Entrevista a Roan Johnson

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memórias dos anos 70 roan johnson

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oan Johnson é um jovem realizador italiano, cuja primeira longa-metragem, I Primi della lista, teve estreia na Festa do Cinema Italiano. O cineasta esteve presente na sessão do Porto, um dos locais por onde a Festa passou, e conversou com a Metropolis sobre a sua carreira e as particularidades do cinema italiano. TATIANA HENRIQUES Roan johnson

I Primi della lista é baseado em factos verídicos. Como é que surgiu a ideia para retratar a estória no filme? A estória é um pequeno conto de Renzo Lulli, que é o protagonista de I Primi della lista. Uma espécie de memórias que escreveu quando tinha 60 anos, ou seja, hoje em dia. Um amigo que temos em comum, de Pisa, trouxe-me este continho. Eu pensei: “Ninguém vai produzir este filme!”. Fala de política, passa-se nos anos 70, é uma comédia estranha e não aparece nenhuma mulher em todo o filme. Então, disse: “É inútil perder tempo, e por isso fazemos um documentário”. Então, pensámos num documentário porque também é mais fácil arranjar dinheiro na produção de documentários e quando chegámos ao documentarista, da produção, olhou o que tínhamos e disse: “Mas que documentário?! Vamos fazer disto um filme”. O que foi mais difícil na realização deste filme? Na fase de escrita, a coisa mais difícil foi arranjar os artefactos que pudessem ser claros a um público variado, ou seja, de jovens, que também são estranhos aos factos que aconteceram. A solução de utilizar material de arquivo foi uma escolha que veio depois de uma série de experimentações ao longo da realização. E também foi uma escolha estilística, porque a cena METROPOLIS - roan johnson


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Claudio Santamaria

inicial é dramática e isto podia colocar entraves ao sentido da comédia e ao riso das pessoas. No que diz respeito à realização, a coisa mais difícil foi a escolha do actor que iria ter o papel do Pino Masi [interpretado por Claudio Santamaria]. Isto porque, por um lado, era preciso que fosse um líder, portanto, que o público o seguisse; por outro, era preciso que o público pensasse que era um idiota. Sobre este filme, é preciso pensar também que tem um orçamento baixo, com custos muito baixos, e que é um “on the road” inspirado nos “on the road” dos anos 70. Portanto, isto quer dizer que tudo tem de ser um cenário que seja coerente com aquilo que eram os anos 70. Portanto, não se pode mostrar prédios e outras coisas. A nível de produção, é um filme cansativo. É um filme que não é justo pensar como um “low-budget”. Outra dificuldade foi o facto de estarmos a filmar no mês de Novembro enquanto a estória se desenvolve em Junho, porque há um factor importantíssimo, que é a parada militar. Portanto, pensei, para ultrapassar o problema de não mostrar nada que não fosse dos anos 70, em “escorregar” a máquina tendo sempre, por detrás, os bosques. Mas, como era Novembro, todas as árvores dos bosques estavam secas. Não obstante, a fase mais difícil de todas foi a montagem, porque o meu produtor não estava a perceber o filme. Ele dizia-me que o filme não fazia rir. Por isso, houve uma grande luta durante a montagem. E agora o meu produtor diz-me que a minha grande qualidade é fazer rir os meus espectadores. É a sua primeira longa-metragem. Como correu a experiência? Fui aluno da Escola Nacional de Cinema, em Roma, uma instituição muito antiga, fundada em 1930, onde estudei Argumento. Eu via o cinema do ponto de vista do escritor. A minha primeira experiência foi a realização de uma curta-metragem que era um episódio de um filme [4-4-2 – Il gioco più bello del mondo, segmento Il terzo portiere, 2006]. No final desta experiência, estava desesperado. Tinha estado com muita tensão e ansiedade e pensei em nunca mais fazer um filme. Mas, com esta experiência, a satisfação acabou por superar as dificuldades. METROPOLIS -roan johnson


