem antes ter passado pelo "conceito" em nossa mente. E o mais excitante em tudo isso é que cada um de nós, em nossa busca pessoal, descobre que cada pensamento que já tivemos ou teremos, vem de nossa própria escolha porque somos livres! Bruce Lee nunca clamou infalibilidade... mas convidounos a usar seu conhecimento e suas descobertas no grau e na medida em que encontrassem aceitação em nossas vidas pessoais, e a deixar de lado o que não achássemos propício a nós mesmos. Assim entendia ele a individualidade única de cada ser humano. Para Bruce, autoconhecimento, propriamente usado e controlado era a base, não apenas de seu Jeet Kune Do, mas também da Vida, expressa e experimentada por cada pessoa. Dizia que "o controle de nosso ser não é muito diferente da combinação de um cofre... uma volta apenas não basta para abri-lo. Cada avanço e recuo é um passo em direção à realização final do indivíduo." A mensagem e o exemplo de Bruce Lee persistem como uma luz permanente. Ele será lembrado enquanto o homem continuar em sua grande busca pela própria identidade. O apelo de Lee não é limitado a determinado grupo ou raça... É 168
para todas as pessoas: velhos, jovens, homens, mulheres, orientais, ocidentais... Ele derrubou as barreiras que nossa civilização levantou com respeito à raça, cor, religião, classes sociais. Bruce Lee não viveu apenas para si... Viveu para os outros e cada um de nós que sentir o espírito vivo de Lee, estará sendo guiado pela mesma chama que o conduziu em sua jornada destemida através da vida. Agarre essa tocha! Caminhe com ela! Corra com ela! E segure-a bem alto! Ela também é sua! —o— Bruce Lee atravessou um mundo sombrio e invejoso, onde os incapazes, os corrompidos, os avaros, os covardes sempre procuram destruir o que não conseguem imitar. Mas esses se expulsam, por eles mesmos, dos princípios da Vida. São como mortos, movendo-se na sombra da própria ignorância... Todavia, aqueles que conseguiram compreender Lee saíram enriquecidos dessa experiência única... Está aí o caso do jovem Richard Torres, de Nova York, que numa carta "post-mortem" a Bruce, expressa seu testemunho de gratidão: "Caro Bruce, Dizem que sua morte foi prematura, desnecessária e injusta. Mas eu sei que sua morte tem um significado. Você sempre foi um instrutor, um mestre, um guia. E mesmo após sua morte, você continua nos ensinando sobre o significado da Vida. Estou escrevendo esta carta para agradecer-lhe. Agradecer-lhe por ter repartido seus pensamentos conosco, por ajudar-nos a enriquecer nossas vidas, por trazer dignidade à sua raça e ao próprio ser humano e por mostrar aos outros... 169
O Caminho! Obrigado por ser o que você foi... Obrigado por ter sido Bruce Lee! Seu amigo, Richard.�
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UMA AULA DE BRUCE LEE O ar estava pesado e fétido na arena de esportes de Long Beach naquele verão de 1964. O ar condicionado funcionava mal e a multidão que viera ver o Torneio Internacional de Karatê já se mostrava inquieta após assistir competições durante horas. Então Ed Parker, o patrocinador do evento anual, tomou o microfone e apresentou Bruce Lee, que iria fazer uma demonstração de Jeet Kune Do. Houve um instante de silêncio e todas as cabeças inclinaram-se para frente. Antes que sua carreira cinematográfica começasse, Bruce Lee já era uma lenda entre os artistas marciais.
Bruce caminhou no ringue, vestindo um simples uniforme preto de Kung Fu. Falou calmamente por uns momentos sobre sua arte e depois começou a demonstração. É sempre impressionante ver um homem grande e musculoso executar golpes de Karatê. Mas impressiona ainda mais ver um homem de constituição mediana executar 171
técnicas com ofuscante velocidade, movimentos tão rápidos e elegantes quanto os de uma ave em voo. .Quando Bruce terminou, houve um momento de silêncio e depois estrondosos aplausos se fizeram ouvir. Algumas semanas mais tarde, um amigo de Joe Hyams conseguiu-lhe um encontro com Bruce Lee, pois Joe esperava tomar lições particulares com ele. Bruce era altamente seletivo sobre os alunos que escolhia para ensinar, e aquele encontro foi uma espécie de teste. Visto Bruce só dar lições privativas e não manter uma escola pública, as lições foram marcadas na casa de Hyams. Bruce chegou cedo e Joe foi até o jardim recebê-lo. À primeira vista, Bruce Lee pareceu ser até menor do que no palco. Vestia calças de ginástica justas e uma camiseta verde escura que deixava aparecer as ondulações de sua musculatura. Estava sorrindo, deram-se as mãos e então Bruce prontamente ficou sério e foi direto ao assunto, indagando a Joe porque este queria estudar com ele. Joe admitiu ter ficado impressionado com a demonstração que vira e disse ainda ter ouvido falar que Lee era o melhor... Bruce perguntou-lhe, então, se já estudara outras artes marciais antes, ao que Joe replicou que por um longo tempo sim, mas que agora queria recomeçar.
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Aquiescendo com a cabeça, Bruce pediu-lhe para demonstrar algumas técnicas que soubesse. Foram para os fundos da casa e ele observou Joe intensamente enquanto este executava vários ka-tas e exercícios de outras disciplinas. Depois pediu-lhe para executar alguns chutes básicos, bloqueios e socos num saco pendurado na viga da garagem. — "Você percebe que terá que desaprender tudo o que aprendeu e começar de novo?" — perguntou-lhe Bruce. Diante da resposta negativa de Joe, Lee sorriu e colocando a mão levemente sobre o ombro do futuro aluno, disse: — "Deixe-me narrar uma estória que meu sifu me contou. É sobre um mestre Zen que recebeu um professor universitário que o procurara para inquerir sobre Zen. Era óbvio, porém, que desde o início da conversa o professor não estava muito interessado em aprender sobre Zen, mas sim em impressionar o mestre com suas próprias opiniões 173
e conhecimentos. O mestre o ouviu pacientemente e no final sugeriu que tomassem chá. Enchendo, então, a xícara do visitante, continuou pondo mais e mais chá até que a xícara transbordasse. Ao ver sua xícara extravasando, o professor não pode se conter: "A xícara já está cheia! Não cabe mais nada nela!" — exclamou. — "Estou vendo — disse o mestre — e como esta xícara, você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. De que maneira posso eu mostrarlhe o Zen, sem que você primeiro esvazie sua xícara?" Bruce estudou o rosto de Hyams e, após uns instantes de silêncio, indagou-lhe se compreendera o ponto. Joe respondeu afirmativamente: — "Você quer que eu esvazie minha mente de conhecimentos passados e velhos hábitos para que esteja em condições de abrir-me à nova aprendizagem." — "Precisamente! — disse Bruce — Agora estamos prontos para começar a primeira lição." Isso não significa que Bruce Lee impedisse Joe — ou qualquer outro aluno seu — de aplicar uma mente crítica ao seu ensino. Na verdade, ele recebia bem discussões até argumentações. Mas quando Joe criticava muito um determinado ponto, sua réplica era sempre "Pelo menos esvazie sua xícara e tente!" Mais tarde Joe compreendeu que, na verdade, Bruce praticava tudo o que ensinava. Quando mais jovem, em Hong Kong, Bruce estudara Wing Chun — um ramo dó Kung Fu — com o célebre mestre Yip Man. Ao chegar na América, adolescente ainda que era, observou o Kenpo Karatê de Ed Parker e tomou 174
dele muitas técnicas de mãos que o atraíram. Do Tae-Kwon Do tomou os chutes devastadores que fazem esse estilo tão formidável. Também estudou outros estilos de Arte Marcial, recolhendo de todos eles o que julgasse útil. Embora considerado um dos melhores artistas marciais de nossa época, Bruce Lee estava sempre aprendendo, sempre num constante processo de mudança, adaptação e melhora. Ele, de fato, mantinha "sua xícara vazia!"
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O TREINAMENTO DE BRUCE LEE
"Força em si não é conhecimento e conhecimento não é treinamento, mas combine conhecimento com treinamento e você obterá força." (Anônimo)
Lee, sem dúvida alguma, um dos homens mais letais que o mundo conheceu, conseguiu alcançar um desenvolvimento e uma perfeição física realmente invejáveis. Mas a pergunta que todos gostariam de ver respondida é: "Como chegou a isso"? Para se falar do treinamento de Bruce Lee um livro não bastaria! Todavia procuraremos tratar do assunto de uma maneira geral, recomendando, para os interessados em seu treinamento específico de Jeet Kune Do, a leitura das seguintes obras: "Tao of Jeet Kune Do" — by Bruce Lee. "Bruce Lee's Fighting Method" — by Bruce Lee and Mito Uyehara (4 volumes). "Bruce Lee: Between Wing Chun and Jeet Kune Do" — by Jesse Glover. "Bruce Lee's Non — Classical Kung Fu" — by Jesse Glover. "Jeet Kune Do: the Art and Philosophy of Bruce Lee" — by Dan Inosanto. 176
"A Guide to Jeet Kune Do Training with Equipament" — by Dan Inosanto. Ainda assim, tudo que possa ser publicado sobre métodos de treinamento de Bruce Lee será baseado em notas, lembretes e escritos pessoais que Lee deixou durante sua curta existência, além da observação direta dos alunos que treinaram com ele. Bruce Lee tentou tantos exercícios diferentes que se tornou impossível, até mesmo para ele, saber ou relatar todos os passos envolvidos em seu desenvolvimento. Sempre que descobria um exercício que desse bons resultados, incorporava-o em seu treino diário. De todas as suas muitas propriedades, a que Bruce Lee mais valorizou foi seu próprio corpo. E o fez numa extensão que a muitos parecia excêntrica, visando sempre manter seu físico em perfeita forma. Seu ginásio era um templo para o desenvolvimento de aptidão e de ajustamento físico, sendo equipado com toda espécie de aparatos e tendo várias paredes revestidas de espelhos para que ele pudesse observar melhor seus próprios exercícios e movimentos. Para manter-se em perfeita saúde, Bruce tomava muito cuidado com o que ingeria, acreditando que "você é o que come" e, consequentemente, abstinha-se do fumo e do álcool. Recusava café, tinha horror a doces amanteigados ou gordurosos. Consumia muito leite, chá, sucos de frutas e 177
legumes, carne, peixe, ostra, ovos, germe de trigo, proteínas em pó e vitaminas.
Dava muita importância à alimentação correta, repouso adequado e hábitos saudáveis, pois treinamento também inclui uma programação que evite atividades ou substâncias que possam prejudicar ou lesar o físico. Quando Robert Lee, irmão de Bruce, chegou aos Estados Unidos vindo de. Hong Kong, Bruce, que o esperava no aeroporto, espantou-se: — "Jesus! Como você está magro! Não diga a ninguém que você é meu irmão — disse brincando — pois me embaraçaria." Robert foi levado à casa de Bruce em Bei Air e já na.manhã seguinte era acordado cedo, recebia um par de tênis e era obrigado a correr uma média de quatro quilômetros. A seguir era obrigado a beber uma mistura que o próprio Bruce preparava no liquidificador a fim de assegurar-se de que seu irmão beberia tudo. Para Bruce, que a tomava sempre, era saborosa, mas para os outros não era nada agradável! — "Rapaz, era um verdadeiro suplício — diz Robert. — Bruce parecia um sargento, do exército! Todos os 178
dias vinha com aquela mistura de leite, proteína em pó, bananas, gelo, ovos com casca e manteiga de amendoim." Mas Bruce Lee não será lembrado como um dietista... Seu corpo fora desenvolvido dentro de um modelo de graça e perfeição muscular, sem a deformidade de tendões e músculos dos halterofilistas. O corpo de Lee era um instrumento de genuína beleza, a ponto de seu aluno James Coburn declarar, numa homenagem prestada após sua morte. Lee "era o mais belo espécime físico que jamais vi!" Bruce chegou a isso através de uma série de cuidadosos e apropriados exercícios e treinamentos dos quais, infelizmente, há poucos registros, sendo os mais valiosos aqueles deixados a nós numa variedade de entrevistas, artigos, testemunhos e notas pessoais. O desenvolvimento de tal perfeição física, conforme Lee enfaticamente assinalava, não é um fim em si mesmo; é, antes, segundo suas próprias palavras... "Um dedo apontando para a Lua. Por favor, não tomem o dedo pela Lua! Nem fixem o olhar tão atentamente no dedo a ponto de omitir a bela visão dos céus. A utilidade do dedo é assinalar, além dele mesmo, a luz que o ilumina e ilumina tudo mais." A Importância de um Bom Estado Físico: Uma das críticas que Bruce Lee costumava fazer aos artistas marciais 179
era a de que passavam muito tempo desenvolvendo habilidades em técnica e não o bastante em desenvolvimento físico apropriado: — “Praticar habilidade de luta é importante”. — dizia — "mas se você não estiver em boas condições físicas, essas habilidades pouco lhe valerão. Se você não estiver fisicamente bem ajustado, não haverá nada a fazer num treinamento puxado, num combate livre ou numa luta real! Em Jeet Kune Do, boa forma física é um dos elementos mais importantes. É uma necessidade para o artista marcial." Na realidade, Bruce era um apaixonado pela boa forma física. Não deixava passar um só dia sem uma sessão completa de treinamento. Seu treino mínimo diário era de duas horas seguidas, chegando até oito horas, numa média de quatro a seis horas. Contam seus alunos que não era raro vê-lo treinar toda a metade de um dia... em sessão contínua! Todos os que conviveram com Bruce, testemunham que jamais o viram em lazer. Mesmo conversando, estudando, comendo ou vendo TV, estava se exercitando de alguma forma. Conta Jesse Glover - seu primeiro aluno na América: — "Nunca vi uma ocasião em que Bruce não estivesse exercitando alguma parte de seu corpo. Se estivesse sentado numa escrivaninha, suas mãos estariam pressionando o móvel para cima ou para baixo. Se estivesse com as mãos ocupadas em outra atividade (escrevendo, por exemplo), estaria flexionando os músculos das panturrilhas ou pressionando os pés contra o chão. Se estivesse em pé, estaria fazendo elevação de pernas ou extensões de braços, entesando todos os músculos de seus membros, contrações isométricas contra a parede ou qualquer objeto estacionário com as palmas das mãos. Bruce estava constantemente trabalhando seu corpo durante todas as 180
horas em que estivesse acordado. Isso contribuiu grandemente para sua habilidade em se mover explosivamente em combate."
Bruce Lee sempre procurava intensificar seu treinamento, buscando métodos mais e mais exaustivos e sofisticados. Estava sempre fazendo algo, trabalhando alguma parte do corpo e mantendo-o em condições. Procurava exercitar cada parte de seu corpo separadamente (região abdominal, antebraços, pernas, etc.) através de exercícios específicos. O benefício maior que tirava desses exercícios derivava do fato de estar continuamente praticando, constantemente chutando, socando, repetindo e repetindo movimentos, como um pianista que passa horas e horas por dia praticando as mesmas notas" Os atletas campeões treinam duramente nas vésperas das competições. Bruce Lee treinava cada dia como se estivesse se preparando para as Olimpíadas! Um dia comum na vida de Bruce, segundo sua esposa 181
Linda Lee: ''Levantava-se cedo, passava por uma série de exercícios de aquecimento e flexibilidade. Uma corrida antes do desjejum, seguida por um percurso de uns quinze quilômetros na bicicleta estacionária. Relaxava lendo, vendo TV ou brincando com as crianças. Almoçava cedo. Passava ao estudo e leitura pesada e depois ao treino mais puxado. Mesmo lendo, mantinha um banquinho coberto de lona ao lado da mesa, no qual socava com uma mão enquanto virava as páginas do livro com a outra. Bruce era a coisa mais próxima a perpétuo movimento num ser humano que se possa imaginar! Frequentemente eu o encontrava com um livro numa das mãos, lendo, e um haltere na outra! Muitas vezes, ele interrompia de repente a mais interessante conversa para anotar um novo tipo de exercício que havia cruzado sua mente."
James Coburn relata que, em certa ocasião, viajando num vôo, Lee, este alternadamente socava um coxim com um e outro punho. Depois de certo tempo, Coburn, já irritado, 182
queixou-se. "Sinto, - disse Lee - mas tenho que me manter em forma!" e continuou socando o coxim. Bruce Lee chegava a exercitar-se nas atividades mais comuns da vida diária. Por exemplo, estacionando o carro a vários quarteirões e indo à pé em passo rápido; evitando o elevador e usando as escadas, subindo em passo acelerado, saltando degraus, etc.
Uma Variedade de Exercícios Naturais Lee achava que um dos melhores meios de se manter um nível constante de excelência física e de estabelecer uma base de aptidão a partir da qual se pode progredir infinitamente era CORRER. Durante toda sua vida ele recomendou esse tão simples e disponível exercício, dizendo: — "Para mim, um dos melhores exercícios para se desenvolver boa forma física é correr. Correr é tão importante que se deve praticá-lo durante toda a vida. A que horas você corra não importa. No início, você deve correr naturalmente, como num cômodo "trotar". Depois, gradualmente aumentar a distância e o ritmo e finalmente incluir arranques para desenvolver seu fôlego."
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Bruce Lee corria sob sol ou chuva, no inverno ou no verão, seis dias por semana, percorrendo entre seis a nove quilômetros num tempo de vinte e cinco a trinta minutos, quase sempre na companhia entusiástica de seu enorme cão dinamarquês "Bobo". Corria não importava onde: na praia, nos bosques, nos parques, nas colinas (gostava de correr subindo ou descendo encostas íngremes) ou mesmo nas ruas em horas do nascer do dia. Variava o ritmo, passando de um compasso moderado — de passos largos — a violentos piques, voltando ao ritmo anterior mais lento e compassado. Saltava, corria em zig-zag, incorporava na corrida qualquer elemento que pudesse servir para melhorar algum aspecto físico em especial, por exemplo, "jogo de pernas" (foot-work). Para desenvolver movimentos rápidos de deslocação (tão necessários em combate), Bruce corria em passo de "trote", intercalando de quando em quando movimentos de deslocação com ambos os pés. Quanto mais praticava esse tipo de exercício, mais rápido conseguia se mover em combate ou treino livre de luta (sparring) sem perder o 184
equilíbrio em nenhum momento. Outra forma de exercícios regulares que Lee chegou a empregar eram os do "Tai-Chi-Chuan" série de movimentos lentos executados como terapia para a mente e para o corpo, como meditação e como exercício físico. A origem do "Tai-ChiChuan" remonta a épocas bem remotas. O monge chamado Chang-San-Fen estava meditando certa noite, quando um ruído interrompeu sua concentração.
Era uma cobra, cabeça ereta, sibilando sob o ataque de um grou. Conforme a ave arremetia o ataque, a cobra desviava-se para um lado e para outro golpeando o grou com, a cauda. Quando o grou protegia uma parte do corpo, a cobra era capaz de deslizar e golpear a outra, sempre fora do alcance da ave. Finalmente o grou, impotente e desiludido agressor, voou frustrado enquanto a cobra voltava à sua toca. Chang percebeu, então, a lição do valor do elemento mais fraco curvar-se ante o ataque do mais forte. E assim começou a estudar métodos de combate usados pelos animais. Preparou-os depois num estilo de exercícios conhecidos como "Tai-Chi-Chuan", baseados no seguinte princípio: — "O que é mais maleável do que a água? No entanto, a água pode desgastar a mais dura rocha." O próprio Lee falava de Kung Fu comparando-o com a 185
água: — "Como a água, dizia, deve ser amorfo. Coloque a água numa xícara, ela se tornará parte da xícara; coloque-a numa garrafa, ela se tornará parte da garrafa. Tente golpeá-la, ela cederá, mas não sofrerá dano: é maleável! Tente agarrála, ela não oporá resistência, mas se lhe escapará por entre os dedos... de fato, escapará na medida em que a pressão for sendo aplicada sobre ela. Quanta verdade há no princípio de que o "nada" não pode ser confinado, de que a coisa mais suave do Universo não pode ser quebrada e de que a mais maleável não pode ser moldada." Aquecimento
Deve se constituir de exercícios leves e fáceis, para "soltar" os músculos e prepará-los para um desempenho mais vigoroso. São exercícios necessários para evitar lesões musculares. Usar os músculos violentamente sem aquecimento prévio é desastroso. Os exercícios de aquecimento devem acompanhar o mais aproximadamente possível os tipos de movimentos mais árduos que virão a 186
seguir. Em áreas frias e no inverno o aquecimento deve ser mais prolongado do que em temperatura mais quente. Cinco a dez minutos são adequados, mas algumas atividades necessitam bem mais. Um bailarino profissional, por exemplo, necessita de duas horas de aquecimento em aumento gradual de intensidade para depois executar seu número com perfeição. Os exercícios devem ser selecionados. Bruce Lee aprendeu que certos exercícios podem ajudar muito na execução de técnicas, mas outros podem prejudicar e até mesmo impedir sua execução. Exercícios benéficos são os que não causam tensão antagônica nos músculos. Os músculos respondem diferentemente a diferentes exercícios.
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Durante um exercício estático ou lento como levantamento de pesos, os músculos de ambos os lados das juntas operam fortemente para firmar o corpo numa determinada posição. Mas numa atividade rápida, como correr, saltar, arremessar, os músculos próximos às juntas se contraem e os músculos diretamente opostos alongam-se para permitir o movimento. Neste caso, embora continue havendo tensão em ambos os músculos, o esforço é consideravelmente menor nos músculos alongados. Quando há excessiva tensão antagônica nos músculos alongados, há dificuldade e enfraquecimento do movimento, pois essa tensão antagônica age como freio, causando fadiga prematura, geralmente associada à nova atividade que vai exigir o desempenho de diferentes grupos musculares. Um atleta bem coordenado é capaz de desempenhar-se satisfatoriamente em qualquer atividade porque se move com pouca tensão antagônica. Embora coordenação seja um traço inato e uns a possuam mais que outros, pode ser melhorada através de treinamento intensivo.
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Exercícios Isométricos: De todos os exercícios que não requerem equipamento ou técnica especial, que Lee empregava, provavelmente os mais exaustivos eram os exercícios isométricos. Exercício isométrico é todo aquele através do qual os músculos são trabalhados por se oporem contra um objeto imóvel, como uma grade ou uma parede. Lee ficava empurrando um gradil de ferro em sua casa, com força máxima, durante até uma hora! Para se ter uma ideia de quanta tensão isso pode causar nos músculos do braço, tente ficar em frente a uma parede, com o corpo perfeitamente ereto e empurre-a com o dorso das mãos, mantendo-se assim por uns três ou quatro minutos... agora tente fazer isso durante uma hora!
Lee usava exercícios isométricos para desenvolver muitos dos músculos de seu corpo. Um meio efetivo de fazer pressão em tantos músculos quanto possível, num único exercício, era o uso que fazia da "barra isométrica" que ele mesmo aperfeiçoou em seu ginásio. Era uma barra de metal 189
acolchoada no meio, que podia ser colocada em qualquer altura entre as duas peças verticais de sua armação. Colocada usualmente na altura exata do ombro, Lee ficava sob ela, tendo os ombros e o dorso do pescoço contra a parte acolchoada e então a empurrava para cima, levantando os calcanhares. Assim, os músculos dos ombros, das panturrilhas, das coxas e do estômago eram trabalhados. E colocando as mãos nos lados da parte acolchoada, sempre empurrando a barra para cima, os músculos dos braços também eram trabalhados. Outro exercício isométrico consistia em puxar para cima uma barra presa no chão por uma corrente. Exercícios isométricos constituem parte importante no treinamento de Jeet Kune Do.
