Em defesa de JosĂŠ Dirceu
julho de
2007
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Linha do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 A cassação do mandato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 A denúncia ao Supremo Tribunal Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 A defesa no plenário da Câmara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Uma história de muitas lutas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
APRESENTAÇÃO Tenho andado muito pelo Brasil, reunindo-me com amigos e companheiros, fazendo palestras, participando de debates. Recebo, aonde vou, a solidariedade e o apoio dos que têm plena consciência de que a punição a mim imposta por 293 deputados foi injusta e política. Não cometi nenhum crime, não feri o decoro parlamentar, não me envolvi em negociatas. Meus adversários políticos, que pregaram a minha cassação para afastar-me da vida pública, não conseguiram uma só prova do cumental ou testemunhal para justificar a decisão tomada pela Câmara dos Deputados. Mesmo sem provas, o procurador-geral da União incluiu-me na denúncia que apresentou ao Supremo Tribunal Federal contra 40 pessoas que ele considera envolvidas no episódio que ficou conhecido como “mensalão”. Não apenas me incluiu, entendeu que eu era o chefe do que ele denominou 5
“organização criminosa”. Até hoje essa denúncia não foi apreciada pelo STF, deixando-me na incômoda situação de réu sem julgamento. Ao lado disso, meus adversários procuraram me envolver em vários outros episódios largamente explorados pela imprensa. Tentaram, a todo custo, acabar com minha vida pública, construída com muita luta desde a adolescência. Não tiveram sucesso. Como disse no discurso em que fiz minha própria defesa, na sessão da Câmara em que a maioria decidiu pela cassação de meu mandato e decretação de minha inelegibilidade por oito anos, não abandonarei a vida pública e a luta política em nenhuma circunstância. Continuo militante político, embora sem mandato e sem função de direção partidária. E continuarei lutando, sobretudo, pelo reconhecimento de minha inocência. Esta publicação, preparada por amigos e companheiros que têm travado essa luta ao meu lado, tem o objetivo de apresentar meus argumentos e mostrar minhas razões de forma simples e direta. Agradeço a todos pela iniciativa, um instrumento a mais para que os que ainda têm alguma dúvida possam entender melhor a enorme injustiça cometida contra quem nada quer além de combater a injustiça e restabelecer a verdade. José Dirceu
6
LINHA DO TEMPO
Começo, meio – e quando será o fim? 13 de fevereiro de 2004 – As primeiras movimentações da oposição para afastar José Dirceu do governo Lula ocorrem quando a revista
Época publica uma conversa gravada em vídeo de Waldomiro Diniz, então subchefe de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, com um bicheiro e empresário do ramo de bingos. Nessa conversa, ocorrida em 2002, Waldomiro Diniz pede propina ao bicheiro. Tenta-se envolver José Dirceu porque Waldomiro, como subchefe de Assuntos Parlamentares, tinha sido subordinado à Casa Civil antes que o ministério fosse desmembrado, com a criação da Secretaria de Coordenação Política. Mas, quando ocorreram os 7
fatos denunciados, Waldomiro Diniz era superintendente da Loterj (Loterias do Rio de Janeiro), órgão do governo do Estado do Rio de Janeiro. Apenas em 2003 foi para a Presidência da República, sendo que os fatos ocorridos no Rio de Janeiro eram desconhecidos. Apesar das pressões de oposicionistas e de parcela da imprensa, não é encontrado nenhum vínculo, além do funcional, entre Waldomiro Diniz e José Dirceu. Nem a CPI dos Bingos, no Congresso Nacional, nem a CPI da Loterj, na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, encontram evidências contra José Dirceu. Há investigações na Polícia Federal, na Polícia Civil do Rio de Janeiro, no Ministério Público da União e no Ministério Público do Rio de Janeiro. Seis investigações e nenhuma acusação é feita contra José Dirceu em função do episódio. 18 de maio de 2005 – A revista Veja, na matéria “O homem chave do PTB” (edição nº 1.905), denuncia um esquema de corrupção protagonizado por Maurício Marinho, do Departamento de Contratação e Administração de Material, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Na reportagem, a revista detalha uma conversa gravada entre Marinho e dois empresários, quando o diretor recebe R$ 3 mil de propina e explica o funcionamento do esquema. Ele afirma defender os interesses do Partido Trabalhista Brasileiro e atender às ordens do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), presidente do partido: “Eu não faço nada sem consultar. Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio. Ele é doidão”. Nos dias seguintes, a matéria tem ampla repercussão e a 8
TV Globo mostra uma gravação clandestina de Marinho recebendo a propina. 6 e 12 de junho de 2005 – Sentindo-se acuado diante das crescentes denúncias contra ele a partir da gravação com Marinho, Roberto Jefferson procura o jornal Folha de S. Paulo para dar duas entrevistas à jornalista Renata Lo Prete. Na primeira, o petebista afirma que o PT pagava uma mesada de R$ 30 mil a parlamentares, o “mensalão”, em troca de votos a favor do governo no Congresso Nacional e diz que avisou José Dirceu sobre o esquema. Na segunda, diz que havia uma negociação de cargos na sala “ao lado do gabinete do ministro José Dirceu”, mas afirma não ter provas. 14 de junho de 2005 – Roberto Jefferson presta depoimento ao Conselho césar ogata
de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. O petebista diz que o então ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, seria o mentor do “mensalão” – suposto esquema de repasse de recursos a deputados em troca de votos. Jefferson, porém, não apresenta nenhuma prova de envolvimento do ministro e não consegue fundamentar as acusações. 17 de junho de 2005 – Quinze ministros filiados ao PT comparecem à Casa de Portugal, em São Paulo, para o “Ato em defesa do PT e da democracia”. O auditório permanece lotado, por mais de três horas, com cerca de 1.500 pessoas. Dirceu é o homenageado da noite. “O que está em jogo não é a minha biografia, o que está em jogo não é a
Ato em defesa do PT e da democracia. 17/6/2005
9
césar ogata
Ato em defesa do PT e da democracia. 17/6/2005
José Cruz/ABr
minha imagem, o que está em jogo é a nossa história, o que está em jogo é o futuro do Brasil”, diz à platéia de militantes. 23 de junho de 2005 – O deputado José Dirceu (PT-SP) deixa a chefia da Casa Civil da Presidência e retorna à Câmara dos Deputados para fazer a própria defesa diante das acusações feitas por Jefferson. Agosto de 2005 – Após assumir a presidência do PTB, o deputado Flávio Cerimônia de posse da nova ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto. 21/6/2005
10
Martinez apresenta, no dia 2, representação ao Conselho de Ética com o pedido de instauração de processo disciplinar contra José Dirceu. No dia 10, o presidente do Conselho, deputado Ricardo Izar
Marcello Casal Jr./ABr
(PTB-SP), instaura o processo e indica o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) como relator. 1º de setembro de 2005 – As Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMI) dos “Correios” e da “Compra de Votos” aprovam, por unanimidade, um relatório parcial conjunto com a recomendação da abertura de processos contra 18 parlamentares, entre eles José Dirceu. 15 de setembro de 2005 – O Supremo Tribunal Federal concede o Mandado de Segurança 25.539, relatado pelo ministro Carlos Velloso, que determina a imediata suspensão da medida disciplinar impetrada
O ex-ministro da Casa Civil, deputado José Dirceu, chega à Câmara dos Deputados, para assumir o mandato parlamentar do qual estava licenciado. 23/6/2005
pela Mesa Diretora da Câmara contra 18 deputados federais. O pedido visa inicialmente apenas alguns parlamentares, mas o ministro estende os efeitos da liminar a José Dirceu. A Mesa Diretora havia aprovado parecer da Corregedoria, que decidia pela instauração do processo disciplinar no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar Laycer Tomáz/ . Acervo Câmara dos deputados
sem dar atenção a todos os requisitos necessários. 21 de setembro de 2005 – Martinez pede a retirada do processo contra Dirceu no Conselho de Ética. Ricardo Izar, entretanto, resolve que o pedido não deve interromper o processo. 18 de outubro de 2005 – O relator do processo contra José Dirceu, deputado Júlio Delgado, lê seu parecer. Antes, Delgado ouviu cinco testemunhas de defesa e duas de acusação. Nenhuma das testemunhas, entretanto, apresentou qualquer prova do envolvimento de José Dir-
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. 2/8/2005
11
Agência Br
ceu em irregularidades. Pelo contrário. O ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o empresário Marcos Valério negam ter feito qualquer negociação com o ex-ministro. Mesmo assim, o relator recomenda a cassação do deputado José Dirceu. 27 de outubro de 2005 – O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, determina que o relatório com pedido de cassação do depuJosé Dirceu durante entrevista coletiva onde fala sobre o processo que responde no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. 21/10/2005
tado José Dirceu seja refeito. No Mandado de Segurança 25.618, o ministro manda retirar uma documentação sigilosa utilizada indevidamente pelo relator, deputado Júlio Delgado. A decisão, entretanto, não é cumprida e o texto é aprovado pelo Conselho de Ética por 13 votos a 1. A defesa de Dirceu protocola Embargos de Declaração, cuja liminar é deferida com a determinação de que outro parecer fosse apresentado, anulando, dessa forma, a votação. 4 de novembro de 2005 – Apesar dos recursos apresentados por José Dirceu e seu advogado a fim de garantir o amplo direito de defesa, o Conselho de Ética volta a repetir a votação favorável ao pedido de cassação. Durante o processo de apuração das denúncias há falhas na condução que acabam por violar normas constitucionais e regimentais em relação ao princípio do contraditório. 17 de novembro de 2005 – Intelectuais, artistas, sindicalistas, lideranças populares e membros do Diretório Nacional do PT realizam, no Rio de Janeiro, o ato “Em Defesa da Justiça, da Democracia e da Constituição”. A manifestação, organizada pelo movimento Amigos do
12
Sergio Borges / ag. o globo
Ato “Em Defesa da Justiça, da Democracia e da Constituição” realizado pelo movimento Amigos de José Dirceu, no auditório da Faculdade Cândido Mendes no Rio de Janeiro. 17/11/2005
Zé Dirceu, atrai diversas personalidades, como o professor Cândido Mendes, a presidente estadual do PCdoB/RJ, Ana Rocha, Benedita da Silva, o vereador (atual deputado federal) Edson Santos, o deputado federal Luiz Sérgio, o deputado estadual Gilberto Palmares, além de artistas como Luiz Carlos e Lucy Barreto, Sérgio Sanz, Paulo Tiago, Antônio Pitanga, Aroeira, José de Abreu e Antônio Grassi. 18 de novembro de 2005 – Mais de 600 pessoas comparecem à Câmara Municipal de São Paulo para declarar apoio a José Dirceu. As galerias ficam tomadas por personalidades como a ex-prefeita Marta Suplicy, o senador Eduardo Suplicy, o ministro Luiz Marinho, o 13
fotos lilian vaz
Ato em defesa do mandato de José Dirceu e da Constituição. Câmara Municipal de São Paulo. Na foto à direita com o jurista Aldo Lins e Silva. 18/11/2005
assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia e representantes de entidades da sociedade civil e movimentos sociais, como UNE, CUT e MST. Os ministros Antonio Palocci, Dilma Rousseff, Márcio Thomaz Bastos e o ex-presidente do PT Tarso Genro também enviam mensagens de solidariedade ao ex-ministro. 19 de novembro de 2005 – Em Belo Horizonte (MG), mais de 300 pessoas participam do ato público em apoio ao deputado federal José Dirceu, no auditório da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A militância petista marca presença ao entoar palavras de ordem contra o linchamento político protagonizado pela oposição. O evento conta com a participação de políticos mineiros como o deputado Roberto Carvalho, o prefeito de BH, Fernando Pimentel, o presidente do diretório do PT, Nilmário Miranda, além de diversos deputados, prefeitos e vereadores de partidos como PTN, PCdoB e PL. 22 de novembro de 2005 – O diretório do PT no Distrito Federal promove um ato público em solidariedade ao deputado José Dirceu no audi-
14
tório da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. O vice-presidente da República, José Alencar, comparece ao evento. “Acompanhei atentamente o processo e nada me convenceu que Dirceu tenha alguma culpa capaz de levá-lo à cassação”, diz Alencar. Entre os 400 presentes, estão o presidente do PT, Ricardo Berzoini, os ministros Jaques Wagner, Nelson Machado e Patrus Ananias, além de vários deputados e senadores. 25 de novembro de 2005 – É realizado um ato de desagravo a José Dirceu durante a posse do diretório municipal do PT de Campo Grande (MS). O governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, recebe pessoalmente o deputado. O evento conta com a presença do deputado federal Vander Loubet, da vereadora Thaís Helena e de diversos correligionários. 26 de novembro de 2005 – O deputado José Dirceu participa de ato em desagravo ao presidente Lula e em defesa da Legalidade e da Democracia na Câmara Municipal de Santos (SP). O evento ainda visa a demonstrar solidariedade ao ex-ministro. “Queremos mostrar vivian farias
também a nossa indignação contra a violência ao companheiro Zé Dirceu e a todos os demais companheiros que estão ameaçados de cassação do mandato, sem uma evidência ou prova de que tenham cometido atos irregulares e ilegais”, declara a Comissão Executiva Municipal do PT santista, em nota. 27 de novembro de 2005 – Em Olinda (PE), Dirceu é recebido com muita festa e discursa ao lado dos prefeitos de Recife, João Paulo; de Olin-
Olinda. 27/11/2005
15
da, Luciana Santos; do ex-ministro da Saúde Humberto Costa, além de parlamentares das bancadas estadual e federal do PT local. 28 de novembro de 2005 – José Dirceu participa em João Pessoa (PB) de ato de apoio no plenário da Assembléia Legislativa, com a presença de mais de 150 pessoas. 29 de novembro de 2005 – Na véspera da votação em plenário, o deputado José Dirceu (PT-SP) recebe mais uma manifestação de apoio. Cerca de 100 juristas e advogados assinam documento em defesa do Estado Social e Democrático de Direito. Segundo os advogados, o processo político contra Dirceu “acoberta o flagrante desrespeito aos princípios da presunção de inocência e da separação de poderes”. Entre os principais nomes no manifesto estão Aldo Lins e Silva, Dalmo Dallari e Hélio Bicudo. “Conclamamos, pois, a Câmara dos Deputados, seus órgãos e os demais Poderes, a defender o mandato do deputado José Dirceu, a reafirmar a crença na manutenção de nosso Estado Social e Democrático de Direito, observando suas regras e respeitando seus limites.” 30 de novembro de 2005 – O Pleno do STF, por maioria de votos, concede liminar que determina a retirada do depoimento de Kátia Rabello dos autos, bem como do relatório apresentado pelo deputado Júlio Delgado. De acordo com o Mandado de Segurança 25.647, o Supremo acolhe a tese da inversão da prova e da violação do direito de defesa. 16
Laycer Tomáz/Acervo Câmara dos deputados
Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados, na apreciação do processo de cassação de José Dirceu. 30/11/2005
1º de dezembro de 2005 – A Câmara dos Deputados decide pela cassação do deputado José Dirceu, com 293 votos pela perda de mandato e 192 contra. Foi aprovada também a inelegibilidade por oito anos. Não há prova de nenhum crime praticado pelo ex-ministro. 30 de março de 2006 – O procurador-geral da República, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, encaminha denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra 40 suspeitos de envolvimento no esquema investigado pelas CPMIs e aponta o ex-ministro José Dirceu como membro do núcleo principal da “quadrilha”. 9 de maio de 2006 – É deferida a medida cautelar solicitada na Reclamação 4.336 a fim de suspender o procedimento instaurado pelo Ministério Público de São Paulo, que visava a investigar José Dirceu 17
pela suposta prática de delitos cometidos durante a gestão do exprefeito de Santo André, Celso Daniel. O ministro Eros Grau segue o entendimento anterior do ministro Nelson Jobim, que determinava o arquivamento do pedido de abertura de inquérito. 17 de maio de 2006 – O Banco Central enviou uma carta à revista IstoÉ
Dinheiro rebatendo as afirmações de que José Dirceu teria pressionado o presidente da instituição para que fossem liberados negócios a favor do publicitário Marcos Valério. A carta:
“O Banco Central do Brasil esclarece que, ao contrário do publicado na edição 452, de 17 de maio [de 2006], não procede a informação de que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi pressionado pelo ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, para suspender as liquidações extrajudiciais do Banco Econômico e do Banco Mercantil de Pernambuco.
