Coordenação: Gil César Costa de Paula José Antônio Tietzmann e Silva Luciane Martins de Araújo Colaboração: Ana Perfeito Carolina Santana Elder Abreu Pedro Fraga Robert Oliveira Monteiro Suzana Dias da Silva Tiragem: Capa: Equipe Marca Fácil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P553 Perspectivas do direito ambiental [recurso eletrônico] / coordenação Gil César Costa de Paula , José Antônio Tietzmann e Silva , Luciane Martins de Araújo. - 1. ed. - Porto Alegre, RS : Buqui, 2014. recurso digital : il. Formato: ePUB Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-8338-148-8 (recurso eletrônico) 1. Direito ambiental- Brasil. 2. Livros eletrônicos. I. Paula, Gil César Costa de. II. Silva, José Antônio Tietzmann e. III. Araújo, Luciane Martins de. 14-17700 CDU: 349.6:347.9(81) 11/11/2014 11/11/2014
COORDENADORES Gil César Costa de Paula Analista Judiciário do TRT 18g Região desde 1992. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás desde 1986 no Departamento de Ciências Jurídicas. Coordenador do Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da mesma Universidade, lecionando no mestrado e na graduação em Direito, sobretudo Direito Administrativo, Teoria Geral do Estado e Metodologia de Pesquisa Científica. Sociólogo, Bacharel e Mestre em Direito. Doutor em Educação e Pós-Doutorado em Direito.
José Antônio Tietzmann e Silva Doutor em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França) e pela Universidade Internacional da Andaluzia (Espanha). Advogado e consultor em Direito Ambiental. Professor e pesquisador do programa de mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC Goiás. Pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Direito Ambiental, de Ordenamento Territorial e Urbanístico - CRIDEAU (França). Professor colaborador dos mestrados em Direito Ambiental e Urbanístico da Universidade de Limoges (França) e em Direito Ambiental e Proteção do Patrimônio Cultural, da Universidade Nacional do Litoral (Argentina).
Luciane Martins de Araújo Doutora em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás, Mestre em Direito, advogada, consultora ambiental, professora pesquisadora do Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, ex-advogada da Caixa Econômica Federal. Membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB (CONDA), do Instituto Brasileiro da Advocacia Pública (IBAP) e da Associação do Professores de Direito Ambiental (APRODAB). Atua nas áreas de Direito Ambiental, Direito Agrário, Direito Urbanístico, Direito Civil e Comércio Internacional.
AUTORES Beliza Martins Pinheiro Câmara Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Especialista em Direito, Estado e Constituição, pela Universidade do Planalto Central (UNIPLAN, BrasíliaDF). Advogada militante. Professora do quadro da Universidade Pau-lista (UNIP) Campus Flamboyant, em Goiânia-GO.
Carolina Arantes Neuber Lima Procuradora Federal, Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes e Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Elmo José Duarte de Almeida Júnior Especialista em Direito Constitucional pela Escola Paulista de Direito. Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC/GO. Ex-professor substituto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Ex-membro da Comissão Executiva da Escola da Advocacia-Geral da União em Goiás. Ex-diretor estadual do Centro de Altos Estudos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Procurador da Fazenda Nacional.
Fernanda Rodrigues Pires de Moraes Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC/GO. Especialista em Penal/Processo Penal e em Civil/Processo Civil. Servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC/GO. Autora do livro intitulado “Das Uniões Estáveis Adulterinas e Polícia Judiciária Paralela”, Coleção Goiânia em Prosa e Verso, Editora Kelps e PUC/GO.
Francisca Soares de Lima Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUCGoiás. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1997). Atualmente atua na área de convênios e contratos de pesquisa e desenvolvimento e de transferência de tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, lotada na Embrapa Arroz e Feijão.
Hugo de Angelis Bastos Pereira Advogado. Ex-Agente de proteção do Juizado da Infância e Juventude do Estado de Goiás. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pós-graduado em direito Processual pela Universidade de Rio Verde GO - FESURV. Docência Universitária pela Universidade de Rio Verde GO - FESURV. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica e Docente na Faculdade Montes Belos - GO. Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUCGO. Ingrid Paula Gonzaga e Castro Advogada, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes - RJ, mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, bolsista da CAPES.
Ingrid Paula Gonzaga e Castro Advogada, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes - RJ, mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, bolsista da CAPES.
Javahé de Lima Júnior
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ex-aluno Extraordinário do Programa de Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás (PUC-GO).
Lanker Vinícius Borges Silva Landin Advogado da Assistência Judiciária; Professor Efetivo da Pontifícia Universidade Católica de Goiás; Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela PUC-GO.
Plínio de Melo Pires Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Catalão. Servidor público do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUCGO.
Renata Carvalho Cardoso Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Servidora Efetiva do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás TJGO.
Rodrigo Peclát de Sousa Aluno de graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Tâmara Rigo Guimarães de Macedo Bento
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Tarcizo Roberto do Nascimento Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Especialista em Direito e Gestão Educacional pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), Advogado, Mestrando em Direito e Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Professor Universitário e colaborador em inúmeras obras que abordam o ensino jurídico.
Ticcyane Andrea Araújo Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
PREFÁCIO Todos sabemos que alguns bons projetos da área acadêmica podem se tornar, quando bem dotados, excelentes obras que contribuirão às ensanchas, irrigando, e muitas vezes germinando novas ideias e reflexões sobre o tema. Neste sentido nos congratulamos com todos os Coordenadores desta obra, em especial com o Prof. Doutor Gil César Costa de Paula, Mestre em Direito das Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC Goiás, pela liderança, iniciativa e incentivo desta obra que no seu dizer será “reconhecida pela sociedade como cultores do direito e das ciências sociais aplicadas”. Como Presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental, órgão máximo da área ambiental do Conselho Federal da OAB, cumprimentamos todos os autores e destacamos a relevância da abordagem do tema “A Sustentabilidade do Direito Ambiental nos Cursos Jurídicos Brasileiros”. Portanto, é com imensa alegria que apraz-nos prefaciar esta notável produção acadêmica que como obra de vanguarda trata de temas de relevante interesse para o Estado Democrático de Direito. Os temas foram desenvolvidos com extrema ética e metodologia por autores e pesquisadores da seara ambiental reconhecidos na comunidade acadêmica, alcançando questões que passeiam na órbita do sistema jurídico de forma única e expressiva. Dentre os temas propostos, encontramos questões que provocam a discussão da adoção, pelo direito brasileiro, de uma visão exclusivamente antropocêntrica do direito ambiental, o que o torna um objeto de estudo, em contrapartida aos sistemas que adotam a “revolucionária” corrente ecocêntrica, equiparando o meio ambiente a um sujeito de direito e que se desenrolam em debate filosófico dos Cartesianos, dos Humanitários e dos Utilitários sobre os direitos humanos e dos direitos dos animais não humanos. Observamos temas que envolvem e açambarcam as questões ambientais sob o viés dos direitos humanos por conta de sua universalidade, indivisibilidade, interdependência e interrelação e que, sob o manto dos direitos sociais pretendem ver efetivado a tão sonhada dignidade da pessoa humana. Também nos deparamos com temas que enfrentam a interrelação do planejamento urbano com as atividades turísticas visando atingir um padrão de sustentabilidade que seja viável perante o marco inicial de todo e qualquer debate jurídico que a Constituição Federal de 1988 propiciou. No dizer de André Trigueiro “nossa capacidade de redesenhar o modelo de desenvolvimento e construir uma nova cultura baseada em valores sustentáveis depende fundamentalmente da coragem de mudar o que está aí”.1 Neste sentido, esta obra traz relevantes e indispensáveis contribuições.
Já tivemos oportunidade de afirmar que: A Educação Ambiental é obrigação legal no país, instituída por meio da Lei 9.795, de 27/04/1999, que criou a Política Nacional de Educação Ambiental. Segundo essa Lei, todos os níveis de ensino e da comunidade em geral têm direito à Educação Ambiental, e os meios de comunicação devem colaborar para a disseminação dessas informações. Como se viu, os relatórios da ONU mostram que oitenta e cinco por cento (85%) da produção e do consumo no mundo concentram-se nos países industrializados, que respondem por dezenove por cento (19%) da população. Os EUA têm cinco por cento (5%) da população mundial e consomem quarenta por cento (40%) dos recursos disponíveis no planeta. Se os mais de sete bilhões de pessoas do planeta usufruíssem o mesmo padrão de vida dos quase trezentos milhões de americanos, seriam necessários, ao menos, sete planetas Terra para atender à demanda. Diante de tais números, questiona-se o quanto a Educação Ambiental da população repercutiria diretamente na mitigação da degradação ambiental e na preservação dos recursos naturais. Talvez o caminho esteja em avaliar a Educação Ambiental enquanto ação que englobe todos os atores e setores sociais, sem distinção de classe, pois, a preservação do meio ambiente diz respeito a todos, seja governo, educadores, empresas, organizações não governamentais (ONGs), meios de comunicação, enfim a sociedade como um todo.2
Assim, de fundamental importância os temas descritos nesta obra “Perspectivas do Direito Ambiental’, que permeiam os debates acadêmicos no afã de atingir uma referência sustentável que permita e induza o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. Ou, em outras palavras: (...) Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave? (Carlos Drummond de Andrade, Procura da Poesia)
Esta obra, pelo conteúdo, pelas relevantes contribuições, por instigar pensamentos e reflexões, também traz a chave e indica novos caminhos. Nossos efusivos cumprimentos aos Coordenadores, Luciane Martins de Araújo, José Antônio Tietzmann e Silva, Gil César Costa de Paula e aos Autores. Bem-vinda esta preciosa ferramenta para os operários do Direito que poderão utilizála também e especialmente na prevenção e cuidado com o nosso planeta Terra, nossa única morada e tutela de todos nós! CARLOS SANSEVERINO3 THAIS LEONEL4
1 Mundo Sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise, Editora Globo, São Paulo, 2012, p. 359. 2 SANSEVERINO, C. A. A utilização da educação ambiental com um dos mecanismos para superação das desigualdades socioambientais 2012. 17 f. Monografia (Especialização em Direito Ambiental Empresarial) - Centro
Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU, São Paulo-SP. 3 Bacharel em Direito pela PUC-SP, Advogado, Especialista em Direito Ambiental Empresarial pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - SP, Especialista em Processo de Ensino e Aprendizagem na Educação Superior pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – SP, Pós-graduado Latu Sensu em Direito Penal Empresarial pela Fundação Getulio Vargas, Presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB (2013/2015), Conselheiro Nacional da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB (2009/2012), Membro do Grupo de Trabalho "Rio+20" da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB (2012); Presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Ordem dos Advogados do Brasil Seção de São Paulo (2013/2015); Conselheiro Titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA (2004/2014), Coordenador do Grupo de Trabalho "Direito Ambiental Portuário" do Conselho Superior do Meio Ambiente da FIESP – COSEMA (2012/2014). Professor do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. 4 Advogada; Doutoranda pela Universidad de Buenos Aires – UBA; Especialista em Direito Ambiental pela Universidad de Castilla-La Mancha - UCLM - Toledo/Espanha; Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES; Professora nos seguintes cursos: Pós-Graduação em Direito Ambiental Empresarial do Complexo Educacional FMU, Pós-Graduação em Direito Imobiliário na Faculdade de Direito de São Bernardo, Direito Ambiental da Escola Paulista de Magistratura-SP, Escola Superior do Ministério Público de Santa Catarina, Direito Imobiliário da FADITU, Gestão Ambiental no SENAC e Direito Ambiental na ESA SP; Vice-Presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável; Membro Efetivo da Comissão Permanente de Meio Ambiente e Coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Patrimônio Genético da Comissão Meio Ambiente da OAB SP; Membro Consultor da Comissão Nacional de Direito Ambiental – CONDA e do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Ambiental; Conselheira do Conselho Superior do Meio Ambiente – COSEMA – FIESP, Conselheira do Conselho Estadual do Meio Ambiente - CONSEMA e do Conselho Municipal do Meio Ambiente -CADES.
APRESENTAÇÃO Com grande alegria recebi o convite para a organização do livro PERSPECTIVAS DO DIREITO AMBIENTAL, em conjunto com os colegas professores doutores Luciane Martins de Araújo e José Antônio Tietzmann e Silva, cuja colaboração no programa de mestrado em direito, relações internacionais e desenvolvimento da PUC GOIÁS tem sido extremamente importante. Falar em perspectivas é apontar as diversas visões ou concepções sobre um objeto de estudo, que no caso é o meio ambiente. Nesta obra temos a possibilidade do livre debate, sem interdições do discurso, como diz FOUCAULT: É esta a hipótese que eu queria apresentar, esta tarde, para situar o lugar — ou talvez a antecâmara — do trabalho que faço: suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é simultaneamente controlada, seleccionada, organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por papel exorcizar-lhe os poderes e os perigos, refrear-lhe o acontecimento aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialidade. É claro que sabemos, numa sociedade como a nossa, da existência de procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é o interdito. Temos consciência de que não temos o direito de dizer o que nos apetece, que não podemos falar de tudo em qualquer circunstância, que quem quer que seja, finalmente, não pode falar do que quer que seja. Tabu do objecto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: jogo de três tipos de interditos que se cruzam, que se reforçam ou que se compensam, formando uma grelha complexa que está sempre a modificar-se. Basta-me referir que, nos dias que correm, as regiões onde a grelha mais se aperta, onde os quadrados negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as da política: longe de ser um elemento transparente ou neutro no qual a sexualidade se desarma e a política se pacifica, é como se o discurso fosse um dos lugares onde estas regiões exercem, de maneira privilegiada, algumas dos seus mais temíveis poderes. O discurso, aparentemente, pode até nem ser nada de por aí além, mas, no entanto, os interditos que o atingem, revelam, cedo, de imediato, o seu vínculo ao desejo e o poder. E com isso não há com que admirarmo-nos: uma vez que o discurso — a psicanálise mostrou-o —, não é simplesmente o que manifesta (ou esconde) o desejo; é também aquilo que é objecto do desejo; e porque — e isso a história desde sempre o ensinou — o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorear-nos. (FOUCAULT, 1971, p. 2)
Para ele há na nossa sociedade outro princípio de exclusão: não já um interdito, mas uma partilha e uma rejeição, obras como esta que agora vem a lume representam uma ruptura com o discurso da interdição; todos nós podemos expressar nossas opiniões sobre os fatos da realidade. Prova disto são os artigos aqui reunidos: - Beliza Martins Pinheiro Câmara e José Antônio Tietzmann e Silva: O Princípio da Proibição do Retrocesso Ambiental; - Carolina Arantes Neuber Lima: Análise da Natureza Jurídica do Meio Ambiente: Objeto Tutelado pelo Direito ou Sujeito de Direitos?;
- Elmo José Duarte de Almeida Júnior: Direitos Sociais, Reserva do Possível e Meio Ambiente – Entre o Constrangimento Orçamentário e a Proteção Ambiental; - Fernanda Rodrigues Pires de Moraes: A Construção dos Direitos Humanos Ambientais; - Francisca Soares de Lima: A Proteção do Meio Ambiente e o Direito Internacional Comentários a partir das Perspectivas da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Proteção do Meio Ambiente; - Hugo de Angelis Bastos Pereira: O Novo Constitucionalismo Latino Americano e o Meio Ambiente; - Ingrid Paula Gonzaga e Castro: A Rediscussão da Tradição Humanista Baseada na Ecologia Profunda e o Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; - Javahé de Lima Júnior: O Pagamento por Serviços Ambientais à Luz dos Direitos Humanos; - José Antônio Tietzmann e Silva, Tâmara Rigo Guimarães de Macedo Bento e Ticcyane Andrea Araújo: Os Obstáculos para a Efetividade da Governança Ambiental em Nível Internacional; - Lanker Vinícius Borges Silva Landin: O Direito dos Animais Não Humanos; - Luciane Martins de Araújo: The Payment for Environmental Services to Reduce the Deforestation in Tropical Countries; - Plínio de Melo Pires: Os Desafios da Sustentabilidade Urbana; - Renata Carvalho Cardoso: Organismos Geneticamente Modificados, uma Realidade no Atual Cenário Agrícola Brasileiro e o Princípio da Responsabilidade; - Rodrigo Peclát de Sousa e Luciane Martins Araújo: A Busca Da Sustentabilidade Através do “Programa de Apoio à Conservação Ambiental” Junto a uma Tribo Indígena Krahô; e - Tarcizo Roberto do Nascimento: A Sustentabilidade do Direito Ambiental nos Cursos Jurídicos Brasileiros. Pelo conteúdo dos artigos acima tenho a certeza que a obra será uma referência importante na área, além de ser pioneira no curso de mestrado em direito da PUC GOIÁS. Estão de parabéns seus idealizadores pelo esforço e dedicação que serão reconhecidos pela comunidade universitária e pela sociedade, como cultores do direito e das ciências sociais aplicadas. Goiânia, 02 de setembro de 2014.
PROFESSOR DOUTOR GIL CÉSAR COSTA DE PAULA1
1 Coordenador do Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC Goiás. Sociólogo. Bacharel e Mestre em Direito. Doutor em Educação e Pós-doutor em Direito.
O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL1 Beliza Martins Pinheiro Câmara2 José Antônio Tietzmann e Silva3
RESUMO O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito humano fundamental, essencial à qualidade de vida, exigindo uma proteção progressiva e de responsabilidade comunitária. O objetivo do presente trabalho é mostrar a importância do princípio da proibição do retrocesso ambiental em nosso ordenamento jurídico, à luz dos avanços alcançados no cenário dos tratados e convenções internacionais, garantindo-se o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, para as presentes e futuras gerações. A proibição do retrocesso é um princípio que pode ser aplicado como fonte do direito ambiental, tendo em vista que o direito ao meio ambiente se afirma como parte do jus cogens, de hierarquia material reconhecida, possibilitando maior proteção de seus valores em detrimento de outros. Verifica-se, no ordenamento jurídico brasileiro, a consagração do direito ao meio ambiente como direito fundamental e que a degradação ou retrocesso de sua proteção colocam em risco o direito à vida, não sendo permitido suprimir ou diminuir os patamares alcançados até o presente momento. Palavras-chaves: Constituição Federal de 1988. Direito ao meio ambiente. Proibição do retrocesso.
ABSTRACT The right to an ecologically balanced environment is considered as a fundamental human right, essential as it is to the quality of life, demanding progressive protection as well as engaging the responsibility of the entire society. Considered this, the present work aims to show the importance of the non-regression principle in Brazilian Law, considered the improvements reached in the international scene – by the means of declarations, treaties and conventions – ensuring the right to a sane and balanced environment, for the present and future generations. The non-regression principle may be used as a source of Environmental Law, considering that the right to the environment may be considered as part of the jus cogens norms, with a recognized material hierarchy, which ensures a better protection of its values in face of others. The right to a healthy environment is recognized by Brazilian Law; thus, environmental degradation or environmental norms regression put the very right to life at risk. In this way, one may not allow any suppression or reduction in the standards achieved until now, concerning environmental protection. Keywords: 1988 Brazilian Constitution. Right to the environment. Nonregression.
1 INTRODUÇÃO A atividade humana marcada predominantemente pela produção em larga escala, o consumismo exacerbado como consequência da industrialização, acarretou em sérios prejuízos ao meio ambiente, como por exemplo, a degradação dos recursos naturais, diminuição da diversidade biológica e, em decorrência disso, o desequilíbrio ecológico. No curso da evolução da sociedade industrial, o ser humano perdeu o domínio dos efeitos colaterais negativos que a ação antropológica ocasionou no ecossistema. Esses
efeitos passaram a ter dimensões globais, não respeitando linhas de fronteira, tampouco linhas cronológicas. Pode-se vislumbrar um efeito cascata, como se nota emissão exacerbada dos gases de efeito estufa, o que por certo, contribui para a retenção de calor na atmosfera e causa desequilíbrios climáticos, além de efeitos colaterais pouco previsíveis, como o derretimento das calotas polares, que gera um aumento nos níveis dos oceanos colocando em risco a diversidade biológica da fauna, da flora, e até mesmo o ser humano. Gradativamente, no entanto, essa mesma sociedade vem se conscientizando sobre muitos impactos negativos de seu modo de vida, os quais resultam em agressões direitas e indiretas ao meio ambiente e, por conseguinte, à sociedade. Essa conscientização por parte da comunidade internacional, culminou na realização do primeiro encontro sobre o ambiente humano, em Estocolmo, na Suécia, em 1972. A grande contribuição dessa conferência foi a elaboração da Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, texto no qual se reconheceu que o meio ambiente equilibrado é um direito humano fundamental, elemento que influenciou as legislações internas de diversos países. Nessa esteira evolutiva é importante destacar que a última conferência global sobre meio ambiente, realizada pela ONU no Rio de Janeiro em 2012, afirmou o princípio da vedação do retrocesso ambiental, ao destacar, no parágrafo 20 da declaração final, que “[...] it is critical that we do not backtrack from our commitment to the outcome of the United Nations Conference on Environment and Development” (ONU, 2012, p. 5). Em nível brasileiro, a tutela do ambiente se perfaz mais claramente a partir da adoção de uma política nacional do meio ambiente, havendo atingido seu ápice com o advento da Constituição de 1988, quando as normas de proteção ambiental alcançaram níveis constitucionais. O direito ao meio ambiente foi consagrado como direito fundamental de terceira geração e é o marco do Estado Democrático Socioambiental de Direito. A previsão constitucional expressa no artigo 225, traduz o caráter dúplice do direito fundamental ao meio ambiente na medida em que as responsabilidades são divididas entre o Estado e a sociedade, pois todos devem proteger e promover o ambiente para as presentes e futuras gerações. Sendo assim, o Poder Público se obriga a adotar medidas voltadas à tutela ambiental, garantindo a manutenção e a ampliação dos níveis de proteção até agora consolidados. A partir dessa afirmação, deve-se abrigar nessa proteção a impossibilidade de alterações legislativas que extingam ou diminuam o patamar atingindo na busca da preservação do meio ambiente, sob a fundamentação do princípio da proibição do retrocesso ambiental, observada a abordagem dos direitos humanos e do direito constitucional. Neste contexto, o objetivo do presente artigo é o de, considerada uma abordagem histórico-evolutiva sobre a juridicização da proteção do meio ambiente, verificar a relação dos direitos humanos com a mesma e, constatada a existência de um direito fundamental ao meio ambiente, demonstrar que há um princípio específico no Direito Ambiental com
raízes e irradiação constitucionais e internacionais, estampado na proibição do retrocesso ambiental. E que, em razão desse princípio, o direito ao meio ambiente exige a obediência da cláusula de progressividade, não podendo mais figurar no leque de disponibilidade do poder constituinte reformador derivado, tampouco à mercê do legislador infraconstitucional. É, também, compreender que o princípio da vedação do retrocesso ambiental garante a tutela do direito humano mais importante: o direito à vida. Consequentemente reforça a efetividade do meio ambiente sadio, a busca do desenvolvimento sustentável e a proteção do patrimônio comum para as presentes e futuras gerações. Tratemos, portanto, de abordar a questão a partir da afirmação do direito fundamental ao meio ambiente no Brasil.
2 O DIREITO AO MEIO AMBIENTE E O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO NO DIREITO BRASILEIRO Em linhas gerais, o direito ambiental cuida de prevenir e punir os atos omissivos ou comissivos que possam causar ou efetivamente gerem desequilíbrios e danos ao meio ambiente, seja ele natural ou humano. Na esfera jurídica brasileira nota-se o caráter dúplice desse direito, que tem a todos como destinatários, mas também a essas mesmas pessoas, ademais dos poderes públicos, como os principais atores e executores das políticas de meio ambiente, na medida em que todos devem agir em conformidade com as normas e políticas estabelecidas pelo Estado e este, de acordo com os tratados internacionais multilaterais a que tenha aderido. Conforme ilustra Mazzuoli (2011, p. 977), “[...] a preocupação com o meio ambiente e a formação de um corpus juris de proteção ambiental são fenômenos bastante recentes na História da Humanidade”. Mas amparados na presente pesquisa, através dos inúmeros instrumentos internacionais que vinculam os direitos humanos ao meio ambiente, pode-se afirmar, em coro com Sarlet e Fensterseifer (2013, p. 287), que a humanidade percorre um caminho no sentido de ampliar a proteção da dignidade da pessoa humana, baseando-se na ideia de um “patrimônio político-jurídico” consolidado ao longo do percurso histórico da civilização, para aquém do qual não se deve retroceder. A partir dessa argumentação, salvaguardados pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, fica clara a ideia central do princípio da proibição do retrocesso ambiental. Vale dizer, a de que, em se tratando de um direito fundamental – o direito ao meio ambiente –, não pode o legislador infraconstitucional regredir em matéria ambiental, já consolidada pelo poder constituinte.
3 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 Influenciado pelo ordenamento internacional e consolidado através de Convenções e Declarações internacionais, observam-se avanços em nossa legislação, principalmente a partir da CF/88, que foi o primeiro texto constitucional brasileiro a destinar um capítulo específico à temática ambiental, havendo dedicado, ademais, outros dispositivos destinados à sua proteção, promoção e conservação. Apesar desses dispositivos não figurarem no capítulo sobre direitos e garantias fundamentais, a doutrina considera, a exemplo de Machado, Sarlet e Fensterseifer (2013), que os direitos ligados ao plano do meio ambiente, são direitos fundamentais, e por essa qualidade estão ao abrigo do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal Brasileira de 1988. O caput do art. 225, da CF/88, é antropocêntrico na medida em que coloca o homem no centro da tutela do direito ao meio ambiente. Trata-se de um direito fundamental da pessoa humana e o bem jurídico tutelado é de uso comum do povo, sendo essencial à sadia qualidade de vida. Impõe-se um dever solidário entre o Estado e a coletividade, cabendo a ambos defender e proteger o meio ambiente. O referido dispositivo consagra ainda, um direito de caráter intergeracional, tendo a geração atual o direito de gozá-lo, mas sem deixar que esse usufruto impacte negativamente na fruição das futuras gerações. E é aí que entra o papel do Estado, através do seu poder-dever para garantir a efetividade desse direito, por intermédio de políticas públicas ambientais eficazes. Nesse sentido Molinaro (2007, p.103) afirma: No caso brasileiro, matizado pela Carta de 1988, sem dúvida podemos caracterizá-lo como um Estado Socioambiental e Democrático de Direito, por força expressiva da complexidade normativa esculpida no seu art. 225. Ali se supera, como já afirmamos, a dicotomia público/privado – onde todos se obrigam em manter o equilíbrio e a salubridade deste “lugar de encontro” que é o ambiente (seja ele natural ou cultural), e a todos, Estado e cidadãos e cidadãs, são cometidos direitos e deveres, pretensões e obrigações presentes e futuras (solidariedade intergeracional) inderrogáveis, já que o direito ao ambiente sadio é essencial à vida, e como direito fundamental, está ao abrigo do art. 60, ş 4º, IV.
Convém salientar que o direito fundamental ao meio ambiente é determinado a partir da ideia social do futuro, na medida em que o futuro chama à responsabilidade de todos os membros da sociedade e do Estado, esta obrigação consta expressamente no texto constitucional do art. 225, caput, da Carta de 1988. Nesse contexto, Sarlet e Fensterseifer afirmam que o próprio texto constitucional consagra o direito ao meio ambiente, como direito fundamental: A CF 88 (Art. 225, Caput, e Art. 5o Par. 2o) atribuiu ao direito ao ambiente o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, bem como consagrou a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado – Socioambiental – de Direito Brasileiro, o que conduz ao reconhecimento, pela ordem constitucional, da dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, a qual toma a forma simultaneamente de um objeto e tarefa estatal e de
um direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade, implicando todo um complexo de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico. A partir das considerações, resulta caracterizada a obrigação do Estado de adotar medidas – legislativas e administrativas – atinentes à tutela ecológica, capazes de assegurar o desfrute adequado do direito fundamental em questão. [...] Nesse sentido, uma vez que a proteção do ambiente é alçada ao status constitucional de direito fundamental (além de tarefa e dever do Estado e da sociedade) e o desfrute da qualidade ambiental passa a ser identificado como elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, qualquer “óbice” que interfira na concretização do direito em questão deve ser afastado pelo Estado, seja tal conduta (ou omissão) obra de particulares, seja ela oriunda do próprio Poder Público. (Sarlet e Fensterseifer, 2013, p. 275-276).
Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que o meio ambiente possui status de cunho fundamental, por exprimir valores essenciais ao interesse público, sendo parte do núcleo essencial desse direito. Possui natureza peculiar em relação à sua titularidade, uma vez que a responsabilidade para garanti-lo vai além dos indivíduos em sua visão particular, ou seja, é transindividual. Ressalte-se que os direitos fundamentais não possuem um núcleo engessado, podendo estar dispersos dentro do texto constitucional. Intrinsecamente, o direito ao meio ambiente traz a mais importante característica, que é a sua fundamentalidade material. Seja ela objetiva, na medida em que a sua preservação ou degradação influenciam diretamente no direito à sadia qualidade de vida, fim último do Estado Democrático de Direito, seja no sentido subjetivo, que diz respeito à importância dessa norma para o desenvolvimento individual de seu titular. Benjamin (2012) confirma esse caráter fundamental do direito ao meio ambiente: A fundamentalidade do direito justifica-se, primeiro, em razão da estrutura normativa do tipo constitucional (“Todos têm direito...”); segundo, na medida em que o rol do art. 5º, sede principal de direitos e garantias fundamentais, por força do seu §2º, não é exaustivo (direitos fundamentais há – e muitos – que não estão contidos no art. 5º); terceiro porquanto, sendo uma extensão material (pois salvaguarda suas bases ecológicas vitais) do direito à vida, garantindo no art. 5º, caput, reflexamente, recebe deste as bênçãos e aconchego [...]. (BENJAMIN, 2012, p. 128)
À luz das perspectivas material e formal (art. 5º, § 2º da CF), o direito ao ambiente está resguardado contra reformas que visem à supressão ou ao esvaziamento de seu conteúdo. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito inerente aos direitos fundamentais de cada ser humano e, dentro desse prisma, os “direitos e garantias individuais” estão inseridos no texto constitucional, não podendo ser objeto de deliberação a proposta de emenda à Constituição tendente a aboli-los (art. 60, § 4º, IV, da CF). São as chamadas “cláusulas pétreas”. Essas normas visam, sobretudo, a proteger o direito adquirido, à segurança jurídica e ao princípio da dignidade humana. Dessa forma, a base constitucional vem atuar sobre esse direito, mantendo sua imutabilidade e evidência. De acordo com Sarlet e Fensterseifer (2013, p. 241), “[...] outra não poderia ser a interpretação constitucional dada ao direito-dever de proteção do ambiente, em vista da consagração da sua jusfundamentalidade”. Assim, ao declarar que a qualidade do meio ambiente é prerrogativa imprescindível a uma vida saudável e digna, o constituinte inclui a proteção ambiental entre os valores
fundamentais, devendo ser preservado de maneira permanente. Respaldando esse entendimento, observa-se na jurisprudência pátria decisões que consideram o direito ao meio ambiente como um direito fundamental.
4 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA E O DIREITO AO MEIO AMBIENTE Relativamente ao direito fundamental ao meio ambiente, não há controvérsia em nossa doutrina, principalmente quanto ao seu caráter de fundamentalidade material. Corroborando com esse entendimento, a jurisprudência também o reconhece como integrante do rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, mesmo em não estando expressamente no Título II da CF/88, invocando-se o disposto no art. 5º, §2º, da CF, posto que já está superada a fundamentalidade formal, isto é, apenas aqueles que estão reconhecidos expressamente. Oportunamente, faz-se referência ao voto do Ministro Celso de Mello, na ADI 3.4501 DF, que destacou titularidade difusa e coletiva do meio ambiente, por isso o dever da sociedade e do Estado em tutelar o meio ambiente em prol das presentes e das futuras gerações, por se tratar de um direito fundamental. De acordo com sua dimensão objetiva, esses direitos devem permanecer sempre na ordem jurídica como garantia de todos. A garantia, então, não seria deste ou daquele sujeito, mas de toda a sociedade, daí o porquê surge o dever de solidariedade. Nesse sentido, o STF reconhece a titularidade coletiva, o dever de solidariedade na proteção do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais, e por se tratar de um direito humano, indisponível e fundamental, necessita de preservação permanente. A NECESSIDADE DE O SEU TITULAR UTILIZAR ADEQUADAMENTE OS RECURSOS NATURAIS DISPONÍVEIS E DE FAZER PRESERVAR O EQUILÍBRIO DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 186, II), SOB PENA DE, EM DESCUMPRINDO ESSES ENCARGOS, EXPOR-SE A DESAPROPRIAÇÃOSANÇÃO AQUE SE REFERE O ART. 184 DA LEI FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. - O DIREITO A INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE - TÍPICO DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO - CONSTITUI PRERROGATIVA JURÍDICA DE TITULARIDADE COLETIVA, REFLETINDO, DENTRO DO PROCESSO DE AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, A EXPRESSÃO SIGNIFICATIVA DE UM PODER ATRIBUÍDO, NÃO AO INDIVIDUO IDENTIFICADO EM SUA SINGULARIDADE, MAS, NUM SENTIDO VERDADEIRAMENTE MAIS ABRANGENTE, A PRÓPRIA COLETIVIDADE SOCIAL. ENQUANTO OS DIREITOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO (DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS) - QUE COMPREENDEM AS LIBERDADES CLÁSSICAS, NEGATIVAS OU FORMAIS - REALÇAM O PRINCÍPIO DA LIBERDADE E OS DIREITOS DE SEGUNDA GERAÇÃO (DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS) - QUE SE IDENTIFICA COM AS LIBERDADES POSITIVAS, REAIS OU CONCRETAS - ACENTUAM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, OS DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, QUE MATERIALIZAM PODERES DE TITULARIDADE COLETIVA ATRIBUÍDOS GENERICAMENTE A TODAS AS FORMAÇÕES SOCIAIS, CONSAGRAM O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E CONSTITUEM UM MOMENTO IMPORTANTE NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO, EXPANSÃO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS, CARACTERIZADOS, ENQUANTO VALORES FUNDAMENTAIS INDISPONÍVEIS, PELA NOTA DE UMA ESSENCIAL INEXEQUIBILIDADE. (STF. MS n° 22.164-SP. Rel. Min Celso de Mello. DJU de 30/10/1995, p. 39206).4
Cumpre ressaltar o voto da Ministra Eliana Calmon do STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 1.120.117/AC, entendendo que o direito ao pedido de reparação de danos ambientais não se submete à regra da prescritibilidade, por estar relacionado à violação do direito à vida. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – DIREITO AMBIENTAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL – PEDIDO GENÉRICO – ARBITRAMENTO DO QUANTUM DEBEATUR NA SENTENÇA: REVISÃO, POSSIBILIDADE – SÚMULAS 284/STF E 7/STJ. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. (...) O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. (Grifo nosso) (STJ. REsp n. 1.120.117-AC).5
O próprio legislador constituinte previu que não há necessidade de provar o nexo causal em condutas danosas ao meio ambiente para que se configure a obrigação de indenizar. O § 3º do art. 225 da CF/88, dispõe que: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Prever a imprescritibilidade do direito de reparar esse tipo de dano, evidencia ainda mais a fundamentalidade de tal direito, além da característica intergeracional, merece a proteção permanente, notadamente por se tratar de patrimônio comum da coletividade.6 Verifica-se, portanto, a partir desses precedentes jurisprudenciais – aqui trazidos como referências – que os nossos tribunais têm reconhecido ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a condição de direito e garantia fundamental da cidadania, notadamente pelo fato de que se trata de direito essencial à sadia qualidade de vida. E, mais, confirma-se no direito ao ambiente o seu caráter intergeracional, por incluir em seu âmago as gerações ainda inexistentes. E, diante de sua importância, refletida nessa solidariedade entre gerações, mas também em sua essencialidade para garantir o direito à vida digna para o ser humano7 – abarcando, inclusive, a proteção do patrimônio cultural – é certo que a cláusula da progressividade está presente na afirmação desse direito. Isso porque é necessário garantir os avanços obtidos na proteção ambiental, como é necessário buscar atingir níveis mais altos de proteção do meio ambiente. Em relação ao meio ambiente em nosso ordenamento jurídico, as explanações doutrinárias, a jurisprudência dos Tribunais, bem como a própria a Constituição Federal demonstram tratar-se de um direito fundamental. Daí o porquê retirado da plena disponibilidade do legislador constituinte reformador. Esses dois aspectos são os argumentos mais contundentes para a aplicação do princípio da vedação do retrocesso ambiental na legislação pátria, o que será confirmado
adiante.
5 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL O fundamento principal do direito ambiental é o de garantir o mínimo de poluição e a conservação da diversidade ecológica, visando à melhoria constante do meio ambiente, como atesta Michel Prieur: O Direito do Ambiente, constituído por um conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta contra as poluições. Ele se define, portanto, em primeiro lugar pelo seu objeto. Mas é um Direito tendo uma finalidade, um objetivo: nosso ambiente está ameaçado, o Direito poder vir em seu socorro, imaginando sistemas de prevenção ou de reparação adaptados a uma melhor defesa contra as agressões da sociedade moderna. Então o Direito do Ambiente, mais do que a descrição do Direito existente, é um Direito portador de uma mensagem, um Direito de um futuro e da antecipação, graças ao qual o homem e a natureza encontrarão um relacionamento harmonioso e equilibrado. (PRIEUR, apud MACHADO, 2014, p. 58)
Contraditoriamente, o núcleo essencial do direito ambiental está constantemente ameaçado, principalmente devido à ocorrência de inúmeras catástrofes ambientais, o que vem exigindo de grande parte dos países atenção especial quanto à previsão legal em seus textos constitucionais, notadamente por se tratar de um direito humano consagrado. Por se tratar o meio ambiente de um patrimônio ou bem de interesse comum, há de se questionar se o direito ao ambiente deveria figurar no polo das normas jurídicas imutáveis, o que no direito interno brasileiro seriam as chamadas cláusulas pétreas, previstas no art. 60, § 4º, da CF/88. Isso porque a redução da proteção das regras de direito ambiental ocorre em várias esferas, e sob os mais diferentes tipos de argumentação. Na esfera política, a vontade do legislador em desmistificar as legislações ambientais acaba criando inúmeras normas jurídicas esparsas, ao invés de leis contundentes específicas. No campo econômico, existe o confronto de ideias entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, que redunda, por exemplo, em críticas à sustentabilidade diante de situações de crise econômica – ela contribuiria à estagnação do crescimento econômico, deixando de contribuir para a erradicação da pobreza. Trata-se de verdadeiro contrassenso diante da noção de economia verde. Segundo Prieur (2012, p. 20), há também ameaças psicológicas, pois o crescente número de normas jurídicas em matéria ambiental dificulta o entendimento e o acesso dos cidadãos, o que reflete na argumentação que essa dificuldade deveria incidir na redução das obrigações da esfera jurídica ambiental. Vistos esses elementos, é certo que o princípio da proibição do retrocesso em matéria ambiental impede a restrição ou a extinção desse direito ao ambiente, seja mediante alterações legislativas ou interpretações concretizadas. Na doutrina, tal princípio também é conhecido como vedação do retrocesso, cláusula
limite, cláusula de não retrocesso, e cláusula de progressividade ou irreversibilidade. De acordo com Prieur (2012), que utiliza a terminologia cliquet anti-retour, sendo um dos responsáveis por difundir esse, e outros princípios em direito ambiental pelo mundo: Para promover a não regressão como um novo princípio fundamental do Direito Ambiental, convém ter apoio numa argumentação jurídica que funda um novo princípio, que se agrega aos princípios já reconhecidos: prevenção, precaução, poluidor-pagador e participação do público. As bases dessa argumentação jurídica repousam sobre três elementos: a própria finalidade do Direito Ambiental, a necessidade de se afastar o princípio de mutabilidade do direito e a intangibilidade dos direitos humanos. (PRIEUR, 2012, p. 22)
Esses princípios podem ser úteis para consolidar a vedação do retrocesso, no sentido de que a prevenção impede o recuo das proteções, a precaução garante a irredutibilidade, enquanto que a efetiva participação da sociedade permite o constante controle do cidadão. O autor é categórico ao afirmar a indispensabilidade desse princípio para a garantia do mais intangível dos direitos humanos: o direito à vida, com a efetiva preservação e sobrevivência em face das ameaças sofridas pelo planeta. O direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, assim como qualquer outro direito fundamental, a exemplo do direito à vida, não importando sua geração ou dimensão, deve ser garantido, em sua dualidade, a todo ser humano, sem qualquer distinção, em conjunto com outras prerrogativas essenciais para uma vida digna. De acordo com Molinaro (2012, p. 76) “[...] tem, necessariamente, que ser encarado desde uma perspectiva global, já que a contaminação, a degradação ambiental, enfim a salvaguarda da integridade do ambiente não obedece a fronteiras políticas ou geográficas”.
6 OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E AS CLÁUSULAS PÉTREAS Ao retirar algumas matérias da disponibilidade do poder constitucional de revisão, a CF/88 salvaguardou os direitos essenciais do Estado Democrático de Direito. E, mesmo que a doutrina não seja unânime em relação a estar ou não contemplado dentre as cláusulas pétreas o direito ao meio ambiente – difuso por sua natureza – é certo que podemos verificar que o dispositivo constitucional do art. 60 § 4º, IV, não deve ser interpretado de maneira a contemplar apenas os direitos individuais. No dizer de Leite (2012, p. 226): Deixe-se frisado que o direito fundamental ao meio ambiente não admite retrocesso ecológico, pois está inserido como norma e garantia fundamental de todos, tendo aplicabilidade imediata, consoante o art. 5º, §§ 1º e 2º, da Constituição. Além do que o art. 60 § 4º, IV, também da Carta Magna, proíbe proposta de abolir direito fundamental ambiental, nesse sentido considerado cláusula pétrea devido à sua relevância para o sistema constitucional brasileiro, como direito social fundamental da coletividade. (Grifos nossos)
Percebe-se que a Constituição, a par da essencialidade do equilíbrio ecossistêmico, salvaguardou deveres fundamentais de proteção ao meio ambiente. Estabeleceu-se um sistema de responsabilidade solidária, nominado de democracia social ambiental por Leite (2012), de modo que Estado e sociedade devem conjunta e separadamente preservar um patrimônio comum, que é primordial à garantia de uma sadia qualidade de vida. Conforme já mencionado, o direito ao meio ambiente é um direito fundamental, dentre outras argumentações, por ser corolário do direito à vida, que está amparado no rol dos direitos e garantias individuais. Por essa razão deve ser estendido ao abrigo das cláusulas pétreas, como se pode notar, inclusive, dos dizeres de Cretella Junior (1993, p. 4518): O meio ambiente, ecologicamente equilibrado, é essencial à vida humana. O art. 5º garante aos cidadãos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no Brasil, a inviolabilidade do direito à vida [...] O homem depende do meio ambiente, que pode ser hostil, ameaçando-lhe a vida, ou hospitaleiro, ensejando-lhe sadia qualidade de vida.
Por essa razão, o direito ao meio ambiente está materialmente inserido no rol dos temas que constituem limites ao poder de reforma da Constituição, o que lhe confere, assim, o status de cláusula pétrea. Esse status jurídico está diretamente ligado ao princípio de proibição do retrocesso ambiental, o qual, aliás, não está expresso na CF/88, e os positivistas podem, eventualmente, recorrer a esse argumento, para a não aplicação de tal princípio, mas que há muito foi superado pela Teoria dos Direitos Fundamentais. Essa teoria prevê a existência de princípios hermenêuticos que, de acordo com Canotilho (1997, p. 1035): “[...] podem revelar normas que não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos juristas, sobretudo aos juízes, o desenvolvimento, integração e complementação do direito”. A maior polêmica acerca desse princípio está na negativa de vinculação das gerações futuras aos projetos políticos e leis atuais. Devido ao interesse comum da coletividade, sua proteção está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana, e à constante evolução no contexto histórico que o constituinte não é capaz de prever, não devendo ser considerada por ser totalmente dissociada da preservação do meio ambiente. Nesse sentido, Canotilho (1997, p. 943) afirma que: Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos históricos, e, consequentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu a sua força normativa. Mas há também que assegurar a possibilidade de as constituições cumprirem a sua tarefa e esta não é compatível com a completa disponibilidade da constituição pelos órgãos de revisão, designadamente quando o órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário.
Depreende-se das palavras de Canotilho (1997) a necessidade de uma segurança jurídica, consequência da segurança do direito, sendo este referente à positividade do direito, cujo fundamento de validade está na Constituição. E vincula-se à garantia geral de direitos que estão consagrados constitucionalmente. Na verdade, essa é a garantia de que a Constituição vá cumprir seu papel, mantendo
a sua identidade. Relativamente ao meio ambiente, não se pode admitir que o futuro caminhe para diminuir a sua proteção, o que ensejará danos à qualidade de vida das futuras gerações, posto que os direitos humanos e o direito ao meio ambiente fogem à regra da mutabilidade do direito. Não se trata de revogação de uma regra constitucional, lei ou decreto, e sim, de uma nova norma que suprima ou revogue outras que tratem da manutenção da diversidade ecológica, da diminuição de gases poluentes ou da preservação de áreas ambientalmente relevantes. Em se mantendo o quadro atual, seria como admitirmos que as futuras gerações vivessem em um ambiente menos sadio e, em matéria de direitos humanos, seria o mesmo que aceitar, por exemplo, o retorno do trabalho escravo. A Constituição Federal de 1988 é um sistema aberto, com princípios e regras fundamentados na dignidade da pessoa humana, possuindo garantias e direitos fundamentais, e se constitui num verdadeiro núcleo essencial do nosso ordenamento. O Ministro do Superior Tribunal de Justiça Antônio Herman Benjamin, na Ação Civil Pública ambiental 0701.12.021.342-9 da 5ª Vara Cível de Uberaba, enfatiza sobre o Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental, que a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e a segurança jurídica são conquistas pós-modernas, e não se pode deixar à geração atual, tampouco às futuras, a total liberdade para nelas realizar expansões e ajustes legislativos. É o que se nota do trecho abaixo, extraído de seu voto: Em tal contexto crescentemente se afirma o princípio da proibição de retrocesso, sobretudo quanto ao chamado núcleo legislativo duro do arcabouço do Direito Ambiental, isto é, os direitos e instrumentos diretamente associados à manutenção do “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e dos “processos ecológicos essenciais”, plasmados no art. 225 da Constituição de 1988.8
Depreende-se, assim, que o texto constitucional prevê expressamente várias medidas protetivas a serem adotadas pelos órgãos públicos, ou seja, são normas que conferem ao Estado o dever de proteger o meio ambiente. Algumas dessas medidas impostas ao Estado estão elencadas no art. 225, da CF/88, e seus incisos: I) Preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II) preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas a pesquisa e manipulação de material genético; III)definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substanciais que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização publica para a preservação do meio ambiente; e VII) proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”9
Em decorrência dos avanços tecnológicos, da descoberta de novas técnicas, do
aumento populacional, observa-se a imprevisibilidade do surgimento de novos riscos e ameaças à natureza, na medida em que esse rol é meramente exemplificativo, abrindo espaço para outros deveres, como reconhecem Fensterseifer e Sarlet (2013, p. 281-282). A proibição do retrocesso opera na salvaguarda dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, aplicando de imediato o princípio da segurança jurídica que atinge os cidadãos e a coletividade. Daí, recusar a existência e a aplicação da proibição do retrocesso significa aceitar que o legislador possa interferir nessa seara normativa e dispor livremente, mesmo ciente de que há um dever maior de proteção estabelecido pelo constituinte. Parte da doutrina entende que a cláusula de não regressão atinge o que conhecemos como núcleo essencial dos direitos fundamentais, intangível pelo legislador. Esse é o entendimento de Fensterseifer e Sarlet (2013, p. 293): Por certo, a proibição de retrocesso se expressa a partir da ideia de proteção dos direitos fundamentais, especialmente no que tange ao seu núcleo essencial, na medida em que a tutela e o exercício efetivo de tais direitos só são possíveis onde esteja assegurado um nível mínimo de segurança jurídica e previsibilidade do próprio ordenamento jurídico objetivo, bem como dos direitos subjetivos dos cidadãos. A violação perpetrada ao núcleo essencial de determinado direito fundamental, por sua vez, resulta na inconstitucionalidade da medida legislativa ou administrativa em questão. Por forca do art. 5° § 1°, da nossa Lei Fundamental, e imposta a proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas contra a atuação do poder de reforma constitucional (em combinação com o art. 60, que dispõe a respeito dos limites formais e materiais as emendas constitucionais), mas também contra o legislador ordinário e os demais órgãos estatais (em vista de que medidas administrativas e decisões jurisdicionais também podem atentar contra a segurança jurídica e a proteção de confiança), os quais são incumbidos de um dever permanente de desenvolvimento e concretização dos direitos fundamentais, o que não permite, em qualquer hipótese, a supressão ou restrição desses de modo a invadir o seu núcleo essencial, bem como, atentar, de outro modo, as exigências do princípio da proporcionalidade.
Assim sendo, o que não se pode modificar é o chamado núcleo essencial da norma, de modo que se prejudique o que já foi anteriormente modificado. A intenção é assegurar o grau mínimo de segurança jurídica, visando a evitar, por exemplo, que a proteção de um ecossistema ou de uma espécie, assim como a instituição de áreas de preservação seja objeto de eventuais ajustes legislativos que possam caracterizar retrocesso. O legislador fica, portanto, impedido de suprimir essa proteção. Poderá, se for o caso, reduzir a sua amplitude, mas jamais extinguí-la. Ratifica-se, desse modo, a proibição do retrocesso, na medida em que se protege o núcleo essencial do direito, e não toda a sua completude, a ponto de proibir uma nova conformação jurídica. Entretanto, há posicionamentos divergentes na doutrina que afirmam que essa regra não se aplica ao meio ambiente, pois isso significaria um recuo de um direito, podendo torná-lo ineficaz. Portanto, a redução de obrigações jurídicas nessa área poderia ser considerada uma verdadeira violação ao direito ao meio ambiente. Este, aliás, é o posicionamento de Prieur (2012), consoante o seguinte argumento: Entendemos, todavia, que o conceito é perigoso: não existe um mínimo essencial em matéria ambiental, já que não há senão um nível adequado de proteção, consideradas as tecnologias disponíveis. (...) o conceito de conteúdo mínimo de direitos deveria, contudo, ser objeto de reflexão especial, adaptada à
matéria ambiental. Não deveria constituir um pretexto para reduzir abusivamente os limites de proteção ambiental. As análises feitas em matéria de conteúdo mínimo no âmbito social não deveriam ser estendidas sistematicamente à seara ambiental, posto que a história e os dados de ambos não permite que se confundam. (PRIEUR, 2012, p. 41).
Nesse sentido, propaga-se a ideia de imutabilidade de regras jurídicas que versem sobre meio ambiente, dada a importância de que se reveste, não se permitindo ao legislador, como já mencionado, extinguir direitos universalmente aceitos, nem interferir para suprimir ou abolir esses direitos. Nosso entendimento é no sentido daquele de Michel Prieur e José Antônio Tietzmann, no sentido de não defenderem a tese de proteção mínima em matéria ambiental, e sim garantir a progressividade da sua proteção.
7 ALGUNS EXEMPLOS DE RETROCESSO NO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO Apesar dos elementos acima elencados, os quais demonstram a presença de uma cláusula de progressividade na proteção ambiental e na afirmação do direito ao ambiente, notam-se casos, no âmbito jurídico interno, de “simplificação” das leis. É, citando Sarlet e Fensterseifer (2013, p. 306), um processo de “flexibilização” da legislação ambiental brasileira. Trazemos à baila dois exemplos de retrocesso: a edição da Lei Complementar 140/2011, que trata da competência comum em matéria ambiental, ensejando oportunidade para o esvaziamento das competências ambientais de órgãos federais e estaduais; e a promulgação da nova lei florestal (Lei 12.651/2012), com dispositivos que reduzem os níveis de proteção ambiental vigentes e consagrados em legislação federal anterior, o Código Florestal de 1965.
8 A LEI COMPLEMENTAR 140/ 2011 A Lei Complementar 14010, publicada em 08 de dezembro de 2011, fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal de 1988, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora. Ainda que a Constituição de 1988 já previsse competência comum entre os entes federados na atuação em matéria ambiental, a fixação de normas de cooperação entre os mesmos dependia da edição de lei complementar. Assim, a Lei Complementar 140 de 08 de dezembro de 2011 veio a dispor sobre a competência dos entes federados quanto ao
licenciamento das atividades e empreendimentos modificadores do meio ambiente. Há que se ressaltar que a LC 140 não dispõe sobre os limites à referida competência comum (FERREIRA, 2012). Assim, para um melhor entendimento sobre a questão da competência, esta é percebida como: [...] congregação das atribuições juridicamente conferidas a determinado nível de governo visando à emissão das suas decisões no cumprimento do dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. (FERREIRA, 2012, p. 234)
Embora o artigo 23 da Constituição já previsse a responsabilidade compartilhada entre a União, os Estados e os Municípios quanto à proteção do meio ambiente e o licenciamento ambiental, foi com o advento da Lei Complementar 140 que a atuação dos entes federados obteve regulamentação, no intuito de trazer maior segurança jurídica aos executores da Política Nacional do Meio Ambiente, assim como aos aplicadores do Direito. Nos dizeres de Machado (2012, p. 68) “[...] a lei complementar, contudo, não consegue, por ela mesma, evitar sobreposição, isto é, a duplicidade ou até a intervenção tríplice.” Além disso, na Lei Complementar 140, ficam definidos termos como licenciamento ambiental, atuação supletiva e atuação subsidiária. Por licenciamento ambiental entendese o “procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.” Já por ação supletiva entende-se a “ação do ente da Federação que se substitui ao ente federativo originariamente detentor das atribuições, nas hipóteses definidas nesta Lei Complementar.” A atuação subsidiária é a “ação do ente da Federação que visa a auxiliar no desempenho das atribuições decorrentes das competências comuns, quando solicitado pelo ente federativo originariamente detentor das atribuições definidas nesta Lei Complementar.” A Lei Complementar 140 fixa que a responsabilidade pelo licenciamento ambiental é uma atribuição que deve ser compartilhada entre os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), nas três esferas de Governo (Federal, Estadual e Municipal), cabendo a todos a responsabilidade pelo controle, licenciamento e fiscalização para a proteção e preservação ambiental. Todavia, conforme já elucidado, essa Lei não o faz de maneira satisfativa, pois, as atribuições administrativas dos entes do SISNAMA não foram assim delineadas. E o esvaziamento das competências foi um dos argumentos utilizado pelo Deputado Federal Sarney Filho, por meio do Requerimento de Indicação n. 194311, solicitou que a Presidente Dilma Rousseff tomasse providências no sentido de vetar o projeto. Isso porque retirar o licenciamento de grandes empreendimentos e atividades significantes, bem como remover o seu controle e fiscalização das atribuições do IBAMA, enfraquece a proteção de recursos naturais, pois, muitas vezes, os Estados e Municípios não dispõem de estrutura e são vulneráveis às pressões políticas e empresariais. O parlamentar destaca, ainda: Isso representa enorme retrocesso na gestão ambiental integrada, até por se considerar que a presente
proposição destina-se a dispor sobre a forma de cooperação entre os entes federativos, na execução de competências comuns e não para suprimir competências comuns, como previstas no artigo 23 de Constituição Federal. (apud, FERREIRA, 2012, p. 247)
Outra crítica sofrida pela Lei Complementar 140 está no fato de remeter as competências para o licenciamento ambiental dos entes federativos a tipologia específica, a ser estabelecida pelo Poder Executivo, a partir do trabalho das comissões tripartites nacional e estaduais, assim como da Comissão Bipartite do Distrito Federal. Note-se, outrossim, a ampla possibilidade de delegação de competência aos municípios para a promoção do licenciamento ambiental, conforme indicado no artigo 9º, XIV, “a”: São ações administrativas dos Municípios. XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou12
De acordo com Machado (2012), esses pontos violam o art. 170, parágrafo único, da Constituição, que diz: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.13Isso porque: Os valores ambientais valorizados nos arts. 170 e 225 da Constituição podem e devem coexistir com a liberdade de iniciativa econômica, que poderá sofrer o procedimento de licenciamento ambiental ou autorização dos órgãos públicos, nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único). (MACHADO, 2012, p. 74)
Por ser norma hierarquicamente inferior à Constituição, a LC 140 está sujeita ao controle de constitucionalidade; não se pode aceitar que lei infraconstitucional venha a suprimir as garantias estabelecidas pela Carta Magna, e muito menos a criação de competências ambientais distintas daquela que pretende “regulamentar”: a competência comum, estabelecida pelo artigo 23 da Constituição.14 Além do mais, a composição das comissões Tripartite Nacional e Estadual, dispostas nos §§ 2º ao 5º, exclui a participação de membros da sociedade civil e do Poder Legislativo. Na LC 140 estão estabelecidas normas de cooperação a serem observadas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios nas ações administrativas emanadas do exercício da competência comum, referentes à proteção dos documentos, obras e bens de valor histórico, artístico e cultural, proteção ao meio ambiente, bem como de combate à poluição e preservação das florestas, fauna e flora. Entretanto, em coro com Pereira (2014), o que realmente se verifica com a LC 140 é um retrocesso no tocante à competência comum em matéria ambiental, por promover um esvaziamento das competências ambientais de órgãos federais e estaduais. Isso afetou de modo especial a competência em relação ao licenciamento ambiental e à fiscalização dos órgãos ambientais, visto como, em princípio, somente poderá controlar as atividades o órgão que as licenciou – ou que as deveria licenciar. Ademais, tem-se que a LC 140, em seu artigo 17, § 2º determina que, na iminência ou
ocorrência de degradação, fica o ente que tiver conhecimento do fato responsável por determinar as medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando ao órgão competente para as providências cabíveis. Entretanto, não resta na LC em comento se as medidas importam em autuação ou apenas medidas acautelatórias. Importante destacar que apenas a comunicação ao órgão licenciador, sem que haja a devida autuação, mesmo que se lavre embargo, não parece ser a forma mais segura da atividade administrativa. O próprio embargo, sem a multa, somente pode ser lavrado em condições excepcionais, quando não se tem certeza do dano ou quando se notifica para apresentar documentação pertinente, ou, ainda, quando há necessidade de apuração de algum elemento necessário à autuação. No curso de operação, o flagrante leva à autuação, visto que a comunicação ou simples notificação, além de poder importar em omissão, torna a atividade administrativa menos eficiente. Isto porque em momento futuro, caso haja necessidade de autuação, poderá ser custoso e difícil encontrar os responsáveis ou reconstituir os elementos de prova do dano. Nova atividade administrativa posterior importará sempre em mais custos. (PEREIRA, 2014)
É certo, porém, que em face de dano ou iminência de degradação ambiental, a autuação deva ser imediata, posteriormente à comunicação ao órgão licenciador, com encaminhamento do auto de infração e todos os documentos pertinentes ao fato ocorrido. Com a comunicação, o órgão licenciador pode (ou deveria) cumprir com sua obrigação de controle contínuo da atividade, em consonância ao disposto no art. 7º, XIII, 8º, XIII e 9º, XIII, referente às providências cabíveis. Mas, qual ente fará a comunicação? E a quem responsabilizar por não haver adotado as providências cabíveis? A LC 140 não elucida tais questionamentos. A “cooperação” referida na LC 140 deveria ser o exercício eficaz da competência comum do poder de fiscalização, o que se torna confuso frente ao disposto no texto legal. É pelo acima exposto, além de outros dispositivos da LC 140, que se verifica um retrocesso em relação à competência comum, estabelecida constitucionalmente para os entes federados em relação à proteção do meio ambiente.
9 A LEI FLORESTAL DE 2012 SOB O CRIVO DA CONSTITUCIONALIDADE No seu decurso histórico, a legislação florestal brasileira tem sido modificada, sistematicamente, tanto pela pressão da sociedade internacional como por força de lobbies internos, com destaque para o setor do agronegócio. Como exemplo dessas mudanças, tem-se a Lei 12.651/2012 de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, tendo ainda, como fundamento a harmonia entre a proteção florestal e a garantia do desenvolvimento econômico, a exemplo do seu artigo 1º: “Esta Lei estabelece normas gerais com o fundamento central da proteção e uso sustentável das florestas e demais formas de vegetação nativa em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico”.