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Lee se referia às suas mãos e pés, braços e pernas como "instrumentos do ofício" e consequentemente faria de tudo para mantê-los afiados dentro de primorosa forma e no mais alto grau. Geralmente logo após a corrida, Bruce Lee usava a bicicleta estacionária para desenvolver resistência cardiovascular e o poder de suas fabulosas pernas, pedalando numa velocidade média de 60 quilômetros por hora, durante 45 minutos contínuos ou mesmo 60 minutos. Usava, também, a bicicleta comum, saindo com Brandon (seu filho) na garupa, percorrendo, em média, 15 quilômetros. Pular corda era outro exercício que Lee praticava a fim de desenvolver resistência, musculatura das pernas, ligeireza dos pés, sistema cardiovascular e o sentido do equilíbrio. Pulava sobre um pé só, mantendo o outro à frente; pulava alternando os pés e variando o ritmo: de saltos graduais a um compasso veloz. Procurava minimizar o movimento dos braços, usando os pulsos para girar a corda, levantando os pés do chão apenas o suficiente para a corda passar. Costumava pular 30 minutos sem pausa. Para ele, a melhor corda era a feita de couro, com bolas no lugar dos cabos comuns. Pular corda ajuda a desenvolver rapidez de movimentos para avanço e recuo em combate. Movimentos rápidos de deslocação sem levantar os pés — shuffle — só podem ser executados se você for ligeiro com os pés. Pular corda ajuda a sobrepujar a força da inércia nos pés (assim como o exercício "boxe-sombra"). Durante todo o exercício é preciso estar consciente em se manter os pés "leves como pluma", saltando com natural ligeireza. Exercícios de flexão, torção total de cintura, exercícios para estômago e abdômen, elevações de pernas, eram 191
importantes para criar músculos elásticos. Músculos flexíveis.e elásticos são mais importantes do que músculos volumosos, "Massa" muscular apenas, prejudica a rapidez de reflexos e de movimentos. Um indivíduo de músculos tão somente volumosos — mas não flexíveis — é incapaz de fazer um simples exercício de estiramento e flexibilidade como o "bodystretch" (estiramento de corpo), isto é, jogar o corpo para trás tanto quanto possível — estando em pé — e depois curvá-lo para frente até que a cabeça toque nos joelhos.
Boxe-sombra: É um ótimo exercício para desenvolver resistência, agilidade, rapidez, forma apropriada de luta, defesas e ataques em diferentes situações, estimular a criatividade e a imaginação. Ensina o praticante a mover-se fácil e de maneira solta, a ter leveza nos pés em avanços e recuos. Deve ser praticado com naturalidade e conforto, de início, e depois de modo mais árduo e rápido. Bruce Lee costumava praticá-lo com halteres leves nas mãos e mesmo nos pés. 192
Quando praticado no início do treinamento, serve para aquecer, soltar e "engraxar" os músculos. O boxe-sombra é, segundo Bruce Lee, um dos melhores meios de se estudar os próprios erros: — "Imagine seu pior inimigo diante de si e procure demoli-lo. Use a imaginação intensamente, como se fosse uma luta real. Assim, além de desenvolver resistência e velocidade, o boxe-sombra estará criando ideias de combate e estabelecendo técnicas a serem usadas espontânea e intuitivamente." O jogo de pernas é muito importante, assim como o comando sobre si mesmo, ao ponto de exaustão até ficar sem fôlego". Longos períodos deste exercício devem ser entremeados por breves, mas também intensas, atividades.
Os exercícios de resistência devem ser feitos gradativamente e intensificados com cuidado. Seis semanas é o mínimo para qualquer esporte que requeira considerável quantia de resistência física, todavia, leva-se anos para se chegar no auge da forma física e, infelizmente, quando cessa o treino, a resistência é um elemento rapidamente perdido. Perde-se muito dos benefícios dos exercícios físicos quando se deixa de praticá-los por um só dia sequer, entre as sessões de treinamento. Por isso é de suma importância ser constante e perseverante na prática dos exercícios que se 193
propõe a realizar. Abdominais: Um dos exercícios a que Bruce Lee se entregava para desenvolver seus poderosos abdominais era a prática de impacto com a "medicine-ball". Um companheiro lançava com força essa bola (do tamanho de uma bola de futebol) contra a zona abdominal de Lee, estando ele em pé ou deitado. Os golpes produzidos pela força do lançamento iam aumentando até causar impactos verdadeiramente consideráveis (a bola deve bater no abdômen antes de ser agarrada). Esta prática durava em média 20 minutos e foi, em parte, responsável pelo assombroso desenvolvimento de sua parede abdominal.
O abdômen, por ser a delicada zona de união entre o tronco e as pernas, deve funcionar com precisão e potência em uníssono com os membros superiores e inferiores para a aplicação correta de qualquer técnica. Tem de possuir paredes fortes e flexíveis para absorver qualquer impacto de golpe do adversário numa zona vital e sem proteção óssea e cuja defesa se reduz a uma poderosa parede muscular. "Uma das fases mais importantes do combate é a prática 194
de sparring (treino de combate livre) — dizia Lee — e para se praticar sparring, você tem que ser capaz de suportar socos na sua parede abdominal. Os músculos da cintura, estômago e abdômen são um ponto chave para a execução de outras atividades." Bruce costumava ver televisão deitado no chão, com a cabeça levemente levantada e mantendo os pés estendidos e levemente acima do chão. Cabeça e pés sem apoio, isto é, mantidos levantados pelos músculos da região abdominal. Ajudavam-no, ainda, a desenvolver os abdominais: "situps": Numa mesa inclinada, seguros os pés, curva-se os joelhos e depois coloca-se as mãos atrás da cabeça, levantando o corpo em direção aos pés. Mínimo 100 repetições. Depois se coloca um haltere ou outro tipo de peso atrás do pescoço e faz-se mais 100 repetições. Usando a barra:
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Pendurando-se na barra com ambas as mãos, levanta-se lentamente as pernas até que fiquem horizontalmente estendidas. Mantê-las nessa posição o maior tempo possível, tentando bater o próprio recorde cada vez. "Leg Raise": Valioso exercício para desenvolver os músculos do baixo-estômago. Deitando-se no chão, tendo as costas niveladas ao nível do chão, puxe pela região abdominal levantando a cabeça levemente até que se possa ver os pés. Mantêm-se as pernas juntas e retas. Levanta-se, então, as pernas lentamente o mais alto possível. Lentamente abaixe-as novamente ao chão. Para aproveitar mais deste exercício, não deixe os pés tocarem o chão mantenha-os cerca de uma polegada acima do chão e recomece a levantar as pernas. Faça tantas repetições quanto possível. "Weight Lifting Bench": Trata-se de um banco longo com dois suportes (que ficam atrás da cabeça) dobrando os braços para trás, ergue-se todo o corpo em ponte elevadiça (pés, pernas, quadris, cintura, costas e cabeça ficam no ar). A única parte do corpo que se apóia no banco são as pontas dos omoplatas. Ótimo exercício para a parte inferior das costas. O saco pesado para socos: Também pode ser usado para enrijecimento dos abdominais. Dê-lhe um swing (golpe de boxe) e deixe-o atingir seu corpo na região abdominal. Se quiser maior impacto, coloque mais potência no seu swing. Flexões Do Corpo Para Frente e Para Trás Puxando pelo máximo que a região abdominal permite. Sentado numa barra, tendo os tornozelos presos, dobra-se o corpo para trás, em direção ao chão, esticando a região abdominal o mais possível. Bruce Lee criticava duramente os instrutores de artes 196
marciais barrigudos — "Esses barrigudos mestres chineses lhe dirão que seu "chi" ou força interna está no fundo de seus estômagos... e não estarão brincando, seu "chi" afundou e foise! São apenas gordos e feios."
Pesos: Com relação a um programa de treinamento com pesos, muitos artistas marciais ou mesmo instrutores acreditam que o treinamento com pesos resultará em prejuízo à velocidade. Todavia Bruce Lee foi um dos poucos homens a ter conseguido desenvolver o poder de um super peso-pesado numa velocidade incrivelmente fantástica. Dan Inosanto, seu aluno e posteriormente instrutor de sua escola, atribui parte dessa conquista ao treinamento com pesos: — "Contudo — diz Dan — creio que Bruce mais treinava com pesos do que praticava levantamento de pesos. Bruce seguia um programa regular que ele organizara para si próprio. Cada dia trabalhava um grupo diferente de músculos." Bruce Lee não acreditava em trabalhar os peitorais. Não os achava necessários para um soco poderoso e não os achava estéticos quando muito desenvolvidos. Bruce preocupava-se primariamente em desenvolver os ante-braços, músculos dos ombros, tríceps, estomacais, os músculos da 197
"asa" e os músculos das coxas. Esses eram músculos de que ele realmente necessitava para socar. Bruce Lee sempre acreditou que um treinamento correto com pesos podia lhe dar um aumento de poder. Mas era muito seletivo quanto a esse tipo de exercício. Evitava práticas que pudessem desenvolver músculos que interferissem com sua performance em sparring ou em luta. Bruce Lee procurava trabalhar com pesos, mas incluindo exercícios de velocidade e flexibilidade. Um halterofilista possui muito poder — força bruta — porém pouca flexibilidade e velocidade, tendo problemas para atingir seu oponente se este for rápido... Será como um rinoceronte tentando pegar um coelho! Bruce Lee corria e chutava com pesos nos tornozelos, desferia socos com pesos nos pulsos, saltava com halteres nas mãos (de 5 a 15 quilos).O peso utilizado era em função do número de repetições da sessão de treinamento. No caso de saltar com halteres nas mãos, o uso do trampolim o ajudava a desenvolver elasticidade, flexibilidade, equilíbrio, molejo nas pernas e controle corporal. Saltar no trampolim praticando separação de pernas em pleno ar o ajudava no chute alto frontal e no chute voador lateral.
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Para trabalhar os músculos dos ombros e da parte superior das costas, Bruce não se preocupava com pesos máximos, porém usava cargas mais do que consideráveis em séries velocíssimas e quase sem descanso. Por exemplo, 5 séries de repetições com 5 segundos de descanso. Para trabalhar os ombros levantava halteres longos com um só braço de cada vez (consta que levantava a média de 120 libras — uns 42 quilos), prática muito difícil devido à dificuldade de equilíbrio e a longitude do instrumento usado (haltere de barra longa com pesos nas extremidades). Para os pulsos usava um haltere curto sem o peso na extremidade que servia de cabo (o outro era mantido, dando ao haltere a forma de uma marreta). Lee girava esse haltere para trás e para frente e em círculos sem mover o braço, isto é, com torção apenas de pulso. Bruce passou muito tempo praticando com elos de ferro ao redor dos pulsos, até que seus socos se tornassem tão poderosos que os elos saltassem para fora quando ele socava. Depois desistiu dos elos e os substituiu por halteres pequenos feitos por Skip Ellsworth. Praticava amplos "swings" com elos de ferro nos pulsos 199
— ou os pesos nas mãos — e praticava extensão de braços com pesos. Segundo Jesse Glover, Bruce praticava extensões de braços com um aluno pressionando-os para baixo com todo o peso e a força de que fosse capaz. Mas a maior parte da rotina de treinamento com pesos de Bruce consistia no uso de pesos leves em altas velocidades. Todavia, uma vez por semana também levantava pesos para desenvolver musculatura. O desenvolvimento da musculatura visava o aumento de sua explosividade. Após cada sessão de treinamento, Bruce sempre cuidava de passar alguns minutos resfriando seus membros com uma saraivada de socos e chutes. Este último elemento após o treinamento com pesos era especialmente importante para manter a explosividade (snap), velocidade e flexibilidade em suas técnicas. Fisiologistas sabem que quanto mais forte for o músculo, mais teso e firme será a contração e, em consequência, mais rápido será o movimento.
Logo, velocidade física pode realmente ser aumentada através de treinamento com pesos, desde que esse 200
treinamento seja feito de maneira correta e sistemática, não criando "bolotas" musculares que estorvem os movimentos. Diz Jesse Glover que "Bruce conseguiu alcançar tamanho grau de enrijecimento nos braços que podia mantêlos estendidos com os cotovelos cerca de três polegadas (uns 8 cm.) em frente ao estômago e era impossível puxar ou empurrá-los para baixo. Esse endurecimento de seus braços tornava suas técnicas ainda mais efetivas porque ele podia ferir os braços do oponente com mero contato dos seus. O impacto de seus punhos era sentido como se você virasse uma esquina correndo e desse uma marrada numa parede de concreto, pois seus punhos tinham realmente a característica de um aríete! Grande parte desse poder advinha de sua habilidade em "prender" a omoplata (osso que forma a parte superior do ombro e os músculos da parte superior das costas)." Um exercício que muito contribuiu para isso era fazer rolar um haltere de 60 libras (uns 20 quilos) para cima e para baixo em seus ante-braços estendidos, enquanto "fechava" as omoplatas. Bruce achava que os músculos dos antebraços eram os músculos dos quais se depende para socar (além dos abdominais), para o "pulling" e o "lap sau" (movimento do estilo Wing Ghun Kung Fu). Exercícios para os antebraços incluíam o chamado "reverse curl". Trata-se de segurar uma barra com pesos nas pontas (haltere médio) com ambas as mãos e palmas das mãos voltadas para o 201
teto, na altura da cintura. Executar movimentos levando a barra até o peito e voltando à posição inicial. Para tirar maior benefício desse exercício, Bruce cobria a barra com uma espécie de esponja a fim de fazê-la perder seu poder de agarre conforme a segurasse. Assim, ao executar o movimento, dependia grandemente dos músculos dos antebraços para levantar o peso até o peito. Uma variante desse exercício é a "extensão reversa. Em vez de levar a barra até o peito, mantêm-se os braços estendidos e retos em frente ao corpo, suportando os pesos por maior tempo possível (ao nível do peito). Outro exercício consistia em segurar uma barra da qual pendiam vários pesos e puxá-la para cima até a altura de uma segunda barra. Bruce Lee chegava a usar pesos para os dedos, visando desenvolver os músculos de cada dedo. Esses mesmos pesos, quando envolvidos por uma bucha ou pano, serviam para treinar os músculos da região da boca e do pescoço, segurando-os com os dentes. Fortes músculos do pescoço são essenciais para se aguentar socos no rosto e os músculos da região da boca são necessários para táticas de mordidas. Não há dados exatos sobre os pesos que Lee utilizava porque Bruce jamais se preocupou em levar isso em conta. Preocupava-se mais em trabalhar contra resistências que o 202
fariam esforçar-se. Dizem alguns de seus biógrafos que chegava a levantar até uns 80 quilos (embora sua média fosse de 20 a 40 ou 50 quilos). O fato é que trabalhava em grande velocidade com esses pesos. Pesos eram um meio e não um fim em si mesmo. Por isso Bruce não se preocupava com levantamento de pesos e sim em usá-los para desenvolver áreas específicas de seu corpo. Músculos grandes ou volumosos não lhe importavam, o que buscava era a aquisição de poder e velocidade. Pesos lhe serviam para desenvolver certos grupos musculares que o fariam executar movimentos específicos com maior eficiência. Por exemplo, criar antebraços tão poderosos (duros como pedra) que fossem capazes de aparar o golpe ou chute mais violento sem receber dano. Lee desenvolveu tal poder nos braços que quando empurrava seu parceiro de treino, este tinha a cabeça tão violentamente arremessada pelo impacto que, geralmente, acabava com o pescoço destroncado! Segundo Jesse Glover, até para treinar seu agarre Bruce usava pesos: — "Bruce treinava seu agarre — dizia Glover — com um método de estilo "garra de águia". Consistia em agarrar pelo topo uma jarra de boca larga e balançá-la em todas as direções. Gradualmente acrescentava peso à jarra de maneira a dificultar o agarre." Equipamentos Bruce Lee costumava criar, ele próprio, a maior parte de seus equipamentos. Os que adquiria eram sempre modificados e 203
aperfeiçoados para atender às suas necessidades e ao seu sistema de luta. Linda Lee conta que frequentemente via seu marido desenhar equipamentos especiais que depois mandava fazer. Lee buscava equipamentos sempre mais realísticos, pois sacos pesados e bonecos de madeira não podem reagir como um oponente real. Por isso tentava desenvolver equipamento que o obrigasse a aumentar sua velocidade de reação e que não revidasse a ele numa norma fixa, mas sim de diferentes ângulos, forçando-o a mudar, mover-se, estar alerta, ciente, ativo! Sua casa — em Bei Air ou Hong Kong — estava repleta de aparatos e equipamentos especiais. Alguns desses equipamentos eram construídos — segundo suas especificações — por seu aluno e amigo, Herb Jackson. Bruce sempre salientava, entretanto, que o melhor equipamento do mundo não pode simular condições de combate real, por isso insistia em usar um parceiro sempre que possível, praticando sparring livre com diferentes indivíduos. Mas com referência aos exercícios que usava, ele insistia: — "Um exercício tem que ser funcional, tem que ser o mais próximo possível da realidade." Woody Dummy
Era madeira trazido
um
boneco de originalmente de Hong-Kong 204
(chamado "Mudjon") que Bruce modificou e tornou mais sofisticado a fim de nele desenvolver os seus próprios, métodos. Erigido por sobre uma plataforma de madeira de oito por oito polegadas e escorado por um suporte de molas de metal e amortecedores de carro (para uma resposta mais viva e uma reação, ao soco de Lee, razoavelmente imprevisível), com cerca de 1,98m de altura por 30 cm de, diâmetro.possuía dois "braços"' portáteis ou móveis abaixo do "pescoço" e um terceiro "braço" na altura central ou "cintura", numa extensão de 66 cm, duas "pernas" prolongando-se como "pés" e uma terceira "perna" de metal, saindo da base e estendendo-se para fora e para baixo. Esse boneco oscilava quando Lee atingia os "braços" de modo alto e isso o ensinava a usar sua própria perna para bloquear um possível chute do oponente. Os "braços" do boneco eram ainda usados para a prática de técnicas de Pak Sau (bloqueio e socos), de Chi Sau (imobilização das mãos), de Lap Sau (socos diretos). Contribuía muito para o desenvolvimento de seu "pulling-power" (poder de "puxar" o adversário), para o desenvolvimento da potência e fortalecimento dos braços (por batê-los contra os "braços" de madeira do boneco). Imobilizar e socar simultaneamente é uma técnica comum em Jeet Kune Do. Lee achava que o "dumy" merecia um lugar de destaque em seu treinamento porque podia aguentar todo o poder de seus famosos socos. Bruce podia, ainda, praticar no boneco "jabs" com os dedos em combinação com outras técnicas. Para treinar "jabs", o boneco é muito mais sólido que a faixa de couro e se apresenta quase que como um oponente real, com seus "braços" estendidos e a "perna" impedindo a aproximação. Era usado, também, para a aquisição de velocidade no soco combinando-se golpes e "parries" (defleões). Para isso 205
exige enrijecimento prévio dos punhos. Útil para a prática de chutes laterais em combinação com técnicas de mãos e pés e para a prática de chute frontal na virilha (neste caso a mão direita é sempre mantida pronta para um "coun-ter-punch" ou contragolpe). A "perna" do boneco ensinava Bruce a colocar seu pé de maneira a automaticamente bloquear a perna do oponente, impedindo-o, assim, de chutar. Permitia, ainda, a prática de chutes nas canelas. Segundo seu aluno Herb Jackson, Lee praticava 52 maneiras diferentes de chutar o boneco, partindo de qualquer ângulo e em qualquer direção, sem a menor alusão de que um chute ia ser desferido! Diz Jesse Glover que "As técnicas que Bruce mais praticava no boneco eram "palm-strike" (golpes com as palmas das mãos), mais tarde substituídas pelo "vertical Fist" (punho em vertical); bong sau, tawn sau, fook sau e gong sau. O movimento tawn sau contra os braços do boneco era parcialmente responsável pelo tremendo "spring" (arranque elástico, como mola) dos socos de Lee com os punhos cerrados sobre o chão duro.
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Bruce achava que mãos e pés tinham de ser afiados e melhorados diariamente para se tornarem — e permanecerem — eficientes. Mais tarde, porém, ele deixou de formar esses calos nas articulações, achando que eram apenas ornamentais, podendo, inclusive, causar dano ao funcionamento da mão e prejudicar os movimentos dos dedos. Mas já então havia alcançado enorme resistência para poder socar superfícies as mais duras possíveis. Esses sacos quadrados de parede não são recomendados para treino de velocidade. Para desenvolver velocidade é preciso ter velocidade em mente, e não poder. Quando se atinge com pleno poder todo o tempo, está se sacrificando velocidade. Mesmo ao atingir o saco pesado, pode-se fazê-lo com uma combinação de velocidade e poder. Use a mão condutora (a mão da frente, que conduz a ação) mais para velocidade, e a traseira para poder. De quando em quando arremesse socos pesados com ambas as mãos, atacando o saco. Bruce Lee. foi um dos poucos homens que conseguiu socar com poder e velocidade tanto com a mão condutora (da frente) quanto com a mão de trás. Durante meses ele praticou movimentos isométricos contra os "braços" do boneco até que foi capaz de transferir essa força para dentro de um movimento lateral de deslizamento (sideway slipping) que o permitia propelir seu punho para frente com grande força. Consequentemente, ele era capaz de transferir essa força ao seu "sticking hands" (imobilização das mãos). Bruce também usava o boneco para desenvolver e refinar suas técnicas e habilidades em ataque próximo (closing) que o capacitavam a uma aproximação sobre o oponente sem fazer contato antes do golpe. Todavia, Bruce admitia que o boneco, apesar de toda sua versatilidade e utilidade, nunca substituiria um parceiro humano. Mas no boneco as técnicas podiam ser aplicadas 207
com pleno poder, coisa que jamais Lee poderia fazer em uma pessoa, ainda que coberta de equipamento protetor!
O Uso dos Sacos de Treino Bruce Lee usava uma variedade de sacos para treino, variando em peso de 70 a uns 90 quilos, em média. Usava-os com diferentes finalidades. O Saco Pesado Pesando cerca de 70 libras, cheio de algodão comprimido, esse saco de Boxe era usado por Bruce para técnicas de soco e chutes: — "É muito útil para meu treino em desenvolver "Timing" (fusão de tempo, velocidade e ritmo atuando conjuntamente) — dizia Bruce — pois me ensina a chutar no momento certo e na distância certa para desferir o chute mais poderoso que posso gerar." 208
O saco pesado era também usado para o desferir de socos pesados e contínuos, o que mantém um oponente fora de equilíbrio e o impede de recobrar-se. O saco pesado era o melhor equipamento de Bruce para a prática do chute giratório (spin kick). Também muito útil para desenvolver movimento dos quadris: socando-o com o cotovelo, o que exige o giro do quadril. O Saco Gigante Conta Stirling Silliphant — famoso roteirista de Hollywood e aluno de Bruce — que "Bruce tinha em sua garagem uma saco gigante — que lhe fora feito por Bob Wall — medindo 1,35m. de largura por 1,65m. de altura. Esse saco ocupava a metade do espaço de sua garagem! O Saco Quadrado de Parede
Esse saco, cheio de feijões, servia para treino de técnicas de profundidade e penetração. Dava a Bruce a sensação de atingir alguém de carne e osso. Técnicas de chutes também eram aplicadas nessa peça de equipamento. Outros sacos idênticos eram cheios de areia (este servia para o 209
treino de soco de 3 e 1 polegadas), pedregulhos e limalhas de aço. Bruce gostava de pregar peças nos seus visitantes mostrava-lhes como socar a sacola cheia de areia, no que era imitado pela pessoa — geralmente um praticante de artes marciais — A seguir, socava com toda a força a sacola cheia de pedregulhos ou de limalhas de aço e quando o visitante fazia o mesmo, crendo tratar-se de outra sacola de areia quase quebrava a mão! Bruce enrijeceu e desenvolveu tanto suas articulações que chegou a formar enormes calosidades nas juntas dos dedos, o que lhe permitia socar as tais sacolas. Para formar calos nas articulações dos dedos, Bruce batia contra qualquer superfície dura, incluindo o saco de areia, a sacola quadrada de lona, o boneco de madeira (dummy). Também mergulhava a mão aberta em caixas cheias de areia com pedregulhos. Fazia flexão de braços foush-ups) Era preciso pelo menos dois homens com os braços estendidos e unidos para abraçá-lo. Era um saco macio, o que significava que quem o chutasse teria de exercer o máximo poder para conseguir um mínimo de impacto! Absorvia poder e força como nenhuma outra coisa no mundo. Era duro fazê-Io mover-se, era como chutar um tronco de árvore... e pensar que Bruce conseguia fazê-Io voar com seu 210
melhor chute! O Saco Pesado de 250 Libras (87 Quilos) Esse tipo de saco era usado, entre outras coisas, para a prática de chutes: — "Gosto de golpear o saco de 250 libras" — dizia Bruce — "Se posso chutá-lo e detê-lo na volta, em ponto morto, sei que posso derrubar um homem de 140 quilos de peso!" Os sacos pesados eram, para Bruce, seus mais importantes equipamentos para chutes. Bruce costumava colocar um parceiro atrás do saco pesado (estando de costas para o saco) — e quando chutava, seu parceiro era levantado do chão e arremessado violentamente para frente. Bruce conseguia esse resultado com o chute lateral e o chute em gancho para trás, e mais de uma vez deslocou o pescoço de seu parceiro ao treinar desse modo! Bruce costumava dizer a seus alunos que, ao treinarem com os vários tipos de sacos pesados deveriam usar a imaginação e a habilidade, movendo-se, cercando o saco e lutando com ele como se fosse um oponente real. Todavia, não se deve treinar com o saco com o propósito único de destruí-lo, mas de aprender com ele. Não se deve descuidar da própria cobertura e da proteção das áreas do próprio corpo. Como o saco pesado não revida como um oponente real, pode-se criar o mau-hábito de se tornar descuidado na defesa. Por isso é muito importante o trabalho de jogo de pernas, para frente, para trás, para os lados, usando fintas, mantendo a guarda alta como um pugilista. Usar o corpo todo é muito importante e o saco pesado é uma peça de equipamento que ajuda o praticante a conhecer melhor suas próprias potencialidades, quando bem usado. O "Saco Teto-Chão" ou antigo saco de velocidade era um 211
dos melhores equipamentos, segundo Bruce Lee, para desenvolver velocidade e precisão. Trata-se de um saco redondo mantido por um suporte elástico em linha reta até o teto e por uma corda até o chão, ficando o saco redondo suspenso na altura do ombro. Esse tipo de saco é ótimo para ensinar o lutador a desenvolver rapidez com as mãos; a atingir o saco corretamente, de modo com que ele rebata diretamente de volta num modo totalmente imprevisto, elástico e violento; a aperfeiçoar "timing" no desferir de socos, a desenvolver jogo de pernas, coordenação, rapidez de reflexos combinação de socos.