Atenciosamente,
Jocimar Nastari
Assessor de Imprensa do Banco Central do Brasil”
29 de maio de 2006 – O ministro Gilmar Mendes (STF) indefere o Mandado de Segurança 25.900. A medida cautelar solicitava a nulidade da decisão do Plenário da Câmara dos Deputados, que decidiu pela cassação do mandado do deputado José Dirceu, uma vez que o direito de defesa do parlamentar havia sido violado. 21 de junho de 2006 – O Tribunal de Contas da União, de acordo com a nota informativa sobre o acórdão nº 926/2006, considerou improcedente 18
a representação a respeito de possíveis irregularidades ocorridas nas operações de aquisição, por parte da Caixa Econômica Federal, de parte da carteira de crédito consignado do banco BMG. De acordo com a análise do TCU, não houve indício de nenhuma irregularidade, fraude ou favorecimento entre as operações das instituições bancárias. Nada contra José Dirceu. 11 de julho de 2006 – José Dirceu entrega sua defesa ao STF e destaca a falta de provas e as inconsistências das acusações feitas contra ele, denunciando um processo de cassação em que não foram respeitados os preceitos básicos do contraditório e da ampla defesa. 25 de julho de 2006 – O médico João Francisco Daniel, irmão de Celso Daniel, assassinado quando era prefeito de Santo André, retratou-se de acusações feitas contra José Dirceu. Em acordo judicial firmado para extinguir um processo por calúnia movida pelo ex-ministro, João Francisco admitiu que “não teve a intenção de ofender a honra ou imputar crimes” a Dirceu. O médico havia acusado o petista de ter recebido propina de um suposto esquema de empresas de ônibus. Segundo ele, Celso Daniel teria sido assassinado devido a esse esquema. Após a retratação, o processo contra João Francisco foi retirado por José Dirceu. Depois de muitas investigações, não há nenhuma acusação contra José Dirceu referente à gestão e à morte de Celso Daniel. Março de 2007 – A Receita Federal investigou a vida financeira e fiscal de José Dirceu no período de novembro de 2005 a março de 2007. 19
O processo é encerrado e arquivado sem nenhuma acusação ou autuação por crimes fiscais e financeiros, muito menos por variação patrimonial a descoberto. Julho de 2007 – O STF ainda não havia se pronunciado sobre a denúncia do procurador-geral.
20
A CASSAÇÃO DO MANDATO
Um julgamento meramente político Conhecido pela história de lutas que o fez ser um dos personagens mais importantes da política brasileira contemporânea, José Dirceu chegou à chefia da Casa Civil depois da aclamação popular que levou seu amigo e companheiro Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Nas mesmas eleições, José Dirceu se reelegeu como deputado federal por São Paulo com a segunda maior votação do País. A força desses dois representantes do Partido dos Trabalhadores fez crescer entre os adversários o desejo de abalar, de qualquer forma, o crescimento de um projeto em prol do povo brasileiro. A oportunidade vislumbrada pelos opositores do PT surgiu por meio de denúncias vazias e sem provas do então presidente do PTB, deputado 21
Roberto Jefferson (RJ). Diante das acusações que caíam sobre o partido e ele próprio, após seu afilhado político Maurício Marinho ser flagrado recebendo propina e trazendo à tona um esquema de desvio de dinheiro público, Jefferson tentou tirar o foco sobre si ao fazer ataques a José Dirceu e ao Partido dos Trabalhadores. O depoimento de Jefferson no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, em junho de 2005, foi a única peça acusatória sobre um possível envolvimento do ex-ministro com o chamado “mensalão”, suposto esquema de pagamento a parlamentares para votarem com o governo. Apesar de os envolvidos terem negado qualquer participação de José Dirceu, foi essa a única “prova” em que os deputados se basearam para cassar o petista. De forma contraditória, Jefferson teve seu mandato cassado justamente por não ter conseguido provar as acusações que fez. O processo conduzido pelo relator no Conselho de Ética, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), não deu chances à ampla defesa e visivelmente atendeu a pressões políticas para que José Dirceu fosse cassado. A seguir, os principais equívocos e contradições do relatório que recomendou a cassação de José Dirceu: Não exercia o mandato De acordo com o relator, o deputado José Dirceu praticou atos que “fraudaram o regular andamento dos trabalhos legislativos, visando à alteração do resultado das deliberações configurativas de atos incompatíveis com o decoro parlamentar”. Os atos teriam sido praticados “enquanto li22
cenciado dessa Casa para exercer as funções do cargo de ministro-chefe da Casa Civil do presidente da República”. Dessa forma, os atos atribuídos a José Dirceu teriam ocorrido fora do exercício do mandato de deputado federal, do qual estava licenciado. Conseqüentemente, se tivessem realmente ocorrido, estariam sujeitos ao controle administrativo ou judicial, mas nunca ao juízo político da quebra do decoro parlamentar, que pressupõe o exercício do mandato, realizado na Câmara dos Deputados. Acusações levianas O relatório não indica quais trabalhos legislativos foram irregulares, nem quais votações foram manipuladas. Limita-se a mencionar que o publicitário Marcos Valério e sua mulher, Renilda Santiago, afirmaram em depoimentos à CPI dos Correios que Dirceu e Delúbio Soares, à época se-
O relatório não indica quais trabalhos legislativos foram irregulares, nem quais votações foram manipuladas.
cretário de Finanças do PT, teriam levantado fundos no Banco Rural e no BMG para pagar parlamentares que votassem a favor do governo. Não é dito, entretanto, quais parlamentares foram favorecidos e quais votações foram viciadas. Não há nenhuma prova. A acusação é leviana, uma vez que os envolvidos jamais fizeram tais afirmações. Segundo Marcos Valério e Delúbio, houve empréstimos feitos pelo PT nas instituições bancárias, a partir de fevereiro de 2003, para quitar despesas de campanha eleitoral. Marcos Valério disse que Delúbio havia dito que José Dirceu sabia sobre as operações e teria participado de reuniões com representantes dos bancos. Mas em depoimento Delúbio negou essa declaração e afirmou que em nenhum momento tratou dos empréstimos com o ex-ministro – que já havia se afastado das funções partidárias. 23
Banco Rural e BMG O relatório indica que José Dirceu, quando exercia o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, participou de reuniões com diretores dos dois bancos na presença de Marcos Valério, para discutir os empréstimos. Foi ignorado o fato de representantes do BMG e do Banco Rural terem se manifestado sobre as reuniões mantidas com o ex-ministro. Ambas as instituições negaram qualquer tipo de contato com José Dirceu para discutir empréstimos. O Banco Rural informou que participou de reunião
Da parte de José Dirceu não há confissão. Ao contrário, o deputado esclareceu e repudiou todas as acusações lançadas.
para discutir a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco e que não se mencionou qualquer espécie de empréstimo e tampouco houve a presença de Marcos Valério. O BMG também afirmou que seus representantes nunca discutiram empréstimos com o ex-ministro. Maria Ângela Saragoça O relator procura criar “outro episódio” para indicar uma relação entre o ex-ministro e o publicitário Marcos Valério ao citar a concessão de crédito para aquisição de um imóvel e o emprego da ex-esposa de José Dirceu, Maria Ângela Saragoça. Mas o relator não considerou o fato de o advogado do BMG, Sérgio Bermudes, ter esclarecido que o pedido de emprego não teve a participação de José Dirceu e que “em momento algum Valério falou como porta-voz do ministro”. Outro representante do banco, Ricardo Guimarães, também afirmou que a contratação de Maria Ângela não envolveu a participação do deputado. O relatório também ignorou que Maria Ângela detalhou, publicamente, o ocorrido e negou a participação do ex-marido tanto na aquisição do imóvel como na obtenção do emprego.
24
Prova testemunhal A representação não foi capaz de indicar nenhum documento que indique a participação, ciência ou anuência do ex-ministro nas alegadas irregularidades. Como elemento de prova contra outros acusados foi explorada, em alguns casos, a admissão de participação. Da parte de José Dirceu não há confissão. Pelo contrário, o deputado esclareceu e repudiou todas as acusações lançadas, sem fugir um instante sequer do debate em prol da verdade. Lutou pelo direito de ser ouvido pelas CPMIs e de se defender, colocando-se à disposição para esclarecer quaisquer questionamentos.