A Lei em comento, considerada um retrocesso na legislação ambiental brasileira, foi alvo de muitas críticas, a exemplo das tecidas pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, datado de 1º de junho de 201215, citando que referido dispositivo legal, bem como os vetos presidenciais e a medida provisória 571/2012 seria “[...] um amontoado de remendos cuja função é semelhante à de uma pinguela, uma ponte improvisada no tronco de uma árvore abatida, para atravessar o período da Rio+20”.16 Com a conversão da MP 571 na Lei n. 12.72717, em 17 de outubro de 2012, efetivou-se a regressão na legislação florestal brasileira, comprovável a partir de uma série de elementos norteadores de uma visão produtivista da terra, em prejuízo do necessário equilibrio ecológico que se vincula à garantia do direito fundamental ao ambiente, conforme disposto no caput do artigo 225 da Carta Magna de 1988. A título de exemplo, citam-se a redução das exigências no que se refere às áreas protegidas instituídas pela legislação florestal brasileira desde 1965 – a reserva legal (RL) e as áreas de preservação permanente (APP) – bem como a conivência da nova lei com a realidade de descumprimento da legislação anterior: houve, em termos práticos, verdadeira anistia ao desmatamento ilegal, seja pela suspensão da punição administrativa dos infratores, seja pelo reconhecimento de vigência de regimes legais anteriores para o uso da terra. Trata-se, praticamente, de uma repristinação no direito brasileiro. (TIETZMANN E SILVA, 2013). E, nesse sentido, é importante destacar os ditames legais no que concerne à reserva legal em áreas rurais consolidadas. O artigo 68 isenta de qualquer penalidade ou obrigação de recomposição aqueles proprietários ou possuidores rurais que “[...] realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão”, entendendo-se “supressão” como desmatamento. E, no parágrafo primeiro do artigo 68, todos os meios de prova em direito são admitidos para verificar essa situação, o que implica, no mínimo, uma dificuldade de controle acerca dessa supressão vegetal. Com efeito, se ainda hoje o uso de sensoriamento remoto comporta limitações, certo é que várias propriedades rurais nessa situação serão beneficiadas pelo dispositivo, que ajuda a consolidar a anistia ao desmate ilegal. Outro elemento que enseja questionamentos reside na isenção da necessidade de recomposição da reserva legal, para todas as propriedades rurais com área total de até quatro módulos fiscais que, em 22 de julho de 2008, mantivessem vegetação nativa remanescente no que deveriam ser as suas áreas de reserva. Sobre a questão, a Procuradoria Geral da República (PGR)18 protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs)19 que questionam dispositivos da Lei 12.651/2012. As ações consideram inconstitucional a forma como essa norma reduziu a proteção ambiental, pela deturpação dos institutos da área de preservação permanente e da reserva legal, além da anistia para a degradação ao meio ambiente, ainda que ilegalmente realizada.
Na ADI n. 4.901, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, a Procuradoria Geral da Repúplica (PGR) questiona o artigo 12 §§ 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, que dispõem sobre as modificações referentes à reserva legal e à sua dispensa nos empreendimentos de abastecimento de água, tratamento de esgoto, exploração de energia elétrica e implantação ou ampliação de ferrovias e rodovias. O ponto questionado pela PGR é que nova lei fragiliza o regime das APPs e das reservas legais, ensejando, em alguns casos, até mesmo a sua extinção em termos práticos. Dois outros pontos tratados nessa Ação residem na reserva legal extrapropriedade e no uso de exóticas para a recomposição dessa reserva. Já ADI n. 4902, sob a relatoria da Ministra Rosa Weber, a questão central é a recuperação de áreas desmatadas, demonstrando-se que a anistia a multas e outras medidas punitivas virão a desestimular a recomposição da vegetação original – e, assim, ferir de morte o princípio da responsabilidade em matéria ambiental. Ademais, faz-se alusão ao artigo 17 da nova legislação, que isenta os agricultores da obrigação de suspender as atividades nas áreas onde tenha ocorrido desmatamento irregular, desde que esse corte tenha sido praticado até 22 de julho de 2008. Dita Ação, enfim, questiona também os artigos 61 e 63, referentes à autorização para a consolidação de danos ambientais, praticados até 22 de julho de 2008. Last but not least, a ADI n. 4903 aborda as modificações promovidas pela Lei no que se refere às Áreas de Preservação Permanente. Sobre essas áreas, importa salientar a lição de Machado (2012, p. 42): Há de se formular uma política a longo prazo para as APPS. Numa nova política federal, inclusiva da noção de equilíbrio ecológico, há de ser feito novo balanceamento das necessidades financeiras dos produtores rurais. Então, os Poderes Públicos remunerarão os serviços ambientais indispensáveis, dentro das possibilidades do erário público, com a condição de restabelecimento dos espaços físicos da Lei e a vegetação nas APPS, para que elas não sejam simplesmente uma sigla legal, mas existam verdadeiramente, segundo suas finalidades.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou, a seu turno, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4937, enfrentando dispositivos dessa mesma Lei, apontando que os dispositivos questionados fragilizam a proteção do meio ambiente, mitigam os seus princípios e frustram a intenção do constituinte originário. O MP questiona 53 artigos da nova lei, tanto para obter a Declaração de inconstitucionalidade, quanto para requerer a interpretação de acordo com a Constituição de 1988. A base científica das ações está nos estudos divulgados pela Academia Brasileira de Ciência e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Com relação às ADIs e às alterações legislativas trazidas pela Lei florestal, Sarlet e Fensterseifer (2013, p. 313) assim se manifestam: No caso das alterações legislativas veiculadas pelo Novo Código Florestal, verifica-se sensível transposição dos limites (ainda que relativamente abertos) da função legislativa na regulação do direito fundamental ao meio ambiente, visto que evidente a violação das exigências da proporcionalidade, inclusive alcançando o seu núcleo essencial, aspectos sobre os quais certamente haverá de se manifestar a nossa Corte Constitucional em face das ações constitucionais referidas interpostas pela Procuradoria
Geral da República impugnando dispositivos do Novo Código Floresta. Afinal de contas, como bem sinalizou Benjamin, “é a degradação da lei levando à degradação ambiental.”
Em todo caso, vale ressaltar que a lei de 2012, ainda que muito criticada, também possui aspectos positivos. Tal é o caso da determinação aos estados brasileiros para que providenciem os seus respectivos zoneamentos econômicos e ecológicos, o que configura uma preocupação com a gestão estratégica do território, a partir de um diagnóstico do terreno, contemplando suas capacidades e limitações à ocupação atual e futura. Cabe citar, igualmente, que a norma prevê a remuneração (ou pagamento) pelos serviços ambientais (RSA), instrumento que, apesar de criticável, pode ensejar a concretização da adicionalidade, se bem utilizado pela administração ambiental. Nesse sentido: [...] estão contemplados entre os princípios que regem a proteção florestal brasileira o compromisso soberano de preservar as florestas e a vegetação nativa, a biodiversidade, o solo, os recursos hídricos e a integridade do sistema climático. Proteção essa que se faz calcada na sustentabilidade, uma vez que se exterioriza na lei uma preocupação com as gerações futuras e, assim, com a transmissibilidade de um patrimônio comum a elas, neste caso, as florestas – juntamente com a biodiversidade e os serviços ambientais que encerram. (TIETZMANN E SILVA, 2013, p. 8).
Em todo caso, os exemplos aqui mencionados – que não constituem os únicos casos de retrocesso ambiental na legislação brasileira – demonstram com clareza uma tendência à regressão no ordenamento jurídico-ambiental brasileiro. Essa tendência que se justifica, de um lado, pelo alto nível das normas de proteção ambiental de que dispomos e de outro, pela baixa efetividade dessas normas. É, assim, como menciona Fraga (1998), o desuso das normas que enseja, por vezes, sua suscetibilidade a pressões dos mais diversos setores da sociedade, que se sobrepõem, paulatinamente, a interesses maiores da coletividade, caso da proteção do meio ambiente, pela garantia de um direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. Coloca-se, assim, em xeque a dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito Socioambiental.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS É inegável que o direito ao meio ambiente, estampado no artigo 225 da Carta de 1988, se configure como um direito fundamental e, mais, que sua garantia se paute pelo respeito aos princípios aplicáveis à teoria dos direitos fundamentais, dentre os quais figura o da afirmação progressiva. Não se pode deixar de considerar, igualmente, que essa situação se encontra reconhecida também no plano internacional, ao se contemplar tanto a linha evolutiva das conferências, declarações e convenções internacionais relativas à proteção ambiental. E, com especial enfoque na Conferência Rio+20 e em sua declaração final, intitulada “O futuro que queremos”, vislumbra-se a afirmação de um princípio de não retrocesso ambiental pelo no backtrack em relação ao que fora conquistado na Conferência de 1992, insculpido no parágrafo 20 do documento de 2012. Voltando ao cenário brasileiro, onde o direito ao ambiente está, constitucionalmente,
no rol dos direitos fundamentais, de acordo com o disciplinado no artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, verifica-se que este está sob o pálio da imutabilidade das cláusulas pétreas, estampada no artigo 60, § 4º, da CF/88. Daí o porquê do direito fundamental ao meio ambiente, positivado e assegurado à coletividade, deve ser retirado da disponibilidade do legislador reformador constitucional, assim como daquela pertencente ao legislador infraconstitucional, com vistas a impossibilitar a sua extinção ou redução, sob pena de violar o princípio da proibição do retrocesso ambiental. Nesse contexto, verificou-se que o princípio da proibição do retrocesso estabelece que nenhuma medida legislativa que venha a ser editada possa reduzir o direito ao meio ambiente, humano e fundamental por natureza. Se assim ocorrer, deverá ser declarada inconstitucional, posto que viola a Constituição Federal de 1988. A importância da aplicação direta da cláusula de vedação de retrocesso sustenta-se na medida em que o direito subjetivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de um lado, e o direito objetivo do Estado e da sociedade em protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, de outro lado, baseiam-se nos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, os quais, por sua vez, constituem argumentos válidos na proteção desse direito fundamental. Assim, aplicar o princípio da proibição do retrocesso como limitador da atividade legislativa e judicial é respeitar a própria condição de todos enquanto sujeitos de direitos, pertencentes a uma sociedade democrática, justa e solidária.
REFERÊNCIAS
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1 O presente artigo foi realizado a partir das pesquisas desenvolvidas pela primeira coautora durante o curso de mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento, cursado na PUC Goiás, sob a orientação do segundo coautor. 2 Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Especialista em Direito, Estado e Constituição, pela Universidade do Planalto Central (UNIPLAN, Brasília-DF). Advogada militante. Professora do quadro da Universidade Paulista (UNIP) Campus Flamboyant, em Goiânia-GO. 3 Doutor em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França) e pela Universidade Internacional da Andaluzia (Espanha). Advogado e consultor em Direito Ambiental. Professor e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), do programa de mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC Goiás e da Universidade Paulista (UNIP). Pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Direito Ambiental, de Ordenamento Territorial e Urbanístico – CRIDEAU (França). Professor colaborador dos mestrados em Direito Ambiental e Urbanístico da Universidade de Limoges (França) e em Direito Ambiental e Proteção do Patrimônio Cultural, da Universidade Nacional do Litoral (Argentina). 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS n° 22.164-SP. Disponível em: http://stf.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/745049/mandado-de-seguranca-ms-22164-sp. Acesso em: 15 maio 2014. 5 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.120.117 AC. Disponível em: http://stj.jus brasil.com.br/jurisprudencia/19110235/embargos-de-declaracao-no-recurso-especial-edcl-no-resp-1120117-ac-20090074033-7/inteiro-teor-19110236. Acesso em: 15 de maio de 2014. 6 Como, aliás, se afirma claramente no texto do artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo [...]” (grifo nosso). 7 E para todas as formas de vida, segundo a visão biocêntrica do direito ambiental, estampada com clareza nos textos constitucionais da Bolívia e do Equador, por exemplo. 8 AÇÃO civil pública ambiental 0701.12.021.342-9 - 5ª Vara Cível de Uberaba. Disponível em: http://www.mpambiental.org/arquivos/pecas/1342193695.pdf. Acesso em: 27 maio 2014. 9 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm . Acesso em: 26 maio 2014. 10 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm. Acesso em: 10 jul.
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ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE: OBJETO TUTELADO PELO DIREITO OU SUJEITO DE DIREITOS? Carolina Arantes Neuber Lima1
RESUMO Com objetivo de demonstrar a natureza jurídica do meio ambiente nos sisemas jurídicos nacional e internacional, este artigo apresentará uma breve exposição sobre a evolução da relação existente entre meio ambiente e direito, buscando seu conceito legal e apresentando-o ou como objeto tutelado pelo direito ou como sujeito de direitos. Através do rompimento com a corrente antropocêntrica, será apresentado um novo modelo, baseado no novo constitucionalismo latino-americano, que estende os direitos muito além das fronteiras do ser-humano, terminando-se por comparar os modelos internacionais e nacional de proteção ao meio ambiente. Palavras-chave: Sujeito de direitos. Direitos Humanos. Direitos Fundamentais. Meio ambiente. Constitucionalismo latino-americano.
ABSTRACT In order to demonstrate the legal nature of the environment, both in the national and international legislation, this article will provide a brief presentation on the evolution of the relationship between environment and law, seeking his legal concept and presenting it or as an object tutored by law or as a subject of rights. Breaking with the anthropocentric view, a new model will be presented, based on the new Latin American constitutionalism, which extends rights far beyond the borders of the human-being, ending with a parallel between international and national models of environmental protection. Keywords: Subject of Rights. Human Rights. Fundamental Rights. Environment. Latin American Constitutionalism.
1 INTRODUÇÃO Não obstante os direitos humanos constituírem uma construção histórico-jurídica recente da humanidade, observa-se que sua conceituação e abrangência vem sendo dinamicamente ampliada e modificada em função das conquistas sociais, tecnológicas e científicas alcançadas pelos homens. Entretanto, desde as primeiras doutrinas filosóficas até as modernas correntes sociológicas e jurídicas, observa-se que o homem vem ocupando uma posição de supremacia em relação às demais espécies de seres vivos, com as quais divide o habitat. A justificativa primeira para essa diferenciação seria o uso da razão, que permite ao homem compreender e moldar o meio ambiente, de acordo com suas necessidades. Nessa linha de pensamento, chamada de corrente antropocêntrica, o meio ambiente é algo que serve à satisfação das necessidades humanas, bem como todos os seus
componentes, naturais ou artificiais. Na evolução histórica, cultura e social da humanidade, é possível, assim, visualizar a criação do direito e o seu aperfeiçoamento, inclusive o surgimento dos direitos humanos, fundamentado na corrente antropocêntrica e, consequentemente, na dignidade da pessoa humana e suas consequências. No entanto, evoluindo-se o conceito de dignidade da pessoa humana, surge corrente que, fundamentada nas mais recentes descobertas científicas, pretende atribuir essa chamada “dignidade” a todos os seres vivos e a todo o meio ambiente, de forma geral. Essa corrente, denominada ecocentrismo, dirige as preocupações para o planeta Terra e posiciona o meio ambiente como o centro do universo. Nessa linha, propõe uma reflexão mais aprofundada sobre o valor e o sentido da vida e sobre o valor da natureza e a interação desta com o homem. Também conhecido como biocentrismo, esse novo modo de enxergar o homem e sua relação com a natureza e com o direito retira a superioridade da raça humana e confere igualdade a todas as formas de vida. No plano jurídico, observa-se a recepção da corrente ecocêntrica por alguns ordenamentos atuais, que preveem, em nível constitucional, o planeta Terra e a própria natureza como sujeitos de direitos. É o que se verifica nas novas constituições da Bolívia e do Equador, que aparecem na vanguarda dessa ideologia. O objetivo do presente trabalho, portanto, constitui-se na análise da natureza jurídica do meio ambiente e de sua proteção pelo Direito, verificando se e quando pode ser enquadrado como objeto tutelado ou como sujeito de direitos. Para tanto, será realizada breve conceituação e contextualização do meio ambiente e a evolução de sua relação com o direito, concluindo-se por determinar a natureza jurídica do meio ambiente em frente ao direito ambiental internacional e ao direito pátrio.
2 CONCEITO LEGAL E NATUREZA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE “Man is both creature and moulder of his environment, which gives him physical sustenance and affords him the opportunity for intellectual, moral, social and spiritual growth. (...) Both aspects of man’s environment, the natural and the man-made, are essential to his well-being and to the enjoyment of basic human rights the right to life itself”2. O meio ambiente possui diversos conceitos, passando pela ecologia, filosofia e pelo direito, sendo o conceito jurídico o que interessa a esse estudo. Enquanto a Organização das Nações Unidas conceitua o meio ambiente como o conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas, no plano jurídico brasileiro, o primeiro conceito legal surgiu com o advento da Lei n.º 6.938/1981
que, eu seu artigo 3º, I, definiu meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Já a Constituição Federal de 1988, seguindo a linha antropocêntrica que sempre caracterizou o direito brasileiro, inseriu o meio ambiente como um direito fundamental expresso no artigo 225, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O Supremo Tribunal Federal, através do voto do Ministro Celso de Mello, relator do MS 22.164-0/SP, conceituou o direito ao meio ambiente “como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação - que incumbe ao Estado e à própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações” (MACHADO, 2013, p.153). Observa-se assim, independentemente da classificação legal ou de suas ramificações, que a proteção ao meio ambiente possui natureza jurídica de direito humano, chamado de terceira geração, no plano internacional, bem como de direito fundamental constitucionalmente previsto, em âmbito nacional. De fato, nos dizeres de COMPARATO (2013, p. 171), os direitos fundamentais nada mais são do que “os direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais”. Daí pode-se extrair que, partindo dessa visão antropocêntrica, o meio ambiente seria objeto do direito, enquanto bem juridicamente tutelado, núcleo do direito humano/fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, tendo em vista que o direito é influenciado diretamente pelas construções históricas da humanidade, por suas lutas e pelo desenvolvimento econômico, social e científico, apresenta-se como um processo dinâmico, em constante transformação, de forma que a evolução tecnológica e até mesmo social/moral da humanidade dão abertura para uma visão distinta, influenciada por correntes ecocêntricas, como se verá mais adiante.
3 O MEIO AMBIENTE COMO OBJETO TUTELADO PELO DIREITO O artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, preceitua que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Entretanto, a “convicção de que todos os seres humanos têm direito a ser igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade” é uma elaboração jurídica recente na história da humanidade (COMPARATO, 2013, p. 24). A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também no fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita. (COMPARATO, 2013, p. 34).
De fato, como ainda observa COMPARATO (2013, p. 81), a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, proclamou que: Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
De forma a facilitar a compreensão histórica da afirmação dos direitos humanos em nível internacional, a doutrina classifica-os em dimensões ou gerações. Primeiramente, foram reconhecidos os direitos humanos hoje chamados de primeira geração, que compreendem os direitos de liberdade - direitos civis, políticos e liberdades clássicas -, resultantes, principalmente, da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como da proclamação da Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787. Os direitos humanos de segunda geração, compreendendo os direitos de igualdade, correspondem aos direitos econômicos, sociais e culturais, também chamados de liberdades negativas, ao exigir uma intervenção direta do Estado a fim de serem concretizados. Por fim, após a Segunda Guerra Mundial, novos valores foram reconhecidos como direitos humanos, hoje classificados como de terceira geração, compreendendo os direitos de solidariedade e de fraternidade. Caracterizam-se, principalmente, pela titularidade coletiva ou difusa e, entre eles, encontram-se o direito ao meio ambiente equilibrado, a saudável qualidade de vida, o progresso, a paz, a autodeterminação dos povos, entre outros. Nesse esteio, observa-se que a concepção do meio ambiente como um direito humano surgiu, pela primeira vez, com o disposto no Princípio 1º da Declaração de Estocolmo de 1972, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que previu que: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem- estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.
Ainda no plano internacional, verifica-se o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), que prevê, no âmbito do Sistema Regional Americano de Proteção aos Direitos Humanos: Artigo 11 Direito ao meio ambiente sadio 1 – Toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a dispor dos serviços públicos básicos. 2 – Os Estados-Partes promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente.
E, como já mencionado em item anterior, no plano interno, a Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 225, o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental expresso: CAPÍTULO VI DO MEIO AMBIENTE Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Resta clara, portanto, a previsão normativa nacional e internacional para a tutela do meio ambiente como um bem jurídico a ser preservado pelo e para o ser humano, para as presentes e futuras gerações, o que decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana e corresponde ao núcleo de um direito humano/fundamental de terceira dimensão. Então, como acima mencionado, o meio ambiente é objeto tutelado pelo direito, mais precisamente pelo Direito Ambiental, através de princípios e normas previstas, em âmbito nacional, na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional que versa sobre o tema. Os instrumentos de tutela ambiental encontram supedâneo no texto constitucional, ante o dever da coletividade e do Poder Público quanto à preservação e proteção do bem ambiental que, inelutavelmente, tem natureza difusa, dada a sua indivisibilidade, pois, os seus titulares estão interligados por razões eminentemente de fato. E, ao se cuidar da tutela dos direitos coletivos e da nova ordem procedimental, através da jurisdição civil coletiva, há que se pontuar que, como dito, está absolutamente superada a sistemática individualista contida no CPC para dirimir os denominados conflitos de massa (Castellano, 2006).
A legislação brasileira prevê vários mecanismos processuais específicos para a tutela do meio ambiente, como o inquérito civil, a ação civil pública e a ação popular, entre outros, observando-se que o Ministério Público vem a ser o grande legitimado a ingressar com ações de proteção ao meio ambiente, não desprezando-se os demais legitimados. Apenas a título de exemplo, vê-se que a Constituição Federal de 1988 prevê a legitimidade do Ministério Público para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF/88). A Lei n.º 8.625/93, conhecida como Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, estabelece que, além de outras funções constitucionalmente previstas, incumbe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação
dos danos causados ao ambiente e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. No mesmo caminho, a Lei Complementar n.º 75/93 concede ao Ministério Público da União a competência para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente e de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. Também compete ao Ministério Público da União e dos Estados promover ação judicial de responsabilidade civil por danos acarretados ao ambiente, conforme o art. 14, § 1º, da Lei n.º 6.938/81.
4 O MEIO AMBIENTE COMO SUJEITO DE DIREITOS Analisando-se o cenário jurídico mundial, observa-se que o mais atual e aceito conceito de sujeito de direitos é aquele derivado do princípio da dignidade da pessoa humana, proveniente da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pelo qual “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade” e por isso, pelo simples fato de serem seres-humanos dotados de autonomia e racionalidade, são dotados também de direitos, inatos ou positivados. O problema surge quando transferimos essa categoria para além das fronteiras humanas, ou seja, quando indagamos se é também cabível postular ou conferir uma dignidade às plantas, aos outros animais, como querem certos militantes ambientalistas. Assim, apesar de tal noção se referir originalmente ao homem, há quem tente também conferir estatuto de ser existente dotado de dignidade às espécies dos reinos animal, vegetal ou mesmo mineral (PEQUENO, 2007, p. 195).
Ou seja, apesar do caráter antropocêntrico do princípio da dignidade, há quem pretenda inferir tal característica também aos demais seres vivos e também às coletividades de seres vivos, humanos ou não. Observa-se, nessa linha de pensamento, o reconhecimento da própria natureza como sujeito de direitos. Emerge dos cenários, social, político e jurídico, na região dos Andes na América Latina, um constitucionalismo de feição ecocêntrica, o qual ostenta como bandeiras o reconhecimento dos direitos da natureza (Pacha-mama) e a cultura do Bem Viver, tendo como principais centros irradiadores de mudanças, o Equador e a Bolívia, cujas reformas constitucionais recentes, respectivamente, em 2008 e 2009, a partir da inclusão dos povos indígenas e de outras minorias étnico-raciais, como atores sociais na atualidade, incorporaram vetustos valores resgatados das raízes pré-colombianas comuns, entre os quais sobressai o respeito à natureza e ao ambiente, vale dizer, o respeito prioritário à vida (MORAES, 2013, p. 126).
Em abril de 2010, na chamada Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra, realizada em Cochabamba, na Bolívia, proclamouse a “Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra”. Na mesma conferência, declarouse que a Mãe Terra é um ser vivo, uma única comunidade, indivisível e autorregulada, de seres inter-relacionados que sustem, contem e reproduz a todos os seres que a compõe, que cada ser se define pelas suas relações como parte da integrante da Mãe Terra. O tema central da Cúpula dos Povos sobre as Mudanças Climáticas foi justamente a discussão sobre a subjetividade da Terra, sua dignidade e seus direitos. Por essa nova forma de tratar o direito tem-se, pela primeira vez, o afastamento do antropocentrismo advindo do princípio da dignidade da pessoa humana e a inserção do
indivíduo em um contexto mais amplo, considerado em sua interação com o meio em que vive, natural e social. Ou seja, nesse ponto de vista, o homem é parte integrante de um todo, qual seja, o planeta Terra. Leonardo BOFF (2010, p. 1) introduz o tema, acrescentando que “agora começa o tempo de uma biocivilização, na qual Terra e Humanidade, dignas e com direitos, reconhecem a recíproca pertença, a origem e o destino comuns”: Os astronautas nos deixaram este legado: vista de fora da Terra, Terra e Humanidade fundam uma única entidade; não podem ser separadas. A Terra é um momento da evolução do cosmos, a vida é um momento da evolução da Terra e a vida humana, um momento posterior da evolução da vida. Por isso, podemos com razão dizer: o ser humano é aquele momento em que a Terra começou a ter consciência, a sentir, a pensar e a amar. Somos a parte consciente e inteligente da Terra (BOFF, 2010, p. 1).
Os direitos de Pachamama, assim denominada a atribuição de subjetividade aos direitos da natureza, foram juridicamente reconhecidos, pela primeira vez, pelos artigos 71 a 74 da Constituição da República do Equador de 2008. Trata-se claramente de um campo novíssimo de estudo e em plena construção. O chamado Bem Viver implica em uma nova forma de conceber a relação com a natureza de maneira a assegurar simultaneamente o bem estar das pessoas e a sobrevivência das espécies, de plantas, animais e dos ecossistemas (GUDYNAS, 2011, p. 231). Portanto, observa-se que, com essa incipiente semente latino-americana, rompe-se com a visão antropocêntrica, em que o ser-humano é individualmente considerado como sujeito de direitos, passando a ser considerado como parte de um todo, adotando-se uma visão econcêntrica, em que também as coletividades, assim reconhecidas, bem como a própria natureza e o planeta Terra são sujeitos de direitos. No entanto, partindo-se dessa premissa de que o meio ambiente pode ser sujeito de direitos, o problema surge, na prática, em relação à personalidade jurídica e à legitimidade processual.
4.1 PERSONALIDADE JURÍDICA E LEGITIMIDADE PROCESSUAL NO DIREITO BRASILEIRO Analisando-se a doutrina e a jurisprudência brasileiras, observa-se que, no nosso sistema normativo, somente os seres humanos possuem aptidão genérica para serem titulares de relações jurídicas, de tal forma que, somente a estes são conferida personalidade jurídica, uma vez que são dotados de vontade e possuem interesses (KURATOMI, 2011, p. 42). De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, não se pode aprisionar a personalidade jurídica no conceito de sujeito de direito, por ser mais do que isso. Mesmo que não seja disposto personalidade jurídica à alguns entes, como: ao condomínio edilício e à massa falida, estes entes despersonalizados poderão ser sujeitos de direito, titularizando no polo ativo ou passivo de uma demanda. Manifestam no sentido de que, “titularizar a personalidade jurídica significa, em concreto,
ter uma tutela jurídica especial, consistente em reclamar direitos fundamentais, imprescritíveis ao exercício de uma vida digna.” Apesar de se manifestarem no sentido de que os entes despersonalizados podem ser sujeitos de direito, em nenhum momento citam os animais. Relaciona-se a ideia de personalidade jurídica como sendo própria do ser humano, advinda do princípio da dignidade da pessoa humana. (KURATOMI, 2011, p. 42).
Assim na prática, para que o meio ambiente passe de objeto do direito para efetivo sujeito de direitos, é necessário que a ele seja conferido personalidade jurídica, a fim de possibilitar a defesa de seus direitos. Portanto, como a legislação brasileira não confere personalidade jurídica ao meio ambiente, ainda que se admita que ele possa figurar como titular de direitos, é possível admitir que possui legitimidade processual? Para NERY JÚNIOR (2006, p. 143), “somente é parte legítima aquele que é autorizado pela ordem jurídica a postular em juízo. A norma trata tanto da legitimatio ad processum quanto da legitimatio ad causam ou material”. No sistema jurídico brasileiro, a legislação é clara quanto aos legitimados para atuar em juízo: pessoas, físicas ou jurídicas. No entanto, analisando-se a jurisprudência pátria, observa-se alguns esparsos exemplos em que o meio ambiente ou um de seus componentes (rio ou animal) foi titular de ação, como parte autora, tendo o Poder Judiciário reconhecido a legitimidade ativa, embora a representação processual tenha sido realizada pelo Ministério Público ou por Associação de Defesa dos Animais. Ocorre que os mecanismos processuais para a defesa ambiental no sistema jurídico brasileiro, passando pela Ação Civil Pública e pela Ação Popular, não reconheçam o meio ambiente como titular da ação e, portanto, dotado de legitimidade ativa, uma vez que, ressalte-se, a legislação pátria não concede personalidade jurídica ou legitimidade processual ao meio ambiente. Conclui-se então que, para que o meio ambiente venha a se tornar efetivamente sujeito de direitos no sistema jurídico brasileiro, haverá que se realizar uma inovadora e revolucionária construção doutrinária e normativa em relação à personalidade jurídica e à legitimidade processual, rompendo-se com a tradição antropocêntrica e assumindo-se uma postura ecocêntrica, igualando-se o homem ao ambiente em que vive, considerando a natureza não mais como insumo para a vida humana, mas como parte igualitária.
5 CONCLUSÃO No quadro do evolucionismo, observou-se que, diferentemente das outras espécies vivas, a humanidade não evolui apenas no plano biológico, mas também no plano cultural; e que, graças a essa dimensão cultural, já se abriu ao ser humano a possibilidade de interferir sobre a evolução biológica de todas as espécies vivas, inclusive a sua. (COMPARATO, 2013, p. 43)
E, por esse motivo, ainda que existam movimentos sociais e leis nacionais e internacionais de proteção ao meio ambiente, este ainda é tido como propriedade dos humanos, ou seja, mero objeto de direito.
É o que se conclui de todo o estudo realizado em relação à conexão entre meio ambiente e direito, quando é possível verificar que, no plano internacional, o meio ambiente surge ora como objeto do direito, pela corrente tradicionalista e antropocêntrica, ora como sujeito de direitos, pela inovadora corrente ecocêntrica. De fato, analisando-se a evolução histórica da humanidade e da afirmação dos direitos humanos, verifica-se que a proteção ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é objeto do Direito Ambiental Internacional, considerado como um direito humano de terceira dimensão, advindo do princípio a dignidade da pessoa humana e cuja proteção encontra-se expressa em diversos tratados internacionais, sendo, inclusive, interiorizada por inúmeros sistemas normativos estatais. E, ainda, analisando-se as recentes Constituições da Bolívia e do Equador, verifica-se que o meio ambiente é também considerado como efetivo sujeito de direitos por aqueles sistemas normativos, rompendo-se com a tradicional corrente antropocêntrica e adotando-se a revolucionária corrente ecocêntrica, que considera o homem inserido no meio ambiente e em condições de igualdade com todos os componentes do ecossistema e com o próprio planeta Terra. Por fim, analisando-se puramente o sistema jurídico brasileiro, é possível concluir que a legislação pátria trata o meio ambiente exclusivamente através da visão antropocêntrica, sendo que a proteção ao meio ambiente constitui um direito fundamental expressamente previsto pela Constituição. Desse modo, no Brasil, o meio ambiente ainda é reconhecido apenas como um objeto juridicamente tutelado, cuja legislação prevê diversos mecanismos processuais de defesa, de forma que, para se tornar efetivamente sujeito de direitos, será necessária uma revolução doutrinária e normativa, até mesmo constitucional, a fim de a ele conceder personalidade jurídica e legitimidade processual.
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1 Procuradora Federal em exercício na Procuradoria Seccional Federal em Anápolis/GO, Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes e Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 2 “O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. (...) Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma”. Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972).
DIREITOS SOCIAIS, RESERVA DO POSSÍVEL E MEIO AMBIENTE – ENTRE O CONSTRANGIMENTO ORÇAMENTÁRIO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL Elmo José Duarte de Almeida Júnior1
RESUMO Analisa-se que a efetivação dos direitos sociais previstos na Constituição Federal, aqui incluída a proteção ao meio ambiente, por implicar em prestações positivas por parte do Estado, costuma encontrar limitações nas restrições orçamentárias que orientam a fixação de despesas para a promoção de políticas públicas. Não raro, a Administração invoca a reserva do possível como forma de se esquivar de sua obrigação constitucional de concretizar a proteção ambiental, em suas variadas exigências, sob o fundamento de que existem outros direitos sociais a serem tutelados em prioridade. Todavia, conclui-se que os recursos limitados e sabidamente escassos não podem servir de pretexto para que o Poder Público não cumpra o seu dever de proteção do meio ambiente, resguardando, ainda que por via reflexa, a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: direitos sociais, proteção do meio ambiente, limitação, orçamento, dignidade, mínimo existencial.
ABSTRACT It is analyzed that the enforcement of social rights under the Federal Constitution, here including protecting the environment, it implies positive benefits from the state, often find limitations in budget constraints that govern the taxation of costs for the promotion of public policies. Often the administration invokes the reservation as possible as a way to dodge its constitutional obligation to implement environmental protection in their varied requirements, on the grounds that there are other social rights to be protected in priority. However, it appears that notoriously scarce and limited resources can not be an excuse for the Government not fulfilling its duty to protect the environment, protecting, even if by reflex pathway, life, health and dignity of human person. Key words: social rights, environmental protection, limitation, budget, dignity, existential minimum.
1 INTRODUÇÃO Neste século XXI, onde as discussões sobre aquecimento global, escassez de água e exploração de fontes alternativas de energia ganham relevo no cenário internacional, pode-se afirmar que os direitos fundamentais jamais atingiram, em todo o seu período histórico, tamanho grau de conexão entre as suas variantes e integração ao patrimônio imaterial da humanidade. O reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais adquiriu um caráter cumulativo, fruto de constantes reivindicações concretas dos indivíduos, geradas por situações de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano. A acumulação de novos direitos reconhecidos como fundamentais acabou por influenciar o seu
conteúdo e a própria maneira de se alcançar o maior grau de efetividade daqueles direitos positivados no ordenamento jurídico-constitucional. É justamente neste contexto que assume relevo o comportamento ativo do Estado na efetivação dos direitos fundamentais sociais, em resposta aos anseios cada vez mais potencializados de uma sociedade sedenta por políticas públicas que busquem o bemestar social dos indivíduos, aí incluída a necessidade de proteção ao meio ambiente. Essa dimensão positiva que norteia a atuação estatal no sentido de viabilizar as prestações de saúde, educação, assistência social, proteção ao meio ambiente e outros, revela a transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, aproximando os direitos fundamentais sociais do conceito material do princípio da igualdade (SARLET, 2007, p. 46-47). Como a efetivação dos direitos fundamentais sociais, via de regra, depende de uma prestação material do Estado, vinculada à melhoria e distribuição dos recursos existentes, bem como à busca e criação de meios e bens essenciais para o uso dos indivíduos que deles necessitam, não se pode desconsiderar o caráter econômico dessa atuação estatal, condicionada, portanto, à disponibilidade de recursos financeiros. Dessa forma, o debate sobre a efetivação dos direitos sociais, principalmente na sua dimensão prestacional, transcende as discussões acadêmicas, partindo para os embates judiciais e influenciando, cada vez mais, a coordenação e a implementação das políticas públicas. No caso específico do direito social à proteção do meio ambiente, não há diferença – para além da proteção compartilhada, é necessária a garantia de recursos para que o Estado realize as prestações a seu cargo. E as amarras orçamentárias, aliadas ao agressivo poder econômico privado, podem se tornar os maiores entraves ao desenvolvimento de políticas públicas destinadas à proteção ambiental.
2 OS DIREITOS SOCIAIS DE PRESTAÇÃO As bases do constitucionalismo moderno se encontram completamente lastreadas no contexto dos direitos fundamentais. Frutos de reivindicações constantes dos indivíduos, os direitos fundamentais acabaram por condicionar a validade substancial de todo o ordenamento jurídico atual, impondo limites e modelando o Estado Democrático de Direito. A íntima ligação entre os direitos fundamentais e o Estado de Direito acabou por gerar uma relação de interdependência, ao passo que não é possível se conceber a realização de um Estado de Direito sem o reconhecimento dos direitos fundamentais e, tampouco, efetivar os direitos fundamentais sem a noção de Estado Constitucional. Neste relevo, a manifestação de Norberto Bobbio (1996, p. 01) se mostra bastante pertinente ao afirmar que a paz, a democracia e os direitos fundamentais, constituem três momentos necessários do mesmo movimento histórico, sendo que a paz atua como pressuposto necessário para o reconhecimento e efetiva proteção dos direitos
fundamentais, ao passo que não poderá haver democracia onde não forem assegurados os direitos fundamentais e, inexistindo democracia, não existirão as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Dentro desse contexto essencial de que os direitos fundamentais se fundem com a própria noção de Estado Democrático de Direito, a doutrina, baseando-se nos históricos postulados de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, passou a classificar esses direitos em “gerações”. Embora uma pequena parte da doutrina repudie essa terminologia, sob a argumentação de que “o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais” (SARLET, 2007, p. 54), a classificação dos direitos fundamentais em gerações expõe as diversas transformações de conteúdo, alcance e efetividade percebidas durante todo o seu processo histórico. Os direitos fundamentais de primeira geração, originados basicamente pela influência dos ideais iluministas dos jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, inauguram o período de reconhecimento da liberdade dos indivíduos frente ao Estado. Por este motivo, segundo as lições de SARLET (2007, p. 56), são definidos como “direitos de cunho ‘negativo’, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, ‘direitos de resistência ou de oposição perante o Estado’”. Integram os direitos de primeira geração os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade. Os direitos de segunda geração, originados no século XIX em virtude dos relevantes problemas sociais e econômicos que acompanharam o processo de industrialização, apresentam-se como uma dimensão positiva do Estado no intuito de patrocinar um “bem-estar social”. Caracterizam-se por outorgarem aos indivíduos direitos a prestações sociais por parte do Estado, tais como assistência social, saúde, educação e trabalho. No século XX, de modo especial após a Segunda Guerra, esses direitos fundamentais acabaram por ser consagrados em várias constituições e tratados internacionais (SARLET, 2007, p. 57). Por sua vez, os direitos de terceira geração, comumente chamados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, focalizam a sociedade como um todo, desvinculando-se da figura do homem como indivíduo e assumindo, portanto, uma dimensão coletiva ou difusa. A proteção do meio-ambiente e do patrimônio histórico, a paz dos povos e a sua qualidade de vida são frequentemente citados como exemplos de direitos fundamentais de terceira geração. A doutrina moderna costuma apresentar uma quarta e até mesmo uma quinta geração de direitos fundamentais, que não são relevantes para o presente estudo. Partindo especificamente para os direitos fundamentais sociais, Alexandre de Moraes (2003, p. 202) os conceitua como:
[...] direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.
De acordo com a doutrina tradicional, os direitos sociais que, dada sua extrema importância, foram merecedores de capítulo específico na Constituição Federal de 1988, são típicos exemplos de direitos de prestação. Porém, embora possam apresentar em sua grande maioria uma noção de direitos de prestação, reclamando uma postura ativa do Estado, os direitos sociais vão além dessa classificação para também incluir em seu bojo as chamadas “liberdades sociais”, de cunho eminentemente negativo ou de defesa. É o que aponta Ingo Wolfgang Sarlet (2001): [...] percebe-se, com facilidade, que vários destes direitos fundamentais sociais não exercem a função precípua de direitos a prestações, podendo ser, na verdade, reconduzidos ao grupo de direitos de defesa, como ocorre como direito de greve (art. 9º, da CF), a liberdade de associação sindical (art. 8º, da CF), e as proibições contra discriminações nas relações trabalhistas consagradas no art. 7º, incs. XXXI e XXXII, de nossa Lei Fundamental.
Esclarecida essa questão e delimitando o presente estudo unicamente no aspecto positivo e prestacional dos direitos sociais, pode-se afirmar que essa categoria de direitos fundamentais possui ampla conexão com o direito de igualdade, valendo como pressuposto de gozo de direitos individuais, na medida em que cria condições materiais favoráveis à aquisição da igualdade real e da própria liberdade (SILVA, 2000, p. 289). Assim, os direitos sociais são considerados fatores de implementação da justiça social, uma vez que se encontram vinculados à efetivação de políticas públicas por parte do Estado. Cumpre explicitar, que os direitos sociais, para serem usufruídos, reclamam, em face de suas peculiaridades, a disponibilidade das prestações materiais que constituem seu objeto, já que tutelam interesses e bens voltados à realização da justiça social. Daí dizer-se correntemente que os direitos sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, porquanto exigem dos órgãos do poder público certas prestações materiais. (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 717)
2.1 A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE ENQUANTO DIREITO SOCIAL DE PRESTAÇÃO Os avanços tecnológicos e produtivos que marcaram os séculos XIX e XX levaram a uma utilização desenfreada dos recursos naturais em favor de fatores econômicos e demográficos. Antes visto com fonte inesgotável de recursos, o meio ambiente foi largamente utilizado a serviço da eficiência econômica e do aumento dos padrões de consumo, o que acabou influenciando não só as condições gerais dos ecossistemas do planeta, mas, por consequência, a própria qualidade de vida humana. Diante dos inegáveis riscos que ameaçam a vida na Terra, a população mundial começou, ainda que de forma lenta, a discutir formas de proteção e preservação do meio ambiente, tentando manter um equilíbrio entre o desenvolvimento humano e o uso
racional dos recursos naturais. No caso específico do Brasil, esta preocupação com a preservação do meio ambiente, além de ter sido externada em várias passagens do texto da Constituição de 1988, mereceu capítulo específico, inserto dentro do título da Ordem Social. CAPÍTULO VI DO MEIO AMBIENTE Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Certamente esta previsão constitucional demonstrou enorme avanço no que tange à proteção jurídica da natureza, que passou a contar com uma previsão do direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e, principalmente, o dever por parte do Poder Público de defender e proteger este direito para as presentes e futuras gerações. Diante disso, tendo em vista a sua estreita ligação com o conceito de solidariedade, não tendo destinatários específicos, mas direcionado para a coletividade e para a própria espécie humana, o direito ao meio ambiente sadio enquadra-se dentre os direitos fundamentais de terceira geração. Todavia, embora deslocado do artigo 5º da Constituição Federal, o direito ao meio
ambiente equilibrado também possui inegável caráter de direito fundamental do indivíduo, uma vez que se encontra intimamente ligado ao próprio direito à vida, à dignidade humana e aos fundamentos éticos a ela inerentes. Por outro lado, a proteção ambiental assume, ainda, características de direito social de prestação, uma vez que se constitui como um caminho a ser garantido e proporcionado pelo Estado para que indivíduo e sociedade possam desenvolver suas potencialidades dentro de um contexto social marcado pelo desenvolvimento sustentável. Assim, é possível afirmar que o direito à proteção ambiental assume um caráter multifacetado, com dupla dimensão: individual e coletiva (SILVA, 2007, p. 229). É um exemplo de um direito fundamental “global” que pode se manifestar em sede de diferentes formas de tutela de direitos fundamentais. Discorrendo sobre a natureza do direito constitucional à proteção do meio ambiente, Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 732) esclarece: O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido pela Constituição Federal em capítulo situado no título da ordem social, é um direito fundamental, na categoria direito social, qualificado pela doutrina como direito de terceira geração. Nem por isso se lhe negue caráter, também, individual. Cuida-se, pois, de um direito simultaneamente considerado social e individual, uma vez que a realização individual desse direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social, por isso mesmo considerado transindividual.
Nessa mesma linha, orienta José Afonso da Silva (2003): E a proteção do meio ambiente, como se nota, manifesta-se como um direito fundamental de 3ª geração, que tem como titular não um indivíduo nem determinado grupo, mas, como nota Paulo Bonavides, tem como titular o “gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”. Não tem apenas uma dimensão negativa e garantística, como os direitos individuais, nem apenas uma dimensão positiva e prestacional, como os direitos sociais, porque é, ao mesmo tempo, direito positivo e negativo, porque, de um lado, exige que o Estado, por si mesmo, respeite a qualidade do meio ambiente e, de outro lado, requer que o Poder Público seja um garantidor da incolumidade do bem jurídico, ou seja, a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Por isso é que, em tal dimensão, não se trata de um direito contra o Estado, mas de um direito em face do Estado, na medida em que este assume a função de promotor do direito mediante ações afirmativas que criem as condições necessárias ao gozo do bem jurídico chamado qualidade do meio ambiente.
Dessa forma, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado implica em um dever irrenunciável do Poder Público (e da sociedade) de tomar medidas eficazes para sua proteção e preservação. Neste caso, se encontra outorgado ao Estado um dever que assume uma dimensão objetiva – que transcende a esfera dos direitos subjetivos individualmente considerados – de concretizar o bem juridicamente tutelado, através da promoção de ações e políticas públicas específicas.
2.2 A QUESTÃO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS DE PRESTAÇÃO Com bastante propriedade, o Professor da Faculdade de Direito de Coimbra José
Joaquim Gomes Canotilho (1995, p. 544), afirma: O reconhecimento e garantia de direitos econômicos, sociais e culturais, a nível constitucional, é, pois, uma resposta à tese da impossibilidade de codificação de valores sociais fundamentais (Soziale Grundrechte) na Constituição e à tese do princípio da democracia social como simples linha da actividade do Estado. Por outro lado, não se trata de reconhecer apenas o direito a um standard mínimo de vida ou de afirmar tão-somente uma dimensão subjectiva quanto a direitos a prestações de natureza derivativa (derivative Teilhaberechte), isto é, os direitos sociais que radicam em garantias já existentes (ex: direito à reforma, ao subsídio de desemprego, à previdência social). Trata-se de sublinhar que o status social do cidadão pressupõe, de forma inequívoca, o direito a prestações sociais originárias como saúde, habitação, ensino – originäre Leistungsanprüchen.
Justamente por terem como objeto uma conduta positiva, consistente em prestações, em sua ampla maioria, de ordem fática e material, os direitos sociais reclamam uma posição ativa do Estado nas esferas econômica e social. Diferentemente do que ocorre com os direitos de defesa, que são diretamente aplicáveis e capazes de desencadear todos os seus efeitos jurídicos extraídos do texto constitucional, a questão da aplicabilidade e efetividade dos direitos sociais suscita grandes dúvidas em todo o ordenamento jurídico pátrio. Não se pode olvidar, entretanto, que a estrutura normativa que trata dos direitos de defesa prevista na Constituição Federal não é a mesma daquela que resguarda os direitos sociais. Essas duas categorias de direitos fundamentais foram firmadas e reconhecidas sobre estruturas normativas sólidas, porém, dotadas de aplicabilidade e efetividade distintas. Acerca dessa distinção, Clèmerson Merlin Clève (2003) explica: No sítio dos direitos de defesa, ocorrente hipótese de violação, o papel do juiz como guardião da ordem constitucional não exige, no geral, uma atuação além da censura judicial à ação do poder público. A situação muda em relação aos direitos prestacionais, exigentes de uma atuação positiva do poder público, em particular porque o âmbito material definitivo desses direitos depende de uma manifestação legislativa (e material) do Estado. Além disso, esses direitos são insuscetíveis de realização integral (o horizonte é sempre infinito), pois o seu cumprimento implica uma caminhada progressiva sempre dependente do ambiente social no qual se inserem, do grau de riqueza da sociedade e da eficiência e elasticidade dos mecanismos de expropriação (da sociedade, pelo Estado) e de alocação (justiça distributiva) de recursos. Mais do que isso, a realização desses direitos pressupõe a existência de uma bem elaborada peça orçamentária, mecanismo através do qual o Estado maneja os recursos públicos ordenando as prioridades para a despesa uma vez observada a restrição da receita.
Todavia, embora reconhecidamente dotados de aplicabilidade diversa dos direitos de defesa, os direitos sociais de prestação acabam por integrar o raciocínio de que não existe norma constitucional desprovida de eficácia a aplicabilidade. Segundo a melhor doutrina (BARROSO, 2006, p. 254), a Constituição, por ser a ordenação suprema do Estado e possuir a sua própria força normativa, deve encontrar em si mesma a tutela e a garantia de seus comandos, de forma a alcançar a sua máxima efetividade. Partindo dessa premissa, o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, reconhecendo a preponderância dos direitos fundamentais sobre todo o ordenamento jurídico pátrio, revela que “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” 2.
Para Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 284) este dispositivo constitucional possui a natureza de princípio, devendo ser interpretado como um mandado de otimização ou maximização de todo o ordenamento dos direitos fundamentais, de forma a imprimir ao Estado a tarefa de reconhecer e possibilitar o seu maior grau de eficácia. Deste modo, o preceito é capaz de gerar uma presunção em favor da plena aplicabilidade das normas definidoras de direitos fundamentais, buscando-se a máxima efetividade da norma constitucional. O mencionado autor (2007, p. 274) ainda destaca: Em que pese a circunstância de que a situação topográfica do dispositivo poderia sugerir uma aplicação da norma contida no art. 5º, § 1º, da CF apenas aos direitos individuais e coletivos (a exemplo do que ocorre com o § 2º do mesmo artigo), o fato é que este argumento não corresponde à expressão literal do dispositivo, que utiliza a formulação genérica ‘direitos e garantias fundamentais’, tal como consignada na epígrafe do Título II de nossa Lei Suprema, revelando que, mesmo em se procedendo a uma interpretação meramente literal, não há como sustentar uma redução do âmbito de aplicação da norma a qualquer das categorias especificas de direitos fundamentais consagradas em nossa Constituição [...].
Desta forma, não se pode negar que o comando inserido no artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, deve ser interpretado de forma extensiva para alcançar todo o sistema dos direitos fundamentais, impedindo que algumas categorias, tais como os direitos sociais de prestação – inclusive aqueles relativos à proteção ambiental – que dependem de uma atuação positiva do Estado, se tornem letra morta no texto constitucional. Este dispositivo constitucional, que representa toda a supremacia que o Constituinte Originário objetivou imprimir aos direitos fundamentais, acaba por justificar a afirmação de que não existe diferença de regime jurídico entre os direitos sociais de prestação e os direitos de defesa. Embora seja inegável, como afirmado anteriormente, que existe uma distinção entre as singulares estruturas normativas dessas duas categorias de direitos fundamentais, que confere aos direitos de defesa um maior grau de aplicabilidade, o regime jurídico de ambas é o mesmo, ao contrário do que ocorre com a Constituição Portuguesa, que diferencia o regime jurídico entre os direitos sociais e os direitos, garantias e liberdades (CANOTILHO, 1995, p. 543). Entretanto, apesar do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, orientar todo o sistema dos direitos fundamentais, a questão da aplicabilidade dos direitos sociais de prestação não se encontra resolvida, não podendo ser solucionada com a regra cartesiana do “tudo ou nada”, dependo, pois, da análise de cada situação em concreto. Ressalte-se que, independentemente de sua forma de positivação, os direitos sociais prestacionais sempre estarão aptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos. Esta constatação decorre da própria noção, já mencionada, de que toda norma constitucional possui eficácia e aplicabilidade. O grau de eficácia dos direitos sociais de prestação, todavia, dependerá de sua forma de positivação no texto constitucional e das peculiaridades do seu objeto (SARLET, 2007, p. 297). Como afirma Celso Ribeiro Bastos (1997, p. 84): Hoje não se admite que a ineficácia seja o timbre da Constituição. Pelo contrário, o que se reconhece é
que todas as normas constitucionais têm um mínimo de eficácia. O que se costuma admitir, todavia, são graus diferentes de aplicabilidade.
Assim, partindo-se de uma concepção prospectiva das normas constitucionais, adequada aos valores modernos de garantia da dignidade da pessoa humana, participação popular na escolha das políticas públicas e sustentabilidade, ganha relevo a interpretação de que as normas definidoras de direitos sociais, embora não contenham, em muitos casos, todos os elementos suficientes para sua efetivação, podem ser imediatamente aplicadas diante da análise da hipótese em concreto. No caso específico da proteção ambiental, esta noção de aplicabilidade imediata ganha ainda maior relevo se considerado que os incisos VI e VII do artigo 23, da Carta Magna3, definem como competência comum da União, Estados, Municípios e Distrito Federal “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”. Desse modo, a tutela do meio ambiente depende de uma vigilante atuação dos Entes Federados no sentido de concretizar o modelo de amparo ambiental constitucionalmente imposto. Certamente o exercício deste modelo exige ampla e efetiva cooperação dos órgãos e pessoas políticas envolvidas, em uma nítida interpretação de que a atuação isolada, por si só, não é capaz de atingir a pretensão constitucional. Por outro lado, em princípio, não há hierarquia de atribuições no sentido de se garantir a aplicabilidade da proteção ambiental. E a necessidade de efetivação dessa proteção possui alcance tão elevado, por se tratar exatamente de um direito que envolve não somente um indivíduo, mas a própria qualidade de vida da humanidade, que deve resguardar e preservar valores que transcendem o próprio interesse do município ou de determinada região. Ao tratar de questão específica que envolveu a necessidade de proteção ao meio ambiente através do desenvolvimento sustentável, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região4, se pronunciou nos seguintes termos: [...] V - Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC n° 3540/DF - ReI. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria
existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. VI - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada).[...]
3 RESERVA DO ORÇAMENTÁRIAS E MATÉRIA AMBIENTAL
POSSÍVEL, LIMITAÇÕES MÍNIMO EXISTENCIAL EM
Outro aspecto fundamental que merece destaque ao ser mencionado é a efetividade dos direitos sociais de prestação – aqui em especial a proteção ao meio ambiente – consiste no fato de que, por se tratarem de exigências positivas, que demandam, obviamente, a utilização de recursos materiais, encontram-se dependentes da disponibilidade econômica e orçamentária do Estado. Para a consecução de suas atividades, o Estado define o seu plano de atuação dentro de um instrumento chamado orçamento. De iniciativa do Poder Executivo, “a Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica, financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade, universalidade e anualidade”5, conforme dispõe o artigo 2º, da Lei federal nº 4.320, de 17.03.1964, que, embora aprovada na origem como lei ordinária, foi recepcionada materialmente como lei complementar, em virtude do disposto no artigo 163, da Constituição Federal6. O tributarista Kiyoshi Harada (2003, p. 75), ao comentar o conceito de orçamento, explica: Classicamente, o orçamento é conhecido como uma peça que contém a aprovação prévia da despesa e da receita para um período determinado. (...) No Estado moderno, não mais existe lugar para orçamento público que não leve em conta os interesses da sociedade. Daí porque o orçamento sempre reflete um plano de ação governamental. Daí, também, seu caráter de instrumento representativo da vontade popular, o que justifica a crescente atuação legislativa no campo orçamentário.
Sabendo que o orçamento é o instrumento pelo qual, mediante lei, o Estado define as receitas e fixa as despesas a serem efetuadas em determinado período de tempo, pode-se afirmar, seguramente, que a efetivação dos direitos sociais prestacionais está a ele vinculada, por exigir a disponibilidade de recursos financeiros. A capacidade do Estado como ordenador de despesas encontra limites na escassez de recursos, sendo que as
políticas públicas devem ser elaboradas e efetivadas de acordo com as possibilidades materiais do Ente Federativo, ou seja, de acordo com a reserva do possível. A teoria da reserva do possível tem origem na Corte Constitucional Federal da Alemanha, onde se sustentou que as limitações de ordem econômica podem comprometer a plena efetivação dos direitos sociais, conforme se depreende do célebre julgamento mencionado na BverfGE (coletânea das decisões do Tribunal Constitucional Federal) nº 33, S. 3337. Segundo este leading case, os indivíduos somente podem exigir do Estado a execução de uma prestação ou o atendimento de um interesse, desde que observados os limites da razoabilidade. Sobre essa relevante decisão da justiça tedesca, Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 304) acrescenta: [...] colhe-se o ensejo de referir decisão da Corte Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou jurisprudência no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador.
Assim, restou difundido o entendimento de que a viabilização dos direitos sociais, através da execução de políticas públicas, está condicionada à existência de recursos materiais disponíveis para tal, sendo que o Estado, apesar de obrigado a cumprir as normas assecuratórias de prestações sociais, poderá se escusar da obrigação em virtude de impossibilidades materiais devidamente comprovadas. O questionamento a que se chegou a partir da aplicação da teoria da reserva do possível como limitadora da efetivação dos direitos sociais foi justamente em saber até que ponto as prestações estatais poderão ser reduzidas pela escassez de recursos orçamentários. Ou seja, até onde e quando o Estado poderá, calcado no argumento de que não possui reservas suficientes, limitar as políticas públicas. Qual seria o critério de “razoabilidade” mencionado pela Corte Constitucional Germânica? O outro ponto intrigante foi definir os limites de atuação do Poder Judiciário na elaboração e execução de políticas públicas pelo Estado. Os magistrados poderiam, sem causar flagrante ofensa ao princípio da separação dos poderes, intervir nas escolhas orçamentárias? Essas duas questões foram amplamente debatidas nos mais diversos graus de jurisdição pátrios, sendo que ainda não se encontram totalmente pacificadas. Entretanto, em emblemático julgamento sobre o tema, o Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, definiu as linhas mestras que nortearam o posicionamento majoritário atual de que o Poder Judiciário pode intervir na formulação das políticas públicas para assegurar a garantia do mínimo existencial, a menor porção necessária para se manter a dignidade humana através das prestações estatais.
Os argumentos da decisão monocrática8 são bastante lúcidos: [...] É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ‘Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976’, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. [...] Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, ‘The Cost of Rights’, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. [...]
Invocando as lições de Ana Paula Barcellos e colocando a dignidade da pessoa humana como foco central a ser observado pelas políticas públicas, prossegue, com maestria, o decano do Supremo Tribunal Federal: [...] Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (‘A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais’, p. 245-246, 2002, Renovar): ‘Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.’ Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de
modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. [...]
Dessa forma, apesar da efetivação dos direitos sociais estar vinculada à reserva do possível, a parcela mínima necessária à garantia da dignidade humana jamais poderá ser negligenciada pelo Poder Público. Trabalhando o conceito de dignidade da pessoa humana, pode ser afirmado que esta se desdobra em duas dimensões, sendo uma negativa e outra positiva, sobre as quais Nelson Rosenvald (2005, p. 08) tece os seguintes comentários: Aquela significa a imunidade do indivíduo a ofensas e humilhações, mediante ataques à sua autonomia por parte do Estado e da sociedade. Já a dimensão positiva importa em reconhecimento da autodeterminação de cada homem, pela promoção de condições que viabilizem e removam toda sorte de obstáculos que impeçam uma vida digna.
É justamente inserida nessa dimensão positiva do princípio da dignidade da pessoa humana que se encontra a noção do mínimo existencial a ser resguardado. A preocupação com o mínimo existencial exige a garantia de meios que satisfaçam as mínimas condições de vida digna do indivíduo. Nesse aspecto, o mínimo existencial vincula as prestações estatais para que sejam cumpridas as aspirações do Estado Democrático de Direito. E, no que tange à proteção ambiental, que certamente envolve vários custos de implementação e manutenção – educação, fiscalização, prevenção, construção de aterros sanitários, tratamento de resíduos sólidos, depósitos de rejeitos radioativos e outros – a reserva do possível não pode ser um entrave à realização de políticas públicas que se relacionam não somente com a qualidade de vida do indivíduo, mas também com a própria manutenção do equilíbrio planetário. Afinal, a vida e o meio ambiente se entrelaçam de forma íntima, não podendo ser apartados por conceitos jurídicos, relativos a questões meramente orgânicas. Se a vida é fonte primária de proteção constitucional, isto implica em uma proteção automática e lógica ao meio ambiente. E a proteção ao meio ambiente induz, necessariamente, à proteção à vida, à existência digna, ao mínimo existencial. Negar proteção pétrea ao direito difuso do meio ambiente é afrontar a Lei Maior com a negativa de proteção ao demais direitos fundamentais (individuais), porquanto não há como cindir a íntima correlação do direito à vida, à saúde, de desenvolvimento sustentável, dentre outros, com a necessidade de um ambiente sadio. Impossível dissociar. A dignidade humana, v.g. de morar, trabalhar, transcende o possuir casa ou emprego. (ALONSO JÚNIOR, 2006, p. 48)
Assim, a proteção ao meio ambiente compõe o núcleo essencial da dignidade humana, integrando, por isso mesmo, a noção de mínimo existencial. Não por acaso, a proteção ambiental se insere em uma das principais pautas dentre as discussões mundiais sobre a existência e desenvolvimento humanos. Sobre este aspecto da discussão ambiental, o Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI nº 3540-MC/DF9, proferiu voto contundente: [...] A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, “Direito Ambiental Internacional”, 2ª ed. 2002, Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu, ao gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar. [...]