Esse tipo de saco redondo tem de ser atingido reto e de maneira direta, usando-se o nariz como ponto de direção ou de referência. Lee preferia esse tipo antigo ao moderno, de plataforma 212
fixa, que funciona apenas para exercícios rítmicos (não servindo para "timing"): — "Desde que ninguém lute assim — insistia Bruce — o saco de plataforma é somente útil para aguçar os olhos e manter as mãos elevadas. O tipo antigo, de cordas elásticas, obriga o praticante a atingi-lo direta, viva e enquadradamente e não a empurrá-lo apenas! Se você não o atingir de maneira correta, o saco não revidará, isto é, não rebaterá contra você. Usando o jogo de pernas, pode-se também golpeá-lo para cima. Outra função importante dessa peça de equipamento é que, depois de desferido o golpe, o saco volta instantaneamente e com enorme velocidade e isso ensina a estar alerta e a redobrar-se rapidamente." Esse tipo de saco servia, ainda, para se empregar o punho em combinação com o cotovelo. Por exemplo: golpear com o punho e bloquear o "revide" com o cotovelo (ou antebraço). Esse tipo de saco de velocidade não permite que se trabalhe no estilo clássico porque no estilo clássico o soco parte do quadril e será muito tarde para se reagir depois de desferido o primeiro soco: o praticante seria atingido no rosto, pois partindo do quadril, sua mão não será capaz de proteger a cabeça do retorno rápido e violento do saco. Bruce aconselhava que em vez de serem atingidos em movimentos rítmicos, o saco pesado, o saco de velocidade ou qualquer outro tipo, fossem atingidos em ritmo quebrado: — "Realmente LUTE com o saco como se ele fosse seu oponente — dizia Lee — Você tem que chutar e socar o saco com concentrado esforço. Se você treinar sem o conceito de que o que você está fazendo é a coisa real, estará iludindo a si próprio. Quando socar ou chutar o saco (ou qualquer outro equipamento) você tem que imaginar que está realmente atingindo um adversário. Concentrando realmente, dando 213
100% de seus socos e chutes, é a única maneira de se tornar bom em luta!" Coxim Redondo para Socos Equipamento versátil, parecendo um manguito de baseball, exceto por ser chato, era usado para aperfeiçoar todos os diversos tipos de socos, principalmente os dirigidos ao rosto do oponente. Também muito usado para a prática do chute em gancho dirigido ao rosto oponente. Um parceiro segurava o coxim e assim e assim podia controlar a altura e a distância enquanto Bruce atingia esse alvo móvel. O parceiro podia tentar retirar o coxim assim que percebesse a intenção de Bruce em desferir um soco.
A importância disso é que ensinava Bruce a não telegrafar os socos, a aumentar a velocidade, a adquirir habilidades de improvisação, a desenvolver socos combinadoos com aplicação de chutes, a desenvolver explosividade, mira a coordenação, distanciamento correio fazendo o soco ou chute chegar ao alvo com o máximo de exatidão e potência. Esses benefícios eram conseguidos cada vez que o parceiro 214
tentava fazer Bruce errar, desviando ou virando o coxim para cima, para baixo ou para os lados, movendo-se ou movendo as mãos ao redor, criando alvos ilusórios em todos os ângulos concebíveis sempre que Bruce procurasse atingir o coxim enquadradamente. Bruce costumava levar sempre consigo esse coxim redondo e quando encontrava alguém interessado em artes marciais, dizia: — "Atinja isto com um soco ou "swing" (golpe de boxe) com toda a força que você tiver!" Geralmente a pessoa tomava fôlego e distância para depois socar, Bruce então pedia para a pessoa segurar o coxim e mostrava que não era necessário tomar fôlego ou distância para se desferir um soco poderoso. Pouca distância era mais do que suficiente... e desferia um soco — bem leve, dizia - sem nenhuma preparação prévia, que por pouco não quebrava o ombro de quem lhe segurava o coxim! Muitos parceiros de Bruce, ao segurarem para seus chutes ou socos algum equipamento, acabavam o ombro deslocado. Um deles foi um dos repórteres da revista Black: Belt, Roger Shimatsu. Shimatsu fora entrevistar Bruce sobre o roteiro do filme "The Silent Flute" e quando voltou para a redação da famosa editora, trazia o ombro caído como a asa quebrada de um pássaro ferido. Notava-se "que sentia severa 215
dor... Quando lhe perguntaram o que havia acontecido respondeu encolhendo-se ainda mais... — "Acho que desloquei o ombro. Fui segurar, ou melhor, ficar atrás do saco pesado escorando-o para Bruce e ele deslocou meu ombro quando golpeou o saco! Acho que girei três vezes antes de poder parar, com aquele soco! Nunca imaginei que alguém pudesse ter tal poder!”Ao saber do caso, Bruce espantou-se, jurando realmente NÃO ter posto nem metade de sua força "naquele" golpe. A Luva de Focus Acolchoada: (Padded Focus Glove): era uma variante do coxim redondo e tornou-se o protótipo de todas as luvas vistas no mercado hoje em dia. Servia também para Bruce treinar o soco de 3 polegadas quando alguém a segurava firmemente. O Coxim para Estocadas (Jabbing Pad): Era usado por Lee para desenvolver rapidez e poder nos jabs sem ferir os dedos. A Faixa de Couro: Presa nas extremidades servia também para desenvolver velocidade, penetração e técnica correia no desferir jabs, assim como para enrijecer os dedos (feita de couro grosso). O "Bouncing Head Dummy" ou Cabeça de boneco com molejo: Era excelente para desenvolver estocadas (jabs), pois cedia o suficiente quando golpeado, mas era sólido o bastante para enrijecer os dedos. Tratava-se de espécies de 'cabeças' cuja parte superior 'dobrava' para trás e depois voltava à posição original, ao receber o jab. Esse movimento equivaleria ao movimento do pescoço de um adversário. Era acolchoado e elástico para suportar golpes duros o pesados. Taky Kimura diz que após a morte de Bruce, em 1973, foram encontradas em sua casa em Kong Kong tábuas contendo profundas impressões das pontas dos dedos de Bruce! Calcula-se que estivesse treinando jabs (estocadas) na 216
madeira. Bruce Lee demonstrou sua velocidade em muitos torneios de Karatê e ninguém nunca foi capaz de bloquear seu arremesso mesmo quando a vários pés de distância, advertido de antemão onde Bruce iria golpear e podendo dizer-lhe quando começar!
Os jabs (estocadas com as pontas dos dedos) de Lee alcançavam, devido à velocidade e precisão de suas mãos, um nível fenomenal. Adrian Marshall, um de seus amigos (e também advogado da família), descreve o seguinte exemplo de destreza das mãos de Lee, o que causaria inveja até aos prestidigitadores... "Bruce colocou uma moeda em minha mão e disse-me "Deixe-me ver quão rápido você é. Quando eu tentar tomá-la de volta você fecha a mão." Bem, ele afastou-se um pouco e quando ele se moveu eu fechei depressa a mão. Moveu-se de novo e eu ainda fechei a mão, mas algo pareceu acontecer mais rápido... um bocado mais rápido! Entretanto eu continuava sentindo a moeda fortemente encerrada em meu punho... ou pelo menos assim pensava eu! Quando abri a mão para verificar, não somente aquela moeda 217
tinha sido retirada por Bruce como ele conseguira pôr outra em seu. lugar!" Outros amigos lembram feitos similares, através dos quais Lee demonstrava sua surpreendente rapidez de reflexos, como quando arremessava o punho tão rápido, tão incrivelmente rápido que não se podia vê-lo, mas tão próximo do rosto do receptor que este podia sentir a deslocação do ar, embora não visse nada! Ou quando pedia a um companheiro que tentasse segurar sua mão antes que seus dedos lhe fechassem os olhos. Inevitavelmente Lee era capaz de fechar as pálpebras de seu companheiro tão rapidamente que sua mão já estava longe antes de poder ser interceptada, E o fazia tão suavemente que este mal podia sentir o roçar dos dedos de Bruce em seus olhos.
Isso era, em grande parte, resultado de intensivo treinamento. Conta-se que para desenvolver velocidade no desferir de seus socos, Lee acendia uma ou mais velas e apagava suas 218
chamas com o deslocamento de ar que a velocidade de seu soco provocava. Chegava a desferir um soco em direção à chama, parando o punho a uma polegada de distância da vela e esta se apagava. Em uma de suas demonstrações feitas em Hong Kong, Lee provou a rapidez de Seu soco diante do microfone. O ruído da deslocação de ar foi perfeitamente audível por todos os espectadores. Em treinos, e mesmo brincando com amigos, Lee costumava desferir socos em incrível velocidade e pará-los cerca de 1/4 de polegada (meio centímetro) do rosto deles. Quando o oponente de Lee via o soco chegando — o que raramente acontecia, pois quase sempre NÃO via! — já não dava mais tempo nem para desviar nem para bloquear. Por isso, uma das maiores dificuldades de Bruce era conseguir voluntários que aceitassem ser seus parceiros em demonstrações públicas. Principalmente os campeões receavam sua rapidez e potência... que os faria parecerem amadores! Certa ocasião, conseguiu com que um karateca faixa-preta concordasse em subir ao palco e este, mesmo depois de Lee ter-lhe indicado onde seu soco iria atingi-lo e esperasse seu sinal de que 219
estava pronto, foi incapaz de bloquear o golpe de Lee em OITO tentativas! Outro exercício que Lee realizava para desenvolver rapidez, era manter um companheiro com as mãos próximas e abertas (como se fosse bater palmas) e então arremessava um soco por entre elas, direto ao rosto ou corpo do companheiro. Este tentava fechar as mãos antes que a de Lee passasse por elas, agarrando-a. Mas Bruce sempre conseguia desferir o soco e recolher o braço de volta sem que desse tempo para seu parceiro fechar a pequena brecha nem na ida nem na volta do braço de Lee. O mesmo fazia com chutes... Um de seus primeiros alunos, o havaiano Kealoha relata: — "Bruce colocava um de nós com as mãos separadas apenas o suficiente para que seu pé passasse entre elas.Tudo que tínhamos a fazer era mover as mãos uma polegada e apanhar seu pé. Parecia fácil, mas nunca ninguém conseguiu! Você não podia ver o seu chute, mas sabia que ele chutara pelo roçar que sentia em sua camisa... e ele fazia isso sem ferir suas mãos. Isso era precisão! Outra mostra de seu fabuloso controle, velocidade e precisão dava-se quando três de nós colocávamos cigarros em nossas bocas e tentávamos agarrálo. Atacávamos todos os três de uma vez e ele então chutava nossos cigarros fora de nossas bocas sem ferir nossos lábios! E ria após conseguir isso... era fantástico!"
Mito Uyeara declara que em testes feitos com aparelhos de precisão, mediu-se a rapidez da arremetida para frente e 220
para trás (burst) cobrindo uma distância de oito pés (2,65m.) feitos pelo método clássico tradicional e pelo Jeet Kune Do de Lee. Os resultados foram estes: Arremetida para frente: movimento clássico: um segundo e meio. Lee: 3/4 de segundo. Arremetida para trás (recuo) movimento clássico: um segundo Lee: 3/4 de segundo. O poder das mãos e pés de Lee eram tão terríveis quanto sua velocidade e precisão. Aliás, velocidade era um dos fatores resultando em poder. Lee conseguia desferir uma sucessão de cinco — e dizem alguns de seus alunos, até oito — socos por segundo! (socos com ambos os braços, partindo do centro do peito]. Ryan O'Neal, lutador de boxe e técnico do grande pugilista profissional Hedgeman Lewis, ao treinar com Lee, certa vez, declarou depois confidencialmente a amigos que calculava ter recebido uma saraivada de uma centena de golpes, entre socos e chutes, em apenas 15 segundos! — "Tudo que eu pude fazer foi recuar e cobrir-me o melhor que pude, gritando "Chega!”Não deu para fazer mais nada! Ainda bem que seu controle era excelente e não me deixou sequer uma marca!" O Alvo de Papel: Bruce usava uma simples folha de papel, mais ou menos de 18 por 25 cm., suspensa por uma corda ou corrente, na altura do peito. Essa folha ajudava-o a desenvolver movimentos rotativos dos quadris — movimento semelhante ao de um jogador de baseball girando seu bastão com toda a força — visando à aquisição de ímpeto e velocidade no movimento dos braços e pés, o que acrescenta potência nos golpes em 80 ou mesmo 100%. Ajuda ainda, a controlar o equilíbrio, a fluidez de movimentos, o controle de deslocação do peso do corpo e a coordenação. A folha de papel era excelente para o treino de jabs com os dedos, deferidos em todas as direções e socos em gancho. Também 221
chutes laterais e chutes em gancho, aumento de velocidade, treino de velocidade crescente, aperfeiçoamento da correta aplicação do corpo para gerar poder, cálculo de distância apropriada e desenvolvimento do sentido da aplicação exata do poder desferido contra dado obstáculo. Dava-lhe, ainda, sentido de distância, precisão e movimento incisivo. Seu propósito essencial, contudo, era encorajar precisão e movimento incisivo. Bruce dizia sobre o treina folha de papel: — "A teoria é que se você disser a alguém para desferir com tudo que tem, 100 socos no alvo de papel, a pessoa desferirá 100 socos com tudo que tiver. Mas não o fará na madeira... Depois de 20 socos suas mãos estarão machucadas. A razão pela qual treino os alunos a atingirem a folha de papel é diminuir-lhes o temor no atingir. Depois, ao praticar na madeira, basta pensar que se trata da folha de papel e fazer do mesmo modo: a coisa se tornará uma reação natural. O praticante conseguirá mais explosividade nos socos, e mais penetração do que se treinar na madeira."
Almofadão de Ar Para desenvolver distância apropriada e penetração 222
contra um alvo móvel, (embora essa peça de equipamento pudesse também ser usada como alvo estático), Bruce usava um parceiro equipado com protetor corporal ou um almofadão de ar. Seu parceiro podia ficar parado e receber o ímpeto do chute ou recuar ao ataque. A maneira precedente ensina a aplicação correta do chute e é especialmente válida no ensino para principiantes. A segunda maneira ensina penetração: tão logo o parceiro percebesse ou julgasse que Lee ia atacar, tentava recuar tão rápido quanto possível, embora o poder de penetração de Bruce fosse tamanho que nem os karatecas faixa-preta eram capazes de evadir-se a tempo ao treinarem com ele. Essa prática é valiosa para ambos: quem chuta e quem recebe o chute, pois um aprende a penetrar e a não telegrafar sua intenção ou movimento e o outro aprende a recuar rapidamente. Os mais conceituados artistas marciais que tentaram isso com Bruce em demonstrações não conseguiram livrar-se a tempo de seu mais simples ataque. Um protetor corporal adequado permite a quem ataca aguçar seu ataque sem medo de ferir o parceiro. Este parceiro pode atacar também ou apenas manter a distância correta numa posição de prontidão para luta. Pode tentar usar um contragolpe, bloquear ou recuar. Isso torna a situação mais verídica. — "Era fascinante observar" — relata Linda Lee — "quando Bruce segurava o almofadão de ar para um aluno ou parceiro de treino chutar, o chute não lhe causava o menor abalo, mas quando Bruce chutava, inevitavelmente quem estivesse segurando o equipamento acabava do outro lado da sala, aturdido. Certa vez, Robert — irmão de Bruce — veio passar uma temporada em nossa casa e Bruce pediu-lhe para segurar o almofadão de ar... Tive que abrir a porta da sala correndo e o fiz a tempo! Robert foi parar no fundo do jardim!" 223
O Escudo Pesado
Uma variante do almofadão de ar era o escudo pesado que também servia como alvo estacionário e móvel. Enquanto o primeiro tinha de ser enchido com ar, o escudo era uma peça compacta. Como alvo estacionário o almofadão de ar prestava-se melhor. Embora o escudo pesado não possa amortecer o choque do impacto em quem o segura (como o faz o almofadão de ar), quem o segura pode anular parte do choque movendo-se para trás. Devido ao escudo permitir mobilidade por parte de quem o segura, quem chuta pode desferir o mais poderoso chute sem medo de ferir seu parceiro. Entre os anos de 1966 a 1969, Bruce Lee chegou a usar equipamento naval para proteção à cabeça e luvas de boxe. Isso foi uma verdadeira revolução em treinamento nas artes marciais, que até então jamais haviam cogitado dessa possibilidade. A Bola Dura de Borracha Servia para ser espremida na palma da mão, ajudando a exercitar os músculos e os tendões dos antebraços, além da própria mão.