25
A DENÚNCIA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Culpado apenas porque tinha poder No dia 30 de março de 2006, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou ao Supremo Tribunal Federal a denúncia contra José Dirceu e mais 39 pessoas. A denúncia foi encaminhada ao ministro Joaquim Barbosa, designado relator. Entre os 40 denunciados, com base no Inquérito 2.245, estão os ex-dirigentes do PT José Genoíno, Delúbio Soares de Castro e Sílvio José Pereira, que com José Dirceu são considerados, pelo procurador-geral, os cabeças do que ele chama de quadrilha. São também denunciados, entre outros, os ex-ministros Anderson Adauto e Luiz Gushiken, os ex-deputados Carlos Rodrigues, João Magno, João Paulo Cunha, José Borba, José Janene, Paulo Rocha, Pedro Corrêa, Pedro Henry, Professor Luizinho, Ro27
meu Queiroz, Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto, os publicitários que eram proprietários da SMPB – Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Cardoso e Cristiano Paz – e Duda Mendonça. O procurador, em 160 páginas, apresenta as “condutas criminosas” praticadas pelos acusados. Em relação a José Dirceu, rememora os depoimentos do então deputado Roberto Jefferson na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados e na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, acusando o então ministro-chefe da Casa Civil de di-
Para chegar a tal conclusão, o procurador-geral esquece as gritantes contradições entre as várias versões apresentadas por Roberto Jefferson.
rigir e operacionalizar um esquema de distribuição de dinheiro a políticos. A denúncia baseia-se nas palavras do ex-deputado Roberto Jefferson para sustentar que José Dirceu participou das diversas irregularidades narradas. Conferindo total credibilidade ao ex-parlamentar, a denúncia conclui que “todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram provadas”. Jefferson, porém, teve seu mandato cassado pela Câmara justamente por ter feito acusações sem provas. Para chegar a tal conclusão, o procurador-geral esquece as gritantes contradições entre as várias versões apresentadas pelo ex-deputado Jefferson. Esquece-se de suas declarações iniciais, que excluíam José Dirceu de qualquer responsabilidade e descreviam sua indignação com os fatos. O procurador-geral diz que as investigações feitas pelo Congresso Nacional, nas CPMIs dos “Correios” e da “Compra de Votos”, é que “instruem” a denúncia e que “todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas”. O resumo da acusação: “Os denunciados operacionalizaram desvio de recursos públicos, concessões de benefícios indevidos a particulares em troca de dinheiro e compra de
28
apoio político, condutas que caracterizam os crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção e evasão de divisas”.
A linha de argumentação do procurador-geral é simplista ao apresentar José Dirceu (então ministro-chefe da Casa Civil), José Genoíno (então presidente do PT), Sílvio Pereira (então secretário-geral do PT) e Delúbio Soares (então tesoureiro do PT) como “núcleo principal” da “quadrilha”. O que diz o procurador-geral: “Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda financeira. O objetivo desse núcleo principal era negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados”.
José Dirceu é acusado de chefiar a “sofisticada organização criminosa”, nas palavras do procurador-geral. Mas não é apresentada nenhuma prova disso. O procurador alega apenas o fato de José Dirceu ter sido presidente do PT (embora não à época dos fatos relatados) e ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República. Se tinha tanto poder, raciocina o procurador-geral, tinha de estar a par de tudo o que acontecia e ser responsável por todos os fatos. Uma suposição, sem nenhuma prova. A defesa de José Dirceu no Supremo Tribunal Federal é assinada por dois advogados: José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua. Foi apresentada em 11 de julho de 2006 e mostra com clareza que José Dirceu foi cassado pela Câmara dos Deputados sem que contra ele fossem 29
apresentadas provas e que na denúncia do procurador-geral também não há provas de seus supostos crimes. É, em resumo, o que se denomina uma denúncia inepta. Abaixo, um resumo, em linguagem coloquial, dos argumentos apresentados pelos advogados: O julgamento no Congresso foi político O relator da CPMI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, em várias oportunidades declarou que o julgamento de José Dirceu era político. O presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, deputado Ricardo Izar, disse, em entrevista ao jornal O Globo, que não havia provas contra José Dirceu. A imprensa, em várias matérias durante o processo instaurado no Conselho de Ética, afirmou a inexistência de provas contra o então deputado José Dirceu, sendo o julgamento político. A pergunta que se fazia naquela oportunidade era a seguinte: o julgamento político, para cassar um mandato popular, não precisa de um mínimo de provas? É correto cassar o mandato de um parlamentar eleito com mais de 500 mil votos, sem provas, apenas por uma conveniência política? A defesa durante todo o processo que tramitou no Conselho de Ética ouviu de vários parlamentares que o julgamento era político. Na defesa oral naquele Conselho, argumentou-se que mesmo o julgamento político deve ser apoiado em provas concretas, pois, do contrário, estamos falando em fuzilamento político, em arbitrariedade, na predominância de uma posição de uma maioria passageira, em desfavor de um julgamento justo. Basta ter uma maioria e, independentemente de provas, propõe-se a cassação de um parlamentar, que foi o que ocorreu. 30
Não há provas para as acusações A denúncia oferecida contra José Dirceu é vaga. Sem cumprir os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia não descreve minimamente os atos que teriam sido praticados para a consumação dos delitos e assim impede o legítimo direito de defesa do acusado. A partir da afirmação de que José Dirceu seria a “segunda pessoa mais poderosa do País”, a acusação o coloca como integrante do “núcleo central da quadrilha” e a partir dessa falsa premissa são feitas suposições e ilações sobre sua participação nos delitos. José Dirceu ocupou cargo estratégico no governo federal à época dos fatos, mas daí a concluir, como fez a denúncia, que em razão desse cargo “foi o principal articulador dessa engrenagem, garantindo-lhe a habitualidade e o sucesso”, vai um longo caminho. A lei exige que na denúncia conste a exposição do fato supostamente criminoso com todas as suas circunstâncias, seus detalhes. A denúncia deve
A denúncia contra José Dirceu é vaga. Não descreve os atos que teriam sido praticados para a consumação dos delitos.
obedecer às formalidades essenciais contidas no Código de Processo Penal, porque é com o cumprimento dessas formalidades que são conhecidos os limites da acusação, o que possibilita o exercício do direito constitucional da ampla defesa. Na denúncia de um crime o fato deve ser revelado com todas as suas circunstâncias, com todos os detalhes. A análise da denúncia demonstra que o procurador-geral atribui a José Dirceu a prática de diversas condutas criminosas pelo simples fato de ter ocupado o cargo de ministro-chefe da Casa Civil e ter sido presidente do Partido dos Trabalhadores. A denúncia manipula fatos de conhecimento público, como ter José Dirceu ocupado cargo no governo federal ou ter sido presidente do Par31
tido dos Trabalhadores, para imputar-lhe a pecha de chefe de quadrilha, sendo que a partir dessa acusação vêm as acusações referentes aos demais delitos. Tal afirmação é totalmente descabida e desprovida de qualquer prova. Pela lógica da acusação teríamos de admitir que tanto o governo federal como o Partido dos Trabalhadores seriam organizações criminosas. Afirmação que nem mesmo o mais crítico oposicionista ousaria fazer.
Pela lógica da acusação, teríamos que admitir que tanto o governo federal como o PT seriam organizações criminosas. Afirmação que nem mesmo o mais crítico oposicionista ousaria fazer.
Não houve enriquecimento ilícito Não há também, na denúncia, nenhum indício de enriquecimento ilícito de José Dirceu ou de outras autoridades pertencentes ao chamado “núcleo central”. Para que sejam respeitados os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da individualização da responsabilidade penal e da dignidade da pessoa humana, não se exige da acusação uma descrição exagerada dos fatos, mas é necessário descrever minimamente a correlação entre os fatos imputados e as condutas de cada acusado. A denúncia não é sucinta nem clara, não descreve as ligações dos acusados com as condutas supostamente ilícitas e por isso não é apta para desencadear um processo criminal contra o acusado. E ninguém pode ser incriminado somente em função do exercício de cargo. Não houve reunião com Marcos Valério Além de se apoiar nas incertas palavras do ex-deputado Jefferson, a denúncia elege como seu segundo e último pilar de sustentação o co-denunciado Marcos Valério. Para a denúncia, “José Dirceu reunia-se com o
32
principal operador do esquema, Marcos Valério, para tratar dos repasses de dinheiro e acordo político”. Mas em depoimento da CPMI da “Compra de Votos”, prestado em 9 de agosto de 2005, Marcos Valério negou que tivesse participado de reuniões com José Dirceu para discutir repasses de dinheiro ou acordos políticos. De fato, de superficial leitura do depoimento de Marcos Valério, percebe-se que jamais houve qualquer confirmação do suposto conhecimento de José Dirceu quanto às irregularidades relatadas. Após uma análise do depoimento de Marcos Valério, fica apenas a mera suposição dele ao acreditar que José Dirceu soubesse dos empréstimos feitos pelo PT. A quebra dos sigilos telefônicos feita pela CPI demonstrou claramente a inexistência de vínculos entre José Dirceu e Marcos Valério, tendo em vista que não foi constatado nenhum telefonema entre ambos. E as suposições de Marcos Valério tornam-se ainda mais precárias com o desmentido feito por Delúbio Soares, que, na CPMI, afirmou que nunca tratou dos empréstimos bancários com José Dirceu. Bancos não foram favorecidos Em seus depoimentos, dirigentes dos bancos Rural e BMG negaram qualquer tipo de encontro ou contato com José Dirceu para discutir empréstimos feitos ao PT ou outros assuntos relacionados ao caso. Para sustentar a suposta atuação de José Dirceu na imaginada quadrilha, a denúncia afirma que ele participou do favorecimento do governo federal ao BMG. Especulou que o favorecimento estaria no fato de a instituição financeira ter lucrado com o produto “crédito consignado” e obter credenciamento para operar no INSS. 33
Contudo, é notório que o banco BMG é o pioneiro no produto “crédito consignado”, vendendo-o desde 1998, quando lançou carteira exclusiva para funcionários públicos. Desde então, é corrente no mercado financeiro que o BMG ocupa a liderança desse produto, sendo considerado pelas demais instituições financeiras “o melhor banco em crédito consignado do País”, como disse um executivo do Banco Itaú. O Tribunal de Contas da União julgou improcedente a acusação de favorecimento ao BMG. Logo, José Dirceu não favoreceu a instituição
O TCU julgou improcedente a acusação de favorecimento ao BMG. Logo, José Dirceu não favoreceu a instituição financeira.
financeira. Além disso, os acusados de participar do denominado “núcleo central” – Delúbio Soares, Silvio Pereira e José Genoíno – sempre negaram categoricamente que José Dirceu tivesse participação nos empréstimos ao PT e nos repasses de recursos descritos na denúncia ou mesmo ciência deles. Nenhuma participação Em relação à denúncia de que sua ex-esposa, Maria Ângela Saragoça, teria sido beneficiada por Marcos Valério na compra de um apartamento em São Paulo e ao receber oferta de emprego no BMG, ficou comprovada também a total isenção de José Dirceu no episódio. Tão logo o caso veio à tona, Maria Ângela Saragoça detalhou com minúcias o ocorrido e negou a participação de José Dirceu tanto na aquisição do imóvel como na obtenção do emprego. Afirmou que José Dirceu não teve nenhuma influência no contato com Marcos Valério e que se considerava usada pelo publicitário. O advogado Rogério Lanza Tolentino e Ivan Guimarães, que participaram da compra e venda do imóvel, também excluíram publicamente José Dirceu de qualquer participação no episódio.
34
Sem provas de desvio de recursos públicos A denúncia acusa José Dirceu da prática, por várias vezes, de um suposto “conluio” com os co-denunciados Luiz Gushiken e Henrique Pizzolato para desvio de recursos públicos. Não há descrição da conduta efetivamente praticada por José Dirceu. A denúncia não descreve qualquer relação entre José Dirceu e os outros denunciados, limitando-se a afirmar que pertencem ao mesmo partido político, sem narrar eventual relação. O destino dos recursos supostamente desviados também não foi minimamente descrito pela denúncia, que, em nenhum momento apontou qual seria o uso que José Dirceu teria dado aos tais valores. Não houve compra de apoio político A denúncia alega que José Dirceu teria praticado o crime de corrupção ativa por inúmeras vezes, enumerando os supostos delitos no financiamento de diferentes partidos políticos. Aqui, como nos demais pontos da denúncia, nenhuma conduta lhe é imputada ou descrita. A denúncia limita-se a acusar o Partido dos Trabalhadores, incluindo José Dirceu, sem fornecer especificações, ainda que mínimas, sobre qual teria sido a efetiva participação dele nos crimes citados. No que diz respeito à efetiva compra de votos, a denúncia nada prova, pois a compra de votos não foi detectada no inquérito policial e nem mesmo na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da “Compra de Votos”, especialmente instaurada para esse fim. Os resultados das CPMIs indicam, seguramente, que não existiu compra de votos e uma grande evidência de que não houve compra de par35
lamentares está na dificuldade encontrada pelo governo para aprovar seus principais projetos no Congresso. Todas as evidências indicam que o repasse irregular de verbas não tinha relação com a compra de votos, não buscava assegurar a governabilidade e não partia do governo. Sem conluio no PT Outro ponto fundamental da acusação é o suposto “conluio” entre
No que diz respeito à efetiva compra de votos, a denúncia nada prova, pois ela não foi detectada no inquérito policial, nem na CPMI.