O bem ambiental é, deste modo, um bem que possui uma característica constitucional mais relevante por ser essencial à sadia qualidade de vida, sendo ontologicamente de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, sendo, assim, bem fundamental à garantia da dignidade da pessoa humana (FIORILLO, 2004, p. 54). Assim, a necessidade da proteção ambiental relaciona-se, também, com a garantia de um mínimo de qualidade ecológica necessária a propiciar o desenvolvimento harmônico da vida das gerações futuras. Para tanto, o Estado não pode se esquivar de sua obrigação de efetivar políticas públicas que viabilizem uma vida digna e saudável aos indivíduos. Por tudo isso, não é demais reafirmar que a garantia da dignidade humana revela o padrão mínimo da efetivação dos direitos sociais do indivíduo. Sem a proteção da existência humana digna, perdem a razão de ser o Estado, o Direito como ciência, as leis como pacificadoras da ordem social e toda a evolução teórica dos direitos fundamentais. Segundo Édis Milaré (2007, p. 151) Não cabe, pois, à Administração deixar de proteger e preservar o meio ambiente a pretexto de que tal não se encontra entre suas prioridades públicas. [...] A matéria não mais se insere no campo da discricionariedade administrativa.
A jurisprudência pátria, por seu turno, tem reconhecido que a proteção ambiental não pode ser limitada sob o argumento de restrições orçamentárias e a reserva do possível, conforme demonstra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul10: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – AFASTADA – JUDICIÁRIO QUE NÃO EXTRAPOLA O PRINCÍPIO DE INDEPENDÊNCIA DOS PODERES – RESÍDUOS SÓLIDOS DE MUNICÍPIO DEPOSITADOS EM LOCAL INADEQUADO – SAÚDE PÚBLICA – PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL – RECURSO IMPROVIDO. Toda vez que a Administração não atuar de modo satisfatório na defesa do meio ambiente, omitindo-se no seu dever de agir, caberá à coletividade, por intermédio de seus representantes legitimados buscar perante o Judiciário o estabelecimento da boa gestão ambiental. Existindo provas suficientes nos autos, que dão conta que os resíduos sólidos do município estão sendo depositados em local inadequado, cabe a ele elaborar um projeto para instalação de aterro sanitário
adequado, em respeito à saúde pública da população. O princípio da reserva do possível não pode servir de fundamento para que o Poder Público não cumpra o seu dever de proteção ao meio ambiente e à saúde pública. [...]
Na mesma linha, segue o Tribunal Regional Federal da 5ª Região11: [...] 2. É fato incontroverso que os Municípios réus promovem, ilegalmente, o descarte de resíduos sólidos a céu aberto, diretamente sobre o solo, formando “lixões”. Além de tal situação não ser negada pelos réus, foram eles autuados pelo IBAMA, por fazerem funcionar “lixões”, potencialmente poluidores, em local impróprio, sem o necessário licenciamento ambiental e sem qualquer tipo de cautela no tratamento dos rejeitos domésticos, colocando em risco o meio ambiente e à saúde da população. [...]. 3. Reza a CF/88 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225, caput). [...] 7. Sobre a cláusula da reserva do possível, invocada pelo recorrente, é de se destacar a leitura que o STF a ela tem atribuído: “CONTROVÉRSIA PERTINENTE À ‘RESERVA DO POSSÍVEL’ E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS ‘ESCOLHAS TRÁGICAS’. - A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras ‘escolhas trágicas’, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição - encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). [...]” (2T, ARE 639337 AgR, Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 23/08/2011). 8. In casu, há mais um motivo para se afastar a alegação da reserva do possível. [...] Portanto, vê-se que a alegação de insuficiência de recursos próprios não merece acolhida, já que os Municípios poderiam postular a concessão de recursos federais para a obra, desde que fizessem a sua parte. Acresça-se que, a despeito do deferimento de providência liminar, o Município de São Miguel de Taipu apresentou apenas um Projeto de Aterro Sanitário, inclusive não acatado pelo órgão ambiental, por não estar em conformidade com a legislação, deixando de apresentar um Projeto de Recuperação da Área Degradada, ao passo que o Município de Pilar, não apresentou qualquer dos dois documentos (sequer recorreu), o que atesta, além do desrespeito às determinações judiciais, um manifesto desinteresse e desleixo na solução do problema. [...]
De fato, a norma nuclear de proteção ambiental inserida no artigo 225, da Constituição Federal, possui tamanha relevância dentro do sistema garantidor dos direitos fundamentais, que, além de outros dispositivos que objetivam lhe assegurar ampla efetividade, não se pode descurar do inciso LXXII do artigo 5º, que assegura a
qualquer cidadão o direito de propor ação popular na defesa de atos lesivos aos interesses sociais ali previstos, inclusive o meio ambiente12. Assim, por se tratar exatamente da essência que envolve e até mesmo precede os demais direitos sociais, a efetivação da proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, embora recaia com maior peso sobre a Administração Pública, possui uma responsabilidade compartilhada com os demais setores sociais, que também devem zelar pela sua concretização ou, ao menos, exigir o seu cumprimento pelo Poder Público.
4 CONCLUSÃO Os direitos sociais de prestação são dotados de importância única dentro de qualquer Estado Democrático de Direito. Por sua vez, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225, da Constituição Federal, possui um caráter multifacetado, com dimensão individual e coletiva, uma vez que a realização desse direito na esfera individual induz, necessariamente, a uma realização social que transcende a figura da pessoa unicamente considerada. Assume também, portanto, um caráter de direito social de prestação, que exige do Estado a implementação de ações positivas no sentido de se garantir e efetivar a proteção ambiental. Exatamente pelo fato de dependerem de prestações positivas por parte do Estado, os direitos sociais de prestação acabam por esbarrar nas limitações de recursos materiais e financeiros que condicionam a Administração Pública e, ainda, enfrentam as especificidades contidas no orçamento, que fixa as previsões de receita e define a despesas a serem efetuadas. Nesse ponto, a efetivação dos direitos sociais acaba por sofrer restrições condicionadas à teoria da reserva do possível, ao argumento de que o Estado somente poderá implementar as políticas públicas dentro de sua capacidade financeira. Entretanto, a reserva do possível jamais poderá se tornar um óbice à preservação do mínimo necessário para a garantia da dignidade humana. Sem o mínimo existencial, não há que se falar em liberdade e/ou igualdade, pois a dignidade humana é o alicerce e o ponto de partida para a efetivação de qualquer direito fundamental. E o direito à proteção ambiental não pode ser dissociado dos conceitos de dignidade da pessoa humana e mínimo existencial. Pelo contrário, eles se inter-relacionam, uma vez que a espécie humana depende completamente do meio ambiente para a sua sobrevivência, desenvolvimento econômico e social. Afinal, existe um paralelo entre os direitos humanos mais fundamentais e a proteção ao meio ambiente. Se o Estado deve tomar providências para proteger a vida humana, automaticamente ele está obrigado a proteger e tomar ações afirmativas para preservar o meio ambiente. Assim, as limitações orçamentárias não podem servir de pretexto para a não efetivação de políticas públicas que objetivem, ainda que por via reflexa, a preservação de uma vida digna, sadia e ecologicamente equilibrada. A própria existência humana, que se
constitui uma condição de pré-liberdade, encontra no meio ambiente os seus elementos mais básicos. E a responsabilidade de se tomar medidas de proteção ambiental, embora recaia em maior peso sobre os ombros dos gestores públicos, deve ser compartilhada com os demais setores sociais – sejam eles setores industriais, urbanos ou rurais – desde a menor até a maior esfera da sociedade organizada, não só para diminuir os impactos da ação humana no meio ambiente, mas também para exigir do Poder Público, ainda que por intermédio da intervenção judicial, a concretização de medidas que ampliem a seu alcance e possibilitem a sua plena efetivação.
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1 Procurador da Fazenda Nacional em Goiás. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Paulista de Direito. Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Exprofessor substituto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Ex-membro da Comissão Executiva da Escola da Advocacia-Geral da União em Goiás. Ex-diretor estadual do Centro de Altos Estudos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. 2 Art. 5º [...] § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 3 Art. Art. 23. É competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; [...]” 4 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Apelação Cível, Rel. Desor. Federal Souza Prudente, Quinta Turma, e-DJF1 de 22.04.2014, p. 360. Disponível em http://www.trf1.jus.br. Acesso em 01.07.2014. 5 BRASIL. Lei nº 4.320, de 17.03.1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em 01.08.2014.. 6 Art. 163. Lei complementar disporá sobre: I – finanças públicas; [...] 7 KRELL, Andréas Joaquim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des) caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2002, p. 52 apud BIGOLIN, Giovani. A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais. Revista de doutrina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br. Acesso em 28.07.2014. 8 Supremo Tribunal Federal, ADPF nº 45 MC/DF, Rel. Min. Celso de Melo, DJU de 04.05.2004. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 24.07.2014. 9 Supremo Tribunal Federal, ADI nº 3540-MC/DF, Rel. Min. Celso de Melo, DJU de 03.02.2006. Disponível em http://www.stf.gov.br. Acesso em 24.07.2014. 10 Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, AC nº 2005.016035-6/0000-00, Rel. Desor. Rêmolo Letteriello, DJE de 28.03.2006. Disponível em http://www.tjms.jus.br. Acesso em 24.07.2014. 11 Tribunal Regional Federal da 5ª Região, AC nº 200782000093547, Rel. Desor. Federal Francisco Cavalcanti, DJE 04.05.2012, p. 167. Disponível em http://www.trf5.jus.br. Acesso em 24.07.2014. 12 Art. 5º [...] LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (...)
A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AMBIENTAIS Fernanda Rodrigues Pires de Moraes1
RESUMO O presente artigo discute a ideia do Direito Ambiental como expressão de uma das dimensões dos Direitos Humanos, pois tem como fim a preservação da vida, bem essencial para que seja possível a existência e exercício de qualquer outro direito. Para atingir tal objetivo, este trabalho apresentará os modos de construção dos Direitos Humanos Ambientais, por meio do processo de evolução dos Direitos Humanos. Demonstrar-se-á que tanto no nível internacional, quanto no âmbito nacional, verifica-se a estreita relação entre os sistemas de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, dada a importância daquele bem supremo. Seguindo esta lógica, o direito a um meio ambiente equilibrado pode ser classificado como um direito de terceira geração ou direito de solidariedade. Se a proteção ambiental tem como uma das suas principais metas garantir a manutenção ou criação de um ambiente saudável ao desenvolvimento da espécie humana, pode-se defender que o direito ao ambiente sadio é, inexoravelmente, um direito humano, mesmo não estando assim consagrado em nenhum instrumento jurídico internacional sobre direitos humanos. Palavras chave: Meio Ambiente. Direitos Humanos. Sustentabilidade. Desenvolvimento.
ABSTRACT This article discusses the idea of environmental law as an expression of one of the dimensions of Human Rights, it has to end the preservation of life and essential to make possible the existence or exercise of any other right . To achieve this goal, this paper presents the methods of construction Environmental Human Rights , through the evolution of human rights process. Both at the international level, as at the national level, there is a close relationship between the systems of protection of human rights and the environment, given the importance of that supreme good - will prove . Following this logic , the right to a balanced environment can be classified as a third-generation law or law of solidarity . If environmental protection has as one of its main goals to ensure the maintenance or creation of a healthy environment for the development of the human species , it can be argued that the right to a healthy environment is inexorably a human right , even if not so enshrined in no international legal instrument on human rights . Keywords: Environment. Human Rights. Sustainability. Development.
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho discorrerá sobre a construção dos Direitos Humanos Ambientais, através do processo de evolução dos Direitos Humanos. A proposta é passar pela trajetória de sua construção, por meio do desenvolvimento da empatia via estudos de romances e da arte e, em seguida, com as Declarações Americana e Francesa; a sua desconstrução, com a Segunda Guerra Mundial; e a reconstrução no pós-guerra, com a Declaração de 1948. Este artigo abordará que os direitos humanos, por se tratar de aspiração moral e produto da evolução das sociedades, nascem quando devem e podem nascer sendo, assim, uma construção humana em contínua evolução. Destacar-se-á que tal afirmação irá
nos direcionar aos Direitos Humanos Ambientais, isto é, discutiremos a ideia de que o direito ao meio ambiente equilibrado é expressão de uma das dimensões dos Direitos Humanos, pois tem como fim a preservação da vida, bem essencial para que seja possível a existência e exercício de qualquer outro direito. Pretende-se demonstrar que tanto no nível internacional, quanto no âmbito nacional, com a Constituição de 1988, verifica-se a estreita relação entre os sistemas de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, dada a importância do direito a vida, bem supremo que deve estar associado à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, objetiva-se, com esse artigo, ao seguir a lógica dos instrumentos jurídicos internacionais e nacionais, revelar que o direito a um meio ambiente equilibrado é um direito humano e que pode se classificado como um direito de terceira geração ou de solidariedade. Visando, ainda, atingir tal objetivo, afirmar-se-á que: se a proteção ambiental tem como uma de suas principais metas a manutenção ou criação de um ambiente saudável ao desenvolvimento da espécie humana, pode-se defender que o direito ao ambiente sadio é, inexoravelmente, um direito humano, mesmo não estando assim consagrado em nenhum instrumento jurídico internacional sobre direitos humanos. Propõe-se, então, apresentar o processo de construção dos Direitos Humanos Ambientais através da evolução dos direitos humanos e da produção jurídica internacional e nacional. Para atingir esse fim, este artigo foi dividido em três partes: a primeira denominada: A Evolução dos Direitos Humanos e os Direitos Humanos Ambientais; a segunda, Direitos Humanos Ambientais e a Constituição Brasileira; e a terceira e última, Direitos Humanos Ambientais e Instrumentos Jurídicos Internacionais. Este artigo, por fim, pretende demonstrar que os direitos humanos não possuem uma natureza estanque e acabada. Pelo contrário, tais direitos são produtos da evolução das sociedades, isto é, estão em processo permanente de construção e evolução fazendo, portanto, com que, embora o reconhecimento do direito a um meio ambiente equilibrado como direito humano ainda não esteja concluído, este possa assim ser considerado.
2 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E OS DIREITOS HUMANOS AMBIENTAIS Antes de adentrar no estudo dos Direitos Humanos Ambientais é imperioso estudar o processo de evolução dos direitos humanos: do seu surgimento até os dias de hoje, passando por sua construção, desconstrução e reconstrução, que permitirá afirmar que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito humano por excelência, embora assim não expressamente considerado nos instrumentos jurídicos internacionais e nacionais. O nascimento e a prática dos direitos humanos na América do Norte e na Europa e sua propagação por quase todo o globo, se deu basicamente por meio de três textos
históricos essenciais, quais sejam: A Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, surgida na Revolução Francesa; e a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pelas Nações Unidas em 1948. O livro a Invenção dos Direitos Humanos: uma história, de Lynn Hunt (2009, p. 38/50), importante referencial deste artigo, demonstrou que antes que as sociedades, nações e povos pudessem reconhecer e defender os direitos fundamentais dos outros, as pessoas precisaram desenvolver a empatia interior pela individualidade e, inclusive, pela integridade corporal dos demais indivíduos. Para atingir esse fim, os romances, em especial os epistolares, como, por exemplo, Clarissa (1747), de Samuel Richardson, e o desenvolvimento das artes no século XVIII, na França e por toda a Europa, segundo a autora, foram imprescindíveis. Entretanto, aprender a sentir empatia, ou melhor, a habilidade de se reconhecer no outro, apesar de abrir o caminho para os direitos humanos, não garantia que todos seriam capazes de trilhar esse caminho. Segundo a citada autora, embora Jefferson, autor da Declaração da Independência Americana pressionasse pelo mais elevado “grau de liberdade imaginável”, esta era pensada apenas para o maior número de homens brancos que fosse possível, o que não incluía os escravos e as mulheres. O surgimento dos direitos humanos estava, nesse contexto, intimamente relacionado com uma nova disposição social e política na qual as pessoas passam a ser vistas como autônomas e semelhantes. Exemplo emblemático dessa afirmação, nos dado por Lynn Hunt, é o caso de Jean Calas, protestante francês condenado por assassinar o filho, a sua tortura pública e perseverança em afirmar a inocência mesmo durante os tormentos, que despertaram na população sentimentos de compaixão e arrependimento por seus julgamentos irracionais. Em seguida, a tortura e as punições cruéis passaram a serem questionadas, especialmente, com o apoio de Voltaire e o italiano Cesare Beccaria. Assim, nos anos 1780, a abolição da tortura e formas cruéis de punição física havia se tornando elementos essenciais na nova doutrina dos direitos humanos e, não apenas na França, mas em outros países Europeus e nas colônias americanas. A declaração formal de direitos foi importante, não só por confirmarem uma mudança nas atitudes, como também, pelas suas repercussões. Neste aspecto, as declarações propiciaram o surgimento de inúmeras outras causas de direitos humanos que ecoam até os dias de hoje e, via de consequência, vai nos possibilitar defender que o direito ao meio ambiente equilibrado é expressão de uma das dimensões dos direitos humanos. Além disso, o próprio ato de declarar indicou mudanças na soberania. Neste sentido, a Declaração da Independência significou o apoderamento da soberania pelas colônias americanas e a Declaração francesa, apesar de não repudiar diretamente a soberania de seu rei, deixou explícito que os direitos não decorriam de um acordo entre o governo e os cidadãos, mas sim da natureza própria dos seres humanos (autoevidentes). Desse modo, o ponto em comum das duas declarações e totalmente novo, foi o nascimento de governos
justificados pela sua garantia dos direitos universais. Por conseguinte, a autora da obra referida, ao nos apresentar alguns dos efeitos concretos e sucessivos das declarações dos direitos, afirmou: “As questões dos direitos revelavam, portanto, uma tendência a se suceder em cascata” (HUNT, 2009, p.147). Neste contexto, os direitos iguais dos protestantes, seguida dos atores, carrascos e demais profissionais, judeus, homens sem propriedade, os homens negros livres, criados, desempregados, escravos, dentre outros, e por último das mulheres (que só votaram no século XX), entraram em pauta. Assim, a título de ilustração, em 1791, o governo revolucionário francês concedeu direitos iguais aos judeus; em 1792, os homens sem propriedade tiveram direito ao voto; e em 1794, o governo francês aboliu oficialmente a escravidão. O fundamento era: se “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (HUNT, 2009, p.146/149), nos termos da Declaração Francesa de 1789, não justificaria a discriminação. Lynn Hunt, no último capítulo da sua obra, “A força maleável da humanidade” expõe os motivos por que os direitos humanos fracassaram a princípio, mas tiveram sucesso no longo prazo. A obra aborda a respeito da “longa lacuna na história dos direitos humanos, de sua formulação inicial nas declarações americana e francesa até a Declaração Universal das Nações Unidas em 1948” (HUNT, 2009, p.177). Segundo a autora, tal cenário se deu em razão do fato de que o debate sobre os direitos naturais universalmente aplicáveis terem diminuído nos séculos XVIII e XIX, pois o foco estava na nação. Neste período, quando se falava em direitos, falava-se em direitos enquanto cidadão americano, britânico, francês, alemão, etc., ou seja, eram direitos específicos de um povo. Durante a referida lacuna, o nacionalismo passou por duas fases, a primeira da autodeterminação, tradicionalista e, após 1815, assumiu, gradualmente, posição de estrutura dominante para os direitos, com a queda de Napoleão e o fim da era revolucionária, quando se tornou mais fechado e defensivo. Em consequência, as afirmações de igualdade natural de toda a humanidade levaram, surpreendentemente, a defesas globais sobre a diferença natural, criando um novo opositor dos direitos humanos, mais forte que os tradicionalistas. Assim, a ideia de direitos humanos possibilitou o surgimento do sexismo, racismo e o antissemitismo, estes agora com justificativas biológicas para o caráter natural da diferença humana. Tal situação, só foi revertida com a perda da confiança na nação após as duas grandes guerras mundiais desastrosas. As barbáries praticadas durante a Segunda Guerra Mundial, com seus 60 milhões de mortos, tornaram imperativas, por fim, a promulgação pelas Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Esta reafirmou não só os direitos individuais do século XVIII, mas proibia, também, a escravidão; providenciou o sufrágio universal e igual, por meio de votação secreta; requeria a liberdade de ir e vir; o direito a uma nacionalidade; o direito de trabalhar com pagamento igual para trabalho igual; o direito a educação, dentre outros. Do exposto, verifica-se que direitos humanos passaram por um processo de
construção (inicialmente, com o desenvolvimento da empatia, por meio dos romances e da arte; e em seguida, com as Declarações Americana e Francesa), desconstrução (Segunda Guerra Mundial) e reconstrução (pós-guerra: Declaração de 1948); e que, por se tratar de aspiração moral e produto da evolução das sociedades, nascem quando devem e podem nascer. Norberto Bobbio (apud PIOSEVAN, 2004), ao tratar do tema, acertadamente destacou que estes não nascem todos de uma vez, e nem de uma vez por todas. E, em apoio a essa afirmação, podemos citar Hannah Arendt (apud PIOSEVAN, 2004), para quem os direitos humanos não são um dado, mas um constructo, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Tais assertivas irão nos direcionar aos Direitos Humanos Ambientais. Nesta esteira de raciocínio, impende considerar que a definição de direitos humanos leva a uma pluralidade de significados, dada a historicidade desses direitos. A concepção contemporânea de direitos humanos, introduzida com a Declaração Universal de 1948 e reafirmada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, se destaca. E, advém da internacionalização dos direitos humanos, surgido no pós-guerra, como resposta às atrocidades do regime nazista. É neste contexto, através da Declaração de 1948, que surge a luta pela reconstrução dos direitos humanos como fundamento ético a nortear a ordem internacional contemporânea. A Declaração, assim, consolida uma visão integral dos direitos humanos caracterizada pela universalidade e pela indivisibilidade desses direitos. A Declaração de 1948 favoreceu, ainda, a inserção do assunto no legítimo interesse da comunidade internacional, isto é, a proteção dos direitos humanos não deve mais se limitar, exclusivamente, à competência nacional. Por conseguinte, é necessária a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a ser relativizada, em razão de estarem autorizadas interferências no âmbito nacional em defesa dos direitos humanos; bem como, sedimenta-se a ideia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, como sujeito direito. Na sequência, o direito internacional passou da sua fase clássica, do direito de paz e da guerra, para a moderna, o do direito de cooperação e da solidariedade. A partir da Declaração 1948, e da contemporânea visão dos direitos humanos, por ela inserida, desenvolve-se o direito internacional dos direitos humanos, através da adoção de vários tratados internacionais direcionados a tutelar os direitos fundamentais. Tais tratados compõem o sistema internacional de proteção dos direitos humanos (decorrência da universalização desses direitos), que pleiteiam por parâmetros mínimos de proteção na esfera internacional. Além disso, ante a indivisibilidade dos direitos humanos, de acordo com a visão normativa internacional, está ultrapassado o entendimento que considera como não legais os direitos sociais, econômicos e culturais. A compreensão destes direitos nos leva diretamente ao direito ao desenvolvimento, consequentemente, é adotada pela ONU a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, em 1986, por 146 Estados, com um voto contrário (o dos Estados Unidos), e oito abstenções. O artigo 2º da citada Declaração assevera: “1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser
participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento” (ONU, Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986). Já o artigo 4º destaca que: 1. Os Estados têm o dever de, individual e coletivamente, tomar medidas para formular as políticas internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização do direito ao desenvolvimento. 2. É necessária a ação permanente para promover um desenvolvimento mais rápido dos países em desenvolvimento. Como complemento dos esforços dos países em desenvolvimento, uma cooperação internacional efetiva é essencial para prover esses países de meios e facilidades apropriados para incrementar seu amplo desenvolvimento (ONU, Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986).
A Declaração de Viena, de 1993, subscrita por 171 Estados, fortalece a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, e reforça a legitimidade da concepção contemporânea de direitos humanos, inserida pela Declaração de 1948, adotada por 48 Estados, com oito abstenções. Afirma, ainda, a interdependência entre os valores dos direitos humanos, do desenvolvimento e da democracia. Enfatiza ser o direito ao desenvolvimento um direito universal e inalienável, parte integral dos direitos humanos fundamentais. Nesse contexto, ao falar-se em direito da pessoa humana ao desenvolvimento, como decorrência lógica, nos leva a considerar o direito ao meio ambiente equilibrado essencial à realização daquele direito. Não há como haver desenvolvimento socioeconômico dos povos sem se ter como referência a utilização racional dos recursos naturais, pois do contrário estaríamos cerceando das pessoas o direito humano a uma vida digna. A proteção do meio ambiente, assim, deve ser entendida como parte do processo econômico, vez que não há desenvolvimento sem o uso dos elementos naturais. Em razão dessa interligação, o planejamento econômico, seja privado ou estatal, deve ter como meta o desenvolvimento sustentável, que gera não só crescimento econômico, como também permite o exercício de direitos. Na história, encontram-se dados desastrosos da busca descontrolada pelo desenvolvimento econômico que deixaram como resultado a fome, a escassez e a miséria. Tais fatos demonstram a profunda associação entre o direito ao meio ambiente e os direitos humanos, impondo que sejam estes tratados de forma conjunta nas agendas internacionais e como prioridades para as ações governamentais. Entretanto, a preocupação com o meio ambiente só passou a ter um maior espaço a partir do final do século XX, em razão do eminente perigo de destruição dos diferentes ecossistemas da terra (o conjunto dos seres vivos e seus habitats) e pela exploração abusiva e crise dos elementos naturais. Neste cenário, avultou-se a importância do desenvolvimento sustentável, e Leonardo Boff define sustentabilidade da maneira mais ampla, integradora e precisa possível como: [...] toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução, e coevolução (BOFF, 2012, p.1).
O conceito apresentado está em consonância com a doutrina mais moderna no
assunto, ao fugir da limitada visão antropocêntrica, que só considera o ser humano e nada diz sobre a vida como um todo, ou melhor, tal definição dá importância aos demais seres vivos que do mesmo modo dependem da biosfera e da sustentabilidade. De volta ao processo de evolução dos direitos humanos e aos ensinamentos de Hannah Arendt, para quem os direitos humanos são uma invenção humana, em constante construção e reconstrução, afirmamos que o Direito Ambiental é expressão de uma das dimensões dos Direitos Humanos (podendo ser classificado como direito de terceira geração ou direito de solidariedade), pois tem como fim a preservação da vida, bem essencial para que seja possível a existência e exercício de qualquer outro direito. Tal assertiva advém ainda do fato de que tanto no nível internacional, quanto no âmbito nacional, o que será demonstrado adiante, verifica-se a estreita e profunda relação entre os sistemas de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, dada a importância daquele bem supremo. Desse modo, se a proteção ambiental tem como uma das suas principais metas garantir a manutenção ou criação de um ambiente saudável ao desenvolvimento da espécie humana pode-se defender que o direito ao ambiente sadio é, inexoravelmente, um direito humano, mesmo não estando assim consagrado em nenhum instrumento jurídico internacional sobre direitos humanos.
3 DIREITOS HUMANOS CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
AMBIENTAIS
E
A
A Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, expressamente, reconhece o direito de todos os seres humanos, inclusive aos que ainda estão por nascer, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao dispor: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (2013, p. ).
No parágrafo 1º, do citado artigo, a Lei Maior estabelece obrigações ao Poder Público com o objetivo de garantir a efetividade do referido direito, ao prescrever: Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (2013, p. ).
Já nos parágrafos 2º a 6º, avulta-se mais ainda a importância da preservação do meio ambiente para a nossa Norma Suprema, ao prever: § 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. (2013).
Por outro lado, no art. 5º, caput, do Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Magna Carta garante a inviolabilidade do direito à vida, bem supremo e essencial à existência de qualquer outro direito, ao prescrever: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. (2013). Grifo nosso. E mais, a dignidade da pessoa humana foi elevada pela Constituição Federal a princípio fundamental, deixando evidente que esta visa tutelar não apenas a vida em seu sentido estrito, mas uma Vida Digna, ao dispor em seu art. 1º, caput: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana” (2013, p.). E, no art. 3º estabelece os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre eles impende destacar: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (2013). Grifo nosso. Ao falar-se em garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza, como decorrência lógica, nos leva a considerar o direito ao meio ambiente equilibrado essencial à realização de tais objetivos fundamentais, vez que não há como haver desenvolvimento sem se ter em vista o paradigma da utilização racional dos recursos naturais, pois do contrário, também cercearia das pessoas o direito humano a uma vida digna. A importância dada pela nossa Constituição de se construir uma sociedade justa e
solidária e sua interligação com o meio ambiente encontra apoio nas palavras de Leonardo Boff que, ao criticar o fato de estarmos à mercê de um sistema que não visa o bem comum, mas apenas acumular, nos apresenta os seguintes dados: Chegamos à irracionalidade de ter três pessoas com uma riqueza maior que a de 46 países, onde vivem 600 milhões de pessoas. Pouco mais de 300 grupos empresariais controlam 56% de toda a riqueza do planeta. É uma sociedade cruel, em que 20% dos cidadãos consomem 80% de tudo o que a Terra produz (BOFF, 2012, p.3).
Ao tratar da ecologia mental, uma das quatro ecologias ao lado da ambiental, social e integral, Boff, indica, em outras palavras, um projeto de vida em que as relações humanas estejam no centro de medida e de valores, em detrimento da competição imposta por um capitalismo selvagem. Segundo ele, em tais relações devem prevalecer os valores da generosidade, solidariedade e do respeito, e ministra: “temos na ecologia mental, que desenvolver essas outras potencialidades que estão dentro de nós para que elas tenham como efeito uma sociedade equilibrada, mais justa, alegre e feliz” (BOFF, 2012, p.4). E, ainda ressalta: “Se o risco é global, a salvação também será global, ninguém está dispensado de dar a sua colaboração” (BOFF, 2012, p.5). Tal assertiva além de ir ao encontro das prescrições constitucionais fortalece, mais ainda, a importância da solidariedade e da cooperação dos povos em matéria de preservação e promoção de um meio ambiente equilibrado. Por fim, o art. 4º, caput, inciso II, da Constituição, determina, dentre os princípios que devem reger a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais a: “[...] II – prevalência dos direitos humanos” (2013). Ao tratar desta, Manoel Gonçalves Ferreira Filho destaca que: [...] nela o econômico e o social avultam e se destacam, nem por isso deixou de cuidar, acendradamente dos direitos e garantias fundamentais. Realmente, nela estão as liberdades públicas – primeira geração de direitos fundamentais – os direitos econômicos e sociais – segunda geração – e pelo menos o direito ao meio ambiente dos de terceira. Mais, nela se multiplicou o número de direitos apresentados como fundamentais, além de manter porta aberta para outros, implícitos ou advenientes de tratados internacionais (1996, p. 2).
Assim, a Lei Maior ao reconhecer a prevalência dos direitos humanos e por estar aberta para outros direitos fundamentais implícitos ou que venham decorrer dos tratados internacionais, revela que os direitos humanos não possuem uma natureza estaque e acabada. Pelo contrário, tais direitos é produto da evolução da sociedade, isto é, estão em processo permanente de construção fazendo, portanto, com que o direito ao meio ambiente equilibrado seja perfeitamente enquadrado como um Direito Humano.
4 DIREITOS HUMANOS AMBIENTAIS E INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS Antes do início da década de 1970, o mundo acreditava que o meio ambiente seria fonte inesgotável de recursos e que a natureza pudesse ser utilizada de maneira infinita. No entanto, as secas dos rios e lagos, mudanças no clima, deram impulso aos
questionamentos desse paradigma ambiental do mundo, com apoio em estudos científicos que revelavam problemas que poderiam advir da poluição atmosférica. Diante desta nova perspectiva, foi convocada a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, em junho de 1972, que gerou a Declaração sobre Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo), e estabeleceu princípios para questões ambientais internacionais, abordando direitos humanos, a interligação entre desenvolvimento e meio ambiente, controle do uso dos elementos naturais e prevenção da poluição. A conferência também culminou na elaboração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que deu sequência a esses esforços. Entretanto, os 113 países presentes na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, não conseguiram encontrar uma saída que possibilitasse estabelecer um equilíbrio entre a necessidade de proteção ambiental e a de desenvolvimento das sociedades pobres. Apesar deste impasse, a Conferência de Estocolmo entrou para a história como a inauguradora da agenda ambiental, como o local de origem do direito ambiental internacional e provocou mudanças na visão política mundial, que passou a ter um maior respeito à ecologia. A Conferência das Nações Unidas em Estocolmo levou ainda a criação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Embora, o trabalho desta tenha se desenvolvido nos anos 1980, ela elaborou a prévia dos documentos que desencadearam na Conferência Rio-92 e que nesta vieram a ser aprovados. O relatório Nosso futuro comum, também chamado de Relatório Brundtland (nome da ex-primeira-ministra da Noruega – Gro Harlem Brundtland, e enviada das Nações Unidas para alterações climáticas) foi um deles. Nele foi recomendada a convocação da Eco-92 pela ONU, e nesta foi apresentada pela primeira vez a seguinte definição de desenvolvimento sustentável, hoje considerada ultrapassada pela mais moderna doutrina no assunto por ter uma perspectiva estritamente antropocêntrica: “sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (ONU, Relatório Brundtland, 1987). Na sequência, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em seu preâmbulo, reafirma a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, adotada em Estocolmo em 1972 e se reconhece a natureza como interdependente e integrada ao planeta Terra – “nosso lar”. E, defende que todas as pessoas devem estar no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável e que todos os seres humanos “[...] têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza” (ONU, 1992). Por conseguinte, a sustentabilidade vem sendo, nas últimas décadas, atrelada ao desenvolvimento, vez que ela busca o equilíbrio entre ser humano, desenvolvimento e Terra (Gaia). A proteção ambiental passa assim a ser um instrumento para promover o desenvolvimento humano e começa a ser reconhecida a profunda interligação entre desenvolvimento, meio ambiente e direitos humanos. A título de exemplo, o Instituto de Direito Internacional, na sessão de Estrasburgo, em 1997, reconheceu expressamente que
“todo ser humano tem o direito de viver em um ambiente sadio” (MACHADO, 2005, p. 54), deixando nítida, portanto, a estreita ligação entre Direito Ambiental e Direitos Humanos. Por outro lado e em reforço, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em seu art. 6º, considera o direito à vida como o “direito inerente à pessoa humana” e que deve ser protegido contra arbitrariedades, demonstrando que este direito é um direito fundamental reconhecido universalmente. A agenda 21, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, e que conta com adesão de quase todos os países, afirma que “a pobreza e a degradação ambiental estão intimamente interligadas” (ONU, 1992), revelando a importância de uma política global que tenha por meta um progresso sustentável. Neste sentido, passa a ser defendida a ideia de que não se pode falar em vida digna sem a existência de um meio ambiente sadio. No artigo Direitos Humanos Ambientais, Teresinha Schewenck nos relatou que “O Projeto de Pacto sobre Conservação Ambiental e Uso Sustentável de Recursos Naturais, em 1992, expressou a clara interligação entre direito à vida e meio ambiente” (SCHEWENCK, p.11), e destacou que em seu artigo 2º prevê que, “todas as pessoas têm o direito fundamental a um meio-ambiente adequado para sua dignidade, saúde e bemestar” (SCHEWENCK, p.11). A interdependência entre direitos humanos e o meio ambiente pode ser extraída ainda, da advertência contida no relatório da Comissão sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina Caribe, de 1990, ao prever: Enfrentar a pobreza crítica que afeta a maioria da população constitui no presente a prioridade máxima para elevar a qualidade de vida. Não se poderá falar de melhoria da qualidade ambiental enquanto uma proporção elevada de nossa população continuar vivendo em condições de extrema p o b r e z a (Disponível em: http://www2.camara.leg.br/documentospesquisa/publicacoes/estnottec/tema11/pdf/002463.pdf).
Em complemento do exposto, urge apresentarmos o conceito de “qualidade de vida” nos dado por Derani, que o divide em dois aspectos: O aspecto básico do conceito consiste em seu ideal ético, assentando em valores da dignidade e bemestar. O particular é o traduzido pela abordagem histórico-material do conceito, envolvendo o aspecto físico (condições humanas do meio físico), a referência antropológica (acesso e disponibilidade dos recursos naturais pelas sociedades) e a tutela do bem-estar (atendimento das necessidades básicas) (DERANI, 1997, p. 79-80).
Os instrumentos jurídicos internacionais acima destacados, desse modo, são importantes exemplos do perfeito entrelaçamento entre desenvolvimento, meio ambiente e direitos humanos. E, não se pode olvidar que, após Estocolmo, como bem lembrado por Teresinha Schewenck: “mais de 250 tratados multilaterais e 1000 bilaterais foram firmados em relação ao meio ambiente e muitas Constituições dos países contemplam aspectos ambientais” (p.6). A Constituição Brasileira, como já destacado, é um grande referencial desta profunda interligação. A proteção do meio ambiente é, assim, essencial ao cumprimento dos direitos humanos, vez que a sua lesão, contribui diretamente para a violação de direitos nacional
e internacionalmente reconhecidos, como o direito à vida, à saúde, ao bem-estar, ao desenvolvimento sustentado, daí a íntima relação entre os sistemas de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente. Por fim, impende destacar que, embora o reconhecimento do direito a um meio ambiente equilibrado como direito humano ainda não esteja concluído, este assim pode ser considerado como decorrência lógica do processo de evolução dos direitos humanos, em constante construção. Desse modo, o Direito Ambiental é expressão de uma das dimensões dos Direitos Humanos (direito de terceira geração ou direito de solidariedade), pois tem como fim a preservação da vida, bem essencial para que seja possível a existência de qualquer outro direito.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho ora apresentado estudou a construção dos Direitos Humanos Ambientais através do processo de evolução dos Direitos Humanos, passando por sua construção, por meio do desenvolvimento da empatia através dos romances e da arte e, em seguida, com as Declarações Americana e Francesa; a sua desconstrução, com a Segunda Guerra Mundial e, reconstrução no pós-guerra, com a Declaração de 1948. Abordou-se, nesta obra, que os direitos humanos, por se tratar de aspiração moral e produto da evolução das sociedades, nascem quando devem e podem nascer. Neste sentido, demonstrou-se que tais direitos se tratam de uma construção humana em contínua evolução, na forma ensinada por Hannah Arendt. Destacou-se, ainda, que tal assertiva iria nos direcionar aos Direitos Humanos Ambientais. Para atingir este objetivo, apresentou-se o processo de construção dos Direitos Humanos Ambientais através da evolução dos direitos humanos e da produção jurídica internacional e nacional, com a divisão deste artigo em três partes: a primeira é denominada A Evolução dos Direitos Humanos e os Direitos Humanos Ambientais; a segunda, Direitos Humanos Ambientais e a Constituição Brasileira; e a terceira e última, Direitos Humanos Ambientais e Instrumentos Jurídicos Internacionais. Durante este estudo, demonstrou-se que tanto no nível internacional, quanto no âmbito nacional, com a Constituição de 1988, verificou-se a estreita relação entre os sistemas de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, dada a importância de uma vida digna. E que, seguindo esta lógica, o direito a um meio ambiente equilibrado pode ser classificado como um direito de terceira geração ou direito de solidariedade. Por fim, conclui-se que se e a proteção ambiental tem como uma das suas principais metas garantir a manutenção ou criação de um ambiente saudável ao desenvolvimento da espécie humana pode-se defender que o direito ao ambiente sadio é, inexoravelmente, um direito humano, mesmo não estando assim ainda consagrado em nenhum instrumento jurídico internacional sobre direitos humanos.
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1 Bacharel em Direito pela PUC/GO. Pós-graduada em Penal e Processo Penal pela PUC/GO/Academia de Polícia Civil do Estado de Goiás. Pós-graduada em Civil e Processo Civil pela ATAME - Pós-Graduação e Cursos Ltda./Universidade Candido Mendes/RJ. Autora do livro intitulado “Das Uniões Estáveis Adulterinas e Polícia Judiciária Paralela”, Coleção Goiânia em Prosa e Verso, Editora Kelps e PUC/GO. Coautora do livro Perspectivas Filosóficas do Direito – Uma Abordagem Multidisciplina. Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO.
A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E O DIREITO INTERNACIONAL - COMENTÁRIOS A PARTIR DAS PERSPECTIVAS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) PARA A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE Francisca Soares de Lima1
RESUMO Atualmente é muito comum ouvirmos falar em proteção do meio ambiente, preservação do meio ambiente, desenvolvimento sustentável, etc. Há empresas que incorporaram em suas marcas a preocupação com a preservação ambiental e fazem disso, o diferencial em seus negócios. Observamos diuturnamente o alerta dos especialistas sobre a necessidade de preservação dos recursos naturais do planeta sob pena de extinção, muito em breve, da raça humana na Terra. Também é comum nos noticiários informações sobre agressões ao meio ambiente, em especial aquelas, causadas por grandes empresas, que agridem de modo profundo o ecossistema. Por outro lado, observamos também a ação de grupos isolados como o Greenpeace2 na luta pela preservação e ainda um movimento de alguns Estados entre si, impulsionados pela ONU, na tentativa de efetivar uma proteção global ao meio ambiente. Entretanto, nenhuma dessas ações são hábeis a produzir, efetivamente, a proteção esperada, uma vez que até o momento, mesmo os Protocolos e Convenções existentes não possuem força vinculante suficiente para promover a efetiva proteção do meio ambiente. A proposta do presente trabalho é discorrer sobre as perspectivas da ONU sobre o tema, enfocando as principais ações ou áreas a serem atingidas, bem como, demonstrar a ineficácia jurídica dos instrumentos atuais, ao tempo em que alerta a comunidade acadêmica para a necessidade de uma consciência social sobre a preservação ambiental. Palavras-chave: meio ambiente. Ambiente. Organizações das Nações Unidas. ONU. Desenvolvimento. Sustentável. Econômico. Socioambiental. Global. Povos. Convenção. Natureza. Direitos. Objetivo. Sociedade. Social. Mundial. Governança. Futuro. Vida. Humanidade. Efetividade. Envolvimento.
ABSTRACT Currently is very common to hear talk about protection of the environment preservation of the environment sustainable development etc. There are companies that have incorporated in their brands concern for environmental preservation and do that, the differential in their business. Diuturnamente observe the warnings from experts about the need for conservation of natural resources of the planet under threat of extinction, very soon the human race on Earth. It is also common in the news about attacks on the environment especially those caused by major companies which harm the ecosystem in profound ways. On the other hand we also observe the action of isolates as Greenpeace in the struggle for preservation groups and even a movement of some States to each other driven by the UN in an attempt to effect a global environmental protection. However none of these actions are able to effectively produce the expected protection since to date even existing protocols and conventions do not have enough binding force to promote the effective protection of the environment. The purpose of this paper is to discuss the prospects of the UN on the subject focusing on the main actions or areas to be affected as well demonstrating the ineffectiveness of current legal instruments the time that alert the academic community to the need for a social awareness about environmental preservation.
1 INTRODUÇÃO
A comunidade internacional conta desde o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU) com diversos instrumentos que buscam regular de forma eficiente as questões voltadas à proteção do meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. Entretanto, constata-se em tempos atuais a dificuldade de criação e efetivação de um instrumento jurídico, normativo ou contratual, capaz de verdadeiramente regular as questões que envolvam a utilização inadequada dos recursos naturais. Diversos questionamentos ainda não possuem respostas. Sob o ponto de vista internacional qual o instrumento jurídico que poderia ser utilizado, como mecanismo, para fazer com que seja possível levar a cabo a missão de proteger o meio ambiente para as futuras gerações? Será que, ao menos internamente, ou seja, para cada país na sua singularidade, esses mecanismos existem e garantem essa proteção de forma efetiva? A intenção deste trabalho é estabelecer uma linha de argumentação apta a demostrar a ineficiência dos mecanismos adotados pela comunidade jurídica internacional e chamar a atenção dos operadores do direito para a real necessidade de se buscar uma proposta de trabalho capaz de elevar a um nível aceitável, em tempos atuais, a proteção do meio ambiente, tendo como pressuposto as perspectivas da ONU.
2 ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU – ORIGEM Anteriormente ao surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), existia a Liga das Nações, uma instituição criada em circunstâncias emergenciais com propósito de manter a paz entre os países do mundo. Teve origem logo após a I Guerra Mundial, precisamente em 28 de abril de 1919, em Paris, onde as potências vencedoras se reuniram para negociar um acordo no intuito de celebrar a paz, o Tratado de Versalhes. Com a ocorrência da II Guerra Mundial a Liga das Nações deixou de existir. A última reunião foi em abril de 1943 em Genebra3. A ONU ou simplesmente Nações Unidas (NU) foi criada em 1945 em substituição à Liga das Nações. Cuida-se de uma organização internacional cujo objetivo declarado é “facilitar a cooperação no mundo, em matéria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico, progresso social, direitos humanos e a realização da paz mundial”4. É composta atualmente por 193 países membros. Possui escritórios em boa parte do mundo e uma organização voltada para a promoção do diálogo entre os países. Possui organização própria e bem definida. Na tentativa de esclarecer ao leitor sua constituição e atuação, transcrevemos a seguir, sua forma de composição5: A estrutura das Nações Unidas baseia-se em cinco principais órgãos (eram seis - o Conselho de Administração Fiduciária suspendeu suas operações em 1994) a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), o Secretariado e o Tribunal Internacional de Justiça. Quatro dos cinco órgãos principais estão localizados na sede principal das Nações Unidas em território
internacional em Nova Iorque, nos Estados Unidos. O Tribunal Internacional de Justiça está localizado em Haia, nos Países Baixos, enquanto outras grandes agências estão baseadas nos escritórios da ONU em Genebra, Viena e Nairobi. Outras instituições das Nações Unidas estão localizadas em todo o mundo. A ONU utiliza seis línguas oficiais: árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo. Quase todas as reuniões oficiais são traduzidas simultaneamente para estas línguas. Quase todos os documentos oficiais, em suporte de papel e “on-line”, são traduzidos para estes seis idiomas. Em algumas dependências, as conferências e os documentos de trabalho são só em francês e inglês, e as publicações realizam-se nestes dois idiomas.
3 PROPÓSITO E PRINCÍPIOS As Nações Unidas são regidas por uma série de propósitos e princípios básicos aceitos por todos os Países-Membros da Organização6. Os propósitos das Nações Unidas são:
a.
Manter a paz e a segurança internacionais;
b.
Desenvolver relações amistosas entre as nações;
c.
Realizar a cooperação internacional para resolver os problemas mundiais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;
d.
Ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para a consecução desses objetivos comuns.
As Nações Unidas agem de acordo com os seguintes princípios:
a.
A Organização se baseia no principio da igualdade soberana de todos seus membros;
b.
Todos os membros se obrigam a cumprir de boa fé os compromissos da Carta;
c.
Todos deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais;
d.
Todos deverão abster-se em suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados;
e.
Todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida que a Organização tomar em conformidade com os preceitos da Carta, abstendo-se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo;
f.
Cabe às Nações Unidas fazer com que os Estados que não são membros da Organização ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais;
g.
Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país.
4 A ONU E O MEIO AMBIENTE A Organização das Nações Unidas desenvolveu desde o início do século XIX vários movimentos em defesa do meio ambiente, inicialmente sem o apelo global que hoje possui. Desde a Revolução Industrial Inglesa começaram a surgir manifestações isoladas de preocupação com a natureza, como por exemplo, o movimento romancista dos séculos XVIII e XIX, onde os autores da época pregavam o retorno a uma vida simples, regrada essencialmente pelos valores da Natureza7. Os temas principais da poesia romântica giram em torno do sentimento de nacionalidade surgido a partir novo do contexto histórico e cultural. A nova pátria, com a declaração da independência, manifestava-se através da exaltação da natureza do país, no retorno ao passado histórico e na criação dos heróis nacionais.
Ao longo de nossa história alguns acontecimentos marcaram a evolução da sociedade e reforçaram a preocupação com o meio ambiente. Segundo o ilustre Leonardo Boff8, para quem “com a primeira foto da Terra vista do espaço, houve uma mudança de percepção do nosso planeta. A Terra passou a ser vista como única, como a nossa casa”. Seguindo essa trajetória um dos principais marcos da atuação da ONU (aqui ressaltamos que a ONU sempre se preocupou com a questão da preservação do meio ambiente, porém de forma difusa), na tentativa de mobilizar o mundo em defesa do meio ambiente, iniciou-se em junho de 1972 com a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. Trata-se da primeira ação de âmbito internacional a associar de forma consistente questões ligadas à preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Chegamos a um ponto na História em que devemos moldar nossas ações em todo o mundo, com maior atenção para as consequências ambientais. Através da ignorância ou da indiferença podemos causar danos maciços e irreversíveis ao meio ambiente, do qual nossa vida e bem-estar dependem. Por outro lado, através do maior conhecimento e de ações mais sábias, podemos conquistar uma vida melhor para nós e para a posteridade, com um meio ambiente em sintonia com as necessidades e esperanças humanas… “Defender e melhorar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações se tornou uma meta fundamental para a humanidade”.9
Posteriormente, diversas outras ações foram intentadas pela ONU em defesa do meio ambiente, dentre as quais citamos os Relatórios Brandt e Brundtland. O primeiro, fruto dos trabalhos da Comissão Independente sobre Questões de Desenvolvimento Internacional, foi publicado em julho de 1980 e propôs medidas que buscavam diminuir a diferença entre os países ricos do hemisfério sul e pobres do hemisfério norte. O segundo, fruto dos trabalhos da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, publicado em abril de 1987, delineou o conceito de desenvolvimento sustentável, tendo como pilares da sustentabilidade o desenvolvimento econômico, a equidade social e a proteção ambiental. Esse relatório denominado “Nosso Futuro Comum” deu origem à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) em junho de 1992, no Rio de Janeiro. Também conhecida como Rio 92 ou ECO 92 ou ainda “Cúpula da Terra”. Essa ação colocou o meio ambiente, o desenvolvimento e a
necessidade da criação de um modelo de desenvolvimento sustentável na agenda pública de diversos países. Outra ação importante desenvolvida pela ONU, em busca da preservação do planeta foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - (PNUMA). O PNUMA se tornou a principal autoridade global em meio ambiente sendo responsável por promover ações em busca de sua conservação e do uso consciente dos recursos no contexto do desenvolvimento sustentável. Estabelecido em 1972, o PNUMA tem entre seus principais objetivos manter o estado do meio ambiente global sob contínuo monitoramento; alertar povos e nações sobre problemas e ameaças ao meio ambiente e recomendar medidas para melhorar a qualidade de vida da população sem comprometer os recursos e serviços ambientais das gerações futuras. Posteriormente outros movimentos foram abraçados pela ONU. Discutiam uma forma de proteger a atmosfera, combater o desmatamento, a perda do solo e a desertificação, prevenir a poluição da água e do ar, promover uma gestão adequada do lixo radioativo e demais resíduos tóxicos. Nessa ocasião foi criada na ONU a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável e aprovadas as Convenções da ONU sobre a Diversidade Biológica e a Convenção da ONU de Combate à Desertificação. Cite-se como exemplos desses diversos movimentos a Segunda Conferência da ONU sobre Assentamentos Humanos (Istambul, 1999); a Sessão Especial da Assembleia Geral sobre Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (Nova York, 1999); a Cúpula do Milênio (Nova York, 2000) e seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, cujo sétimo objetivo procura garantir a sustentabilidade ambiental e a Reunião Mundial de 2005. Em 1988, o PNUMA e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) se uniram para criar o Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas (IPCC), que se tornou a fonte proeminente para a informação científica relacionada às mudanças climáticas. O principal instrumento internacional neste assunto, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), foi adotado em 1992. O Protocolo de Kyoto, como ficou conhecido estabeleceu metas obrigatórias para 37 países industrializados e para a comunidade europeia, no intuito de reduzirem as emissões de gases como efeito estufa, foi adotado em 1997. Para ajudar a avançar a causa do desenvolvimento sustentável de forma contínua, a Assembleia Geral também declarou o período entre 2005 e 2014 como a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Essa ação, que tem a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) como principal agência, procura ajudar as populações a desenvolverem atitudes, habilidades e conhecimento para tomar decisões informadas para o benefício próprio e dos outros, agora e no futuro, e para agirem sobre essas decisões. A lista dos órgãos ativos da ONU para ajudar o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável inclui o Banco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização Marítima Internacional (OMI), a Organização
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Em 2012, de 20 a 22 de junho ocorreu no Brasil a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que teve foco em dois grandes temas, a economia verde e a governança global do desenvolvimento sustentável. Apesar da grande expectativa essa Conferência não evoluiu para um compromisso que efetivamente pudesse obrigar às partes. Teve como produto final um documento sem grandes compromissos e metas extraordinárias. Paralelamente às reuniões oficiais da Conferência, a sociedade civil organizada criou e aprovou um documento denominado Declaração Final-Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental em Defesa dos Bens Comuns, Contra a Mercantilização da Vida. Este sim mais arrojado em relação às propostas de preservação do meio ambiente e limitação das ações voltadas ao desenvolvimento a qualquer preço. Entretanto, sem qualquer força obrigatória em relação aos países participantes da Conferência.
5 OBJETIVOS ESTRATÉGICOS E METAS DA ONU PARA 2020 Consultando o sitio da ONU no Brasil foi possível constatar suas principais áreas de atuação para um futuro próximo. Para a ONU o mundo necessita construir (e acredita que está) construir um futuro onde é essencial viver em harmonia com a natureza. Em outubro de 2010, no Japão, os governos concordaram com o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 e as Metas de Aichi10 como base para impedir e reverter a perda de biodiversidade das regiões do planeta. Para isso a Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua 65ª sessão declarou o período de 2011-2020 como Década das Nações Unidas sobre Biodiversidade, com o objetivo de contribuir para a implementação do Plano Estratégico para a Biodiversidade para o período de 2011-2020.11 A Década das Nações Unidas sobre Biodiversidade servirá para implementar o Plano Estratégico para a Biodiversidade. Promoverá uma visão geral de vida em harmonia com a natureza. Um dos seus objetivos principais é integrar a biodiversidade em diferentes níveis. Ao longo da Década das Nações Unidas sobre a Biodiversidade, os governos serão incentivados a desenvolver, implementar e comunicar, informando à Sociedade, os resultados de estratégias nacionais para a implementação do Plano Estratégico para a Biodiversidade. As ações realizadas por indivíduos interessados e os governos envolvidos são passos importantes no sentido de proteger os sistemas de suporte da vida, que não só efetivam a manutenção bem-estar humano, mas preservam a rica variedade de vida no planeta.
5.1 ALCANÇAR AS METAS DE AICHI EM 2020 Para a ONU, desenvolver esforços para alcançar as Metas de Aichi até o ano de 2020 é fator relevante. Há cinco objetivos estratégicos e 20 metas ambiciosas, porém realizáveis. Comumente conhecidas como as Metas de Aichi, fazem parte do Plano Estratégico para a Biodiversidade. Possui proposito de inspirar a ação com ampla base de apoio à preservação da biodiversidade ao longo da década de 2011 a 2020 por todos os países e partes interessadas. Consiste basicamente na promoção da aplicação coerente e eficaz dos três objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica: conservação da biodiversidade, o uso sustentável da biodiversidade; e da partilha equitativa dos benefícios resultantes da utilização dos recursos genéticos.
6 AS CONVENÇÕES E OS PROTOCOLOS INTERNACIONAIS E A BUSCA DE INSTRUMENTOS DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS À PRESERVAÇÃO DA NATUREZA, DA BIODIVERSIDADE E DA HUMANIDADE NUMA SOCIEDADE DE CONSUMO Logo após o fim da 2ª Guerra Mundial, alguns países resolveram se unir para estabelecer e prestigiar objetivos em comum. Assim foram surgindo as Organizações Internacionais e as diversas Convenções e Protocolos estabelecidos, por países interessados, com finalidades específicas, segundo o momento histórico e as circunstâncias por eles enfrentadas. Assim, desde a criação da ONU, em 1945 até o advento do Rio + 20, em 2012, é possível encontrar convenções e protocolos dos mais variados. Recentemente muito se tem discutido sobre a preservação da natureza, sustentabilidade e ainda na preservação da vida humana na Terra, tendo na Convenção de Estocolmo em 1972, na Convenção da Biodiversidade em 2000 e na Rio + 20 em 2012 seus principais expoentes. Entretanto, tais mecanismos não são capazes de efetivar juridicamente uma proteção efetiva e definitiva ao meio ambiente, enquanto direito fundamental dos indivíduos, uma vez que não possuem o poder de coerção suficiente. Não estamos aqui, pretendendo diminuir o Princípio Responsabilidade12 desenvolvido por Hans Jonas. Muito pelo contrário, procuramos, assim como ocorre com os demais princípios, identificar uma ferramenta jurídica que venha a garantir sua efetivação, em especial no âmbito do direito internacional. Para tanto partimos do pressuposto de que os modelos atuais não apresentam efetividade. Há que se pensar num modelo mais eficiente de coerção, sem prejuízo da democracia, da preservação dos direitos humanos, que verdadeiramente proponha uma mudança no paradigma atual, como visionado por Hans Jonas, em sua obra. Para que o Protocolo ou o Tratado tenha efetividade é necessário que o país
aderente, formalize internamente por intermédio de sua legislação a adesão ao instrumento. Assim, o disposto em Convenções e Tratados só será de observância obrigatória para aqueles países que assim procederem. Conforme amplamente conhecido, países com alto índice de ações hábeis a prejudicar o equilíbrio do meio ambiente global, tais como os Estados Unidos e Japão, ou seja, países com histórico de elevado teor de emissão de gases causadores do efeito estufa, ao não aderirem à assinatura de protocolos e convenções voltados à proteção do meio ambiente, faz com que tais ferramentas sejam destituídas de qualquer efetividade. Isso nos faz questionar se não seria uma utopia imaginarmos que instrumentos jurídicos poderão servir de barreira ou mecanismo para impedir que uma sociedade de consumo, possa adquirir uma postura consciente e voltada para a preservação do meio ambiente. Parece-nos que o problema seja mais social que jurídico, ou seja, a falta de conscientização, ou melhor, de educação da sociedade. Esse seria o principal obstáculo para a efetivação de instrumentos jurídicos adequados a viabilizar a proteção do meio ambiente. Ressalte-se que de acordo com opiniões da grande maioria de juristas, o mundo possui boas normas de proteção ambiental. O problema é a desobediência.
7 CONCLUSÃO Talvez o melhor título para esse item fosse à guisa de conclusão. Entretanto, apesar de permaneceremos em busca de uma alternativa eficiente para a preservação do meio ambiente, cabe comungar da ideia de Leonardo Boff, que, crédulo na capacidade humana de preservação da vida, entende possível uma manutenção da vida, com alteração de comportamento individual do homem13. Há muito a ser feito nas escolas, em casa, nas ruas. O trabalho de conscientização da humanidade, acerca da escassez dos recursos naturais necessita ser intensificado para produzir o máximo de efeito possível. Há autores que falam sobre envolvimento sustentável, como solução para a efetivação da sustentabilidade, outros afirmam que não há escassez alguma, e que tudo não passa de modismo14., mas o fato é que a conscientização para a preservação do meio ambiente e a ideia do esgotamento dos recursos da biodiversidade precisam ser intensificadas, a ponto de passarem a constar, num futuro próximo, da pauta oficial e não apenas de organizações não governamentais dos programas de governo. Uma vez abraçada pela vontade política e integrando a ideologia partidária, de conglomerados políticos dominantes, de forma efetiva, será possível, que a Sociedade exija, como ação necessária passível de ser efetivada via assinatura de instrumentos internacionais de vontade, a preservação do meio ambiente, local, nacional e quiçá também do planeta. Até que isso ocorra faz-se necessário perseverar!