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A Almofadinha ou Esteirinha de Palha Geralmente presa à parede, servia para condicionar a mão. Colocando-a em outros lugares, Bruce a socava enquanto relaxava, via TV ou andava de carro. Uma variante dela era o "cilindro" de palha, tipo mais portátil e mais cômodo para ser socado em qualquer lugar. A Correia Servia para a prática de separação (abertura) de pernas. O "Leg Stretching Pulley" ou Polia para Estiramento de Pernas
Feito por seu amigo e aluno Herb Jackson, é descrito por Stirling Silliphant da seguinte maneira: — "Você colocava a perna numa presilha ou laço de corda larga e uma carretilha ou polia puxava a corda estirando e levantando sua perna no limite da resistência humana e no máximo de altura 225
que a perna suportasse. O pé deveria ser mantido horizontalmente alinhado durante todo o exercício." O "Leg Raise Board" ou Tábua para Elevação de Pernas Servia para fortalecer os músculos das panturrilhas (barriga da perna). Era simplesmente uma espécie de degrau onde se colocava a ponta dos pés, ficando os calcanhares em nível inferior. Então se levantava os calcanhares do chão, apoiando apenas nas pontas dos pés e repetia-se o movimento, puxando pelo desempenho dos músculos das panturrilhas. "Handles" Eram espécies de "cabos" presos ao chão para se executar flexões. Bruce Lee costumava fazer flexões sobre os dedos polegares apenas, ou sobre os dedos polegar e indicador de uma só mão, estando o outro braço para trás. (flexão é o exercício em que se eleva e abaixa todo o corpo, pela flexão dos braços, estando-se de bruços para o chão, apoiando-se nas palmas das mãos ou na ponta dos dedos ou nos punhos fechados e nas pontas dos pés.) A Cadeira Romana Servia para exercícios de enrijecimento do abdômen — parte do corpo que Bruce chamava de "a janela da saúde". Era uma espécie de banquinho numa base onde havia um local para se prender os pés. Sentado e com os pés presos, inclina-se o corpo para trás o mais possível, puxando pelo 226
desempenho dos músculos abdominais. O "Bio Energizer" Era um pequeno trampolim que servia para se correr no mesmo lugar, embora Bruce preferisse correr em ambientes abertos e lugares acidentados (com subidas e descidas). A "Tetherball" Era uma espécie de saco redondo preso por uma corda. Bruce costumava socá-la durante vários minutos seguidos (sem pausas ou paradas) sem errar um único soco, visando precisão. O "Neck and Head Lock" Aparelho construído por James Lee, servia para se treinar "gravatas" e "chaves de braço". Constituia-se de uma peça maciça com um molejo interno que, uma vez aberto, devia ser fechado com a aplicação de uma "chave" ou "gravata", entre o braço e o corpo do praticante. O "Foot Obstruction and Shin-kick Apparatus" Também construído por James Lee, de acordo com um desenho de Bruce, era um aparelho que servia para se treinar chutes nas canelas e bloqueio com o pé. Era uma espécie de "perna" metálica presa num suporte vertical por três grossas molas. O perigo de todo treinamento específico, entretanto, segundo Bruce Lee, é que tais instrumentos, como o saco pesado, por exemplo, por não responderem ao ataque, podem 227
tornar o praticante vulnerável numa situação de luta real se este se habituar a golpear e não receber respostas. Por isso Bruce gostava de equipamentos como o "Saco de Velocidade" (ou Saco Teto-Chão) que revidava de maneira totalmente imprevista. Socos
Os primeiros métodos de Bruce Lee quanto a socos envolviam a prática de socos no saco redondo de areia suspenso na altura do nariz ou preso na parede e socos desferidos contra o ar. Socar contra o ar visava desenvolver velocidade e socar no saco de areia visava desenvolver poder. Ambas as práticas deveriam ser equilibradas, pois socar apenas o ar poderia causar danos aos cotovelos e socar apenas os sacos de areia retardariam a velocidade dos socos. Ao poder dos socos, assinalava Bruce: — "A primeira regra é sempre manter-se bem coberto o tempo todo, nunca deixando brechas em sua defesa (aberturas). Use seu jogo de pernas de todos os meios: dando passos laterais, usando 228
fintas, variando chutes e golpes. Não "empurre" o saco. EXPLODA através dele e lembre-se de que o poder do chute e do soco advêem do contato correto, no local certo e no momento exato com o corpo em perfeita posição, não do vigor, do mero poder bruto ou da irrefletida força com que chutes e golpes são desferidos, como muita gente erradamente pensa." Sobre o uso dos diferentes aparelhos, dizia Bruce: — "Eu não posso ter a verdadeira sensação de atingir o corpo de uma pessoa. Antes de mais nada, cada parte do corpo humano possui uma composição diferente. Posso atingir uma substância dura, ossuda, ou uma área macia, gorda. E, ainda, atingir com luvas é diferente de atingir com as mãos e as articulações nuas. Infelizmente usar as mãos nuas em um parceiro de treino não é muito prático." Para melhorar o arremesso de socos, Bruce usava o "round still cylinder" (espécie de cilindros tipo pequenos halteres) — pesando cerca de 400 gr. cada, ajustavam-se perfeitamente nas mãos. Tendo um em cada mão, desferia socos em frente à linha do nariz, inúmeras vezes, com a finalidade de desenvolver golpes com explosividade e maleabilidade, desenvolver velocidade no desferir dos socos e aumentar o poder. Esse tipo de treino ensina a socar com "peso" nos socos, mesmo sem os pesos estarem nas mãos. O segredo é concentrar e imaginar os cilindros no arremesso dos socos. É preciso cuidado para não adquirir o mau hábito de jogar os ombros para fora da linha, de modo que somente um ombro desempenhe o movimento, o que causa perda de poder no arremesso. Para manter a coordenação entre os ombros, um bom exercício que Lee usava era a vara. Segurando uma vara com as mãos separadas, colocava-a sobre os ombros, nas costas. Girando o corpo de um lado para outro, a vara mantém os ombros retos em todos os movimentos. Lee 229
conseguia girar o corpo 180°, sem mover os pés do l ugar. Bruce conseguia poder relaxando e entesando no momento certo — e a violência do golpe era tamanha que numa ocasião Bruce deslocou o ombro de um homem, no escritório da revista Black Belt, ao fazer uma simples demonstração. Chutes
Para fortalecer as pernas, Lee usava a barra alta levantando a perna horizontalmente e depois o mais alto possível, mantendo-a completamente reta em frente a si. Estirava, então, o corpo para tocar os dedos dos pés ou cercar a sola do pé com a palma da mão. Praticava saltos com abertura de pernas, tocando os dedos dos pés com os dedos das mãos, em pleno ar (no trampolim ou sem ele). Bruce treinava chutes consecutivos com pesos nas pernas, ou nos pés para obter maior poder e velocidade ao chutar depois sem os pesos. Praticava chutes 230
em madeira, concreto, paredes, saco pesado e toda uma série de diferentes alvos, para obter as diferentes sensações de cada impacto. Usava, na maioria das vezes, o saco pesado, mas também chutava o saco quadrado de lona, de parede (com feijão ou areia), o "punching pad" (coxim para socos), o boneco de madeira (dummy ou mudgeon) e o escudo pesado portátil. O chute de Lee era tão eficiente que os chineses o apelidaram de "O homem de três pernas", por poder chutar a direita e esquerda consecutivamente num só chute e por conseguir desferir até oito chutes consecutivos, como o fez no filme "Fists of Fury". Lee desenvolveu potência e incrível rapidez nos chutes através de, entre outras coisas, sistemático uso da bicicleta fixa do estirador de pernas e da barra alta. Quando os músculos estavam desenvolvidos, já prontos, ele treinava chutando árvores. Stirling Silliphant lembra que Bruce insistia que a melhor coisa para se chutar era uma árvore frondosa, de tronco firme como coluna de concreto. Ele lhe costumava dizer: - "Quando você puder chutar de modo com que não seja você abalado pelo chute, mas a árvore, então você estará começando a compreender um chute!", Certa vez, numa demonstração pública de seu famoso chute lateral, Bruce usou o boneco de madeira escorado por vários alunos seus, entre os quais Jesse Glover que é quem relata o fato. Ao chutar o boneco, o impacto foi tão possante que este e mais todos os alunos que estavam em fila indiana, segurando o boneco, foram jogados fora do palco. Para se treinar chutes no saco pesado, deve-se partir da posição "de guarda" (de prontidão) e o pé deve, no momento do impacto, atingir horizontalmente o saco e não de maneira oblíqua. O som do impacto deve ser sonoro e estrondoso 231
baque. Deve-se chutar através do saco e não no saco e devese produzir uma explosividade no final do chute. Se houver mais um "empurrão" do que um golpe propriamente dito, o som obtido será um leve e fraco ruído surdo. O empurrão apenas derruba o oponente sem lhe causar dano. É preciso cuidado para não errar o alvo. Depois de chutar o saco pesado, deixe-o balançar de volta cada ver, antes de chutá-lo de novo. O chute lateral, dado com a potência que Lee emanava de seu corpo, produziria, caso o chutador errasse o alvo e chutasse o ar, lesão no joelho com a sensação da perna estar sendo arrancada do corpo. Bruce Lee conseguia arremessar seu chute lateral quase tão rapidamente como arremessava seu jab. (golpe lançado com a ponta dos dedos). Era fascinante - dizem seus alunos vê-lo "caçar" seu oponente que recuava completamente fora de equilíbrio e controle. Chutes em gancho eram um de seus movimentos favoritos. Praticados num saco pequeno ou numa folha de papel, no saco leve ou pesado, no boneco de madeira, no alvo móvel (punching pad) ou em dois alvos diferentes (pés direito e esquerdo alternados). Geralmente o ponto de contato era o dorso do pé, mas podia ser também a parte da planta do pé ou frontal da perna. De pés nus evita-se os artelhos. Pode-se combinar chutes em ganchos com técnicas de mãos. Para treinar o chute em gancho deve-se partir da 232
posição de prontidão, com atenção e equilíbrio, resultando uma explosividade no momento do impacto. Lee acreditava em variar os movimentos durante o treinamento a fim de aperfeiçoar sua arte. Dizia: -"Na maioria das Artes Marciais clássicas, treinamento é uma repetição meramente imitativa - um produto - e a individualidade é perdida". No Chute Frontal — embora não tão poderoso quanto o chute lateral Lee aumentava a explosividade pelo uso adequado dos quadris. Em vez de contar apenas com o impacto do pé, ele jogava ou lançava seus quadris para frente exatamente no instante antes do pé fazer contato. "Timing" é muito importante neste movimento, que é um movimento difícil de ser executado com eficiência. Chutar a borla da base do saco pesado, chutar sacos leves ou sacos redondos suspensos do teto é excelente para a prática do chute frontal em alvos móveis. Um parceiro pode segurar horizontalmente o coxim redondo com a palma da mão virada para o chão. O forte de Bruce Lee, em chutes, era mesmo o Chute Lateral, que gostava de praticar no saco pesado, principalmente. O chute lateral de Lee era diferente do chute lateral clássico. No estilo clássico há poder, mas não há velocidade. O tipo de chute "side snap kick" tem velocidade, mas não tem poder. Em Jeet Kune Do, o chute lateral tem 233
tanto poder quando velocidade devido á combinação da explosividade e da arremetida ou impulso sem prejuízo a nenhum elemento. O desempenho do quadril é de suma importância! Para desenvolver velocidade no chute lateral, a partir da posição de prontidão, imagine a perna condutora do oponente em frente. Mantenha os olhos focando o rosto imaginário do adversário e desfira uma série de chutes laterais em ângulo baixo. A finalidade é arremessar o pé com força, velocidade e explosividade. Lee costumava deixar cair tábuas de duas polegadas de espessuras da altura do ombro ao chão, partindo-as com um chute lateral antes que atingissem o chão. Para isso era necessário não apenas rapidez e poder, mas a explosividade, a ruptura em si, a quebra. Caso contrário, a tábua seria arremessada longe, mas sem partir, pois duas polegadas da madeira solta no ar é muita espessura para ser partida em queda livre com chute lateral. Se o chute tivesse apenas poder, a tábua seria jogada longe sem quebrar, a menos que estivesse presa em algum suporte e se o chute tivesse apenas explosividade a tábua não quebraria devido à sua grossura. Mas, além disso, tudo, sempre havia um "segredo" no chute... O que Bruce chamava de perpetração do golpe. Dan Inosanto relata o seguinte episódio: - "O segredo do chute, conforme Bruce ensinou-me, seria uma espécie de "raiva controlada". Lembro-me certa vez em que me pediu para 234
chutar. Segurou para mim o escudo protetor durante uns 5 minutos e eu chutei crendo estar dando o melhor de mim. Mas Bruce não estava satisfeito... "Você está se preocupando com a forma, Dan! Pense em algo que você odeia!”- Chutei novamente mas o resultado foi o mesmo. Finalmente Bruce aproximou-se e sem mais nem menos deu-me uma violenta bofetada! Por um instante esqueci que era meu mestre que estava em minha frente e avancei sobre ele: -“Ok, agora CHUTE! É isso que eu quero!”- disse-me. Eu estava ardendo de raiva e fui com tudo... Pow! Foi fantástico! Meu melhor chute!". A Necessidade de Estar Sempre-Alerta, Cônscio da Situação
Bruce Lee treinava também sua visão (percepção) para apanhar não somente os movimentos do oponente como todo o quadro ou situação. Treinava esse sentido de observação em todas as ocasiões, Jesse Glover conta que quando iam assistir a um filme, por exemplo, Bruce saberia dizer depois como cada ator estava vestido nos mínimos detalhes, o que havia em cada recanto do cenário, o tamanho, a cor, a localização de cada objeto, etc. Num restaurante, se alguém passasse por ele, podia descrever depois a pessoa em seus menores detalhes. Em treino, com três ou quatro adversários espalhados peia sala, embora lidando com o mais próximo, não deixava de ter uma visão dos demais. Assim que um deles se movesse, por 235
imperceptível que fosse o movimento e de que lado viesse, Lee estava pronto para reagir. Você pode treinar tendo várias pessoas imóveis espalhadas ao seu redor, ao mais leve movimento de uma delas, chame-a pelo nome. Contra um só oponente, seus olhos devem estar fixos neste, mas englobando toda a situação, inclusive a sua posição. Ao treinar velocidade visual com seus alunos, Dan Inosanto acende uma lanterna, estando todas as luzes apagadas, e dirige rapidamente o facho de luz para baixo, para cima, direita, esquerda. Os alunos devem socar ou chutar no facho de luz. Isso desenvolve velocidade, percepção, rapidez visual e mental, escolha imediata de movimento ou técnica, iniciativa, execução, etc. Bruce Lee costumava, no meio de uma conversa com os alunos ou no mais inesperado momento, atirar de repente algum objeto contra um deles sem estar olhando para a pessoa e ele esperava que o aluno colhesse o objeto atirado! Se não o fizesse levava aquela bronca... Conta Jesse Glover: "Às vezes Bruce estava caminhando à sua frente e alguma coisa vinha voando em cima de você inesperadamente! Tínhamos que aprender estar alerta o tempo todo com Bruce! E sem discussão! Tínhamos que ter reação instantânea, instintiva e sem pensamento consciente". Por sua vez, declara Linda Lee que em seus nove anos de casamento nunca conseguiu pegar Bruce desprevenido uma só vez, no que quer que ele estivesse fazendo! Para desenvolver visão periférica, um bom exercício é focalizar os olhos numa estrutura-distância, como um prédio alto ou um poste. Depois difundir a visão de modo a ver a estrutura claramente, mas também o ambiente ao redor, embora desfocado. Deve-se, então, ser capaz de notar qualquer movimento que se passe no ambiente, por menor 236
que seja, sem tirar os olhos do ponto focado previamente. Você pode treinar com três ou mais pessoas espalhadas pela sala. Seus olhos podem focar a pessoa do meio, mas sua visão deve ser capaz de perceber todas as três. Conforme uma delas se mover, não importa quão levemente, diga seu nome. (Contra um oponente, mesmo olhando-o nos olhos, você deve ter uma visão completa de todo seu corpo e possíveis movimentos, assim como do ambiente ao redor). Deve-se estar sempre alerta com relação ao meio ambiente. Aprender a reagir rapidamente. Você pode praticar até com um cão: segure um trapo diante dele e sempre que ele pular para pegá-lo, tente reagir antes! Deixe o trapo cada vez mais perto do cão, conforme você for conseguindo reações mais rápidas. Este exercício tão simples encurtará muito seu tempo-resposta. Use um coxim redondo (espécie de luva redonda) e faça um parceiro arremessar socos rápidos contra o coxim. Desvie sua mão rapidamente, procurando obter velocidade cada vez maior em suas reações. Mantenha a mão estendida verticalmente e tenha um parceiro que tentará tocar-lhe a mão. Você deverá retirá-la assim que perceber a intenção de seu companheiro. Tenha um parceiro desferindo jabs (estocadas) contra você em intervalos completamente irregulares. Estale os dedos assim que você julgar que a estocada vai ser desferida. Aprenda a "sentir" a intenção do oponente. Eduque o olho para perceber a intenção do oponente, seu mais imperceptível início de movimentação. Fique cerca de um braço e mais uns centímetros de distância de seu parceiro. Seu parceiro deve manter as mãos cerca de 30 cm separadas uma da outra, na posição de alguém que fosse bater palmas, em frente a você. Você deve desferir um soco no rosto ou corpo de seu parceiro, passando 237
direto entre suas mãos, antes que seu companheiro possa agarrar seu braço. Gradualmente aumente a distância entre você e seu oponente e diminua a distância da abertura das mãos dele. (Controle seu soco para ser capaz de detê-lo antes de atingir seu parceiro! Treine também seu controle e precisão, desferindo socos cada vez mais perto da pele de seu companheiro). Bruce Lee era capaz de cobrir uma distância de 7 pés (uns 2,30m), atingir seu oponente, apenas roçando-lhe o rosto ou fechando-lhe levemente as pálpebras, passando sua mão por entre as mãos do oponente que mal davam passagem a e!a e recolher o braço antes que seu adversário pudesse fazer qualquer coisa! Podia fazer o mesmo com um chute em direção ao peito do companheiro! Tenha um parceiro com o dedo indicador de uma das mãos estendida à sua frente, numa distância razoável e fixe nesse dedo seu olhar. Seu parceiro deverá, então, com o dedo da outra mão, desenhar no ar letras e números e você deverá ser capaz de dize-los, sem tirar os olhos do ponto visado desde o início, ou seja, a ponta do dedo da outra mão parada a sua frente. A mão que desenha as letras e números no ar deverá ir se afastando gradualmente do ponto fixo onde seus olhos estão focados. Este é um bom exercício para ampliar seu campo de visão periférica. Era frustrador treinar com Lee, porque Bruce conseguia desferir seu golpe sempre primeiro ou interceptar o golpe do 238
adversário e atingir primeiro! Parecia "adivinhar" a intenção "do oponente, como e possuísse um 6º. sentido. Porém alertava Bruce: - "Procure desenvolver muito bem seus cinco sentidos naturais, antes de procurar pelo tão falado 6º.!" De qualquer forma, se o adversário de Lee "piscasse", já teria perdido totalmente a noção do que estava acontecendo, tal a rapidez de Bruce. Quanto a "prever" as ações de seus adversários, várias pessoas que conviveram com Bruce afirmam que quando observava uma luta de boxe pela TV, Lee conseguia dizer com exatidão qual seria o próximo movimento do pugilista antes que este o pusesse em ação... E sempre acertava! Até quando ia a restaurantes com amigos, Bruce treinava sua capacidade de "premonição"... Simplesmente escolhia determinada pessoa de alguma mesa próxima e procurava observar seus movimentos... Então tentava antecipá-los. Por exemplo, "Agora vai tomar um gole d'água" ou "depor o guardanapo", o que geralmente acontecia! "Quem pratica Artes Marciais deve conhecer não somente as intenções do oponente, como também compreender seu comportamento" disse Lee a um repórter em Hong Kong. Realmente, em boxe e esgrima, tem havido pessoas capazes de detectar os mais leves movimentos de seus adversários e a reagir a eles como se possuíssem poderes de premonição". Na história do boxe há até um nome para os lutadores que dependem unicamente desse tipo de resposta. São chamados "counter-punchers". Bruce costumava gravar em vídeo tape as lutas de boxes e comprava filmes de Muhammad Ali em ação. Estudava cada movimento e técnica de combate, pensando de antemão nas possíveis reações do oponente. Segundo Dan Inosanto, Lee treinava muito seus sentidos de atenção e de prontidão. A 239
meta desse treino é estar ciente, cônscio em qualquer situação, aguçar o sentido da percepção de modo a reconhecer, identificar e reagir aos movimentos do oponente instantaneamente, sem pensar e sem estar limitado pelo que Bruce chamava "psychical stoppage" (parada psíquica). Este tipo de concentração pode ser melhor ilustrado pela audiência de um jogo de futebol; em vez de prestar atenção meramente no jogador que tem a bola, os espectadores atentam no campo de jogo inteiro de uma só vez. De modo similar, concentração não reside em nenhum aspecto particular do oponente. Em suma, a mente quer e o corpo obedece automaticamente. Resistência
Era outro dos fatores a que Bruce dava muita importância. Como exemplo de sua incrível resistência física, Glover cita o fato de que Lee costumava fazer 200 flexões de braço (nas palmas das mãos ou nas pontas dos dedos) geralmente 240
com um aluno sentado em seus ombros. Desferia uma média de 500 socos com o máximo de potência contra o ar com pesos nas mãos ou elos de ferro ao redor dos pulsos. Contudo Bruce advertia que muitos socos desferidos no ar podem causar dano ao cotovelo; assim como socos desferidos somente no saco de areia retardarão a velocidade dos mesmos. Para Bruce, os exercícios de resistência deviam variar de pessoa para pessoa, mas basicamente aconselhava corrida com arranques de fôlego, pular corda, socar no saco pesado: pelo menos nos cinco dias da semana num mínimo de 3 horas por dia.
Sparring Para se ter uma ideia do poder muscular de Bruce Lee, basta lembrar que ele realizava flexões de braço sobre os polegares apenas! Porém ainda que outros praticantes tentem feitos semelhantes e sejam bem sucedidos, devemos atentar ao que Bruce dizia: "Lembre-se só porque você consegue sair-se muito bem num treino suplementar, não ponha na cabeça que você é um expert. Lembre-se bem que qualquer espécie de treino é somente um meio em direção a uma meta posterior; "sparring" (luta real) é o objetivo final, todo treinamento anterior apenas um meio em direção a ele". 241
Bruce Lee sempre afirmou que cada indivíduo deveria incluir seu próprio programa de treinamento suplementar utilizando diferentes equipamentos - por entre as sessões de treino do ginásio ou academia: - "Cada um de nós é diferente do outro e cada deve ser ensinado de forma correta. Por forma correta quero dizer as técnicas mais úteis e eficientes às quais a pessoa está naturalmente inclinada. Encontre sua habilidade e. então desenvolva as técnicas, Á única maneira de se ensinar a alguém apropriadamente autodefesa, é por aproximação á sua própria personalidade". Bruce Lee não se preocupava com façanhas como partir tábuas e tijolos, embora o fizesse também, vez por outra. Seu chute conseguia partir até oito tábuas de duas polegadas de espessura cada, juntas por uma fita adesiva. Numa exibição de TV em Hong Kong, cinco tábuas foram lançadas soltas no ar, apenas enfileiradas por uma corda, e Bruce conseguiu partir quatro delas, com um único chute. Todavia, conta Linda Lee, tais exibições o aborreciam e quando as via num programa de TV exclamava: - "O que isso tem a ver com luta real? Em que auxiliam na aprendizagem de autodefesa?" E segundo seu ditado de que "tudo que se usar para treinamento precisa ser funcional", voltava a seus próprios métodos ... Bruce tinha ideias revolucionárias sobre sparring. Estilo livre de sparring com equipamento protetor encabeçava a lista do roteiro de treinamento de Lee: - "Não há nada melhor do que estilo livre de sparring na prática de qualquer arte combativa" - dizia. -"Em sparring, vista proteção adequada e... vá em frente com tudo! Então você poderá aprender verdadeiramente "timing" correto e distância apropriada para desferir chutes e socos. É uma boa ideia treinar com toda a espécie de indivíduos: altos, baixos, rápidos, desajeitados... sim, às vezes companheiros desajeitados podem fazer errar 242
um homem melhor, porque a inaptidão deles funciona como uma espécie de ritmo quebrado. O melhor parceiro em. sparring, contudo, é um homem louco que vem com tudo: arranhando, agarrando, socando, chutando, etc. Para mim, totalidade é muito importante em sparring. Muitos estilos clamam que podem competir com todos os tipos de ataques, que suas estruturas cobrem toda espécie de ataque em todas as possíveis linhas e ângulos, capazes de revidar de todos os ângulos e linhas. Se isso é verdade, então de onde vêm todos esses diferentes e tantos estilos? Ainda, se estão em totalidade, por que alguns usam som ente linhas retas, outros linhas circulares, outros apenas chutes e outros ainda querem ser diferentes apenas nos movimentos de mãos? Para mim, um sistema que adere a apenas um determinado aspecto de combate está realmente delimitado e restringido. Um artista marcial que se exercita, exclusivamente numa forma fixa de combate está perdendo sua liberdade, está em realidade se tornando escravo de uma norma escolhida e acha que essa norma é a coisa real. Isso leva a um estorvo, porque o modo de combate nunca é baseado em escolha pessoal ou em fantasias. Pelo contrário, muda constantemente de momento a momento e o então desapontado combatente logo descobre que sua "escolhida rotina" carece de maleabilidade. Deve haver um ser em vez de fazer em treinamento. O indivíduo precisa ser livre. Em vez de complexidades de forma, deve haver simplicidade de expressão. O indivíduo deve estar VIVO em sparring, desferindo socos e chutes de todos os ângulos e não sendo um mero robô cooperativo. Como a água, deve ser amorfo e tomar a forma necessária no momento, mudando-a de acordo com a circunstância. Coloque água numa xícara, ela se moldará à xícara. Tente socá-la ou chutá-la, é elástica! Agarre-a e ela cederá imediatamente. De fato, escapará 243
conforme for sendo aplicada pressão sobre ela. Quão verdade é que o "nada" não pode ser confinado e que a coisa mais suave não pode ser quebrada! Eficiência, em sparring ou luta real, não é uma questão de forma correta, clássica e tradicional. Eficiência é tudo que alcança pontos positivos é tudo que funcione! Criar formas
fantasiosas e posições clássicas, avançar de acordo com uma norma fixa aprendida de cor para substituir livre sparring é como tentar enrolar e atar uma libra de água na forma controlável e manejável de um saco de papel. Para algo que é estático, fixo, morto, pode haver um caminho ou trilha definitiva, mas não para algo que está sempre se movendo e vivendo. Em sparring, não deve haver trilha exata, prémarcada ou método definido. Mas, em vez disso, um estado de alerta e prontidão: um "estalo" do ato de estar ciente sem pré-escolha, numa maneira perceptível e maleável. Sparring vive de momento a momento, muda de momento a momento. A ideia do "duro" versus "suave" e de "interno" versus "externo" não é importante. O Yin e o Yang são, em verdade, 244
duas metades de um mesmo todo. Cada metade é igualmente importante e cada uma é interdependente da outra. Se se rejeita uma ou outra, cair-se-á num extremo. Os que aderem ao extremo são conhecidos como fisicamente limitados ou intelectualmente limitados. Mas os primeiros são mais toleráveis, pelo menos em combate eles se esforçam". A variedade de experiência em sparring, Lee estava certo disso, provaria um lutador da capacidade de lutar com qualquer tipo de oponente: pugilista, judoca, karateca, lutador de luta livre, etc. Ao treinar sparring com Dan Inosanto, Bruce lhe dizia: - "Venha a mim como um pugilista o faria, mas avance desordenadamente como um lutador de rua o faria". Variação
Para Lee, treinamento não devia ser uma rotina, um exercício assentado. Devia, antes, alterar-se segundo a disposição e a necessidade do momento .Era necessário treinar, participando ativamente não meramente repetindo exercícios e mais exercícios. A ideia de Bruce era que se você socar e chutar com tudo, em treinamento, 10 desses golpes serão melhores do que milhares de repetições da mesma coisa, sem emoção! Bruce procura variar os exercícios, nunca repetir a mesma rotina monotonamente... Colocava a alma e o coração no seu treinamento. Intercalava diferentes atividades. For exemplo, se houvesse feito uma série de exercícios de 245
estiramento, passava, então, a chutes altos desferidos no ar ou nos diversos tipos de sacos. Variava as técnicas ao chutar. Por exemplo, se começasse com chutes laterais, passava a chutes em gancho ou chutes circulares. Também variava a posição dos sacos. Faria alguém segurar o saco verticalmente ou levemente inclinado. Usaria movimentos que fizessem o saco revidar, balançando contra ele. Bruce repetia sempre a mesma técnica somente quando sentisse que poderia melhorá-la ainda mais. Usualmente eram técnicas que ele mesmo criava. E sempre as praticava profundamente concentrado: — “Por que apenas fazer um movimento e perder seu tempo?” - dizia – “Sempre pratique como se estivesse em combate real!" Técnicas, exercícios, métodos de treinamento, chutes, socos, colocação de poder em golpes desferidos a curta distância — tudo isso é apenas parte de um todo. O quadro total que Bruce procurava apresentar a seus alunos era sobretudo o de que - "Você deve encontrar seu próprio caminho, encontrar a resposta por si mesmo!” Costumava dizer-lhes: — “Sua verdade não é a minha verdade." “Essa foi a coisa mais importante que aprendi com Bruce”. - diz Dan Inosanto. A única forma que Bruce sempre acentuou era — segundo Inosanto — Economia de Movimentos — Como o cartaz na parede de seu ginásio com os dizeres "A Forma Amorfa", seu treinamento seguia a mesma linha de sua filosofia: não estilizado como katas ou rotinas. Todo seu treinamento visava, quando em combate, chegar ao ponto de ataque rapidamente e com pleno poder. Para isso era necessário afiar os instrumentos principais: chutes e socos. A Linha Central
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Em todo seu treinamento com diferentes aparelhos e parceiros, um ponto muito importante, para: Bruce, era a consideração da "Center Line" ou Linha central. Este é um princípio do estilo Wing Chun, implicando em posição correta, com o peso distribuído uniformemente em ambos os pés, posicionadas as mãos sobre uma linha central imaginária, estando a direita (para quem é destro) bem em frente à esquerda. O que Bruce Lee chamava de "Right Stance (posição direita) era uma variação dessa posição básica: a perna direita é colocada à frente, mas o peso é mantido mais sobre a perna traseira. A "Left Stance" (Posição Esquerda) seria o inverso da direita. Equilíbrio é um fator que depende, em muito, da posição correta assumida. Outro fator importante demais para Lee, era coordenação: Acreditava que uma boa coordenação dependia muito mais de um sistema nervoso harmônico e bem ajustado do que de treinamento muscular. - "Embora o desenvolvimento muscular de um indivíduo possa ser superior ao de seu oponente, esse indivíduo pode, não obstante, estar menos coordenado do que outro, se seu sistema nervoso enviar sinais errados ou se os enviar muito lentamente. O sistema nervoso é composto por bilhões de fibras que, quando postas a funcionar juntas produzem uma norma de coordenação à qual o lutador instantaneamente reage.” 247
Lee considerava que para se treinar coordenação, a pessoa tinha de praticar movimentos e contra-movimentos a fim de favorecer a fusão dessas fibras nervosas e assim prover uma norma de "memória" para movimentos instintivos. (Por exemplo, um motorista dirigindo seu carro presta atenção no trânsito, mas aciona câmbio, pedais, etc., instintiva ou automaticamente). Elementos Para Bruce era essencial todo um quadro de elementos: destreza, sagacidade, inteligência, coordenação, precisão, velocidade, agilidade, flexibilidade, reflexos, percepção, resistência, equilíbrio, consciência mental e visual da situação (capacidade de ver e identificar as coisas rapidamente), rapidez de escolha (economia instintiva de movimentos), capacidade de relaxar (não estar tenso, mas alerta), prontidão, rapidez em selecionar movimentos, rapidez em iniciar um movimento, rapidez em colocar em efeito a ação escolhida, habilidade em alterar ou mudar uma ação ou posição no meio de seu desenvolvimento, timing (fusão de tempo, velocidade e ritmo), resistência, objetividade (ir direto ao ponto), simplicidade (não criar ações inúteis), tempo de reação (rapidez em responder a um estímulo), disciplina mental (domínio de si mesmo), e só então poder ou força bruta. Havia, ainda outros fatores como a autoconfiança, a "atitude" que o lutador deve assumir, etc. Apenas para exemplificar quão importante é cada um desses itens, lembremos que Lee usava um golpe que depende quase que exclusivamente de timing correto. Esse golpe, que Lee chamava de "stop-hit" era um ataque dirigido contra um oponente que já havia iniciado seu ataque. O "stop hit" visava interceptar o ataque do oponente antes que se completasse, atingindo primeiro! Lee 248
achava-o muito útil, principalmente contra adversários que atacam selvagemente e sem muita preocupação de se manterem cobertos. O "stop-hit", sendo um golpe interceptor, deu origem ao nome com que posteriormente Bruce chamou sua arte: Jeet Kune Do, que vem a ser “O Caminho do Punho Interceptor”. Outra "criação” de Lee foi o famoso: "One Inch Punch" ou “Soco de Uma Polegada". Esse golpe era desferido a uma polegada apenas de distância do alvo e provava que o fluxo de energia advindo da cintura (quadris), com a participação de todo o corpo é muito mais poderoso ao que a usual combinação ombrocotovelo: — "Bruce desferia um soco a uma polegada de distância do peito do oponente” — relembra Linda Lee ” e enviava o indivíduo, não importava seu peso, voando pela sala!" Bob Baker, o karateca que serviu de "cobaia” para receber esse soco numa demonstração que Bruce Lee fez em Long Beach, durante o famoso torneio de Karatê de Ed Parker, disse mais tarde a Bruce que não fizesse mais isso com pessoas, pois apesar da proteção que usara na ocasião, a dor que sentia no peito ainda era .insuportável e parecia-lhe que jamais passaria! Baker foi obrigado a ficar em casa sem trabalhar por uns tempos, após essa demonstração, pois não conseguia respirar direito! Segundo Jesse Glover, Bruce descobrira Jack Dempsey - famoso pugilista — em uma obra que escrevera, dizia conseguir aumentar o poder de seu soco pelo deslocar de seu peso em direção à perna que dava o passo à frente, aplicando a torça da gravidade em seu 249
arremesso. Através de experiências, Bruce percebeu que era possível, com "timing" correto, redirigir o volume de seu peso pendente para dentro do arremesso de seu soco. O passo em declive também proveu as bases para seu refinado soco de uma polegada."
