Entrevista a João Ferreira (Queer Lisboa 2015)

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festivais O Festival Internacional de Cinema Queer está de regresso para a sua 18.ª edição, naquela que promete ser uma das “melhores de sempre”. Este ano, o Festival dedica um programa a África, uma retrospectiva a John Waters, além de uma extensão para a cidade do Porto. A METROPOLIS conversou com João Ferreira, Director Artístico do Festival, para ficar a par de todas as novidades.

queer lisboa joão ferreira em entrevista

entrevista Tatiana Henriques

O que podemos esperar para esta nova edição do Queer? A edição deste ano vai ser, por várias circunstâncias que se reuniram, uma das melhores edições de sempre, com mais de 130 filmes. Coincidiu que tivemos uma encomenda, do programa Africa.Cont, portanto vamos ter um programa dedicado ao continente africano. Conseguimos também organizar este ano um projecto que já temos pendente há vários anos, uma retrospectiva do John Waters, que vamos fazer a primeira parte este ano. Tivemos também o programa europeu Média a que concorremos e permite-nos um reforço na programação, nomeadamente em termos de títulos de produção europeia. Tudo isto a juntar às secções já regulares do Festival vai fazer com que esta seja uma das maiores edições de sempre. E isso também implicou irmos para outros espaços,

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para além do Cinema S. Jorge, que vamos ocupar principalmente com a competição, vamos estar nas duas salas da Cinemateca durante as mesmas horas do Festival e, uma semana depois, vamos estar também na Casa das Artes, no Porto. É a primeira vez que o Festival vai para o Porto? Fizemos há muitos anos, no início do Festival, uma vez uma extensão – na altura foi no Teatro do Campo Alegre –, mas não, nunca regressámos ao Porto depois disso. Há vários anos que temos tentado com várias entidades mas nunca foi possível. Este ano, finalmente, reuniram-se as condições e o Porto é um projecto para continuar, ou

seja, este ano vai estar o John Waters, mas a partir de 2015 vamos fazer a primeira edição do que será o Queer Porto. Pode falar-me de alguns dos principais filmes desta edição? Vamos abrir este ano com o «Hoje Eu Quero Voltar Sozinho», do Daniel Ribeiro – que já tínhamos apresentado uma curta-metragem que é «Eu Não Quero Voltar Sozinho» –, que estreou na Berlinale em Fevereiro passado, vai ser a nossa noite de abertura. O encerramento vai ser com um filme brasileiro, «Flores Raras», do Bruno Barreto, que conta a história da escritora americana Elizabeth Bishop e da relação dela com uma arquitecta paisagista brasileira,


também procurar o equilíbrio entre ter alguns cineastas já consagrados e que acompanhamos há muitos anos no Festival mas também dar a conhecer, ou melhor, pôlos em diálogo com jovens realizadores que estão agora, muitos deles, com a primeira longa-metragem e que também têm os seus trabalhos aqui em competição. Tentamos encontrar este equilíbrio do que é importante e pertinente em termos narrativos, o que está a ser mais arriscado em termos estéticos e, no fundo, filmes que estejam a contribuir para continuar a construir este género, que é o cinema queer. O Festival chega agora à maioridade. Que balanço faz ao longo dos anos?

que é interpretada pela Glória Pires. São dois dos destaques que temos para este ano. De outros filmes, destacaria talvez o «Party Girl», que foi um filme que foi apresentado este ano em Cannes e que está em competição para longa-metragem. É muito interessante na forma como mistura documentário com ficção, os realizadores constroem com elementos da sua família esta ficção, passada ali na fronteira entre a França e a Alemanha e é uma história sobre uma mulher que resolve mudar a sua vida já na idade da reforma mas que depois tem uma surpresa no final. Quais foram os critérios de escolha para os filmes seleccionados?

Para a escolha da competição temos sempre um critério técnico principal que é o facto de a produção ser deste ano ou do ano passado, serem filmes muito recentes, com pouco mais de um ano e meio desde a data da sua estreia. Interessa-nos sempre

João Ferreira

O Festival teve um percurso tumultuoso, digamos. Quando aparece é o único Festival em Lisboa e tinha características muito diferentes, precisamente porque acabava por englobar – e se calhar isso também ajudou a definir um bocadinho a linguagem do Festival –, incluía muitos filmes que ainda não entravam, na altura, no circuito comercial e o Festival Gay e Lésbico de Lisboa era a montra para esses filmes. Depois há um período de redefinição quando o Doc vem para Lisboa e quando o Indie surge. Há uma adaptação. Tivemos que nos adaptar também à programação desses festivais e procurar novamente definir a sua linguagem – isto falando em termos da política de programação. Há também depois Setembro 2014 metropolis 139


todo o lado financeiro. Houve um período muito complicado precisamente a meio do Festival, na 7.ª edição, em que perdemos grande parte dos apoios, perdemos salas e foi um bocadinho começar do zero – coincidiu também com a chegada dos outros festivais. O Festival tem vindo, felizmente, sempre a crescer desde aí e, ano após ano, tem conquistado novos apoios, mais público e, felizmente, tem tido essa carreira ascen140 metropolis Setembro 2014

dente desde essa altura. Como vê a evolução do género queer no mundo e mais particularmente em Portugal? O cinema queer tem uma característica que, no fundo, parte muito mais da leitura que nós fazemos dos filmes, ou melhor, é muito mais interessante pensar o cinema queer como uma leitura, a forma como nós olhamos para o Cinema, do que propriamente

um género em que, à partida, um realizador vai trabalhar, como acontece com o melodrama, o western, o thriller, que são géneros que são construídos à partida. O que torna muito mais rico o cinema queer, porque, no fundo, ele acaba por abarcar todos esses géneros. Encontramos elementos queer em todos os géneros cinematográficos, em toda a História do Cinema. Por isso é que acho que é um cinema que está sempre em


«Hoje eu Quero Voltar sozinho» baixo: «Touki Bouki» ; «Party Girl»

constante mutação, como está todo o cinema, ou seja, ele acompanha sempre tudo aquilo que está a acontecer em termos do movimento da indústria cinematográfica. Só que depois há também, obviamente, o lado político, ou seja, o que existe de político em termos de queer neste cinema e isso varia. Por exemplo, temos este ano o ciclo dedicado a África onde isso é muito evidente, é um continente onde as questões

da sexualidade se vivem de forma completamente diferente, embora o nosso olhar, muitas vezes, seja um olhar errado sobre aquilo que se passa em África, porque é uma cultura que largamente desconhecemos e é uma outra forma de viver a sexualidade, quer socialmente quer politicamente. Todos estes elementos, esta riqueza social e política … o cinema vai acompanhar isso tudo, está sempre em mutação. Setembro 2014 metropolis 141


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