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1 A autora é Advogada. Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC-Goiás. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1997). Atualmente atua na área de convênios e contratos de pesquisa e desenvolvimento e de transferência de tecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, lotada na Embrapa Arroz e Feijão. 2 Grupo de ativistas que teve origem no Canadá em 1971, quando um grupo de ecologistas, jornalistas e hippies zarparam de Vancouver no Canadá, em um pequeno barco de pesca, na tentativa de impedir que os Estados Unidos, levassem a cabo testes nucleares em uma pequena ilha chamada Amchitka, na costa ocidental do Alasca. Atualmente é a maior organização ambientalista do mundo. 3 http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/a-historia-da-organizacao. 4 Idem. 5 Idem. 6 Idem. 7 http://www.soliteratura.com.br/romantismo/romantismo01b.php. 8 BOFF, Leonardo. A Opção Terra A solução para a Terra Não Caiu do Céu. Rio de Janeiro: Record, 2009. 9 Trechos da Declaração da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente (Estocolmo, 1972), parágrafo 6. 10 Reunidas em cinco objetivos estratégicos, as 20 Metas de Aichi fazem referência à conservação da biodiversidade. Elas são a base do planejamento vigente relacionado à implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB. 11 (Resolução ONU 65 /161). 12 JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para uma civilização tecnológica. Rio de Janeiro: PUC Rio, 2006. 13 Chama-nos a atenção o otimismo do autor na humanidade, a forma como ele acredita numa possível vitória da autopreservação humana e da Terra e a maneira carismática quando passa a mensagem do efeito borboleta positivo, em seu livro: A Opção Terra A solução para a Terra Não Caiu do Céu. Rio de Janeiro: Record, 2009. 14 Conforme Cláudio Haddad, doutor em economia, em entrevista concedida a revista Veja, Edição de 07 de maio de 2014, página 19 ss.
O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E O MEIO AMBIENTE Hugo de Angelis Bastos Pereira1
RESUMO O presente artigo procura informar sobre a nova forma de pensar latina americana acerca do constitucionalismo, bem como destaca que é preciso ter novos modelos de pensar e agir apoiado por mudanças paradigmáticas no pensamento da sociedade. Ainda, aborda sobre a propriedade da terra destacando que a nova ideia influenciou inclusive na constituição Boliviana, a qual limitou a aquisição da propriedade da terra.
ABSTRACT This article seeks to inform the new way of thinking about the Latin American constitutionalism, and emphasizes the need to have new models of thinking and acting supported by paradigmatic changes in the thinking of society. Also discusses about land ownership noting that the new idea even influenced the Bolivian constitution, which limited the acquisition of land.
1 INTRODUÇÃO Os seres humanos por intermédio de sua “superioridade” intelectual e sua capacidade de raciocínio, procurou formas para se organizar. Assim, criou regras para regular a vida em sociedade. Entre erros e acertos, hoje a população mundial vivencia um drama de ordem climática, o que afeta o meio ambiente de forma geral. Paralelo a isso, é cediço que o direito evolui ou muda de direção com o passar do tempo. Nessa esteira, novas ideias de pensamento estão surgindo na América Latina, mais precisamente relacionadas às constituições de cada País. Com isso, criou-se uma nova forma de pensar chamada de Novo Constitucionalismo Latino Americano. Nesse sentido, diversas ideias novas foram inseridas em constituições promulgadas recentemente na América Latina, destacando a criação dos chamados direitos da natureza, a limitação territorial da propriedade para futuras aquisições e a industrialização dos recursos naturais. Por outro lado, a escassez dos recursos ambientais é uma situação que está perceptível na sociedade com um todo. O ser humano tem um direito ao meio ambiente, assim significa que ele também tem um dever de proteger para que esse direito seja eficaz e duradouro.
Desse modo, torna-se necessário sejam estabelecidas novas formas de pensar e agir, pois o modelo atual pode ter exaurido as possibilidades de continuidade de um futuro de vida no planeta terra.
2 O NOVO AMERICANO
CONSTITUCIONALISMO
LATINO
Historicamente a sociedade sempre buscou a implementação de direitos fundamentais para os seres humanos. Nessa busca, surge o constitucionalismo para frear e moderar o poder soberano do Estado. Com base nessa condição, Venezuela, Bolívia e Equador, recentemente aprovaram novas constituições com diversos pontos em comum, bem como, com novas ideias de enxergar o direito. Nesse sentido tem-se que essas três constituições promulgadas fazem parte de uma nova corrente de pensamento idealizada como o “Novo Constitucionalismo Latino Americano”. Importante dizer que o novo pensamento latino americano já refletiu no texto constitucional de países da America do Sul. A exemplo, temos o caso do Equador, onde sua constituição foi aprovada em 2008 e além de manter direitos até então consagrados, também, houve por bem, ampliar outros direitos, como é caso do “direito da natureza”. Assim, o sétimo capítulo da Constituição Equatoriana, em seu artigo 71 dispõe: Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for pertinente. O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema.
Deste modo, a constituição equatoriana reconhece a natureza como sendo sujeito de direitos, ao passo que reflete nos mecanismos para a sua proteção. Ao inserir direitos da natureza, percebe-se que houve uma quebra de paradigma no pensamento existente, pois, anteriormente os direitos eram estabelecidos com base na qualidade de vida e do meio ambiente voltados para o ser humano. No caso em questão, reconhece-se a natureza com seus próprios valores, sujeito de direitos. Extrai-se ainda, da leitura do referido artigo que o legislador procurou igualar os termos natureza e pacha mama. Destarte, a ideia de natureza que era utilizada anteriormente e posta em suas constituições seguiam o modelo europeu e agora, passa a ganhar novos rumos, com a referida igualdade estabelecida nos termos, de modo que se apoia numa palavra Andina de pensamento latino americano: pacha mama.
Ponto de destaque, também, inserido na nova constituição equatoriana é o direito da natureza ser restaurada de forma integral. Isso significa que por mais que ao longo da história da sociedade houve mudanças e devastações na natureza provocadas pelo homem, ela possui o direito de ser restaurada em seu estado original. Art. 396 O Estado deve adoptar políticas e medidas adequadas para evitar os impactos ambientais negativos quando há certeza do dano. Em caso de dúvida sobre o impacto ambiental de qualquer ato ou omissão, embora não haja nenhuma evidência científica de dano, o Estado deve tomar medidas de protecção eficazes e adequadas. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva. Qualquer dano ao meio ambiente, além das penalidades, implica igualmente a obrigação de restaurar integralmente os ecossistemas e compensar as pessoas e comunidades afetadas. Cada um dos atores nos processos de produção, distribuição, comercialização e utilização de bens ou serviços irá assumir a responsabilidade direta para evitar qualquer impacto ambiental, mitigar e reparar os danos que causou, e manter um sistema de controle ambiental permanente. Medidas legais para processar e punir os danos ambientais serão barradas.
Se isso fosse possível no Brasil, tanto a mata atlântica, a floresta amazônica, bem como, áreas devastadas entre outros biomas deveriam ser recuperadas em seus status quo ante, através de programas. Por outro lado, o texto constitucional da Bolívia foi alterado recentemente, em 2009. Da leitura, percebe-se que não houve alterações significativas envolvendo o meio ambiente, na verdade uma de suas inovações foi a inserção da “industrialização dos recursos naturais”. Artigo 309 - Significa que a organização econômica da Bolívia para alcançar o bem-estar da população, a eliminação da pobreza e da exclusão em suas múltiplas dimensões, como segue: 1 A geração de produto social é realizado no âmbito do respeito aos direitos sociais dos indivíduos e os direitos dos povos e das nações. 2 A produção, distribuição e redistribuição justa da riqueza e do excedente econômico. 3 Reduzir as desigualdades no acesso aos recursos produtivos. 4 A redução das disparidades regionais. 5 Produtiva industrialização desenvolvimento dos recursos naturais. 6 A participação ativa das economias públicas e comunitárias do sistema de produção.
A constituição boliviana utilizou a expressão recursos e não natureza ou pacha mama. De outra banda, outra inovação da Constituição da república Boliviana foi a inclusão do artigo 398, referente à aquisição de nova propriedade da terra, a qual é abordada no tópico abaixo.
3 PROPRIEDADE DA TERRA Da análise do artigo 5º em seu caput, e incisos XXII e XXIII, da constituição vigente no Brasil, temos: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-se seguintes: [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá sua função social;
Observa-se que a todos é garantido o direito de propriedade. Porém, este direito só será legítimo se a propriedade estiver cumprindo a sua função social. Pode parecer que este princípio visa à diminuição dos diretos do proprietário sobre o seu bem, mas o verdadeiro significado da função social da propriedade não é de diminuir o direito sobre a propriedade, mas de poder-dever do proprietário, devendo este dar destino determinado à sua propriedade. Assim, a propriedade não deve atender somente o interesse do indivíduo, mas deve atender também ao interesse de toda a sociedade. A constituição brasileira aborda o tema propriedade em 9 de seus 250 artigos, são eles: artigo 5º, inciso lxxiii; artigo 20, inciso ii; artigo 23, inciso vi; artigo 24 inciso i e inciso viii; artigo 129; artigo 174 §3º e § 4º, inciso ii; artigo 186, inciso ii; artigo 200, inciso viii; artigo 225. Importante citar, também, que recentemente o Brasil mudou seu código florestal e ao que parece a preocupação com o meio ambiente não ficou evidente quando da publicação da lei. Pelo contrário, essa legislação nascida recentemente foi objeto de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADIN’S 4901, 4902 e 4903) protocolizadas no Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria Geral da República, sobre pontos importantes de defesa ao meio ambiente. Nesse sentido as ações com pedidos de liminar ajuizadas, questiona artigos do Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12) relacionadas às áreas de preservação permanente, à redução da reseva legal e também sobre a anistia para quem promover degradação ambiental. Por outro lado, como já relatado, países da América do Sul estão a passar por um profundo processo de modificação de suas constituições. O modelo novo é o resultado de reivindicações sociais de partes historicamente excluídas do processo decisório nesses países, inclusive a população indígena. Esse novo movimento - que refletiu e consolidou com a promulgação das constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009) - tem sido chamado por alguns estudiosos de “novo constitucionalismo latino-americano”. Oportuno dizer que a constituição boliviana inovou ao tratar da questão agrária. Ficou definido, conforme estabelece o artigo 398 da Constituição da república Boliviana, que as propriedades rurais no país tenham limite de 5 (cinco) mil hectares. Assim, aqueles que, no futuro, adquirirem uma quantidade de terra maior que a aprovada, poderão perdê-la. Observa-se o artigo na íntegra: Art. 398.- latifúndio e do duplo grau são proibidos por ser contrário ao interesse público e desenvolvimento. O termo de posse da terra improdutiva latifúndios; terra que não cumpre a função econômica social; a exploração da terra que aplica um sistema de servidão, a escravidão ou de trabalho
análogas à escravidão ou propriedade zoneada área excede o máximo estabelecido por lei. A área máxima não superior a cinco mil hectares.
Interessante passo foi dado pela constituição boliviana ao limitar a compra de áreas, muito provável, por influencia deste novo pensamento latino americano. Trazendo essa ideia para o Brasil, o qual tem uma enorme extensão territorial, torna-se necessário aprimorar a discussão desse tema, pois, desde o início da era industrial, o número de seres humanos multiplicou-se e esse aumento na quantidade de seres humanos e de suas atividades teve um grande impacto sobre o meio ambiente. Ao mesmo tempo, jamais em nossa história tivemos tanto conhecimento, tecnologia e recursos. Estamos vivendo um período de transição histórica, no qual a consciência dos conflitos entre atividades e meio ambiente está literalmente explodindo.
4 O MEIO AMBIENTE Ao longo dos anos o pensamento humano, voltado para as questões relativas ao meio ambiente, vem modificando-se e com isso, já se percebe certa preocupação com a temática ambiental por parte das autoridades e dos sujeitos sociais como um todo. Assim, historicamente a origem dessas preocupações protetivas mundiais, surgiram com as orientações internacionais com a realização da conferência de Estocolmo, em 1972, o que se chamou, nacionalmente, de ambientalismo. O legislador constitucional brasileiro preocupou com a temática ambiental e assim, inseriu no Título VIII – Da Ordem Social, um capítulo sobre o tema, chamado de Meio Ambiente (capítulo VI), mais precisamente no artigo 225. O Artigo 225 da Constituição Federal/88 prescreve que: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações.
Da leitura acima, percebe-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é para todos. Ainda, numa lei infraconstitucional (Lei 6938/81), em seu artigo 3º que o “meio ambiente” é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. De outra banda, apoiado nos direitos fundamentais de 3ª dimensão, pois se refere a um direito de interesse difuso, a ser sempre buscado pelo Poder Público e também pela coletividade, a qualidade de vida está evidente no art. 5º da Constituição Brasileira. Assim, torna-se necessário enfatizar que os cidadãos devem preservar os recursos naturais através de sua consciência seguindo orientação dos instrumentos colocados à disposição pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional. Ainda, foi positivado no artigo 225 que “§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público”, o dever de estabelecer medidas e providências com
intuito de proteção ao meio ambiente. Segundo a concepção de Orlando Soares, “a noção de meio ambiente está intimamente ligada a dois principais aspectos: o equilíbrio biológico e a ecologia”. SILVA (2000, p. 876) entende o respeito ao meio ambiente como fundamental para preservar o direito a vida, dispondo sua concepção nos seguintes termos: é direito de todos e bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, protegendo-se a qualidade da vida humana, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento. E assegurar o direito fundamental à vida.
Ainda, o meio ambiente pode ser analisado, de outro sentido, com um olhar sobre o patrimônio histórico cultural, conforme a positivação por meio do artigo 216 da Constituição Federal. Apoiado nessa ideia ARAUJO (2002, p. 456) entende: envolvendo a interação do homem com a natureza, as formas institucionais das relações sociais, as peculiaridades dos diversos segmentos nacionais (...) Sob essa ótica, ... o patrimônio cultural envolve o meio ambiente cultural. È que o meio ambiente natural, embora, por evidente, tenha existência autônoma, ganha significado no contexto social, na medida das projeções de valores que recebe. Uma formação rochosa, por exemplo, uma vez objeto dessa projeção de valores, ganha significado no arcabouço das relações sociais: recebe uma classificação quanto à origem, tem sua formação localizada em determinada fase histórica e serve de referência à identidade do país.
Nesse sentido, torna-se importante que sejam estabelecidos novos valores e novas formas de enxergar o meio ambiente como um todo.
5 MUDANÇA DE PARADIGMA O ser humano nasce e automaticamente é adicionado em uma sociedade que influencia seu modo de agir, de pensar e se comportar diante de acontecimentos diversos. Mesmo não querendo as pessoas podem nos passar ensinamentos que de certo forma influencia em situações impostas ao meio. Correlato a isso, em vários momentos em nossa sociedade tivemos mudanças na forma de pensar e agir seguindo sempre a ideia de evolução. Assim, verifica-se que sempre estivemos e continuamos evoluindo, inclusive evolução de ideias, de atitudes, do modo de agir. Deste modo, o ser humano, ao longo da história, adapta ao ambiente que vive influenciado pelos paradigmas estabelecidos em um determinado marco de sua história. Esses paradigmas que segundo Kuhn, “são as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1991, p. 13), interferiram de forma significativa no processo civilizatório. E ainda, segundo BOFF, “precisamos de um novo paradigma de civilização porque a atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades. Temos que chegar a um consenso sobre novos valores. Em trinta ou quarenta anos a Terra poderá existir sem nós” (BOFF,
2009, p. 76). Com base nas ideias acima, os modelos estabelecidos pela sociedade até então, não podem seguir adiante, tendo em vista, as consequências negativas que o “próprio” ser humano, bem como outras espécies de vida poderá sofrer. Ao passo que a escassez dos recursos ambientais é uma situação que está perceptível na sociedade com um todo. Recentemente acompanhamos em diversos telejornais imagens e informações que, por exemplo, o Estado de São Paulo sofre com a escassez de água, tanto para o desenvolvimento agrícola, industrial e consumo humano2. Por outro lado foi positivado no texto constitucional que o ser humano tem um direito ao meio ambiente, assim significa que ele também tem um dever de proteger para que esse direito seja eficaz. Nesse sentindo, precisamos de outro padrão civilizatório, de uma mudança no paradigma estabelecido, definindo uma nova forma de pensar e enxergar o mundo para que não afete não só os seres humanos, mas a vida em geral no planeta terra.
6 CONCLUSÃO O ser humano deve se preocupar com a questão ambiental, não se pode deixar essa preocupação sobressair apenas quando os recursos naturais estiverem escassos. Assim, deve encontrar novos modelos civilizatórios apoiados, inclusive, nesta nova forma de enxergar a lei maior de seu estado, o novo constitucionalismo latino americano. Ao passo que precisamos de outro padrão civilizatório. De uma sociedade sustentável, pois quanto mais uma sociedade está em harmonia com o ecossistema circundante e se funda sobre seus recursos renováveis e recicláveis, mais sustentabilidade ostenta. Pois, o ser humano pensa que tudo gira ao seu redor e esquece de que somente entrou no cenário da evolução da Terra. Portanto, na America latina esse novo pensamento já começa a mudar os paradigmas estabelecidos em épocas passadas. Por exemplo, temos as alterações mencionadas no presente artigo sobre as constituições do Equador e da Bolívia. No tocante ao Brasil, cabe aos todos aguardar a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIN’s para verificar se realmente o meio ambiente terá sua proteção como reza a Constituição Federal de 88, já que o movimento do tema abordado, ainda está caminhando em passos pequenos.
REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JUNIOR, Vidal constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 456 p.
Serrano. Curso de direito
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. BOFF, Leonardo. A opção terra: a solução da terra não cairá do céu. São Paulo: Editora Record, 2009. CONSTITUCION de la Republica del Ecuador 2008. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/PDFs/mesicic4_ecu_const.pdf> Acesso em: 25 de mar. 2014.
CONSTITUCION Politica del Estado Plurinacional de Bolivia. Disponível em: <http://www.harmonywithnatureun.org/content/documents/159Bolivia%20Consitucion Acesso em: 25 de mar. 2014. BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm Acesso em: 08 out. 2013. KUHN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1991. SILVA, Jose Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 18 ed. rev. atual EC. 27. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 876.
1 Advogado. Ex-Agente de proteção do Juizado da Infância e Juventude do Estado de Goiás. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pós-graduado em direito Processual pela Universidade de Rio Verde GO – FESURV. Docência Universitária pela Universidade de Rio Verde GO – FESURV. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica e Docente na Faculdade Montes Belos – GO. Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUCGO. 2 Disponível em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/06/crise-da-agua-em-saopaulo-quanto-falta-para-bo-desastreb.html Acesso em: 17 de Jul. 2014.
A REDISCUSSÃO DA TRADIÇÃO HUMANISTA BASEADA NA ECOLOGIA PROFUNDA E O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO Ingrid Paula Gonzaga e Castro1
RESUMO À medida que o homem foi tomando consciência da importância do equilíbrio ambiental para a sua sobrevivência, na Terra surgiram correntes ideológicas defendendo uma maior preservação ambiental. Aos poucos essa ideia foi introduzida na sociedade e hoje ela inclusive ganha destaque em Tratados Internacionais e na Constituição de diversos países, dentro os mais se inclui o Brasil. Palavras-chave: Ecologia profunda; meio ambiente; tratados internacionais; Terra.
ABSTRACT The extent to which the man became aware of the importance of environmental balancefor their survival on Earth came ideological currents advocating greater environmentalpreservation. Gradually this idea was introduced into society and even today it stands outin international treaties and the constitution of several countries within the longer includes Brazil. Keywords: Deep ecology; environment; international treaties; Earth.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A problemática da proteção jurídica do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se no valor que a sociedade, ou as pessoas individualmente, atribuem às questões relativas ao tema. Desta maneira torna-se imprescindível desvendar suas origens, sua abrangência e seus reflexos na esfera internacional e, principalmente, nacional. Hodiernamente vemos o poder indiscriminado do homem abafando os valores da Natureza. Se antes recorríamos a esta para dar uma base estável ao Direito (e, no fundo, essa é a razão do Direito Natural), assistimos, hoje, a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre. A evolução das cidades e o crescimento populacional vez com que se tornasse cada vez maior a degradação ambiental, tendo em vista que as
árvores e os rios estão sendo substituídos de forma gradativa por altos prédios, por indústrias, ou pela agricultura e pecuária. Percebemos que não obstante as preocupações ambientais e a abrangência da tutela jurídica aos recursos naturais sejam diferentes entre os países, devemos destacar um ponto em comum: todos os governos concordam que tratar de meio ambiente em pleno século XXI significa tratar de sobrevivência e qualidade de vida. Quando tratamos de sobrevivência não quer dizer somente conseguir manter-se vivo num mundo cada vez mais alterado pelos riscos de danos decorrentes de aquecimento global, poluição e escassez da água ou excesso de resíduos produzidos pelo consume insustentável. Meio ambiente é também sinônimo de direitos essenciais aos indivíduos, como a liberdade, a dignidade da pessoa, a solidariedade, a fraternidade e os demais Direitos Humanos de igual importância. Desta maneira, as questões referentes ao tema devem ser objeto de análise de Direitos Humanos, no plano internacional e de Direitos Fundamentais no plano nacional. Neste artigo científico trataremos da mudança de mentalidade do homem, que ao perceber o problema da gradação ambiental tenta achar soluções para amenizar o problema, bem como mudar a tradição humanista e antropocentrista que predomina na Terra por séculos. Também será tratado o direito ambiental, o seu status constitucional e a sua classificação como direito humano.
2 A REDISCUSSÃO DA TRADIÇÃO BASEADA NA ECOLOGIA PROFUNDA
HUMANISTA
À medida que a sociedade foi percebendo o quão importante era o meio ambiente saudável e equilibrado para a sobrevivência humana, foram surgindo correntes dentro da ecologia e do ambientalismo defendendo uma maior preservação dos recursos naturais. Ferry (2009, p. 121), em sua obra “A nova ordem ecológica”, começa o primeiro capítulo da segunda parte destacando a necessidade desta mudança do pensando da sociedade. Citando Aldo Leopold ele conta que quando Ulisses retornou da guerra de Troia mandou enforcar em uma mesma corda uma dúzia de escravas por
suspeitar que elas tivessem más condutas enquanto ele estava ausente. À época, a questão do enforcamento não era colocada, já que as moças eram de sua propriedade. Ainda nesse contexto, Aldo faz uma comparação, dizendo que do mesmo modo que naquela época era em relação aos escravos, hoje é em relação à Terra. Ainda hoje não existe ética tratando da Terra nem dos animas e tampouco das plantas que crescem sobre ela. A Terra, exatamente como a jovens escravas da Odisseia, é sempre considerada uma propriedade. A relação com a Terra continua estritamente econômica: ela compreende privilégios, mas nenhuma obrigação. Depois de transcrever a opinião de Aldo, Ferry acrescenta que depois que conseguimos refeitas a escravatura, é importante darmos um passo suplementar, levar finalmente a sério a natureza e considerá-la dotada de um valor intrínseco que exige respeito. Essa conversão supõe uma verdadeira desconstrução do “chauvinismo humano” onde se enraíza o preconceito antropocentrista por excelência: o que nos conduz a considerar o universo como teatro de nossas ações, simples periferia de um centro instaurado como único sujeito de valor e de direito. Destacando a origem desse novo pensamento que rediscute a tradição humanista e antropocentrista, Ferry destacada que Bill Devall, um dos principais teóricos deste novo fundamentalismo, apresenta que surgem duas grandes correntes ecológicas na segunda metade do século XX. A primeira é a reformista. Ela tenta controlar as poluições da água ou do ar mais gritantes, infletir as práticas agrícolas mais aberrantes nas nações industrializadas e preservar algumas zonas selvagens que subsistem ainda, transformando-as em “zonas classificadas”. A outra corrente defende também diversos objetivos em comum com os reformistas, mas ela é revolucionária: visa a uma metafísica, uma epstemologia, uma cosmologia nova, assim como uma nova ética ambiental em relação à pessoa/planeta. Foi dessa visão de mundo ainda inédita que Bill Devall, depois do filósofo norueguês Arne Naess, apresentou o “tipo ideal” em primeiro lugar, propondo chamá-la de deep ecology, ecologia profunda. Antes de estabelecer os princípios gerais deste novo pensamento, destaco dois exemplos concretos de como os ecologistas profundos pretendem renovar a nossa visão ético jurídica da natureza depois da “morte do
homem” e da desconstrução do antropocentrismo, são eles: crimes contra a ecosfera e deveres em relação às ilhas. As principais ideias defendidas pelos ecologistas profundos primeiramente é que o bem-estar e o desenvolvimento da vida humana e não humana sobre a terra são valores em si. Esses valores são independentes da utilidade do mundo humano para as finalidades do homem. A riqueza e a diversidade de forma de vida contribuem para a realização desses valores e, consequentemente, são também valores em si. Segundo eles, os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e essa diversidade a não ser que seja para satisfazer necessidades vitais. Além disso, eles destacam que a intervenção humana no “mundo não humano” é altamente excessiva e a situação está se tornando cada dia mais degradante. Por fim, é preciso mudar as orientações políticas de maneira drástica no plano das estruturas econômicas, tecnológicas, e ideológicas. A modificação ideológica consiste principalmente em valorizar a qualidade de vida em vez de visar permanentemente a um nível de vida mais elevado. Será necessária uma tomada de consciência profunda da diferença entre desmedido e grande.
3 DIREITO FUNDAMENTAL AO ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO 3.1 Diferentes tratamentos Constituição Federal de 1988
do
MEIO
Direito
AMBIENTE
Ambiental
na
Levando-se em conta as diversas alusões que a Constituição Federal faz ao meio ambiente, o Direito Ambiental é classificado por ela ao mesmo tempo como sendo de natureza econômica, de natureza difusa e de natureza humana fundamental. No que tange à natureza econômica, segundo entendimento de José Afonso da Silva (2009, p. 43), a Constituição Federal de 1988 é um documento eminentemente ambientalista, uma vez que foram feitas de forma ampla e moderna diversas referências ao meio ambiente. Nesse particular surge inclusive a expressão “Constituição Ambiental”. Ney de Barros Bello Filho (2004, p.105) afirma que o que designa uma
“Constituição Ambiental” é a união das normas-princípio e das normas-regra que versam sobre a proteção do meio ambiente. Enquanto as primeiras são as normas abertas, ou axiológicas, por meio das quais a fundamentalidade do Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado transparece, as segundas formam as normas que originam ou consagram instrumentos jurídicos capazes de tornar concretas as normas-princípio. Ricardo Carneiro (2003, p.123) destaca que a atual Constituição Republicana não proíbe que as atividades econômicas causem impactos ao meio ambiente, mas veda o desrespeito aos padrões de qualidade ambiental estabelecido para o exercício dessas atividades. Nesse sentido, reitera o autor: No direito brasileiro a orientação que deflui da matriz constitucional não consagra a regra da intocabilidade do meio ambiente, mas, ao contrário, a da utilização equilibrada e racional. Nesse sentido, a necessidade de harmonização entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental encontra-se consagrada no art. 170, inciso IV, da Constituição da República, o qual estabelece, como princípio da ordem econômica, a defesa do meio ambiente. Na legislação ambiental ordinária esse princípio da ordem econômica encontra uma adequada concretização no art. 4º, inciso I da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabelece como o primeiro dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.
Além disso, não se pode desconsiderar que a Constituição consagra o desenvolvimento sustentável, ao afirmar, no art. 225, que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Noutro vértice, ao classificar o meio ambiente como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, o caput do art. 225 da Lei Maior criou um tipo de bem que não se confunde nem com os bens públicos nem com os bens privados. Fabíola Santos Albuquerque (1999, p. 9) classificou em sua obra o meio ambiente como o maior de todos os interesses difusos. Luís Paulo Sirvinskas (2013, p. 32) entende que é impossível classificar o bem ambiental como bem público ou como bem privado, tendo em vista que ele se situa em uma faixa intermediária denominada como difusa.
Por derradeiro, ressalte-se que não existem divergência no que concerne à natureza jurídica dos bens ambientais. Trata-se de um bem difuso, protegido pelo direito que visa assegurar um interesse transindividual, de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por uma ou algumas circunstâncias de fato.
3.2.1 Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 3.2.1.1 Breves considerações acerca abrangência de direitos humanos
da
terminologia
e
Existe hoje uma divergência doutrinária acerca da terminologia usada para se referir aos direitos humanos, além de se discutir algumas outras que são usadas indistintamente para se referir a eles com o mesmo sentido, como direitos humanos, direitos do homem ou direitos fundamentais. Paulo Bonavides (1997, p. 524) diz que a expressão ‘direitos humanos’ e ‘direitos do homem’ é mais comum aos juristas anglo-americanos e latinos, ao passo que direitos fundamentais seria próprio dos autores germânicos. Por outro lado, Willis Santiago Guerra Filho define os direitos humanos como sendo pauta ética e política que deve ser seguida dentro de uma esfera acima da lei, ao passo que os direitos fundamentais seriam manifestações positivas do Direito, capazes de produzirem efeitos em um determinado plano jurídico, de modo que os direitos fundamentais são aqueles que o ordenamento jurídico em vigor o classifica como tais. Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p. 36) faz a distinção nos seguintes termos: (…) a expressão Direitos do Homem é empregada para designar os direitos naturais, ainda não positivados. Já a expressão Direitos Fundamentais referese aos direitos reconhecidos e previstos no Direito Constitucional de cada Estado. Por fim, os Direitos Humanos dizem respeito aos direitos positivados na esfera do Direito Internacional.
José Afonso da Silva (2009, p.176) entende que a terminologia mais adequada para se referir a tais direitos seria ‘direitos fundamentais do homem’, visto que engloba a ideia de direitos fundamentais da pessoa humana tratada no artigo 17 da Constituição de 1988, ou ‘direitos humanos fundamentais’, prevista no Título II do texto constitucional. Nesse sentido,
afirma que: Além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível de direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos humanos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, com direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente no artigo 17.
Assim sendo, de maneira geral os direitos fundamentais seriam direitos humanos, tendo em vista que estes necessariamente dão origem àqueles, todavia nem todos os direitos humanos seriam direitos fundamentais, porque existem direitos humanos que ainda não foram positivados. Desta feita, considerando que não existem grandes diferenças no campo empírico entre um e o outro e, levando-se em conta ser o objetivo deste trabalho analisar o direito ambiental como direito humano (no mais amplo sentido), a terminologia aqui adotada é direitos humanos fundamentais. A consagração das liberdades públicas dos indivíduos ante o Estado, a garantia de um mínimo de dignidade é o ponto nodal dos direitos humanos fundamentais e é parte integrante do ordenamento jurídico de todas as democracias (em todas as esferas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, seja por meio do direito consuetudinário ou por meio do direito internacional). No entendimento de Fábio Konder Comparato (2007, p. 98), o fato de os direitos humanos fundamentais não poderem ser restringidos, quer dizer que eles consistem na essência do próprio conceito de cidadania, sendo por essa razão imprescritíveis, inalienáveis, invioláveis e irrenunciáveis. Devemos reconhecer que em análise à nossa Carta Constitucional de 1988, contata-se a utilização de diferentes expressões para designar o que aqui se denomina de Direitos Fundamentais, dentre elas cite-se: Direitos Humanos (artigo 4°, inciso II), Direitos e Garantias Fundamentais (artigo 5°,
parágrafo 1º), Direitos e Liberdades Constitucionais (artigo 5°, inciso LXXI), Direitos Fundamentais da Pessoa Humanas (artigo 17, caput) bem como Direitos e Garantias Individuais (artigo 60, parágrafo 4°, inciso IV). Independente da terminologia utilizada, a nossa atual Constituição trouxe um texto farto de Direitos Fundamentais para a proteção de valores institucionalmente elevados a tal categoria e, além disso, tutelou determinados setores sociais reconhecidos pela exclusão ao longo dos períodos anteriores. Dessa forma, o mais relevante é a necessidade de proteger tais direitos, já que individualizam a pessoa em si como projeção na própria sociedade. A sua fruição e gozo é uma questão complexa e necessidade de um aparato de garantias e medidas concretas do Estado para disciplinar o processo social, criando formas que possam promover o desenvolvimento da pessoa.
3.2.1.2 A caracterização do meio ambiente como Direito Humano Fundamental Antes de ser classificado como um Direito Humano, o meio ambiente é indispensável para a vida na Terra. Assim sendo, o seu reconhecimento como direito humano fundamental pode ser percebido a partir da análise de uma série de manifestações da comunidade internacional acerca da necessidade de um tratamento especial ao tema. Para Celso D. de Albuquerque Mello (2000, p. 1.287), a proteção internacional do meio ambiente deve estar ligada aos direitos do homem. É por essa razão que a proteção internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Ambiental terem sido considerados, segundo Guido Fernando Silva Soares (2002, p. 335), como os dois primeiros grandes temas da globalidade. Nesse sentido, em junho de 1972, a Organização das Nações Unidas, em Estocolmo, na Suécia, realizou a 1ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, aprovando, ao final, a Declaração Universal do Meio Ambiente, dispondo que os recursos naturais como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada país regulamentar essa necessidade em sua legislação. Ao estabelecer, no Princípio 1, que “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um
meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações futuras e presentes” a referida declaração reconheceu o direito humano fundamental ao meio ambiente como questão crucial para todos os povos do planeta. Ela abriu o caminho para uma nova legislação e fez com que os países de atentassem de forma cada vez mais significativa para a proteção dos ecossistemas. De acordo com José Afonso da Silva a Declaração Universal do Meio Ambiente deve ser tida como um braço da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pois tem como escopo resguardar um direito de extrema importância para o ser humano. Seguindo essa linha foi editada no Brasil a Lei nº. 6.938 de 1981, ocasião em que pela primeira vez no ordenamento jurídico pátrio foi declarada a importância do meio ambiente para a vida e para a qualidade de vida, delimitando-se os objetivos, os princípios, os conceitos e os instrumentos dessa proteção. De acordo com seu art. 2º dessa Lei, “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. Frise-se que mesmo em 1981 a referida Lei colocou a dignidade da vida humana como objetivo maior de todas as políticas públicas de meio ambiente. No Título II da Magna Carta brasileira, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, faz referência direta ao meio ambiente no art. 5º, estabelecendo a ação popular como instrumento para a sua defesa. Importa ressaltar que nos termos do § 2º do art. 5º da Lei Maior, os direitos classificados como humanos fundamentais não são somente os elencados pelo artigo 5º, mas também os decorrentes do regime e dos princípios adotados constitucionalmente, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A vida pode ser considerada o “direito maior”, sem ela não existiriam outros direitos, e o meio ambiente ecologicamente equilibrado foi reconhecido pelo art. 225 da Constituição como essencial à qualidade de vida. Nesse diapasão, o artigo 11 do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificado em 17 de novembro de 1988
estabeleceu que “Toda pessoa tem direito de viver em meio ambiente sadio e de beneficiar-se dos equipamentos coletivos essenciais”. Rodriguez-Rivera entende que certos dispositivos dos principais Tratados de Direitos Humanos colocam em evidência a existência que meio ambiente saudável de fato é um direito da pessoa humana. O intuito é esclarecer que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos fazem menções (sejam elas expressas ou implícitas) sobre referido Direito. Portanto, além de tutela específica de Tratados sobre a matéria, conforme já exposto, resta evidenciada a preocupação com sua proteção nos Tratados de Direitos Humanos. Corroborando com tal entendimento encontra-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), especificamente nos artigos 3º (direito à vida, liberdade e segurança pessoal), 22 (garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis para uma vida digna e para o livre desenvolvimento da personalidade), 24 (garantia do direito ao descanso e ao lazer), 25 (direito a padrões de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação e habitação) entre outros. De forma implícita, existem dispositivos protetores do meio ambiente como Direito Humano no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em seus artigos 1º (direito à autodeterminação e direito sobre a livre disposição de suas riquezas e recursos naturais), 7º (direito que assegura um ambiente de trabalho seguro e saudável, bem como o descanso e lazer), 11 (direito a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação e moradia adequadas), 12 (direito à saúde, incluindo a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente) e 15 (direito de participar da vida cultural e desfrutar o progresso científico e suas aplicações). O mesmo ocorre no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em seus artigos 1º(direito à autodeterminação e direito sobre a livre disposição das riquezas e recursos naturais) e 6º (direito à vida). É por essa razão que José Rubens Morato Leite (2002, p. 134) equipara o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao direito à vida, ao direito à igualdade e ao direito à liberdade.
No mesmo sentido Cristiane Derani (1997, p. 68), afirmando que a proteção do meio ambiente é resultado de uma escolha pela continuidade da vida humana. Durval Salge Jr.63 também advoga no sentido de que o meio ambiente se deve atribuir a mesma importância do direito à vida, haja vista que inexistindo equilíbrio ambiental o planeta fatalmente definharia. Em remate, segundo Antônio Augusto Cançado Trindade (1997, p. 524), o meio ambiente é fundamental à dignidade e à continuidade da espécie humana enquanto animal cultural, pois é ele que resguarda tanto a existência física dos seres humanos quanto a sua, fazendo com que a vida se torne plena em todos os seus aspectos. Desta feita temos que a proteção jurídica ao meio ambiente é imprescindível para resguardar tanto a vida humana quanto a sua qualidade, devendo, por isso, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ser considerado um direito humano fundamental. Com efeito, sem haja um ecossistema equilibrado, inexistirá qualquer direito humano fundamental, até mesmo porque a própria continuidade da vida planetária disso depende.
3.2.2 Dimensões dos direitos humanos fundamentais e o meio ambiente A. A. Cançado Trindade (1997, p. 19) destaca que a classificação dos Direitos Humanos em gerações (com inspiração na revolução francesa) não tem nenhum fundamento jurídico, muito menos na realidade. Trata-se, na verdade, de uma teoria fragmentária, não compatível com a complexidade do Direito. Ela toma os Direitos Humanos de maneira dividida, teoria inaceitável, tendo em vista que na sua concepção os direitos são indivisíveis e interrelacionados. Apesar da reflexão do referido autos, com o intuito classificar os direitos humanos a doutrina mundial nos traz uma histórica ordem, que resultou de uma evolução destes direitos ao longo do tempo e da observação das necessidades sociais à época, distinguindo-os em direitos humanos de primeira, segunda e terceira dimensão ou geração. Senão vejamos: Nos séculos XVII e XVIII positivaram-se direitos fundamentais individuais baseados na liberdade, o que proveu os chamados direitos humanos de primeira dimensão (direitos civis e políticos). Tais direitos constituíram liberdades negativas, porquanto tais direitos serviam de
barreira contra o Estado, impedindo que ele invadisse a esfera jurídica dos indivíduos. Com o surgimento da Revolução Industrial ficaram evidenciadas as diferenças entre os cidadãos, principalmente considerando o capital versus trabalho. O Estado percebeu que não podia partir da premissa de que todos eram iguais, porque de fato não o eram. Foi assim que nasceu o Estado Social e os direitos humanos de segunda geração (sociais, econômicos e culturais), representando o rol de liberdades positivas. Também sob a influência da Revolução Industrial nasce a sociedade de massa e, via de consequência, os conflitos de massa. Diante da realidade social o Estado foi obrigado a criar direitos para garantir e tornar pacífica a convivência dos indivíduos. Existe aqui uma mudança do individual para o coletivo. Foi neste diapasão que = surgiram os direitos humanos de terceira dimensão (direitos coletivos, transindividuais), influenciados por valores de solidariedade. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 58), os principais direitos de solidariedade são: direito à paz, direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente e direito ao patrimônio comum da humanidade. Norberto Bobbio (1992, p. 43), ao analisar a problemática dos direitos humanos de terceira geração, afirma que o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2000, p. 62): “De todos os direitos de terceira geração, sem dúvida o mais elaborado é o direito ao meio ambiente”. Trata-se, então, consoante já se manifestou o Supremo Tribunal Federal,2 de um típico direito de terceira dimensão que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a toda a humanidade. Segundo a nossa Corte Constitucional3 e consoante já asseverado nos parágrafos acima, a questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, o que reflete dentro do procedimento de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, e sim em um sentido abrangente de coletividade social. E ainda que: Na realidade, os direitos fundamentais são um só, porque objetivam concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o valor constitucional supremo que embasa todos os direitos e garantias
fundamentais. Trata-se de um sobre-princípio que, além de embasar os demais direitos humanos fundamentais, serve como fundamento ao Estado brasileiro, já que o inciso III do art. 1º da Constituição Federal determina que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se Estado Democrático de Direito, e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana.idade.
Autores como Bonavides ainda sugerem o aparecimento de uma quarta geração de direitos humanos fundamentais incluindo direitos como à democracia (especialmente à democracia participativa), à informação e ao pluralismo político. Pelo exposto, tem-se que o Direito Ambiental, além de ser direito humano fundamental de terceira geração - tendo em vista que cuida não só da proteção do meio ambiente, em prol de melhor qualidade de vida da sociedade atual - também pode ser classificado como um direito transgeracional - vez que cuida das também das futuras gerações - .
4 CONCLUSÃO Considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é indispensável para a vida humana na Terra, que a saúde dos homens também dele depende, e tendo em vista que a proteção da vida e da saúde estão previstas nos Tratados listados, temos que a proteção ambiental pode se afirmar como implícita nesses aspectos. A ecologia profunda tem contribuído para a mudança de pensamento na sociedade, vez que defende novas práticas para a preservação ambiental. A importância de um bem jurídico pode ser medida a partir do tratamento constitucional de declaração e controle que uma nação lhe confere. No Brasil, a proteção ao meio ambiente ganhou destaque na nossa Carta Política, onde foi dedicado ao tema um Capítulo próprio, sem deixarmos de citar normas protetivas esparramadas no corpo da Carta. Isso se mostrou não somente possível, como indispensável a partir do momento em que o direito ao meio ambiente passou a ser entendido como corolário lógico do direito constitucional à vida, na vertente da sadia qualidade de vida. Afinal, como já foi dito: não basta se manter vivo, é necessário que se viva com dignidade. A integridade do meio ambiente, erigida em direito difuso pela ordem
jurídica vigente, constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva. Isso reflete, dentro da caminhada de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num contexto abrangente da própria coletividade. Essa titularidade coletiva permitiu o reconhecimento do meio ambiente como um direito humano de terceira dimensão, influenciado por valores de solidariedade, com vistas a garantir e harmonizar a convivência dos indivíduos considerados em seu conjunto, inseridos num contexto de sociedade. Desta maneira, a consagração do meio ambiente como direito humano fundamental introduz no Estado e no seu corpo social um paradigma axiológico que deve ser respeitado e seguido por todos, tendo em vista que esse é o caminho escolhido politicamente pelos fundadores da nossa ordem jurídica para assegurar a sobrevivência, nos seus mais diversos matizes, do principal elemento constitutivo do Estado: o povo.
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Min. Celso de Mello, DJ de 22/11/1995, p. 30.597). 3 Mandado de Segurança 22164/SP – São Paulo. Julgamento: 30/10/1995. Publicação: DJ 17-11-95.
O PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Javahé de Lima Júnior1
RESUMO O presente artigo tem por foco desenvolver a ideia de que o pagamento por serviços ambientais é um mecanismo de desenvolvimento sustentável cujos conceitos devem ser difundidos e também colocados em prática a fim de que possa servir como apoio à execução de políticas públicas de proteção ambiental. Além disso, o artigo se funda na ideia de que a proteção ao meio ambiente é essencial à garantia da existência de vida em nosso planeta, razão pela qual se qualifica como direito humano fundamental. Palavras-chave: meio ambiente; pagamento por serviços ambientais; desenvolvimento sustentável; direitos humanos.
ABSTRACT This article focuses on developing the idea that the payment for environmental services is a sustainable development mechanism which concepts should also be disseminated and put into practice so that they can serve as support for the implementation of public policies for environmental protection. Furthermore, the article is based on the idea that environmental protection is essential to ensuring the existence of life on our planet, which is the reason why it qualifies as a fundamental human right. Keywords: environment; payment for environmental services; sustainable development; human rights.
1 INTRODUÇÃO O Direito Ambiental é um ramo um tanto novo do meio jurídico. Surgiu há cerca de quarenta anos, nos Estados Unidos, e sua característica inicial era eminentemente repressivo-punitiva. A ideia original era a punição por meio de multas pecuniárias dos responsáveis por danos ambientais. O princípio reinante era o do poluidor-pagador, que remete à responsabilidade objetiva daqueles que impingirem alguma forma de degradação ao meio ambiente. O Brasil, por exemplo, já em 1981, por meio da edição da Lei 6.938, de 31 de agosto daquele ano, adotou o referido princípio, ao apontar como uma das finalidades da Política Nacional do Meio Ambiente a necessidade de se impor ao usuário a contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos, além da importância da imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados. Além disso, o princípio do poluidor-pagador foi recepcionado pela Constituição Federal no seu art. 225, parágrafo 3o, que destaca que as atividades e condutas que de
qualquer forma possam ser consideradas ofensivas ao meio ambiente devem ensejar aos respectivos infratores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, as sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Tempos depois, em razão do fato de alguns danos ambientais serem irreversíveis (extinção de uma espécie, por exemplo), passou a ganhar força a característica preventiva do direito ambiental, que enaltece a necessidade de se evitar que os danos se concretizem, preservando-se o equilíbrio original do ecossistema. E, num último momento, mais recentemente, passou-se a evidenciar a característica prospectiva do direito ambiental, ou seja, voltada para o futuro. Essa última característica citada sugere a base do que conhecemos como desenvolvimento sustentável da forma como concebida no Relatório Brundtlan, de 1987, ou seja, aquele que atende às necessidades dos atuais habitantes do planeta sem inviabilizar a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas. A preservação do meio ambiente é fator essencial para a continuidade da vida humana. A situação limite que vivemos atualmente, de poluição, destruição, degradação, nos revela que o direito ambiental é indissociável do próprio ser humano. Dessa forma, proteger o meio ambiente significa, também, proteger o ser humano, uma vez que necessitamos de um mínimo de qualidade de vida para nos mantermos. Significa dizer que a proteção ao meio ambiente é um direito fundamental de todo ser humano. De forma um tanto simplista, mas com enorme carga de representação acerca da relação do meio ambiente com o direito à vida, Carvalho (2005, p. 142) destaca que o homem não seria capaz de sobreviver após quatro minutos sem respirar, nem mais de uma semana sem beber água ou mesmo mais de um mês sem se alimentar. Assim, sendo a Terra o único local conhecido do universo no qual o ser humano pode respirar, tomar água e alimentar-se, devemos estar atentos às interferências que empreendemos no ambiente em que vivemos. Aliás, é importante lembrar que a preservação do meio ambiente natural é indispensável não só para a sobrevivência dos seres humanos: é necessária para que exista qualquer tipo de vida. Isto porque, como se sabe, o meio ambiente se compõe de sistemas e processos interrelacionados, os quais requerem um equilíbrio para se manterem. A Declaração de Estocolmo, de 1972, já havia traçado os princípios elementares no que tange à proteção do meio ambiente como direito humano fundamental. Desde então, as questões ambientais passaram a ser discutidas de forma conjunta pelos governos, tomando-se por base uma visão global acerca da importância do assunto, abrindo caminho para que as constituições promulgadas em seguida reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental. O constituinte brasileiro de 1988 não se descurou da importância dos recursos naturais para a economia, posto que toda atividade econômica está diretamente ligada à sua utilização. Contudo, compreendeu que o meio ambiente tem um valor preponderante em relação à atividade privada, à propriedade particular e à livre iniciativa. Assim, a
garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável foi instituída como um direito fundamental pelo ordenamento jurídico constitucional. A Constituição Federal de 1988 trouxe, além do art. 225, que enuncia o princípio do desenvolvimento sustentável, o inciso LXXIII do art. 5o, que atribuiu a qualquer cidadão a possibilidade de ajuizamento de ação popular com o objetivo de anular ato lesivo ao meio ambiente. Nunca é demais relembrar que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a adotar a prevalência dos direitos humanos como princípio fundamental a reger as relações internacionais de nosso país2. A vontade do constituinte daquela época, nota-se, era priorizar os direitos e garantias fundamentais, ao contrário dos constituintes brasileiros anteriores, que sempre estiveram mais atentos às questões de Estado do que às matérias inerentes a direitos. Nesse mesmo prisma, os tribunais brasileiros têm reconhecido o caráter humanitário do direito ambiental, numa demonstração de adoção do conceito de biocentrismo3 como forma de decidir. De fato, é impossível abordar o tema referente ao direito ambiental sem um estudo verticalizado acerca dos direitos humanos. A existência de todos os seres vivos na Terra é a todo momento colocada em risco pela degradação ambiental, o que é justificativa simples e bastante para a preocupação com a preservação do meio ambiente.
2 A VARIÁVEL NEGÓCIOS
ECOLÓGICA
NO
AMBIENTE
DOS
Entre as variáveis que afetam o mundo dos negócios, a preocupação ecológica da sociedade tem ganhado um destaque significativo em face de sua relevância para a qualidade de vida das pessoas. No mesmo sentido, os próprios governos dos países começam a entender que as medidas de proteção ambiental não foram criadas para impedir o desenvolvimento econômico. Há algum tempo, muitos têm inserido exigências ambientais nos projetos privados, o que tem modificado a gestão das politicas públicas. O conceito de desenvolvimento sustentável é a palavra de ordem desde que a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU) publicou seu relatório, em abril de 1987, denominado “Nosso Futuro Comum” (também conhecido como Relatório Brundtland), que teve sua inspiração na 1a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, quando o Brasil, aliás, rejeitou firmemente o propósito de adoção de padrões internacionais para proteção ambiental. A publicação desse documento teve o grande mérito de fazer com que todas as nações passassem a encarar o “problema” ecológico.
Em meados do século XX, com a ida do homem à Lua, vimos a Terra do espaço como uma pequena bola constituída por nuvens, oceanos, vegetações e solos. A partir dessa visão, ficou mais ressaltada nossa enorme fragilidade. Notamos, então, que estávamos sendo incapazes de viver em conformidade com os limites da natureza e, assim, estávamos ameaçando nossa própria vida. O relatório “Nosso Futuro Comum”, ao contrário do que se esperava, não era uma previsão de decadência, mas de possibilidade de desencadearmos o surgimento de uma era de crescimento econômico que fosse capaz de manter e expandir os recursos naturais. Na América Latina esse novo conceito encontrou dificuldade de implementação porque passamos por um momento de dificuldades, de dívida externa alta, de inflação, razão pela qual a questão ambiental foi, durante bom tempo, relegada a segundo plano. Tivemos que priorizar o crescimento econômico em sua forma mais pura e lutar contra o subdesenvolvimento e suas manifestações. Assim, nossas atenções estiveram sempre mais voltadas ao combate à pobreza e à corrupção do que à proteção ambiental. Aliás, a pobreza é um elemento de grande força no processo de deterioração do meio ambiente que merece, inclusive, um trabalho específico sobre o assunto. As pressões crescentes resultantes da urbanização desordenada, do consumismo desenfreado, do aumento da necessidade de produção de alimentos, do aumento populacional e mudanças climáticas, aliadas a diversos outros fatores, são um sério desafio para a manutenção da biodiversidade e dos ecossistemas, o que, inevitavelmente, gera consequências ao provimento de serviços ambientais4. Com o passar dos tempos, torna-se cada vez maior a demanda por serviços ambientais (fibras, madeira, provisão de água, fertilidade do solo, etc.) assim como há uma crescente pressão sobre a capacidade dos ecossistemas naturais em assimilar os resíduos, a poluição do ar, da água dentre outras formas de degradação. Essas pressões crescentes sobre os ecossistemas, têm provocado uma redução de sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas. O avanço da urbanização e do agronegócio sobre os mananciais, por exemplo, tem minado tanto a qualidade quanto a quantidade da água disponível. Por outro lado, o papel dos ecossistemas no provimento de serviços ambientais, ainda não foi perfeitamente internalizado pelo sistema econômico. Isso ocorre porque seu valor não é percebido pelos usuários, os quais, na imensa maioria dos casos, não pagam diretamente pelo seu uso. Assim, no atual contexto de pressão sobre os ecossistemas é patente a necessidade de se desenvolver e implementar programas de pagamento por serviços ambientais como forma de dar suporte às demais formas de preservação já existentes e incrementar os mecanismos de proteção dos ecossistemas. Nesse descortino, é imperioso reconhecer que a economia precisa absorver e concretizar o reconhecimento dos benefícios gerados pelos ecossistemas preservados e
áreas protegidas, os quais acabam sendo apropriados por todos de uma forma geral. Isto porque a preservação dos ecossistemas não é sentida somente por populações locais ou regionais, mas pela sociedade global, que se favorece da beleza cênica, da proteção dos recursos genéticos, da proteção das espécies, da mitigação das mudanças climáticas, dentre outros inúmeros serviços que, de forma integrada, compõem ambientes que se comunicam e dessa relação formam um todo indissociável. No Brasil, a gestão das questões afetas ao meio ambiente, infelizmente, caracteriza-se pela total desarticulação dos diferentes organismos envolvidos, pela falta de coordenação, gestão ineficiente e pela escassez de recursos financeiros e humanos para o gerenciamento das ações ligadas ao meio ambiente (DONAIRE, 1999, p. 32). A 1a Conferência da ONU sobre meio ambiente, apesar da posição adotada pelo Brasil, como já dito acima, influenciou a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente, inaugurando uma nova fase na defesa do meio ambiente em nosso país5. Passou a haver também um envolvimento social no tema em razão da degradação das condições de vida no meio urbano. As pessoas, por ocasião do consumo, passaram a considerar o empenho das empresas em diminuir os impactos ambientais de suas atividades na produção de bens ou prestação de serviços. Isso fez com que houvesse um avanço da questão ambiental onde ela era mais difícil: no setor privado. Tradicionalmente, as exigências referentes à proteção ambiental sempre foram consideradas um entrave ao crescimento da produção e, portanto, um entrave aos tão almejados lucros. Começava agora a ficar evidente que a despreocupação com as questões ambientais poderiam passar a resultar o oposto, ou seja, aumento de custos, redução de lucros, perda de posição no mercado e até mesmo o fim das atividades de uma empresa6. Aqueles que quisessem se manter no mercado, portanto, teriam que se adequar a essa nova forma de pensar do consumidor. A esta mudança de comportamento do consumidor a indústria foi promovendo respostas. No primeiro momento, em que a preocupação inicial era com a preservação da qualidade do ar, passou-se a fazer o controle da poluição nas saídas, especialmente por meio da instalação de filtros nas chaminés das grandes fábricas emissoras de gases poluentes. Na segunda fase, o princípio passou a ser o da prevenção da poluição, e o seu controle passa a ser uma função da produção (seleção de matérias primas, reciclagem de resíduos, reaproveitamento de energia e água, etc.). Por fim, o controle ambiental ingressou no âmbito da gestão empresarial, diante da disseminação da cultura da necessidade proteção do meio ambiente entre os consumidores, que passaram a valorizar empresas e produtos que traziam esse apelo. A verdade é que a preocupação com o meio ambiente não parava de crescer e os consumidores passaram a ser tão temidos quanto os próprios órgãos de fiscalização. A preocupação ambiental passou a ser considerada necessária ao sucesso de uma empresa. O mercado de capitais também passou a observar esse conceito, tendo sido, inclusive, criados fundos de ações de empresas consideradas “verdes”. Enfim, a
preocupação com o meio ambiente se tornou um valor da empresa e um objetivo a ser perseguido por elas. Na década de 80, se fosse possível importar fumaça, como bem dizia o ex Ministro Delfim Neto, os países que almejavam o crescimento econômico o fariam. Contudo, há algum tempo a cotação de um país para receber investimentos estrangeiros vem sendo cada vez mais ligada à sua imagem internacional associada aos seus cuidados com o meio ambiente. Além disso, é importante reconhecer já estar provado que os custos, monetários e sociais, impingidos por uma degradação ambiental desenfreada, são maiores do que os investimentos necessários para evitá-la ou eliminá-la, o que, por si só, justifica uma mudança radical na visão econômica acerca da questão ambiental. Por outro lado, o grande e ainda atual desafio da economia, está em selecionar mecanismos de valoração eficientes e justos, capazes de mensurar os custos e benefícios econômicos e sociais decorrentes das interferências humanas que causam prejuízos aos serviços ambientais.
3 O PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS E A DIFICULDADE DE SE VALORAR OS BENS NATURAIS Os recursos naturais não têm proprietários definidos, tal como se dá com os bens particulares. Assim, ninguém cuida diretamente deles com todo desvelo que a natureza merece. Consequência desta característica é que o custo de sua produção é zero para o consumidor. Além disso, as pessoas não podem ser impedidas de consumi-los, não havendo como fixar uma cobrança por sua utilização. Essas características, numa sociedade global movida pelo lucro e consumo em massa, implicam numa falta de cuidado devido com os bens naturais. É necessário, portanto, uma proteção legal adequada e adoção de politicas públicas eficientes que minimizem os efeitos dessas características. No Brasil, a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi um passo importante para que o meio ambiente, depois de ser considerado coisa de ninguém, passasse a contar com a proteção constitucional que consagrou o princípio do desenvolvimento sustentável. Com o foco nas futuras gerações tem-se buscado mensurar os bens e serviços ambientais, uma vez que não há sinalização de preços para seus serviços e, portanto, a visão dos agentes econômicos e população em geral sobre sua importância é distorcida. Nesse prisma, é bastante exemplificativo, apesar da simplicidade, o raciocínio que indica que nem tudo que é muito útil custa caro (água, por exemplo) e nem tudo que custa caro é muito útil (por exemplo, o diamante). Este exemplo expressa não somente um, mas dois dos principais desafios de aprendizagem que a sociedade enfrenta na
atualidade no que tange ao meio ambiente. A natureza é fonte de muito valor no nosso dia a dia apesar de estar fora do mercado e ser difícil atribuir-lhe um preço. Essa ausência de valoração está na raiz da degradação dos ecossistemas e da perda de biodiversidade. Se observarmos com os olhos de um economista, veremos que esta problemática deriva do fato de os serviços ambientais serem considerados externalidades (BRASILEIRO, A. C. B.; SINISGALLI, P. A. A.; CICHOSKI, 2010, p. 700), ou seja, perdas (externalidades negativas7) ou ganhos (externalidades positivas8) decorrentes da decisão de produção ou consumo de um agente econômico que não são incluídas nos seus cálculos financeiros. Ainda sob o viés econômico, a natureza pública que é atribuída aos bens ambientais, ainda que em maior ou menor intensidade, também gera dificuldade na atribuição de valores a eles. Neste ponto, aliás, é interessante ressaltar as características de não exclusividade e não rivalidade que permeiam os bens públicos. Aquela indica a impossibilidade de excluir uma pessoa do consumo de serviços ambientais9. Sem essa possibilidade, a precificação se torna praticamente impossível, não há como exigir racionamento do uso dos serviços ou mesmo auferir renda capaz de fazer frente à conservação dos bens ou serviços ambientais envolvidos. A não rivalidade de uso, por sua vez, diz respeito à inexistência de competição no consumo de um bem ou serviço ambiental, ou seja, o seu consumo não elimina ou reduz a disponibilidade para outra pessoa10. Essas características de não rivalidade e não exclusividade tornam extremamente penosa a valoração dos bens e serviços ambientais. Nesse contexto, surge ainda a figura do caronista (free-rider). Justamente em razão da impossibilidade de se excluir pessoas e agentes do consumo dos serviços prestados pelo meio ambiente, aliado ao fato de que o seu consumo por terceiros não impede que outros também se beneficiem dos mesmos serviços, a disposição dos agentes a pagar por eles se esvai. Passa-se a esperar que outros paguem pelos serviços e, assim, possam ser alavancados os lucros, uma vez que quem está fazendo uso do serviço não está pagando por ele e, de outro lado, aquele que está garantindo a existência e qualidade do serviço ambiental nada está recebendo. É bem verdade que as características de não rivalidade e não exclusividade são mais intensas em alguns bens e serviços ambientais e mais amenas em outros. Contudo, de uma forma geral, as dificuldades na sua valoração acabam por gerar um sobreuso e, consequentemente, uma pressão muito forte sobre a natureza. Desde 2008, a iniciativa Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB) vem promovendo um grande esforço de cientistas do mundo inteiro para aprofundar os conhecimentos sobre os valores dos serviços ambientais providos pelos ecossistemas e pela biodiversidade. A intenção é conscientizar empresários, cidadãos, formadores de opinião e agentes públicos acerca do imenso valor econômico da biodiversidade e os prejuízos e desvantagens de sua não conservação para a economia.