José Dirceu e o secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares. Em todas as oportunidades em que foi ouvido, Delúbio afirmou que José Dirceu não tinha participação ou mesmo ciência de suas atividades como tesoureiro do PT. Não há nenhuma prova em contrário e, ademais, as evidências colhidas comprovam essa afirmação. Deve-se notar que os repasses de recursos citados na denúncia somente ocorreram durante o período em que o José Dirceu já não ocupava nenhum cargo no Partido dos Trabalhadores, estando no exercício da função de ministro-chefe da Casa Civil. A atuação no Poder Executivo exigia enorme dedicação, impossibilitando qualquer tentativa de interferência na vida orgânica e financeira do Partido dos Trabalhadores. O ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno, disse claramente que José Dirceu não se ocupava das questões financeiras do partido e tampouco teria condições para isso: “Eu quero deixar bem claro que o ministro José Dirceu não interferia na vida interna do partido. Respeitava o funcionamento e as decisões da Executiva. Ele participava quando tinha reunião do Diretório Nacional. Tinha uma relação política, como dirigente nos debates, nas resoluções do Dire-
36
tório Nacional. Em relação ao funcionamento, em relação ao dia-a-dia do partido, ele não tinha interferência.”
Logo, José Dirceu não atuava, de qualquer forma, na vida financeira do PT e tampouco sabia dos repasses feitos pelo setor financeiro do Partido dos Trabalhadores. Buscando derrubar essa constatação, alguns opositores de José Dirceu lhe atribuem ilimitados poderes no governo e no Partido dos Trabalhadores. Assim, pretende-se suprir a falta de provas com um simplório argumento: não seria possível que o “todo poderoso” ex-ministro-chefe da Casa Civil não soubesse dos atos praticados por integrantes de seu partido.
37
Laycer Tomáz/Acervo Câmara dos deputados
Plenário da Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados, na apreciação do processo de cassação de José Dirceu. 30/11/2005
A DEFESA NO PLENÁRIO DA CÂMARA
“Vou continuar lutando até provar a minha inocência” Íntegra do discurso do deputado José Dirceu na sessão da Câmara dos Deputados em que seu mandato foi cassado: Sr. presidente, deputado Aldo Rebelo, sras. e srs. deputados, brasileiras e brasileiros que nos acompanham na Câmara dos Deputados, em suas casas, em seus locais de trabalho, em todo este imenso Brasil, imprensa, servidores, funcionários e assessores da Câmara dos Deputados, depois de cinco meses volto à tribuna da Câmara dos Deputados. O País, esta Casa, todas as senhoras e todos os senhores são testemunhas de que travei um combate de peito aberto. Não renunciei ao meu mandato de deputado federal. Não critico quem o fez, mas, como disse ao País naquele momento, eu não poderia fazê-lo. Não teria condições de 39
olhar hoje, como estou olhando, para cada deputada e deputado e para todo o Brasil. Depois de 40 anos de vida pública, que o País conhece – todos nós temos nossas vidas públicas, cada deputada e deputado, que a comunidade, a cidade e o Estado conhecem – , eu, do dia para a noite, fui transformado em chefe do mensalão, em bandido, o maior corrupto do País. Evidentemente, eu tinha como dever, para honrar o mandato que o povo de São Paulo me deu, para honrar cada deputada e deputado, para
“Depois de 40 anos de vida pública, fui transformado, da noite para o dia, em chefe do mensalão, em bandido, o maior corrupto do País.”
honrar esta Casa, lutar até provar a minha inocência. Digo e repito, não como bravata, mas como compromisso de vida: seja qual for a decisão que esta Casa tomar hoje, vou continuar lutando até provar minha inocência. Por que eu me insurgi contra o processo a que fui submetido, de linchamento público, de prejulgamento? Porque isso viola os mais elementares direitos de todos os brasileiros e brasileiras. Todos nós aqui juramos defender a Constituição do País. Quando bati às portas da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quando apelei para o Plenário desta Casa soberana do povo, quando fui à Corte máxima do País, o Supremo Tribunal Federal, não o fiz apenas para defender meus direitos – quero repetir –, eu o fiz na obrigação que todos nós temos, deputados e deputadas, de defender os direitos individuais inscritos na Constituição. Na condição de cidadão, tenho o direito da presunção da inocência e não da culpa, como aconteceu no meu caso. Assim como todos que estão aqui, sabemos que o ônus da prova cabe ao acusador e não ao acusado. Temos de defender o processo legal e o direito de defesa. Isso não estava acontecendo.
40
Laycer Tomáz/Acervo Câmara dos deputados
Isso é verdade – todo o Brasil sabe disso –, tanto que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e o Supremo Tribunal Federal adotaram decisões que restabeleceram o devido processo legal, o direito de defesa e também os prazos processuais. Impuseram suas decisões não só ao Conselho de Ética, mas à própria Mesa da Câmara dos Deputados, a mim e aos outros deputados que respondem a processos neste momento. Nunca me neguei a ser investigado. Não é verdade que fui aos tribunais ou à Comissão de Constituição e Justiça para ganhar mais tempo, quero repelir isso. Não temo o julgamento dos meus pares, como não temi o Conselho de Ética e as CPIs Mistas. Não temi o depoimento na Polícia Federal. Não temo porque acredito que é dever meu, uma obrigação de cidadão e mais ainda de homem público ser investigado. Eu quero ser investigado. Eu quero que, antes que termine o ano, a Polícia Federal, o Ministério Público, as CPIs apresentem para a Justiça brasileira os relatórios, os pedidos de indiciamento ou não, para que ela se pronuncie. Não pedi impunidade. Discuti no Supremo Tribunal Federal o
José Dirceu faz sua defesa no Plenário da Câmara dos Deputados. 30/11/2005
foro em que eu deveria ser julgado. E o fiz baseado na jurisprudência. Não agi de forma leviana ou chicana, como muitos afirmaram de forma indevida. O Supremo Tribunal Federal, na década de 1980, quando vários deputados bateram às suas portas para exigir imunidade parlamentar, porque estavam sendo acusados de crime contra a honra, disse-lhes: “Os senhores, deputados, têm foro privilegiado, mas não imunidade parlamentar”. Foi baseado nessa jurisprudência que solicitei não que não fosse investigado, não que não fosse processado e julgado, mas que o Supremo Tribunal Federal, levando em conta o Ministério Público Federal, relatórios 41
de CPI, inquérito da Polícia Judiciária ou da Polícia Federal, me processasse, se considerasse necessário, e me julgasse. Quero restabelecer essa verdade, para que não fique registrado na minha biografia nem nos Anais desta Casa que um deputado procurou escusar-se da impunidade ao discutir foro privilegiado. Repito o que disse durante esses 6 meses ao Brasil: não há provas contra mim; eu não quebrei o decoro parlamentar. Os deputados e as deputadas desta Casa, pelo menos grande parte, conviveram comigo durante 11 anos no exercício dos mandatos parlamentares. O Brasil me conhece como deputado estadual, como deputado federal, como servidor da Assembléia Legislativa de São Paulo, como candidato a governador. Fui empresário no Paraná, fui líder estudantil, vivi na clandestinidade nos anos da ditadura. Nunca fui processado na minha vida. Não que isso seja uma desonra, porque muitos foram processados, e inocentados. Mas, repito, nunca fui processado. Nunca respondi a processo, nem na qualidade de deputado, estadual ou federal, nem na de ministro de Estado. Fiquei 30 meses na Casa Civil. Não tenho ação por improbidade administrativa, não tenho ação por tráfico de influência, não tenho ação por crime de responsabilidade. Minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas da União. Nunca recebi sequer uma advertência da Comissão de Ética Pública ou da Controladoria-Geral da União. Todos que estão aqui sabem que fui ministro do presidente Lula com dupla atribuição. Pergunto para cada líder que está aqui, da oposição e da base do Governo, para cada deputado e deputada, para todos os empresários do País, para todos aqueles que fizeram ou receberam de mim 25 mil telefonemas, para todos aqueles que estiveram comigo em 42
milhares de audiências, se alguém recebeu de minha parte alguma proposta indecorosa, alguma proposta ilícita, alguma proposta que ferisse o interesse público. O que fiz na minha vida pública até hoje que tenha ferido o interesse público? De que sou acusado? Sou acusado de ser chefe do mensalão. A Câmara sabe que não sou o chefe do mensalão. Cada deputado e deputada que está aqui sabe que isso não é verdade, jamais propus para qualquer deputado ou deputada compra de voto. Esta Casa está me julgando, mas também está colocando-se em julgamento. O relator no Conselho de Ética, deputado Jairo Carneiro, deixou claro em seu parecer que não estava comprovada a existência do mensalão. Tivemos a CPI do Mensalão, a da Compra de Votos, que não comprovou a existência do mensalão. Não tive participação alguma, jamais, em qualquer negociação es
“Não tive participação alguma, jamais, em qualquer negociação escusa para que fosse votado qualquer projeto do governo.”
cusa para que fosse votado qualquer projeto do governo. Não é verdade que esta Casa votou as reformas do ano de 2003 a partir de compra de votos ou de negociatas com o governo, até porque eram suprapartidárias. O presidente as encaminhou para o Congresso com o apoio dos governadores e dos prefeitos. Elas cortaram os partidos por dentro. Havia mais oposição, muitas vezes, na bancada do meu partido, o PT, na bancada dos partidos de esquerda do que na bancada da oposição. Não é verdade que houve compra de votos. O País sabe que houve repasse de recursos de dívidas para campanha eleitoral. E o PT, meu partido, já está respondendo por isso na Justiça Eleitoral e na Comum, já tomou medidas disciplinares, já assumiu seus erros, já pediu desculpas ao País. 43
Sabemos também que, quanto à origem dos recursos, até agora, a não ser que a CPMI dos Correios comprove e depois a Justiça prove, julgue e condene, não há prova alguma de que houve recurso público, não há prova alguma de que houve recurso de fundos de pensão, não há prova alguma de que houve recursos de origem ilícita. São recursos de empréstimos tomados pelas empresas conhecidas de publicidade nos bancos BMG e Rural, repassados para o PT e desse para os partidos aliados.
“Não sou cidadão de negar o que pratiquei. Não participei das decisões da direção nacional do PT, da Executiva, pois dela não participava.”
Não participei, em momento algum, de qualquer decisão do meu partido. O Brasil, os senhores e as senhoras me conhecem: se eu tivesse participado de alguma decisão que hoje está sob análise e julgamento, teria assumido no primeiro dia, porque sempre agi desse modo. Mesmo quando minha vida corria risco, disse àqueles que me prenderam, àqueles que me processaram que eu não havia praticado os atos de que me acusavam. Respondi a processos, fiquei condenado à morte neste País, voltei como clandestino porque tinha assumido uma luta contra a ditadura, tinha assumido uma luta pela resistência armada. Não sou cidadão – não vou dizer homem porque seria machismo – de negar o que pratiquei. Não participei das decisões da direção nacional do PT, da Executiva, não era membro. As sedes do PT nacional em Brasília e em São Paulo têm paredes, telefones, assessores, funcionários, seguranças, motoristas. V.Exas. me conhecem e sabem que, se tivesse participado de tais atos, teria decidido, teria deliberado, todos saberiam da minha participação. Não vou assumir o que não fiz! Não vou! Não fiz e não assumo! Quem fez está respondendo na Justiça Eleitoral e na Comum; se não é Parlamentar, não está respondendo nesta Casa.
