Entrevista - Mama

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entrevista ANDRéS E BARBARA MUSCHIETTI de mamã

amor de mãe O filme Mamã foi uma das estrelas do Fantasporto 2013. A obra teve antestreia nacional no Festival (com a presença dos irmãos Muschietti) e venceu três prémios: Grande Prémio Fantasporto 2013, Melhor Realizador e Melhor Actriz (Jessica Chastain). A Metropolis conversou sobre o filme e o próprio Festival com Andrés Muschietti (realizador) e Barbara Muschietti (produtora), dois irmãos argentinos que ganharam a atenção de Guillermo del Toro. Esta não é, todavia, a primeira vez que uma obra dos irmãos participa no Fantasporto, já que estiveram a concurso em 2008 com uma curta-metragem de três minutos, Mamá, que daria origem à longa-metragem que está agora nas salas nacionais.

TATIANA HENRIQUES

Como é que surgiu a história de ‘Mamã’? Andrés Muschietti: Foi muito simples, apareceu como uma imagem mental, numa manhã, quando estava a acordar. Foi uma origem pouco ortodoxa para uma história. Como foi o desenvolvimento do argumento da longa-metragem? Andrés Muschietti: Foi motivado por algumas questões. Quando fizemos a curta, as pessoas ficaram afectadas pela mesma, mas acho que o impacto nas pessoas aconteceu também pelas questões que a história levantava. É algo que te faz querer saber mais sobre a história. Essas questões não estavam resolvidas na curta (não quisemos saber disso na época). Quando as pessoas viram a curta, queriam saber do que se tratava. Na altura, estávamos a usar a curta como um suporte estilístico de um filme diferente que estávamos a escrever na altura, The Yearning. Mas as pessoas pareciam mais interessadas no Mamã do que nesse filme, por isso, começámos a trabalhar mais na história do Mamã, usando as tais questões como pontoschave.

Andrés Muschietti

Em doses elevadas, a protecção maternal pode ser assustadora? Barbara Muschietti: Acho que é parte da Natureza e o papel de uma mãe é proteger. As mães fazem o melhor trabalho que conseguem e, algumas vezes, há demasiada protecção mas acaba por ser a criança ou o jovem quem tem de impor barreiras. Ambos os lados têm de aprender como gerir [a relação]. Andrés Muschietti: Mamã é sobre uma luta entre duas mães que cria o drama. Não é sobre o amor de uma mãe que simplesmente enlouquece, mas a competição entre dois instintos que fazem as forças tornarem-se mais

metropolis - mamã


fortes e bipolares. É isto que faz o conflito, não uma mãe com um instinto exacerbado mas a luta entre dois instintos. Quais os maiores desafios e as principais dificuldades em fazer um filme de terror? Andrés Muschietti: Como realizador, não estava preocupado com a parte horrífica, mas em criar um contexto realístico e credível, especialmente porque era sobre crianças. Provavelmente, é mais difícil conseguir arrancar performances credíveis das crianças. Assim, esta era a minha maior preocupação antes de começar as gravações. Sabia que não seria fácil encontrar essas crianças. E como é que as encontraram? Andrés Muschietti: Numa caverna (risos). Gravámos este filme em Toronto, no Canadá, por isso fizemos as audições lá, vimos cerca de 200 crianças nas audições, mas

não conseguimos encontrá-las, por isso expandimos a nossa procura para outras cidades. O que procuravam nessas crianças? Andrés Muschietti: Basicamente, o que as personagens são, a qualidade de ferocidade, por exemplo. O interessante nas duas crianças é que há uma diferença entre elas. Mesmo quando são encontradas no mesmo estado, uma delas revela que há um mundo dentro dela e a actriz deveria ser capaz de o expressar. A outra deveria ser capaz de transmitir que é uma rapariga que não está marcada pelos humanos, pois era muito nova quando tudo aconteceu. Essas eram as duas coisas que se procuravam, especialmente na Victoria, que é provavelmente a personagem que tem um conflito interior mais interessante e que deveria ser expresso de uma maneira credível. O conflito entre esses dois mundos: “onde é que pertenço?”, “pertenço à parte humana desta

metropolis - mamã


dicotomia ou devo ser fiel à Mama?”. E encontrei na Megan Charpentier um desempenho fantástico. O que vos dá medo? Andrés Muschietti: Continuo a trazer os meus medos infantis, era uma criança assustadiça. Às vezes, não conseguia dormir, porque achava que havia presenças sobrenaturais na minha casa, provavelmente alimentado por horas e horas a ver filmes de terror desde muito cedo, o que não é algo muito recomendável. Foi algo que teve sempre repercussões, a minha natureza assustadiça e os filmes que vi. Também sou um artista de desenho e ilustração, desde criança que desenho de tudo, como monstros loucos. Algo muito excitante para mim era explorar tudo o que era assustador. Barbara Muschietti: Os meus medos são mais mundanos, relacionados com o abandono, a separação de irmãos, isso é o que me assusta mais. Sou um pouco imune àquilo que poderá existir “debaixo da cama” e “dentro do armário”. Poderia entrar neste hotel numa completa escuridão que não teria medo. Andrés Muschietti: Penso que para um realizador é importante ser assustado, porque, caso contrário, não se é capaz de assustar os outros. Tens que ter referências quando estás a contar algo a partir de imagens. Podes ser racional em parte, na construção da história, mas há algo que deve ser instintivo e intuitivo e tem que ver com as nossas próprias imagens, sobre o que nos assusta.