O TEEB, por exemplo, já comprovou que os ecossistemas conservados prestam serviços e geram vantagens sociais a custos bem menores do que aqueles embutidos em soluções técnicas. O programa de pagamento por serviços ambientais (PSA) empreendido na cidade de Nova Iorque é um grande exemplo disso. Para a garantia do abastecimento de água da cidade, estimou-se em US$ 7 bilhões de dólares o investimento necessário para a construção de uma usina de tratamento, além de US$ 300 a 500 milhões ao ano em custos operacionais. Por outro lado, um estudo demonstrou que restaurar a Bacia Hidrográfica de Catskill, que é a fonte natural de fornecimento de água para a cidade, era mais barato, posto que custaria aos cofres municipais US$ 2 bilhões (TEEB, 2010). Volvendo os olhos para o nosso país, sabe-se que Minas Gerais é conhecida como a “caixa d’água do Brasil” por sua hidrografia e por ter em seu território importantes bacias hidrográficas. Um pequeno município mineiro, no entanto, se notabilizou em razão do sucesso de um projeto de pagamento por serviços ambientais cujo objeto é a proteção das nascentes nele localizadas. Trata-se da cidade de Extrema-MG. É essa pequena cidade que sustenta grande parte do abastecimento de água da cidade de São Paulo. Lá foi criada uma lei para execução de um projeto conhecido por “Conservador de Água”. É feito o isolamento das áreas em que há as nascentes a fim de evitar-se que os animais pisoteiem as áreas de nascentes, estragando o solo e sujando a água. Em seguida, é feito o replantio de mata nativa naquele local. Os proprietários nao gastam com as cercas que fecham as áreas, cujos custos ficam por conta do município, organizações não governamentais11, Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG) e Agência Nacional de Águas (ANA). O programa tem por característica a voluntariedade, ou seja, o produtor rural adere se assim o desejar. Por outro lado, há fiscalização por parte do município e demais instituições envolvidas. Se o proprietário deixar o gado entrar na área de preservação delimitada pelos agentes municipais, por exemplo, pode ser multado. Só depois que um grande proprietário rural daquele município mineiro aderiu ao programa é que os demais vizinhos fizeram o mesmo. Contudo, com o passar do tempo, todos os envolvidos passaram a perceber que o proprietário que conserva uma nascente, ajuda não só o vizinho, o município, o país, mas o mundo! Isto porque os benefícios são inúmeros, dentre eles, proteção do volume de águas; qualidade da água; sequestro de carbono; emissão de oxigênio; e preservação de animais silvestres. Como já dito, ainda há muitos desafios em relação à valoração econômica dos serviços ambientais. O assunto, além de envolver intrincadas questões metodológicas, atmbém embute discussões éticas e filosóficas. No entanto, o mínimo que se pode extrair das iniciativas de valoração, como a descrita acima, está deixando claro que os ecossistemas, a biodiversidade e os serviços ambientais são extremamente valiosos e devem ser preservados, não somente por motivos sociais, éticos, filosóficos, mas também
por razões econômicas. A maioria dos benefícios promovidos pela biodiversidade não são levados em conta nas decisões do empresariado por não existir um mercado com regras claras e definidas para a maioria dos serviços ambientais, os quais, portanto, não têm um preço determinado pela dinâmica da oferta e da demanda, única linguagem conhecida pelos agentes econômicos. Embora sejam essenciais à vida da sociedade global, os serviços ambientais e todas as vantagens deles decorrentes, são desconsiderados por ocasião da tomada de decisões empresariais e, inclusive, de governantes. Isto porque o seu consumo gera custos e benefícios que não são captados pelo sistema tradicional de mercado. Essa incapacidade de alocação, de forma eficiente, dos serviços ambientais no mercado, proporciona uma não atribuição de preços adequados, a despeito de seu altíssimo valor. A consequência é a destruição do (importantíssimo e essencial) capital natural e a gradativa redução no provimento de serviços ambientais, o que proporciona graves consequências para a sociedade como um todo.
4 O MEIO AMBIENTE E OS DIREITOS HUMANOS O direito ao meio ambiente e o seu reconhecimento como um direito fundamental do ser humano surgiu com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, na cidade de Estocolmo, a qual deu origem ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Como resultado das discussões dessa conferência, foi elaborada a “Declaração de Estocolmo”, conjunto de 26 proposições denominadas Princípios. Nos Princípios 1 e 2 dessa Declaração proclama-se: 1 - O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. 2 - Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.
Era a consagração do meio ambiente como um direito fundamental do ser humano, essencial para dignidade da vida humana e que deve ser preservado não só para a atual, mas também para as próximas gerações. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e a uma sadia qualidade de vida é um direito fundamental – de terceira geração – que encontra base no art. 225 da Constituição Federal de 1988. O capítulo VI do Título VII da Constituição Federal de 1988, que trata do meio ambiente, é um dos mais avançados textos constitucionais do mundo, especialmente no que tange à proteção ambiental. Nossa atual Constituição Federal foi elaborada sob forte influência de organizações não governamentais, da comunidade científica e da sociedade civil organizada, tendo sido colocada na mesa de discussão, a
partir de então, a defesa do meio ambiente como um direito fundamental. Hoje em dia, a esmagadora maioria da população se converteu em defensores da causa ambiental, embora não seja a maioria da população, é bem verdade, que pratique condutas ecologicamente adequadas. Um destaque é certo: o discurso de proteção ao meio ambiente ganhou uma força extrema, embora isso ainda não se reflita direta e efetivamente no comportamento dos cidadãos, que, acredito, ainda não têm a exata compreensão das consequências dessa insensatez comportamental. O combate a todas as formas de degradação do meio ambiente converteu-se numa preocupação de todos. A proteção do meio ambiente, de uma forma geral, é pensada como a preservação da Natureza em todas as suas formas e elementos constitutivos, entendida como essencial à manutenção do equilíbrio ecológico e, consequentemente, à vida humana com qualidade em nosso planeta, reconhecidamente um direito fundamental da pessoa humana. De acordo com BOBBIO (1992, p. 5), os direitos fundamentais do homem são direitos históricos, ou seja, originaram-se em determinadas circunstâncias, “caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”, ressaltando que após falar-se em direitos sociais – direitos de segunda geração –, emergiram o que hoje são conhecidos como direitos de terceira geração. Ao final, conclui que, dentre esta classe de direitos, o mais importante deles é, sem sombra de dúvidas, o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. A linha de pensamento do constituinte de 1988 no que tange à proteção ambiental submete a natureza às finalidades que a cultura humana entende adequadas. Dessa forma, um meio ambiente degradado, arruinado, impingiria indignidade à criatura humana. Estamos, portanto, diante de uma nova perspectiva com relação ao direito à vida, posto que no seu espectro deve ser embutida a garantia de mantença de todas as condições ambientais que permitem a existência da vida humana. Assim, o ordenamento jurídico não pode deixar de conferir tutela concreta a essa nova necessidade social. Foi exatamente isto o que exigiu a Constituição Federal de 1988 ao redigir o art. 225 e seus respectivos parágrafos. E, apesar de este dispositivo constitucional estar topologicamente distanciado do artigo que enuncia os demais direitos fundamentais, isso jamais poderia esvaecer a sua essência. Como bem destaca MELO (2001, p. 65-68), o respeito ao direito do meio ambiente equilibrado implica, necessariamente, na defesa do direito à vida, que é o mais básico dos direitos fundamentais, nele se inserindo, por visar diretamente à qualidade de vida (art. 225, caput, CF/88) como meio de atingir a finalidade de preservação e proteção à existência, em qualquer forma que esta se manifeste, bem como condições dignas de existência à presente e às futuras gerações. Destarte, não pairam dúvidas no sentido de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, na medida em que umbilicalmente agregado ao direito à vida”.
Os tribunais brasileiros têm reconhecido o caráter humanitário do direito ambiental,
a exemplo do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3540-DF, em 03/02/2006, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, em que constou: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral.12
A partir das considerações acima expostas, nota-se que o principal problema em relação à leitura do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (extensão do próprio direito à sadia qualidade de vida) como direito humano fundamental não é a possibilidade de percebê-lo ou compreendê-lo como tal, mas sim de conferirmo-lhes concretude, ou seja, resguardá-los de qualquer mal.
5 CONCLUSÃO Para que os sistemas de pagamento por serviços ambientais (PSA) se consolidem, são necessários recursos financeiros e investimentos a serem feitos a longo prazo, tendo em vista a natureza contínua dos pagamentos. No entanto, para além disso, ou seja, a par de todo o investimento financeiro necessário para que os PSAs se firmem, é também necessário que os governos os promovam por meio de parcerias e a sociedade e empresariado se conscientizem sobre a importância da conservação do meio ambiente, do seu uso sustentável e da necessidade de sua recuperação. É preciso que os governos, cidadãos e empresários se convençam definitivamente acerca dos altos valores (sob ambas as óticas: financeira e humanitária) da biodiversidade, dos ecossistemas e seus serviços ambientais. A conscientização social é um fator primordial para promover a aceitação e ampliação dos PSAs e poderá impulsionar a assunção pelas empresas de um papel protagonista no fomento desses sistemas, além de apoiar a alocação de recursos públicos nas leis orçamentárias com o objetivo de proteger a biodiversidade. Os benefícios econômicos, ambientais e, principalmente, humanitários dos PSAs, são pouco difundidos. Além disso, os critérios para definição de preços, que são bastante complexos, ainda são pouco conhecidos e de uso bastante restrito. É preciso que a população em geral tenha acesso à informação sobre o quanto as empresas de abastecimento de água economizam com a preservação de nascentes e matas ciliares, por exemplo, e de que forma essa conduta reflete diretamente na vida das pessoas.
A difusão da informação, a propagação do conhecimento acerca do assunto, é o primeiro passo para que a importância dos PSAs seja reconhecida. Contudo, não se pode deixar de recohecer que esses programas devem ser colocados em prática de forma moderada, servindo de apoio a outras formas de proteção ambiental, sob pena de o capital minar sua ideia primordial, que é o bem estar social e a proteção da vida, em todas as suas formas de manifestação e com a maior amplitude possível. O debate teórico sobre o tema precisa se consolidar, assim como a implantação prática dos programas de pagamento por serviços ambientais, a fim de que a definição de políticas públicas ligadas à proteção ao meio ambiente se otimize. Alguns projetos de pagamento por serviços ambientais surgiram no Brasil e já há muitas lições aprendidas por parte dos implementadores. No entanto, existem poucas publicações que sistematizam essas experiências e analisam o instrumento de PSA de forma crítica em nosso país. Além disso, há pouca sistematização institucional e uma ainda acanhada legislação a respeito do tema. Consequentemente, os responsáveis pelos projetos enfrentam muitas dúvidas conceituais e práticas sobre os mecanismos relacionados. A difusão dos PSAs constituirá um avanço para a proteção de diversas espécies de ecossistemas, os quais estão inevitavelmente associados entre si, e fomentará, também, o desenvolvimento de projetos de recuperação de áreas degradadas, além da proteção e recuperação de vegetações, mananciais e espécies animais. A pressão sobre os ecossistemas tem diminuido a capacidade da natureza de bem desempenhar suas funções, ou seja, de gerar serviços ecossistêmicos ou ambientais, o que reflete não só nos lucros como também na qualidadade de vida. É preciso, portanto, consagrar uma política nacional de proteção aos serviços ambientais em nosso país, utilizando-se instrumentos econômicos para incentivar a conservação dos ecossistemas e estimular a produção sustentável. O desempenho da economia e o suprimento das necessidades humanas e de todos os demais seres vivos está intrinsicamente ligado à prestação dos serviços ambientais, razão pela qual a reafirmação desse conceito e sua coloção em prática é primordial. A gestão de política de conservação de serviços ambientais é algo complexo em razão das características do próprio funcionamento dos diversos ecossistemas existentes, o que demanda a execução de mecanimos cientificamente comprovados como aptos à mensuração, justa valoração e monitoramento dos serviços ambientais. Além do enfoque econômico, é preciso reconhecer que o bem estar da humanidade depende significativamente dos serviços ambientais prestados pela natureza. Daí a necessidade de garantirmos que ela os continue prestando, como forma de assegurarmos o próprio direito fundamental à vida. Entender o meio ambiente como direito humano fundamental é primordial para que compreendamos que sua realização é condição imprescindível para iniciarmos uma era
em que poderemos garantir uma vida digna e sadia a todo ser humano. A continuidade da vida em nosso planeta, a garantia de um mundo em condições dignas para as presentes e futuras gerações, depende do que fizermos agora pela natureza. Só podemos tratar da realização de outros direitos se conseguirmos garantir aquele que é o maior deles, ou seja, o direito à vida. Édis Milaré13 salienta que o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio e equilibrado representa uma visão humanizada acerca dos ecossistemas, os quais devem ser vistos como extensão do direito à vida. E isto não somente sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, mas essencialmente quanto ao aspecto da dignidade desta existência – a qualidade de vida – que faz com que viver valha a pena. Ao agredirmos o meio ambiente violamos o direito de outros seres vivos, de outras pessoas, de pessoas que ainda virão a habitar nosso planeta. Assim, é preciso incrementar as formas de proteção ao meio ambiente para garantirmos a existência de vida com dignade no mundo. E o pagamento por serviços ambientais pode ser mais um reforço nessa luta pelo direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Trad. e estudo introdutório de Carlos Bernal Pulido. 2. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1 ed. 12. tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. [Leis, etc]. Vade Macum. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código de Penal, Código de Processo Penal, Código Tributário Nacional, Código de Defesa do Consumidor, Código de Trânsito Brasileiro, Estatutos e Legislação Complementar. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASILEIRO, A. C. B.; SINISGALLI, P. A. A.; CICHOSKI, Caroline. Instrumentos econômicos para elaboração de políticas públicas de gestão de recursos hídricos: o caso brasileiro. In: V ENANPPAS, 2010, Florianópolis. Anais da ANPPAS, 2010. p. 698-717. BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente. DOU de 02 de setembro de 1981. _______. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 1991. Estatuto da Cidade. DOU de 11 de julho de 1991. _______. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Política Nacional de Educação Ambiental. DOU de 28 de abril de 1999. _______. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Rev. e atual. Brasília, 2010. CARVALHO, Edson Ferreira de. O meio ambiente e direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2005. DONAIRE, Denise. Gestão Ambiental na Empresa. São Paulo: Atlas, 1999.
FERNANDES, Jeferson Nogueira. O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável. Revista de Direito Ambiental nº 50. Editora: Revista dos Tribunais, 2008. MELO, Sandro Nahmias. Meio ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Ex-aluno Extraordinário do Programa de Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás (PUC-GO). Email: javahejunior@hotmail.com. 2 Art. 4o. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: […] II prevalência dos direitos humanos”. 3 Neste ponto, importante destacar que no antropocentrismo o homem é o centro das preocupações ambientais. No ecocentrismo, o oposto, a ecologia, a Natureza, é colocada no centro do universo. Já no biocentrismo procura-se conciliar as duas posições, situando-se a vida, em todas as suas formas de manifestação, no centro do universo. 4 Nos ecossistemas ocorrem diversos processos naturais, que resultam das complexas interações entre os seus componentes bióticos (organismos vivos) e abióticos (componentes físicos e químicos) por meio das forças universais de matéria e energia. Esses processos naturais garantem a sobrevivência das espécies no planeta e têm a capacidade de prover bens e serviços que satisfazem necessidades humanas direta ou indiretamente. Essas capacidades são classificadas como funções dos ecossistemas (De Groot et al., 2002). Uma vez conhecidas e suas contribuições para a sociedade, identificadas, as funções dos ecossistemas podem ser definidas como serviços ecossistêmicos (De Groot et al., 2002). 5 http://www.ibama.gov.br/institucional/historia. 6 http://pbarreto.com/paginas/gestambemp.htm. Consulta feita em 09/08/2014. 7 Ex.: impactos ambientais decorrentes da produção de uma indústria de produtos químicos que despeja resíduos em um rio, os quais ensejam custos adicionais de tratamento de água a outra empresa captadora de água do mesmo rio. 8 Ex.: atenuação dos impactos à qualidade do ar decorrentes das emissões de carbono em razão da implantação de filtros em chaminés, que gera benefícios para a comunidade em geral. 9 Ex.: é impossível impeder que alguém se beneficie do ar ou da beleza cênica de uma cachoeira. 10 Ex.: o prazer que uma pessoa sente ao apreciar uma cachoeira não é reduzido se outra também a está admirando. 11 The Nature Conservance (TNC), ONG com sede nos EUA é parceiro em Extrema-MG. A TNC faz esses tipos de parceria pelo mundo, sob o princípio de que a produção de água deve ser tão nobre quanto a produção de outros bens e serviços. 12 Disponível em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp? s1=%283540.NUME.+OU+3540ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=Error. Acesso em: 19 jun. 2013. 13MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Revista dos Tribunais. 2004.
OS OBSTÁCULOS PARA A EFETIVIDADE DA GOVERNANÇA AMBIENTAL EM NÍVEL INTERNACIONAL1 José Antônio Tietzmann e Silva2 Tâmara Rigo Guimarães de Macedo Bento Ticcyane Andrea Araújo3
RESUMO Como já reconhecido no preâmbulo da Declaração de Estocolmo, de 1972, marco inicial das discussões globais em torno ao meio ambiente, o ser humano vem se tornando o principal predador do meio em que vive, explorando desmesuradamente a natureza e seus recursos. A degradação ambiental, cada vez mais gritante, ultrapassa fronteiras e se converteu em verdadeiro problema de ordem mundial. Daí por que os Estados, as instituições e as organizações da sociedade civil vêm envidando esforços para combater essa situação, o que não tem sido, todavia, plenamente efetivo. Os marcos internacionais, assim como a governança ambiental no seio da ONU, são ainda incapazes de fazer com que a proteção do meio ambiente esteja efetivamente na ordem do dia das relações internacionais. Daí a necessidade de se discutir uma reforma estrutural e funcional da ONU, no que tange ao aspecto ambiental, fortalecendo uma adequada governança na área do ambiente e possibilitando, por conseguinte, dar a necessária efetividade às regras internacionais de proteção ambiental, o que foi feito por ocasião e em decorrência da Conferência do Rio de Janeiro, de 2012, e vem se implementando paralelamente à construção da agenda onusiana de desenvolvimento pós-2015. Palavras-chave: GOVERNANÇA AMBIENTAL; ONU; EFETIVIDADE DO DIREITO AMBIENTAL.
ABSTRACT As already recognized in the consideranda of the 1972 Stockholm Declaration – a milestone for international environmental law – human being has became the major threat to the environment, by overexploitation of nature and its resources. As environmental degradation becomes more and more evident, it spreads over State borders, turning itself into a real world problem. In this way, States, institutions and civil society’s organizations have been turning their efforts towards environmental protection, even if they have not always been effective. International milestones, as the environmental governance inside the UN are still not capable of bringing environmental protection concerns to the scene of international relations. One must, though, consider the proposals of a structural and functional UN reform, when environmental matters are concerned. This could reinforce environmental international governance and beyond, making it possible to international environmental law to be effective. UN institutional changes were discussed during the Rio 2012 Conference and beyond, besides being made within the UN post-2015 development agenda. Keywords: ENVIRONMENTAL GOVERNANCE; UNITED NATIONS; ENVIRONMENTAL LAW EFFECTIVENESS.
1 INTRODUÇÃO Mesmo que possam ser facilmente encontrados na História elementos que demonstrem a preocupação humana com a proteção do meio ambiente natural – como é o caso de vários escritos antigos, incorporados às diferentes religiões – ou que os tempos
modernos tenham visto na natureza um modelo para o homem digno de respeito, é de se notar que o meio natural passou a dispor, desde o mercantilismo, de um valor econômico, o que se reforça no pós Revolução Industrial (BEURIER, 2010, p. 17 e 18). No início do século XX adotaram-se convenções relativas à proteção de certos elementos da natureza. Esses documentos, todavia, fizeram isso com um intuito estritamente utilitarista. Tal é o caso das convenções de Paris, de 1906, e de Londres, de 1911, que tratavam, respectivamente, da proteção das aves úteis à agricultura e das focas de pele. Ou seja, não se visava à proteção dos bens ambientais por suas funções ecológicas, mas apenas tendo em vista os interesses econômicos do Homem. Na linha da evolução do direito internacional ambiental, que se consolida a partir da Conferência de Estocolmo, em 1972, encontra-se a Organização das Nações Unidas (ONU), organização internacional que tem entre seus objetivos facilitar a cooperação internacional, ademais de promover a paz e a segurança internacionais, o desenvolvimento econômico, o progresso social, a proteção dos direitos humanos – e a proteção do meio ambiente, em sentido amplo. Com efeito, a ONU esteve, como está, à frente do processo de formação e de evolução dos tratados internacionais ambientais, haja vista a importância da tutela do meio ambiente, a necessidade de se institucionalizar sua proteção e, por certo, o fato de que esta última se coadune com os princípios e objetivos insculpidos na Carta de São Francisco.4 Daí por que o campo de atuação da ONU figurar tanto na discussão de políticas internacionais na matéria como na proposição de tratados internacionais ou, ainda, na solução de controvérsias que envolvam, direta ou indiretamente, a proteção do meio ambiente. Apesar desse amplo espectro de atuação, a ação ambiental da ONU, enquanto organização global federadora das ações dos Estados, é, ainda, limitada, o que impacta na efetividade das regras internacionais de proteção ao meio ambiente. Com efeito, é de se notar que, muito embora haja um pouco mais de um milhar de tratados internacionais relativos à proteção ambiental, conforme atesta Beurier (2010), sua eficácia deixa a desejar, uma vez que essas normas carecem de efetividade. Diante disso torna-se evidente a necessidade de instrumentos de direito internacional que possibilitem a implementação e a efetivação de medidas concretas direcionadas à gestão ambiental global. O que compreende, por certo, a adequada institucionalização do tema, junto às Nações Unidas. Essa ausência de efetividade encontra justificativa no fato de que a proteção ambiental ainda é vista como onerosa e contrária ao desenvolvimento econômico, notadamente quando se considera a realidade daqueles Estados que ainda não podem ser considerados como plenamente desenvolvidos economicamente. Os discursos nesse sentido não têm fundamento consistente, tendo em vista, desde logo, o conceito de desenvolvimento sustentável, já sedimentado em nível internacional, ou um dos grandes temas da Conferência Rio+20, a saber, a economia verde, também presente na agenda global do ambiente.
Falta aos sujeitos de direito internacional a necessária vontade política para com as questões ambientais, o que exige uma definição sólida das diretrizes de atuação dos organismos internacionais para a real efetividade dos acordos de proteção ambiental. Não é demais lembrar, as organizações internacionais existem e funcionam na justa medida da vontade dos Estados (DESAI, 2004). Vistos esses elementos preambulares, o presente estudo visa a abordar panoramicamente os obstáculos existentes à governança ambiental internacional, notadamente no seio da ONU, suscitando questões para o debate do tema, a partir, dentre outros elementos, do conceito e dos objetivos da governança e de como a governança ambiental onusiana pode ser melhorada. Considerar-se-ão, ademais, os elementos de governança ambiental decididos no seio da Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, realizada no Rio de Janeiro em 2012 (a Rio+20), elementos esses que têm reflexos na estrutura onusiana de proteção ambiental, como permeiam a construção da sua agenda de desenvolvimento pós-2015. Para tanto, vejamos mais detalhadamente, num primeiro momento, como evoluíram a consciência e a proteção do meio ambiente em nível internacional.
2 A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E SUA APREENSÃO PELO DIREITO A vida humana está condicionada à sua interação com o ambiente que a cerca. O Homem vem, todavia, percorrendo o caminho inverso, tornando-se o principal predador da natureza, explorando-a sem a observância de critérios razoáveis de proteção. A constante e, muitas vezes, desordenada ocupação do espaço pelo ser humano retrata alterações impostas ao ecossistema planetário, o que se dá notadamente a partir da Revolução Industrial, como bem demonstra Beurier (2010, p. 18): As concepções mudaram com o aparecimento do mercantilismo, preocupado com o valor mercantil dos bens, onde a expansão agrícola e industrial modificou as relações entre o homem e a natureza. O profundo respeito que o ser humano mantinha pela natureza, cujos traços se encontram nos Coutumiers des Provinces ou nas ordens reais na Europa e, particularmente, na França, foi progressivamente abandonado em razão do lucro: o homem deve utilizar a natureza para seu bem-estar, sua visão se torna utilitarista. O advento da era industrial e os progressos sem precedentes da técnica levaram à crença de que então os seres humanos, únicos mestres do mundo, poderiam tudo fazer e deveriam “controlar a natureza”. Esta concepção foi até mesmo integrada em certas ideologias profetizando uma nova sociedade onde o homem seria o único mestre do Universo, subordinando tudo à satisfação das necessidades humanas.5
É assim que, num prazo muito curto, o patrimônio natural – formado lentamente, ao longo de períodos biológicos e geológicos – vem sendo dilapidado, em muitos casos, de forma irreversível. O meio ambiente natural e os recursos naturais que encerram não se renovam facilmente diante da sanha humana; ao contrário, esgotam-se progressivamente e em grande velocidade.6
Ao exemplo da escassez das reservas de petróleo podem-se somar a dos estoques de determinadas espécies de peixes, pela sobrepesca, a degradação dos solos, pela agricultura predatória, a poluição dos recursos hídricos, a perda da biodiversidade e, enfim, a perda da qualidade de vida (para todos os seres vivos) pela ocupação desordenada do território pelo Homem7. Esses fatos reclamam a responsabilidade dos seres humanos, inequivocamente, haja vista a intensa e, ao mesmo tempo, irracional degradação do meio ambiente. Trata-se de fenômeno corrente, segundo o qual os homens, para sobreviver – mas também para satisfazer a suas novas, múltiplas e ilimitadas necessidades e desejos – servem-se à saciedade e, mesmo, disputam os recursos naturais, que são limitados. Nesse sentido, vale citar Milaré (2010, p. 46), que afirma claramente havermos chegado a um estado “em que nossas ações chocam-se contra nossos deveres e direitos, comprometendo nosso próprio destino”. A presente situação ambiental é crítica. A chamada “pegada ecológica” sobre o planeta é cada vez mais profunda8. Daí por que a natureza vem dando sinais de que sua capacidade de imissão em relação às agressões perpetradas pelo Homem está se esgotando. Vale ressaltar, nesse sentido, a chamada “teoria Gaia”, avançada por Lovelock nos anos 1970, segundo a qual a Terra seria um organismo vivo que responde aos estímulos que recebe. Em sua obra A vingança de Gaia, o autor reitera essa teoria, a partir de fatos que, segundo ele, a corroboram: Somente quando pensamos em nosso lar planetário como se estivesse vivo conseguimos ver, talvez pela primeira vez, por que a lavoura arranha o tecido vivo de sua pele e porque a poluição é venenosa para ele, tanto quanto para nós. Níveis crescentes de dióxido de carbono e gás metano na atmosfera têm consequências bem diferentes daquilo que ocorreria em um planeta morto como Marte. A reação da Terra viva às nossas ações não dependerá apenas do grau de nosso cultivo do solo e das poluições, mas também de seu estado de saúde atual. A Terra, quando jovem e forte, resistia a mudanças adversas e a falhas em sua própria regulação da temperatura; agora, ela pode estar idosa e menos resistente. (LOVELOCK, 2006, p. 18)
Em todo caso, o despertar da consciência ambiental aparece progressivamente a partir dos anos 1960, quando o ser humano se encontrava munido de amplas capacidades técnicas, geradas por conhecimentos científicos aprofundados – desenvolvidos em parte durante a ainda recente 2ª Guerra Mundial – e na ascensão da sociedade consumista, cujos processos produtivos ainda não haviam integrado, nem de longe, as preocupações com a proteção do meio e dos recursos naturais. Elemento importante a se destacar e que ilustra com bastante clareza esse momento vivido pelo Homem é o episódio citado por Ost (2003, p. 7). Os fatos nos remetem ao ano de 1972 e à cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, cujo conselho municipal de então decidira substituir 900 árvores das grandes avenidas da cidade por outras, similares, todavia, em plástico. A decisão tinha fundamentos por demais pragmáticos, posto que árvores em plástico não necessitam de poda nem de rega, ademais de manterem sua aparência mediante mera limpeza, de tempos em tempos. Esse fato, no mínimo inusitado, ilustra como o ser humano se via dominando a natureza e os seus processos ecológicos. Pode-se dizer, mesmo, que o Homem não se vislumbrava como parte do meio e dos
processos naturais, uma vez que estes deveriam estar unicamente a seu serviço. Em todo caso, é nas décadas de 1960 e 1970 que a comunidade científica e a sociedade começam a questionar e a se insurgir contra o modelo de desenvolvimento econômico vigente, que ensejava grande degradação ambiental e, por conseguinte, degradação da própria qualidade de vida. Nesse sentido, se o desenvolvimento tecnológico e econômico vivenciado pela Humanidade gera poluições sem precedentes na História, é nas sociedades mais desenvolvidas economicamente que surgem as demandas relativas ao controle e à redução das atividades poluentes. Essa verdadeira demanda por um meio ambiente de qualidade – em sentido amplo – se justificava pelo receio de que a degradação ambiental pudesse se tornar insuportável em longo prazo (BEURIER 2010, p. 18). A resposta do direito e das políticas públicas a essa nova exigência se deu tanto em nível internacional como em nível interno. Vale notar, aliás, que as discussões internacionais relativas à proteção ambiental influenciaram, em muito, as normas de direito interno, o que se verifica também no direito brasileiro9. O marco inicial das discussões globais em torno à causa ambiental é a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, evento que contou com a participação de 114 países. Foi a primeira conferência global com a temática ambiental, considerada um marco não apenas histórico, mas também político e decisivo, no cenário internacional, para o surgimento de normas e políticas estatais de tutela do meio ambiente, em sentido amplo – considerando os meios natural e humano. Desde Estocolmo, vários são os momentos internacionais importantes que se podem identificar, assim como os documentos deles decorrentes. Tal é o caso, por exemplo, da Carta Mundial da Natureza (1982), do Relatório Brundtland (1987), da Conferência do Rio de Janeiro (1992), da Conferência de Johanesburgo (2002) ou da Conferência do Rio de Janeiro de 2012, dedicada especialmente a compor um novo quadro institucional para o desenvolvimento sustentável. E, nessa esteira, a Conferência do Rio de Janeiro de 1992 foi o segundo grande marco da proteção internacional do meio ambiente – pelo menos até o presente momento –, por haver trazido a lume a Agenda 21, a Declaração sobre as florestas, assim como as convenções sobre a diversidade biológica e sobre a proteção dos sistemas climáticos10. Johanesburgo, a seu turno, foi um verdadeiro momento de inflexão do direito internacional ambiental, tendo em vista a manifesta falta de vontade política dos Estados para avançar em relação à Conferência do Rio, de 1992. A Conferência Rio+20, foi realizada numa conjuntura internacional bastante delicada, ao se considerar os necessários avanços na proteção internacional do meio ambiente. E, por certo, nessa mesma esteira estiveram as propostas, por plausíveis que fossem, de adequação institucional do atual quadro de governança ambiental onusiana.
Todavia, vale notar que os resultados da Conferência de 2012, mesmo que não visíveis no imediato pós-Conferência, vêm sendo apresentados no âmbito das Nações Unidas, ensejando a adaptação de suas instituições a um novo modelo de governança ambiental, mais aberto e participativo, em prol da construção efetiva da sustentabilidade. Esses reflexos da Conferência Rio+20 permeiam, inclusive, a agenda de desenvolvimento da ONU pós-2015 – a qual vem em substituição àquela estabelecida em 2000, com os Objetivos do Milênio (ODM) – na medida em que esta se constrói em torno à busca de efetividade do desenvolvimento sustentável e, assim, de um adequado quadro institucional onusiano.
3 A INADAPTAÇÃO DAS NORMAS E DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS PARA UMA GESTÃO ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE O atual cenário das relações internacionais, quando confrontado com a necessidade de proteção jurídica do meio ambiente, remete-nos a pelo menos três elementos a serem pontuados. Primeiramente, o fato de que os recentes episódios de crise econômico-financeira, de proporções globais, fizeram com que muitos dos debates ambientais arrefecessem, tanto em nível internacional como em nível interno, tendo em vista, especialmente, o fato de que não se destinam recursos suficientes para a promoção da sustentabilidade nesses âmbitos. Em segundo lugar, cabe ressaltar que as luzes da ribalta ainda convergem para os acontecimentos da primavera árabe, notadamente para a realidade síria, ademais de outras situações conflitantes no mundo – o caso iraquiano, a situação israelo-palestina, as pretensões territoriais chinesas, a Coreia do Norte, a crise ucraniana, a postura russa etc. – em detrimento da institucionalização da proteção ambiental no seio da ONU. Daí por que estarem os Estados ainda relutantes em contrair obrigações claras e, sobretudo, em assumir compromissos que impliquem medidas de comando e controle, ensejando a aplicação de sanções pelo não cumprimento de regras internacionais de proteção ambiental. Exemplo claro dessa assertiva está na segunda fase do Protocolo de Kyoto, que ainda não vigora, tendo em vista a falta de vontade política dos Estados para engajarem-se nesse objetivo.11 Esses elementos demonstram a necessidade, para os Estados, de reconhecer a importância da temática ambiental não apenas nos discursos perante a sociedade internacional, nos preâmbulos ou no conteúdo dos tratados internacionais. Esse reconhecimento, ao contrário, deve ir além, fazendo com que as normas internacionais de proteção ambiental possam ser realmente efetivas – e a partir daí, quiçá, eficazes –, o que exige uma devida institucionalização do meio ambiente junto à Organização das Nações
Unidas. Com efeito, devemos falar de uma devida institucionalização do meio ambiente junto à ONU, tendo em vista, de uma parte, que o tema já é tratado no seio dessa Organização. Todavia, de outra parte, deve-se ressaltar que as instituições onusianas atuais, sendo reflexos das experiências dos Estados em nível interno, compõem um quadro esparso, difuso, visto como os corpos institucionais que se ocupam da proteção ambiental no seio da ONU são múltiplos (DESAI, 2004, p. 218). E, mais, ao se falar de uma instituição onusiana dedicada especialmente à questão, estamos diante de um mero programa, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), ao invés de um verdadeiro organismo especializado, que trataria diretamente das questões ambientais em sentido amplo, com recursos e força. E, ainda, poderia ser o motor para o reconhecimento das obrigações positivas que têm os Estados diante da afirmação do direito humano ao meio ambiente. O que se percebe, na realidade, é que a consolidação dos objetivos e preceitos determinados pelo PNUMA se perfaz em diversas agências especializadas da ONU, como a Organização Mundial de Meteorologia (OMM), a Organização da ONU para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a Organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), ou em programas como o Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD), as instituições de Bretton Woods, a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou, ainda, no âmbito do próprio Fundo Global para o ambiente (GEF). Essa diversidade de instituições dificulta, em muito, a operacionalização do sistema de tutela ambiental, haja vista o consequente choque de competências e de interesses, em detrimento da necessária integração e cooperação que devem prevalecer quando o assunto é a proteção do meio ambiente em sentido amplo. Estamos, portanto, diante de um multilateralismo competitivo e, por vezes, desorganizado, que não prima pela eficiência das atividades, e acaba por revelar uma espécie de inconveniência ao direito internacional. A arquitetura da governança internacional ambiental em muito difere da de outros regimes internacionais, como o da saúde, do comércio ou da política econômica, sistemas esses integrados e comprometidos, em detrimento da falta de articulação e coerência caracterizadoras do atual sistema de governança ambiental. Ora, a governança ambiental da ONU, em uma análise criteriosa, se traduz pela falta de eficiência, pela morosidade de atuação, por divagações advindas de protocolos e convenções que dificilmente são colocados em prática, e cujo cumprimento tampouco é exigido. Isso sem contar a falta de financiamento adequado à gestão do meio ambiente. Percebe-se, assim, a carência de coordenação entre as instituições que tutelam o meio ambiente, fato que as torna praticamente inoperantes. Falta-lhes atuar sobre uma base de governança que lhes seja adaptada, elemento que falta igualmente aos Estados, quando o assunto são os processos decisórios internacionais na seara ambiental.
4 A GOVERNANÇA AMBIENTAL INTERNACIONAL E A ONU Segundo a Comissão sobre a governança global, governança é a soma dos diferentes modos segundo os quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, gerem seus temas comuns. Trata-se de um processo contínuo de cooperação e de acomodação de interesses diversos e conflitantes. A governança inclui as instituições oficiais e os regimes dotados de poderes executórios, assim como os arranjos informais sobre os quais os povos e as instituições se colocam de acordo ou percebem como sendo de seus interesses respectivos (VEYRET et al, 2007, p. 179). Para Born (2007, p. 7), o termo significa a capacidade de um sistema, por seus instrumentos e instituições – o que inclui os indivíduos – de orientar as condutas dos Estados, das empresas e das pessoas em torno a certos valores e objetivos de longo prazo para a sociedade. Ora, o meio ambiente é, como se sabe, bem de interesse comum, cuja proteção, no sentido de garantia de um mínimo equilíbrio, é igualmente de interesse geral. Na seara internacional, pode-se dizer que a governança tenha o intuito de garantir que os inúmeros acordos internacionais disponham de ampla divulgação e efetividade em sua implementação, seja pelos governos locais e nacionais, pelas instituições da ONU e organizações financeiras multilaterais, como pelo setor privado. Há muito se discute acerca da necessidade em se efetivar um processo de reforma das Nações Unidas no que tange ao aspecto ambiental, com o escopo de promover o fortalecimento da governança ambiental internacional, para possibilitar a implementação de uma estrutura integrada entre as agências especializadas da Organização, bem como dar efetividade aos inúmeros acordos multilaterais existentes. Nesse sentido, a palavra chave que fundamenta a ideia de reforma da ONU é o seu fortalecimento, haja vista que, desde os anos noventa, mais especificadamente na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em 2002, após intensas discussões, chegouse a uma conclusão irremediável: é imprescindível que a ONU atue de forma mais incisiva, coordenando e orientando uma política eficaz de proteção ambiental, além de garantir o cumprimento dos acordos multilaterais existentes. É consenso que deve haver o fortalecimento da governança ambiental internacional de forma ampla, o que nos remete tanto ao reforço institucional onusiano, como à participação do setor privado e da sociedade civil dos processos decisórios internacionais. No que tange ao fortalecimento da ONU e à sua indispensável reforma em direção a processos de governança ambiental mais adequados, os governos divergem quanto à sua concretização, o que nos leva a apresentar, em seguida, algumas das propostas que vêm à lume sobre o tema e que acabaram permeando os debates da Conferência Rio+20, sendo que algumas delas se externalizaram em suas conclusões e propostas, ademais das recentes evoluções institucionais que puderam se confirmar concretamente.
5 EM BUSCA DE UMA ADEQUADA GOVERNANÇA AMBIENTAL INTERNACIONAL Sem pretender abordar o tema de forma exaustiva, apresentamos em seguida algumas dentre as propostas que tangenciam o tema da governança ambiental, especificamente no cenário onusiano. Essas propostas nos remetem a considerar tanto a criação de novas instituições internacionais como a reforma das já existentes, no sentido de melhor adaptá-las aos desafios impostos pela questão ambiental em nossos dias. Note-se, em todo caso, que uma maior democratização das instâncias internacionais, sobretudo diante da emergência de novos atores na sociedade global, é um elemento que perpassa todas as propostas e ao qual o direito internacional não poderá dar as costas nos tempos vindouros. Assim, a primeira proposta a se considerar é a transformação do PNUMA em Organização Mundial do Meio Ambiente, um organismo especializado da ONU para tratar amplamente de questões ambientais. Essa nova instituição seria mais forte e ampla que o atual programa ambiental onusiano, com orçamento próprio e com a finalidade de controlar, coordenar e administrar as demais instâncias dentro da Organização que tratem, direta ou indiretamente, da questão ambiental. Note-se, além disso, a possibilidade dessa organização internacional de atuar enquanto secretariado de acordos ambientais multilaterais importantes e, ainda, auxiliar na implementação de seus mecanismos e no controle de sua efetividade. Poderia, igualmente, apresentar-se como foro para as discussões políticas em torno ao tema ou para, em conjunto com a Comissão de Direito Internacional, apresentar propostas de novos tratados. Poderia essa organização também mediar eventuais diferendos advindos da aplicação de textos convencionais, atuando de forma “quase jurisdicional”, ser a porta de entrada para o uso da Câmara Ambiental da Corte Internacional de Justiça ou, mesmo, para a futura criação de tribunal internacional especializado, o que poderia se estabelecer, naturalmente, em sua própria estrutura. Sobre o tema, importante é a opinião de Born e Neuhaus (2007:22): A Organização poderia criar um sistema de relatoria comum para todos os Acordos Ambientais, um mecanismo de arbitragem comum, assim como um sistema conjunto de capacitação para os países em desenvolvimento. Com isso, a voz destes países poderia aumentar nas negociações ambientais internacionais e todos os Estados poderiam criar corpos diplomáticos ambientais especializados. As entidades da sociedade civil poderiam solicitar a participação nas negociações globais na Assembléia da Organização.
Devemos precisar que falamos, aqui, desde um plano do ideal. Estamos, portanto, longe da realidade, posto que os Estados membros da ONU não apoiariam, pelo menos não na atual conjuntura, uma mudança tão expressiva na estrutura onusiana de governança ambiental. Por certo, se desde Estocolmo existe apenas e tão somente um programa da ONU para o meio ambiente, é porque uma organização mundial não foi e
nem é, pelo menos até agora, almejada pelos Estados. Nesse sentido, a proteção internacional do meio ambiente vai de encontro, infelizmente, à vontade política dos Estados, assim como à sua falta de cooperação em sentido amplo. A esses elementos pode-se agregar o apego ao princípio da soberania sobre o uso dos recursos naturais, princípio do direito internacional do ambiente que fora enunciado em Estocolmo e que não se apaga dos textos internacionais de proteção ambiental12. O fato que o direito humano ao meio ambiente seja ainda visto como um dentre os direitos econômicos, sociais e culturais, apresenta-se igualmente como fator que contribui para tanto.13 Essa proposta esbarra, igualmente, na difundida ideia de que o fortalecimento da governança ambiental internacional acarretaria um prejuízo ao desenvolvimento econômico dos Estados, visão que nos remete, de algum modo, ao embate travado em Estocolmo – entre o crescimento zero e o crescimento a qualquer custo – ademais da postura norte-americana em relação, por exemplo, ao Protocolo de Kyoto (1997). Mais modestamente e, assim, talvez mais próxima da realidade, está uma segunda proposta, que se cinge a fortalecer o PNUMA, sem a criação de uma nova instituição. Aumentar seus poderes e os meios para sua ação por um mandato reforçado é algo importante e válido para uma melhor governança ambiental internacional. Nesse sentido, merece destaque o relatório da “Reunião Ministerial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Desafios para a Governança Internacional”. Fruto do encontro que aconteceu no Rio de Janeiro, nos dias 3 e 4 de setembro de 2007, esse documento sustenta que: [...] a estrutura institucional de governança ambiental somente será efetiva caso venha a contar com mandato claro, recursos financeiros apropriados, previsíveis e estáveis, e autoridade política. Hoje, o sistema está sobrecarregado o que gera dispersão, fragmentação, competição por recursos e sobreposição de mandatos. (BORN e NEUHAUS, 2007, p. 23).
Em todo caso, inspirando-nos das palavras de Doumbé-Billé (2007, p. 100), o trabalho feito já há décadas pelo PNUMA deve ser objeto de um exame atento pelos Estados. E, por certo, é promovendo uma maior articulação desse Programa com as principais agências onusianas que um consenso deve ser buscado. Consenso esse que pode responder de maneira mais coordenada às questões globais, tais como comércio e meio ambiente. Esse tema, devemos pontuar, foi posto em debate no âmbito da Conferência de 2012, em cuja declaração final, intitulada O futuro que queremos,14 ficou decidido (ONU, 2012, p. 17) que deve-se reforçar o papel do PNUMA, para que se converta na autoridade onusiana para a proteção do ambiente. E, com isso, estabeleça a agenda ambiental global, ademais de promover a implementação coerente da dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável. Concretizando esse compromisso assumido pelos Estados, contabilizam-se desdobramentos concretos, a partir das últimas sessões (67ª e 68ª) da Assembleia Geral da ONU. Com efeito, em relação a reforçar o PNUMA, já se decidiu pela filiação universal,
contemplando a consequente contribuição anual e obrigatória ao seu orçamento, ademais da criação, no seio desse organismo, da Assembleia Ambiental da ONU. Dita estrutura sucede o Conselho Gestor do PNUMA, dotando-se de competências capazes de responder mais efetivamente à questão ambiental no cenário planetário e, quiçá, abrir caminho para uma futura Organização Mundial do Meio Ambiente.15 A terceira proposta a que aludimos trata do reforço do papel do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC), formalizando sua atuação na seara ambiental. Como se pode notar da própria estrutura e atuação do ECOSOC, vislumbra-se uma tendência natural no sentido de assumir a proteção do meio ambiente. Essa tendência se verifica tanto a partir da ação privilegiada do Conselho em relação ao cumprimento dos Objetivos do Milênio (ONU, 2000), como de seu papel de mecanismo central de coordenação, em nível onusiano, promovendo “a aplicação e o controle integrados e coordenados dos textos advindos das grandes conferências e reuniões de cúpula organizadas pelas Nações Unidas nos âmbitos econômico e social e em domínios conexos” (ONU, 2003)16 Aqui se encontra, sem sombra de dúvidas, o meio ambiente, o qual foi evidenciado na reunião de cúpula de 2012: We reaffirm that the Economic and Social Council is a principal body for [...]promoting the implementation of Agenda 21 by strengthening system-wide coherence and coordination. (ONU, 2012, p. 16).
E, mais, diante do relevo da atuação ambiental de comissões do ECOSOC – caso da Comissão Econômica da ONU para a Europa (CEPE), de cuja ação advêm cinco convenções internacionais de peso17 – reforçar o papel ambiental do Conselho, acordando-lhe competências específicas na matéria, permitiria, mutatis mutandis, à Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o Caribe (CEPALC), seguir os passos de sua homóloga europeia, criando um quadro normativo latino-americano para uma proteção regional homogênea do meio ambiente. Pois bem, dentre os outcomes da Conferência Rio+20 em relação ao ECOSOC, destaca-se o fato de que a 68ª Sessão da Assembleia Geral da ONU reiterou as necessárias reformas na estrutura desse órgão, já indicadas na Resolução n. 61/16, adotada em 2006 (ONU, 2007). Essa “retomada de curso”, por assim dizer, possibilitou a consolidação e a efetivação da proposta de transformar o Conselho no órgão de referência quando o assunto é a afirmação do desenvolvimento sustentável. Isso porque a pouco operante Comissão de Desenvolvimento Sustentável cedeu lugar a uma estrutura renovada, o Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável. Esse Fórum se apresenta como uma plataforma dinâmica para a concretização da sustentabilidade em nível internacional, ademais de indicar e apoiar as ações nacionais na matéria, num ambiente que contempla participação mais intensa dos majour groups e outros stakeholders nos processos decisórios (ONU, 2013). Uma quarta proposta estaria na transformação do Conselho de Tutela num órgão que se responsabilizaria pela proteção do meio ambiente em nível global. Estaríamos, assim, diante de um órgão inserido na estrutura permanente da ONU com um mandato
que é de interesse de toda a Humanidade, qual seja, a proteção, em sentido amplo, do meio ambiente. Não vislumbramos, todavia, pelos motivos já elencados anteriormente, que esta modificação na estrutura onusiana se concretize, contrariamente às demais, que se encontram em curso de operação. Enfim, cabe-nos mencionar uma quinta e última proposta, que tem por objeto a criação de uma corte internacional do meio ambiente. É desejável que disponhamos, não apenas em nível internacional, mas também em nível interno, de tribunais e juízes especializados nas causas que se lhes apresentem pelos jurisdicionados. Em nível internacional, podemos citar o exemplo da arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias, instituída pela Convenção de Montego Bay (1982). Dito texto prevê a possibilidade de arbitragem especializada em distintos temas atinentes ao meio marinho, como a pesca, a proteção e a preservação ambiental, a pesquisa científica, a navegação ou a poluição proveniente de embarcações. Uma corte internacional do meio ambiente poderia, por certo, julgar todos os diferendos advindos da interpretação ou da aplicação de convenções ambientais, assim como dar aos Estados a possibilidade de levar à sua jurisdição – dotada das competências judicial e consultiva, à semelhança da Corte Internacional de Justiça – casos regidos por outros documentos internacionais, como se permite, por exemplo, no Tribunal Internacional do Direito do Mar, criado igualmente pela Convenção de Montego Bay. Sem desejar apresentar uma visão pessimista, notamos que a criação de uma corte internacional exclusiva para questões ambientais contraria os atuais interesses dos Estados, tendo em vista a sua dificuldade em se submeter a compromissos ambientais em nível internacional, sobretudo se esses compromissos implicam engajar sua responsabilidade, caso não sejam cumpridos. Prova marcante disso é o que mencionam Kiss e Beurier (2000), vale dizer, o fato de inexistirem, nas regras do direito internacional ambiental, mecanismos punitivos, em benefício de um progressivo convencimento dos Estados em direção ao respeito das regras convencionais, em nome da transmissão de um patrimônio comum às gerações futuras. Ressaltamos, enfim, que não há solução única, nem imediata, para a implementação de uma adequada governança ambiental internacional. Entretanto, ela conta com a participação dos Estados desenvolvidos, tendo em vista sua capacidade de garantir mecanismos de financiamento dessa nova governança, que é instrumento capaz de consolidar o desenvolvimento sustentável. Além disso, vale ressaltar serem esses Estados, por seu peso no cenário internacional, os que podem mais facilmente incentivar as mudanças acima indicadas, que se discutem já há algum tempo, assim como outras, objeto de futuras propostas. O exemplo da Conferência do Clima de Copenhague, em 2009, demonstra com clareza como a União Europeia, enquanto organização internacional, os Estados Unidos, o Japão, a França e o
Brasil, enquanto Estados, têm um peso inegável no cenário externo18. E isso, mesmo diante de sua postura ambiental interna, nem sempre em sintonia com o que propõem em nível internacional (TIETZMANN E SILVA, 2010). Mesmo diante dessas adversidades, ínsitas à sociedade internacional, é importante ressaltar que a construção da agenda onusiana de desenvolvimento pós-2015 está intrinsecamente ligada a novas perspectivas para a governança ambiental, como se verá a seguir.
6 OS NOVOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DA ONU: UM REFORÇO À AGENDA DA GOVERNANÇA AMBIENTAL Tendo em vista o prazo acordado pela sociedade internacional para que se cumprissem os Objetivos do Milênio (ODM),19 a Organização das Nações Unidas coordena, já há algum tempo, os trabalhos para a formatação de sua agenda de desenvolvimento pós-2015, a qual contempla expressamente o desenvolvimento sustentável. É o que se nota do estado atual de trabalhos sobre o seu zero draft: We reaffirm our commitment to fully implement the Rio Declaration on Environment and Development, Agenda 21, the Programme for the Further Implementation of Agenda 21, the Plan of Implementation of the World Summit on Sustainable Development (Johannesburg Plan of Implementation) and the Johannesburg Declaration on Sustainable Development of the World Summit on Sustainable Development, the Programme of Action for the Sustainable Development of Small Island Developing States (Barbados Programme of Action) and the Mauritius Strategy for the Further Implementation of the Programme of Action for the Sustainable Development of Small Island Developing States. We also reaffirm our commitment to the full implementation of the Programme of Action for the Least Developed Countries for the Decade 2011-2020 (Istanbul Programme of Action), the Almaty Programme of Action: Addressing the Needs of Landlocked Developing Countries within a New Global Framework for Transit Transport Cooperation for Landlocked and Transit Developing Countries, the political declaration on Africa’s development needs, and the New Partnership for Africa’s Development. We also reaffirm our commitment to the Programme of Action of the ICPD, the Beijing Platform of Action, and the Outcome document of the September 2013 special event to follow up efforts made towards achieving the Millennium Development Goals.20
Vale ressaltar, ademais, que, dentre os temas propostos enquanto objetivos a serem alcançados até 2030, figuram o uso sustentável da água, garantir energia sustentável para todos, fomentar crescimento econômico e processos de industrialização sustentáveis, concretizar a sustentabilidade urbana, promover padrões sustentáveis de produção e de consumo, lutar contra as mudanças climáticas, conservar e promover o uso sustentável de oceanos, mares e recursos marinhos, proteger e promover a proteção de ecossistemas terrestres, freiar a desertificação, a degradação dos solos e a perda da biodiversidade. E, especificamente no que tange à governança ambiental, indica-se um ponto específico dessa nova agenda internacional, do qual dependem os demais, no que diz respeito à promoção da sustentabilidade tanto no cenário internacional que no cenário interno: trata-se do reforço dos meios de implementação e da parceria global para o
desenvolvimento sustentável.21 Daí por que é importante ressaltar que as atuais discussões em torno a essa agenda pós-2015 remetem, necessariamente, a vários aspectos da governança global ambiental, na medida em que consistem nos outcomes da Conferência Rio+20, a mais recente cúpula global sobre a sustentabilidade. E, assim, o processo de construção da nova agenda de desenvolvimento da ONU remete às propostas já observadas neste estudo, em especial àquelas que, progressivamente, vêm se concretizando no âmbito das Nações Unidas. Vale destacar, aqui, que a declaração ministerial da primeira sessão da Assembleia Ambiental da ONU – estrutura que representa o início de uma mudança de peso no PNUMA –, realizada nos dias 26 e 27 de junho de 2014, reafirma, entre outros, o compromisso de se alcançar uma agenda de desenvolvimento pós-2015 que seja capaz de integrar todas as dimensões da sustentabilidade: To achieve an ambitious, universal, implementable and realizable post-2015 development agenda that fully integrates the economic, social and environmental dimensions of sustainable development in a coherent, holistic, comprehensive and balanced manner, including comprehensive and action-oriented sustainable development goals with the aim of eradicating poverty, protecting the environment and promoting inclusive social and economic development in harmony with nature.
E, em nível de Conselho Econômico e Social, adotou-se na segunda reunião do Fórum de Alto Nível para o Desenvolvimento Sustentável um modelo para a avaliação da sustentabilidade em nível mundial, documento que, ao reconhecer o déficit na implementação dos distintos capítulos da Agenda 21 (1992),22 aduz sobre a importância de se contar com um quadro institucional dotado de recursos e competências para a afirmação do desenvolvimento sustentável. Ora, esses elementos demonstram não apenas uma consideração do quadro institucional ou a dependência do mesmo, para a afirmação da sustentabilidade. Eles representam a necessária interação existente entre a agenda pós-2015 e uma adequada governança global ambiental. Cabe verificar com que roupagem final se apresentará essa nova agenda de desenvolvimento.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde o despertar da consciência ambiental, suscitado pela Conferência de Estocolmo (1972) e a criação do PNUMA, foram realizados diversos estudos, encontros e debates que culminaram em diversas conferências e centenas de acordos internacionais, com o fim precípuo de proteção dos recursos naturais. No entanto, a efetiva implementação de tais acordos enfrenta entraves que dizem respeito à falta de vontade política dos Estados e à inadequação da governança ambiental no seio da ONU, a qual passa por mudanças desde a última conferência global sobre ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 2012. Com intuito de superar os obstáculos da efetividade da governança ambiental
internacional é necessário promover a troca de informações, de estudos integrados, de definição estreita de responsabilidades, definição dos papéis, recursos financeiros dos diversos atores da arquitetura da governança ambiental internacional e convergência das ações. A solução para a implementação da governança ambiental não é simples, tampouco rápida, e não se concentra apenas em reformas estruturais, o essencial é a sua finalidade. Nesse sentido, coloca-se em questão se a política do meio ambiente, bem como os desafios da sustentabilidade deveriam ser vinculados e organizados por uma instituição única, eficiente e de respaldo global, vinculada ao sistema da ONU, com vistas à articulação organizada e real dos objetivos ambientais específicos, ou se, como ocorre na atualidade, os diversos regimes multilaterais podem cumprir tais objetivos de forma fragmentada e isolada. É nesse sentido que o reforço de instituições atuais, caso do ECOSOC e do próprio PNUMA, por serem propostas mais condizentes com a realidade – e, sobretudo, com a vontade dos Estados em se engajar na proteção internacional do meio ambiente – acabam por ver certa concretude. Uma adequada governança ambiental, abrangendo tanto mecanismos governamentais como não governamentais, permitindo uma maior eficácia das instituições internacionais onusianas, assim como sua abertura aos novos atores do direito internacional é necessária nesse contexto de reestruturação da Organização. A abertura aos novos atores da sustentabilidade, vale sublinhar, foi reconhecida tanto na declaração de 2012 (ONU, 2012), como se apresenta nas novas estruturas do ECOSOC e do PNUMA, locais onde a participação dos majour groups passa a ser essencial. Destaque-se, ainda, que a construção da nova agenda de desenvolvimento da ONU conta com a participação de vários atores no cenário global, na mesma medida em que foi discutida a Declaração final da Conferência Rio+20. O direito internacional ambiental, necessariamente um direito planetário, o que se justifica pela própria natureza, também planetária, dos problemas ambientais, segundo Doumbé-Billé (2007, p. 102), exige que os Estados considerem um maior engajamento internacional e, para tanto, demanda decisões e instituições mais adequadas, como, ao que tudo indica, se desenha no horizonte futuro da ONU.
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1 Artigo elaborado como parte dos resultados das pesquisas realizadas no projeto intitulado “Governança global ambiental: em busca de efetividade e de identidade institucional”, conduzido pelo Prof. Dr. José Antônio Tietzmann e Silva junto à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), instituição que financia essa pesquisa, no qual as
coautoras foram pesquisadoras orientadas pelo coordenador do projeto. 2 Doutor em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Limoges (França) e pela Universidade Internacional da Andaluzia (Espanha). Advogado e consultor em Direito Ambiental. Professor e pesquisador do programa de mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC Goiás. Pesquisador associado ao Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Direito Ambiental, de Ordenamento Territorial e Urbanístico – CRIDEAU (França). Professor colaborador dos mestrados em Direito Ambiental e Urbanístico da Universidade de Limoges (França) e em Direito Ambiental e Proteção do Patrimônio Cultural, da Universidade Nacional do Litoral (Argentina). 3 Mestrandas do Programa de Pós-Graduação em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 4 Carta da ONU, adotada em São Francisco, nos Estados Unidos, em 1945. 5 Tradução dos autores. 6 Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), 801 espécies de plantas e animais foram extintas desde 1500. Informação disponível em http://www.bbc.com/news/magazine-17826898, acesso em 10 de julho de 2014. 7 Nas palavras de Beurier (2007, p. 804): “Sabe-se que a biodiversidade terrestre está em perigo pelas extinções massivas de espécies às quais assistimos desde o início do século XX, a queda de diversidade biológica seria 10.000 vezes superior hoje ao que ela foi no passado, a rapidez e a amplitude do fenômeno deixam pensar que as compensações naturais não podem se fazer num tal ritmo”. Tradução dos autores. 8 Segundo Veyret (2007), essa noção foi proposta por William Rees no começo da década de 1990. É um indicador da pressão exercida sobre o meio ambiente, mede a carga que uma determinada sociedade impõe à natureza. 9 A título de exemplo, vale mencionar que a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), primeiro órgão ambiental federal brasileiro, foi criada em 1973, justo após a Conferência de Estocolmo; a lei de ação civil pública veio em 1987, após a Carta Mundial da Natureza, de 1982 (esta última falava na informação, na participação e no acesso à justiça em matéria ambiental); a afirmação do desenvolvimento sustentável, pelo Relatório Brundtland, em 1987, foi determinante para o artigo 225 da Constituição de 1988; a Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, foi a mola propulsora para a lei de crimes ambientais, de 1998, na mesma medida em que a Declaração sobre as Florestas, igualmente de 1992, representou fonte para a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, em 1999. 10 Agenda 21, Declaração de princípios não juridicamente obrigatórios para a gestão sustentável de todo tipo de florestas, Convenção sobre a Diversidade Biológica e Convenção Quadro da ONU sobre as Mudanças Climáticas. 11 Dito Protocolo, adotado em 1997 à Convenção Quadro da ONU sobre mudanças climáticas (1992), é o instrumento internacional que institui obrigações para os Estados no sentido de contribuírem com a proteção dos sistemas climáticos globais, a partir de compromissos com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Até o presente momento, apenas 11 Estados declararam formalmente sua adesão a essa nova fase do sistema de Kyoto, o que contraria a urgência que é ínsita à luta contra as mudanças climáticas em nível global. Informação disponível no site United Nations Treaty Collection, em https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XXVII-7c&chapter=27&lang=en, acesso em 03.07.2014. 12 Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, de 1972: “Em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política ambiental e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional”. Dito princípio foi retomado, ipsis litteris, pela Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 1992, em seu artigo 3º. 13 Na medida em que a afirmação desses direitos, que exige ações positivas dos Estados, é destes cobrada considerando os limites do que é possível de se fazer com vistas à sua concretização. 14 The future we want, no título original, em inglês. 15 Nesse sentido, destacam-se dentre essas competências: a) estabelecer a Agenda global ambiental; b) responder aos desafios ambientais emergentes; c) rever as políticas ambientais, estabelecer diálogos e troca de experiências; d) conduzir as mudanças estratégicas do PNUMA; e) organizar um diálogo multi-stakeholder; f) focar em parcerias para responder aos desafios ambientais e a mobilização de recursos. 16 Vide também a resolução 50/227 da AG ONU (A/RES/50/227, de 1º de julho de 1996). 17 Convenção de Berna sobre a poluição atmosférica de longa distância (1979), Convenção de Espoo sobre estudos de
impacto ambiental num contexto transfronteiriço (1991), Convenção de Helsinki sobre rios e cursos d’água internacionais (1992) e sobre os efeitos transfronteiriços de acidentes industriais (1992), ademais da Convenção de Aarhus sobre informação, participação e acesso à justiça em matéria ambiental (1998). 18 Antes da Conferência, Japão e, em seguida, a União Europeia, apresentaram propostas bastante ambiciosas em matéria de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Todavia, uma vez que os Estados Unidos não se prontificaram em fazer o mesmo, os dois primeiros desistiram de dar continuidade às propostas mencionadas, esvaziando o evento de dezembro de 2009. Este, afinal, que foi parcialmente “salvo” pelas delegações do Brasil e da França, que, ao apagar das luzes de Copenhague, obtiveram o acordo de certo número de Estados participantes para adotar a Declaração de Copenhague, dando ao evento alguma importância, pelos compromissos ali elencados. 19 Os ODM foram adotados em 2000, para que fossem cumpridos num horizonte de 15 anos. “Vencem”, portanto, em 2015 (ONU, 2000). 20 Disponível em http://sustainabledevelopment.un.org/focussdgs.html, acesso em 10 de julho de 2014. 21 As informações contidas neste e no parágrafo anterior foram obtidas no site indicado na nota supra. 22 “Based on expert assessment, most of the 39 chapters were rated as having made only limited progress. Three chapters (chapter 4 on Changing consumption patterns; chapter 7 on Promoting sustainable human settlement development; and chapter 9 on Protection of the Atmosphere) were rated as having made no progress or witnessed a regression. Only five chapters were rated as having achieved good progress or better (chapters 27 and 18 on involvement of NGOs and local authorities, chapter 35 on science for sustainable development, chapter 38 on International institutional arrangements, and and chapter 39 on International legal instruments and mechanisms).” (ONU, 2014).
