Entrevista - José Eduardo Agualusa

Page 1

José Eduard

Lázaro Ramos interpretou, Lula Buarque de Hollanda realizou e José Eduardo Agualusa imaginou, ou melhor, sonhou. Falamos da história do filme «O Vendedor de Passados». O filme marcou a abertura da edição 2015 do FestIN e a METROPOLIS entrevistou o consagrado escritor angolano sobre esta inspirada e curiosa história. tatiana henriques Como surgiu a história deste «O Vendedor de Passados»? Bem, na verdade, surgiu com um sonho. Sonhei com a personagem e escrevi um conto. 158 metropolis Maio 2015

Na altura, vivia em Berlim e escrevi um conto passado em Berlim com este personagem, que vendia passados, um conto que se passava num bar brasileiro em Berlim. Esse conto foi publicado no Público – na altura escrevia para o Público –, e as pessoas gostaram, falaram um pouco, recebi alguns comentários e comecei a perceber que aquele personagem era maior do que um conto, que poderia escrever um romance. Comecei a escrever o romance a partir do personagem. É estranho ver os actores a darem vida ao seu texto? Acho que é interessante,


do Agualusa em entrevista

como no teatro. Também já escrevi várias peças para teatro e o interessante é que aquilo que a gente escreve só começa a acontecer quando os actores o colocam no palco. Com o cinema é bastante diferente porque a gente escreve o livro e não está a pensar se vai ser adaptado para o cinema ou não. Tenho outros dois livros que até começaram por ser roteiros, mas não neste caso, nem nunca imaginei. Esteve envolvido no processo de elaboração do filme? Como foi realizado este contacto? O Lula [Buarque de Hollanda] falou comigo. Conhecia o trabalho do Lula como documentarista, ele tem dois documentários que eu gosto muito, um sobre o Pierre Verger (que tem narração do Gilberto Gil) e um outro sobre a Velha Guarda da Portela. Tinha gostado muito dos documentários, falámos, fomos ficando amigos. O cinema é um processo complicado, sempre longo, vamos falando… Lembro-me que participei numa ou duas reuniões na Conspiração por causa da adaptação do livro, lembro-me de ter dado algumas sugestões, que

a ideia era adaptar à realidade carioca, seria sempre uma outra coisa. Mas depois afastei-me porque também tinha outras coisas para fazer. Mas eu sou amigo do Lázaro Ramos, aliás, acho que o Lázaro está extraordinário no filme. O Lázaro tem realmente uma presença incrível neste filme. Aliás, vou exigir que o Lázaro esteja presente em todas as futuras adaptações de livros meus. Era o actor que imaginava para interpretar o protagonista? Era o actor que eu queria. Lembro-me de ter falado nisso ao Lula, lembro-me perfeitamente que gostaria que fosse o Lázaro. Pensa que por o filme se passar no Brasil e não em Angola [país onde a história tem lugar no livro], poderá retirar-se algum do seu contexto inerente? Penso que se podem fazer 300 filmes diferentes. É curioso que, logo depois de termos vendido ao Lula, apareceu uma proposta americana. A verdade é essa: podem fazer-se muitos filmes diferentes. O Lula, inclusive, está

a pensar transformar agora numa série, porque a partir da ideia dá para fazer tudo. Evidentemente, se o filme fosse feito no contexto angolano seguindo o livro de forma mais próxima, seria um outro filme. Este livro é o meu livro mais traduzido, está traduzido em 23 ou 24 línguas, de vez em quando vou apresentá-lo em alguns países. Percebo isso, que em alguns países em particular, por exemplo, na Alemanha do Leste, em países que sofreram uma transição política semelhante à angolana, países que eram socialistas e que depois se transformaram em países capitalistas e algumas pessoas enriqueceram de forma ilícita e não conseguem explicar a riqueza… Em países assim, o livro é lido de uma forma muito mais próxima, como em Angola, porque as pessoas reconhecem-se naquela mudança política. Mas em quase todos os países é possível imaginar uma situação deste género. E gostou do resultado final? Sim, sim, achei interessante e gostei muito da presença do Lázaro, como disse antes.

Maio 2015 metropolis 159


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.