Em todo e qualquer contexto, Bruce Lee procurava sempre descobrir quais os elementos que poderiam estar faltando, em outras palavras, "conhecer a si mesmo" - física e psicologicamente - seu tipo de pessoa e então trabalhar com as partes essenciais. Buscava desenvolver todas as suas potencialidades, equilibrando corpo, mente e espírito. Treinamento físico devia complementar-se com treinamento mental. Procurava fazer com que seus alunos fizessem o mesmo, chegando a compreenderem a si mesmos, explorando suas capacidades. A Mente pode fazer maravilhas associada à força física. E um poder extra que Lee chamava de “energia fluente" (o "ki" do Aikido ou "chi" do Tai Chi Chuan). A energia fluente pode ser desenvolvida através de 250
vários exercícios. Por exemplo, após praticar socos com pesos nas mãos, desferi-los sem ter os pesos nas mãos, mas imaginando, ou criando mentalmente, que se os tem. Consegue-se, assim, um acréscimo bem grande de poder. Ao praticar exercícios isométricos na barra imóvel, Lee também estava pressionando os braços para deixar fluir sua energia interna para o exercício a fim de tornar seu movimento indetível, aplicando, também, o princípio da pressão contínua. Esse processo de descoberta pode ser ilustrado neste exemplo citado por Jesse Glover: - "Quando começou a praticar o estilo Wing Chun, na sua puberdade Bruce estava tentando achar um meio de desenvolver sua energia interna (chi) para melhorar o “tawn sau" - um dos movimentos do Wing Chun. Assim, todos os dias, durante as aulas do colégio, pressionava a palma da mão contra a madeira da carteira, procurando fazer "fluir" essa energia interna tão pouco conhecida e explorada. Isso o levou à descoberta de uma nova espécie de energia em "stick hands", pois certo dia, enquanto mantinha a palma da mão pressionando a carteira escolar, para cima, sua mão incontrolavelmente deslizou da beira da madeira e disparou com grande velocidade e força. Esse evento fez com que Bruce olhasse a possibilidade de transferir a mesma espécie de energia para os movimentos de "sticking hands" do Wing Chun. Bruce imaginou que a mesma pressão corretamente aplicada em direção ao corpo de um oponente resultaria na mesma espécie de movimento para frente que ocorreu quando sua mão escorregou para fora ao empurrar a carteira para cima. Bruce sabia que se ele pudesse transferir com sucesso a mesma espécie de energia para o "sticking hands", seu movimento seria indefensável. Essa Descoberta veio a ser uma das chaves de seu desenvolvimento posterior, pois permitia a Bruce lograr os que 251
usavam o “sticking hands” segundo a Wing Chun clássico."
A Importância da Individualidade Os métodos de treinamento de Bruce Lee eram fáceis de se apresentar como os dos livros tipo “Mantenha-se em Forma" porque além de seus métodos serem gerados segundo os padrões físicos de seu próprio corpo - que era um organismo excepcional — estavam constantemente mudando para ajustarem-se a seguirem as necessidades de Lee no momento. Ele jamais toleraria um exercício por causa de próprio exercício. Dizia a Inosanto: - Dan, se isso não funciona com você, jogue fora! Mas tente primeiro trabalhar nisso. Se um exercício tivesse propósito limitado, contudo, Lee sempre encontrava um jeito de adaptá-lo ás suas necessidades: — "Transforme a pedra de tropeço num degrau de subida" — costumava dizer. E ressaltava: — "Seja você mesmo! Quando desferir um golpe, por exemplo, você tem que ser e estar nesse golpe! Golpear porque quer golpear e não porque está tentando evitar ser atingido. O mais importante, em todo o processo de aprendizagem, e portanto também na aprendizagem de como usar o próprio corpo, é: — como 252
posso chegar a conhecer a mim mesmo!" Bruce Lee não achava, por exemplo, que é importante se um chute lateral fosse executado com o calcanhar mais alto que os artelhos... Desde que o princípio fundamental não seja violado, isto é, desde que o objetivo proposto — eficiência — seja atingido. E contava a seguinte anedota: “Dois orientais estavam assistindo os jogos olímpicos. Uma das principais atrações era Bob Hayes, o corredor das 100 jardas. Assim que o sinal de partida foi dado, os espectadores inclinaram-se na expectativa... Perto da chegada Hayes deslanchou e venceu batendo um novo recorde de 9.1 segundos. Enquanto a multidão aplaudia freneticamente o vencedor, um dos orientais cutucou o outro e disse: — "Você viu? Ele correu levantando muito o calcanhar)".
Bruce achava que o que funcionava para um indivíduo não funcionaria necessariamente para outro. O ensino de Bruce aos seus alunos era individualizado e visava um treinamento o mais semelhante possível à realidade. Bruce treinava seus alunos para situações reais de luta de rua. Mas não se consegue isso apenas dizendo: "é deste jeito que se 253
luta na rua!” Bruce passou por muito "ensaio e erro" até chegar a um treino realístico e seus alunos eram partes integrantes desse método. Visto Jeet Kune Do visar "eficiência", Lee pensava muito em como se pode treinar para situações de rua. Seu famoso comentário: “Para se aprender a nadar, você precisa primeiro se atirar n'água!" - tornou-se um exemplo para seus alunos. Explica Dan Inosanto: - "Bruce ensinava que o modo através do qual você sé exercita numa aula não é necessariamente o modo pelo qual você reage na rua.” “Há uma série de elementos faltando na ambiente de aula, de modo que ele tentava colher esses elementos todos, inclusive o elemento "temor" e o elemento emocional. De início treinávamos sobrecarregados por um monte de equipamentos protetores e nos sentíamos muito desajeitados. Gradativamente íamos nos despojando de parte do equipamento, começando pelos protetores de baseball das canelas, depois todo o resto do equipamento para o corpo era retirado e só ficava a máscara para o rosto, até que fosse retirada também e só conservávamos então, um protetor de boca. A prática era como uma espécie de boxe tailandês incluindo técnicas de agarre. Bruce queria assegurar-se de que usássemos somente técnicas que fossem funcionais, numa situação de rua. Nas artes clássicas os alunos treinam técnicas que sabem nunca poderio usar em luta real, por não serem apropriadas ao combate.” E como Bruce sabia o que era e o que não era apropriado ao combate? Ele se, atirou n’água, naturalmente! Bruce esteve em numerosos tipos diferentes de situações particulares de situações-combate. Lutas com pessoas de diferentes estilos. Estava constantemente tentando encontrar o que funcionasse melhor. Foi assim que chegou a um nível incomum de excelência. 254
Jeet Kune Do incorpora a criação de situações particulares para desenvolver instrumentos específicos, como por exemplo recriar situações de luta de rua, variedades do meio ambiente, incluindo uma série de exercícios para aguçar a sensitividade. Diz Jesse Glover que uma das maneiras pelas quais as técnicas de Bruce funcionavam tão bem era por causa da maneira como foram aprendidas e aplicadas. Antes que qualquer espécie de habilidade física possa ser correta e apropriadamente aprendida, o corpo precisa estar preparado par engrenar nessa atividade. Essa preparação envolve toda uma série de exercícios específicos. Bruce confiava em seu treinamento suplementar e o seguia sinceramente para estar sempre no topo de sua forma física. Uma Inovação Nas Artes Marciais
Numa das cartas que Bruce Lee escreveu a Dan Inosanto, entre outras coisas, aconselhava: - "Espero que meu modo de pensar sobre a Arte Marcial o ajude em seu treinamento e em sua escolha do que é benéfico e do que é 255
útil para você. Use seu senso para diferenciar a coisa real do que é mera rotina coreografada! Para mim, Gung Fu é tão extraordinário justamente porque não é nada de especial: é simplesmente a expressão direta dos sentimentos de um indivíduo num mínimo de linhas e de energia — cada movimento sendo e existindo por si mesmo, sem as artificialidades que 99% dos mestres tendem a complicar. Lembre-se que quanto mais perto do verdadeiro caminho do Gung Fu menos desperdício de expressão haverá. A arte é a expressão do ego. Quanto mais complicado e restritivo for o método, menor será a oportunidade do sentido original de liberdade do indivíduo." Para alguém poder controlar seu corpo e sua mente, precisa, antes, compreendê-los. Para isso há necessidade de estudo, pesquisa, treino físico e mental. Bruce comparava sua arte a uma árvore em que chutes, socos e táticas são apenas folhas e ramos. Sua verdadeira essência — a alma — é o tronco sem o qual as folhas e os ramos não podem existir. Muitos sistemas clássicos de Kung Fu requerem que o aluno passe os primeiros meses (até um ano) equilibrando-se nas posições rudimentares ou "cavaleiro". Bruce chamava tais práticas de "exercícios de futilidade” e brincava: - "Se se ensinasse basquete como se ensina arte marcial clássica, os jogadores ficariam treinando durante um ano sem pegar na bola." Criticava os instrutores que, segundo suas palavras, "ensinam a nadar em terra seca". Insistia que, sem demora, desde o princípio, os alunos deveriam ser instruídos para LUTAR efetivamente, de modo a aumentar suas chances de sobrevivência em caso de luta real ou ataque nas ruas. Socos e chutes, assim como outros tipos de ataques, tornam-se ações reflexas, guiadas unicamente pelos sentidos 256
altamente desenvolvidos através de inúmeras horas de sparring real. No momento em que uma abertura ocorre, o ataque já está em seu caminho. Devido à simplicidade de técnicas, todo ataque é extremamente poderoso e eficiente. Todavia, além das técnicas e suas infinitas variações e aplicações, o espírito com o qual são executadas é de suma importância. Bruce Lee desaprovava os sistemas rigidamente estruturados, chamando-os de "desespero organizado". Criticava os exercícios meramente repetitivos e petrificados. Dizia: - "Pratique seriamente, estude seriamente e aprenda seriamente; mas não de maneira grave e solene... sinta alegria nisso!" Bruce não considerava seu Jeet Kune Do um "estilo". Achava-o, antes, um método de auto-descoberta: - "Fique bem claro, de uma vez por todas que eu NÃO inventei um novo estilo ou sistema... pelo contrário, espero libertar meus companheiros das limitações dos estilos." - dizia. Comparava Jeet Kune Do a um bote que se usa para atravessar um rio. Uma vez alcançada terra, não faz sentido continuar com o bote nas costas! Bruce acreditava em ensinar o conceito, não a técnica. Do conceito você pode obter uma série de técnicas. Por exemplo, para a pergunta "Como relaxar?" Bruce contraria varias respostas..., ir à praia, às montanhas, ficaram casa 257
lendo um bom livro, etc. Todas válidas. Em outras palavras, .Bruce partiria de um conceito e depois deixaria seus alunos o aplicarem nas maneiras que fossem mais funcionais para eles. Bruce rejeitava severamente todo tipo de "treinamento robô” e acrescentava:- "Vida está sempre mudando. Não se restringe a determinado ritmo.” Combate real não é algo pré-fixado. Você tem que ser espontâneo e adaptar-se a uma espécie de ritmo quebrado, reagindo ao que quer que possa vir e de que forma possa vir!" Quando o movimento de seus alunos se tornavam mecânicos como os de robôs, Lee os fazia pararem imediatamente: -" Olhem! Não quero ver essa centena de socos vergonhosos! Todos eles juntos não ajudarão vocês, se enfrentarem um indivíduo que arremesse UM SOCO muito bem!" As classes de Bruce não podiam ser numerosas, devido ao seu modo de ensinar. Não tinham mais de seis alunos e cada um recebia seu programa de treinamento individual, de acordo com sua constituição física, necessidades e até personalidade. Esse programa ia sendo modificado por Lee de acordo com o desenvolvimen to e progresso do aluno. Bruce Lee acreditava em três estágios de aprendizagem: 258
Aprender: absorver conscientemente uma técnica. Aplicar: praticar a técnica até que se possa aplicá-la com êxito. Dissolver: libertar-se da técnica, de modo a torná-la reflexa, como parte do próprio praticante. As técnicas de Bruce eram, segundo suas próprias palavras, "desobstruídas, curtas e extremamente rápidas. Diretas ao ponto e levadas a intento em seu propósito essencial sem nenhum desperdício de movimento." A Dan Inosanto escreveu, certa vez: -"Dan, siga o princípio, obedeça ao princípio e dissolva o princípio! Libertese dele, sem restringir-se ou limitar-se a ele... Isso é Jeet Kune Do!" E a seus alunos sempre repetia: - "Um exercício tem que ser funcional. Tem que ser o mais próximo possível da realidade, ainda que entre treino e luta real haja grande distância.'' Talvez por isso mesmo dissesse ainda: - “Eu não tenho estilo, mas tenho todos os estilos. Você não sabe o que eu vou fazer e eu mesmo não sei o que vou fazer, pois meu movimento é o resultado de seu movimento; minha técnica o resultado de sua técnica!" Bruce aconselhava simplicidade como “o último grau da arte e o começo da natureza”. “Não complique a você mesmo!" – dizia - E ilustrava esse ponto com a imagem do escultor que, ao esculpir sua obra, não se põe a acrescentar mais e mais argila ao trabalho; antes, despoja a escultura dos elementos desnecessários até que a arte resplandeça em toda sua beleza.
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ENTREVISTA EXCLUSIVA COM ED PARKER Ed Parker é conhecido como o "Pai do Karatê Americano". Ele tem sido um instrumental ponto de partida de carreiras famosas de artistas marciais como o imortal Bruce Lee, Joe Lewis, Chuck Norris, Mike Stone, Dan Inosanto. Sua ligação com o mundo do "showbusiness" é igualmente sensacional: Elvis Presley, Robert Wagner, Natalie Wood, Lucille Ball, Fabian, Darren McGavin, etc. Hoje com 50 anos, Ed Parker continua sendo um inovador. Ele foi a primeira pessoa a perceber o potencial do "marketing" da defesa pessoal quando chegou aos Estados Unidos, em 1956, do Havaí, abrindo a primeira escola comercial de Karatê na América. Hoje Ed Parker possui escolas de Karatê por todo o mundo e ninguém mais do que Parker colocou o karatê diante do público americano como ele o fez. Seu Torneio Internacional anual de Long Beach, Califórnia, é visto como uma das mais importantes competições da região. No primeiro deles, em 1964, apresentou-se um jovem artista marcial que Parker mostrou ao mundo pela primeira vez: seu nome era Bruce Lee! Respondendo às perguntas do entrevistador Bili Braunstein, Parker relembra fatos que talvez muitas pessoas desconhecem... B.B. — Quando encontrou Bruce Lee pela primeira vez? Parker — Encontrei-o por meio de um rapaz chamado James Lee (nenhum parentesco com Bruce). James era um artista do Kung 260
Fu em Oakland e sempre me mostrava suas sequências de formas e katas quando trocávamos informações. Um dia ele me chamou e disse que conhecera um rapaz chinês que falava muito bem o inglês, era muito inteligente e perspicaz e conhecia profundamente o estilo Wing Chun Kung Fu. Queria que eu também o conhecesse. Viajei até Oakland e foi quando conheci Bruce Lee, em 1962. B.B. — O que achou dele? Parker — Quando vi Bruce executar sua arte, vi que ele era realmente bom, muito bom, na verdade! Muito rápido! Seus chutes tinham altura. Fiquei impressionado. Era muito forte no seu estilo Wing Chun. Eu achei, porém, a posição do Wing Chun um pouco fraca e lhe falei sobre isso. Mais tarde ele mudou para o Jeet Kune Do. B.B. — Então Bruce Lee realmente lhe impressionou? Parker — Muito! O rapaz era muito bom! Movia-se com máxima habilidade e tudo que fazia, fazia num nível máximo. Você podia sentir o poder que ele tinha em cada movimento! Se eu fosse mostrar filmes hoje, dos campeões de 1964, eles me fariam destruir esses filmes, tanto progresso houve nas artes marciais. Para o nível atual, aqueles filmes estariam ridículos. Todavia se eu mostrar o filme de Bruce Lee de 1964, o que ele fez continua sendo muito bom, do começo ao fim, tão avançado estava ele desde aquela época! Por isso eu o convidei para fazer demonstrações de sua arte em meu primeiro Torneio Internacional daquele ano. B.B. — O que Bruce Lee fez no Torneio? Parker — Demonstrações. Demonstrou sua arte, a simplicidade 261
dela. Mostrou o que um soco podia fazer, mesmo arremessado à distância de apenas uma polegada do alvo. Provou à audiência que esse ‘pequeno’ soco podia arremessar um homem maior que ele a uma distância de quase dois metros, levantando-o do chão! Não era bem um soco... era quase um empurrão, mas do modo como Bruce jogava o corpo e usava a cintura, ele era capaz de fazer aquilo. Tudo isso está no meu filme. B.B. — E esse filme? Parker — Muita gente me oferece dinheiro o tempo todo por ele. Querem comprá-lo e fazer cópias. Mas por que eu iria ganhar dinheiro com Bruce Lee? Por que haveria de vender o filme? B.B. — Não acha que há algo de valor nesse filme a ser repartido com o mundo? Parker — Certa vez eu tinha uma foto privativa de Elvis Presley e dei a alguém. Fizeram cópias e as venderam por muito dinheiro... Se eu ceder o filme de Bruce farão o mesmo! B.B. — Esse filme foi visto por outras pessoas? Parker — Foi o filme que conseguiu para Bruce o papel de Kato na série de TV "The Green Hornet". Eu mesmo, quando assisti o filme, pensei: "Hei! esse rapaz é excelente para o cinema! Ele pode realmente se comunicar com as pessoas!" B.B. — Em resumo, acha que Bruce Lee era um artista marcial tão talentoso quanto as lendas nos fazem crer? Parker — Bruce Lee era excelente. O forte de Bruce era que ele podia observar alguém uma vez e sem ter tido antes instrução alguma 262
a respeito do que vira, podia, após ter visto a execução de determinado chute ou técnica ou movimento uma só vez, fazer o mesmo perfeitamente, ou fazer melhor! Ele era um atleta natural. Mas Bruce lutava contra a tradição e não são todos os que aceitam esse fato. Se ele era um tanto vaidoso, era porque podia perfeitamente sustentar sua vaidade. Eu gostava dele e ele me respeitava também. Muitas vezes ficava ouvindo sua filosofia embora não a aceitasse inteiramente. Mas eu diria que, grama por grama, ele foi, realmente, o melhor no campo das Artes Marciais!"
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BRUCE LEE - SUA FILOSOFIA DE VIDA E DE LUTA
ADAPTAÇÃO É comum dizer-se que o despojamento de estilos numa forma mais eficiente — uma das características de Jeet-KuneDo — pode-se tornar o caminho mais rápido para se alcançar habilidades reais de luta. De fato, Bruce Lee observa que "a forma amorfa" é o estado mais elevado só atingido após o domínio de um número das formas "menores" erroneamente tomadas com um fim em si mesmas. Jeet-Kune-Do requer de seus praticantes algo que Lee temia estivesse desaparecendo muito depressa nas Artes Marciais: Iniciativa — A habilidade de se adaptar ao inesperado, em vez de simplesmente executar repetitivos Katas ou exercícios formais. Lee se opunha à ideia de Kung Fu ser um esporte ou um jogo. Era, para ele, um modo de vida. Acreditava que as artes marciais podiam fortalecer a mente e o espírito, além do corpo.
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A ARTE NO SEU SENTIDO PRÁTICO Os aspectos filosóficos tradicionais das artes marciais, porém, quando ligados a fatores religiosos, levavam Lee a rejeitar as noções místicas tidas como "inabordáveis" pelo praticante comum. Seu ceticismo com relação às religiões organizadas que a América lhe mostrou aliava-se à sua rejeição pelos dogmas de sua educação oriental. A combinação das culturas chinesa e americana fizeram parte de Lee ver "religião" como uma manifestação de desejo do homem em "dar de ombros" à responsabilidade por sua própria vida, atribuindo-a a alguma "nebulosa força além do controle humano" — uma fraqueza, uma muleta da pior espécie! Outra parte dele, contudo, reconhecia que as grandes visões, possíveis verdades — de certos homens ditos "religiosos" não deveriam ser levianamente rejeitadas, mas, antes, estudadas, absorvidas e usadas seletivamente na formação do caráter do homem, do mesmo modo como as partes úteis dos outros estilos foram adaptadas em seu Jeet-Kune-Do. Essencialmente Lee era um pragmático. Acreditava em fazer uso eficiente dos recursos disponíveis e justamente reside nisso, talvez, sua maior contribuição às Artes Marciais. Em menos de uma década despojou-as de séculos de 265
ofuscação. Numa maneira prática e direta, demonstrou que um soco era "um salgueiro ao vento" ou "um aguaceiro de primavera"... Era apenas um soco! Nada mais. Se fazer comparações ajudavam compreendê-lo melhor, tudo bem! Mas essencialmente um soco devia ser visto como algo cujo propósito era aturdir, derrubar ou nocautear um oponente. Em termos de combate — tanto quanto de vida — Bruce Lee não aceitava nada fixo, definitivo, solidificado ou imutável. Mas sim processos em evolução e aprimoramento constantes em direção à eficiência e adaptabilidade a cada indivíduo. Para Lee, "tradição" era algo que dava segurança, mas as coisas novas é que podiam — e só elas — dar um novo "fluxo" a uma atividade, permitindo a marcha da evolução e do progresso. Em termos de luta,- são partes essenciais do Jeet-KuneDo a fluidez, a ausência do classicismo dos estilos e da restrição e rigidez das formas, um incrível treinamento para se responder com totais reflexos a qualquer movimento da parte do oponente com um contramovimento instantâneo, sem cuidar-se é o movimento "correio" conforme apropriadamente ensinado por um professor competente de um estilo formal... Não importa, desde que funcione. Mas isso requer anos de estudo, intenso treinamento, experimentação constante e progresso gradual e ininterrupto, assim como a habilidade de se manter a mente num estado de "não-mente", isto é, "calma como águas de um lago em repouso que tudo refletem"... pronta para qualquer percepção intuitiva levando o indivíduo a agir sem que nenhum pensamento interfira na ação que ocorre quando e como deve ocorrer: Inconsciente, livre, desinibida e eficiente!