44
Não tive participação direta ou indireta em repasse de recursos para campanha eleitoral. Todos os senhores e as senhoras sabem. Quais as acusações que me são feitas, então, que eu deveria saber? Essa acusação não pode ser aceita por nenhum juiz, por nenhum tribunal. Lembro que não existe mais cassação política neste País, nesta democracia, sob a égide da Constituição, a qual juramos. Não aceito e vou lutar até o fim da minha vida se for cassado por razões políticas! Não posso ser cassado porque fui presidente do PT. Não posso ser cassado porque coordenei a campanha do Presidente Lula. . Não posso ser cassado porque fui ministro da Casa Civil. Não posso ser cassado pela minha história, nem acredito que a Casa o faça. A Casa o fará se encontrar prova material contra mim, não pedaços contraditórios de depoimentos, como mostrarei. Não há nexo, materialidade, prova material. Não sou réu confesso. Jamais assumi minha culpa sobre o que não fiz. Cometi muitos erros políticos, estou pagando por eles e os já reconheci de público. Mas não será aqui e agora, desta tribuna, com o tempo que tenho, que os devo apresentar. Eu os exporei no congresso do meu partido e, se for necessário, nesta Casa. Mas são erros políticos, jamais algo que seja ilícito, que me envergonhe ou esta Casa. Repito: tenho as mãos limpas. Vamos às acusações. Ligações com Marcos Valério. O Brasil sabe que o sr. Marcos Valério declara que é meu inimigo: “Eu não sou amigo do sr. ministro José Dirceu.” “V.Exa. dele então considera-se inimigo?” “Diria que sim, hoje.” Todos sabem que não há um telefonema meu para Marcos Valério, que não participei de reunião sozinho com ele. Ele foi à Casa Civil acompa45
nhando o Banco Espírito Santo, acompanhando o Banco Rural e acompanhando a Usiminas, prestando um serviço para essas instituições. Eu nunca tratei com ele nada que não fosse público. Aliás, tratei nada, porque tratei com a Usiminas, o Banco Rural e o Banco Espírito Santo. Tinha, sim, na Casa Civil, a sala de infra-estrutura e a sala de investimento, recebi centenas de empresários – Febraban, CNI, Fiesp, quase todas as empresas do setor petroquímico, de petróleo, de siderurgia deste País –, porque o presidente me delegou essa função. Tenho recebido apoio de todos
“Tinha, na Casa Civil, a sala de infra-estrutura e a de investimento. Recebi centenas de empresários porque o presidente me delegou essa função.”
eles neste momento de minha vida, porque jamais tratei de algo que não pudesse tratar publicamente. Sou acusado de favorecer o BMG e favorecer relações com os fundos de pensão. Não há nada. Na CPMI dos Correios não há sequer uma citação do meu nome, a não ser nos depoimentos de Roberto Jefferson. Os membros da referida Comissão sabem que estou dizendo a verdade. Não há nada que me ligue aos fundos de pensão, nada que me ligue ao BMG ou ao Banco Rural, nem ao Banco Mercantil de Pernambuco, muito menos à questão do crédito consignado. Não é verdade que o BMG foi beneficiado pelo crédito consignado. Sou obrigado a descer em detalhes. A Caixa Econômica Federal iniciou a operação; um ano depois, foi o BMG, que tem tradição, nicho de mercado, know-how e trabalha com agentes, com crédito consignado, já tinha experiência em Minas Gerais e conquistou posição no País. E a primeira medida provisória do governo, que foi aprovada por unanimidade nesta Casa, dava reserva de mercado para os bancos onde os aposentados recebiam seus salários e prejudicava o BMG e os bancos comerciais. Depois esta Casa e o Senado mudaram essa legislação e quebraram a reserva
46
de mercado. Não há nada que prove que fiz qualquer tráfico de influência, que tive qualquer relação escusa com o BMG e o Banco Rural. Fico constrangido de ter que explicar a relação comercial da minha ex-esposa, Ângela Saragoça, mãe de minha filha, porque não participei disso. Todos os depoimentos de todos aqueles que participaram dizem expressamente que não tomei parte nisso. Ela diz em sua carta – e o relatório ocultou isso – que me procurou. E eu disse a ela: “Não posso, não devo, não a ajudo e não tenho condições, pelas condições de todos nós, de aumentar a pensão; você tem que procurar resolver esse problema pessoalmente”. Ela buscou seu círculo de amigos – estou separado dela há 15 anos. Não posso aceitar isso! É uma ignomínia! É uma ignomínia contra uma mulher que trabalha no BMG, que paga corretamente o empréstimo no Banco Rural e que não fez nada com má-fé ou dolo. Não posso aceitar, repilo isso. Aceito as acusações políticas, aceito discutir se tenho culpa ou não, mas não aceito isso que foi feito, como não aceitarei jamais o que foi feito com meu filho, e o País assistiu a isso. Meu filho era secretário da Indústria, Comércio e Turismo de Cruzeiro do Oeste, era secretário adjunto, no escritório de Umuarama, da Secretaria de Emprego e Renda do governo do Paraná. Tinha o direito e o dever de vir a Brasília, a todos os Ministérios e à Casa Civil, para buscar recursos para suas cidades, para o seu Estado, e o fez legitimamente, sem traficar influência, sem ilegalidade. Mas fizeram uma devassa na vida dele! Publicaram antes o processo administrativo, anunciaram que fariam a denúncia, que depois fizeram. E me envolveram sem ter a minha citação no processo administrativo, sem ninguém me envolver, para agravar a minha situação no Conselho de Ética. 47
Não é verdade que participei de negociações financeiras com o sr. Duda Mendonça, nem com o sr. Valdemar Costa Neto. É só olhar o depoimento dos dois nas CPMIs, é só quebrar o sigilo bancário e telefônico. Repetiram à exaustão que eu telefonava para o tesoureiro, para o Genoíno a partir de telefonemas do tesoureiro do PTB; quando quebraram o sigilo telefônico, não acharam nada. Não posso aceitar denúncias vazias, tenho que repeli-las. O saque do sr. Roberto Marques no Banco Rural é mais caricato: não tem o número do RG dele, não tem a assinatura dele, não tem o número do CPF dele, o documento não é reconhecido como autêntico pela CPMI. Outro cidadão retirou no mesmo dia o mesmo cheque, com o mesmo número, no mesmo valor, mas uma revista disse que o cidadão repassou recursos para ele. É a lei da suspeição do terror francês! Não há mais legalidade alguma! Sou culpado por quê, se o sr. Roberto Marques mantém relações públicas comigo, mas não é meu assessor nem meu funcionário, mas da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo? Não há prova de que eu tenha qualquer relação com esse caso. Estou disposto, sr. presidente, sras. e srs. Deputados – e peço desculpas pela veemência –, a continuar respondendo a cada acusação, a cada denúncia que surgir contra mim em qualquer instância deste País. Porém onde quero lavar a minha honra, onde quero ser inocentado é nesta Casa. Como cada um de V.Exas., recebi um mandato e o honrei. Não desonrei o mandato que o povo de São Paulo me concedeu. Todos os que me conhecem sabem que isso é verdade. Repito: servi ao governo do presidente Lula durante 30 meses com honra, orgulho e paixão. A pior coisa da minha vida foi sair do governo do 48
presidente Lula. Saí porque entendi que não ajudaria o governo nem o Brasil ficando depois de todas as denúncias que foram feitas. Eu tinha de fazer o que fiz nesses cinco meses, e todos aqui sabem o que eu passei durante esse período. Não foi fácil chegar aqui hoje em condições de me defender. Foi graças ao apoio de centenas de milhares de brasileiras e brasileiros anônimos, das pessoas do meu gabinete de deputado, do meu advogado – peço desculpas por ter usado o tempo dele –, de centenas de deputadas e deputados, de governadores e prefeitos, de amigos e amigas, no governo e fora dele, do meu partido, enfim, da minha bancada, que fiquei de pé e cheguei até aqui. Sou um sobrevivente. Não tenho valor pessoal próprio, qualidades especiais próprias. Aprendi tudo o que sei em diferentes fases da vida política, social e cultural do nosso País. Por razões da vida, não fui assassinado, não caí em combate, não virei um desaparecido. Por razões da vida, quando cheguei a São Paulo, aos 14 anos, consegui emprego como office-boy e consegui estudar. Não
“Sou um sobrevivente. Não tenho qualidades especiais. Aprendi tudo que sei em diferentes fases da vida política, social e cultural de nosso País.”
virei mais um brasileiro no crime, na delinqüência. Cheguei até aqui graças ao nosso povo, porque o Brasil só vem melhorando, só vem avançando. A consolidação da democracia talvez seja a maior dádiva que temos. O que precisamos fazer é evitar o que aconteceu. Denúncias de corrupção na administração pública as CPIs têm de investigar. Têm de punir os culpados e tomar medidas para impedir que ela volte a ocorrer. Não aceito que haja corrupção no governo, do governo ou promovida pelo governo. O meu partido cometeu erros, mas, se colocarmos na balança tudo que o PT fez – como muitos partidos, todos fizeram aqui, cada um a sua maneira – pela vida política, social e econômica, pelos avanços sociais, 49
econômicos e políticos do Brasil, veremos que o PT tem mais crédito que débito, e o povo saberá julgar isso nas próximas eleições. Para resolver esse problema sério neste País, temos que fazer uma reforma político-administrativa. Eu me penitencio por não ter trabalhado mais para realizá-la no primeiro ano do governo do presidente Lula, como já disse várias vezes. Talvez o grande desafio do Brasil – desafio que o povo vai decidir em 2006, porque vai confrontar os quatro anos de governo do presidente Lula com os governos anteriores, particularmente com o ante-
“Se queremos enfrentar o problema do financiamento ilegal de campanhas, do caixa 2, temos de realizar a reforma política.”
rior – seja fazer essa reforma política e administrativa. Não temo as investigações, como sei que o presidente não as teme, nem do Ministério Público, nem da Polícia Federal, nem das CPIs. No final, ficará provado que o presidente, os ministros, enfim, o governo não têm participação direta, seja por omissão, seja por autorização, nos fatos que estão sendo analisados. Repito: se há corrupção, ela precisa ser apurada e comprovada; e os responsáveis, punidos. Da mesma forma, se queremos enfrentar o problema do financiamento ilegal de campanhas, do caixa 2, temos de realizar a reforma política. Não basta esta Casa ou o Senado fazer uma parte da reforma política. O País espera e demanda do Congresso Nacional uma profunda reforma política; o País sabe que não terá eficiência de gestão, eficiência de recursos humanos, não terá um Estado eficiente nem planejado se não fizer uma reforma administrativa. Essa é uma pauta que devemos assumir, que me proponho, como cidadão e ou como Parlamentar, apoiar e ajudar o Congresso a . realizá-la.
50
Sr. presidente, sras. e srs. deputados, cheguei a um ponto em que a minha situação se transformou em agonia, em degola, em inferno, em fuzilamento político. Degola política existia na República Velha. Não podemos permitir – peço vênia para me expressar assim – que esta Casa se transforme num tribunal de degolas políticas. Se houver uma prova contra mim no relatório, como disse o relator no caso, Sandro Mabel, que seja robusta e cabal para me levar à condenação por quebra de decoro parlamentar; aí, sim, aceito que a Câmara dos Deputados discuta e casse o meu mandato. Eu mesmo já disse de público, e por isso fui criticado, que a cada dia mais acreditava na minha inocência. Quando disse isso, foi porque o ônus da prova tinha sido invertido, a produção da culpa tinha sido invertida. Refleti muito, nesses últimos cinco meses, sobre os erros que tinha cometido, sobre cada ação que realizei na Casa Civil, sobre as relações que mantive com essas empresas, sobre as relações que mantive com os partidos e com a Câmara dos Deputados, e não encontrei nada, nada, que possa levar à quebra de decoro parlamentar. Não podemos transformar esta Casa num tribunal de exceção. Não pode haver – nesse caso, não concordo mesmo com o Conselho de Ética e com o relator – relaxamento processual. Não pode haver rito sumário em casos não previstos pela Constituição e pelos Códigos. E o que aconteceu, por pressão da opinião publicada? Começou a formar-se uma opinião pública neste País que exigia desta Casa a cassação, o mais rápido possível, de deputados acusados, independentemente do devido processo legal. Essa é a verdade. Não a esconderei. Eu já critiquei, já mostrei ao País, desde que enviei a carta às senhoras e aos senhores, 51
o papel que determinados setores da imprensa vêm desempenhando neste País. Muitas vezes, a imprensa tem sido de oposição ou partidarizada, mas ela precisa assumir que é de oposição ou partidarizada. Já que temos o direito de dar entrevistas e responder a essa imprensa, ela que assuma sua posição. Não vejo nenhum problema de a imprensa assumir determinado partido, bandeiras ou campanhas, como aconteceu no caso do referendo sobre o desarmamento, quando alguns órgãos de imprensa apoiaram o sim e outros o não. É melhor para o País que seja de maneira transparente, clara, aberta. Quero ter o direito de dizer que muitas denúncias que surgiram e passaram a ser investigadas eram vazias e foram promovidas por setores da imprensa. Muitas conclusões foram tomadas pela imprensa antes ou mesmo sem que investigações fossem feitas. Não temo a imprensa livre, porque seria antidemocrático. Pelo contrário, sempre defendi e sustentei a liberdade de imprensa, inclusive com risco de perder a vida, até que a conquistamos com a promulgação da Constituição de 1988. Sr. presidente, sras. e srs. Deputados, não posso ser cassado porque era o todo-poderoso, porque não atendia telefonemas, não marcava audiências ou por causa de minha personalidade. Minha cassação significa a cassação de meus direitos políticos por 10 anos, até 2016. Isso é uma violência contra meu direito de cidadão e parlamentar eleito e contra as eleitoras e os eleitores que me elegeram, a não ser que haja prova robusta e cabal de que quebrei o decoro parlamentar. Também considero uma violência contra 40 anos de vida pública de alguém que dedicou sua vida ao País. Lamento e me sinto constrangido em ter de afirmar isso às senhoras e 52
aos senhores. Sou obrigado a fazê-lo, porque é minha vida, minha biografia e minha história que estão em jogo hoje. Falo isso com serenidade, tranqüilidade. Todos aqui sabem que acatarei qualquer resultado e continuarei minha vida de cidadão e continuarei na vida política do País. Não me dobrarei, não cairei, continuarei lutando, de maneira simples e humilde, sem as condições de um parlamentar ou dirigente político. Terei de refazer minha vida durante cinco ou 10 anos. Mas quero dizer a cada deputada e deputado: coloque-se no meu lugar. Como é possível cassarem meus direitos políticos sem provas, e até 2016, quando estarei com 70 anos de idade? É bem verdade que, com a medicina atual, devo ter ainda 30 anos de vida, pois estou com 59, mas é bem verdade também que se trata de uma ignomínia, uma violência política sem precedentes. Todos os deputados e deputadas sabem que sou um defensor do governo do presidente Lula. Considero este governo o que mais fez avanços no
“Todos aqui sabem que acatarei qualquer resultado. Não me dobrarei, não cairei, continuarei lutando, de maneira simples e humilde.”
