Especial sobre Fúria

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na intimidade da guerra fúria

«Fúria» é um filme em que os tanques de guerra se tornam protagonistas, mas que, ainda assim, não conseguem suplantar a força da dimensão humana. Passada no final da II Guerra Mundial, a obra assinada por David Ayer mostra um Brad Pitt como um implacável comandante de um tanque, acompanhado do metódico Shia LaBeouf e da jovem estrela Logan Lerman. Um filme de guerra que almeja ser como nenhum outro até agora, cheio de fúria e realismo. tatiana henriques

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A História

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narrativa passa-se em Abril de 1945, ou seja, em pleno final da II Guerra Mundial. Wardaddy (Brad Pitt) é um sargento que comanda um tanque Sherman e um minoritário mas resiliente grupo de cinco homens. Sem armas e claramente em número inferior ao dos seus inimigos, o alvo é, contudo, inelutável: atingir o centro bélico da Alemanha nazi. Para tal, o grupo vai entregar-se de corpo e alma à sua missão, por um propósito pacifista, apesar de os meios serem bem mais violentos do que os próprios ideais. O filme passa-se num dia, entre o amanhecer e o anoitecer, quatro semanas antes do final da guerra.


Olhando para o interior do tanque (bastidores de Fúria)

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filme foi gravado em 62 dias, mas foi precedido de um treino militar que durou uma semana. Assim, os cinco actores principais (Brad Pitt, Logan Lerman, Shia LaBeouf, Michael Peña e Jon Bernthal) estiveram num acampamento para simularem exercícios com tanques, num longo treino militar, que foi liderado por verdadeiros militares. O elenco teve de aprender a lutar e a lidar com armas. O realizador David Ayer falou, em entrevista, sobre estes treinos: “Foi totalmente envolvente. No primeiro dia, todos tiveram que colocar os seus telemóveis num capacete. O Brad foi o primeiro, para dar o exemplo”. “Não houve um ‘Vamos dar uma pausa aos actores’. Foi incrivelmente intenso a nível psicológico e, no fundo, não se tratava de ‘Vamos todos aprender a ser soldados’. Tratava-se de tornar este grupo de homens numa família colocando-os juntos numa das experiências mais intensas das suas vidas. Eles vão sempre partilhar isso. Vão ter sempre isso em comum”. Houve também um encontro à porta fechada (sem imprensa ou pessoal da produção) entre os actores e quatro veteranos da II Guerra Mundial. Os antigos militares contaram as suas experiências e responderam às questões dos actores.

Pela primeira vez, um genuíno tanque Tiger I foi usado num filme sobre a II Guerra Mundial. No caso, trata-se do “Tiger 131”, proveniente do Museu Bovington Tank, no Reino Unido, sendo o único tanque Tiger no mundo que ainda funciona. Foram usados, no total, cinco tanques reais, sendo que um deles ficou destruído durante as gravações. Os veículos tiveram direito a nomes, como Fury, Old Phyllis, Murder Inc., Lucy Sue e Matador. Um dos objectivos de David Ayer era realizar “o derradeiro filme de tanques”. Um dos principais desafios da produção foi, justamente, gravar um filme de guerra com verdadeiros tanques, que pesam, em média, 40 toneladas cada. O transporte de cada tanque revela-se um processo muito demorado e dispendioso. Como outras curiosidades, podemos destacar que algumas das armas usadas em «Fúria» foram também utilizadas em «The Pacific» (2010), «Irmãos de Armas» (2001) e «O Resgate do Soldado Ryan» (1998). Todos os figurantes são militares ou antigos militares britânicos. Aliás, numa das cenas, foram utilizados 350 figurantes. Além disso, algumas das cenas foram inspiradas em fotografias verdadeiras tiradas na frente da batalha. OUTUBRO 2014 metropolis 81