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O INDIVÍDUO, ACIMA DO ESTILO
Não há katas em JeetKune-Do, porque Jeet-KuneDo está sempre evoluindo, crescendo, mudando — ("Não há nada mais permanente que a mudança" — dizia Lee) — ainda que dentro de seus fundamentos ou princípios característicos. Jeet-Kune-Do preocupase mais com a individualidade de cada praticante do que com a prática em si., Se as circunstâncias e a realidade mudam a cada momento, JeetKune-Do tem que moldar-se e acompanhar essas mudanças como a água que, fluindo sempre, se ajusta em qualquer recipiente. Os princípios de Jeet-Kune-Do podem ser aplicados em outros setores ou áreas que não Artes Marciais, por não serem restritivos ou delimitados. Por exemplo: O princípio de se cobrir distância (brid-ging the gap) do Jeet-Kune-Do pode ser aplicado no futebol americano ou na arte da esgrima. Jeet-Kune-Do toma por princípio — ou meio — o que a maioria dos estilos tomam por resultado. Tem o cuidado em não tomar o efeito pela causa, a faculdade pela substância ou o atributo pelo ser! Jeet-Kune-Do, em sua tradução literal, "O Caminho do Punho Interceptador" — por reconhecer que, em combate, a interceptação com estocada é infinitamente superior ao 267
bloqueio passivo — transpira o realce que dá a toda conduta ativa, viva, que toma a iniciativa, a dianteira, que não recebe, mas antes age! Jeet-Kune-Do não é uma mistura de outros estilos. Bruce Lee dizia que se "se amarrassem duas aves, embora tendo quatro asas elas não voariam!" Ao dizer que não tinha "um estilo, mas todos os estilos", Lee não estava dizendo que JeetKune-Do era uma soma de estilos... Pelo contrário, referia-se ao aspecto de generalidade ou totalidade do Jeet-Kune-Do. "Ao construir uma estátua — dizia — o escultor não se põe a acrescentar e acrescentar argila ao bloco bruto. Antes, despoja-o do desnecessário até que a obra resplandeça em sua essência mais pura. Jeet-Kune-Do não é um acréscimo diário, e sim um decréscimo diário." Isto porque Jeet-Kune-Do busca os elementos essenciais — as raízes — em vez de estilos e mais estilos...
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UMA REVOLUÇÃO NO CAMPO DAS ARTES MARCIAIS CLÁSSICAS "Alguns instrutores de arte marcial favorecem formas; quanto mais complexas e fantasiosas, melhor. Outros, por sua vez, estão obcecados com excessivo poder mental (tipo Capitão Marvel ou Superman). Outros, ainda, favorecem a deformação de mãos e pernas e passam seu tempo lutando contra tijolos, pedras, tábuas, etc. Para mim, o aspecto mais extraordinário da arte marcial é sua simplicidade. Arte Marcial é, simplesmente, a "expressão direta" do sentimento do indivíduo num mínimo de movimentos e energia. Cada movimento sendo o que é, por si mesmo, sem as artificialidades com as quais as pessoas tendem complicálo. O modo mais fácil é sempre o modo certo, e arte marcial não é nada de especial. Quanto mais próximo do verdadeiro caminho da arte marcial, menos desperdício de expressão haverá. Em vez de encarar combate em sua essência, alguns sistemas de arte marcial acumulam "fantasias" que distorcem e restringem seus praticantes e os desviam da concreta realidade do combate que é "simples", "direto" e "nãoclássico". Em vez de ir diretamente ao coração das coisas, as formas floristas e as técnicas artificiais (desespero organizado) são "praticadas como rituais" para simular combate real. 269
Assim, em vez de "estar" em combate, esses praticantes estão idealisticamente "fazendo" algo sobre combate. Pior ainda, super-mental, isto é, espiritual. Aquilo são ignorantemente incorporados até que esses praticantes se desviem mais e mais aos confins da abstração e do mistério. O que fazem se parece mais com acrobacias e dança moderna do que com a concreta realidade do combate. Todas essas complexidades são, na verdade, fúteis tentativas de "prender" e "fixar" os sempre mutáveis movimentos do combate Dissecá-los e analisá-los como um cadáver. Tais meios de prática são uma forma de paralisia. Quando alguém se impregna de sofisticação, não vê mais as coisas realisticamente. Esses praticantes robôs estão cegamente se devotando a sistemática inutilidade, praticando "rotinas" ou "acrobacias" que conduzem a parte alguma. Arte Marcial é para ser vista sem vestes fantasiosas ou laços restritivos. Ela só continuará sendo um segredo enquanto buscarmos ansiosamente por técnicas sofisticadas e mortas. Se há algum segredo, deve ser desvendado pela busca e empenho do praticante... afinal de contas, quantas maneiras há de se lançar contra um oponente sem se desviar muito do curso natural? A verdadeira arte marcial valoriza a maravilha do que é comum. O cultivo da arte marcial não é um acréscimo diário, mas um decréscimo diário. Ser sábio em arte marcial não significa acrescentar mais e mais, mas eliminar ornamentações e tornar-se simples. Como um escultor que, ao construir sua estátua, não se põe a acrescentar argila, mas a cinzelar o desnecessário até que a verdade seja revelada sem obstrução. Em resumo, arte marcial satisfaz-se com a mão nua, sem a fantasiosa" decoração de luvas coloridas que tendem ocultar a função natural da mão. 270
Arte é a expressão do ego. Quanto mais complicado e restritivo for o método, menor a oportunidade para a expressão do sentido original de liberdade do indivíduo. As técnicas, embora desempenhem um importante papel nos estágios anteriores, não devem ser muito restritivas, complexas ou mecânicas. Se aderirmos a elas nos tornaremos limitados pela sua limitação. Lembre-se, você está "expressando" a técnica e não ‘fazendo’ a técnica n.° 2, posição 3, seção 4. Como som e eco, tem de ser sem deliberação. Da mesma forma que quando eu o chamo, você me responde, ou quando atiro algo em você, você simplesmente apanha. Isso é tudo." Bruce Lee 1965 "O homem superior antecipa tarefas que são difíceis enquanto elas ainda são fáceis e faz coisas que se tornarão grandes enquanto elas ainda são pequenas. Por conseguinte, o homem superior, conquanto nunca, faz o que é grande, é capaz de realizar as maiores coisas." Lao Tzu Bruce Lee costumava dizer que nada é "impossível", que se deve tentar sempre, cada vez mais arduamente, até se chegar à meta visada. Mas, urna vez atingida tal meta, dever-se-ia ter já outra ou outras em vista, pois que a vida é um processo fluente onde não pode nem deve haver estagnação. Alcançar um grau sempre mais alto e depois outro e outro ainda, numa escalada sem limite ou término era o caminho que se propôs seguir... sem dúvida não o mais fácil dos caminhos! Na busca incessante por níveis mais elevados, Lee271
partia da proposição de que todo crescimento deve surgir "de dentro para fora", isto é, do "conhecer a si mesmo" para então conseguir 'conhecer o além de si"; uma expansão em profundidade e então em amplitude.' Bruce Lee acreditava que o homem já possui em seu interior a força para desenvolver, instruir e aperfeiçoar a si mesmo. Jeet-Kune-Do: sua arte, filosofia, modo de vida e maneira de combate, fundamenta-se na ideia de que o homem, por ser uma criatura viva capaz de criar, é sempre mais importante do que sistemas, concepções, regras, organizações. Comparando-se a Arte Marcial com uma árvore e os diferentes estilos com seus ramos, flores e folhas, Jeet-KuneDo preocupa-se com a busca das raízes sem as quais a árvore não pode sobreviver ou expandir-se. A resposta, para Lee, estava sempre no próprio problema e não fora dele! Era a resolução do problema, o descobrimento de sua essência a resposta procurada. Toda busca de uma verdade é um processo e sua descoberta só acontece por se eliminar a causa da ignorância, ou seja, por se despojar do véu que a encobre. Ao idealizar Jeet-Kune-Do, Bruce Lee visou um conceito, um nível mais alto de compreensão, um estado de estar plenamente receptivo e ciente de todas as coisas, agindo e interagindo com elas. Tal filosofia de vida e de luta, partia de um núcleo em seu duplo aspecto: espiritual (o constante autoaperfeiçoamento através do conhecer a si mesmo) e substancial (a utilização de todos os elementos disponíveis para se chegar ao resultado proposto).
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Na propagação desse núcleo, na ampliação do Jeet-Kune-Do existe uma constante, um elemento central de ligação, uma espinha dorsal, uma linha harmoniosa interando e integrando toda a expansão dentro do mesmo contexto. As partes agregadas, ainda que provenientes de outras fontes, são sempre modificadas e aperfeiçoadas para se entrosarem na linha que Lee criou, basicamente uma linha de conduta. Totalidade. Liberdade. Expressão Individual. Adaptabilidade. São conceitos inerentes ao Jeet-Kune-Do. Eficiência, discernimento, iniciativa, inovação são decorrências naturais desses conceitos. Jeet-Kune-Do trabalha com três coisas simultaneamente: o corpo, a mente e o espírito; isto é, o ser em sua totalidade. Tudo tem de estar lá! Se um elemento faltar, haverá uma mutilação, uma falha, uma carência e consequentemente uma limitação. Jeet-Kune-Do preocupa-se com os elementos essenciais, mas abrange todas as possíveis ramificações, desde que necessárias, por isso certa vez o definiu Lee como sendo "Um círculo sem circunferência"... de certa forma comparando-o a um Universo em si mesmo, em expansão contínua. Jeet-Kune-Do é algo a ser vivido na vida diária, um 273
estado de "ser" e não de "estar", no qual auto-aprimoramento é mais importante do que a mera aquisição de habilidades exteriores. Segundo Lee, o homem, para conquistar outras coisas, devia antes conquistar a si mesmo. Por isso Jeet-Kune-Do é um processo de esclarecimento interior, de auto-consciência que leve depois às mais eficientes formas de relacionamento com o mundo exterior. Buscando a compreensão da vida em sua totalidade e considerando o absoluto sempre superior ao relativo, JeetKune-Do se propõe, segundo as palavras de Lee, a "não usar nenhum caminho por caminho, não ter nenhum limite por limite" mas a progredir incessantemente. "Conhecimento", em Jeet-Kune-Do, é sempre uma descoberta e nunca simples aquisição mecânica. O ato de "descobrir", o ato de "conhecer", o ato de "caminhar" e de "continuar buscando" fazem do Jeet-Kune-Do algo que pulsa, cheio de vida e atividade incessante, capaz de propiciar ao homem um eficiente meio de evoluir! Bruce Lee estudou diversas correntes filosóficas antigas e modernas, mas no sentido de formar sua própria filosofia, acreditando que não se pode usar a de outra pessoa. Tem-se que aprender sobre si mesmo e criar seus próprios meios de vida. Bruce acreditava que a coisa mais importante do mundo é o indivíduo e que cada indivíduo precisa ter conhecimento de si mesmo antes de poder relacionar-se adequadamente com outras pessoas. Talvez por isso atingiu um público tão grande, comunicando-se com tantos indivíduos de tão diferentes níveis. Muitos não tão inteligentes quanto ele, outros que se consideravam "intelectuais" demais e achavam que "luta" era algo não-intelectual. Homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, ricos, pobres, pessoas de grau mais alto em instrução 274
acadêmica ou pessoas de faixa escolar mais humilde... Bruce não acreditava que as criaturas pertencessem a classes especiais ou intransponíveis porque, para ele, eram fundamentalmente seres humanos. Nacionalidade, raça, cor, religião foram barreiras que derrubou por acreditar que se todas as pessoas do mundo pudessem compreender a universalidade do ser humano haveria bem mais amor, paz e fraternidade entre os homens. Da mesma forma, em termos de Arte Marcial, Bruce Lee não acreditava na palavra "estilo". Dizia ele que a menos que houvesse na terra seres humanos com três braços e quatro pernas ou estruturalmente diferentes de nós, então poderia haver um estilo diferente de luta. Tendo o homem dois braços e duas pernas, deveria saber como usá-los no seu aproveitamento máximo, em decorrência do processo de conhecer e compreender a si mesmo. Sendo que cada estilo de arte marcial realça determinados aspectos do combate, como por exemplo: socos no Boxe, arremesso no Judô; seus praticantes costumam encerrar-se nesses contornos e não vêem mais os pontos fortes dos outros estilos nem os pontos fracos do seu, tornando-se, nas palavras de Bruce, "física — e o que é pior — intelectualmente limitados". Bruce Lee sempre deixou bem claro, ao fazer tais 275
afirmações, que NÃO ESTAVA MENOSPREZANDO NENHUM ESTILO, apenas dizendo que por causa dos estilos as pessoas se restringem e se separam, pois os estilos se tornam "LEIS"... Para Lee, o fundador de um estilo nada mais fez do que partir de hipóteses, experimentações, deduções depois condensadas por ele ou por seus discípulos — em práticas imutáveis apresentadas como única Verdade! Assim, barreiras foram levantadas entre os vários estilos e a Arte Marcial viu-se prejudicada com isso. De acordo com Lee, o praticante marcial jamais deveria se tornar um "produto" do estilo, jamais deveria se moldar ao estilo; em vez disso, deveria moldar o estilo às suas necessidades e características físicas, intelectuais, emocionais: saber quem é, como é, qual sua estrutura, seu feitio... e então buscar sua própria identidade numa expressão livre de algemas, limites ou preconceitos, através da Arte Marcial na sua totalidade. A verdadeira observação, para Lee, só ocorre quando se está posicionado além dos sistemas. - Por isso, Jeet-Kune-Do, embora se servindo de elementos — trabalhados, modificados, adaptados — de vários outros estilos, não se prende a nenhum e nem se apresenta como sendo um "novo estilo". Bruce Lee afirmou veementemente, em várias ocasiões, que nunca criara nenhum diferente estilo ou sistema! Que, pelo contrário, esperava libertar seus companheiros artistas marciais das limitações dos estilos. "Aprenda o princípio, siga o princípio, mas dissolva o princípio: isto é Jeet-Kune-Do" disse Lee certa vez a seu discípulo Dan Inosanto. Ou seja, receber conhecimentos de várias fontes, trabalhar com esses conhecimentos e então encontrar sua própria expressão através deles. Jeet-Kune-Do foi a expressão que Bruce Lee encontrou 276
para si mesmo, de si mesmo e por si mesmo. Jeet-Kune-Do é uma filosofia de vida e de luta, de Bruce Lee, por Bruce Lee e ajustável a Bruce Lee. Por essa razão, como instrutor Bruce nunca transmitiu regras, preceitos fixos, técnicas rígidas a seus alunos; antes, dava-lhes "elementos" que deveriam ser trabalhados por eles mesmos a fim de que encontrassem seus próprios preceitos e técnicas. "Posso dar-lhe os instrumentos" — dizia a James Coburn — mas você deverá encontrar a sua maneira de usá-los". Propunha-lhes um problema e mostrava-lhes os meios de encontrarem a solução melhor possível. Geralmente não ensinava mais que seis alunos para manter seu ensino em nível individual, acreditando que o aluno devia ser atendido em seu aspecto físico, mental, emocional e que o professor nunca é um "doador" da verdade, mas simplesmente um "apontador" do caminho que conduz a ela. Jeet-Kune-Do, para Lee, não era um fim em si mesmo, mas simplesmente um meio para se chegar a verdades maiores... "Um dedo apontando a Lua" — dizia — "Não fixe o olhar tão intensamente no dedo a ponto de perder a glória dos Céus! Afinal, a utilidade do dedo está em apontar para a luz que o ilumina e ilumina tudo mais." O que situa Jeet-Kune-Do à parte de todas as outras formas é a ausência de técnicas estereotipadas: Jeet-Kune-Do é vivo, fluido, continuamente adaptável. Às vezes parece-se com 277
Boxe ocidental. Outras vezes assemelha-se ao Boxe Tailandês, à Esgrima, ao Judô, à Esgrima Filipina ou até mesmo à Luta Romana. "Absorva o que é útil; rejeite o que inútil; acresce-te o que é especificamente seu." — Lee costumava dizer. Jeet-Kune-Do está, ainda, enraizado nos remotos preceitos do Taoismo e Zen que formam a base do Boxe chinês. Jeet significa "deter", "interceptar". Kune significa "punho" ou "estilo" e Do significa "caminho" ou "suprema realidade". A realização máxima em Jeet-Kune-Do, não é a destruição indiscriminada do inimigo, mas, antes, a aniquilação das coisas que se colocam no caminho da paz, da justiça e da humanidade. A Arte torna-se, assim, a corporificação da vida e não da morte. Como disse Lee certa vez a um redator do "Esquire": "Um soco ou um chute não são para derrubar o indivíduo que está à sua frente, mas para vencer seu ego, seu temor e seus complexos." É fato que Jeet-Kune-Do, para Lee, não era um fim em si mesmo, nem apenas um sub-produto. Era um meio de autodescoberta. Jeet-Kune-Do é uma prescrição para crescimento pessoal ou, em outras palavras, uma busca de liberdade — liberdade de agir natural e efetivamente não apenas em combate, mas na vida. "A Arte vive onde existe absoluta liberdade" — escreveu Lee. Bruce compreendeu que, como qualquer outra arte, as artes marciais exigem autoconhecimento e expressou a ideia de que caráter, como o corpo, pode ser moldado a fim de tornar-se mais simétrico e bonito. Lee devotou todo seu tempo de vida ao desenvolvimento 278
de uma filosofia de arte marcial que abrangesse tudo. No início de sua carreira como professor, explicou a seus alunos que "mero conhecimento técnico de Gung Fu (pronúncia cantonesa) não é o bastante para fazer de um homem um mestre; é necessário sondar profundamente no espírito interior da arte."
Seus muitos anos de treinamento e disciplina convenceram-no de que o propósito real em se estudar arte marcial é autoaperfeiçoamento. Buscando a suprema realidade em combate, descobriu certas verdades sobre o significado da vida e recusou canonizá-las em regras fixas ou fórmulas porque, conforme costumava advertir seus discípulos, "minha verdade não é sua verdade." Lee não se contentava em apenas instruir, queria inspirar seus seguidores a pensarem junto com ele. Queria que desenvolvessem o que chamava de "Mente Discernente" Compreendia que um preceito e verdadeiro "somente na medida em que for vivido no presente." Portanto, a menos que seus alunos se juntassem na "resolução do problema" — como ele as vezes descrevia Jeet-Kune-Do — não poderiam compreendê-lo. Tinham de pesquisar, participar ativamente. 279
Assim os conceitos de Lee se mantêm vivos e suas ideias atuais. "Um bom professor — escreveu ele — funciona como um mostrador da verdade e não como um doador da verdade." Lee rejeitava a ideia de que aprender é um processo de acumulação. É, na realidade, o oposto — disse, usando a analogia do escultor que em vez de acrescentar argila à sua obra põe-se a cinzelar até que a essência seja revelada. Em outras palavras, Jeet-Kune-Do envolve um decréscimo diário em vez de um acréscimo diário. A verdade somente pode ser percebida quando você livrar-se de todas as inverdades ou "partes não-essenciais" como Lee se chamava. Não era desejo de Bruce Lee encontrar um novo estilo. "Pelo contrário — esclareceu aos leitores da Black Belt Magazine em agosto de 1971 — espero libertar meus confrades da limitação dos estilos, normas e doutrinas." Não se intitulava salvador. Não queria que ninguém tomasse sua palavra como evangélica. Sabia que um artista marcial é, primeiro e antes de tudo, um homem. "O homem, criatura viva e criador individual, é sempre mais importante do que qualquer estilo ou sistema estabelecido." Descartava a palavra "estilo" porque esta pressupõe separação e divisão, quando a vida é, na realidade, orgânica e total. "Cada estilo é auto-limitado", enquanto que a Verdade é Total." Em vez de um sistema revolucionário qualquer, Lee queria a verdade — a total verdade tanto quanto todos os estilos, suaves e duros, internos e externos, o físico e o espiritual, a vida e a morte e, no final, o Homem em uníssono com o infinito Tão. A organização Jeet-Kune-Do tem, propositalmente, mantido um modesto perfil não querendo tomar parte no florescente "mercado Bruce Lee" que agora inclui camisetas, emblemas, posters, medalhões, revistas em quadrinhos 280
uniformes, vários filmes de baixa qualidade, livros e revistas mal informados, etc. Tudo isso nada tem, absolutamente, a ver com o homem e sua arte. Na realidade, há apenas três lugares no mundo que oferecem instrução de acordo com os autênticos princípios do Jeet-Kune-Do. O primeiro em Seattle, Washington, onde o de há muito amigo e associado de Bruce Lee, Taky Kimura, ensina num clube privativo no porão de seu armazém. O segundo em Charlotte, Norte da Carolina, onde Larry Hartsell, que treina Jeet-Kune-Do desde 1967, ensina poucos seletos alunos na sua escola de Kung Fu. O terceiro é a Filipino Kali Academy, em Torrance, Califórnia, onde Dan Inosanto e seu parceiro Richard Bustillo, através de enorme sacrifício financeiro e renúncia pessoal, estabeleceram o talvez melhor equipado centro de artes marciais do mundo. É impossível captar a verdade do Jeet-Kune-Do numa obra, suas implicações de alcance ao elemento crucial da vida. O importante a lembrar é que, para Lee, JeetKune-Do significava liberdade — a espécie de liberdade que advém de não se ter ilusões sobre si mesmo ou seus potenciais.
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CONHEÇA SEUS LIMITES
Bruce Lee e seu aluno Joe Hyams estavam comendo "dim-sum", um prato tradicional chinês, num restaurante de Los Angeles, após uma aula. Joe agarrou essa oportunidade para dizer a Bruce que se sentia desencorajado. Com 45 anos, achava-se muito velho, o corpo muito rígido, para alcançar real habilidade em JeetKune-Do: — "Você nunca aprenderá nada novo a menos que esteja pronto a aceitar a você mesmo com suas limitações" — respondeu-lhe Bruce Lee. — "Você precisa aceitar o fato de que você é capaz em algumas coisas e limitado em outras... e daí desenvolver suas capacidades!" — "Mas há 10 anos eu podia chutar até a altura de minha cabeça facilmente" — disse Joe — "Agora eu preciso de meia hora para tornar meus membros flexíveis até que possa fazer isso!" Bruce colocou seus palitos chineses ao lado do prato, enganchou as mãos na lapela e sorriu: — "Isso foi há 10 anos! Hoje você está mais velho e seu corpo mudou. Todo mundo tem limitações físicas a sobrepujar." — "Isso tudo é muito bom para você dizer" — replicou Joe — "Se algum homem um dia nasceu com naturais habilidades como artista marcial, esse homem é você!" Bruce riu: — "Vou lhe dizer algo que muito poucas pessoas sabem. Eu me tornei um artista marcial a despeito de minhas limitações." Joe espantou-se. A seu ver, Bruce era um specimen físico perfeito! — "Você provavelmente não está ciente disto" — disse Bruce — "mas minha perna direita é quase uma polegada mais curta do que a esquerda. Esse fato ditou-me a melhor 282
posição de luta para mim: a perna da frente conduzindo a ação. Deu-me também vantagem em certos tipos de chutes, pois meu pisar irregular ocasiona maior impulso.E uso lentes de contato! Desde criança sou míope, o que significa que quando não estou usando lentes, tenho dificuldade em ver um oponente que não esteja perto o suficiente de mim. Originalmente comecei a estudar Wing Chun porque é uma técnica ideal para luta a curta distância. Eu aceitei minhas limitações como elas eram e investi nelas! E é isso que você precisa aprender a fazer. Você diz que é incapaz de chutar até a altura de sua cabeça sem um longo aquecimento prévio, mas a questão real é: será mesmo necessário chutar assim tão alto? O fato é que até pouco tempo os artistas marciais raramente chutavam sobre a altura do joelho. Chutes na altura da cabeça são mais para show. Assim, aperfeiçoe seus chutes a nível de cintura e eles serão tão formidáveis que você não precisará chutar mais alto. Em vez de tentar fazer tudo bem, faça corretamente as coisas de que você é capaz. Embora muitos experts das Artes Marciais levem anos dominando centenas de movimentos, numa luta — ou kumite — um campeão pode usar somente 4 ou 5 técnicas, repetidamente. São técnicas que ele aperfeiçoou e que sabe poder depender delas." Joe protestou: — "Mas permanece o fato de que meus reais anos competitivos foram os anos anteriores!" — "Pare de comparar-se com o homem que você foi aos 20 ou 30 anos!" — Bruce respondeu — "O passado é uma ilusão. Você precisa aprender a viver no presente e aceitar a você mesmo pelo que você é agora! O que lhe falta em flexibilidade e agilidade, Você precisa compensar com conhecimento e prática constante." Nos próximos meses, em vez de despender seu tempo 283
tentando obter flexibilidade o bastante para chutar à altura da cabeça, Joe trabalhou com chutes à altura da cintura até que esses chutes estivessem tão bons a ponto de satisfazer mesmo a Bruce! Certo dia, em 1965, Bruce Lee passou pela casa de Joe para dizer adeus antes de partir para Hong Kong, onde tencionava ser o maior astro em filmes de Arte Marcial: — "Você se lembra de nossa conversa sobre limitações?" — ele perguntou — "Bem, eu sou limitado pela minha estatura, dificuldade no inglês e pelo fato de ser chinês quando nunca houve nenhum grande ator chinês em filmes americanos antes. Mas eu passei os últimos três anos estudando cinema e penso que já é tempo para um bom filme de Arte Marcial ser feito... e eu sou o melhor qualificado para isso! Minhas capacidades excederam minhas limitações." As capacidades de Bruce, de fato, excederam suas limitações! Ele chegou a ser um dos maiores superstars do mundo e sua carreira é uma perfeita ilustração de seu ensino: Conforme nós descobrimos e melhorarmos nossos pontos fracos, eles sobrepujam nossas deficiências e se tornam pontos fortes!