O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS Lanker Vinícius Borges Silva Landin1
RESUMO A relação entre animais humanos e animais não humanos é intensa desde a pré-história e dentro desta relação é perceptível como uma das partes, os animais humanos, possui um emaranhado de proteções jurídicas, mas a outra, os animais não humanos, é amparada por um número mínimo de leis. Ao longo do desenvolvimento do homem, várias foram as correntes doutrinárias que estudaram e buscaram proteger os animais não humanos, dentre estas, as principais são os Humanitários e os Utilitaristas. Apesar do desenvolvimento destes estudos, ainda hoje, várias são as questões ligadas aos animais não humanos que ainda não foram resolvidas satisfatoriamente, dentre estas, pode-se citar as pesquisas cientificas que utilizam animais. Palavras-chave: Animal, humano, legislação, Cartesianos, Humanistas e Utilitários.
ABSTRACT The relationship between human animals and nonhuman animals is intense since pre-history and within this relationship is perceived as a party, the human animal has a tangle of legal protections, but the other, non-human animals, is supported by a minimum number of law. Throughout the development of man, there were several doctrinal currents studied and sought to protect non-human animals, among these are the major Humanitarian and Utilitarian. Despite the development of these studies, even today, there are several issues to non-human animals that have not been satisfactorily resolved, among them, one can cite the scientific research using animals. Keywords: Animal, human, law, Cartesian, Humanists and Utilities.
1 INTRODUÇÃO Em 18 de Outubro de 2013, o Instituto Royal foi invadido por ativistas. Neste dia foram “resgatados” ou “roubados” do Instituto, 178 cães da raça Beagles e 07 coelhos, os quais eram submetidos a testes. De acordo com dados fornecidos pelo Instituto, de 2006 a 2012, 62,3% dos testes eram realizados para produção de fármacos, 20% destinados à pesquisa e desenvolvimento de moléculas e 1,3 % para produção de cosméticos. Segundo informações do instituto, após os testes, alguns animais eram destinados à adoção e outros eram sacrificados. Esta invasão gerou uma retomada da discussão dos animais destinados a pesquisas científicas. A matéria foi abordada, mas alguns dias após esqueceu-se o tema, ou seja, o evento da invasão não gerou frutos para a nossa sociedade, a discussão não foi aprofundada, quem era a favor dos experimentos não mudou de posicionamento, assim como quem era contrário não se convenceu da necessidade das pesquisas. Outra matéria que foi divulgada na imprensa, mas serviu apenas para vender jornal e revista, foi o extermínio de cães e gatos na Cidade de Sochi. A prefeitura de Sochi, cidade-sede das Olimpíadas de Inverno de 2014, mandou exterminar os mais de dois mil
cães e gatos que vivem nas ruas do município para deixar o local “mais limpo e seguro” durante o evento esportivo. Em abril de 2013, o governo russo anunciou a medida e, após protestos dos defensores dos animais, voltou atrás, dizendo que apostaria na construção de abrigos e na castração desses bichos. Ocorre que após verificar que no evento teste para abertura dos jogos olímpicos foram vistos vários cães e gatos perambulando em meio ao público. A prefeitura da cidade-sede entendeu que a decisão correta seria o extermínio dos gatos e cachorros abandonados. Os ativistas reconhecem que a quantidade de bichos abandonados nas ruas de todo o mundo é cada vez maior e que, de tão grave, o problema já virou questão de saúde pública. Nas duas discussões ocorreu o embate entre os direitos do animais não humanos versos aos dos humanos. Ora é possível imaginar que algum dia o direito dos animais não humanos vá prevalecer sobre o direito dos humanos? Na verdade, o direito dos animais não humanos já prevaleceu em diversas oportunidades ao longo da história. Luc Ferry, na obra “A nova ordem ecológica” descreve diversas demandas jurídicas nas quais o animal ou o inseto sagrou-se vencedor; estes processos foram abundantes do século XIII ao XVIII. O principal argumento que gerava a vitória dos insetos e animais não humanos era que os animais, insetos e humanos foram criados por Deus, então possuíam os mesmos direitos. Com o passar do tempo o homem foi modificando as lei e esta igualdade de direitos nunca mais foi verificada. Várias foram as correntes doutrinárias que abordaram esta temática, tendo como principais, os Cartesianos, os Humanistas e os Utilitaristas. Para os Cartesianos os animais eram considerados como simples máquinas e nada mais. Concluíam que o único pólo de valor é o sujeito humano. Já para os Humanistas, os animais não humanos são movidos por instintos e os humanos são seres livres. Concluem os Humanistas, que a liberdade é o fundamento da ordem jurídica, assim, o homem é o único ser que possui direitos. De forma diversa entendem os Utilitaristas. Para estes, todos os seres suscetíveis de prazer e sofrimento é possuidor de direitos. Defendem também que o Direito tem por finalidade proteger interesses, qualquer que seja o sujeito possuidor dos interesses. Finalizam que todo animal, humano ou não humano, são iguais, sendo ilícito fazer sofrer um bicho, tanto quanto um humano. Assim, para uma melhor compreensão do tema, mostra-se necessária uma abordagem aprofundada de todas as questões ligadas ao Direito dos animais não humanos.
2 O CARTESIANISMO O estudo dos direitos dos animais é uma área que tem crescido demasiadamente.
Segundo Ferry (2009, p. 67), nos países anglo-saxões não há na área filosófica e política um fenômeno comparável ao movimento de libertação animal e que são inúmeros os seminários e palestras realizados nos Estados Unidos, Canadá e Alemanha abordando o estudo metafísico e jurídico dos animais, por isso é deveras importante que o direito brasileiro fixe os olhos nesta temática. O cartesianismo é um estudo filosófico baseado nas diretrizes traçadas por René Descartes. Esta corrente defende de forma ferrenha o antropocentrismo, buscando que o homem seja resguardado por todos os direitos e que a natureza não encontre proteção alguma. Assim, para esta corrente, os animais não possuem qualquer direito. Até então, acreditava-se que o universo seria um grande vivente. Para os Cartesianos a natureza e com ela os animais são seres inanimados, não possuem alma, vida, nem mesmo força, sendo dotados apenas de movimentos. Dentre os exemplos citados pelos cartesianos, o papagaio é o mais enfático. Para estes doutrinadores o papagaio possui todos os órgãos necessários para poder falar, porém não o faz, utiliza dos órgãos apenas para repetir palavras desconexas, ou seja, não possuem alma. Um dos argumentos mais famosos é o de René Descartes, o filosofo compara os animais a máquinas e afirma que em muitas vezes o animal conseguem ser melhor que o homem, mas isso também ocorre com as máquinas, mas o que move o homem é a alma e os animais são movidos por instintos. Vejamos a celebre argumentação: (...) é que o animal, como todas as máquinas benfeitas, “funciona” melhor do que o homem: Sei perfeitamente que os bichos fazem muito mais coisas melhor do que nós, mas eu não me surpreendo, pois isso serve justamente para provar que eles agem naturalmente e por uma força instintiva, assim como um relógio que mostra melhor que horas são do que nosso julgamento...., de modo que o que fazem melhor que nós não prova que tenham espírito; pois desta forma, tê-lo-iam mais do que qualquer um de nós, e agiriam com mais acerto em todas as outras coisas; mas pelo contrário, prova que não o têm, é que é a natureza que neles opera de acordo com a disposição de seus órgãos, assim como se vê que um relógio, composto apenas de rodas e de molas... E isto não prova somente que os animais têm menos razão que os homens, mas que não tem absolutamente nenhuma. (DESCARTES, 1996, p. 65/66).
Ora a argumentação de René Descartes é muito clara no sentido que os animais não humanos possuíam órgãos, mas não possuíam alma, sendo assim não eram capazes de realizar algo que até um demente conseguia. Nesta linha de raciocínio argumentava ainda que o mais evoluído dos animais estava muito distante do mais demente dos homens, sendo assim, os animas não eram dotados de razão, e principalmente de alma. Descartes conclui, portanto, que os animais, por não possuírem alma, não poderiam ser abarcados por direitos, posto que apenas o ser humano era suscetível a possuir direitos. Referente aos estudos científicos que utilizam animais, os discípulos de Descartes, dentre eles, Buffon, defenderam a vivissecção argumentando que o animal ignora o sofrimento, e assim, os gritos que ele solta no momento dos experimentos possuem o mesmo sentido que o som de um pêndulo de um relógio.
As argumentações dos cartesianos eram tão fortes e pesadas, pelo que ocorreu uma reação exagerada. Utilizando a metáfora utilizada por Buffon, normalmente, quando se tem uma corrente extremada, a corrente que surge contra esta também é extrema, algo parecido com o pêndulo do relógio. Vários foram os anticartesianos, um dos primeiros foi Maupertuis, o qual defendia que os animais são dotados de sensibilidade e inteligência e, portanto, deveriam ser protegidos pelo “direito dos bichos”. Vários outros autores surgiram contra o Cartesianismo, muitos já ligados ao Humanismo Republicano no século XIX. Os anticartesianos buscaram demonstrar que o animal não é uma máquina, ele pensa e sofre e, portanto, possui direitos, ou ao menos o homem possui deveres para com os animais. Alguns defensores mais radicais chegavam a elevar os bichos ao mesmo patamar dos homens. Mesmo os anticartesianos tinham um pensamento antropocêntrico, a maioria dos “direitos” dos animais estavam ligados ao convívio com o homem. Maurice Agulhon sintetiza bem esse raciocínio: Hoje, a proteção dos animais poderia quase passar por um ramo da ecologia ... Quando se falava (...)de proteção dos animais no século XIX (...), tinha-se em mente quase que exclusivamente, em todo caso principalmente, os animais domésticos, ameaçados pela violência de seus donos, e se esperava que, refreando essa violência menos, se estaria ajudando a refrear a violência maior dos humanos entre si. A proteção dos animais pretendia ser uma pedagogia, e a zoofilia a escola da filantropia. Era um problema de relação com a humanidade e não de relação com a natureza. (AGULHON, 1981, p. 81).
Como fora ressaltado pelo autor, até o século XIX a busca pelo direito dos animais era fruto da relação dos animais com o homem, portanto buscava-se proteger os homens gerando direitos para os bichos.
3 O DISTANCIAMENTO ENTRE O DIREITO ANIMAIS NÃO HUMANOS DOS HUMANOS
DOS
Como ressaltado anteriormente, até a idade média os animais não humanos possuíam um tratamento jurídico muito parecido com o tratamento dispensado aos humanos, mas o século das Luzes foi decisivo para o principal distanciamento de tratamento jurídico entre os animais não humanos dos humanos. É preciso deixar claro que para esta Doutrina o ser humano por ser o único ser livre, era o único a possuir direitos, mas os seres humanos também possuem deveres para com os animais, principalmente o de não lhes infligir sofrimento inútil. O autor primordial para esta cisão foi Rousseau, mas outro autor muito importante para esta doutrina é Immanuel Kant. Estes, na busca pelos ideiais iluministas, fizeram questão de distinguir o Homem do Animal. Vejamos a argumentação tecida pelo autor (ROUSSEAU, 2001, p. 28-29) no Livro “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” assim afirma: Não vejo em nenhum animal senão uma máquina engenhosa a quem a natureza dotou de sentidos
para ela se recuperar por si mesma, e para se defender até certo ponto de tudo que tende a destruí-la ou perturbá-la. Percebo precisamente as mesmas coisas na maquina humana; com a diferença de que a natureza sozinha faz tudo nas ações do animal, ao passo que o homem participa das suas na qualidade de agente livre. Uma escolhe ou rejeita por instinto, e a outra por um ato de liberdade: o que faz com que o animal não possa se afastar da regra que lhe é prescrita, mesmo quando seria vantajoso para ele fazê-lo, e com que o homem se afaste dela frequentemente para seu prejuízo.
Este raciocínio retirou dos animais o tratamento equitativo que os mesmos recebiam, haja vista que desde então, os animais passaram a ser tratados como seres instintivos, enquanto os homens foram tratados como seres livres, os quais se afastam da natureza instintiva. Luc Ferry, na obra “a nova ordem ecológica” (FERRY, 2009, p. 46-48) critica a argumentação de Rousseau, e para isto rebate a afirmativa do autor iluminista utilizandose de pesquisas de diversas áreas, mas principalmente da Biologia. Segundo Ferry, há estudos de biólogos que demonstram que vários animais não humanos conseguem se “livrar” dos instintos animalescos e agir de forma diferenciada. Alguns exemplos são os suicídios de baleias, a linguagem dos macacos e dos golfinhos, entre outros. Outra argumentação de cunho biológico que desbanca a tese de Rousseau é a que o homem se comporta na vida cotidiana de forma idêntica aos ratos de laboratório: devido ao estresse, age agressivamente, prossegue nos empreendimentos caso seja recompensado,desiste se fracassa e na maioria das vezes não consegue controlar as reações emotivas. Conclui Ferry, (2009, p. 47): Então, se admitirmos que o valor de uma criatura é em função de sua complexidade biológica, não conviria abolir qualquer distinção jurídica categórica em favor de uma concepção graduada do direito?
Além dos estudos na área da Biologia, alguns estudiosos buscaram o reconhecimento do direito dos animais no campo dos Princípios morais humanos, vejamos: O discurso ético em favor dos animais decorre não apenas da dogmática inserida neste ou naquele dispositivo legal protetor, mas dos princípios morais que devem nortear as ações humanas. O direito dos animais envolve, a um só tempo, as teorias da natureza e os mesmos princípios de Justiça que se aplicam aos homens em sociedade, porque cada ser vivo possui singularidades que deveriam ser respeitadas. (LEVAI, 2004, p. 137).
Ocorre que Rousseau também aborda este tema sob a perspectiva da cultura e da história. Para Rousseau e os revolucionários de sua época, a cultura e a história são próprias do ser humano. Concluindo este raciocínio, afirmam que o que diferencia o homem do animal é que o homem modifica suas ações e tradições utilizando-se da critica e do pensamento. Ferry rebate esta argumentação descrevendo as tribos e aldeias que vivem à margem da sociedade moderna, mantendo todas as tradições milenares intactas, vivendo da mesma forma que se vivia nos primórdios. Conclui este autor, que de acordo com a teoria de Rousseau, estas tribos deveriam ser classificadas como animalescas, posto que assim como as abelhas e os cupins, vivem da mesma forma que há mil anos.
Através de estudos modernos, alguns biólogos, dentre estes Lestel (2001, p. 08) demonstrou que os chipanzés, os peixes e as abelhas foram capazes de modificar suas “tradições”. Assim também se derruba o argumento que apenas o homem é capaz de modificar a história e a cultura. Um outro estudo realizado com golfinhos chegou à seguinte conclusão: Ainda, todavia, que não se compreendam muito bem as sequências de sons e chiados que emitem, não há dúvida de sua aprendizagem verbal é notável e se comunicam entre si de maneiras distintas. Criam diferentes tipos de vínculos sociais e demonstram afeto e paixão; podem sentir medo e padecer de estresse; retém intenções, são brincalhões e participam deliberadamente dos jogos, assim como da caça e de outras atividades. Apesar de não serem tão semelhantes aos seres humanos como os chipanzés e os gorilas, com quem compartilhamos muito devido a sua herança evolutiva, são capazes de se relacionar muito bem com o ser humano e inclusive, as vezes, são eles mesmos quem iniciam a interação. (MACINTYRE, 2001, p. 36).
Ora, atualmente parte da sociedade tem se mostrado preocupada com os direitos dos animais e, portanto não aceita as argumentações de Rousseau. Assim, é imperiosa a busca de um tratamento jurídico mais equânime em relação aos animais.
4 O UTILITARISMO Após estas doutrinas antropocêntricas, surge o Utilitarismo, doutrina que buscava o bem do maior número de pessoas, acreditando que em determinados momentos há de se exigir um sacrifício individual para se alcançar o bem para a coletividade. Esta corrente defendia que o direito deveria proteger todos os seres suscetíveis de sofrimento. Os principais filósofos do utilitarismo são Jeremy Bentham, Henry Salt e Peter Singer. O primeiro famoso defensor desta teoria é Jeremy Bentham. Para este autor/filósofo, não são pertinentes os argumentos que diferenciam os animais não humanos dos humanos, utilizando como parâmetro a razão e a linguagem, posto que um homem falador não possui mais direito que um mudo e tampouco uma pessoa inteligente não tem maior proteção jurídica que um idiota. Aqui é interessante citar o trecho mais famoso desta doutrina utilitarista. Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhes sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são motivos insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade de linguagem? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, de uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é “Eles são capazes de raciocinar? , nem “São capazes de falar”?, mas sim: “Eles são capazes de sofrer”? (BENTHAM, 1979).
Assim para os utilitaristas, o animal humano não é o único ser suscetível de possuir direitos, mas todos os seres que possuem prazeres e sofrimentos. Esta é a primeira corrente que rompe com o antropocentrismo. Para estes autores, a política e a moral devem buscar a felicidade e não apenas a liberdade. Defendem também que o direito
deve existir para proteger interesses, seja qual for o interesse e o sujeito que possui interesse. Concluem que é ilícito fazer sofrer um bicho tanto quanto um humano. Henry Salt, outro grande autor do utilitarismo, no livro Les droits de l’animal dans leur rapport avec le progrés social conseguiu sintetizar o pensamento de Bentham, e a frase mais famosa do livro é: “Os animais têm direitos? Sem nenhuma dúvida, se os homens os têm”. O autor que mais trouxe avanços para os “direitos dos animais” foi Peter Singer. Este utilitarista escreveu o livro Animal liberation e defendeu dentre outras teses o animal welfare, o bem-estar animal. Para Singer o animal é respeitável em e por si mesmo, possuindo uma dignidade intrínseca. Deste livro podemos retirar quatro teses primordiais. Vejamos: Tese I: É a capacidade de experimentar prazer ou sofrimento que qualifica a dignidade de um ser e o constitui como pessoa jurídica. Essa capacidade se traduz pelo fato de possuir interesses. A capacidade de sofrer e de sentir prazer é um pré-requisito para ter interesses, uma condição a preencher antes de se poder falar sensatamente de interesses. Seria insensato dizer que não era do interesse da pedra, por exemplo, receber chutes durante todo o percurso do estudante. Uma pedra não tem interesses porque ela não pode sofrer ...Um camundongo, em compensação, tem interesse em não receber um chute durante o percurso do menino, porque ele sofreria... é assim que o limite da sensibilidade constitui o único limite válido para o respeito que devemos manifestar pelos interesses dos outros. Seria arbitrário fixar esse limite por meio de outra característica tal como a inteligência ou a racionalidade. (SINGER, 2004, p. 08).
Tese II: O Antiespecismo ou a igualdade de todos os seres que sofrem e/ou sentem prazer. Todos os animais (inclusive o homem) são iguais, portanto os interesses se equivalem. Especismo? A igualdade é uma ideia moral, não uma afirmação de fato. O “especismo” – a palavra não é muito bonita, mas não me vem à cabeça nada melhor – é um preconceito ou uma atitude em favor dos interesses dos membros da própria espécie e desfavorável em relação aos interesses dos membros das outras espécies. Deveria saltar aos olhos que as principais objeções formuladas por Thomas Jefferson e Sojourner Truth contra o racismo e o sexismo se aplicam igualmente ao especismo ...os especistas permitem aos interesses de sua própria espécie passar à frente dos maiores interesses dos membros das outras espécies. (SINGER, 2004, p. 15).
Tese III: Diferenças entre animais e os homens. Como certos seres sofrem mais do que outros em certas condições, eles devem ser tratados diferentes, não em razão da espécie, mas em razão do sofrimento. O que nossa preocupação ou nossa consideração exige que façamos pode justamente depender das características das pessoas visadas por nossa ação: a preocupação crescente com o bem-estar das crianças na América exigiria que nós as ensinássemos a ler; a preocupação com o bem-estar dos porcos provavelmente não exige mais do que deixa-los na companhia dos outros porcos em um local onde haja suficiente comida e espaço para correrem livremente. Mas o elemento fundamental, que é levar em consideração os interesses da criatura – sejam quais forem esses interesses -, deve, em virtude do princípio da igualdade, se aplicar a todas as criaturas, de raça branca ou negra, de sexo masculino ou feminino, de natureza humana ou não humana. (SINGER, 2004, p. 09).
Tese IV: O fim do antropocentrismo. É necessário conceder o mesmo respeito que o que concedemos à vida dos seres humanos. Este respeito se refere a todos os âmbitos
possíveis e dentre eles o jurídico. Seja qual for o critério estabelecido – consciência, racionalidade, sociabilidade ou capacidade de prazer e dor – seremos obrigados a abandonar o especismo devido à continuidade fundamental entre o gênero animal e o gênero humano, continuidade em virtude da qual, nos casos-limites, mais frequentes do que se pensa, verifica-se que o animal é superior ao homem segundo todos os critérios pertinentes possíveis.
Todas as teses defendidas por Singer foram claramente expressadas, mas as principais criticas que surgiram referentes ao livro e as teses foram no sentido de que em nenhum momento Singer rebateu a tese de Rousseau e Kant referente à liberdade da espécie humana e o “aprisionamento” dos animais aos instintos. Ora ao que parece, Singer percebeu este problema, mas como à época, diferentemente do que ocorre atualmente, não haviam estudos para contestar o aprisionamento dos animais aos instintos , Peter Singer desviou o foco e o fez com grande maestria.
5 LEIS BRASILEIRAS E AS PESQUISAS CIENTÍFICAS É perceptível que atualmente as proteções aos animais não humanos é bem mais amplo do que na idade média e nos séculos seguintes, os quais foram marcados por teorias ligadas aos cartesianos e aos humanistas, os quais, como já foi ressaltado, entendiam que os animais eram insuscetíveis de direitos. No Brasil há várias leis que tratam dos animais não humanos, sendo as principais: - Animais em apartamento: art. 19 da Lei nº 4591/64 - Vivissecção de Animais: lei nº 6638/79. (Foi revogada pela Lei 11.794/08) - Lei de crimes ambientais: lei federal nº 9605/98 – Art. 29 ao 37 Ao final do livro de Peter Singer – Libertação Animal – o autor demonstrou grande preocupação com um tema em especial, qual seja: As pesquisas científicas com animais. O livro foi escrito em 1975, mas a preocupação é atual, portanto merece uma abordagem mais aprofundada.
5 . 1 DAS PESQUISAS ANIMAIS
CIENTÍFICAS
QUE
UTILIZAM
A Lei 11.794/08 regulamenta as pesquisas em animais no Brasil, e inclusive prevê punição no caso de práticas considerada como “maus tratos”. Ora a princípio pode-se pensar que com a lei “o problema” foi superado. A prova de que esta questão ainda não foi superada foi a invasão do Instituto Royal. A utilização de animais não voluntários em pesquisas científicas ocorre há muito tempo e estas pesquisas proporcionaram grande desenvolvimento na área
médica/farmacêutica, bem como da fisiologia e da fisiopatia. Ressalte-se também, que muitas inovações na área da saúde humana provavelmente não teriam surgido sem os ditos experimentos. Os defensores dos Direitos dos Animais rebatem esta argumentação, afirmando que há um erro metodológico nestas pesquisas, posto que a ciência poderia utilizar-se de outros meios para se obter conhecimento científico. Para Octávio de Menezes, discorda afirmando que: Outro grande mito é a crença que existem métodos alternativos que substituem perfeitamente os experimentos com animais. Se isso fosse verdade, eu seria o primeiro a utilizá-los e tenho certeza que a grande maioria de meus colegas também assim o fariam, até porque, como afirmei acima, seria mais simples e mais barato. Nesse caso, vou contra-argumentar com algumas perguntas: me expliquem, por favor, como eu poderia simular in vitro o sistema circulatório com todos seus componentes, celulares e biofísicos, para fazer testes de drogas contra a hipertensão arterial? Qual protocolo experimental eu poderia usar para simular ansiedade ou depressão e testar medicamentos contra esses males, utilizando apenas células em um tubo? Como eu faria para testar in vitro o efeito de uma droga na perda de memória? Poderiam me explicar também como se faz para descobrir se um produto é bom contra diarréia usando células em um tubo de ensaio? Qualquer pessoa sensata e com o mínimo de conhecimento, em vista dos poucos exemplos que citei aqui, percebe que a coisa não é tão simples como pregam o “zooxiitas” de plantão.
Ora, a questão a ser discutida não é esta, mas a análise do binômio benefício/maleficio das pesquisas científicas realizadas em animais não humanos. Vários são os autores que abordam este tema, sendo interessante analisar alguns. A autora Sônia Felipe aponta que o ser humano não se preocupa com os malefícios que um experimento possa gerar, para o homem o importante é fazer prevalecer seu direitos fundamentais. O ser humano não quer saber o custo que seus privilégios possam representar para o bem-estar e até mesmo a vida de outros. Apenas os benefícios assegurados por seus costumes devem ser computados. Se outros pagam os custos de tais bens, esse gasto não entra na conta. (FELIPE, 2007, p. 309).
Já Paula Brugger afirma que os sofrimentos infligidos aos animais em muitos casos é desnecessário e inútil, pois a forma que se faz surgir células cancerígenas em animais, por exemplo, é totalmente diferente da forma que realmente surge células cancerígenas no ser humano. Os órgãos de pesquisa sobre câncer infligem dor e sofrimento a centenas de milhares de animais a cada ano, induzindo artificialmente nos animais – por meio de substâncias químicas ou irradiação – formações cancerosas que não tem nada em comum com as formas de câncer humano que ocorrem naturalmente. As células cancerosas não podem ser desvinculadas do organismo que as produziu. Portanto, o câncer criado em animais de laboratório não tem nos ajudado, nem ira nos ajudar a compreender a doença ou tratar as pessoas que sofrem com ela. (BRUGGER, 2008, p. 147).
Por fim, Laerte Levai argumenta que devido às especificidades dos seres humanos, as quais são bem diferentes dos animais de outras espécies, muitos medicamentos, todos os anos, são retirados das prateleiras, posto que os estudos utilizando animais não humanos levaram a conclusões erradas: Homens e animais reagem de forma diversa às substâncias: a aspirina, que nos serve como analgésico, é capaz de matar gatos; a beladona, inofensiva para coelhos e cabras, torna-se fatal ao homem; a morfina que nos acalma, causa a excitação doentia em cães e gatos; a salsa mata papagaio e as
amêndoas são tóxicas para os cães, servindo ambas, porém a alimentação humana. (LEVAI, 2004, p. 64).
Por tudo que fora exposto, mostra-se urgente a busca de medidas que busquem aliviar os malefícios desnecessários infligidos aos animais, haja vista que quando for possível utilizar outros meios de pesquisa, a utilização de animais é crime sendo inclusive punido com pena de prisão, conforme se verifica no artigo 32, § 1° da Lei 9.605/98.
6 CONCLUSÃO O tema “direito dos animais não humanos” é atualíssimo, mas também é discutido há vários séculos, tendo sido abordado por grandes filósofos como René Descartes, Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau, Jeremy Bentham e Peter Singer . De todas as abordagens filosóficas, as principais são as correntes filosóficas dos Cartesianos, dos Humanitários e dos Utilitários. Resumidamente, a abordagem de cada uma destas correntes é a seguinte: Para René Descartes e seus discípulos, o animal e toda a natureza são insuscetíveis de direitos, posto que assim como as máquinas, utilizam-se de mecanismos engenhosos, mas não possuem espírito. Para estes autores, os únicos seres que podem ser protegidos pelo sistema jurídico é o homem. Após os cartesianos surgiu o pensamento Republicano Humanista, representado por filósofos como Kant e Rousseau. Para estes, o homem ainda é o único ser que possui direitos e se diferencia de todas as outras espécies, pois é um ser livre que não é dominado e direcionado por seus instintos. É justamente esta liberdade que faz com que o ser humano possa ser possuidor de direitos e os animais não. Por fim, defendem que o ser humano tem diversos deveres para com os animais, como por exemplo, o de não infligir sofrimento inútil aos animais. Dentre as principais correntes filosóficas a mais atual é a dos utilitaristas, os quais entendem que se o ser humano é possuidor de direitos, os animais também o são. Para esta corrente todo ser que sente dor e prazer deve ser protegido juridicamente. Esta é a única corrente que quebra com o pensamento antropocêntrico, defendendo ainda que o direito tem por finalidade proteger interesses, qualquer que seja o ser possuidor de interesses. Peter Singer é um grande representante dos utilitaristas e ao escrever o livro “libertação animal” estabeleceu quatro teses, quais sejam: 1. O interesse como fundamento do respeito moral e como critério do sujeito de direito; 2. A igualdade de todos os seres que sofrem e sentem prazer; 3. Cada ser deve ser tratado de acordo com sua característica e 4. O fim do Antropocentrismo. Ora, destas teorias é preciso tecer críticas em relação a todas. Os cartesianos possuem uma teoria preconceituosa, a qual não se pauta em estudos aprofundados, além disso, a comparação de animal à maquina é imprecisa, posto que, conforme relatado por
doutrinadores utilitaristas, se um animal é igual a um relógio, matá-lo é um indiferente jurídico, mas um ato ridículo e desprovido de inteligência, posto que assim é como se estivesse estragando um relógio. Podemos concluir portanto, que das teorias abordadas, os cartesianos são os mais imprecisos e vagos. A teoria Republicana humanista é muito relevante e densa. Apesar de não conferir direitos aos animais, esta corrente pautou de forma precisa seus estudos e conclusões, tanto é verdade que a teoria que afirma que o homem é livre e os animais são presos a seus instintos, ainda hoje é rebatida, mas sem conseguir convencer de forma plena toda a sociedade, a qual normalmente possui esta teoria como a mais correta de todas. Após décadas, ou melhor, séculos de estudos foi possível demonstrar que vários são os animais que são capazes de se desprender de seus instintos, tendo como exemplo as baleias que cometem suicídio, a linguagem dos macacos e a comunicação diferenciada de cada espécie de golfinhos, diferente de algumas tribos europeias que mantém a forma de viver há vários séculos. Outra argumentação capaz de rebater os humanistas é que o homem se comporta na vida cotidiana de forma idêntica aos ratos de laboratório: devido ao estresse age agressivamente, prossegue nos empreendimentos caso seja recompensado e desiste se fracassa e na maioria das vezes não consegue controlar as reações emotivas. Os utilitaristas também fizeram uma abordagem aprofundada e deveras importante, sendo capazes de demonstrarem a necessidade de proteção jurídica aos animais, de que o homem busca através do direito proteger seus interesses, mas, talvez por estratégia, não rebateram a principal argumentação Republicana humanista, ou seja, não demonstraram que o animal não é movido exclusivamente por instinto. Outro ponto negativo referente aos utilitaristas é no que se concerne à busca de demonstrar que homem e animal não humano são iguais e, portanto, possuem os mesmos direitos. Ora, é claro que homem e animal não são iguais; é cientificamente comprovado que o ser humano é mais desenvolvido. Posto isto, vemos que todos estes estudos são de extremo valor e são utilizados nos dias atuais, mas o direito moderno não pode ser cingir de uma teoria do início ao fim. O mais adequado quando se fala em direito dos animais não humanos, é buscar uma análise eclética de todas estas teorias, mas principalmente da Republicana humanista e da utilitarista. Infelizmente, ao se ler matérias referentes a casos recentes que envolvem animais, como o “resgate” do Instituto Royal e do extermínio de Sochi, não é notória a análise ponderada de estudiosos e jornalistas. Ou se acha um absurdo animal ser protegido por direitos, ou se entende que a humanidade precisa de grandes mudanças para se adequar aos direitos dos animais. Ocorre que não há exclusão entre a busca dos direitos humanos e dos direitos dos animais não humanos. Para um animal ter seus direitos reconhecidos não é preciso que o ser humano perca proteção jurídica. Um grande exemplo desta conciliação de direitos são as leis 11.794/2008 e 9.605/98,
as quais possibilitam o desenvolvimento de pesquisas científicas utilizando animais, mas determinam também que só se utilizará animais quando não houver nenhuma outra alternativa, com a possibilidade de punição penal aos pesquisadores que não respeitarem estes imperativos legais. Ou seja, nestas legislações se está protegendo os direitos do homem ao desenvolvemento, bem como os direitos dos animais. A legislação brasileira tem avançado, e muito, na busca de proteção jurídica dos animais, mas ainda engatinha no sentido da fiscalização, haja vista que conforme afirmado por Kant e Rousseau, o ser humano é o único ser livre e muitas vezes, aproveitase desta liberdade para não obedecer a leis naturais e positivas também. Sendo assim, se não for implantada no Brasil uma série de medidas de fiscalização, de nada vai adiantar as leis regularem as pesquisas em laboratório, a utilização de animais em estudos universitários, a criação de animais destinados à alimentação, dentre outros.
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1 Advogado da Assistência Judiciária; Professor Efetivo da Pontifícia Universidade Católica de Goiás; Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento . Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela PUC-GO. E-mail: lankervinicius@yahoo.com.br.
THE PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES TO REDUCE THE DEFORESTATION IN TROPICAL COUNTRIES Luciane Martins de Araújo1
SUMMARY This paper has been written based on a study carried out for a lecture by its author in the 7 Th Conference of the European Consortium for Political Research, in Bordeaux, France, in September, 2013. It aims at analyzing the necessity to create economic incentives to reduce de deforestation in tropical countries with special concern in the Brazilian reality, in its native vegetation and also in relation of amendment occurred through the Law nr. 12.651/2012 that revokes the ancient Forest Code. The new law reduces the environmental legal protection in the rural areas, but in the other hand, establishes economic incentives, including the payment for environmental services. Eventually it brings some successful examples of its implementation in tropical countries. Key words: Environmental services, payment for environmental services, tropical countries, economic incentives, Law nr. 12.651/2012.
RESUMO Este artigo foi escrito com base em estudo apresentado pela autora na 7ª Conferência do Consórcio Europeu de Pesquisa Política, realizado em Bordeaux, França, em setembro de 2013. Ele objetiva analisar a necessidade de criação de incentivos econômicos para reduzir o desmatamento das florestas tropicais, com enfoque na realidade brasileira do ponto de vista da vegetação do país, bem como com relação à alteração ocorrida por meio da Lei nr. 12.651/2012, que revogou o antigo Código Florestal. A nova lei reduz a proteção ambiental legal para áreas rurais e, por outro lado estabelece incentivos econômicos, inclusive por meio de pagamento por serviços ambientais. Por fim, traz alguns exemplos de sucesso da aplicação desse instituto em países tropicais. Palavras-chave: Serviços ambientais, pagamento por serviços ambientais, países tropicais, incentivos econômicos, Lei nr. 12.651/2012
1 INTRODUCTION Tropical countries have a rich biodiversity. They still concentrate the main forests and biomes preserved around the world. Among the ten countries which aggregate 80% of the primary forest are concentrated in Brazil, Indonesia, Mexico, Papua New Guinea2. However, those countries are suffering huge losses in their native woods. In the past century 40% of all the forests all over the world were destroyed which interferes directly in the other natural resources such as water and food production. It is necessary to create mechanisms to protect the woods and forest that are still preserved because they mitigate the effects of climate changes and they render several environmental services. However, not only the forests but the preservation of existing
biomes must be preserved because there are links among them and we cannot speak about protection of forest without taking in account the other biomes. Each one has an important role in the environmental context and the search for a sustainable development.
2 THE PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES The scientific studies proved that 60% of 24 essential environmental services for the human survival are in fast stage of degradation. The world population consumes 25% in average more than the planet can naturally replace3. Observe that science has proved the interdependence between nature and the human being. It is the systemic vision4 that the human being is only the environmental manager and should respect the nature laws because if we protect the biodiversity, we will protect the ecosystem as a whole because it has an interaction among several natural elements. Therefore, the protection of the native vegetation provides several important environmental services like water and air production, soil conservation, preventing erosions in the rivers banks and slopes, control and the infiltration of rain water which regulates groundwater. In fact, Brazil is considered the country that has the biggest biodiversity in the world5. All of those richness are scattered in different biomes all over the country. The most popular and having too the greatest concern on international level is the Amazon Forest, the largest Brazilian biome that occupies more than 50% of the total area of the country and expands to neighboring countries such as Bolivia, Ecuador, Colombia, Venezuela, Guiana, French Guiana e Suriname. That`s the biggest tropical rainforest on Earth6. The Amazon Forest is rich in biodiversity, with timber stock and carbon that is very important in the context of climate change. Irrigated by the biggest fluvial chain in the world, it concentrates 15% of the available water on the planet. The change of the native coverage in the Amazon area creates direct reflexes in the rainfall precipitation in Brazil and other parts in the world.7 In the last century the world had already lost 1/3 (one third) of biodiversity and genetic resources for agriculture and livestock8. That has a great economic pressure over the native areas to become areas for crops and livestock. That shows the necessity to create economic mechanism which makes possible the preservation of native vegetation, as well. In the systemic vision we are preserving the natural resources and life itself in all their forms. We should remember that the Convention about Biological Diversity signed in Rio 92 (article 20)9 was foreseeing as one of its objective beyond biodiversity conservation the sustainable use of its components. It established the necessity to adopt economic
measures which incentivate the conservation and the sustainable use of biodiversity. The convention establishes the strategy for the biodiversity protection, the assignment of economic value for the conservation and the sustainable use of biodiversity. And yet, we have to observe that agriculture and livestock use a lot of natural resources and influence directly on climatic events currently taking place in different parts of the world because if we change the natural coverage of the land the consequence is the reduction of greenhouse gases captured and the modification of the soil use that in turn increases the gas emissions. Facing this situation, the increasing pressure all over the world about the natural resources demonstrates the necessity to create a mechanism to protect them, as well. The success and the effectiveness of environmental protection depends upon the adoption of policies with economic incentives for this protection, like â&#x20AC;&#x153;The Economics of Ecosystem and Biodiversityâ&#x20AC;? - TEEB10, originated in 2007 at a meeting of the Environment Ministers of the G8+5 that encourages the environmental preservation through the valuation of natural resources and the economic attractiveness for the sustainable development. The environmental services must be valorized economically in order to promote competition between the environmental preservation and the economic exploitation, instead the present prevalence of the second over the first that lead to an unsustainable reduction of the natural resources. Those economic instruments are linked mainly for the application of two principles. The first principle is the Polluter-Payer, which establishes obligation of the payment for those who pollute the environment or the ones who use natural resources. The second principle is the Protector-Receiver, in which gives financial advantages to those who protect the environment for the benefits of the community11. The environmental services should be evaluated economically because in case of dispute between preservation and economic exploitation they should not preponderate the second over the first and pave the way to the unsustainability because the natural resources are becoming less available all over the world. The unpaid use of the natural resources is an unlawful enrichment. Besides, also the polluter that gives over the residues in the environment damages the right to a healthy environment for the entire community. In this context arises one mechanism to give effectiveness in the alliance between economic incentives and environmental protection, the payment for environmental services that encompass all activities that aims the environmental protection, through payments for the people that help the nature conservancy because it is necessary to increase the benefits to the forest conservancy and other biomes to compensate the benefits that come from nature12. Otherwise we shall get the result for not preserving and keeping nature protected. The adoption of the Payment for Environmental Services has had some success experiences.
In Brazil the National Agency of Waters has created the program “Water Producer”. The goal is the Payment for Environmental services to the protection of water resources. One highlighted project is the “Water Preservers” in Extrema city, Minas Gerais state that through incentives that come from the municipality give financial support for the landowners that preserve the rivers in their surroundings. The landowners that adopt practicing of soil and water conservation, rebuilding of riparian woods, are remunerated by Payment for Environmental Services. This project gives a lot of local benefits and more, it is responsible for the increase of water in the Cantareira Water Supply System which in turn supplies the water for the half population in São Paulo, the biggest city in Brazil13. In the context of Brazilian’s legislation regarding the mechanism to pay for those who protect the nature, the first federal law that treats about Payment for environmental services is the number 12.651, published on May 25th, 2012, that revoked the Forest Code14. The objective of this new law is to establish general rules of protection and the use of sustainable forest and the other native vegetation in accordance with economic development. What we can see by the new rules is that Brazil has lost in terms of protection regarding the environment. It deals with a big setback because key institutes that protect the native vegetation, such as Permanent Preservation Areas and Legal Reserve, were involved. The Permanent Preservation Areas is a legal obligation to preserve the fragile areas, like water courses or mountain tops and the Legal Reserve is a legal obligation that exists only in Brazil for all rural real estate that must keep part of the land covered with native vegetation. In biomes like Mata Atlântica and Cerrado (bushy trees), the preservation area that must be kept are 20% of the land, and in Amazon Rainforest, must be kept 80%. Those both institutes had great mitigation either in its structures or treating them in their arrangements for transitory period. In fact it represents a serious regression15 in the environmental protection in Brazil, because establishes as “Rural Consolidated Areas” t h o se existing before July 22nd (twenty second), 2008, with their constructions, betterments or any activity including agriculture and pasture that will continue their activities independently if they are Permanent Preservation Areas or Legal Reserves. On the other hand, if this law reduces the protection of native vegetation in Brazil, it was created at the federal level the Payment for Environmental Services, as well that establishes among the principles which rules the new law “the creation and summon of economic incentives to promote the preservation and the recuperation of native vegetation and promote the development of the sustainable productive activities”. Observe however the purpose of the law was not only the protection of the environment through incentives for preservation of the biodiversity but to promote the sustainable productive activities, as well. The issue is treated on Chapter X that promotes the program providing the backing
support and incentives for the preservation and recovery of the environment under the responsibility of the Federal Executive Institution. To develop it will establish criteria for gradual category and the general action that follows: I) Payment for Environmental Services; II) Compensation for measures taken for the necessary environmental preservation based on the law and, III) incentives for trading innovation and the speeding up of recuperation measures, conservation and the sustainable use of forests and the other structures of native vegetation. Based on the law, the payment for environmental services can involve the payment or not for the conservation activities and improvement of the ecosystems which provide the subsequent field works related to environment in isolated or cumulative method that includes: the sequestration, the conservancy, the maintenance and the increase of carbon stock and the reduction of its flux, the preservation of the landscape beauty the biodiversity, the water resources, regulation of the weather, the cultural valorization and the knowledge the traditional ecosystem, the preservation and improvement of soil and the maintenance of Permanent Preservation Areas and Legal Reserve and the areas whose use is restrict and the creation of an integrated system up to national and state levels for the environmental works. This way, we see that the new Brazilian Forest Law tries to reduce the pressure caused by the progress of agriculture and livestock in areas where there is native vegetation using economic incentives to the landowners or people who have the areas and get benefits to keep them in good shape and that way contribute for the reduction of weather changes, as well. Costa Rica16 has also an interesting project of Payment for Environmental Services. Its implantation was one of the government`s strategy to reduce the high deforestation rates, the loss of competitiveness of the coffee produced there and yet, to develop the environmental tourism and the possibilities for the environmental services. This project has incentivated for the reforestation to mitigate the greenhouse gases effects and to valorize the services of water resources and the biodiversity. The results of the Payment for Environmental Services in Costa Rica are positive considering the number of solicitations received is more than the available resources. Some worrying factors for the development of the program are the lack and the uncertainty of the finance resources available for the stability and prosecution of the program in a long term procedure. Another successful experience is in Mexico17 the has a project of carbon credits sale in the voluntary market in regions of indigenous communities. The money is passed on to the landowners and to finance the project that has been backed up by the European Union and the Mexican government. Actually the Mexican project involves more than 400 landowners in 30 different communities beyond several ecosystems. Noting that 60% of the sale price goes for the landowners and for communities to implement the forest activities and 40% are intended
for technical, finance, administrative and legal support.
3 CONCLUSION The task of sustainable development involves awareness about the necessity to protect the environment and the creation of incentives for the people that effectively promote the nature conservancy. These actions result important environmental services and contribute to reduce the environmental problems that we are suffering today. Specifically in Brazilian law nr. 12.651/2012, there is a regression in the environmental protection when it refers to “rural consolidated areas”, but nevertheless establishes also, economic incentives to promote the protection of the native vegetation that must implemented by the government. The projects that promote the payment for environmental services depend on more financial resources contribution by the involved countries, international community and private initiative. Another important point is the necessity to create forms to provide a good management of the financial resources and ways of monitoring their correct application.
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1 Doutora em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás, Mestre em Direito (UFG), Advogada, Cosnultora Ambiental, Professora Pesquisadora do Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, ex Advogada da Caixa Econômica Federal, Membro da Comissão Nacional do Conselho Federal da OAB (CONDA), do Instituto Brasileiro da Advocacia Pública (IBAP) e da Associação dos Professores de Direito Ambiental (APRODAB). Atua nas áreas de Direito Ambiental, Direito Agrário, Direito Urbanístico, Direito Civil e Comércio Internacional. 2 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAME. Millennium Ecosystem Assessment. Disponível em: http://www.millenniumassessment.org/en/index.aspx. Acesso em: 05 jul 2013.
3 UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAME. Millennium Ecosystem Assessment. Disponível em: http://www.millenniumassessment.org/en/index.aspx. Acesso em: 05 jul 2013. 4 MORIN, Edgar. O método 1. A natureza da natureza. 2002, p. 175. 5 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Biodiversidade brasileira. Disponível em: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-brasileira. Acesso em: 20 ago 2013. 6 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Quarto relatório nacional para convenção sobre diversidade biológica Brasil. Disponível em: http//www.mma.gov.br/estruturas/chm/_publicacao/14_publicacao16062 011035415.pdf. Acesso em 20 set 2012. 7 ADEODATO, Sérgio; VILLELA, Malu; BETIOL, Luciana Stocco; MONZONI, Mário. Madeira de ponta a ponta: O caminho desde a floresta até o consumo. São Paulo: FGV/ERA, 2011, p. 12. 8 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. State of the word’s forests 2011. Disponível em: http://www.fao.org/docrep/013/i2000e/i2000e.pdf. Acesso em: 20 set 2011. 9 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Convention on Biological Diversity. Disponível em : http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cbding.pdf. Acesso em : 05 ago 2013. 10 EUROPEAN COMISSION. The economics of ecossystem biodiversity. TEEB. Disponível em : http://ec.europa.eu/environment/nature/biodiversity/economics/pdf/teeb_report.pdf. Acesso em 05 AGO 2013. 11 ARAÚJO, Luciane; SEGUIN, Elida. O princípio do cuidador recebedor. In: PRIEUR, Michel; SILVA, José Antônio Tietzmann. Instrumentos jurídicos para a implementação do desenvolvimento sustentável. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2012, p. 405. 12 ARAÚJO, Luciane Martins de. A valoração ambiental em busca da sustentabilidade. In: LUCENA, A. F.; DIAS, D. C.; CARVALHO, C. R. R.; DIAS, L. O; RIBEIRO, P. R. (Org.). Desenvolvimento sustentável e turismo: análises e perspectivas. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2011, p. 52. 13 AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Programa Produtor de águas. Disponível em: http://www.ana.gov.br/produagua/. Acesso em : 20 set 2011. 14 Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm 15 PRIEUR, Michel. De l’urgente necessite de reconnaitre le principe de « Non regression » en Droit de L’Environnement. In OLIVEIRA, Carina Costa de; SAMPAIO, Rômulo Silveira da Rocha (orgs.). A Economia Verde no contexto do desenvolvimento sustentável: a governança dos atores públicos e privados. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 251. 16 FURLAN, Melissa. Mudanças Climáticas e valoração econômica da preservação Ambiental: O pagamento por serviços ambientais e o princípio do poluidor pagador. Curitiba: Juruá, 2010, p. 235. 17 Id. Ibid, p. 238.
OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE URBANA Plínio de Melo Pires1
RESUMO O presente trabalho se dispõe a analisar a preocupação com o desenvolvimento econômico, social e ambiental das cidades. Inicia-se apresentando os instrumentos legais trazidos pelo Estatuto da Cidade, consubstanciados nas diretrizes e regras do Plano Diretor e do Estudo de Impacto de Vizinhança, a fim de elucidar o caráter preventivo de tais instrumentos, que devem ser utilizados em prol do melhor planejamento dos centros urbanos, possibilitando, via de consequência, um crescimento econômico que não destoa dos anseios sociais. Além disso, procura apresentar um dos maiores problemas enfrentados para os habitantes dos centros urbanos, a questão da mobilidade, tendo em vista que a política de transporte urbano é essencial para garantir melhores condições de deslocamento, sobretudo porque sua ausência constitui barreira ao desenvolvimento. Como resultado da pesquisa, percebe-se que os instrumentos de política urbana não possuem efetividade imediata, sendo certo que dependem de uma boa gestão governamental para colocá-los ao serviço de cada município e, sobretudo, de uma comunidade participativa no processo decisório das ações estatais que visam a interferência no espaço humano. Palavras-chave: Cidade. Meio ambiente. Sustentabilidade.
ABSTRACT This paper sets out to analyze a concern with economic, social and environmental development of cities. It begins by presenting the legal instruments brought by the City Statute, represented in the guidelines and rules of the Master Plan and the Neighborhood Impact Study, to elucidate the preventive character of such instruments, used in favor of better planning of urban centers, enabling economic growth that does not clash with the social concerns. Seeks to present a major problem addressed to the inhabitants of urban centers, the issue of mobility, in view of the politics of urban transport is essential to guarantee better displacement conditions, because its absence constitutes barriers to the development. As a result of the research, it is noticed that the instruments of urban policy have no immediate effectiveness, given that depend on good governance to put them at the service of each municipality. Keywords: City. Environment. Sustainability.
1 INTRODUÇÃO De acordo com os dados obtidos no Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população do Brasil estava em 190.732.694 pessoas, tendo ocorrido um aumento de 20.933.524 habitantes desde o Censo de 2000, números esses que demonstram um crescimento populacional de 12,3%.2 A partir desses dados quantitativos, crescem as preocupações com a sustentabilidade urbano-ambiental das cidades, que estão constantemente afetadas pelo desequilíbrio ambiental causado pelas mais variadas formas de poluição. O consumo desenfreado – resultado do processo de globalização e do aumento da
renda per capita da população brasileira – é um dos fatores primordiais para o consumo dos recursos naturais e, consequentemente, para a degradação dos ecossistemas, que servem como fonte para a produção de bens e serviços que satisfaçam os anseios humanos. Em decorrência do aumento populacional supramencionado e, sobretudo, por 84,35% da população brasileira residir na zona urbana, tornou-se clarividente a preocupação com o desenvolvimento das cidades de forma a oferecer boas condições sociais, econômicas, ambientais, políticas e jurídicas para os seus moradores. Nessa perspectiva, o presente trabalho tem por escopo expor a temática envolvendo a importância, necessidade e possibilidade da construção de cidades mais sustentáveis a partir dos mecanismos legais vigentes, notadamente no que se refere ao planejamento do solo urbano, sem perder de vista, por óbvio, que os problemas e suas respectivas soluções jamais se encontrarão estagnados, vez que a compatibilização entre os direitos sociais, culturais e econômicos com a tutela do meio ambiente deve ser constante. Inicia-se a abordagem apresentando os aspectos legais do Estatuto da Cidade voltados a prevenir a desordem e o caos nos centros urbanos, elucidando que os mecanismos jurídicos devem ser utilizados como meios preventivos, simples e baratos que podem trazer resultados eficientes para a minimização dos desajustes ambientais provocados pela atual conjectura da economia global. Em que pese a existência de inúmeros assuntos que desafiam o desenvolvimento sustentável das cidades, preocupou-se em apresentar a questão envolvendo a mobilidade das pessoas, situação que afeta diariamente inúmeros brasileiros e que depende de uma postura firme do governo, eis que a utilização de um transporte público de qualidade acarreta na fruição de vários outros benefícios ao povo, como o acesso às escolas, hospitais e locais de lazer. Desta feita, a justificativa do tema em apreço está justamente na necessidade de integração dos setores econômicos, sociais e ambientais para que se alcance um desenvolvimento pleno das cidades e, assim, os cidadãos possam gozar das garantias fundamentais previstas constitucionalmente.
2 O ESTATUTO DA CIDADE Desde os idos de 1987 a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas – ONU apresentou um documento internacional discorrendo acerca do crescimento populacional e suas consequências no desequilíbrio da cadeia alimentar, no meio ambiente e nos recursos energéticos. O aludido documento, denominado de Our Common Future, ficou conhecido como o “Relatório Brundtland” e foi o grande responsável por difundir o conceito de desenvolvimento sustentável como sendo aquele que atende as necessidades atuais sem comprometer o futuro das gerações vindouras.3
É cediço que o ciclo da produção e consumo que permeia o desenvolvimento das cidades é capaz de acarretar não só o desenvolvimento econômico e social do povo que ali reside, mas pode também acentuar diversos infortúnios, para os quais são necessários mecanismos capazes de eliminálos ou diminui-los. Em que pese o relatório apontar para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável que se almeja e os atuais padrões de consumo da sociedade, não indica como solução a paralisação do crescimento econômico, mas sim a sua conciliação com as questões ambientais e sociais.4 Um pouco antes do “Relatório de Brundtland”, a Organização das Nações Unidas, em 1978, criou o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONUHABITAT), com o intuito de melhorar a situação de muitas cidades onde o crescimento econômico tapou os olhos para as mazelas sociais, piorando as condições de vida de determinada parcela excluída. No programa supracitado, pretende-se, dentre outras metas, alcançar a “conquista de terras e moradias para todos; no planejamento participativo e na governança; nas infraestruturas e serviços que não agridam o meio ambiente; em habitações inovadoras e nas finanças urbanas”.5 Verifica-se, dessa maneira, que a preocupação atual transcende a esfera econômica em decorrência da necessidade de melhoria da qualidade de vida dos povos, oportunidade em que surge o princípio do desenvolvimento sustentável, fruto da integração entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. (FERNANDES, 2008, p. 128) À guisa de elucidação, transcrevem-se alguns conceitos doutrinários a respeito daquele princípio, o qual, inclusive, está previsto constitucionalmente:6 O desenvolvimento sustentável é um processo no qual as políticas econômicas, fiscais, comerciais, energéticas, agrícolas e industriais são organizadas para produzir um desenvolvimento econômico, social e ecologicamente sustentável, o que significa que o desenvolvimento integrado deve-se realizar com financiamentos próprios, para não aumentar a dívida externa, que outros terão que arcar no futuro. Devem-se desenvolver a saúde e a educação pública no presente, para não legar uma dívida social às gerações futuras. Os recursos naturais devem ser utilizados de forma que não causem dívidas ecológicas ao se explorar as capacidades de sustentação e produção da terra. (MARCIAL, 2000, p. 48)
Francisco Carrera (2005, p. 7) aduz que o desenvolvimento sustentável não engloba apenas os aspectos econômicos e ambientais de uma sociedade. Para ele: Desenvolvimento sustentável não significa somente a conservação dos nossos recursos naturais, mas, sobretudo um planejamento territorial, das áreas urbanas e rurais, um gerenciamento dos recursos naturais, um controle e estímulo às práticas culturais, à saúde, alimentação e, sobretudo a qualidade de vida, com distribuição de renda per capita.
Coadunando-se com essa ideia, Lise Vieira da Costa Tupiassu (2006, p. 246) afirma que a proteção ao meio ambiente não deve ficar limitada aos aspectos naturais, ecológicos, mas deve “abranger a efetiva construção de um meio saudável, no qual deve ocorrer a educação, cultura e condições higiênicas de vida para a população.” Denota-se, assim, que para construir um meio urbano sustentável é necessário seguir
os rumos do desenvolvimento sustentável, que somente será consolidado quando: [...] os indivíduos se absterem da chamada ecologia rasa, também chamada de antropocêntrica, em que o homem aparta-se da natureza, conferindo a esta apenas, um valor instrumental, e partirem, sob outro patamar, para o juízo da chamada ecologia profunda, o denominado biocentrismo, compreendendo os seres humanos como parte do meio ambiente natural e percebendo o universo não como um conjunto de objetos isolados, mas como uma teia de fenômenos interconectados e interdependentes. (BERWIG, 2011, p. 228)
Para a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura – UNESCO, sustentabilidade refere-se: [...] às maneiras de se pensar o mundo e as formas de prática pessoal e social que levam a: indivíduos com valores éticos, autônomos e realizados; comunidades construídas em torno a compromissos coletivos, tolerância e igualdade; sistemas sociais e instituições participativas, transparentes e justas; e práticas ambientais que valorizam e sustentam a biodiversidade e os processos ecológicos de apoio à vida.7
Nessa perspectiva, enquadra-se o Estatuto da Cidade como um grande e desafiador instrumento jurídico hábil a orientar e a disseminar a busca por melhores resultados no crescimento dos centros urbanos, a fim de que haja uma constante compatibilização entre os direitos sociais, culturais e econômicos com a tutela do meio ambiente deve ser constante. De início, cumpre mencionar que mudanças legais e institucionais significativas têm sido introduzidas na esfera federal desde a aprovação do capítulo da política urbana na Constituição Federal de 1988 (art. 182 e art.183), que lançou, de forma inédita, as bases de uma nova ordem jurídico urbanística, estruturada na Lei 10.257/2001, conhecida como o Estatuto da Cidade. Nesse sentido, Luciane Martins de Araújo (2008, p. 145) esclarece: Em face do crescimento desordenado das cidades, da necessidade de criação de um novo modelo visando ao alcance de um meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado, houve a regulamentação dos artigos 182 e 183, da Constituição Federal (BRASIL, 2002), que dispõem sobre a Política Urbana. A sua regulamentação deu-se pela edição da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (BRASIL, 2001), denominada Estatuto da Cidade, que estabeleceu parâmetros para os municípios elaborarem suas leis e planos urbanísticos.