Pelos olhos do jovem Norman

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ogan Lerman, de 22 anos, começou muito novo nas lides da representação, com apenas 8 anos, no filme «O Patriota». Desde aí, entrou em produções como «Efeito Borboleta» (2004), «Percy Jackson e os Ladrões do Olimpo» (2010), «As Vantagens de Ser Invisível» (2012) ou «Noé», já deste ano. O desafio é agora maior em «Fúria», onde interpreta um dos papéis centrais da obra, dividindo a cena com o veterano Brad Pitt. O filme é contado através de Norman, o motorista adjunto de Wardaddy. Assim, podemos assistir à evolução e transformação de um rapaz para um homem. Norman não tem qualquer experiência na Guerra. Oriundo de Pittsburg, nunca viu um tanque por dentro e não sabe nada sobre o seu funcionamento. Sobre a personagem, Logan Lerman, disse, em declarações à imprensa, que “Norman é muito complicado e stressado”. “É um grande papel, uma grande história com muitas pessoas que admiro, por isso queria realmente fazer parte disto”, acrescentou. O jovem actor confessa que se surpreendeu nas filmagens: “Tudo sobre este filme está muito além daquilo que eu esperava”. “Um dos caminhos mais loucos que já percorri”, salientou. Sobre o realizador David Ayer, Lerman não deixou de referenciar o seu empenho e dedicação 82 metropolis OUTUBRO 2014

à obra, confidenciando que tem fotos do cineasta a pintar os tanques da cor que ele queria. “Ele é um maníaco todos nós éramos maníacos naquele set”, afirmou o actor.

Shia LaBeouf: método a quanto obrigas

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excentricidade de Shia LaBeouf é já bem conhecida, bem como o seu empenho na aplicação do “método”. Em «Fúria», o actor levou a sua dedicação um pouco mais longe, tendo ferido o seu rosto com uma faca, tirado um dente e recusado tomar banho durante

algum tempo. Tudo para que, na opinião do próprio, pudesse sentir verdadeiramente na pele o mesmo que a sua personagem. Logan Lerman, seu colega de cena, contou um pouco mais sobre um desses episódios: “Estávamos na sala de maquilhagem e estavam a colocar os cortes no Shia e eu disse ‘Sim, sim, parecem bem’, quando o Shia contestou ‘Não, não parece real’. Depois, ele sai para o corredor e diz ‘Querem ver algo mesmo divertido?’ e tira uma faca e corta a cara. E, durante todo o filme, ele continuou a abrir esses cortes no rosto. Era tudo real”. Bem, mas o actor não será o primeiro a recorrer à


automutilação no processo de entrega a um papel. Também Mickey Rourke cortou o seu rosto com uma lâmina durante as filmagens de «O Wrestler» (2008). Não obstante, parece que Shia LaBeouf só consegue reunir elogios por parte das pessoas com quem trabalha. Ora comecemos pela opinião de Brad Pitt: “Oh, eu adoro o rapaz. Ele é um dos melhores actores que já vi. É muito comprometido, vive aquilo como nenhum outro, tenho de dizê-lo”. Segue-se a consideração de Logan Lerman: “Ele é muito dedicado, muito mais do que qualquer outro actor com quem já tenha

trabalhado. Adoro-o”. Por fim, o que pensa o realizador da obra do actor norte-americano: “Penso que ele é incrivelmente fantástico”. “Ele é um actor que começou desde criança e que quer sair desse molde. Basicamente, ele está a tentar destruir a sua própria história para que possa ser redescoberto por aquilo que ele é, um actor brilhante. Penso que as pessoas vão ficar chocadas com aquilo que ele acrescenta”.

David Ayer, o realizador empenhado

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avid Ayer é um militar veterano, o que explica a ligação tão forte que criou com esta história. “Venho de uma família militar. Ambos os meus avôs estiveram na II Guerra Mundial, um lutou no Pacífico e outro na Europa. Toda a família esteve na Guerra. Cresci a ouvir histórias, que não eram do género ‘Salvámos o mundo!’, mas sobre o preço pessoal e emocional. A dor e a perda são sombras que, de certa forma, perseguem a minha família. Isso era algo que queria comunicar às pessoas”. Já há muito tempo que David Ayer pensa em «Fúria» e trabalha no seu argumento, sendo um OUTUBRO 2014 metropolis 83


projecto de sonho desde que teve a ideia para a história. “Quando disse às pessoas que ia fazer um filme sobre a II Guerra Mundial, elas viraram os olhos e lamuriaram”, recorda Ayer. “Na verdade, é um estudo sobre uma família que, por acaso, vive num tanque de guerra e mata pessoas”. Para convencer o produtor John Lesher a juntar-se ao filme, Ayer disse-lhe o seguinte: “O meu sonho é contar um filme que ninguém ainda tenha visto, um filme de tanque sobre a II Guerra Mundial que seja tão autêntico e realista como os homens do filme”. Para tal, foi muito importante a escolha do elenco e a sua preparação: “A minha motivação foi juntar um elenco e transformá-lo numa família, em irmãos”, referiu Ayer. “Nunca vi esse nível de intensidade na caracterização de personagens num filme da II Guerra Mundial e achei que estava na altura para isso”, concluiu. David Ayer considera ainda que “a realidade da guerra moderna e mecanizada é que ela mutila as pessoas”, sentindo o realizador necessidade de “mostrar o que elas enfrentam e o que passaram anos a ver para entender o efeito que isso teve nelas.”