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O PODER CONCENTRAÇÃO
DA
Bruce Lee tinha apenas 5 pés e 8 polegadas de altura, pesando cerca de 53 quilos, todavia a quantidade de poder que era capaz de gerar era incrível. Uma de suas demonstrações favoritas era seu famoso "soco de uma polegada" — mantendo a mão a apenas uma polegada de distância do peito de um homem muito maior e mais pesado que ele, Bruce era capaz de derrubar esse homem, lançando-o violentamente para trás, pelo ar, a uma distância de dois ou três metros! Certo dia, enquanto Bruce treinava no quintal da casa de Joe, um amigo deste que ouvira sobre os feitos de Lee, apareceu para observar o treino. Esse indivíduo era faixapreta em Judô e halterofilista. Observou em silêncio por alguns minutos e depois, porque o jovem mestre não fosse tão formidável na aparência, decidiu "colocar Bruce em prova". Disse-lhe que embora seus movimentos ultra-rápidos fossem impressionantes, gostaria de saber quanto poder eles podiam gerar... —"O suficiente para dar conta do recado" — Bruce respondeu calmamente. 285
Mas o visitante estava teimosamente determinado a desafiar Bruce e quando a sessão terminou ele trouxe novamente a tona a questão do poder. Bruce pediu, então, ao amigo de Joe que tomasse uma posição firme a uns dois metros da piscina do jardim: — "Firme-se bem!" — disse Bruce conforme colocava a mão com os dedos estendidos no peito musculoso do visitante. "Vou apenas fechar minha mão em forma de punho e eu o jogarei para trás." "Não há como! — respondeu o amigo de Joe, que, entretanto, firmou-se o quanto pôde. Bruce subitamente fechou os dedos formando um punho — um movimento talvez de 1/4 de polegada — e o visitante voou para trás, caindo bem dentro da piscina! Enquanto tentava sair da água que lhe escorria pelo corpo, pediu a Joe, debilmente, para usar seu toalete. Joe procurou-o, pouco depois, e o encontrou, sentado na borda da banheira, lutando para reaver o fôlego e examinando o próprio peito com as mãos: — "Sinto-me como se tivesse sido atingido por uma marreta!" — exclamou — "eu jamais acreditaria!" Mais tarde Joe perguntou a Bruce como conseguia fazer tal coisa: — "Relaxei até o momento em que trouxe cada músculo de meu corpo no desempenho da ação, e depois concentrei toda minha energia em meu punho" — respondeu — "Para 286
gerar poder você precisa primeiro relaxar completamente e depois recolher sua energia, concentrando sua mente e toda sua força no alvo que você irá atingir. Joe Hyams decidiu tentar aplicar o princípio dessa concentração dirigida em seu jogo de tênis. Fez um consciente esforço para relaxar e recolher toda a energia no momento de fazer contato com a bola, mantendo a mente na área do campo em que queria que a bola batesse. A bola deixou sua raquete com tremenda velocidade e foi exatamente onde Joe queria que ela fosse. Foi seu melhor lance! A lição de Bruce valera! DEIXE SUA MENTE FLUIR
Após um ativo treino sob o sol, Bruce Lee e seu aluno Joe Hyams tomavam suco de frutas no jardim. Joe sentia-se relaxado e pareceu-lhe ocasião de perguntar a Bruce algo que estava em sua mente há tempos: —"O que aconteceria numa batalha real, na qual você fosse obrigado a lutar por sua vida? Como você responderia e o que faria?" Bruce ficou sério, pôs seu copo sobre a mesa, considerando a pergunta cuidadosamente... — "Pensei sobre 287
isso muitas vezes" — respondeu finalmente — "Se fosse o caso de uma luta real, certamente eu feriria meu atacante gravemente. Talvez o matasse! Se isso acontecesse e eu fosse obrigado a comparecer num julgamento, pleitearia que não tivera responsabilidade pela minha ação. Eu haveria respondido ao ataque sem estado consciente... "aquilo" matara meu oponente, não eu!" "O que você quer dizer com "aquilo"? — perguntou Joe. "Aquilo" é o que se dá quando você age num estado inconsciente... você simplesmente age! Como quando atiram uma bola a mim e eu, sem pensar, simplesmente levo as mãos até a bola e a apanho! Ou quando uma criança ou um animal cruza em frente a meu carro e eu automaticamente piso nos freios. Quando você arremessa um soco contra mim, eu intercepto e atinjo você, mas sem pensar! "Aquilo" apenas acontece!" Bruce notara o quanto Joe estava espantado e riu: "Aquilo" é o estado de mente que os japoneses chamam de "Mushin", o que, literalmente, significa a "Não-Mente". De acordo com os mestres Zen, "Mushin" está operando quando o ator (o indivíduo que age] está separado do ato (sua ação) e nenhum pensamento interfere porque o ato inconsciente é o mais livre e desinibido de todos. Quando "Mushin" ocorre, a mente se move de uma atividade a outra fluindo como um jorro d'água, penetrando e preenchendo cada espaço." "E "como alguém atinge esse estado de "Não-Mente" — perguntou Joe. "Somente através de prática e mais prática, até que se possa fazer algo sem esforço consciente" — respondeu Lee — "Então suas reações tornam-se automáticas."
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Nesse ínterim Bruce foi até o carro buscar um livro. Voltou trazendo um volume gasto. Era um livro sobre o grande mestre Zen e o espadachim Tanoam, que fora um dos primeiros a aplicar Zen na psicologia da arte da espada. Bruce abriu o livro e leu em voz alta: — "A mente precisa estar sempre no estado ‘fluente’, pois quando pára em algum ponto, o fluxo é interrompido e é essa interrupção que é nociva ao bem-estar dela. No caso do espadachim, significa a morte. Quando o espadachim se posiciona contra o oponente, não deve pensar nesse oponente, nem em si mesmo, nem nos movimentos da espada sua ou de seu inimigo. Apenas se posiciona com a espada, esquecendo toda a técnica e pronto apenas a seguir os ditames de seu inconsciente. O homem apagou-se corno manejador da espada. Quando golpeia, não é o homem, mas a espada na mão do inconsciente que o faz." Bruce pausou: — "Agora, você entende o que eu quero dizer com "Aquilo"? Joe compreendera o conceito intelectualmente, mas levou tempo para que pudesse compreendê-lo dentro da própria vida. 289
Certo dia, quando praticava um movimento de Wing Chun com seu amigo Jim Lau (e vinha praticando Wing Chun há vários meses!) o movimento chamado "bong-sao" saiu de repente quando seu cotovelo voou sem que ele tivesse tido consciência do ocorrido... —. "Muito bom!" — disse Jim — "Você nem sequer pensou sobre isso e seu bong-sao foi perfeito!" Foi então que Joe entendera a lição de Bruce Lee. INATIVIDADE
Bronislau Kaper, que introduziu Joe Hyams nas Artes Marciais há mais de duas décadas, mostrou-lhe também outra interessante faceta da vida: o momento de não fazer nada! Isso aconteceu quando Joe lhe telefonou, perguntando se estava livre para um almoço: — "Desculpe-me" — disse Bronny — "mas este é meu dia de não fazer nada!" Joe protestou: — "Mas almoçar não é fazer nada, apenas comer!" 290
Bronny riu: — "Se eu marcar um almoço com você, meu caro, preciso fazer algo e hoje é meu dia de não fazer nada!" — "Explique-se, por favor!" — pediu Joe. — "Em nossas vidas, hoje, não deixamos espaço para pontos vazios, para "não fazer nada". Esse conceito de "não fazer nada", que não tem nada a ver com não fazer coisa alguma, é também uma atividade e um exercício. Compare "não fazer nada" com uma pausa em música. Uma pausa não é uma falta de música, é uma parte integrante da composição. Como Claude Debussy disse: "Música é o espaço entre as notas." Os mestres são homens que prestam tanta atenção à pausa e ao silêncio (não-ação) quanto à ação." Na próxima vez em que Joe estivera com Bruce Lee, disse-lhe de sua conversa com Bronny. Bruce riu e replicou: — "Ele está certo, sabe? Essa pausa no meio da ação é um de meus segredos também. Muitos artistas marciais atacam com a força de um furacão sem observar o efeito que seu ataque causa no oponente. Quando eu ataco, sempre tento pausar — deter a ação por um instante — para estudar meu oponente e observar suas reações antes de entrar em ação outra vez. Incluo a pausa e o silêncio à atividade, permitindo assim a mim mesmo algum tempo para compreender meus próprios processos internos tanto quanto os de meu oponente." Anos mais tarde, muito depois que Bruce se pôs a fazer filmes em Hong Kong, Joe finalmente compreendeu quão importante essa "parada de ação" era para sua arte. Muitos artistas marciais usam uma norma fixa de técnicas, repetidamente. Mas Bruce nunca se prendeu a nenhuma rotina. Em certo sentido, ele estava constantemente pausando para assentar, corrigir e melhorar, de acordo com as exigências da situação. Nunca permitia a seu oponente ditar as ações. Pelo contrário, ele forçava o oponente a reagir como ele 291
queria, pausando frequentemente para reagrupar e reformar sua aproximação e seu ataque. Assim, Joe diz ter encontrado um meio de por em prática essa abstrata ideia de "parada de ação". Estando um dia sobrecarregado de pressões, lembrou-se das palavras de Bruce Lee e pausou para reformular os fatores de sua vida. A despeito de tudo, decidiu tirar um dia — uma pausa — no qual não faria nada a não ser estudar a situação. Funcionou maravilhosamente! Diz Joe haver descoberto então que "não fazer nada" pode, às vezes, ser mais proveitoso que fazer muitas coisas irrefletidamente! NÃO PERTURBE!
Muitas das lições de Jeet-Kune-Do que Joe Hyams recebera de Bruce Lee eram compartilhadas com Stirling Silliphant — um dos mais bem sucedidos roteiristas de cinema dos Estados Unidos. Quase sempre, após as lições, os três homens se retiravam para os fundos da casa de Joe, onde treinavam e, entre um copo e outro de suco de frutas, conversavam. Esses poucos momentos eram preciosos para Joe porque, invariavelmente, ele obtinha assim uma nova visão sobre seus amigos. 292
Em uma dessas ocasiões, conversavam sobre a diferença entre "perder tempo" e "gastar o tempo". Bruce Lee disse então: — "Gastar o tempo é usá-lo numa maneira específica. Gastamos o tempo durante as lições como o estamos gastando agora, conversando. Perder tempo é usá-lo sem objetivo ou sem cuidado. Todos nós temos tempo para gastar ou para perder e cabe a nós decidir o que fazer com nosso tempo. Mas uma vez passado, foi-se para sempre!" — "Concordo!" — disse então Stirling Silliphant — "sempre encaro meu tempo como parte de momentos infinitos de minha vida. Quem rouba meu tempo está roubando minha vida! Conforme fico mais velho, entendo que "tempo" é a única coisa que me resta, de real valor. Por isso quando alguém me procura com um projeto, eu faço uma estimativa do tempo que vai me ser tomado e pergunto a mim mesmo: Será que eu quero gastar semanas ou meses de tempo que eu tenho, nesse projeto? Valerá a pena ou estarei desperdiçando meu tempo? Se eu considerar a coisa válida, então a farei! Aplico o mesmo princípio nas minhas relações sociais. Não permito que as pessoas me roubem o tempo. Limitei meus amigos às pessoas com as quais passo momentos felizes. Há momentos em minha vida — momentos necessários — nos quais não faço nada, mas é por livre escolha. A escolha de como eu passo meu tempo é minha e não ditada por convenções sociais." Bruce ficou pensativo por instantes, depois pediu licença para dar um telefonema. Quando voltou, disse sorrindo: — "Apenas cancelei um compromisso. Era com alguém que queria roubar meu tempo e não ajudar-me a gastá-lo". Bruce virou-se então para Stirling: — "Hoje você foi o professor! Entendi pela primeira vez quanto tempo tenho 293
desperdiçado com certas pessoas. Nunca antes considerei que estavam me tomando a existência, mas estavam!" Por ser um escritor, Joe também tinha muitos amigos que sempre iam a sua casa. Depois dessa conversa com Silliphant e Bruce Lee, Joe percebeu que em vez de gastar seu tempo com certas pessoas, também o estava desperdiçando! Comprou, então, um grande cartaz com os dizeres — "Não Perturbe!" — e o pendurou na porta do escritório onde trabalhava. Para surpresa sua, seu trabalho dobrou de rendimento! Era um passo a frente no sentido de como controlar melhor seu tempo e aproveitá-lo de maneira mais útil! A seguinte dissertação foi escrita por Bruce Lee, ainda muito jovem, no tempo em que frequentava o curso de Filosofia na Universidade de Washington, recém-chegado aos Estados Unidos, de Hong Kong. O TAO DO KUNG FU Para os chineses, o Gung Fu é uma sutil arte de nivelar a essência da Mente à essência das técnicas através das quais tem a mente que operar. O princípio do Gung Fu não é algo que podo ser aprendido, como uma ciência, por instrução e experimentação.Tem que crescer espontaneamente, como uma flor, na mente livre de emoções e desejos. O âmago do princípio do Gung Fu é o "Tão" - "A espontaneidade do Universo" – O Tao opera em Yin e Yang, um par de forças mutuamente complementares que agem em todos os 294
fenômenos. Este princípio do Yin e Yang - também conhecido como "Tai-Chi". constitui a estrutura básica do Gung Fu. O Tai-Chi ou "Grand Terminus" foi representado pela primeira vez há mais de três mil anos por Chou Chun. O princípio Yang (brancura) representa positividade, firmeza, masculinidade, substancialidade, brilho, dia, calor, etc. O princípio Yin (negro) representa o oposto: negatividade, suavidade, feminilidade, insubstancialidade, escuridão, noite, frio, etc. A teoria básica do Tai-Chi é a de que nada há de tão permanente que não mude. Em outras palavras, quando a atividade alcança seu ponto extremo torna-se inatividade e a inatividade forma o Yin. Extrema inatividade volta a se tornar atividade, que é Yang, Atividade é a causa da inatividade e vice-versa. Este sistema complementar de acréscimo e decréscimo do princípio é contínuo. Por isto pode-se ver que as duas forças, embora pareçam conflitar, na verdade são mutuamente interdependentes: em vez de oposição, há cooperação e alternação. A aplicação dos princípios Yin e Yang, em Gung Fu, são expressos como Lei da Harmonia. Isto significa que o indivíduo deve estar em harmonia com a força oposta e não rebelar-se contra ela, o que quer dizer que o indivíduo nada deve fazer que não seja natural e espontâneo. O importante é não entrar em conflito de forma alguma. Quando o oponente A usa força (Yang) em B, B não deve resistir (reagir) com força; em outras palavras, não usar positividade (Yang) contra positividade (Yang), mas sim responder com flexibilidade (Yin) e conduzir o oponente na direção da própria força dele: negatividade (Yin) à positividade (Yang). Quando a força de A chega ao extremo, a positividade (Yang) passará a ser negatividade (Yin); B então apanha A 295
num momento desprevenido e ataca com forca (Yang). Assim o processo todo é algo natural e espontâneo. B ajusta seu movimento harmoniosamente em A, sem resistência ou esforço. A ideia acima dá margem a uma lei intimamente relacionada a ela: a Lei da Não-lnterferência com a Natureza que ensina ao praticante de Gung Fu a esquecer sobre si mesmo e a seguir seu oponente-força, em vez de seguir a si mesmo; ele não avança, mas responde adaptando-se à influência que recebe. A ideia básica é derrotar o oponente "cedendo" a ele e usando a própria força dele. E por isso que um praticante de Gung Fu nunca se coloca em frontal oposição à direção da força oposta. Quando atacado, não resiste, mas controla o ataque contornando-o. Esta Lei ilustra os princípios da não-resistência e da nãoviolência que fundamentaram-se na ideia de que os ramos de um pinheiro quebram sob o peso da neve, enquanto um simples caniço, por ser muito mais maleável, cede e resiste a ela. Lao-Tzu nos mostrou o valor da suavidade. Contrariamente à crença comum, o princípio Yin - suavidade e maleabilidade - deve ser associado com a vida e a sobrevivência, Um homem sobrevive porque pode ceder... O princípio Yang, ao contrário, tido como rigoroso e duro, faz o homem quebrar sob pressão". Bruce Lee
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"Vivo, o homem é flexível e maleável; Na morte é inflexível e rígido. Todas as criaturas, grama e árvore São plásticas e moldáveis, Mortas, são quebradiças e secas. Irredutibilidade é a condutora da morte. Moldabilidade é a companheira da vida. Soldados inflexíveis não obtém vitórias. A árvore mais rígida é a mais procurada pelo machado. O forte e poderoso desaba de seu lugar, O suave e adaptável eleva-se sobre todos eles". Lao-Tzu "O modo de movimento, em Kung Fu, está intimamente relacionado com o movimento da mente- Na verdade, a mente é treinada para dirigir o movimento do corpo. A mente quer e o corpo obedece. Pelo fato da mente dirigir os movimentos corporais, a maneira de controlar a mente é importante, mas não é uma tarefa fácil... Para executar a técnica correta, em Kung Fu, libertação física deve ser seguida de libertação mental e espiritual, de modo a fazer com que a mente não apenas se torne.ativa e ágil, mas também livre e desobstruída. Para alcançar isso, o praticante de Gung Fu tem que permanecer imperturbável e dominar o princípio da "nãomente". Não se trata de uma mente vazia, excluída de todas as emoções e tampouco se trata de simples quietude da mente. Embora quietude e imperturbabilidade sejam importantes, é o estado de "não reter" da mente que constitui o princípio da "não-mente". O praticante de Kung Fu emprega sua mente como um espelho: não retém nada, não recusa nada, recebe, mas não 297
mantém. Deixe a mente pensar o que quiser, sem, interferência do agente que pensa o Ego. Enquanto a mente pensar o que quiser, não haverá absolutamente esforço em deixá-la fluir, e o desaparecimento do esforço é precisamente o desaparecimento - ou a nulificação - do agente que pensa. Não há nada a tentar fazer, o que quer que aconteça, de momento a momento, é aceito... inclusive a não-aceitação. Trata-se de uma mente imune às influências emocionais... "Não-Mente" significa empregar toda a mente como usamos os olhos quando lançamos o olhar por sobre vários objetivos, mas não fazemos nenhum esforço especial para forçar determinada coisa. Por conseguinte, concentração, em Kung Fu, não possui o senso usual de restringir a atenção num objeto em particular, mas é simplesmente um estado calmo de estar ciente do que quer que aconteça no "aqui" e no "agora". Tal concentração pode ser ilustrada pela audiência de um jogo de futebol: em vez de atenção concentrada no jogador que tem a bola, mantém-se um estado ciente (uma visão geral) de todo o campo de jogo. De modo similar, a mente do praticante do Gung Fu fica concentrada, não se detendo, porém, em nenhum aspecto particular de oponente. Isto é especialmente verdade ao se lidar com vários oponentes. Por exemplo, suponha que dez homens estejam atacando um praticamente de Gung Fu, todos em sucessão, prontos a derrubá-lo. Tão logo liquida o primeiro, o praticante passa a outro sem permitir à sua mente "se deter" em nenhum atacante. Por mais rápido que um golpe possa seguir a outro, o praticante não permite que haja tempo de interferência entre eles. Cada um dos dez atacantes será assim sucessivamente descartado. O fluxo de pensamento é como a água enchendo um tanque; sempre pronta a fluir novamente. 298
Durante um "sparring", o praticante de Gung Fu aprende a esquecer a si mesmo e a seguir o movimento de seu oponente, deixando sua mente livre para executar seu próprio contramovimento, sem nenhuma deliberação que interfira. Ele se liberta de todas as sugestões mentais de resistência e adota uma atitude maleável. Suas ações são todas executadas sem autoconsentimento, ele.deixa sua mente permanecer espontânea e livre. Assim que pára de pensar, seu fluxo de movimento é afetado e o praticamente será, então, golpeado pelo oponente. O mundo está repleto de pessoas determinadas a "serem alguém" e outras a "causarem encrenca". São pessoas que querem se manter à frente, sobressair. Tal ambição não tem sentido para o praticante de Gung Fu que rejeita todas as formas de auto-afirmação e de competição. O praticante de Gung Fu, se for realmente bom, não é orgulhoso. O orgulho enfatiza a importância da superioridade do status do indivíduo aos olhos dos outros. Há temor e insegurança no orgulho porque quando alguém visa ser altamente estimado, tendo alcançado tal status, automaticamente fica envolvido pelo temor de perder esse status. Então a proteção a esse status passa a ser a necessidade mais importante e isso cria ansiedade. Como Gung Fu visa o auto-cultivo e, por conseguinte, o eu interior é o verdadeiro eu do indivíduo. Para compreender seu verdadeiro eu, o praticante de Gung Fu vive sem depender da opinião dos outros. Por ser completamente autosuficiente, pode isentar-se do temor de não ser estimado. O praticante de Gung Fu devota-se a ser auto-suficiente e nunca depende da avaliação externa para sua felicidade. Um mestre de Gung Fu, ao contrário do principiante, mantém-se reservadamente, é calmo e modesto, não tem o menor desejo 299
de exibir-se. Sob a influência do treinamento do Gung Fu, sua eficiência se torna espiritual e ele próprio, crescendo sempre mais livremente através do esforço espiritual, se transforma. Para ele, fama e status nada significam". Nota: "Gung Fu" é a forma usada por Bruce Lee para o termo Kung Fu, segundo a pronúncia cantonesa.