Brasil nos últimos 20 anos. Cometeu erros, tem insuficiências, não cumpriu muitas de suas tarefas, mas promoveu avanços importantes para o País, que estão sendo debatidos neste momento e serão julgados pelas urnas no próximo dia 1º de outubro. Sempre respeitei a alternância de poder. Neste momento, quero restabelecer a verdade: não é fato que, em 1999, eu tenha apoiado o Fora,
FHC. Isso precisa ser restabelecido no País, apesar da oposição sempre intransigente, da disputa política que fiz com a coalizão que sustentou o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e da oposição que fiz ao governo durante oito anos. Só aceitei ser candidato a presidente do PT quando a tese do Fora, FHC foi derrotada por mais de 60% dos 53
delegados. Digo isso para restabelecer uma verdade, porque sempre fui democrata. Todas as minhas eleições aconteceram por via direta, desde a época do Centro Acadêmico XXII de Agosto, quando, enfrentando a Força Pública de São Paulo, com gás lacrimogêneo e cassetete, fizemos uma eleição na PUC de São Paulo, na Rua Monte Alegre, e fui eleito. Fui eleito presidente da União Estadual dos Estudantes, sob as balas e as patas dos cavalos da ditadura. Fui eleito deputado estadual. Fui candidato a governador. Fui
“Todas as minhas eleições aconteceram por via direta, desde a época do Centro Acadêmico XXII de Agosto, da PUC de São Paulo.”
três vezes eleito deputado federal, três vezes presidente do PT, trabalhei com a maioria do partido para estabelecer a eleição direta no PT e fui eleito diretamente. Não é verdade que sou stalinista. O PT é um partido profundamente democrático. Nunca decisão do PT foi tomada por meio de rolo compressor. Todas as decisões que propus ao partido levaram seis meses, oito meses, um ano para se transformarem em realidade, e foram aprovadas por maioria, muitas vezes de 2% ou 3%. Fui eleito presidente do PT com diferença de 18 votos. A tese que sustentou a mudança do PT, que levou o presidente Lula ao governo, foi vitoriosa com diferença de dois votos. O PT, que não tem maioria no País, elegeu o presidente, 91 deputados nesta Casa e 14 senadores. O PT compôs, sim, uma base ampla, primeiro com o PL, que deu o vice; depois, com o PSB e com o PCdoB, nossos aliados históricos; em seguida, com o PP, o PTB e o PMDB. Não é verdade que essa base de apoio foi composta considerando-se favores que não sejam legítimos. Não é verdade que houve compra de votos. Não é verdade que houve barganhas que envergonhassem esta Casa. Não é verdade que esta Casa votou em decorrência de compra de votos.
54
É isso que estamos votando hoje. Eu disse isso a todas as deputadas e a todos os deputados que votaram o relatório das CPIs. Quando saiu o relatório das CPIs, fiz meu contraditório. No outro dia, meu advogado entregou minha defesa lá. Quando saiu o relatório do Conselho de Ética, também o fiz, assim como na Corregedoria. No Conselho de Ética, nunca deixei uma acusação sem resposta, inclusive contra o governo. Não tinha autorização nem delegação para defender o governo, não era mais ministro, mas sou filiado ao PT e deputado da base do governo. Por isso defendi o governo contra as acusações de mensalão; de que os recursos vieram de fontes que não os empréstimos com os bancos; de superfaturamento; de que . recursos de empresas privadas foram destinados de maneira ilegal; de contratos fictícios ou as relacionadas a fundos de pensão. Se eu aceitasse isso, aceitaria que o governo do presidente Lula montou um sistema de corrupção no País, por meio de autorização ou de delegação do presidente. Isso não é verdade! Essa verdade tem de ser restabelecida no País. Para isso existem as CPIs, o Congresso Nacional, o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça. Eu o defendi com a consciência tranqüila, porque participei do governo, vivo o governo e sei que não é verdade. Sei que existe corrupção na Administração Pública Federal. Sei que é preciso combatê-la e a combati. Entreguei ao Conselho de Ética – todos os deputados e deputadas podem ter acesso – um relatório, de mais de 100 páginas, da Casa Civil, da Ciset. Toda denúncia que chegou à Casa Civil, contra integrante de estatal, autarquia ou ministério, contra qualquer diretor, presidente ou ministro, fosse ou não denúncia, muitas vezes era pedido de informação, encaminhei ao Ministério Público, encaminhei à Controladoria-Geral da União, encaminhei ao Tribunal de Contas da União. 55
Portanto, tenho a consciência tranqüila de que não me omiti, de que não prevariquei na Casa Civil. Fui ministro da Casa Civil. Não era presidente do PT. Não era deputado. Portanto, não aceito ser responsabilizado pelas decisões do PT ou como parlamentar. O Supremo tomou uma decisão, que acatei. Aliás, acatei todas as decisões do Supremo. Jamais critiquei o Supremo Tribunal Federal. Jamais critiquei também a Comissão de Constituição e Justiça quando perdi. Não aplaudi quando ganhei nem critiquei quando perdi, como alguns fizeram no País, o que não é uma atitude democrática. Sr. presidente, não vou fazer uso de todo o tempo que me foi concedido. Tenho interesse de que a Câmara conclua a votação. Quero acordar amanhã como um cidadão que prestou contas à Câmara dos Deputados como deputado, olhou para cada parlamentar. Durante essas semanas todas eu me dispus a conversar com cada deputada e deputado, ouvir o que cada deputado e deputada tinha a me questionar. Enviei para cada deputado e deputada uma carta e depois as minhas defesas. Fizemos esse resumo. Todos os deputados e deputadas sabem o sacrifício que isso significou porque sabem qual é a estrutura do gabinete, sabem o salário e a verba indenizatória que têm, sabem as condições em que exercem o mandato. Não fosse a ajuda de milhares de brasileiros e brasileiras, centenas de milhares – ouso dizer – de brasileiros e brasileiras, eu não teria podido travar essa luta. Não quero misericórdia. Não quero clemência. Tenho repetido para cada um e cada uma de vocês: quero justiça. Que cada deputado vote com a sua consciência. Nunca agravei nenhum deputado ou deputada. Nunca agravei nenhum membro do Conselho de Ética. Nunca fiz ataque pessoal. 56
Nunca fiz crítica que não fosse jurídica e política. Sei da situação e da posição que vivo neste momento, desde o dia em que voltei para esta Casa. Sei muito bem da responsabilidade política que eu tenho nesses últimos 10 anos no Brasil. Mas sei também que essa responsabilidade não envolve – quero repetir – nada, nada que signifique quebra de decoro. Para finalizar, sr. presidente, sras. deputadas, srs. deputados, quero render homenagem a todos aqueles que lutaram em nosso País pela democracia para que esta Casa hoje pudesse estar julgando. Tenho compromisso com a luta contra a corrupção. Digo isso olhando nos olhos de cada deputada e deputado. Não há nada na minha vida que comprove o contrário. Em todos os cargos que ocupei, em todas as funções que desempenhei, combati a corrupção. E foi assim também no governo do presidente Lula. Não fui omisso, não prevariquei e muito menos participei.
“Tenho compromisso com a luta contra a corrupção. Não há nada na minha vida que comprove o contrário.”
Quero lembrar que esta Casa está julgando-me, mas também está, na verdade, fazendo um autojulgamento. Muito obrigado pela atenção. Vamos enfrentar a votação. Muito obrigado.
57
Acervo pessoal
Assembléia estudantil realizada na Praça de República, em São Paulo. Em destaque, Luís Travassos e José Dirceu. 1968
UMA HISTÓRIA DE MUITAS LUTAS
Do movimento estudantil ao Palácio do Planalto José Dirceu de Oliveira e Silva nasceu na cidade de Passa Quatro, Minas Gerais, em 16 de março de 1946. Formou-se em Direito, em 1983, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mudou-se para São Paulo, em 1961, para estudar e trabalhar. Em 1965, iniciou o curso de Direito na PUC-SP e se tornou líder do movimento estudantil, chegando à presidência da União Estadual dos Estudantes, da qual é presidente de honra. Foi preso pela ditadura militar, em 1968, ao participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (SP), organizado na clandestinidade. Um dos 15 presos libertados por exigência dos seqüestradores do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, foi banido do País. 59
autoria desconhecida
Agência Estado
À esquerda: José Dirceu segura camiseta de José Carlos Guimarães, secundarista morto pelo CCC e DEOPS paulista, no conflito entre estudantes do Mackenzie e da Filosofia da USP, na rua Maria Antônia. 3/10/1968
acervo pessoal
À direita: 13 dos 15 presos políticos libertados em troca do embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick. Entre eles José Dirceu, preso em 1968 no Congresso da UNE de Ibiúna. 1969
Durante o exílio, trabalhou e estudou em Cuba, tendo voltado clandestinamente ao País por duas vezes. Na primeira, permaneceu no Brasil entre 1971 e 1972. Voltou, em 1974, quando residiu em Cruzeiro do Oeste, no Paraná, por cinco anos. Com a anistia, voltou à legalidade, em dezembro de 1979. Participou ativamente da fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980, e do movimento pela anistia para os processados e condenados por atuação política. Também fez parte da coordenação da campanha pelas eleições diretas para presidente da República, em 1984. De 1981 a 1983, foi secretário de Formação Política do PT; de 1983 a 1987, secretário-geral do Diretório Regional do PT de São Paulo; e de 1987 a 1993 foi secretário-geral do Diretório Nacional. Entre 1981 e 1986 foi assistente jurídico, auxiliar parlamentar e assessor técnico na Assembléia Legislativa de São Paulo.
José Dirceu, com seu filho Zeca, em Cruzeiro do Oeste. 1978
60
Em 1986 foi eleito deputado estadual em São Paulo. Em 1990 elegeu-se deputado federal e em 1994 candidatou-se ao governo de São
acervo pessoal
JOAO PIRES/AE Isidoro Alves de Souza
Campanha de 1994 glória flugel
Campanha de 1994
manu dias
acervo pessoal
Deputado estadual constituinte, legislatura 1987-1990
cesar ogata
Bancada petista na Assembléia Legislativa de São Paulo. 1988
Campanha para deputado estadual. 1986
Campanha presidencial de 2002
Paulo, recebendo dois milhões de votos. Voltou a se eleger deputado federal em 1998 e 2002, quando foi o segundo mais votado do País, com
Homenagem a Celso Daniel, organizada pelo PT de Santo André. 2002
556.563 votos. Na Câmara dos Deputados, assinou, com Eduardo Suplicy, requerimento propondo a “CPI do PC” (Paulo César Farias), que levou ao
impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Também participou 61
Entrevista coletiva sobre o assassinato de Dorothy Stang. 15/2/2005
RobertoBarrosoABr
Agência Brasil
fábio naspetti
Da esquerda para a direita: Cerimônia de posse de Lula como presidente, nomeação de José Dirceu ministro-chefe da Casa Civil. Posse de José Dirceu como ministro-chefe da Casa Civil. 2/1/2003
da elaboração dos projetos de reforma do Judiciário, da Segurança Pública e do sistema político. Em 1995 assumiu a presidência do PT, sendo reeleito por três vezes. Na última, em 2001, foi escolhido diretamente pelos filiados da legenda em um processo inédito no Brasil de eleições diretas para todas direções de um partido político. Ocupou a função até 2002, quando se licenciou para participar do governo do presidente Lula. Integrante da coordenação das campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 1989, 1994 e 1998, foi o coordenador-geral em 2002. Com a vitória de Lula, assumiu a função de coordenador político da equipe de transição. Em janeiro de 2003, José Dirceu assumiu a cadeira de deputado federal, mas logo se licenciou para assumir a função de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, permanecendo no cargo até junho de 2005, quando retornou à Câmara dos Deputados. Seu mandato foi cassado em dezembro do mesmo ano e teve a inelegibilidade decretada por oito anos.