Importa destacar, ainda, que o texto legal objeto de análise, na condição de norma de ordem pública e interesse social, não aponta de forma direta as regras de proteção ao meio ambiente, mas se pauta nas questões urbanísticas, como a propriedade e o uso do solo urbano. Édis Milaré (2005, p. 631) ensina que o Estatuto da Cidade, “não obstante o olhar principal nos problemas urbanos, compreende implicitamente as exigências ambientais presentes na Constituição Federal e na Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938/81.” Após a criação do texto normativo em comento, o ordenamento jurídico brasileiro conta com a positivação do direito às cidades sustentáveis, razão pela qual o Estatuto da Cidade será abordado neste artigo como norma infraconstitucional precursora a respeito do desenvolvimento urbano que atinja aos anseios constitucionais. Veja-se: Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
Vislumbra-se, desde logo, que o conceito de cidades sustentáveis é mais complexo do que parece, seja do ponto de vista teórico ou prático, uma vez que envolve fatores econômicos, sociais, culturais e políticos, cuja complexidade não se restringe ao desafio de encontrar uma boa gestão do meio ambiente urbano, pois: [...] não se trata apenas de considerar a preservação dos recursos ambientais, mas também de assegurar condições de vida digna à população, propiciando que parcelas da sociedade não sejam excluídas do processo de desenvolvimento das cidades. (SILVA, 2003, p. 25)
Discorrendo sobre o Estatuto da Cidade e sua interface no meio ambiente, Marcos Abreu Torres (2007, p. 209), de forma otimista, expõe que: O advento do Estatuto da Cidade dá aos municípios a chance de reparar uma parcela considerável das injustiças sociais consequentes dos processos desordenados de urbanização ocorridos no país ao longo das últimas décadas, pois se trata de uma lei espelhada na “Constituição Cidadã” atual, preocupada em destinar uma função social à propriedade privada. (…) A “faca e o queijo” estão nas mãos dos gestores públicos.
Na assertiva de que a lei federal ora analisada possibilita a construção do conceito de cidade sustentável, Vanêsca Buzelato Prestes (2005, p. 80) acrescenta que: O Estatuto da Cidade é a expressão legal da política pública urbano-ambiental, norma originadora de um sistema que interage com os diversos agentes que constroem a cidade e a reconhece em movimento, em um processo que precisa, de um lado, avaliar e dar conta das necessidades urbanas e, de outro, estabelecer os limites para a vida em sociedade, considerando que esta sociedade está cada vez mais dinâmica, exigente e com escassez de recursos naturais.
Com base nessas premissas, é possível afirmar que a Lei 10.257/2001 trata-se de um importante instrumento jurídico brasileiro que visa ordenar o desenvolvimento das cidades, ou seja, o Estatuto da Cidade, como principal instrumento normativo interno, é capaz de traçar mecanismos de planejamento urbano que deverão ser utilizados para se alcançar melhores crescimentos econômicos, sociais e ambientais. Nesse aspecto, insta elucidar que duas fontes internacionais serviram de inspiração para a criação da Lei nº 10.257/2001: a Agenda 21 (1992) e a Agenda Habit II (1996). A Agenda 21, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, introduziu, em suma: [...] um novo olhar sobre a cidade, associando a questão urbana à problemática ambiental, resumindo aquela à melhoria da qualidade de vida nos países pobres, através do enfrentamento da pobreza e da degradação ambiental e de intervenções públicas que possam melhorar as condições de vida nos assentamentos populares. (KLUG. 2005, p. 2)
Lado outro, no que concerne à Agenda Habit II, de 1996, decorrente da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, cumpre gizar, em breves palavras, que nela “se definiram metas e condições específicas para afirmação do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos” (SILVA, OLIVEIRA, 2010, p. 31), como por exemplo, tornar as cidades mais seguras, saudáveis, habitáveis, mais igualitárias, sustentáveis e produtivas. (TORRES, op. cit., p. 201)
Dessa maneira, partindo da ideia de que o Estatuto da Cidade traça os caminhos nos quais as cidades devem percorrer para proporcionarem boa qualidade de vida de seus habitantes, pode-se utilizar de vários de seus instrumentos previstos para a garantia do direito a cidades sustentáveis. Dentre esses instrumentos estão aqueles voltados ao planejamento municipal, em especial, o plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental; plano plurianual; diretrizes orçamentárias e orçamento anual; gestão orçamentária participativa; planos, programas e projetos setoriais; planos de desenvolvimento econômico e social; estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). Percebe-se, dessa forma, que a Lei atribuiu uma visão especial ao planejamento urbano, como forma de prevenir a falta de urbana e, acima de tudo, para rever os paradigmas do direito urbano ambiental, tendo em vista a necessidade da existência concomitante e harmônica do princípio da função social da propriedade com a proteção ambiental. Baseado nessas noções, Marcos Abreu Torres (2007, p. 198) nos ajuda a entender que o Estatuto da Cidade contribui com os municípios brasileiros a partir do momento em que: […] veio preencher uma lacuna no planejamento urbano, que durou décadas […], o Poder Público dispõe agora de um marco regulatório na garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
Nesse compasso, tendo em vista que o plano diretor e o estudo de impacto de vizinhança enquadram-se como meios preventivos de política de planejamento urbano e organização das cidades, serão eles o foco desta análise como meios de preocupação com o meio ambiente nas discussões relativas às cidades. Antes disso, cabe salientar que os instrumentos de política urbana trazidos pelo Estatuto da Cidade não possuem efetividade imediata, sendo certo que dependem de uma boa gestão governamental para colocá-los ao serviço de cada município. Para Odete Medauar (2004, p. 17), a Lei 10.257/2001: [...] não acarreta, por si só, automaticamente, os resultados pretendidos. Trata-se […], de um conjunto de figuras jurídicas, de um instrumental a ser operacionalizado em nível municipal adaptado à realidade de cada cidade. Em cada Município devem ser tomadas as decisões necessárias à efetivação do Estatuto da Cidade, com a participação da sociedade. (MEDAUAR, 2004, p. 17)
2.1 O PLANO DIRETOR O plano diretor, como norma constitucional prevista no § 1° do art. 182, regulamentado pelo Estatuto da Cidade (art. 4°, III, ‘a’), apresenta-se como o instrumento básico de planejamento municipal, sendo o primeiro mecanismo determinado pela Constituição para que o Poder Executivo Municipal promova a política de
desenvolvimento e de expansão urbana. Afirma José Afonso da Silva (2000, p. 134) sobre o plano diretor que: É plano, porque estabelece os objetivos a serem atingidos, o prazo em que estes devem ser alcançados (ainda que, sendo plano geral, não precise fixar prazo, no que tange às diretrizes básicas), as atividades a ser executadas e quem deve executá-las. É diretor, porque fixa as diretrizes do desenvolvimento urbano do município.
Jorge Luiz Bernardi (2006, p. 94), em sua dissertação de mestrado com o título de “Funções Sociais da Cidade: conceitos e instrumentos”, narra que o plano diretor: [...] tem sido conceituado como uma lei municipal que se constitui em normas que traçam as diretrizes e técnicas para se atingir o desenvolvimento integral do município sob o ponto de vista urbano, socioeconômico e administrativo. Ao longo do tempo, adotou muitos nomes, entre os quais Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico, Plano Diretor Decenal, ou simplesmente Plano Diretor, a partir da Constituição de 1988.
A respeito deste instrumento normativo e técnico, podemos citar que o plano diretor é “definidor dos objetivos de cada Municipalidade, e por isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar todas as atividades da Administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que interessam ou afetem a coletividade.” (MEIRELLES, 1993, p. 393) Explica Monteiro (1990, p. 13) que o plano diretor tem um objetivo muito amplo, qual seja, “o de interferir no processo de desenvolvimento local a partir de uma compreensão global dos fenômenos políticos, sociais, econômicos e financeiros que condicionam a evolução do município e contribuem para a ocupação desordenada do espaço urbano”. Obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, ele deve abranger tanto a zona urbana quanto a rural do respectivo município, bem como definir as estratégias para intervenções imediatas, cabendo ao Poder Legislativo de cada local elaborá-lo por meio de lei e ao prefeito de sancioná-lo, após as devidas discussões com a sociedade interessada. A participação social em sua elaboração tem profunda significância ao passo que poderá representar a vida sonhada pelos moradores de determinado município, ou seja, “trata-se do produto de uma negociação pública, em que a coletividade manifesta-se sobre o que desejam para a sua cidade.” (GRANZIERA, 2007, p. 186) Nessa linha de raciocínio, a professora Luciane Martins de Araújo (op. cit., p. 147/148) salienta que o plano diretor: [...] deve apresentar os critérios que possibilitem avaliar se a propriedade cumpre ou não sua função social, bem como estabelecer as regras a fim de propiciar condições dignas aos habitantes da cidade, que passam pelo redirecionamento dos recursos e riquezas de forma mais justa, combatendo situações de desigualdade econômica e social.
Na dicção do art. 42 e incisos da Lei 10.257/2001, o plano diretor deverá conter no mínimo: Art. 42. (...)
I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei; II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle. Art. 42-A. Além do conteúdo previsto no art. 42, o plano diretor dos Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá conter: I - parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda; II - mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos; III - planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre; IV - medidas de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; e V - diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares, se houver, observadas a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, e demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, onde o uso habitacional for permitido.
Verifica-se que o poder público municipal, por meio do plano diretor, possui uma importante ferramenta que pode ser utilizada para o planejamento correto e dinâmico da cidade, levando em consideração as questões ambientais, sociais e econômicas em benefício da coletividade. Ademais, o plano diretor tem o condão de delimitar as exigências primordiais para que as propriedades cumpram com sua função social, contribuindo, dessa forma, para o crescimento econômico daquela localidade, isto é, a função social da propriedade urbana deve ser definida no âmbito do plano diretor a partir da realidade e necessidade de cada municipalidade. No que se refere aos objetivos do plano diretor, a professora de direito ambiental Maria Luiza Machado Granziera (2007, p. 185) delimita que “é regular o uso da propriedade urbana em favor do equilíbrio ecológico e da sadia qualidade de vida, que desempenhará sua função socioambiental de forma a evitar a poluição e a degradação ambiental”. Conforme exposto no Caderno do Ministério das Cidades sobre o Planejamento Territorial Urbano e Política Fundiária8, é importante alertar-se de que o plano diretor deve ser elaborado visando atender a diversidade e complexidade de cada região, sendo absolutamente inviável o “aproveitamento” de outros planos – como “receitas prontas” que não combinam com a realidade social, política e territorial de cada municipalidade. O Ministério das Cidades enfatiza que é fundamental que o processo de elaboração e implementação dos planos diretores seja composto por um planejamento participativo, uma vez que a colaboração ativa da sociedade trará reflexos na realidade do município, senão vejamos:
Os Planos Diretores atenderão sempre mais diretamente aos seus objetivos, quanto mais forem abertos à inovação e à criatividade, e quanto mais estimulem a participação dos cidadãos e a produção coletiva, trabalhando com temas diversificados e abrangentes, como as políticas federais de preservação cultural e ambiental, de turismo, de mobilidade urbana e outros, que são assuntos a serem discutidos e incorporados no Plano Diretor – sempre de acordo com as especificidades de cada cidade. (…) Democratizar as decisões é fundamental para transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os cidadãos e assumido pelos cidadãos, bem como para assegurar que todos se comprometam e sintam-se responsáveis e responsabilizados no processo de construir e implementar o Plano Diretor. (BRASIL, 2004, p. 24)
Como se observa, o plano diretor tem a possibilidade de proporcionar o desenvolvimento sustentável urbano na medida em que preconiza os meios pelos quais as cidades e a propriedade cumpram com suas funções sociais, notadamente quando utilizado para delimitar o uso da propriedade em detrimento da coletividade, cujo fundamento pode ser pautado no princípio constitucional da supremacia do interesse público em face do interesse privado. O que se deve deixar em mente é que o direito real de uso e gozo da propriedade não pode se sobrepor ao interesse público de propiciar à população melhores condições urbanísticas e, por conseguinte, um meio ambiente ecologicamente equilibrado, apto à boa qualidade de vida dos habitantes. Não é demasiado trazer à discussão que houve (e há) grande resistência dos grupos conservadores à nova concepção do direito à propriedade urbana baseado no princípio constitucional das funções sociais da propriedade e da cidade. De fato, na base de muitas das críticas à nova lei, pode-se observar uma visão distorcida dos princípios civilistas, que ainda orientam grande parte da doutrina jurídica e da jurisprudência, de que existiria um direito de propriedade “natural”, intocável, quase sagrado, sem maior preocupação com outros interesses sociais e ambientais na utilização do solo urbano. Em parte, esse problema resulta do currículo obsoleto dos cursos de Direito que, na sua maioria, ainda não ensinam Direito Urbanístico […]. Isso certamente tem dificultado a mudança de “olhar” sobre a questão urbana: muitos juristas ainda olham para a cidade a partir da perspectiva do lote privado, e naturalmente não veem ou entendem nada além dos interesses individuais dos proprietários. Os juristas voltados para a ação do poder público justificam a aplicação de restrições administrativas externas ao exercício da propriedade urbana, mas não entendem que a propriedade é essencialmente uma fonte de obrigações sociais: a função social está exatamente no poder de obrigar intrinsecamente decorrente da propriedade, e não meramente nas limitações administrativas decorrentes do exercício do poder de polícia. [...] As cidades brasileiras — fragmentadas, segregadas, excludentes, ineficientes, caras, poluídas, perigosas, injustas e ilegais — são o resultado desse fracasso do Estado na reforma da ordem jurídica liberal, já que a lógica especulativa do mercado, que vê na propriedade tão somente um valor de troca, não dá conta das questões sociais e ambientais, e sobretudo das necessidades dos mais pobres. (BRASIL, 2010, p. 66)
Portanto, será o plano diretor um mecanismo de grande valia quando se pretender dar à propriedade sua verdadeira função social, tal como previsto no texto constitucional, a fim de desencadear uma política urbana com gestão organizada e planejada.
2.2 O ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA Ainda nessa esteira de medidas preventivas integrantes do planejamento do espaço urbano, importante abordar o estudo de impacto de vizinhança, que tem relevante papel
nas avaliações prévias ligadas à implantação ou ampliação de um empreendimento ou atividade, passíveis de gerar danos de grande natureza. Luciane Martins de Araújo (op. cit., p. 149) traz pontual opinião: A ocupação e utilização dos terrenos urbanos sempre produzem impactos no seu entorno que podem interferir na vida urbana. Quanto maior o empreendimento, maior será o impacto causado sobre a vizinhança e o Estudo de Impacto de Vizinhança visa tutelar a qualidade de vida no local.
De forma bem didática, o Estatuto da Cidade Comentado, elaborado pelo Ministério das Cidades, explica que esse instrumento possibilita ao poder público obter dados específicos que serão utilizados no momento da análise da concessão da licença para realização do empreendimento, isto é: […] após a elaboração do EIV, o município pode conceder a licença para o empreendimento, negá-la ou ainda condicionar a licença à implementação de medidas de atenuação ou compensação do impacto. Neste processo, a sociedade deve ser ouvida e participar da decisão, sendo obrigatório que todos os documentos e estudos estejam disponíveis para consulta de qualquer interessado. Cabe ao Município elaborar lei específica identificando as atividades e empreendimentos sujeitos à apresentação do EIV para concessão de licenças. Como as realidades dos municípios são muito díspares, somente o poder público local pode identificar o que causa impacto em seu território. (BRASIL, 2010, p. 111)
Considerando que o estudo de impacto de vizinhança impõe condições para o exercício do direito de propriedade, míster se faz a elaboração de lei municipal para estabelecê-lo, a fim de atender aos anseios do Estatuto da Cidade quanto à sustentabilidade urbano-ambiental.9 Consta no artigo 37, caput da Lei 10.257/2001 que o estudo de impacto de vizinhança deve abordar algumas informações mínimas, sendo possível ao “Poder Público municipal fazer outras exigências de acordo com a atividade ou obra a ser instalada.” (MARTINS, 2008, p. 68). Em que pese ser extremamente importante para a avaliação e pertinência das atividades que podem degradar as relações de vizinhança, cumpre anotar que o referido documento não tem caráter vinculado, vez que o administrador público municipal não precisa aderi-lo. Todavia, uma vez dada publicidade a eventual estudo de impacto de vizinhança realizado, conforme dispõe o art. 225, § 1º, inciso IV, Constituição Federal combinado com o art. 37, parágrafo único da Lei 10.257/2001, proporcionar-se-á à sociedade a chance do planejamento participativo, tal como ocorre com o plano diretor, ou seja, a oportunidade dos indivíduos participarem das tomadas de decisões que influenciam o desenvolvimento urbano-ambiental daquela região. Com efeito, manifesta a necessidade de avaliação de todas as atividades urbanas impactantes ao meio ambiente por meio do estudo de impacto de vizinhança, sobretudo porque: […] a avaliação dos impactos é uma exigência contemporânea, de uma sociedade que está assistindo ao escasseamento dos recursos naturais, ao esgotamento dos grandes aglomerados urbanos e à degradação das relações de vizinhança e, que não tem mais como viver em sociedade, buscando padrões de qualidade de vida sem analisar e incidir sobre os empreendimentos, as atividades e o seu próprio
universo, a partir da relação estabelecida do projeto com a possibilidade de absorção pelo meio no qual irá se inserir. (PRESTES, op. cit., p. 82/83)
No que tange à participação popular no decorrer do procedimento instaurado para a elaboração do EIV, transcreve-se as exposições de Jorge Luiz Bernardi (op. cit., p. 103): Trata-se de uma forma de fazer com que a comunidade que, vai sofrer o impacto daquela atividade, seja ouvida e a decisão sobre a implantação ou não do empreendimento não fique exclusivamente nas mãos de algumas pessoas. Grandes empreendimentos, neste caso, são os conjuntos e condomínios habitacionais e de atividades empresariais, shopping centers, hipermercados, fábricas, estádios e ginásios esportivos, escolas, universidades, presídios, terminais rodoviários, ferroviários, aeroportos entre outros.
O EIV será necessário para avaliar a pertinência da implantação do empreendimento ou atividade no local indicado, levando em consideração o meio onde se pretende alterar o espaço urbano, seja do ponto de vista social (população afetada) ou ambiental (degradação), bem como para apresentar quais as intervenções úteis a mitigar ou inibir os reflexos negativos àquela localidade. Cumpre destacar que o EIV depende de lei específica para existir e deverá ser adotado tanto em empreendimentos públicos quanto nos privados, devendo constar nas análises, no mínimo, as seguintes questões: Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões: I – adensamento populacional; II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo; IV – valorização imobiliária; V – geração de tráfego e demanda por transporte público; VI – ventilação e iluminação; VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Destarte, restou demonstrado que o EIV deve ser utilizado para fazer reinar a paz social, para dar à população o direito à sadia qualidade de vida, a fim de que empreendimentos inviáveis ou inadequados à determinada localidade possam sofrer as restrições administrativas adotas em prol da coletividade.
3 EM BUSCA DA MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL Nesta parte, prosseguindo com os desafios da sustentabilidade urbana, pretende-se dar ênfase aos problemas sociais e ambientais decorrentes do tráfego de veículos, bem como algumas teorias e práticas decorrentes do estudo de mecanismos que possam servir ao alcance de uma mobilidade urbana sustentável. Cumpre gizar, antes disso, que deve ser entendido por mobilidade:
[…] um atributo associado às pessoas e aos bens; corresponde às diferentes respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento, consideradas as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidas. Face à mobilidade, os indivíduos podem ser pedestres, ciclistas, usuários de transportes coletivos ou motoristas; podem utilizar-se do seu esforço direto (deslocamento a pé) ou recorrer a meios de transporte não-motorizados (bicicletas, carroças, cavalos) e motorizados (coletivos e individuais). (BRASIL, 2004, p. 13)
De acordo com o art. 4º, inciso II da Lei 12.587, de 03 de janeiro de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, considera-se mobilidade urbana a “condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”. Diante da extrema gravidade dos impactos da mobilidade sobre a população e, sobretudo, em detrimento do desenvolvimento urbano, o governo federal, em junho de 2004, criou a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, também de responsabilidade do Ministério das Cidades, que tem por objetivo encontrar estratégias aptas a melhorar a condição de trafegabilidade das vias urbanas, atendendo, principalmente, a preservação ambiental. Dados registrados pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN10, evidenciam a preocupação extrema com o tema em análise, tendo em vista que o aumento exagerado da frota nacional é um dos fatores primordiais para o caos da mobilidade urbana, isso porque até dezembro de 2012 a frota nacional totalizou o montante de 76.137.191 veículos. Para se ter como parâmetros, só no ano de 2012 foram emplacados 177.140 veículos em Goiás. A frota da capital goiana atingiu 996.530 veículos. Surge, então, a ideia de mobilidade urbana sustentável, que tem por objetivo alterar os reflexos negativos do desenvolvimento urbano no que concerne ao deslocamento das pessoas, sem se olvidar das questões sociais e ambientais atinentes ao tema, seja do ponto de vista da necessidade especial de alguns transeuntes ou da degradação ambiental decorrente dos métodos insustentáveis de mobilidade. Nessa esteira, define-se mobilidade urbana sustentável como: [...] o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não-motorizados e coletivos de transporte, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Ou seja: baseado nas pessoas e não nos veículos. (Ibidem)
As ideias do portal Mobilize Brasil versando sobre a mobilidade urbana sustentável difundem de forma bem didática os problemas que enfrentamos e indica como podemos resolvê-los. Confira o que o aludido portal eletrônico aduz como mobilidade urbana sustentável: Mobilidade urbana sustentável envolve a implantação de sistemas sobre trilhos, como metrôs, trens e bondes modernos (VLTs), ônibus “limpos”, com integração a ciclovias, esteiras rolantes, elevadores de grande capacidade. E soluções inovadoras, como os teleféricos de Medellin (Colômbia), ou sistemas de bicicletas públicas, como os implantados em Copenhague, Paris, Barcelona, Bogotá, Boston e várias outras cidades mundiais. Por fim, a mobilidade urbana também demanda calçadas confortáveis, niveladas, sem buracos e obstáculos, porque um terço das viagens realizadas nas cidades brasileiras é feita a pé ou em cadeiras de rodas. Somente a requalificação dos transportes públicos poderá reduzir o ronco dos motores e permitir que as ruas deixem de ser “vias” de passagem e voltem a ser locais de convivência.11
Para os pesquisadores Vânia Barcellos Gouvêa Campos e Rui António Rodrigues Ramos (2005, p. 02), no artigo “Proposta de indicadores de mobilidade urbana sustentável relacionando transporte e uso do solo”, publicado nos anais do “1º Congresso lusobrasileiro para o planejamento urbano, regional, integrado e sustentável”, realizado em São Carlos-SP nos dias 28 a 30 de setembro de 2005, mobilidade sustentável pode ser compreendida como: […] uma forma de mobilidade que promova uma igualdade de possibilidades de deslocamentos, com facilidades de acesso às diversas atividades de uma região, promovendo uma redução no consumo de energia associada aos meios de transporte, e buscando assim, uma redução da poluição ambiental e uma melhoria na eficiência dos recursos aplicados no transporte.12
Com essas perspectivas, percebe-se que as políticas públicas voltadas à mobilidade urbana sustentável tem por escopo conciliar o desenvolvimento urbano com a melhor fluidez do tráfego de pessoas, veículos e cargas, pois a problemática em análise se conecta diretamente com a qualidade de vida da população e com a preservação do meio ambiente de cada localidade, sendo urgente a adoção de “estratégias interinstitucionais de articulação, sensibilização e integração da sociedade, que deve se comprometer com a busca por uma mudança de paradigma relacionado à mobilidade urbana”.13 À par desses problemas, a política pública federal de mobilidade urbana comentada acima, por meio de diversos estudos e pesquisas, vem catalogando os modos de deslocamentos adotados em algumas cidades e as respectivas consequências sobre a economia, o meio ambiente, a segurança e a própria qualidade de vida da sociedade. De modo quase unânime, percebeu-se que grande parte das cidades brasileiras sofrem com a piora na qualidade do transporte coletivo urbano, o que acarretou, dentre outros fatores, o aumento escandaloso do número de automóveis particulares nas pequenas, médias e grandes cidades, que não estão totalmente preparadas para recebê-los e, via de consequência, dar-lhes boas condições de deslocamentos. Sendo assim, o atual modelo de deslocamento, que privilegia o transporte particular e individual, custa à sociedade o desperdício de tempo, dinheiro e qualidade do meio ambiente, consubstanciados em congestionamentos de trânsito, em poluição atmosférica e em consumo de combustíveis. Essa é a conclusão que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA alcançou após os diagnósticos realizados pela Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP, contratada em 1998 para desenvolver estudos em 10 cidades brasileiras a respeito das deseconomias e externalidades associadas ao transporte urbano. O detalhado trabalho realizado pela ANTP e coordenado pelo IPEA apresenta-nos como resultado, em síntese, que os usuários de automóveis perdem 250 milhões de horas e os usuários de ônibus perdem 120 milhões de horas em congestionamentos; que há um consumo de 190 mil litros de gasolina e de 05 mil litros de diesel na hora de pico em congestionamentos, o que corresponde, por ano, a um gasto excessivo de 200 milhões de litros de gasolina e 04 milhões de litros de diesel; e, por fim, que a poluição gerada pela emissão de gás carbônico pelos veículos é de 122 mil toneladas por ano.14
Nas conclusões apresentadas pela ANTP e pelo IPEA existem inúmeras soluções técnicas, estruturais, financeiras, fiscais, econômicas e culturais que podem propiciar a melhoria da mobilidade urbana e, por conseguinte, gerar um ambiente ecologicamente equilibrado. Mais recentemente, em dezembro de 2012, a Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP lançou um novo relatório com as informações de mobilidade urbana, documento atualizado e detalhado a respeito dos dados referentes ao consumo, as externalidades, aos custos, ao transporte público e o trânsito.15 Nessa nova pesquisa, registrou-se que os habitantes dos municípios com mais de 60 mil habitantes gastam, por ano, 21,9 bilhões de horas para deslocar-se, sendo que a maior parte do tempo é gasto nos veículos de transporte público (49%). Quanto ao consumo de combustível, verificou-se, por ano, de cerca de 13,1 milhões de toneladas equivalentes de petróleo nos deslocamentos, a maioria no uso de automóvel. No que tange à emissão de gases poluentes e maléficos ao aquecimento global, percebeu-se que os veículos usados pelas pessoas emitem 29,2 milhões de toneladas de poluentes por ano nos seus deslocamentos, cuja maior parte é emitida pelos automóveis (61%). Vislumbra-se, dessa forma, que os índices de deseconomias e externalidades negativas decorrentes dos deslocamentos de pessoas e cargas é assustador, do ponto de vista do bem-estar social e da preservação do meio ambiente. Diversas soluções aptas a mitigar os problemas enfrentados pelos centros urbanos que sofrem com os congestionamentos são apresentadas pelos órgãos responsáveis por tais políticas públicas, porém, depreende-se dos resultados quantitativos que o redimensionamento do sistema viário, na priorização da infraestrutura do serviço de transporte coletivo, será o método de maior impacto no cotidiano dos brasileiros. Além disso, o transporte coletivo, segundo a Constituição Federal (art. 30, V) é um serviço público de caráter essencial, razão pela qual deve estar disponível a todos os cidadãos, sem nenhum tipo de exclusão, seja por falta de recursos para custeá-lo ou por falta de condições de acessibilidade física. Outrossim, a necessidade de um transporte público urbano de qualidade e que atenda à população torna-se mais urgente na medida em que a maioria de seus usuários é a população mais pobre, que necessita desse serviço público em caráter de extrema essencialidade, seja para ter acesso ao trabalho, ao lazer ou, ainda, aos serviços sociais, como os hospitais, escolas etc. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar de 2008/2009 do IBGE, as famílias que recebem até R$ 830,00 gastam em média 9,7% da renda familiar em transporte. De modo geral, a população urbana gasta 19,5% da renda familiar mensal com transporte, evidenciando, assim, que o transporte público no Brasil é caro ao bolso dos usuários.16 Ciente de toda essa complexidade a Política Nacional de Mobilidade Urbana traçou como seu objetivo principal a conciliação entre o desenvolvimento urbano, a sustentabilidade ambiental e inclusão social, a fim de ofertar um transporte público
eficiente e de qualidade, que contribua com a melhoria do transporte de cargas do comércio nacional e internacional, isto é, com o desenvolvimento econômico do país. No que pertine ao aspecto ambiental da mobilidade, tem-se como estratégia no plano governamental, dentre outras, a adoção de medidas que promovam a circulação não-motorizada e o uso racional do automóvel. Não é demais citar que o Programa Nacional de Direitos Humanos, que também possui em um de seus objetivos a garantia do direito a cidades inclusivas e sustentáveis, fomenta ações políticas voltadas à mobilidade urbana sustentável.17 Desta maneira, sendo certo que o crescimento de transportes individuais e particulares em detrimento dos transportes coletivos e públicos é um dos maiores obstáculos nos deslocamentos humanos e de cargas, bem como para o aumento da poluição atmosférica, os urbanistas Rafael Barczak e Fábio Duarte elaboraram cinco categorias de medidas mitigadoras dos impactos ambientais da mobilidade urbana: medidas econômico-fiscais; medidas regulatórias; medidas de informação e comunicação; medidas de planejamento e desenho urbano; e, por último, as medidas tecnológicas. Merece destaque a primeira categoria, referente às medidas econômico-fiscais, que consistem em estabelecer aumento dos impostos ou taxas sobre os combustíveis, das taxas de registro e licenciamento, aumento dos impostos sobre a circulação de veículos, pedágio urbano, taxas de estacionamento público, cobranças de taxas para circulação em determinadas áreas das cidades (linha azul), todas com o propósito de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e evitar congestionamentos a partir do desestímulo ao uso de transporte individual. As práticas elencadas no parágrafo anterior, somadas as medidas de restrição veicular (rodízio), maiores tributos sobre os automóveis, corredores de ônibus, taxa de ocupação de veículo (taxa para veículos que circulem apenas com um ocupante), tem o condão de forçar o indivíduo a retirar o automóvel das ruas. Todavia, para que possam funcionar, imprescindível a contrapartida estatal em fornecer transportes alternativos e coletivos de boa qualidade e em preço justo, seja na melhoria de fornecimento de ônibus, na criação de ciclovias, metrôs, trens etc. Para exemplificar as melhorias da redução de automóveis nos centros urbanos, têmse como referenciais os modelos aplicados na Cidade do México (campanha Hoy no circula) e em São Paulo (Rodízio e Operação horário de pico). A iniciativa mexicana foi implantada em 1989, motivada principalmente por questões ambientais, com os automóveis respondendo por 50% dos altos índices de poluição atmosférica. A partir de 1997, os automóveis foram identificados com adesivos coloridos, correspondendo ao número da placa. Portanto, para que exista melhor mobilidade e menos tráfego, é indispensável que se promova uma mobilidade sustentável, a partir do reconhecimento da relação intrínseca entre os meios de transporte, a saúde humana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tornando os outros meios de locomoção mais atrativos e que
atendam às necessidades diárias da população urbana ou rural.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das explanações feitas, denota-se que o crescimento populacional nos centros urbanos é, por si só, uma das causas de impacto ao meio ambiente, seja pela sobrecarga na pegada ecológica ou pelo aumento de emissão de poluentes. Salta aos nossos olhos que a solução para o desenvolvimento sustentável será encontrada quando houver esforços concomitantes do poder público, do setor privado e da coletividade, os quais poderão agir de forma integrada e dinamizada com o propósito de colocar em prática as diretrizes traçadas por documentos públicos ou privados a respeito da necessidade de construirmos cidades sustentáveis, até mesmo porque somos todos responsáveis pela efetivação dos direitos humanos, dentre eles, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Os municípios, como administração pública mais próxima do povo, devem ser os primeiros a utilizarem uma gestão eficiente e comprometida com o desenvolvimento sustentável de sua localidade, atendendo aos anseios da sociedade em busca da boa qualidade de vida. O caminho a ser seguido já está definido, vez que há uma opção firme pelo desenvolvimento sustentável desde a Conferência de Estocolmo em 1972, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, onde se estabeleceu o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem indispensável para o gozo do direito à vida e à integridade pessoal. Dessas breves exposições também se pode apreender que o desenvolvimento sustentável somente ocorrerá quando o avanço for produzido ao mesmo tempo na sociedade, na economia e no meio ambiente, garantindo, assim, que o progresso econômico, social e ambiental sigam harmônicos, entrelaçados, cujos benefícios poderão ser experimentados pelas gerações presentes e vindouras. O desenvolvimento é um direito e uma responsabilidade dos cidadãos, que deverão participar ativamente dos processos decisórios que influenciam direta ou indiretamente na qualidade de vida de toda a comunidade, como forma de garantir a existência e satisfação das garantias constitucionais. Enfim, torna-se imperioso que o compromisso com a sustentabilidade seja uma realidade vivida e praticada com a finalidade de se construir cidades mais sustentáveis e, por conseguinte, gerar mais qualidade de vida. As escolhas feitas pela sociedade servirão – definitivamente – para o rumo que o desenvolvimento pode tomar, cujas consequências poderão ser benéficas ou maléficas, mas que, seguramente, atingirão a todos. Afinal, totalmente possível que a globalização e o desenvolvimento se unam com o objetivo de resolver os problemas e desafios que
afligem todo o globo terrestre, criando um meio ambiente mais sustentável. A positivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deixa evidente a urgência de ações que o levem a existir na realidade de cada indivíduo, incumbindo ao Estado e à própria sociedade a obrigação de defendê-lo e preservá-lo, uma vez que se trata de direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual.18 Nessa toada, devemos nos preocupar com o rumo que o progresso e a exploração de recursos naturais vêm tomando, diante das nefastas consequências sofridas pelas populações espalhadas pelo mundo, que devem lutar por um desenvolvimento participativo e não-discriminatório de sustentabilidade, traduzido na inclusão social e econômica. A partir do exposto neste trabalho, vislumbra-se com clareza que o tema desenvolvimento sustentável está entre os mais discutidos, porém, somente a partir da educação e conscientização do povo – principalmente por meio de uma juventude disposta e preparada – que haverá de fato uma reivindicação pela democracia participativa e pela diminuição da pegada ecológica, fazendo surgir, então, cidades mais sustentáveis.
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1 Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Catalão. Aluno do Programa de Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Goiás. Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Email: pliniodemelopires@gmail.com. 2 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766. Acesso em 16/04/2013. 3 Vide texto completo: http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf. 4 Fonte http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/91. Acesso em 09/03/2013. 5 Disponível em http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-assentamentos-humanos/. Acesso em 14/03/2013. 6 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 7 UNESCO. Década da Educação das Nações Unidas para um Desenvolvimento Sustentável, 2005-2014: documento
final do esquema internacional de implementação. Brasília: UNESCO, 2005, p. 30. 8 Disponível em http://www.cidades.gov.br/index.php/o-ministerio/biblioteca/242-cadernos-do-ministerio-dascidades. Visualizado em 23/01/2013. 9 Lei 10.257/2001. Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal. 10 Resultados divulgados no site http://www.denatran.gov.br/frota.htm. Acesso em 09/01/2013. 11 Disponível em http://www.mobilize.org.br/sobre-o-portal/mobilidade-urbana-sustentavel/. Acesso em 18/01/2013. 12 Vide em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/4871/1/Ramos_CI_2_2005.pdf. 13 Vide o fórum de discussão sobre a mobilidade urbana em Goiânia/GO. Disponível em http://institutocidadegoiania.com.br/pagina.php?id=13&titulo=Mobilidade%20Urbana. Acesso em 10 jan. 2013. 14 Disponível em: www.antp.org.br/_5dotSystem/download/dcmDocument/2013/01/10/057A84C9-76D1-4BEC9837-7E0B0AEAF5CE.pdf. Acesso em 10 jan. 2013. 15 Vide em http://www.antp.org.br/_5dotSystem/userFiles/simob/relat%C3%B3rio%20geral%202011.pdf. Acesso em 10 jan. 2013. 16 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php? id_noticia=1648&id_pagina=1. Acesso em 11 jan. 2013. 17 Veja em http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdf/pndh3_programa_nacional_direitos_humanos_3.pdf. 18 A Suprema Corte brasileira, inclusive, já ratificou a tutela ao meio ambiente no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3540, de relatoria Ministro Celso de Mello, publicada no Diário Judicial de 03/02/2006.
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS, UMA REALIDADE NO ATUAL CENÁRIO AGRÍCOLA BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE Renata Carvalho Cardoso1
RESUMO A agricultura, especialmente no Brasil, tem passado por profundas e constantes transformações. Os chamados organismos geneticamente modificados estão presentes nas lavouras e nas mesas dos consumidores. Paralelamente a essas inovações biotecnológicas, o tema meio ambiente, sobretudo o acelerado processo de degradação a que submetido, emerge ao centro de acalorados debates. Nesse cenário polêmico e atual, a pretensão deste trabalho é, ainda que de modo sucinto, descrever a trilha percorrida pelos transgênicos na agricultura brasileira, sua relevância, riscos, vantagens e desvantagens, a partir dos pontos de vista dos que defendem e dos que são contrários a esses avanços científicos. Discorrerei acerca do Princípio da Responsabilidade, do filósofo Hans Jonas, como elementar à preservação do planeta e da espécie humana, tendo em vista a degradação oriunda das ações desta geração. A metodologia utilizada será pautada em pesquisa bibliográfica, com ênfase às proposições mais importantes e atuais, as quais espero serem justificativas bastantes às considerações finais deste estudo. Palavras-chave: Brasil; Agricultura; Organismos Geneticamente Modificados; Princípio da Responsabilidade.
RESUMEN La agricultura, sobre todo en Brasil, han sufrido una transformación profunda y constante. Los organismos llamados transgénicos están presentes en los cultivos y en las mesas de los consumidores. Junto a estas innovaciones biotecnológicas, el tema del medio ambiente, en particular el proceso de degradación acelerada que somete emerge desde el centro de acalorados debates. En este escenario controvertido y actual, la intención de este trabajo es, aunque sea brevemente, describir el camino recorrido por GM en la agricultura brasileña, su importancia, los riesgos, las ventajas y desventajas, desde el punto de vista de los que defienden y los que están contrario a estos avances científicos. Me gustaría hablar sobre el principio de la responsabilidad, el filósofo Hans Jonas, tan elemental para la preservación del planeta y de la especie humana, en vista de la degradación resultante de las acciones de esta generación. La metodología se basa en la literatura, con énfasis en las proposiciones más importantes y actuales, que espero sean suficientes justificaciones a las palabras de clausura de este estudio. Palabras clave: Brasil; Agricultura Organismos Genéticamente Modificados; Principio de la Responsabilidad.
1 INTRODUÇÃO Nunca se falou tanto sobre o meio ambiente; o assunto tem sido tema constante nos últimos tempos, sobretudo o acelerado processo de degradação a que se vê submetido. Nesse contexto, fato relevante e de indiscutível repercussão é a legalização no Brasil há mais de uma década, do plantio das sementes dos chamados transgênicos2 ou organismos geneticamente modificados3.
Sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei 10.688, de 13 de junho de 2003, tão somente, como será visto adiante, validou a consumada introdução ilegal, nas lavouras do Rio Grande do Sul, da soja RoundUp Ready, desenvolvida pela empresa Monsanto, com modificações genéticas para resistir ao herbicida glifosato. O fato é que o plantio de transgênicos tornou-se realidade na agricultura e na mesa do povo brasileiro. Atualmente, no País, estão liberados, para fins comerciais, trinta e seis variedades geneticamente modificadas de milho, feijão, soja e algodão. A aceitação desses organismos, no entanto, além de dividir o mercado internacional, tem sido objeto de acirrados debates críticos acerca das controvérsias sobre os riscos sociais, ambientais, políticos e, sobretudo à saúde humana. Mormente, dado ao fato de que a transgenia, como qualquer outra biotecnologia de manipulação genética, elimina as fronteiras entre as espécies ao possibilitar que qualquer ser vivo possa receber novas características, advindas de vegetais, animais ou humanos. Procedimento que, decididamente, pode vir a provocar incalculáveis alterações à vida biológica, social, política e econômica em âmbito mundial, já que é incontestável o enorme potencial de desequilíbrio de micro e macro ecossistemas como decorrência dessa inovação4. Todavia, alheio a essas celeumas, o Brasil tornou-se, ao lado dos Estados Unidos, líder mundial na produção de soja transgênica. E todas as estimativas pertinentes dão conta de que as variadas lavouras transgênicas serão presença crescente e permanente em todo o país, com destaque para os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Concomitante à evolução da transgenia, que revolucionou a agricultura brasileira, antes pautada na biodiversidade, o Brasil, desde 2008, é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, responsável por cerca de vinte por cento do mercado global do setor. Situação, sem dúvida, complexa em termos de impactos sobre a saúde humana e o meio ambiente. Entrementes, há os que defendem essa inovação tecnológica, à qual denominam “revolução verde” - representada pelos transgênicos. Alegam que, com o crescimento demográfico, essa é a única forma de saciar a fome mundial, pois as lavouras convencionais não seriam suficientes para produzir alimentos para a população do mundo. Verberam que as lavouras de sementes geneticamente modificadas são mais produtivas, possuem menores custos de produção, além de serem mais resistentes a pragas, por isso, menos dependentes de defensivos agrícolas, enfim, há argumentos de ambos os lados. O tema é polêmico, atual e, diante da urgência de estudos sistemáticos e elucidativos, este artigo tem como objetivo analisar o atual cenário agrícola brasileiro e correlacioná-lo ao Princípio da Responsabilidade, por meio de uma metodologia pautada na pesquisa bibliográfica, com as proposições mais importantes de autores que abordam a questão.
2 O PANORAMA INTERNACIONAL Partindo do geral para o particular, se faz imprescindível a análise global acerca desses organismos desenvolvidos pela engenharia genética, frutos das modernas tecnologias agrícolas e científicas e, não raro, considerados como a trilha da insustentabilidade, que coloca em cheque o futuro dos solos, dos mananciais e nascentes de água, os animais, a biodiversidade agrícola, a saúde e a sobrevivência humanas, pois, como sabiamente exposto por Leonardo Boff: Conservar a natureza é condição de nossa imortalidade e condição também para que novos seres humanos possam nascer e fazerem seu percurso no tempo. (BOFF, Leonardo. A Opção-Terra: A solução para a Terra não cai do céu. Rio de Janeiro: Record, 2009).
Quiçá, atento a essa premissa, o mercado internacional encontra-se dividido no que tange à aceitação dos transgênicos. Segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas – ISAAA (sigla em inglês), nos Estados Unidos, em 2012, foram plantados 69,5 milhões de hectares de transgênicos, o que lhe rende o ranking mundial, no qual é seguido pelo Brasil, com 36,6 milhões de hectares plantados, sendo, como dito, o segundo principal produtor mundial de transgênicos. Estando à frente da Argentina, que conta com 23,9 milhões de hectares plantados, Canadá, com seus 11,6 milhões de hectares, Índia, que possui 10,8 milhões e China, com 4 milhões. O Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas relata, ainda, que os transgênicos são legalmente cultivados em 28 países e estão presentes em todos os continentes, em um total de 170,3 milhões de hectares plantados. Sendo que o último país a entrar no rol dos produtores de plantas transgênicas foi Cuba, onde, em 2011, iniciou-se o plantio de milho geneticamente modificado5. Desse modo, entre os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somente a Rússia continua livre de transgênicos, assim como a União Europeia e o Japão, que não aceitam o plantio e dificultam a comercialização de transgênicos em seu território. A Europa rejeita com firmeza o consumo de frutas, legumes e verduras transgênicos e países como Itália, França, Bélgica e Bulgária, entre outros, já proibiram totalmente o cultivo de plantas geneticamente modificadas em seu território. A restrição não é diferente no Japão, onde o Ministério da Agricultura chegou a cancelar, no último mês de maio, a importação de parte das setecentas e cinquenta mil toneladas de trigo que o país havia comprado este ano dos Estados Unidos, dado ao fato do Departamento de Agricultura estadunidense ter anunciado a descoberta de contaminação de uma plantação no estado do Oregon por uma variedade transgênica de trigo RoundUp Ready, desenvolvida pela Monsanto. Com destaque o fato de que o plantio de trigo geneticamente modificado para fins comerciais jamais foi autorizado em nenhum país, nem mesmo nos EUA.
Em suma, apenas dois tipos de cultivo em território europeu foram liberados pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar – EFSA, sigla em inglês, o milho MON 810, desenvolvido pela Monsanto e cultivado desde 2008 na Espanha, Alemanha, Portugal, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Romênia e a batata Amflora, desenvolvida pela Basf e cultivada desde 2010 na Alemanha e na Suécia. No entanto, mesmo diante da resistência internacional, no Brasil as áreas destinadas ao cultivo de sementes transgênicas crescem vertiginosamente, assim como a variedade desses organismos geneticamente modificados.
3 CONTROVÉRSIAS Por se tratar de uma inovação tecnológica, por muitos tida como suspeita, inúmeras são as polêmicas que envolvem os organismos geneticamente modificados, tema, ainda pouco conhecido e, ao meu ver, pouco discutido, dividindo a opinião de cientistas, ambientalistas, juristas e filósofos, além da opinião pública, a qual, seja pela falta de acesso às informações ou pela inconsistência dos poucos informes a que tem acesso, segue sem uma compreensão objetiva da exata dimensão dessa revolução biotecnológica e de suas reais consequências para a espécie humana e para o meio ambiente. Eis aí, motivação suficiente para se considerar minuciosamente tanto argumentações contrárias quanto favoráveis. Pois, nesse cenário de incertezas, estão em xeque, numa visão holística, a ordem do Universo, a Pacha Mama, Gaia, e, consequentemente, a vida humana, que pode ser extinta ou afetada de forma grave e irreversível. Fazendo vista grossa às incertezas que envolvem os transgênicos, seus defensores, se apegam ao argumento de que, passados tantos anos, desde a sua introdução no mercado, não há registro de qualquer dano significativo que lhe possa ser vinculado. Celebram que a transgenia representou uma revolução na agricultura, maiores áreas de cultivo, maior produtividade e redução de custos, com a otimização e agilização do processo de produção, otimização da utilização de máquinas, o ganho de tempo e a manutenção do funcionário na propriedade. Há, no entanto, os que são contra essa transgenia sem precaução e responsabilidade. Ponderam que não há que se cogitar em menor ou maior custo, eis que estudos já comprovaram que a produtividade e os custos, por exemplo, entre a soja transgênica e convencional, é o mesmo. O diferencial, hoje, é a possibilidade de bonificação paga ao produtor convencional, que em 2012, podia receber até cinquenta dólares por tonelada de soja convencional, o que representa um plus de até R$ 5,00 (cinco reais) por saca. Por outro ver, completam, a economia feita com equipamentos e mão de obra nas lavouras transgênicas é consumida, em muitos casos, com o pagamento de royalties pela utilização dessa tecnologia. Além disso, a lavoura convencional não pode ter nenhum contato direto ou indireto com a lavoura transgênica, sob risco de contaminação, obrigando aos agricultores que optam por exportar também a soja convencional a ter um
custo extra por serem obrigados a separar máquinas, equipamentos e silos para uso exclusivo. Para Jean Marc von der Weid, membro da Equipe Executiva da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) - organização especializada em agricultura familiar e agroecologia e fundadora da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos, sob a evolução dos transgênicos paira uma ameaça concreta à soberania alimentar do Brasil: As desvantagens das plantas transgênicas em comparação com as convencionais, e mais ainda com as agroecológicas, estão cada dia mais fortes e demonstradas. O que sustenta o domínio dos transgênicos em setores da agricultura brasileira não são suas “vantagens comparativas”, mas o virtual monopólio da produção de sementes por parte das empresas que controlam a transgenia.6 Outro ponto levantado pelos movimentos socioambientais é o monopólio e a venda casada (de sementes e defensivos), pois as empresas químico-farmacêuticas detentoras da biotecnologia genética investem fortunas para a criação de variedades de sementes e novos medicamentos através da transferência de características (genes) de uma espécie de planta para outra. Estas plantas (novas espécies desenvolvidas) podem ser patenteadas como uma criação ou invenção, pois são novidade, fruto da inventividade humana e úteis, segundo os detentores das patentes. De consequência, esse ser vivo patenteado só poderá ser reproduzido pelo dono da patente. Caso não permita que outra pessoa ou empresa plante ou tire cria da semente comprada, estará protegido, por lei, seu monopólio sobre a invenção; o que obrigará o agricultor a comprar sempre do dono da patente. Situação vista por muitos como antiética e cerceadora de direitos. A ausência de estudos prévios acerca dos impactos e repercussões advindas da introdução desses organismos geneticamente modificados é outra crítica constante feita por aqueles que são contrários. Argumentam que a comercialização generalizada das lavouras transgênicas veio antes de qualquer exame completo dos riscos e benefícios associados a elas – e não depois, como deveria. Também não houve um debate público sobre as muitas consequências potenciais do cultivo em larga escala de lavouras transgênicas. Outro ponto polêmico e visto por muitos como talvez o mais relevante, é o fato do Brasil ter se tornado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Ainda assim, como é grande o conflito de interesses e há muito dinheiro envolvido, poucos são os estudos sistemáticos, com abrangência nacional, que possam efetivamente comprovar a interrelação entre transgênicos, agrotóxicos e o câncer, embora estejam surgindo as primeiras denúncias sobre o aumento da incidência de cânceres relacionado ao alto consumo de agrotóxicos. Exemplo desse fato é a existência de um dossiê virtual alertando sobre os impactos do uso de agrotóxicos à saúde. Elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Esse documento relaciona detalhadamente os diversos ingredientes ativos utilizados nos agrotóxicos no Brasil ao risco que cada um deles representa para a saúde e afirma que seu uso intensivo pode causar “doenças como
cânceres, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais”. O dossiê cita estudos sobre o aumento da incidência de câncer na população de cidades muito expostas aos agrotóxicos, como, por exemplo, Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, entre outras. O documento contém um importante alerta: Mesmo que alguns dos ingredientes ativos dos agrotóxicos, por seus efeitos agudos, possam ser classificados como medianamente ou pouco tóxicos, não se pode perder de vista os efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou ate décadas após a exposição.7 Existe ainda, segundo sustentam alguns agricultores, sobretudo os pequenos agricultores de lavouras familiares e os que se dedicam ao cultivo de lavouras orgânicas, a ameaça de extinção de sementes convencionais, passíveis de contaminação pelas plantações geneticamente modificadas. O que representaria um irreversível dano à biodiversidade. Aliás, no Brasil, há registros de ocorrências dessa jaez, onde lavouras transgênicas contaminaram áreas fronteiriças. Enfim, o debate segue acirrado. No Brasil, a mobilização civil é coordenada pela campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”, iniciada no final dos anos 90, contando com as seguintes participações: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Greenpeace Brasil, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-Pta), Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea /RJ), Actionaid Brasil, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Segurança Alimentar e Cidadania, Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN), Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF), dentre outros. Por outro lado, a população, que se vê refém de informações acerca das reais consequências do consumo de alimentos transgênicos a longo prazo ou ainda, das consequências da ingesta de alimentos bombardeados com quantidades crescentes de venenos cada vez mais potentes e danosos à saúde, tem buscado uma alimentação mais saudável. Já não são raros feiras e supermercados comercializando os alimentos orgânicos, ainda em pequena escala e com alto custo. Do mesmo modo, consumidores buscando informações nos rótulos dos alimentos expostos à venda, a fim de fugir das modificações genéticas. Há até os que estão alterando hábitos alimentares. Enfim, são facetas de um processo inovador que gera insegurança e medo, afinal, não se pode esperar um dano real para se evitar os indisfarçáveis riscos ao equilíbrio e à continuidade da vida humana.
4 PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE E, em se tratando de um tema que, sem dúvida, envolve a continuidade da vida
planetária da atual e das futuras gerações, a discussão ganha o centro da reflexão ética. Dentre os notáveis que se posiciona criticamente, sem, no entanto, rejeitar os benefícios das inovações biotecnológicas, porém, atento aos potenciais riscos, Hans Jonas se destaca como o “filósofo da responsabilidade” ou, segundo Olivier Depré, como o “pensador da liberdade”.8 Nascido na cidade alemã de Mönchenglandbach, em 1903, Hans é descendente da tradição judia, sua primeira formação humanística pautou-se pela rigorosa leitura dos profetas hebreus9. A intensa vida intelectual apresenta três momentos marcantes de sua formação filosófica10. O primeiro tem início em 1921, ano em que frequenta a Universidade de Freiburg, escolhida pelo fato de lá lecionar o célebre filósofo Edmund Husserl, onde assistiria também às aulas de Martin Heidegger, um professor até aquele momento pouco conhecido. Jonas reconhece que Heidegger foi durante muito tempo seu mentor intelectual, a tal ponto que, quando o mestre se transfere para a Universidade de Marburg, o discípulo o segue. Lá, Jonas conhece o seu segundo mentor, Rudolf Bultmann, e, sob sua orientação, elabora uma tese sobre a gnose no cristianismo primitivo, apresentada em 1931. Desse trabalho inicial resulta, em 1934, sua primeira publicação: o notável Gnosis und spätantiker Geist, que ele mesmo considera como seu primeiro grande passo como filósofo. Em 1934, ele se vê obrigado a abandonar a Alemanha devido à ascensão do nazismo ao poder. Em 1966, ocorre o segundo grande momento na vida intelectual de Jonas, com a publicação de Phenomenon of Life, Toward a Philosophical Biology, obra em que estabelece os parâmetros para o que denomina de “uma filosofia da biologia”. Inaugurase, assim, um novo campo de reflexão que se volta para a precariedade da vida e aponta o enorme alcance filosófico da abordagem das questões biológicas, pois reconduz a vida a uma posição privilegiada e distante dos extremos do idealismo irreal e do limitado materialismo. Apresenta o equívoco de isolar o homem do resto da natureza, imaginando-o desvinculado das outras formas de vida. No epílogo desta obra, Jonas estabelece uma ideia geral de seu projeto quando escreve que, com a “continuidade da mente como o organismo, do organismo com a natureza, a ética torna-se parte da filosofia da natureza […] Somente uma ética fundada na amplitude do Ser pode ter significado.” (H. Jonas. Das Prinzip Leben. pp. 401 e 403. Versão francesa: Le phénomène de la vie. pp. 281 e 282). O terceiro grande momento intelectual de sua trajetória é decorrência imediata do segundo. A busca das bases de uma nova ética, uma ética da responsabilidade, torna-se sua principal meta. Em 1979, publica Das Prinzip Verantwortung – Versuch einer Ethic für die Technologische Zivilisation, traduzido para o inglês em 1984. Trata-se da obra: O princípio responsabilidade. Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. É com essa obra que o filósofo propõe ao pensamento e ao comportamento humano
uma nova ética: “Age de tal maneira que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica” (p. 36). Ou, formulado negativamente: “não ponhas em perigo a continuidade indefinida da humanidade na Terra”.11 Como mandamentos ou máximas da ética tradicional, Jonas apresentou os seguintes conceitos: Ama o teu próximo como a ti mesmo; faze aos outros o que gostarias que fizessem a ti; instrui teu filho no caminho da verdade; submete o teu bem pessoal ao bem comum; nunca trate os teus semelhantes como simples meios, mas sempre como fins em si mesmo. (JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão por Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p. 36). Demonstrativos, segundo Hans, de que em todas essas máximas, aquele que age e o outro de seu agir são partícipes de um presente comum: Os que vivem agora e os que de alguma forma têm trânsito comigo são os que têm alguma reivindicação sobre minha conduta, na medida em que esta os afete pelo fazer ou pelo omitir. O universo moral consiste nos contemporâneos, e o seu horizonte futuro limita-se à extensão previsível do tempo de suas vidas. (p. 36). O autor vai além, ao sustentar a premissa de que a destinação de valor ao outro, o respeito em relação ao outro, é importante, mas não é o bastante: Mas não basta o respeito, pois esse reconhecimento emocional da dignidade do objeto que percebemos, por mais intenso que seja, pode permanecer inoperante. Só o sentimento de responsabilidade, que prende este sujeito àquele objeto, pode nos fazer agir em seu favor. (p. 163). Em resumo, Jonas faz perceber que os seres humanos devem ser responsáveis pelo Planeta que habitam, tem o dever de cuidado e manutenção, abandonando o pensamento de serem infindáveis os recursos naturais e o imediatismo de dar importância tão somente ao agora, desconsiderando o direito que as futuras gerações tem de habitar a Terra de maneira digna. Ainda que para isso, seja necessário modificar ou mesmo abandonar um projeto à salvaguarda do planeta, o que significa recuperar o respeito a partir do medo. Segundo ele: […] o Princípio Responsabilidade contrapõe a tarefa mais modesta que obriga ao temor e ao respeito: conservar incólume para o homem, na persistente dubiedade de sua liberdade que nenhuma mudança das circunstâncias poderá suprimir, seu mundo e sua essência contra os abusos de seu poder (p. 23).
Afinal, um patrimônio degradado degradaria igualmente os seus herdeiros. Em suma, o homem, precisa, a cada minuto de sua existência, assumir a responsabilidade pelo futuro de toda a humanidade, inclusive da que está por vir, tarefa que, segundo Jonas, não se constitui em fim utópico, mas tampouco se trata de um fim tão humilde (p. 353).
Há que se ter em mente que a existência e a essência humanas, em sua integralidade, não podem ser objeto de aposta. A mera possibilidade dessa circunstância deve ser considerada como inaceitável, seja em que situação for. Como bem preconizou o filósofo Jonas, num de seus subtemas: “o melhorismo não justifica apostas totais” (p. 85).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Não é demais frisar que as lavouras transgênicas se tornaram uma realidade generalizada e a comercialização desses organismos geneticamente modificados já alçou níveis praticamente mundiais, salvo algumas exceções cada vez mais raras. E, é fato, esse plantio e comercialização vieram antes, e não após, avaliações, estudos e exames acurados e completos acerca dos riscos e benefícios associados a tais lavouras, a julgar pela forma clandestina como foram introduzidos no Brasil. A estrutura reguladora é obscura, pouco divulgados são os métodos aplicados nas liberações, dando a nítida impressão de que o maior rigor parte daqueles que irão importar esses alimentos e não daqueles que se dedicarão ao plantio e manejo dessas lavouras. Por outro ver, a população é pouco esclarecida acerca de tema tão complexo e pouco debatido. Não raros aqueles que desconhecem completamente o tema, consomem sem noção sobre a origem e procedência do alimento. E se o consumidor final está mal informado, que dizer do trabalhador rural, a maioria sem tanta instrução, que passa dias, meses e anos manuseando sementes modificadas e defensivos agrícolas (nem sempre devidamente protegido ou ciente de seus efeitos malévolos à saúde humana). Além disso, consome alimentos e água de nascentes próximas a essas plantações, alguns desses trabalhadores sequer ouviram acerca das polêmicas que envolvem a transgenia. Ainda assim, elencar eventuais riscos biotecnológicos, tão somente com base em dados científicos é temeroso e insuficiente, até porque não se sabe as reais consequências desse processo a longo prazo, sobretudo por serem infinitos os valores interagentes que a discussão envolve. Nesse cenário, Hans Jonas – em seu Princípio da Responsabilidade, admite, entre as soluções éticas, o abandono puro e simples de um projeto, enquanto a atual precaução leva antes a adiá-lo ou somente a adaptar suas condições de uso. É dizer: para o alcance de um verdadeiro desenvolvimento sustentável, é necessário admitir que a precaução é um problema que interessa a todos os cidadãos do mundo e que esta, por si só, não os exime da responsabilidade. Responsabilidade, como ele enfatiza: “é o cuidado reconhecido como obrigação em relação a um outro ser, que se torna ‘preocupação’ quando há uma ameaça à sua vulnerabilidade” (p. 352). É imprescindível o que ele denomina de “heurística do medo”. O homem precisa
recuperar o respeito e o medo para ser capaz de se autoproteger dos descaminhos de seu próprio poder. Segundo o filósofo Hans Jonas: “... no processo decisório deve-se conceder preferência aos prognósticos de desastre em face dos prognósticos de felicidade” (p. 86). O respeito à humanidade, a todos os seres vivos, à Terra, ao Universo, aliado ao temor da autodestruição da espécie, consequência da degradação ambiental, devem pautar a evolução humana. Não basta precaver-se, é preciso muito mais – há que existir encantamento pela Terra, compaixão, proteção, cuidado, comprometimento, Responsabilidade pelo planeta, pelo universo, por esta e pelas futuras gerações. Não se pode avaliar ainda os reais impactos causados por essas novas tecnologias agrárias, cada vez mais intensivas e expansivas. São impactos cumulativos, os quais ainda não se revelaram completamente, tanto sobre a saúde humana (tais como reações alérgicas, mutações genéticas, infertilidade, intoxicações, desde as mais simples àquelas que levam à morte, doenças degenerativas e aumento nos números de casos de câncer) quanto sobre a natureza (poluição química dos recursos hídricos e das águas costeiras, com efeitos danosos à cadeia alimentar, a salinização dos solos pelas constantes irrigações, as erosões advindas da aragem dos campos destinados ao plantio, as mudanças climáticas decorrentes dos desmatamentos, dentre outras tantas). Há apenas uma certeza, natureza e homem estão entrelaçados, o destino humano, ou melhor, a sua existência, depende da situação da natureza. Portanto, deve agir de modo que os efeitos de sua ação não sejam destrutivos para a possibilidade futura de conservação indefinida da humanidade sobre a Terra. Enfim, a evolução humana deve se pautar na ética, na moralidade, na precaução e, sobretudo, na responsabilidade. Esses são os critérios que devem nortear o rumo dessas inovações genéticas. A atual geração, seja a que pretexto for, não tem o direito de afetar a existência da humanidade ou limitá-la em quaisquer de suas expressões.