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(Ao escrever estas palavras, muito jovem ainda e estudante do Curso de Filosofia recém-admitido na Universidade, Bruce Lee naturalmente não tinha ideia do que o futuro lhe reservava... Fama e status acabaram por acontecer posteriormente em sua vida, como consequência natural de seu talento e de seus esforços. Porém, segundo sua esposa Linda Lee, nunca constituíram o fator primordial de sua vida.) A FILOSOFIA DE BRUCE LEE "Os que não sabem que caminham na escuridão jamais verão a luz." "Conhecimento dá poder, mas só o caráter granjeia respeito." "Quem quiser vencer deve aprender a lutar, perseverar e sofrer." "A confiança nasce do conhecimento." Empenhar-se ativamente para alcançar determinado objetivo dá à vida significado e substância". "Esvazie sua xícara primeiro, só então você poderá provar meu chá. Afinal de contas a utilidade da xícara está em poder esvaziar-se. Abra sua mente para receber novas 301
ideias!" "O caráter é para a alma, o que a aparência exterior é para o corpo", "Um homem sábio pode aprender mais com uma pergunta tola do que um tolo com uma resposta sábia". "Erros são sempre perdoáveis se você tiver a coragem de admiti-los". "Otimismo é a fé que conduz ao sucesso". "Se você acreditar que uma coisa é impossível, você a tornará impossível". "A vida é um processo constante de relacionamento". "Saber não é o bastante; precisamos aplicar. Querer não é o bastante; precisamos fazer". "Verdade libertadora é uma realidade somente e na medida em que for experimentada e vivida pelo próprio indivíduo: é uma verdade que transcende estilos e disciplinas". "Um bom mestre poupa seus alunos de sua própria influência". "Prêmios e troféus são apenas ornamentos... Quem precisa deles?" "Entesouro a memória dos infortúnios passados. Eles acrescentam muito à minha fortaleza interior". "Crescer, descobrir... é algo que experimento cada dia, às vezes bom, às vezes frustrador... não importa! Deixe sua luz interior guiá-lo, para fora da escuridão".
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Linda Lee fala sobra o Jeet-Kune-Do, após a morte do marido, em maio dá uma entrevista em 1974. ... "Eu diria que JeetKune-Do é simplesmente a própria filosofia e modo de luta de Bruce Lee. Ele não gostava de chamar JeetKune-Do "um estilo"; não queria sequer dar um nome a isso. Mas para falar sobre uma coisa têm-se que usar um nome, assim, literalmente falando, Jeet-Kune-Do significa "O Caminho do Punho Interceptor". Trata-se apenas do próprio desenvolvimento de Bruce após tantos anos de estudo nas Artes Marciais e de leituras de tudo que podia encontrar sobre Artes Marciais, Esgrima, Luta Greco-Romana, todos os tipos de combate antigos e modernos, procurando o que era eficiente e funcional e que adaptações poderiam ser feitas, sempre criando e descobrindo novas coisas. Não se pode dizer que Jeet-Kune-Do é composto disto ou daquilo porque Jeet-Kune-Do é uma espécie da própria expressão do "eu". Naturalmente há técnicas básicas que se deve aprender a usar da melhor maneira possível em quaisquer situações possam surgir. Assim, em Jeet-Kune-Do, não se pratica situações fixas como em outras artes marciais nas quais se o oponente faz isto, você reage com aquilo, etc. Em Jeet-Kune-Do aprende-se a expressar a si mesmo através do próprio corpo. 303
Bruce não acreditava em adotar regras fixas, séries de normas ou em ter um estilo determinado em Arte Marcial. Sua arte era como sua vida... Interação em mudança constante. Bruce não admitia parcialidade; não aderia a nenhum aspecto único. A filosofia de sua arte marcial vinha á tona por diferentes caminhos. Bruce era extremamente flexível, acreditava na fluidez em todas as coisas e creio que isso o ajudou nos bons e nos maus tempos. Bruce era uma pessoa muito determinada. Visava uma meta e dirigia todas as suas energias para alcançá-la. Poderia ter aberto uma série de, escolas "Kato" de Artes Marciais após o sucesso de "The Green Hornet", por todo os Estados Unidos e feito muito, mas muito dinheiro mesmo com isso a ponto de poder viver luxuosamente pelo resto da vida. Na realidade muitos homens de negócio lhe propuseram isso e até insistiram para que o fizesse mas Bruce não aceitou tal ideia porque não queria prostituir sua Arte ou sua Arte Marcial de forma alguma! Para ele era mais importante produzir um trabalho de qualidade do que obter dinheiro e sucesso fáceis... Por isso dizia: - "A integridade moral é uma condição básica; se a perdemos, perderemos todas as demais qualidades".
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A Árvore Genealógica do Jeet-Kune-Do - por Dan Inosanto
1ª. Geração Bruce Lee Taky Kumura - James Lee - Dan Inosanto Dan Lee - Ted Wong 2ª. Geração Richard Bustillo - Jerry Poteet – Larry Hartsell Bob Bremer - Pete Jacobs - Tony Luna Steve Golden 3ª. Geração Tim Tackett - Ted Lucay Lucay Também autorizados a ensinar Jeet-Kune-Do: Dr. Bob Ward — da Califórnia Seph Lamog — da Califórnia Richard Lee — da Califórnia Chris Nudds — da Inglaterra
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A Filosofia de Vida de Bruce Lee numa entrevista Hong Kong dada um ano antes de sua morte. Por Hsin Hsin Ao conversar com Bruce Lee senti uma profunda impressão pareceu-me uma pessoa que sabe como controlar suas emoções. A diferença entre o Bruce Lee nas telas e o Bruce Lee na vida real é que este é mais caloroso e mais emotivo. Sua voz é sonora, rápida, rica em expressão. Sua atitude, sincera. Bruce é realmente um homem de força, de energia. Consegue impressionar as pessoas facilmente, e se você ficar atento poderá aprender muito com sua filosofia de vida. Nesta entrevista pude fazer-lhe algumas perguntas sobre assuntos vários e deixo ao leitor tirar suas conclusões... Pergunta: Qual sua opinião sobre as relações entre marido e mulher ? Resposta: Penso que quando um homem e uma mulher se casam podem entrar no Paraíso ou viver no Inferno. Podem desfrutar de uma bela vida em comum ou podem sofrer muito. Considero-me um homem afortunado! Não porque meus filmes quebrem recordes de bilheteria. .. Mas porque tenho uma boa esposa, Linda! Ela é insuperável! Por que digo isso? Porque acredito que um casal deve, antes de tudo, desenvolver entre si uma espécie de amizade. Linda e eu temos essa espécie de amizade. Compreende-mos um ao outro como um par de bons amigos. Sentimo-nos felizes juntos. A qualidade em Linda que mais admiro é a neutralidade de seu amor por mim, isto é, ela trata nosso relacionamento com calma, objetividade, imparcialidade. Eu acho que é essa espécie de atitude que um casal deve adotar. 306
Por exemplo, se eu exponho meu ponto de vista, minha esposa continua com sua própria ideia. Certamente discutimos todas as coisas em comum, ou seria difícil viver bem juntos. A felicidade que desfrutamos hoje foi construída sobre a vida simples que tivemos antes de nos casar. A felicidade advinda de uma vida simples pode durar mais tempo: é como uma brasa que queima lenta e gradualmente. A felicidade obtida pelo excitamento é como um. fogo brilhante que logo se extingue. Linda e eu, antes de casarmos, nunca tivemos ocasião de frequentar nightclubs ou coisas assim; passávamos nossas noites vendo TV e conversando. Muitos casais jovens vivem uma vida excitante demais quando estão apaixonados, mas depois, quando se casam e suas vidas se reduzem à calma e à rotina sentem-se impacientes e bebem a taça amarga de um triste casamento.
Pergunta: Você" não acha que um casamento interracial terá pela frente insolúveis obstáculos ? 307
Resposta: Muitas pessoas podem pensar que sim. Mas para mim essa espécie de barreira racial não existe. Se eu disser que acredito que "cada pessoa sob o mesmo sol é um membro da família universal" você poderá achar que estou blefando ou procurando ser idealístico. Mas aquele que crê em diferenças raciais é por mim tido como muito atrasado em mentalidade. Tal pessoa não compreende a igualdade do homem no amor. Muitos indivíduos continuam limitados pela tradição. Quando a geração mais velha diz NÃO a algo, geralmente desaprova sem análise, peremptoriamente. Só porque a tradição diz ser errado! Raros são os indivíduos que usam a mente para chegar à verdade e expressar sinceramente seus reais sentimentos. A tradição nada mais é que uma fórmula imposta pela experiência anterior. Mas conforme progredimos e os tempos mudam, precisamos reformular nossa fórmula! Por exemplo, muitas pessoas lutam uma contra as outras só porque crêem em diferentes religiões! Se pensassem um pouco não se digladiaram por uma coisa tão tola... O próprio sucesso artístico é uma "fórmula". Irei apagar minha real personalidade por causa de uma fórmula? Sou um homem que não adere a nada fixo que não deixa levar por '*regras". Assim, não me importa se sua cor é preta ou branca, vermelha ou azul. Posso fazer amizade com você sem nenhuma barreira! Pergunta: Agora gostaria de lhe fazer urna pergunta delicada. Em Hong Kong, o número de crimes está aumentando assustadoramente. Muitas pessoas crêem que isso possa ser um produto dos chamados "filmes de Kung Fu"... Se você fizer um filme que cause má influência em 308
certas pessoas sentir-se-á pesaroso por isso? Resposta: Boa pergunta! Contudo, antes de responder, tenho que esclarecer um ponto: um filme não é feito por Bruce Lee, sozinho... é o produto manufaturad o do roteirista, do diretor, da produção, dos atores e demais membros da equipe. Assim, se eu realmente fizer um filme que possa exercer máinfluência, não devo carregar toda a responsabilidade. Não obstante meus desejos são os seguintes: Primeiro: Não quero jamais fazer um filme que destaque a crueldade! Devo examinar as razões pelas quais os personagens tem de lutar... Serão razões justas? Se não forem, não aceitarei o papel. Segundo: Por serem as Artes Marciais minha carreira, quero usá-las como meio de expressar meus ideais. O verdadeiro lutador deve lutar por RETIDÃO. Sobretudo, quando decide lutar, deve estar ciente de seus atos e lutar sinceramente até o fim. Somente dessa maneira desenvolverá bom caráter e total sinceridade. Procuro desempenhar meu trabalho dando o melhor de mim e fazendo as coisas com o coração. Se todos fizessem as coisas POR IDEAL, o dinheiro se tornaria secundário. Em todo setor de atividade humana, contudo - e também no mundo do cinema são muitas as pessoas que vivem pela especulação, fazendo qualquer coisa por dinheiro. 309
Propagam a violência e a crueldade por razão nenhuma a não ser "dinheiro".
Pergunta: Os recordes de bilheteria de "The Big Boss" provam que você é um ator muito bem sucedido. Pretende subir ainda mais? E está preparado para o dia em que poderá cair do cume do sucesso? Resposta: Como eu disse antes, sucesso, para mim, significa fazer as coisas sinceramente, com o coração. Você precisa da ajuda de outras pessoas para isso, mas, sobretudo precisa de sua própria ajuda! Quanto à ideia de "subir mais" acho uma fantasia. Não se pode simplesmente ficar sentado esperando e desejando coisas. Eu penso que a vida é um processo. Através dos tempos, o fim dos heróis tem sido o mesmo fim dos homens comuns. Todos morrem e gradualmente apagam-se da memória dos outros. Mas enquanto continuamos vivos, temos que compreender a nós mesmos, descobrir a nós mesmos e expressar a nós mesmos. Desta maneira podemos progredir, mas não necessariamente sermos bem sucedidos. Embora hoje eu seja bem sucedido, devo continuar a procurar o meu progresso interior. e se eu posso ou não "ir mais alto" continua sendo uma fantasia! Eu acredito que a 'Verdade'' está em toda parte; não é algo que se procura num mapa. Sua verdade é diferente da minha. De início, você pode pensar que "isto" é a verdade, mas depois descobre outra verdade e a primeira deixa de ser aceita! Mas nesse processo você evoluiu, e isso é que importa! Um homem está na pior quando não entende a si mesmo. No mundo do cinema estrelas sobem e depois caem... Isso é normal! Os que depois do fracasso sentem-se 310
desalentados devem perguntar a si mesmos se tinham alguma razão substancial na qual escorar o sucesso ou se foram bem sucedidos anteriormente por pura sorte. Devem reexaminar a si mesmos. Mas a maioria dos atores não consegue pensar assim. Quando alcançam o sucesso ficam cegos, crendo ser os melhores do mundo, e depois quando o sucesso os abandona sentem-se acabados! Pergunta: Você agora tem muitos compromissos. Certamente não dispõe de muito tempo para ficar em casa. Sua esposa nunca se queixa? Resposta: Já pensei nisso! Sempre tento encontrar tempo para ficar com minha família. Sempre pergunto a mim mesmo: meu trabalho estará afetando a harmonia de meu lar? De minha esposa? Quando a resposta for positiva, cancelarei alguns contratos. Mas Linda realmente é excelente! Nunca se queixa! Ela me compreende, ela sabe que preciso esforçar-me e isso vale qualquer sacrifício. Eu a agradeço por isso. Ela sempre me ajuda com alegria e bom ânimo. Que posso eu querer mais?
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DEBATE O Kung Fu em Julgamento: Qual sua verdadeira história? À medida que a popularidade e a influência do Kung Fu e de outras artes marciais orientais — assolam o mundo ocidental, estabelecendo-se como parte integrante da vida neste lado do mundo, mais e mais academias de artes marciais são abertas e, em certos países, chegam a crescer o número de cinemas que exibem filmes do gênero. Não podemos nos surpreender, portanto, se críticas as mais diversas são feitas sobre o assunto. Sabemos, também, que sempre houve pessoas "contra tudo" que afirmam que nenhuma "moda" dura muito... Não falta quem afirme que o Kung Fu é algo perigoso, inútil ou irresponsável, sobretudo violento! Quem assim pensa, contudo, não conhece o Kung Fu e provavelmente nunca virá a conhecer. Já houve em muitos países — e é possível que ainda haja — até campanhas contra o Kung Fu e sua tão propagada violência! Esperemos que essa mentalidade mude, pois chegam a ser alarmantes as más interpretações referentes as Artes Marciais em geral, no que gostaríamos de responder a algumas das indagações ou dúvidas mais comuns. Um diretor de um grupo cinematográfico de Londres, por exemplo, após ter visto apenas um filme de Kung Fu, declarou numa reportagem que esse tipo de filme torna as pessoas perigosamente violentas... Questão: Os chamados "filmes de kung fu" tornam sua audiência psicopatas perigosos? Resposta: Obviamente, como todo aluno de Arte Marcial deve saber, a pessoa que usa de violência ao acaso, que 312
briga ou agride sem razão, não é uma pessoa sadia. Sempre houve e haverá indivíduos dessa espécie e tais indivíduos já existiam antes da moda dos filmes de kung fu, no ocidente. Ninguém é levado à violência gratuita por ter assistido um filme de 90 minutos, a menos que já seja um psicopata! Se alguém sair de um cinema após assistir, por exemplo, "Operação Dragão" e passar a espancar algum inocente transeunte ou sair procurando briga sem mais nem menos, só poderá tratar-se de um doente mental cuja violência não foi estimulada pelo filme, mas sim pela própria mente desajustada. Além disso, indivíduos mau-caráter sempre existiram...
Bruce Lee via-se constantemente desafiado por adversários gratuitos e em seus filmes sempre procurou mostrar que tais pessoas não são nada louváveis e muito menos exemplos a seguir Questão: As pessoas devem ser encorajadas a ensinar ou aprender Kung Fu? Resposta: Desde o início dos tempos o homem tem tentado aperfeiçoar tudo que foi capaz de fazer. Se tivemos e temos grandes músicos foi porque os homens quiseram desenvolver essa forma de expressão; se tivemos e temos grandes escritores foi porque os homens trabalharam e estudaram para fazer da escrita não apenas um meio de 313
comunicação, mas algo que pudesse trazer satisfação e utilidade a milhões de pessoas. Da mesma forma, se tivemos e temos grandes artistas marciais foi porque houve homens que perseveraram treinando corpo e mente arduamente a fim de levar a arte e a si mesmos a níveis sempre mais altos de realização, aperfeiçoamento, crescimento... As verdadeiras escolas de Arte Marcial visam formar indivíduos autosuficientes, treinar atletas, moldar caracteres e não e nunca criar ou incentivar bandidos e encrenqueiros. Para compreender esta afirmação é necessário um pequeno preâmbulo à filosofia do Kung Fu. Citaremos como exemplo, uma "introdução" que consta na excelente obra "Beginner Guide to Kung Fu": Se você quiser realmente estudar Kung Fu é essencial encontrar um bom professor ou uma escola séria. Prepare-se, então, para devotar considerável parte de seu tempo e esforço ao estudo e à prática da arte. Sobretudo nunca use seus conhecimentos práticos de luta quando em estado de descontrole emocional. Proteger-se contra um ataque é, naturalmente, justificável, mas atacar sem provocação ou necessidade é tanto desonroso quanto imperdoável. Muitas vezes, a coragem maior está em não lutar, principalmente contra um antagonista de condições inferiores. O Kung Fu é muito mais que apenas um sistema de combate. É uma maneira de encarar o mundo e de compreender as forças da vida e da morte, do bem e do mal... Não é possível aprender a arte de luta do Kung Fu sem entender a filosofia subjacente a ela. Já não se pode dizer o mesmo a respeito do Boxe, por exemplo, que é um esporte. O Kung Fu tem suas raízes na sabedoria da antiga China, quando ser apenas um grande lutador não era o bastante. Paciência, bondade, tolerância são elementos necessários ao desenvolvimento da energia interna conhecida pelo nome de "chi" ou "ki" - sem o que não se pode chegar a 314
ser totalmente um bom praticante de Kung Fu." Dos 10 mandamentos do Mestre Chueh Yuan, citaremos aqui alguns mais importantes: A luta só deve ser usada em legítima defesa. O artista marcial deve abster-se de exibir sua arte às pessoas comuns e sobretudo recusar qualquer tipo de desafio. O artista marcial nunca deve ser belicoso. A arte de lutar não deve ser ensinada a não-budistas para que não cause dano às pessoas e só poderá ser transmitida a indivíduos bondosos e complacentes. O artista marcial deve evitar agressividade, ganância e vaidade. Todo verdadeiro professor de Kung Fu deveria estar pelo menos ciente dessa filosofia a fim de que sua arte não fosse transmitida a pessoas de mau caráter. O que se alega, porém, é que o Kung Fu, sendo também uma forma de luta, não deixa de ser uma violência... Questão: O Kung Fu é ou não uma forma violenta de luta? Resposta: Toda luta é violenta. Seja luta livre, esgrima, duelo ou boxe... As pessoas acabam feridas ou mortas. Ambos os combatentes sabem disso! No dia em que toda espécie de agressão for erradicada da mente humana, nesse sentido, não terá mais razão de ser. Todavia àqueles que alegam ser um triste espetáculo e de homens que se arrebentam mutuamente com socos e chutes nos chamados filmes de Kung Fu, perguntamos se não será espetáculo pior as horríveis torturas dos filmes de guerra, as atrocidades praticadas por brancos e índios em certos faroestes americanos ou as matanças dos filmes de gangsters? E 315
temos, ainda, os massacres sangrentos dos piratas praticados por "Gentlemans" tipo Errol Flynn... os sutis e modernos métodos de matar usados pelo galante James Bond. Seriam mais recomendáveis? Honestamente falando, todos nós sabemos que a "violência" sempre foi o suporte dos filmes de ação. O que talvez os críticos contestem é que nos filmes de Kung Fu a violência parte de uma cultura diferente, exótica... Na realidade não são "os ossos quebrados" que os fãs dos filmes de Kung Fu vão apreciar! O importante é a agilidade, a velocidade, a precisão, a graça, a perfeição do lutador. Os filmes de Bruce Lee atraíram muito mais público justamente por isso! Por serem impecáveis em suas cenas de combate, por serem menos violentos e muito mais técnicos. A diferença entre os "filmes de Kung Fu" e os filmes de Bruce Lee é que nestes últimos havia um profissional, um perito, um verdadeiro gênio da arte do combate em ação! Questão: O Kung Fu encoraja a violência racial? Resposta: A razão para esta pergunta é que em alguns filmes de Kung Fu apresenta-se um confronto entre orientais e ocidentais (os ocidentais seriam os vilões, é claro!) Mas lembremos, também, que nos filmes e seriados norteamericanos antes da "era Bruce Lee" os vilões eram quase sempre traiçoeiros orientais ainda que representados por atores brancos sob quilos de maquilagem! Além disso, o tema comum, nos filmes de Kung Fu, não é "orientais versus ocidentais", mas sim o eterno confronto entre "os bons e os maus"... A cor da pele é elemento secundário. Bruce Lee, é verdade, foi quem primeiro levou à tela heróis e vilões de todas as raças, segundo sua própria filosofia de vida: "Todo homem é um membro da família universal. Há homens bons e 316
maus em todas as raças." Em "Enter the Dragon" (Operação Dragão), sem dúvida o maior épico de todos os tempos em filmes de arte marcial, os "mocinhos" ou heróis eram: Bruce Lee - chinês, John Saxon — branco e Jim Kelly — negro. Os vilões eram: - chineses e Bob Wall - branco. Onde a discriminação racial? Onde o confronto "oriental versus ocidental"? Cremos haver muito mais conflitos entre brancos e brancos, orientais e orientais, por questões várias! Em 1930 a Europa tremeu sob a ameaça de Hittler (brancos contra brancos) e os chineses sob a ameaça japonesa (orientais contra orientais). No filme "Fists of Fury" Bruce Lee retrata muito bem a mágoa e a revolta de um homem desprezado e perseguido por ser considerado "de raça inferior". Numa das cenas mais comoventes, ao partir com um chute o cartaz do parque de Shangai onde se lia "É proibida a entrada de cães e chineses", Bruce Lee partia também a ignorância do preconceito, a imbecilidade da discriminação racial e a intolerância religiosa ou cultural. Sua filosofia de vida - que procurava impregnar em cada cena de seus filmes - era a de que antes do sistema existe o Homem, o ser humano capaz de amar e de progredir, de elevar-se, de crescer, de aperfeiçoar-se! E a de que nenhuma nação do mundo pode orgulhar-se de todas as coisas boas nem culparse de todas as coisas más. As pessoas que destroem que agridem, que se comprazem com o sofrimento alheio não são praticantes de Kung Fu! São alunos da escola do Mal, a mesma que Bruce Lee combatia em nome da honra, do respeito pelo ser humano, da justiça ao semelhante! Bruce Lee sempre procurou exemplificar em seus filmes as mesmas qualidades pregadas pelo Kung Fu: tolerância, gentileza, complacência, auto-controle, respeito à pessoa humana, sentido de paz, e só em último recurso... luta pela defesa da integridade pessoa. 317
RECORDANDO BRUCE LEE "Antes de estudar arte, um soco para mim era apenas como um soco, um chute apenas como um chute. Depois que estudei a arte, um soco não era mais um soco, um chute não era mais um chute. Agora que compreendi a arte, um soco é apenas como um soco, um chute apenas como um chute." "Não há nada de especial nesta arte. Tome as coisas como elas são. Soque quando tiver de socar. Chute quando tiver de chutar." "Com relação a outros estilos e escolas. Não pense em termos de certo ou errado, melhor ou pior. Não seja contra ou a favor. Na encosta da primavera, não há melhor ou pior... os ramos floridos crescem naturalmente, uns longos outros curtos." "Meus seguidores em Jeet-Kune-Do atentem a isto: todas as normas fixas são incapazes de adaptabilidade ou flexibilidade: a verdade está fora de todas as normas fixas.” "O homem, criatura viva e criador individual, é sempre mais importante do que qualquer estabelecido estilo ou sistema.” Bruce Lee
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Observação Final do divulgador: Aqui segue a nota da quinta publicação, a qual previa a sexta com mais dados e informes sobre Bruce Lee. Todavia, o material não pôde ser conseguido até o momento, motivo pelo qual convido àqueles que o tiverem, favor entrar em contato comigo para a regularização deste publicado, em homenagem ao legado de Bruce Lee e à própria Editora Bangor e seus pioneiros neste trabalho. kheopsojusto@gmail.com.br
Leitor amigo, Com esta quinta publicação estamos nos aproximando do final da coleção "Bruce Lee: Vida, Paixão e Morte do Pequeno Dragão", pois o próximo número — o volume VI — encerrará esta pequena coletânea sobre a trajetória do grande artista marcial Bruce Lee, desde seu nascimento até sua prematura morte. Os volumes desta série destinam-se a apresentar um resumo honesto e fidedigno do controvertido personagem Bruce Lee, que ainda hoje causa impacto no campo da Arte Marcial e do Cinema de Ação. Se você, caro leitor, ainda não adquiriu os volumes anteriores, procure completar sua coleção e. boa leitura! Os Editores
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Nota de Redação: No volume IV desta série, em "Colaboradores" em vez de Agnaldo Cortez, Arnaldo Cortez e Ronaldo Chapeval leia-se Leo Akio Imamura. A senhora Maria Antonietta Fernandes declara publicamente não ter tido nenhuma colaboração e nenhuma assistência técnica na confecção desta série: "Bruce Lee: Vida, Paixão e Morte do Pequeno Dragão" a não ser a do Prof. Leo Akio Imamura, com, quem tomou aulas de Arte Marcial.
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