62
anexos
63
17 de junho de 2007
Correio Braziliense As agruras e tormentas de Zé Dirceu Maurício Corrêa, advogado
Voltemos às CPIs do mensalão. Todos se lembram dos estrépitos que provocaram. A acidentada caminhada que percorreram e os múltiplos capítulos em que se subdividiram resultaram num saldo de paradoxos. Houve deputados que se anteciparam ao julgamento pela Câmara e escaparam ilesos. Como nada impedia que novamente se candidatassem, foram reeleitos. Estão no pleno gozo dos mandatos. Outros foram absolvidos da cassação e se reelegeram, encontrando-se, igualmente, em plena atividade. Entre os que renunciaram e os absolvidos nos processos disciplinares, oito estão no exercício dos respectivos mandatos. Embora julgados livres de cassação parlamentar pela Câmara dos Deputados, alguns já respondem a processo criminal (Ação Penal 420); outros estão relacionados na denúncia de que cuida o Inquérito 2.245. Ambos os casos tramitam no Supremo Tribunal Federal em razão do foro por prerrogativa de função de que gozam deputados federais. No primeiro caso, os envolvidos são réus, uma vez que a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal foi recebida; conseqüentemente, já há ação penal instaurada. Falta
apenas ser julgada. No segundo, o feito ainda será submetido ao plenário da corte para que acolha ou não a denúncia. Ninguém desconhece que José Dirceu foi um dos fundadores do PT. Graças a ele, a agremiação rasgou o dogma do auto-isolamento, passando a celebrar alianças com seus congêneres. Com essa estratégia, colocou o petismo nos trilhos da realidade política do Brasil. Zé Dirceu foi a viga mestra que sustentou a primeira vitória de Lula à chefia do País. Ajudou-o tanto mais ainda após, quando já eleito. Pode-se dizer que a inteligência do sucesso dessas conquistas se deveu a seu trabalho, desempenhado com mineirice e obstinação. No Gabinete Civil da Presidência da República acertou e errou. Criticado, recebeu safanões por todos os lados. Era José Dirceu quem segurava as rédeas do governo nos momentos de maior turbulência. Nas dezenas de viagens de Lula pelo mundo, era ele quem assumia de fato o comando político nacional. Submetido a acusações no exercício do cargo que ocupava, voltou à Câmara dos Deputados para se defender. Acabou cassado por práticas contrárias ao decoro parlamentar. Resta-lhe somente
65
agora o que vier a ser decidido pelo STF. A inveja foi seu maior e mais pertinaz adversário. A não ser pelo farto noticiário que cobriu sua cassação, concretamente se desconhece qual seria ou quais seriam, no fundo, o ilícito ou os ilícitos cometidos por ele. A fundamentação da perda de seu mandato foi política. Aliás, o juízo de cassação parlamentar tem sempre essa estrita e mesma natureza. Assim, por conveniência, deliberou a maioria do quorum qualificado da CD. Outra natureza possui o julgamento a ser feito pelo Judiciário, que há de ser realizado com base no conjunto probatório existente nos autos. Só a partir daí é que se chegará à condenação ou à absolvição. Quando Zé Dirceu perdeu o mandato de deputado federal, o País vivia quadro de alta tensão política. O noticiário farto e permanente levou a opinião pública a reclamar sua cabeça. Quando seus colegas o julgaram, por certo refletiram a índole dessa indignação. Esse fato inegavelmente não ocorrerá quando a denúncia a que responde no Supremo for julgada e, se recebida, quando seu mérito for apreciado. Aí prevalecerá a prova de que decorrerá sua culpabilidade ou não. Ele é acusado de ter usado o cargo para obter maioria parlamentar. Com isso, visava-se à aprovação no Congresso de projetos de interesse do governo. Essa, em síntese, a essência do mensalão. Prova de que ele foi par-
66
tícipe da trama, até agora, rigorosamente, não apareceu. Di-lo-á o STF se existir. Certo é que os deputados e os demais arrolados nos processos ainda serão julgados. Os autos com a denúncia contra Zé e outros nem sequer foram apreciados, embora estejam conclusos com o relator desde 31 de janeiro passado. Se recebida a denúncia, haverá ação penal. Nesse caso, ele e os co-réus só serão julgados após exaurida a ampla defesa a que têm direito. Defesa aqui compreende a colheita de depoimentos de dezenas de acusados e de centenas de testemunhas; expedição de cartas precatórias e rogatórias; perícias a serem requisitadas e, por certo, outras eventuais provas. Isso quer dizer que vai terminar a presente legislatura e os processos não serão julgados. Todos os deputados processados tranqüilamente concluirão seus mandatos. Se se acredita em lobisomem, deve-se acreditar também que o presidente da República não sabia de nada do mensalão. Ora, lobisomem não existe. É inacreditável, partindo-se do princípio de que Zé armou tudo, que Lula nada soubesse das tretas de seu homem de confiança. Ora, se assim é, é mais do que evidente: livraram o presidente e agora a burocracia judiciária, com o tempo, livrarão os deputados. Se acaso a denúncia de Zé não for recebida, ainda que tardia, vá lá. Caso contrário, só ele será o maior perdedor. Será praticamente o único a pagar o pato.
16 de fevereiro de 2007
Folha de S.Paulo O direito à anistia José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua
“O que mais choca é a afirmação, feita por um ex-ministro da Justiça, de que a comentada anistia seria um ato de desprezo ao STF” Em artigo publicado neste conceituado jornal sob o título “Anistia jamais”, o advogado Miguel Reale Júnior, ex-vice-presidente do PSDB paulista e principal membro do comitê financeiro da campanha presidencial de Geraldo Alckmin, se propõe “relembrar os fatos” que levaram à cassação do ex-deputado federal José Dirceu. Contrariando seu propósito declarado, nenhum fato foi rememorado no artigo, sendo citado apenas o relatório final do processo de cassação, de autoria do deputado Júlio Delgado. Peça que, além de não conter nenhuma prova de participação do ex-deputado José Dirceu nos repasses ilegais de recursos, ainda foi severamente extirpada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu ali graves violações ao princípio constitucional do devido processo legal, garantia maior de todo e qualquer acusado. As intervenções do Supremo Tribunal Federal, duramente combatidas pela mídia (chegou-se a insinuar,
ainda que sem lógica aparente, que a doença e ausência de um ministro seria uma manobra), serviram para escancarar a fragilidade do voto do deputado Júlio Delgado. Tal relatório, que, pela sua importância, deveria ser uma bem fundamentada sentença, restou resumido a um discurso político vazio e inconsistente. Na tentativa de impingir certa legitimidade a um relatório desprovido de provas, utilizou o eminente advogado, como argumento, a “expressiva votação” obtida no plenário da Câmara dos Deputados, contabilizando 293 votos a favor e 192 contra a cassação do ex-ministrochefe da Casa Civil. Difícil entender a lógica desse argumento, a não ser que se esqueça que os mesmos parlamentares que votaram para aprovar o relatório contra José Dirceu também absolveram a imensa maioria dos deputados que, assumidamente, receberam recursos irregulares para financiamento de campanha. O que mais choca,porém,é a afirmação,feita por um ex-ministro da Justiça, de que a comentada anistia significaria ato de desprezo ao SupremoTribunal Federal,no qual se afirmou tramitar uma ação penal contra José Dirceu. .
67
É impossível que não se saiba, num processo com tanta visibilidade, que o Supremo Tribunal Federal nem sequer chegou a analisar a denúncia oferecida, podendo inclusive rejeitá-la e arquivar o inquérito. E mais, ainda que de fato houvesse um processo criminal em andamento, é igualmente inadmissível que um jurista, que também é um político, ignore o significado e a aplicação do elementar princípio da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Nem sequer há processo instaurado, quanto mais uma sentença, situação muito parecida com a do senador Eduardo Azeredo, partidário de Reale Júnior, que, pelo mesmo princípio, não pode ser rotulado como o precursor do valerioduto. Em vez de relembrar fatos que nunca existiram, o articulista, ex-suplente do ex-senador José Serra, pretende reavivar o clima político que per-
68
meou o processo de cassação, antecipando radicalmente a sucessão presidencial de 2010. Não esconde que o grande malefício da suposta anistia de José Dirceu não é a sua conseqüência (a retomada de seus direitos políticos), mas, sim, a sua origem, a iniciativa popular, pois um projeto de anistia amparado em mais de 1 milhão de brasileiros poderia fazer do anistiado um provável concorrente à futura eleição presidencial. O projeto de anistia do ex-deputado José Dirceu nem sequer existe, mas já desperta e certamente provocará posições políticas radicalmente contrárias, comuns e saudáveis em uma democracia. Mas, para o bem do próprio Estado democrático de Direito, esse debate deve respeitar a verdadeira história dos fatos que envolveram seu processo de cassação, os nossos princípios constitucionais elementares e, principalmente, a soberania popular.
10 de fevereiro de 2007
O Estado de S. Paulo Anistia a José Dirceu Pedro Estevam Serrano
O ex-deputado federal José Dirceu tem direito a retornar à atividade política. Não apenas por um direito seu, mas por valores maiores, republicanos, que deveriam nortear os procedimentos estatais no País. Em seu julgamento pela Câmara dos Deputados não foram apresentadas provas de sua culpa. A defesa foi ouvida como mera formalidade, sem ser levada em conta nos argumentos decisórios. Contraditoriamente, a Câmara o condenou por suposta pratica ilícita e também condenou quem o denunciou por ter apresentado acusações infundadas e sem base probatória. Ou seja, o Legislativo pronunciou uma decisão condenatória sem levar em conta o processo que a antecedeu. Agiu pelo furor midiático, pelo fígado não pela razão. Como manto da inconstitucionalidade perpetrada aludem tratar-se a cassação de mandato de um “julgamento político”, como se o juízo político do Legislativo, in casu, se desse fora do âmbito das normas constitucionais, como se não fosse por elas regrado. Ou seja, como se fosse um poder imperial, unilateral, não regrado, com base na livre vontade da autoridade e não na vontade da Constituição e da ordem jurídica. O que caracteriza um Estado
Republicano de Direito como o nosso é a inexistência de autoridades imperiais. Não há conduta estatal, de qualquer dos Poderes, que não esteja submissa à Constituição. A anistia não é o melhor instituto para o caso de José Dirceu. Em verdade, não se trata de perdoá-lo por algo que tenha cometido nem de esquecer um momento convulsivo na história política do Brasil. Aos olhos da Constituição, José Dirceu nada fez que justificasse sua condenação, pois nada foi provado, logo não há o que perdoar. Mas é o instituto que nós, cidadãos, temos à mão para restabelecer no País os valores republicanos que foram ultrajados pela condenação injusta. Não se trata de apoiar politicamente José Dirceu, nem de ser simpático a ele, nem de aprovar seus métodos e práticas políticas. Trata-se de reparar um desmando autoritário e imperial cometido não só contra uma pessoa, mas contra um mandato popular, uma parcela dos eleitores que votaram nele e tinham direito a que seu mandato terminasse, salvo a existência de provas do ilícito. Uma agressão à cidadania como um todo. Esses atos autoritários, que volta e meia podemos ver sendo praticados pelos Poderes de Estado no Brasil,
69
são em verdade resíduos do Estado imperial e de polícia que ainda sobrevivem em meio às práticas republicanas e democráticas. Do abuso de autoridade do policial contra o cidadão comum a uma decisão infundada da Câmara Federal, todas condutas imperiais e anti-republicanas. Note-se que o caso de José Dirceu não é o de mero apego a formalidades jurídicas, mas sim a valores fundamentais da República, da democracia e dos direitos do cidadão. Se deixamos passar em branco o que foi feito contra José Dirceu, estaremos fortalecendo o germe imperial
70
e autoritário que vive no corpo republicano democrático e este sucumbirá, levando consigo os direitos de cidadão de todos nós. Devemos ter compaixão de José Dirceu. Não compaixão no sentido de piedade ou pena. Esses são sentimentos desnecessários ao cidadão titular de direitos. Devemos ter compaixão no sentido etimológico da expressão, devemos “sofrer junto” com José Dirceu. A cidadania foi cassada quando o condenaram sem provas.Todos fomos cassados. Como diz Gilberto Gil, “não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão”.