Brad Pitt num regresso a um cenário já visitado

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Brad Pitt regressa em «Fúria» à II Guerra Mundial após «Sacanas Sem Lei» (2009), de Quentin Tarantino, mas numa personagem deveras mais amarga e menos sarcástica. Foi Brad Pitt o primeiro a garantir a sua presença no filme, seguindo-se Shia LaBeouf. Como já começa a ser apanágio, Brad Pitt assume o posto de produtor-executivo da obra. David Ayer contou aos jornalistas como foi o envolvimento do actor com «Fúria»: “Ele leu o argumento e quis fazer o filme. Foi bastante simples. Ele leu e, julgo, apaixonou-se pela personagem. Leu-o rapidamente. Tudo aconteceu de forma muito célere. Ele estava pronto para uma imersão

total e para interpretar este homem complexo e problemático que, aparentemente, não parece boa pessoa. Mas depois começas a conhecê-lo e começas a perceber a verdadeira solidão de ter as vidas de outras pessoas nas tuas mãos. És responsável por aquelas pessoas e tens de mantê-las vivas”. “Ele capta essa escuridão”, concluiu Ayer. David Ayer poderá orgulharse de ter cativado tanto a atenção de Pitt, já que ele é muito selectivo quando se trata de escolher com quem trabalha. É o próprio que o confessa: “Sou, na verdade, muito snob quanto aos realizadores”. “Tenho que dizer não o tempo todo. ‘Não’ é a palavra mais poderosa no nosso negócio. Tens que te


Tanque = casa

proteger a ti próprio. Para deixares de estar em casa, tem de valer a pena”. Para se preparar para as gravações de «Fúria», Brad Pitt teve de estar num acampamento militar como os outros actores, mas teve outra ajuda… de um dos seus filhos. “O Maddox sabe tanto sobre tanques que quando comecei a preparar-me para o filme, comecei a pedir-lhe informações. Ele tem um alargado conhecimento sobre isso desde pequeno”. Brad Pitt contou recentemente numa entrevista que tem uma arma de fogo desde a creche e que disparou pela primeira vez quando tinha oito anos de idade. “Há um rito de passagem onde cresci em que se herda as armas dos

antepassados. O meu irmão recebeu a do meu pai e eu ganhei a espingarda do meu avô quando estava na creche”, explicou o actor. Todavia, o actor realçou também que “a parte positiva é que o meu pai incutiu-me um profundo respeito pela arma”, confessando ainda que não se sente confortável em ter uma arma em casa actualmente. Não obstante, noutra entrevista, em 2012, o actor falou em porte de armas, referindo que “a América é um país fundado com armas. Está no nosso ADN. É muito estranho, mas sinto-me melhor por ter uma arma. Não sinto que a casa esteja completamente segura se não tiver uma arma escondida em algum lugar. É a minha maneira de pensar, seja ela certa ou errada”.

Durante as filmagens, houve direito a momentos bastante intensos e até de algum desentendimento, como contou Brad Pitt. Tratava-se de uma cena em que Scott Eastwood (o filho do renomado Clint Eastwood) cuspia tabaco para o tanque. Brad Pitt não gostou porque, explica o actor, “aquilo é a nossa casa, ele está a desrespeitar a nossa casa. Por isso, disse - com as câmaras a gravar - ‘Vais ter que limpar essa porcaria’. O Shia ouviu - e há que entender, estávamos já num severo acampamento e passámos muito tempo naquele tanque - e sentiu o mesmo, que ele estava a desrespeitar a nossa casa. O Shia teve a mesma reacção que eu e começou a dizer-lhe algumas coisas”. Contudo, no final do dia, os actores voltaram a ler o guião, que dizia que a personagem de Scott deveria “cuspir tabaco e atirá-lo para o tanque”. Assim, “ele apenas estava a fazer o que indicava o texto! No final, nós estávamos errados”, conclui Brad Pitt. Não obstante, o momento parece não ter deixado mais consequências, a avaliar pelas palavras proferidas por Scott Eastwood em relação a Brad Pitt: “Ele é uma pessoa atenciosa e humilde, o que é tudo neste mundo”. “É um grande actor, porque também é pró-activo no desenvolvimento do material e em ter as coisas prontas”.

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