Guillermo del Toro foi produtor executivo do filme. Como foi trabalhar com ele? Barbara Muschietti: Foi fantástico, ele é um grande professor e apoia muito os instintos das pessoas. Ele disse-me que eu era o tipo de produtora executiva que ele queria ter nos filmes que realiza. É uma pessoa que nos apoia e é capaz de ter uma discussão contigo, mas sempre de um modo respeitoso. Andrés Muschietti: Ele está lá quando é necessário e não está quando não é preciso. Barbara Muschietti: Aprendemos tudo com ele, ele partilha contigo todas as suas boas e más experiências e sempre com um excelente sentido de humor. Não interessa do que estás a falar com o Guillermo, estarás sempre a rir e a chorar de riso. Ele é incrível, mesmo quando não está bem disposto, é muito engraçado. E quanto a Jessica Chastain, como foi colaborar com a actriz? Andrés Muschietti: Ela estava muito entusiasmada em entrar na personagem, porque era um tipo de papel que ela nunca tinha feito antes. Barbara Muschietti: Ela queria bastante fazêlo, porque era bastante diferente. Ela nem pensou duas vezes. Andrés Muschietti: Era um desafio interpretar alguém de quem não se gosta de imediato, ser um herói relutante, como a Annabel. No início, os espectadores seguem logo para a missão, mas ela não, porque é alguém que não está preparada para assumir compromissos, não quer assentar nem ter uma família ou tomar contar de crianças, acabando por fazêlo por acaso. De repente, tem que tomar o controlo da situação e muda. Foram estas as características que fizeram a Jessica interessarse pelo desafio, ao fazer uma heroína pouco provável. Além disso, havia outros aspectos, como fazer um filme de terror, algo que ela nunca tinha feito e para uma actriz prestigiada fazer um filme assim é delicado. Ela gostou esq.-dir.: Isabelle Nélisse, Nikolaj Coster-Waldau Megan Charpentier & Jessica Chastain


Andrés Muschietti & Guillermo del Toro

da história, falámos com ela sobre o projecto e como é que este seria feito; o Guillermo também estava lá a apoiar o filme, o que também significou bastante para ela. Barbara Muschietti: Ela também é muito simpática. Era o nosso primeiro filme e ela tornou as coisas bastante fáceis para todos. Ela estava muito contente no set, deixando todos bem dispostos. Andres Muschietti: Excepto com as meninas. No início das filmagens, ela não queria ficar próxima delas, pois sentia que, de certo modo, estaria a trair a personagem, mas ela não conseguiu isso porque as meninas adoravamna completamente. Barbara Muschietti: As raparigas queriam estar sempre com ela e diziam “Jessica! Jessica!” (risos).


Pode confirmar se vai realizar o filme Birdy Box? Andres Muschietti: Não, não posso confirmar porque não está, de todo, confirmado. Tivemos uma conversa com os produtores da Universal. É um romance encantador, mas é um livro, nem sequer é um argumento. É apenas um dos projectos que temos, seria bom avançar com ele, um dia, mas ainda não está nada confirmado. Gostam de trabalhar juntos? E como evolui o lado profissional? Andres Muschietti: Não (risos). Barbara Muschietti: Sim (risos). Andres Muschietti: Claro que sim (risos). Bem, como somos irmãos, não nos vamos trair um ao outro. Barbara Muschietti: Estranhamente, temos gostos muito parecidos. Nascemos com dezoito meses de diferença, somos filhos dos mesmos pais, vimos os mesmos filmes, lemos os

mesmos livros. Temos gostos parecidos, mas com abordagens diferentes, porque eu sou mais produtora e ele realizador. Discutimos algumas vezes, ele está sempre atrasado, deixa cascas de banana na minha secretária, nunca põe os pratos na máquina de lavar (risos). Mas não discutimos sobre trabalho e essa é a parte boa. E o que acham do Fantasporto? Andres Muschietti: É fantástico. Não tivemos oportunidade de vir antes, mas ouvimos dizer coisas muito boas sobre o mesmo. Gostava de vir mais vezes. Não me importava de ser convidado todos os anos. Barbara Muschietti: Para nós, tem a dimensão perfeita para um festival, onde conhecemos os organizadores, os cineastas, o que é muito bom, porque, às vezes, vamos a festivais tão grandes que não se conhece ninguém. São mais mercados do que festivais. O Fantasporto é como uma celebração de filmes do género fantástico. Adoramos

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