REFERÊNCIAS JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma nova ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora da PUC Rio, 2006. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade. O que é – O que não é. Petrópolis: Vozes, 2012. ______. A Opção-Terra – A solução para a Terra não cai do céu. Rio de Janeiro: Record, 2009. ELIAS, D. Globalização e agricultura. São Paulo: Ed. Usp, 2003. BARBIERE, J. C. Desenvolvimento e meio ambiente. Petrópolis: Vozes, 1998. GOLEMAN, D. Inteligência ecológica. Rio de Janeiro: Campus, 2009. OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação. São Paulo: Moderna,
1995. SHIVA, V. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental e princípio da precaução. Anais da Conferência proferida no 2º Congresso de Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo, 1998. HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SIQUEIRA, José Eduardo de, “Ética e tecnociência – uma abordagem segundo o princípio de responsabilidade de Hans Jonas”, in Ética, ciência e responsabilidade, São Paulo: Centro Universitário São Camilo, Loyola, 2005. Artigos Pesquisados na Internet: MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO (MAPA). Dados das cultivares protegidas: SNPC, 2006. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br. Acesso em: 10 dez. 2013. Lei n. 9456, de 25 de abril de 1997. Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9456.htm. Acesso em: 10 dez. 2013. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm. Acesso em: 08 dez. 2013.
1 Mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Servidora Efetiva do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - TJGO. 2 A transformação genética é obtida através da introdução de um gene, ou fragmento de DNA, no genoma receptor de uma planta e sua posterior manifestação, conferindo a esta planta uma nova característica ou modificando a anterior. Tal processo não está ligado à fecundação, dela independendo. 3 De acordo com o prof. Volnei Garrafa, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética da UNB, “ é bom saber que os primeiros não são necessariamente sinônimos dos segundos, embora todo transgênico seja um OGM” ( Folha do Meio ambiente – Ano 11 – Edição 114 – Brasília/DF, abril-2001). Assim tem-se que um organismo é chamado de transgênico, quando é feita uma alteração no seu DNA - que contém as características de um ser vivo. Por meio da engenharia genética, genes são retirados de uma espécie animal ou vegetal e transferidos para outra. Esses novos genes introduzidos quebram a sequência de DNA, que sofre uma espécie de reprogramação, sendo capaz, por exemplo, de produzir um novo tipo de substância diferente da que era produzida pelo organismo original. Os seres transgênicos são os que tiveram um ou mais genes trocados por genes de outra espécie devido ao fato de que cada gene determina uma característica no ser vivo, mas não precisa permanecer naquela espécie. Através de manipulação genética é possível alterar, mexer nas características genéticas de qualquer ser vivo. Por exemplo, a soja transgênica originou-se em pesquisas que buscavam características genéticas de resistência contra infecção por fungos e outros parasitas. 4 OLIVEIRA, Fátima. Engenharia genética: o sétimo dia da criação. Moderna, SP, 1995, p. 18-19. 5 Relatório publicado em 2012 pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas - ISAAA (sigla em inglês) – extraído do site: http://www.isaaa.org/resources/publications. 6 Extraído do Site: http://reporterbrasil.org.br/2013/11/legalizados-ha-10-anos-transgenicos-vivem-apoteose-nobrasil/. 7 Extraído do site: http://greco.ppgi.ufrj.br/DossieVirtual.
8 O. Depré. Hans Jonas. 1903 – 1993. Paris: Ellipses, 2003. 9 Segundo biografia escrita a partir de dados fornecidos pelo próprio Jonas em suas Memórias e nos contextos citados, retomados por Jean Greisch na apresentação de sua versão para o francês, o Le Principe Responsabilité, publicado pelas editoras Champs & Flammarion, em 1998, (pp. 9-14) e também por José Eduardo de Siqueira, no texto “Ética e tecnociência – uma abordagem segundo o princípio de responsabilidade de Hans Jonas”, in Ética, ciência e responsabilidade, São Paulo: Centro Universitário São Camilo, Loyola, 2005, pp. 101-200. 10 JONAS, Hans, 1903/1993 O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica/ Hans Jonas; tradução original alemão Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. - Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 3006. 11 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão por Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
A BUSCA DA SUSTENTABILIDADE ATRAVÉS DO “PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL” JUNTO A UMA TRIBO INDÍGENA KRAHÔ1 Rodrigo Péclat de Sousa2 Luciane Martins de Araújo3
RESUMO A Lei n° 12.512, de 14 de outubro de 2011 e o Decreto n° 7.572 de 28 de setembro de 2011 instituíram e regulamentaram o Programa de Apoio à Conservação Ambiental, também conhecido como programa “Bolsa Verde”. Segundo a própria legislação, tal programa tem como objetivos incentivar a preservação dos ecossistemas; promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda da população em situação de extrema pobreza que exerça atividades de conservação dos recursos naturais e incentivar a participação de seus beneficiários em ações de capacitação ambiental, social, educacional, técnica e profissional. Tal programa prevê repasses financeiros feitos pelo governo federal às famílias que exerçam atividades de preservação ambiental em áreas pré-definidas pela legislação concernente. Tais diplomas legais encontram amparo no princípio de Direito Ambiental denominado “Princípio do Protetor-Recebedor”. No presente trabalho, além da pesquisa bibliográfica sobre o tema foi feita pesquisa de campo, na aldeia indígena Krahô Pé de Coco, para averiguar as condições de implementação e aplicabilidade do Programa de Apoio à Conservação Ambiental com as famílias moradoras da referida tribo. Foram inquiridos alguns moradores com perguntas referentes à aplicabilidade do programa e feita a observação de algumas características da aldeia. Os resultados obtidos mostram que é possível a aplicação de programa na comunidade Krahô. Também ficou claro que o estilo de vida da comunidade favorece a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: Programa de Apoio à Conservação Ambiental. Bolsa Verde. Índios Krahô. Princípio do ProtetorRecebedor. Desenvolvimento Sustentável.
ABSTRACT The Federal Law number 12.512, from October 14 th 2011 and the Decree number 7.572, from September 28 th, 2011 founded and regulated the Environmental Conservation Support Program, also known as the “Green Grant” program. According to the legislation itself, this program aims to encourage the preservation of ecosystems, promote citizenship, improve living conditions and increase the income of the population in extreme poverty engaged in natural resource conservation activities and encourage the participation of beneficiaries in environmental, social, educational, technical and professional capacitation. This program provides financial transfers made by the federal government to households engaged in environmental preservation activities in areas pre-defined by law. These regulations are backed by the Environmental Law principle called “Protector-receiver principle”. In the present work, in addition to the literature on the subject, field survey was taken at the “Pé de Coco” Krahô Indian village, to ascertain the conditions of the implementation and applicability of the Environmental Conservation Support Program with the resident families of that tribe. Some residents were surveyed with questions regarding the applicability of the program and the observation of some features of the village was also made . The results show that is possible to apply this program to the community families visited, within the legal aspects of the legislation mentioned above. It also became clear that due to the lifestyle of indigenous promotes the environmental protection and the sustainable development. Keywords: Environmental Conservation Support Program. Green Grant. Krahô Indians. Protector-receiver
principle. Green Economy. Sustainable Develpment.
1 INTRODUÇÃO A tônica da sustentabilidade, hoje tema forte no meio jurídico e acadêmico, tem norteado muitos dos diplomas legais promulgados nos últimos anos, na tentativa de garantir a implementação dos direitos ambientais previstos pela nossa Constituição. As evidências das influências nefastas do ser humano no meio ambiente, que ocasionou vários problemas ambientais resultou na promoção de leis de proteção do meio ambiente. O Poder Público, tendo o dever de zelar pelo meio ambiente e de garantir à população o pleno gozo de seus direitos (art. 225), tenta implementar políticas públicas que efetivem os preceitos relacionados ao Direito Ambiental presentes no nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, a Lei Federal n° 12.512, de 14 de outubro de 2011, instituiu o Programa de Apoio à Conservação Ambiental, conhecido como “Bolsa Verde, regulamentado pelo Decreto n° 7.572, de 28 de setembro de 2011. Essa norma autoriza a União a transferir recursos financeiros a famílias de extrema pobreza que preservem o meio ambiente do local onde vivem, observadas as condições estabelecidas em lei. O presente trabalho teve como principal objetivo fazer um estudo analítico do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, no contexto da legislação ambiental, com foco no Princípio do Protetor Recebedor, o contexto jurídico no qual ele se enquadra, assim como avaliar a aplicabilidade do “Bolsa Verde” em um caso concreto. O estudo do caso concreto se deu com a oportunidade de visita a uma aldeia indígena da etnia Krahô, no estado do Tocantins, acompanhando os trabalhos realizados pelo projeto O Trabalho da Memória através dos Cantos dentro do Programa PRODOCSON, do Museu do Índio (RJ) / FUNAI, a convite da Prof. Ms. Veronica Aldè do Instituto do Trópico Subúmido da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. A comunidade indígena da etnia Krahô localiza-se na Terra Indígena Krahô, no nordeste do estado do Tocantins, município de Itacajá. Na ocasião, foram avaliados se aquela comunidade preenche os requisitos legais para aplicação do programa “Bolsa Verde”.
2 O PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Atualmente um dos maiores desafios do mundo é dar continuidade ao desenvolvimento e crescimento das nações, porém de forma que não esgote os recursos naturais. O mundo globalizado hoje passa por profundas mudanças sociais, econômicas e
culturais e todo esse movimento tem como palco o planeta em que habitamos, sendo o meio ambiente elemento essencial para a continuidade da nossa existência. Com esse objetivo, a Constituição Federal de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã, no seu papel de lei fundamental do nosso Estado democrático de Direito, traça os princípios que guiam essa relação com o meio ambiente. Nesse sentido, a Carta Magna trouxe no artigo 225 o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que também tem o caráter de dever do Poder Público e coletividade em sua defesa para as presentes e futuras gerações, trazendo assim, elementos para a tutela material do mesmo, o que permite sua proteção sistemática (FURLAN, 2010: p. 95). E mais, a Constituição também tratou sobre o liame entre a defesa do meio ambiente e a atividade econômica. O artigo 170 da Constituição, ao tratar da Ordem Econômica estabeleceu que um dos princípios a serem observados é a “defesa do meio ambiente inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, VI). Esse dispositivo constitucional traz a lume que a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento precisam caminhar juntos, pois desenvolvimento econômico sempre gera algum tipo de impacto ao meio ambiente, porém, devem-se buscar formas para que esse impacto seja o menor possível, bem como devem existir medidas para compensá-lo. (MASCARENHAS, 2008, p. 84). Como diz Furlan (2010: p. 100) ao se analisar o artigo 170 da Constituição, é constatada a busca pelo estabelecimento de um sistema econômico constitucional que reconhece a economia de mercado e seus mecanismos, mas também entendendo que estes não podem ser absolutos. Complementa Furlan que a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), promulgada através do Decreto 2.519 de 1998 como resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), deixa claramente evidenciada a valorização dos bens ambientais, já que em seu preâmbulo reconhece que a biodiversidade possui valor econômico, social e ambiental. (FURLAN, 2010, p. 100). Nesse mesmo sentido é passível de destaque o Protocolo de Nagoya à CDB, de 2010. Os 193 países presentes avançaram em três pontos, considerados pontos chave naquela conferência para a implementação da Convenção Sobre Diversidade Biológica (CDB), sendo estas: a assinatura do protocolo de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade; a criação de um Plano Estratégico para a redução de perda de biodiversidade entre 2011 e 2020 e a sinalização de aporte de recursos financeiros para custeio das ações de conservação da diversidade biológica (IRVING e OLIVEIRA, 2011). Nesse contexto se insere o Desenvomento Sustentável, bem como o conceito de “Economia Verde”, que veio à tona na Conferência do Rio de Janeiro sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em 2012. Segundo Helena Boniatti Pavese, a economia verde está apoiada em três estratégias principais: “(1) a redução das emissões de carbono, (2) uma maior eficiência energética e no uso de recursos e (3) a prevenção da perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos”. (PAVESI 2011: p. 16, grifo nosso). A
autora ainda acrescenta: Para se tornarem viáveis, essas estratégias precisam ser catalisadas e apoiadas por investimentos públicos e privados bem como por reformas políticas e mudanças regulatórias. Deve-se ainda buscar preservar, fortalecer e, quando necessário, reconstruir o capital natural como um ativo econômico crítico e fonte de benefícios públicos, especialmente para aqueles cujas vidas dependem intrinsecamente dos serviços advindos da natureza. (PAVESI 2011: p. 17).
Com o intuito de aliar proteção ambiental à questão econômica, foi inserida no nosso ordenamento jurídico pátrio, no ano de 2011, a Lei n° 12.512, que instituiu o Programa de Apoio à Preservação Ambiental. Tal diploma legal busca criar incentivo público com o intuito de transformar os bens da natureza em uma espécie de “ativo econômico”, sendo a sua proteção recompensada, nos termos da lei. Essa lei federal, juntamente com o Decreto nº 7.572, de 28 de setembro de 2011, que a regulamentou, estabeleceram os parâmetros do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, também denominado de “Bolsa Verde”. De acordo com o próprio texto da lei, o programa tem como objetivos incentivar a conservação dos ecossistemas, entendida como sua manutenção e uso sustentável além de promover a cidadania, a melhoria das condições de vida e a elevação da renda da população em situação de extrema pobreza que exerça atividades de conservação dos recursos naturais no meio rural. A lei também estabelece quais famílias podem ser beneficiárias do programa. O inciso III do artigo 3° da lei supracitada elenca as famílias que ocupam territórios ocupados por populações indígenas como possíveis beneficiárias. Já num aspecto mais prático, o diploma legal institui através de seu artigo 4º que, para receber tais benefícios, as famílias devem encontrar-se em situação de extrema pobreza e serem cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Para realizar seus objetivos, o programa se apóia em repasses financeiros trimestrais no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), com o prazo de até dois anos, podendo este prazo ser prorrogado. O programa tem a Caixa Econômica Federal como agente operador. O programa em questão representa a aplicação prática de um princípio de Direito Ambiental chamado de “princípio do protetor-recebedor”. Como define Célia Regina Ferrari Faganello (2005, p.29 citado por FURLAN, 2010, p. 211): De acordo com o princípio protetor-recebedor, o agente público ou privado que protege um bem natural em benefício da comunidade, devido à práticas que conservam a natureza, deve receber os benefícios como incentivo pelo serviço de proteção ambiental prestado. São exemplos de tais benefícios: a compensaão – a transferência de recursos financeiros dos beneficiados de serviços ambientais para os que, devido a práticas que conservam a natureza, fornecem esses serviços [...].
Tal princípio, segundo Melissa Furlan (2010: p. 211) buscaria efetivar a justiça ambiental e econômica, juntamente com o desenvolvimento sustentável. De acordo com ARAÚJO e SEGUIN (2012, p. 409), a aplicação do Princípio do Protetor Recebedor, envolve, necessariamente, dois fundamentos: (1) ser o meio ambiente “bem de uso comum do povo”, ou seja, que pertence a todos e, portanto, o dever de zelar também é de todos; (2) as externalidades positivas, ou seja, os ganhos resultantes de proteção do meio ambiente também devem ser objeto de valoração, se esses ganhos resultam em serviços ambientais cujo beneficiário é a humanidade presente e futura. Assim, os serviços ambientais
propiciados pelos que cuidam do meio ambiente também devem resultar em benefícios ou incentivos por essa conduta.
Assim, o programa Bolsa Verde apresenta um cunho socioambiental, uma vez que se propõe a combater a pobreza ao mesmo tempo em que promove a preservação ambiental da área onde vive a comunidade a ser beneficiada. (MOURA, 2012: p. 150). Acrescenta Moura (2012. p. 127) que a compra de serviços ambientais, por parte do governo, como no caso do Bolsa Verde, tem caráter de bem público, já que promove a preservação do bioma cerrado em vários aspectos. Está cada vez mais em evidência, o valor econômico dos recursos naturais, eis que deve-se mudar a lógica de socialização das externalidades negativas causadas pela utilização dos recursos naturais e criar benefícios àqueles que protegem o meio ambiente (ARAÚJO, 2011, p. 50), hoje contemplado em alguns dispositivos legais no nosso ordenamento jurídico, como o que trata do programa “Bolsa Verde”. Nesse aspecto, analisar-se-á, em seguida, o potencial da comunidade indígena Krahô para receber esse benefício.
3 A COMUNIDADE INDÍGENA KRAHÔ Para discorrer sobre as conclusões alcançadas após a visita de campo à Terra Indígena Krahô, faz-se necessária breve explicação sobre esse povo, assim como da localidade onde habita. No nordeste do estado do Tocantins está situada a Terra Indígena Krahô, lar dos índios Krahô. À época da demarcação da Terra Indígena, anterior à Constituição de 1988, o referido território fazia parte do estado de Goiás. Os índios Krahô, habitam um território de quase 3 200 quilômetros quadrados, cujo uso e gozo lhes foi concedido pelo governo do Estado de Goiás em 1944. Esse território está situado nos municípios de Goiatins (cujo antigo nome era Piacá) e Itacajá, entre os rios Manoel Alves Pequeno (afluente da margem direita do Tocantins) e Vermelho (afluente do Manoel Alves Grande, que, por sua vez, também desemboca no Tocantins), no norte do referido Estado. (MELATTI, 1978: p. 21)
Os Krahô, juntamente com outros povos compõem o grupo dos Timbira, nome este que também designa o idioma falado por eles, fazem parte da família linguística Jê (MELATTI, 1978: p. 21). Quanto à geografia da área onde habitam, esclarece Melatti que seu território tem altitude que varia, de forma inexata, entre 200 e 500 metros, sendo cortado por várias correntes de água permanentes que fluem para dois rios da região – o Vermelho e o Manoel Alves Pequeno. O clima é quente, com a estação chuvosa predominante durante os meses de outubro a abril. A vegetação, como era de se esperar em pleno Brasil central, é o cerrado (MELLATI, 1978: p. 40). Vegetação farta em frutos comestíveis silvestres, o cerrado oferece aos moradores de tal região diversas opções para a nutrição. As principais frutas silvestres consumidas pelos Krahó são o buriti, a bacaba, o oiti, o caju do cerrado [...] Há um série de outras frutas que colhem, mas que não existem em tão grande quantidade quanto as já citadas: a buritirana, a mangaba, o bacuri, o piqui, a bruta, a piaçava. (MELATTI, 1978: p. 21)
A pesca não ocupa um lugar importante na alimentação Krahô (MELATTI, 1978: p. 41). Bem mais importante para a alimentação desse povo é a caça, apesar da crescente dificuldade em conseguí-la, como explica Mellati: Bem mais importante para a alimentação dos Krahó é o seu esforço aplicado na caça. Entretanto, os animais se tornam cada vez mais difíceis de ser capturados, devido ao decrescimento progressivo de seu número, dada a ocupação da região pelo gado dos civilizados e a concorrência pela caça que os sertanejos fazem aos índios. (MELATTI, 1978: p. 42)
O bioma cerrado, habitat desse grupo indígena, devido ao seu grande potencial tem demonstrado ser uma das últimas reservas de terra capaz de suportar, de imediato, a formação das pastagens e das plantações de cereais. Tudo isso sendo possível devido aos avanços das técnicas de cultivo neste bioma (BARBOSA, 1992). Salienta-se também que, mesmo devido à ocupação antrópica do cerrado, o que comprometeu mais da metade do bioma, este ainda permanece como uma biodiversidade extremamente rica e essencial para sustentar a vida da população que vive na região, como as populações rurais, tradicionais e os povos indígenas (MOURA, 2012: p. 123). É notável, também a importância do bioma cerrado dentro do contexto geográfico e biológico do Brasil. Afinal, 25% do território nacional originalmente era coberto por esse bioma, uma área equivalente a 1,8 milhão de km². Dessa área total, estima-se que 40% já foi alterada (UZUNIAN; FRANCO, 2004). Vale ressaltar que, segundo Carlos A. Klink e Ricardo B. Machado o cerrado “reúne uma das maiores biodiversidades do mundo e, devido a essa excepcional riqueza biológica, é considerado um dos hotspots mundiais, ou seja, um dos biomas mais ricos e ameaçados do planeta”. (2005, p. 147 apud MOURA, 2012, P. 27). O ordenamento jurídico brasileiro, notadamente através da Constituição de 1988, estatui normas constitucionais com o intuito de proteger os povos indígenas brasileiros. Nesse sentido, conforme o artigo 17, §1º da Lei 6.001 de 1973, os índios que habitam as terras indígenas têm exclusividade no que tange à prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa, sendo vedado o exercício de tais atividades a qualquer outra pessoa. Aspecto interessante entre os povos indígenas figura nos possíveis serviços ambientais que podem prestar, fato que é constatado por Braulio Ferreira de Souza Dias: Considerando o enorme acervo de conhecimentos no manejo sustentado de recursos naturais do Cerrado desenvolvido ao longo de milhares de anos (Guidon, 1984 e Schmitz, 1989) por tribos do Brasil Central (Posey, 1984; Posey e Ballé, 1988), não resta dúvida que as reservas indígenas poderão desempenhar papel preponderante na conservação dos recursos naturais desse Bioma. (DIAS, 1990: P. 613)
Também observa Moura (2012, p. 123) que, neste contexto, o pagamento por serviços ambientais apresenta duas vertentes. A primeira seria de um viés didático, objetivando a conscientização sobre os serviços ambientais e sua importância para a qualidade da vida; e o segundo seria a busca pela valorização de quem contribuiu para sua preservação diretamente.
3 . 1 DA
POSSIBILIDADE
DE
IMPLEMENTAÇÃO
DO
PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL COM OS ÍNDIOS KRAHÔ Foi elaborado um questionário, antes da visita de campo à aldeia Krahô, com algumas perguntas pertinentes sobre o tema, para serem direcionadas a alguns membros da aldeia, com o intuito de verificar a viabilidade de implementação da Bolsa Verde com o povo Krahô. Tais perguntas abrangiam aspectos sociais, ambientais, culturais, buscando apurar a viabilidade de implantação do programa “Bolsa Verde”, bem como os impactos dele resultantes, uma vez que o repasse financeiro aos índios por parte do governo federal poderia gerar mudanças no estilo de vida de quem o recebesse. Dos questionários aplicado, primeiramente, verificou-se que grande parte da população da aldeia não possuía, pelo menos de forma aparente, fonte de renda alguma. Uma parte da população sequer falava a língua portuguesa, o que inviabilizaria a inserção no mercado de trabalho no município adjacente, Itacajá. Esta observação torna-se importante, uma vez que o Decreto n° 7.572 de 28 de setembro de 2011 estabeleceu que para participar do “Bolsa Verde” é necessário que o núcleo familiar tenha “renda familiar per capita mensal de até R$ 70,00 (setenta reais)”. Quanto ao estilo de vida dos Krahô e sua possível relação com o objeto do “Bolsa Verde”, a preservação ambiental, foi possível observar que, de acordo com o que disse Mellati, (1978, p. 21 e 42) o extrativismo dos frutos do cerrado e a caça fazem, sim, parte de sua alimentação. No entanto, conforme observado na incursão em campo, não é a principal fonte de nutrição dos mesmos, sendo esta a agricultura. A agricultura, de espécie coivara (técnica agrícola tradicional, na qual há a derrubada da vegetação nativa seguida pela queima da vegetação), tem como alguns de seus gêneros o milho e a mandioca (Mellati, 1978), tendo sido estes dois os mais observados na pesquisa de campo à que se refere esse relatório. O Decreto n° 7.572/2011 vaticina, em seu artigo 4°, o que são, para os efeitos do Programa de Apoio à Conservação Ambiental, atividades de conservação ambiental, sendo estas: a manutenção da cobertura vegetal identificada pelo diagnóstico ambiental da área onde a família está inserida; e o uso sustentável, conforme estabelecido no art. 2º, XI, da Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. De acordo com referido dispositivo legal, o uso sustentável é definido como, “exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável”. É patente que as atividades exercidas pelos Krahô em suas terras, devido às técnicas empregadas em extrativismo vegetal, caça e agricultura, inserem-se nos pré-requisitos ditados nos diplomas legais citados acima. Para elucidar mais o assunto, afirma Arruda: A emergência da questão ambiental nos últimos anos jogou ainda uma outra luz sobre esses modos “arcaicos” de produção. Ao deslocar o eixo de análise do critério da produtividade para o do manejo sustentado dos recursos naturais, evidenciou a positividade relativa dos modelos indígenas de exploração dos recursos naturais e desse modelo da cultura rústica, parente mais pobre mas valioso dos
modelos indígenas. (ARRUDA, 1999).
Da mesma forma como disse Dias (1990: p. 613), citado anteriormente, as técnicas de manejo dos povos indígenas podem ser grandes aliadas na empreitada de promover a conservação ambiental de biomas brasileiros. Da visita de campo realizada junto à comunidade foi possível comprovar que a comunidade indígena dos Krahô cumpre os requisitos para o ingresso no programa, bem como que a inclusão resultaria em benefícios econômicos e sociais para a comunidade. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente4, atualmente há mais de 66.000 beneficiários do Programa Bolsa Verde, espalhados em todos os estados da federação e também pelos órgãos responsáveis como ICMBio (Unidades de Conservação), INCRA (Assentamentos) e SPU (Municípios ribeirinhos). Isso demonstra a importância desse programa, bem como a possibilidade de sua ampliação a comunidades como a dos Krahô.
4 CONCLUSÕES No decorrer da pesquisa bibliográfica foi possível traçar a relação entre o Programa de Apoio à Conservação Ambiental e o princípio de Direito Ambiental conhecido como “princípio do protetor-recebedor”, bem como com o termo Desenvolvimento Sustentável. Foi possível observar também como este princípio pode ser de grande valia para a proteção ambiental e garantir o meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, conforme disposto na Constituição Federal. Foi possível observar também a característica do Programa de Apoio à Conservação Ambiental como sendo um programa de cunho social, além do cunho da preservação ambiental. Da pesquisa de campo realizada na aldeia indígena Krahô Pé de Coco, bem como das observações feitas in locu e, ainda, com base na pesquisa bibliográfica realizada, foi possível constatar a possibilidade da aplicação do Programa de Apoio à Conservação Ambiental na referida comunidade. Os meios de vida do povo Krahô, além de outras exigências legais para a participação no programa demonstram que eles preenchem os requisitos do programa “Bolsa Verde”. Foi possível observar, também, que o estilo de vida dos índios se enquadra na definição legal de “preservação ambiental” uma vez que vivem da caça, agricultura e extrativismo de uma forma de forma sustentável. Quanto aos impactos da aplicação do programa, vislumbra-se que o programa pode propiciar atrativos para aquela região, principalmente visando a manutenção da cultura, do modo de vida, bem como evitando a saída de povos da comunidade em busca de outros meios de sobrevivência. Dessa forma, nota-se que o incentivo criado pela Bolsa Verde pode ser um instrumento de melhoria das condições de vida das populações carentes que presevam o meio ambiente.
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1 Artigo elaborado como parte dos resultados das pesquisas realizadas no projeto intitulado “Desenvolvimento e perspectivas de mercado na busca da sustentabilidade e novas possibilidades comerciais”, conduzido pela Profa. Dra. Luciane Martins de Araújo junto à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), instituição que financia essa pesquisa, no qual o coautor foi pesquisador orientado pela coordenadora do projeto. 2 Aluno de graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Bolsista PIBIC no período de agosto 2012 à agosto 2013. E-mail: rodrigopeclat13@hotmail.com 3 Advogada, Doutora em Ciências Ambientais (UFG), Mestre em Direito, Professora do Mestrado em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, sócia da Rede Gaia Consultoria, membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB/GO. 4 Ministério do Meio Ambiente. Relatório Bolsa Verde. Disponível em: http://www.mma.gov.br/desenvolvimentorural/bolsa-verde/item/9141. Acesso em: 04 ago 2014.
A SUSTENTABILIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NOS CURSOS JURÍDICOS BRASILEIROS Tarcizo Roberto do Nascimento1
RESUMO Apesar da constante preocupação de todos com o meio ambiente, o Direito Ambiental não foi recepcionado como um conteúdo obrigatório no ensino superior até o momento. Entretanto, existe uma luta contínua para mudança deste cenário e nesse sentido destacamos os esforços da Comissão Nacional de Direito Ambiental (CONDA) do Conselho Federal da OAB em prol da sustentabilidade da Educação Ambiental nos cursos jurídicos brasileiros. Palavras Chave: Direito Ambiental, cursos jurídicos, sustentabilidade, desenvolvimento.
ABSTRACT Despite the constant concern of all with the environment Environmental Law was not approved as a required content in higher education to date. However, there is a continuing struggle to change this scenario and accordingly highlight the struggle of the National Commission on Environmental Law (CONDA) of the Federal Council of the Brazilian Bar Association for sustainability of Environmental Education in the Brazilian legal courses. Key Words: Environmental Law, legal courses, sustainability, development.
1 INTRODUÇÃO Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.2
O presente artigo tem como finalidade demonstrar a luta dos educadores jurídicos na inserção e continuidade da disciplina ou conteúdo de Direito Ambiental nos cursos jurídicos Brasileiros. Essa abordagem tem como marco o descobrimento do Brasil, a criação das faculdades de Direito e a introdução do Direito Ambiental como ramo da ciência jurídica, a fim de verificar a evolução ou involução no cenário educacional e as prováveis conquistas obtidas pelos educadores ambientais via Ordem dos Advogados do Brasil. No intuito de identificar as mudanças realizadas na matriz curricular dos cursos jurídicos, procurou-se enfatizar apenas os períodos históricos de maior relevância. Nesse sentido, inicialmente é possível observar, principalmente na educação básica, que a proteção do patrimônio ambiental brasileiro não era o escopo inicial dos governantes, haja vista que os colonizadores se encantaram com as riquezas do país, tendo como principal fonte de renda a exploração dos recursos naturais.
Entretanto, um fato histórico e pouco divulgado que merece um destaque preliminar, foram as leis que os colonizadores criaram durante a ocupação do Brasil para proteger o meio ambiente, antes mesmo do surgimento das faculdades de Direito. Deste modo, cabe salientar que com essa atitude surgia a concepção de proteção do meio ambiente e difusão embrionária da educação ambiental no Brasil. Narloch (2011) os portugueses assim que chegaram ao Brasil, no século 16, instituíram leis ambientais que proibiam o corte abusivo de árvores, com o intuito de proteger as diversas espécies nativas brasileiras, prevendo penalidades aos que desrespeitassem as normas. Apesar da existência do regulamento e da preocupação aparente dos nossos colonizadores, o que encontramos na literatura é a informação de que esse regulamento não foi capaz de segurar o desmatamento, o contrabando de Pau-Brasil e as várias tentativas de invasão movidas pelo interesse em explorar os recursos existentes na nova terra, a qual foi noticiada para os europeus como uma fonte quase que inesgotável de riquezas 4. Em meio ao cenário de destruição do patrimônio ambiental brasileiro, nascem na fase do Império os cursos jurídicos, tendo como principal missão formar a nobreza brasileira que já não encontrava ânimo para as longas viagens à sede da Colônia, ou seja, Lisboa. Diante disso, a Universidade de Coimbra deixa de ser a principal referência de formação dos nossos juristas, nascendo então em solo brasileiro as Faculdades de Olinda e Largo do São Francisco, em São Paulo5. Deve-se ressaltar que, apesar do tamanho continental do Brasil e de seu desenvolvimento iniciado a partir da exploração da madeira do Pau-Brasil, os primeiros cursos jurídicos não contemplavam em sua proposta a oferta das disciplinas de Direito Ambiental, como se verá a seguir:
2 O DESENHO CURRICULAR DOS CURSOS JURÍDICOS E AUSÊNCIA DO CONTEÚDO DE DIREITO AMBIENTAL. Por meio da análise de períodos cruciais, constata-se que o ensino jurídico brasileiro manteve até 1962 um currículo único, sendo inflexível para as instituições de ensino, destacando que só foi realizada uma pequena alteração na matriz em 1854, onde foram inseridas as disciplinas de Direito Romano e do Direito Administrativo, apresentando obrigatoriamente a oferta de nove disciplinas a serem cursadas em cinco anos6. Como visto, o Direito Ambiental, que outrora poderia emergir com os cursos jurídicos, não acendeu a condição de protagonista nos Projetos Políticos Pedagógicos na fase imperial. É preciso que se diga que, mesmo após a proclamação da república, a introdução do Direito Ambiental não aconteceu de forma rápida e fácil. Pelo contrário. Os dados fáticos indicam que com a Criação do Conselho Federal de
Educação7, o ensino do Direito passaria a conter quatorze disciplinas8, a saber: 1. Introdução à Ciência do Direito 2. Direito Civil 3. Direito Comercial 4. Direito Judiciário (com prática forense) 5. Direito Internacional Privado 6. Direito Constitucional 7. Direito Internacional Público 8. Direito Administrativo 9. Direito do Trabalho 10. Direito Penal 11. Medicinal Legal 12. Direito Judiciário 13. Direito Financeiro e Finanças 14. Economia Política Observa-se novamente a ausência da proteção ambiental na concepção educacional brasileira da LDB de 1961. No sentido contrário, verifica-se à indicação da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Declaração da Conferência de Estocolmo9, a necessidade de inserção da educação ambiental no ensino: Princípio 19 É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos. (sem destaque no original).
Na mesma esteira e corroborando com os ideais da ONU para o meio ambiente, a UNESCO promoveu um Encontro Internacional em Educação Ambiental na cidade de Belgrado. Ao final estabeleceu como objetivo o desenvolvimento de um programa mundial de Educação Ambiental, tendo como principais diretrizes10: [...] E. O destinatário principal da Educação Ambiental é o público em geral. Nesse contexto global, as principais categorias são as seguintes: 1. O setor da educação formal: alunos da pré-escola, ensino básico, médio e superior, professores e
os profissionais durante sua formação e atualização[...]
Embora o cenário internacional sugerisse a criação e implantação da educação ambiental, isso só começou a iniciar no Brasil, especialmente no ensino superior, a partir da promulgação da Lei nº 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente em seu artigo 2º, como exposto a seguir: Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...] X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.
Contudo, somente se verifica a efetivação da proposta no campo educacional nos anos 90, por meio dos diversos apelos feitos aos órgãos responsáveis pela regulação do ensino superior no Brasil. Neste contexto, destaca-se a Comissão Nacional de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, um dos principais atores que encabeçaram o clamor nacional pela inclusão da disciplina ou conteúdo de Direito Ambiental nas Faculdades de Direito do Brasil, integrando também o bramido dos defensores da implantação da EA a CONDA teve um papel relevante na criação da Lei n. 9.795 de 27 de abril de 1999 que instituiu a Politica Naional de Educação Ambiental.
3 A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL Notadamente Hermans11 destaca que em 1991, o Presidente do Conselho Federal da OAB, Marcelo Lavennere, editou ato criando a Comissão Nacional de Direito Ambiental (CONDA), enviando o ofício n. 018/9112 para todos os Presidentes estaduais da OAB, indicando o objetivo da Comissão. [...] 1. Proceder a estudos da doutrina, jurisprudência e legislação, brasileira e de direito comparado, visando manter a entidade atualizada sobre a evolução do Direito Ambiental. 2. Proceder a análise e fornecer recomendações à entidade, sobre projetos de leis, programas e alterações de medidas legislativas e administrativas, pretendidas pelas entidades e órgãos públicos responsáveis pela proteção ambiental no País, visando manifestações oficiais da Ordem [...]
Pode se afirmar que a Comissão Nacional da OAB tem uma função essencial na assessoria da própria OAB e de outros órgãos públicos e da sociedade em continuidade observa-se que a CONDA pode: 3. Elaborar minutas de representações e/ou ações judiciais a serem encaminhadas pela entidade junto a órgão e entidades públicas ou ao poder judiciário, na defesa dos interesses da proteção ambiental. 4. Participar de seminários, simpósios, congressos e outras atividades pertinentes ao Direito Ambiental, debatendo os assuntos colocados à discussão ou apresentando teses, projetos e programas que visem o aperfeiçoamento dos mecanismos jurídicos de proteção ambiental.
Deve-se ressaltar que a CONDA já surgiu com objetivo de participar de todos os eventos que envolvam a discussão da proteção do meio ambiente.
5. Representar a Presidência da entidade, quando solicitada, em eventos relacionados com a proteção ambiental, realizados no País e/ou no exterior. 6. Elaborar minutas de projetos de leis, decretos e outros atos, a serem encaminhados pela entidade, aos órgãos públicos competentes, como recomendações ou sugestões. 7. Organizar eventos relacionados com o Direito Ambiental, a serem patrocinados ou copatrocinados pela entidade. 8. Manifestar-se em todos os assuntos relacionados com a proteção do meio ambiente, que requeiram posicionamentos da entidade. 9. Estimular a criação de Comissões, ao nível das Seccionais, articular o desenvolvimento de atividades comuns, relativas à proteção ambiental. SALA DE REUNIÃO DA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, BRASÍLIA, 6 DE JULHO DE 1991.
Os objetivos acima retratam a visão futurística e desafiadora em que nasceu a CONDA, a qual teve e tem um papel fundamental na inserção do Direito Ambiental no ensino jurídico brasileiro. Destaca-se que em 1992 a Comissão de Direito Ambiental ganhou uma importância ainda maior, haja vista que a Conferência Nacional dos Advogados, órgão consultivo máximo do Conselho Federal13, recomendou a transformação da CONDA de caráter temporário para permanente. Com isso a luta do jus ambiental e de sua inclusão no ensino dos futuros operadores do direito, ganhou novos ares ao ser inserido na pauta de todas as Comissões que foram instaladas no Conselho da OAB. O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 18, IX da Lei nº 4.215/63, de 27 de abril de 1963, tendo em vista as recomendações aprovadas na XIV Conferência Nacional da OAB, realizada em Vitória - ES, em setembro de 1992, e o que consta do Processo CP nº 3.680/92, RESOLVE baixar o seguinte provimento: Art. 1º As Comissões Permanentes do Conselho Federal, de livre designação e dispensa pelo Presidente, e presididas por Conselheiros Federais, são assim definidas: I - Comissão de Direitos Humanos; II - Comissão de Estudos Constitucionais; III - Comissão de Ensino Jurídico; IV - Comissão de Exames de Ordem; V - Comissão de Direitos Difusos e Coletivos; VI - Comissão de Direito Ambiental; VII - Comissão de Acesso à Justiça; VIII - Comissão de Sociedades de Advogados; IX - Comissão Nacional de Direitos Sociais14. [...]
Ao mesmo tempo em que sua criação passava a ser definitiva, a luta pelo meio ambiente e principalmente pela introdução do ensino nos currículos universitários com ênfase no direito, ganhava destino certo nas reivindicações pautadas pela CONDA. Com essa aspiração, foi realizado o I Encontro Nacional de Advogados sobre o Meio Ambiente, no ano de 1994, em Salvador/BA, tendo como escopo a troca de informações jurídicas no âmbito ambiental, a coleta de dados, e a difusão da Educação Ambiental no
país. Ao término do evento, os participantes divulgaram um documento com inúmeras proposições que passaram a fazer parte da luta da CONDA, como se vê na carta dos advogados ambientalistas brasileiros: Reunidos na cidade de Salvador-BA, de 16 a 18 de junho de 1994, os participantes do I Encontro Nacional do Advogado Sobre o Meio Ambiente, reconhecendo que o Direito Ambiental busca e defende a integração natureza humanidade, visando à preservação do planeta para as presentes e futuras gerações, em harmonia com os princípios globais do desenvolvimento sustentável, acordam, por aclamação, aprovar e tornar pública a presente Carta, com as seguintes proposições:
01.
Participação da OAB no CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente);
02.
Presença da OAB nos Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente já criados e nos que venham a se constituir;
03.
Inclusão de questões de Direito Ambiental no Exame de Ordem;
04.
Inclusão de questões de Direito Ambiental nos concursos para ingresso na Magistratura, Ministério Público, Procuradorias dos Estados, Distrito Federal e demais carreiras jurídicas.
05.
Inclusão, como disciplina autônoma, nos currículos dos cursos de graduação, especialmente os de Direito, do Direito Ambiental;
06.
Participação obrigatória de advogado na equipe multidisciplinar elaboradora dos EIA/RIMA, cumprindo aos Conselhos Seccionais da OAB fiscalizar essa participação;
07.
Estímulo à criação de comissões de Meio Ambiente em todas as Seccionais e Subseções da OAB, naquelas que não as possuam incrementando a integração entre todas elas, e das mesmas com a comunidade científica, entidades ambientalistas, sociais e profissionais com a inserção na área ambiental;
08.
Inclusão de painel de Direito Ambiental em todas as Conferências Nacionais e Estaduais da OAB [...] (sem destaque no original).
As proposições em destaque demonstram a busca da CONDA pela propagação da Educação Ambiental (EA) dentro do ensino brasileiro, em especial nas universidades, centros universitários e faculdades. A CONDA, a fim de alcançar o seu objetivo, reuniu esforços com outras entidades e Comissões, realizando eventos em prol da aceitação de sua proposta, tendo como parceiro fundamental em sua batalha a Comissão Nacional de Ensino Jurídico (CNEJ)15 da OAB, que recepcionou a ideia e participou da interlocução junto ao Ministério da Educação.
4 A CNEJ, A CONDA E O DIREITO AMBIENTAL Nesse contexto, enfatizam-se as mudanças ocorridas a meados de 1994, com a edição da Portaria 1.88616, expedida pelo Ministério da Educação, que teve como principal função fixar as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico. Entretanto, apesar dos pedidos formulados à época pelos especialistas em educação jurídica da OAB,
a Portaria não contemplou de forma explícita o conteúdo de Direito Ambiental, ficando a cargo das Instituições de Ensino Superior (IES) a interpretação da Portaria. Contudo, algumas IES, principalmente na região norte do país, compreenderam que o parágrafo único do artigo 6º permitia a inclusão do conteúdo de ambiental no Projeto Pedagógico do Curso direito e passaram a adotar a EA em sua estrutura curricular de forma parcimoniosa e espaça durante o curso. Art. 6º. O conteúdo mínimo do curso jurídico, além do estágio, compreenderá as seguintes matérias, que podem estar contidas em uma ou mais disciplinas do currículo pleno de cada curso: I - Fundamentais Introdução ao Direito, Filosofia geral e jurídica, ética geral e profissional), Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência Política (com Teoria do Estado), II - Profissionalizante Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e Direito Internacional. Parágrafo único. As demais matérias e novos direitos serão incluídos nas disciplinas se desdobrar o currículo pleno de cada curso, de acordo com as suas peculiaridades e com observância de interdisciplinariedade. (sem destaque no original)
Ressalta-se que a prática da pulverização do conteúdo de Direito Ambiental em outras disciplinas ou sua oferta optativa na matriz curricular do curso, como possibilitava o art.6º, não obteve um efeito satisfatório. Observa-se que a Promulgação da Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA, teve um papel fundamental na inserção da EA nas faculdades de direito, sendo um verdadeiro divisor de águas. Após a lei, foi instalado em 2002 o Comitê Assessor do Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental (OG-PNEA) formado por representantes de 13 setores da sociedade, incluindo o Conselho Federal da OAB como membro titular17. Ressalta-se que foram indicados integrantes da CONDA para participar do respectivo conselho, agregando, também, uma nova energia para os pleitos da Comissão. Enfatiza-se que após a inclusão a CONDA continuou seu combate, tendo como primeira vitória a inserção de questões de Direito Ambiental na prova da Ordem dos Advogados do Brasil. Perante as recomendações realizadas, pelos integrantes da CONDA, foram inseridas na primeira fase do Exame de Ordem Unificado questões que versam sobre o Direito Ambiental18, o propósito inicial foi avaliar o conhecimento mínimo daquele candidato que deseja ser advogado no âmbito jus ambiental. Entretanto a Comissão conseguiu realizar uma verdadeira reforma silenciosa nos currículos jurídicos brasileiros a partir da cobrança das questões na prova da OAB, o que forçou as IES a ofertarem o conteúdo de forma voluntária até alteração do currículo em vigor. Vale frisar que a mudança da estrutura curricular só ocorreu em 2004, todavia novamente os pedidos formulados pela CONDA e CNEJ em prol da EA, no texto da Resolução n. 0919 do Conselho Nacional de Educação, não foram introduzidos.
Porém, a idéia da EA continuou sendo defendida pela CNEJ, que abordou o tema no IX SEMINÁRIO DE ENSINO JURÍDICO20, como observa Fagundez21, que considera “inadmissível, em pleno século XXI, um curso jurídico que não contemple disciplinas como o Direito Ambiental”. Desse modo, a CONDA continuou sua luta alcançando uma grande vitória com a obrigatoriedade do ensino do Direito Ambiental, ainda que de forma transversal, como indica o parecer CNE/CP n.14/201222, ao estabelecer as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino do Direito Ambiental. Art. 16. A inserção dos conhecimentos concernentes à Educação Ambiental nos currículos da Educação Básica e da Educação Superior pode ocorrer: I - pela transversalidade, mediante temas relacionados com o meio ambiente e a sustentabilidade socioambiental; II - como conteúdo dos componentes já constantes do currículo; III - pela combinação de transversalidade e de tratamento nos componentes curriculares. Parágrafo único. Outras formas de inserção podem ser admitidas na organização curricular da Educação Superior e na Educação Profissional Técnica de Nível Médio, considerando a natureza dos cursos.
Rodrigues (2005. p.194) ao reconhecer a obrigatoriedade da oferta do Direito Ambiental nos cursos jurídicos, enfatiza que a EA não pode ser trabalhada isoladamente e sim de forma integrada ao Projeto Pedagógico, possibilitando o desenvolvimento interdisciplinar, congregando diferentes saberes que permitam o conhecimento dos problemas atinentes ao meio ambiente, permitindo assim a formação de uma consciência ética ambiental por parte do aluno. Diante disso, as IES devem observar que: [...] Tendo em vista a obrigatoriedade da educação ambiental decorrente de normas específicas, os projetos pedagógicos dos cursos de Direito têm de demonstrar como será ela trabalhada, considerando as suas peculiaridades e as diretrizes específicas trazidas pela legislação pertinente. 23
Não obstante a obrigatoriedade do desenvolvimento transversal da EA nos currículos dos cursos de Direito, o que se observa ainda até o momento é o desconhecimento desta regra por parte de alguns gestores de IES e de idealizadores de Projetos Pedagógicos.
5 DADOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO SUPERIOR Corroborando com o entendimento exposto, constatam-se os dados oriundos da Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental – RUPEA, criada em 2001 com finalidade de implementar, no âmbito da IES, programas de Educação Ambiental, tendo realizado dois encontros com a participação de integrantes das seguintes universidades: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Centro
Universitário Moura Lacerda (CUML), Centro Universitário Fundação Santo André (FSA), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 24 Observa-se que o estudo realizado em 2005 pela RUPEA demonstra um avanço na implantação da EA nos cursos brasileiros, ainda que de forma tímida, uma vez que de 27 IES mapeadas, apenas 22 responderam as indagações como aponta o relatório.
Fonte: http://www.projetosustentabilidade.sc.usp.br25
A pesquisa da RUPEA demonstrou ainda que:
Fonte: http://www.projetosustentabilidade.sc.usp.br26
Com base nos dados apresentados pela RUPEA, constata-se no universo pesquisado, uma oferta de 38 disciplinas na graduação, 17 no doutorado/mestrado e apenas 1 na especialização, sendo que a exigência da EA nos cursos stricto sensu e lato sensu ainda é pequena. Destaca-se que a apresentação do RUPEA também compartilhou do mesmo pensamento da CONDA ao indicar a necessidade de inserção nas escolas jurídicas de uma oferta ampla de EA, a fim de formar educadores ambientais, socializar a experiência em EA nas IES, elaborar políticas públicas específicas e reformular seus currículos.
6 MUDANÇA NO MARCO REGULATÓRIO DO ENSINO JURÍDICO E A INCLUSÃO DA EA Na perspectiva de mudanças nas Diretrizes Curriculares do ensino jurídico, a OAB passou a ter uma interlocução ainda maior com o Ministério da Educação. Foi firmado em
março de 2013, mediante assinatura do Presidente da OAB nacional e do Ministro da Educação, um acordo de cooperação técnica a fim de possibilitar a apresentação de uma nova proposta para o marco regulatório do ensino jurídico. A primeira ação realizada após assinatura do documento foi a criação de uma comissão composta por integrantes do MEC e da OAB. Ademais, destaca-se que a OAB de pronto anunciou por intermédio do seu Presidente que realizaria audiências públicas em todo o país para ouvir a opinião e sugestões dos gestores, docentes, coordenadores de cursos e discentes em todo o Brasil por intermédio das suas Seccionais27. Vale frisar que a CONDA, por intermédio do seu presidente, iniciou sua odisseia em busca da inserção do Direito Ambiental na proposta do novo marco regulatório, tendo como base o trabalho proposto pela Comissão Permanente de Meio Ambiente da OAB/SP28. Além disso, vale frisar que os representantes da CONDA e das comissões congêneres realizaram uma mobilização nacional a fim de participar em todas as audiências públicas realizadas pela OAB colocando em discussão o tema. Deve-se notar que os esforços contínuos da CONDA ecoaram na proposta dos integrantes da CNEJ, que ao terminarem as 32 audiências públicas indicaram no relatório a seguintes proposições29: Redução do período de aplicação do ENADE, de a cada três anos para aplicação anual; Estabelecimento da necessidade social como requisito para autorização de oferta de curso de direito; Inclusão de novos conteúdos no atual currículo dos cursos de graduação em Direito, tais como Direito Eleitoral, Direito da Tecnologia da Informação, Mediação, Conciliação e Arbitragem, Direito Previdenciário, Direitos Humanos e Direito Ambiental [...];
A plenitude da proposta da CNEJ ainda será avaliada em âmbito interno pelo Ministério da Educação e provavelmente pelo Conselho Nacional de Educação.
7 CONCLUSÃO Em poucas palavras, conclui-se que o Direito Ambiental já deixou de figurar na periferia dos conteúdos que não eram lembrados pelos idealizadores de Projeto Político Pedagógico. Outrossim, é certo que sua efetividade não chegou ao patamar desejado pelos educadores ambientais, nem tão pouco pelos guardiões da luta de sua inserção como disciplina obrigatória nas estruturas curriculares. Entretanto, vale frisar o grande papel desbravador da CONDA, que desde os primórdios carregou a bandeira da EA lutando pela sua inclusão em todas as esferas do ensino e em especial nos cursos jurídicos. A conquista da proposta ainda não foi alcançada em sua plenitude. No entanto, apesar dos avanços, a CONDA continua sua batalha tendo como escopo a proteção do
meio ambiente e propagação do ensino. Em definitivo percebe-se que a admissão da EA como disciplina/conteúdo é apenas uma questão de tempo, haja vista que esse pleito já se tornou uma cláusula pétrea, sendo que a sustentabilidade do Direito Ambiental nas faculdades brasileiras já é garantida pela sua própria natureza, a que da continuidade da vida na Terra.
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1998. BRASIL. Lei 4.024. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 dez. 1961, p. 11429. BRASIL. Lei n. 9795. 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 1999. BRASIL. Conselho Federal de Educação. Parecer n. 215 e Resolução do Conselho Federal da Educação, de 15 de setembro de 1962. Fixa o currículo mínimo e determina a duração do curso de Direito. Separata de Documento nºs 10 e 1 por Celso Kely, Amílcar Osório e Félix de Athayde. BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 1886, de 30 de dezembro de 1994. Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico. Diário Oficial da União. Brasília, 4 jan. 1995. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 1. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP n.14/2012 - PARECER HOMOLOGADO. Despacho do Ministro, publicado no Diário Oficial da União, Brasília – DF, de 15 jun. 2012. Seção 1, p. 18. BRASIL. Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Vade Mecum. 10 ed. São Paulo: Rideel, 2010. CASTRO, Silvio. A Carta de Pero Vaz de Caminha. O Descobrimento do Brasil. Porto Alegre: L&PM, 2009. CONSELHO FEDERAL DA OAB. Cezar Britto cumpre promessa e realiza 1º Exame de Ordem Unificado no país. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/18857/cezar-brittocumpre-promessa-e-realiza-1-exame-de-ordem-unificado-no-pais>. Acesso em: 25 set. 2014. FAGUNDEZ, Paulo Roney Ávila. OAB Ensino Jurídico – O futuro da universidade e os cursos de direito: novos caminhos para a formação profissional. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2006, p. 80. HERMANS, Maria Artemísia Arraes. Meio Ambiente: memória e compromissos da Ordem dos Advogados do Brasil: 1989/2012. 2. ed. Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão
Nacional de Direito Ambiental, 2012. NARLOCH, Leandro. Guia politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Leya, 2011. p. 57-58. OAB apresenta proposta para aprimoramento do ensino jurídico ao MEC. Migalhas, São Paulo, 18 fev. 2014. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI195695,61044OAB+apresenta+proposta+para+aprimoramento+do+ensino+juridico+ao+MEC>. Acesso em: 08 set. 2014. OS PRIMEIROS passos, no Brasil Colônia. Disponível em: http://www.abmbrasil.com.br/quem-somos/historico/os-primeiros-passos/ Acesso em: 09 set. 2014. ONU. Declaração de Estocolmo de 1972. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc>. Acesso em: 03 set 2014. RODRIGUES, Horacio Wanderlei; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil, diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002.
1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Especialista em Direito e Gestão Educacional pelo Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (ILAPE), Advogado, Mestrando em Direito e Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 2 Artigo 225 da Constituição Federal do Brasil. 4 Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel - 01 de Maio de 1500 – acessado no site http://www.abmbrasil.com.br/quem-somos/historico/os-primeiros-passos em 03/09/2014 5 Rodrigues, Horácio Wanderlei, pensando o ensino do direito no século XXI: diretrizes curriculares projeto pedagógico e outras questões pertinentes – Florianópolis: Fudanção Boiteux, 2005, p. 25. 6 Parecer n. 0055/2004/Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Superior – aprovado em 18/2/2004. 7 Criado pela Lei n. 4.024/61 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 8 Currículo mínimo criado pelo Parecer n.215 do Conselho Federal de Educação – publicado in Documenta nº 8 – outubro de 1962, p. 81/83. 9 Declaração da Conferência de ONU no Ambiente Humano, Estocolmo, 5-16 de junho de 1972. 10 http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/crt_belgrado.pdf 11 Hermans, Maria Artemísia Arraes. Meio Ambiente: Memória e Compromissos da Ordem dos Advogados do Brasil: 1989/2012 – Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão Nacional de Direito Ambiental, 2012. 2. Ed. p.11 12 Ibid. p. 40. 13 Artigo 145 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. 14 Provimento n. 76 de 1992 do Conselho Federal da OAB publicado no DJ, 11.01.93, p. 66 e revogado pelo Provimento n. 115/2007 publicado no DJ, (DJ, 16.03.2007, p. 978, S.1), entretanto o Provimento 115 prevê que a CONDA tem caráter permanente. 15 Criada pelo Provimento n. 115/2007. 16 Publicado no DOU de 04.01.1995. 17 Hermans, Maria Artemísia Arraes. Meio Ambiente: Memória e Compromissos da Ordem dos Advogados do Brasil: 1989/2012 – Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão Nacional de Direito Ambiental, 2012. 2. ed. p.11 18 O Exame de Ordem da OAB foi unificado em 2010, conforme notícia publicada no site oficial do Conselho Federal da OAB - http://www.oab.org.br/noticia/18857/cezar-britto-cumpre-promessa-e-realiza-1-exame-de-ordem-unificado-
no-pais. 19 CNE. Resolução CNE/CES 9/2004. Diário Oficial da União, Brasília, 1º de outubro de 2004, Seção 1, p. 1. 20 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ENSINO JURÍDICO – O futuro da Universidade e os Cursos Jurídicos de Direito Novos Caminhos para a formação profissional – realizado em Goiânia/GO – 3 a 5/2006. 21 Fagundez, Paulo Roney Ávila – OAB Ensino Jurídico – O futuro da universidade e os curós de direito: novos caminhos para a formação profissional, 2006, p. 80. 22 PARECER HOMOLOGADO Despacho do Ministro, publicado no D.O.U. de 15/6/2012, Seção 1, p. 18. 23 Rodrigues, Horácio Wanderlei, Pensando o ensino do direito no século XXI: Diretrizes Curriculares projeto pedagógico e outras questões pertinentes, Florianópolis, Boiteux, 2005. p. 196. 24 Dados extraídos do site http://www2.uefs.br/rupea/apresentacao.htm em 08/09/2014. 25 Dados extraído do site www.projetosustentabilidade.sc.usp.br/index.../RUPEA_17nov2011_.ppt em 08/09/2014. 26 Ibid. 27 http://www.oab.org.br/noticia/25343/acordo-pioneiro-entre-oab-e-mec-fecha-balcao-dos-cursos-de-direito? argumentoPesquisa=formsof(inflectional,%20%22MARCO%22)%20and%20formsof(inflectional,%20%22REGULAT%C3% – acessado em 08/09/2014. 28 http://www.oab.org.br/noticia/25343/acordo-pioneiro-entre-oab-e-mec-fecha-balcao-dos-cursos-de-direito? argumentoPesquisa=formsof(inflectional,%20%22MARCO%22)%20and%20formsof(inflectional,%20%22REGULAT%C3% – acessado em 08/09/2014. 29 http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI195695,61044OAB+apresenta+proposta+para+aprimoramento+do+ensino – Acessado em: 08 set. 2014.
Table of Contents O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL Beliza Martins Pinheiro Câmara José Antônio Tietzmann e Silva ANÁLISE DA NATUREZA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE: OBJETO TUTELADO PELO DIREITO OU SUJEITO DE DIREITOS? Carolina Arantes Neuber Lima DIREITOS SOCIAIS, RESERVA DO POSSÍVEL E MEIO AMBIENTE – ENTRE O CONSTRANGIMENTO ORÇAMENTÁRIO E A PROTEÇÃO AMBIENTAL Elmo José Duarte de Almeida Júnior A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS AMBIENTAIS Fernanda Rodrigues Pires de Moraes A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E O DIREITO INTERNACIONAL - COMENTÁRIOS A PARTIR DAS PERSPECTIVAS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) PARA A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE Francisca Soares de Lima O NOVO CONSTITUCIONALISMO LATINO AMERICANO E O MEIO AMBIENTE Hugo de Angelis Bastos Pereira A REDISCUSSÃO DA TRADIÇÃO HUMANISTA BASEADA NA ECOLOGIA PROFUNDA E O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO Ingrid Paula Gonzaga e Castro O PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Javahé de Lima Júnior OS OBSTÁCULOS PARA A EFETIVIDADE DA GOVERNANÇA AMBIENTAL EM NÍVEL INTERNACIONAL José Antônio Tietzmann e Silva Tâmara Rigo Guimarães de Macedo Bento Ticcyane Andrea Araújo O DIREITO DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS Lanker Vinícius Borges Silva Landin THE PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES TO REDUCE THE DEFORESTATION IN TROPICAL COUNTRIES Luciane Martins de Araújo OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE URBANA Plínio de Melo Pires ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS, UMA REALIDADE NO ATUAL CENÁRIO AGRÍCOLA BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE Renata Carvalho Cardoso A BUSCA DA SUSTENTABILIDADE ATRAVÉS DO “PROGRAMA DE APOIO À CONSERVAÇÃO AMBIENTAL” JUNTO A UMA TRIBO INDÍGENA KRAHÔ Rodrigo Péclat de Sousa Luciane Martins de Araújo
A SUSTENTABILIDADE DO DIREITO AMBIENTAL NOS CURSOS JURテ好ICOS BRASILEIROS Tarcizo Roberto do Nascimento