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O que tem o cinema italiano de único? Este é um discurso muito complexo porque o cinema italiano tem raízes muito profundas e momentos muito específicos e complexos como o neo-realismo, a comédia italiana e a acção de alguns autores (Fellini, Bertolucci, Antonioni). E actualmente? Está a viver-se um momento de transição, possivelmente como em todo o mundo. Temos dois ou três grandes autores (Sorrentino, Garrone, etc.) e temos um certo problema no que diz respeito à comédia, no sentido de que a comédia está a ter um grande retorno de público e de dinheiro. Mas, tendencialmente, com uma comicidade que tem como protagonistas não os actores mas também personalidades conhecidas da televisão. E são filmes que têm estórias sem peso, que não têm nada de reflexão nem de denúncia social. Para fazer uma ligação com aquilo que era o passado, às vezes, parece estar a ver-se aquela que foi uma altura do cinema italiano durante o fascismo, chamada “Comédia dos Telefones Brancos”, onde se falava de pessoas ricas, sem grandes problemas, com um final feliz, e onde não se “arranhava” a realidade. Quais são as suas principais influências enquanto realizador? Como fiz um filme, falo-te deste filme. Neste filme, homenageio aquela que é a comédia italiana mais famosa, dos anos 50, 60 e 70, portanto, nomes como Monicelli, Pietro Germi, Ettore Scola. Em particular, este filme também homenageia filmes como ‘A Grande Guerra’, onde a estória específica de algumas personagens se misturam com a História, com ‘H’ maiúsculo. Portanto, estava a contar o pedaço da História de uma nação. Talvez haja também uma influência estrangeira, dos irmãos Coen, por uma razão: é que se fala da estupidez humana. E porque há uma certa comicidade surreal e grotesca, que surge, neste caso, de se tratarem de factos verídicos. METROPOLIS - roan johnson


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Paolo Cioni, Claudio Santamaria e Francesco Turbanti

O que está a achar da Festa do Cinema Italiano? Até agora, o melhor possível (risos). Eu ainda não vi nada de cinema, só gente boa como a Cristina Di Stefano [intérprete da entrevista], mas posso dizer-te o que vi do Porto. As pessoas da produção explicaram-me um bocadinho a dimensão da Festa do Cinema Italiano, o facto de ser itinerante. Soube que em Lisboa houve cerca de 11 mil espectadores, pelo que fico maravilhado. Fico muito feliz por esta atenção que Portugal dá ao cinema italiano. Quando regressar a Itália, irei falar com os meus amigos realizadores e dizer-lhes que temos de nos empenhar mais para não desiludir os amigos portugueses. É a primeira vez que venho a Portugal. Eu acho que, de tantas nações em que estive, faltava-me Portugal e estou feliz por aqui estar pois acho que não tinha percebido bem. Acho que é um sítio mais moderno e interessante do que pensava. Conhece alguma coisa do cinema português? Conheço autores como o Manoel de Oliveira. Mas conheço pouco da realidade mais recente. Falaram-me de uma bela iniciativa, o Shortcutz, que acho uma óptima ideia. Disseram-me que se trata de juntar jovens autores, que estão a fazer curtas-metragens. Espero encontrar, noutros festivais, alguns autores portugueses. Quais são os seus próximos projectos? Deverei filmar o meu próximo filme no Verão de 2014, com o mesmo produtor de I Primi della Lista. Depois de nos termos chateado, voltámos a fazer as pazes. No final, ele acabou por ficar muito contente com o resultado do filme, por isso, espero que esta relação continue animada. Gostaria de fazer algo entretanto porque ainda falta para o Verão de 2014 e há algum tempo que estou parado, pelo que gostava de preencher este tempo. Portanto, gostava de conseguir montar um filme um pouco mais “modesto” e, diria, de uma maneira “Garibaldina”

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