12 de abril de 2006
Blog do Josias Para defensor de Dirceu, denúncia é “ficção”
O advogado José Luis Oliveira Lima, defensor do ex-ministro José Dirceu, qualificado pelo Ministério Público como “chefe da quadrilha” do mensalão, disse ao blog que a denúncia contra seu cliente é “uma peça de ficção, com contornos partidários”. Ele foi além: “É inadmissível que o procurador-geral da República, autoridade máxima do Ministério Público Federal, patrocine uma acusação tão grave com um feitio de panfleto”. Para Oliveira Lima, “o que era pó virou prova contra José Dirceu. E o que era prova a favor do ex-ministro virou pó”. Em linha direta com Dirceu, pelo telefone, o advogado fez serão na noite desta terça-feira em seu escritório. Perscrutou a denúncia nos trechos que dizem respeito ao ex-homem forte do governo Lula. Concluiu a análise por volta da meia-noite. Julga ter detectado várias incongruências. São as seguintes: 1. “A denúncia acusa o meu cliente de formação de quadrilha. Sustenta que ele tinha uma relação estreita com Marcos Valério. No entanto, foram quebrados os sigilos das contas telefônicas do ex-ministro e do Valério. E não foi encontrada uma única ligação feita entre os dois. Além disso, a análise da agenda do Gabinete Civil mostra
que foram pouquíssimos os encontros entre ambos”; 2. “O Ministério Público fala do empréstimo e do emprego concedido à senhora Ângela, ex-mulher de José Dirceu. Mas não menciona em nenhum momento as notas formais emitidas pelos bancos BMG e Rural desvinculando o ex-ministro desses episódios”; 3. “A denúncia sustenta que José Dirceu tinha profundo conhecimento dos empréstimos bancários concedidos ao PT por intermédio de Marcos Valério. E esquece de levar em conta os inúmeros depoimentos dados por lideranças do PT afirmando justamente o contrário. Foram desconsiderados depoimentos de José Genoíno, Delúbio Soares, Silvio Pereira...”; 4. “O procurador-geral dá todo crédito às acusações que foram feitas por Roberto Jefferson contra o ex-ministro. Mas se esquece de que Jefferson foi cassado pela Câmara precisamente por ter mentido”; 5. “A denúncia relaciona o meu cliente inclusive no repasse supostamente irregular feito pelo Banco do Brasil, por meio da Visanet, à agência de publicidade de Marcos Valério. Mas em nenhum momento a peça de acusação individualiza a conduta ilegal que teria sido
71
praticada por José Dirceu. Fala de outras pessoas – Henrique Pizzolato, Luiz Gushiken –, mas não especifica a irregularidade que teria sido praticada pelo ex-chefe da Casa Civil”; 6. “Por último, José Dirceu é denunciado como corruptor ativo na relação com os deputados aliados do governo. Acontece que todos os deputados, sem exceção, negam qualquer tipo de participação dele nessa situação”.
72
O advogado de Dirceu espera pela oportunidade de se manifestar nos autos. O ministro Joaquim Barbosa, do STF, terá de ouvir os acusados antes de dizer se aceita ou não a denúncia. “Estou certo de que a denúncia contra José Dirceu será rejeitada”, disse Oliveira Lima ao blog. “Confio no Supremo e na serenidade do ministro Joaquim Barbosa.”
2 de dezembro de 2005
Jornal do Brasil A nação constrangida Mauro Santayana
José Dirceu não é mais deputado e só poderá retornar ao Parlamento em 2016. O ex-marxista Alberto Goldman, os ex-petistas Babá e Luciana Genro e outros bravos parlamentares podem exultar. Derrotaram o inimigo político – mas não ficou claro se puniram um culpado. Não foram apresentadas provas irrefutáveis ao Conselho de Ética, nem ao Plenário. As declarações de Kátia Rabelo, presidente do Banco Rural, as mais veementes contra o ex-chefe da Casa Civil, valem tanto quanto uma moeda de barro. E foram elas, apesar de escoimadas do processo por decisão do Supremo, as que mais pesaram na decisão dos mal-informados. Seu banco está envolvido em negócios tidos como escusos. É um dos apontados nas investigações sobre a remessa ilegal de recursos ao exterior e é comparsa de Marcos Valério, desde quando esse senhor era sócio de Clésio Andrade e, nessa posição, participou ativamente do financiamento da candidatura de Eduardo Azeredo, em Minas, contra Itamar Franco. Não se sabe bem se foi Valério que cooptou o banco ou se o banco inventou Valério. Kátia Rabelo, instruída por seus advogados, tratou de descarregar o máximo de culpa sobre terceiros.
Vivemos o clima de um estado policial. Pessoas suspeitas tratam de denunciar outras, de forma a se blindarem. Os que roubam 10 denunciam que outros roubaram 100, a fim de obter o prêmio da delação. São os que recebem previamente os seus 30 dinheiros. E quando não há provas, há suspeições vazias. “É impossível que José Dirceu não soubesse. É impossível que o presidente não soubesse”, foram frases que constaram do relatório do Conselho de Ética e das acusações no Plenário. Mas essa suposição, por mais que se ampare na lógica subjetiva, não constitui prova. O ministro pode até ter tido conhecimento dos métodos utilizados pelo Delúbio Soares, a fim de garantir as alianças do PT com parlamentares de moral duvidosa. Mas isso não ficou claro. Em certo momento do discurso, José Dirceu disse que não poderia ser cassado pelo fato de não haver respondido a telefonemas de parlamentares. Ele pode estar certo que sim, que foi por isso mesmo, e pelo grande poder que exerceu no governo, que lhe cassaram o mandato. As circunstâncias especiais de seu destino podem explicar-lhe o comportamento. Ele sempre foi arredio, ainda
73
que tenha sido bom articulador político. Era-lhe difícil confiar, tendo passado toda a juventude no árduo exercício da dissimulação. Todos nós, menos ou mais, somos dissimulados, porque essa é uma forma de sobrevivência em mundo de cruel competição pela vida e pelo êxito. A dissimulação pode ser defesa legítima contra a violência do poder. Mas quando dessa dissimulação pode depender a vida – como no caso de Dirceu, durante a ditadura militar –, a alma sofre penosa condenação ao isolamento. Esse é um dos preços que a coragem da ação revolucionária cobra de seus militantes, chamem-se Zinoviev, Trotsky, Slanský, Jean Moulin, Lamarca ou Ernesto Guevara. Esses pagaram com a vida. Outros, menos aquinhoados pelo destino, pagam depois com a desforra dos inimigos, como, de alguma forma, ocorre a José Dirceu. Muito bem: o Parlamento se livrou de José Dirceu. Mas a sociedade espera que se livre também de ou-
74
tros, estes sim, de notória má conduta – e não só dos que tiveram as suas atividades examinadas pela Comissão de Ética. José Dirceu poderia ter renunciado ao mandato para retornar em 2007, como outros o fizeram e voltaram ao Parlamento, mas preferiu a altivez do confronto. E isso faz dele, queiram ou não, um homem bem maior do que seus adversários. A consciência ética não admite a hipocrisia de alguns próceres da oposição, para os quais o recurso ao financiamento de caixa 2 e a compra de votos são expedientes legítimos só em seu próprio benefício. Sempre houve espertos, caluniadores, achacadores, cínicos e velhacos em todos os parlamentos, mas não tantos como agora. As CPIs os estão preservando, e esse é o pior crime que podem cometer contra a democracia. Esperase que o povo, atento, mande-os todos para casa, daqui a um ano.
2 de dezembro de 2005
Correio Braziliense Passividade surpreendente Alon Feuerwerker
Se houve algo surpreendente na agonia e cassação de José Dirceu, foi a pouca resistência oposta pelo Partido dos Trabalhadores e pelo governo a um processo evidentemente conduzido para impor uma derrota exemplar aos dois. Ao Palácio do Planalto resta sempre o argumento confortável de que o “problema Dirceu” não era assunto seu, mas da Câmara dos Deputados e do . partido. O PT não tem essa desculpa. Ficará para sempre a sensação de que entregou numa bandeja aos adversários a cabeça de seu principal comandante político. Foi visível nos últimos meses que as correntes petistas minoritárias aproveitaram a crise deflagrada pelas acusações de Roberto Jefferson para promover um ajuste de contas com o Campo Majoritário. Mesmo dentro do Campo, as denúncias foram utilizadas para implodir o núcleo dirigente anterior e promover uma troca nos quadros de comando. Reis mortos, reis postos. Só que não existe almoço gratuito. Assumir que o partido errou foi útil na luta interna, mas cobrou seu preço quando se tornou necessário mudar o discurso e apresentar o PT e o governo como vítimas de um golpe político da direita. José Dirceu foi cassado sem que os movimentos
sociais tenham dado as caras. É um fato que lança sérias dúvidas sobre a real capacidade que teriam o governo e o PT de mobilizar essas forças, se escolhessem o caminho do confronto aberto com a oposição, como fez na Venezuela o presidente Hugo Chávez. Há duas conclusões possíveis: ou a relação das massas é com Luiz Inácio Lula da Silva e não com o PT, ou há algum exagero na avaliação que se faz sobre a organicidade das ligações entre o petismo e as massas. Lembra um pouco o “dispositivo militar” de que João Goulart supostamente dispunha para resistir em 64. Mais fantasia que realidade. Há ainda outra observação. O discurso de defesa de José Dirceu na sessão em que foi cassado ficará na história da Câmara dos Deputados como uma peça grandiosa em defesa do Estado de Direito, da democracia e da justiça. Ousaria dizer que foi o melhor discurso de seus 40 anos de vida política. Ninguém faz um discurso daqueles sem estar convicto do que diz. O PT, porém, ainda deve à sociedade brasileira a prova de que é tão radicalmente democrático no poder quanto consegue ser na hora da dificuldade.
75
1º de dezembro de 2005 Nota de solidariedade da Central Única dos Trabalhadores – CUT
Submisso à campanha desencadeada por setores da mídia e da direita mais reacionária contra o ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, deputado José Dirceu, o Congresso Nacional decidiu ontem à noite pela cassação do seu mandato. A CUT repudia a transformação do Parlamento em tribunal de exceção e conclama sua militância e toda a classe trabalhadora a denunciar esse atropelo à democracia. A verdadeira opinião pública não é a dos donos dos grandes meios de comunicação e do capital especulativo. Sem o menor resquício de provas, atropelando as mais elementares normas do direito, a campanha difamatória teve por base única e exclusivamente alegações, ilações e mentiras, assacadas contra esse combatente de primeira linha da classe trabalhadora, atacado e condenado pela sua história de luta e compromisso com o Brasil e seu povo. Ao se submeter covardemente a chantagens e pressões dos setores mais retrógrados da sociedade, a maioria parlamentar que optou pelo servilismo à voz dos donos dos grandes meios de comunicação relembrou a
76
adoção de outras práticas e posturas lastimáveis, como a rejeição da emenda Dante de Oliveira, que retirou do povo o direito à escolha do seu presidente. Temos a convicção de que essa odiosa perseguição a que o companheiro José Dirceu foi vítima é movida contra um projeto político nutrido pela força e a esperança de milhões de homens e mulheres que derrotaram o neoliberalismo e que continuam firmes na luta por um Brasil justo, desenvolvido e soberano. O apequenamento e a humilhação dos parlamentares que se esconderam atrás do voto secreto para golpear um mandato a serviço dos mais humildes e necessitados, o deslumbramento diante do brilho fugaz dos refletores se contrapõem à inteireza e à dignidade do povo brasileiro, tão bem representado pela garra e determinação com que José Dirceu combateu os inimigos de sempre. A altivez e firmeza com que enfrentou o revanchismo dos que derrotou no campo de batalha social e eleitoral é a prova maior da sua inocência. “Amigo é coisa pra se guardar, no lado esquerdo do peito.” João Felício, presidente nacional da CUT
30 de novembro de 2005
Folha de S.Paulo José Dirceu não sabe nadar Fernando Morais
Embora o conheça há quase 40 anos, não privo da intimidade do deputado José Dirceu. Durante os 30 meses em que ele chefiou a Casa Civil da Presidência, estive em seu gabinete uma única vez e não foi para pedir, mas para lhe oferecer solidariedade após o caso Waldomiro Diniz. Nossas famílias não se freqüentam e até uma semana atrás eu nem sequer sabia onde fica sua casa. Um balanço de nossas relações políticas e partidárias desde 1979, quando ele foi anistiado, revelará mais divergências que afinidades. Por que, então, perguntam-me, meu comprometimento público com a defesa da inocência e do mandato de Dirceu? Tenho ouvido sugestões que vão do disparate ao insulto. Na semana passada, na cidade de Três Corações (MG), um professor universitário quis saber, a sério, se eu recebera ordens de Fidel Castro para apoiar o deputado. Em um debate no Sindicato dos Jornalistas do Rio, dias atrás, um colega perguntou, sem mover um músculo do rosto, se eu confirmava “um boato que corre nas redações do Rio”, segundo o qual eu estaria sendo regiamente remunerado pelo próprio Dirceu para defendê-lo publicamente.
Para responder a dúvidas tão desatinadas, tenho recorrido a uma singela passagem da vida de Ernesto Che Guevara. Logo após chegar ao poder em Cuba, entre as centenas de cartas que recebia do mundo inteiro, ele leu a de uma espanhola residente no Marrocos e, como ele, de sobrenome Guevara. Ela queria saber se poderia haver algum parentesco entre ambos. Che respondeu que, na verdade, nem sabia de que parte da Espanha tinha vindo sua família. “Não creio que sejamos parentes”, escreveu, “mas, se a senhora treme de indignação cada vez que se comete uma injustiça no mundo, somos mais que parentes, somos companheiros”. No fundo, é uma situação parecida. O deputado e eu não temos parentesco de qualquer natureza, mas somos companheiros. Eu o acompanho a distância desde que, foca do Jornal da Tarde, em 1966, cobri irregularmente o Movimento Estudantil, de que então ele era expoente. O que se passou depois eu soube lendo os jornais: levado para o Dops depois de desbaratado o congresso da UNE, em 1968, no ano seguinte ele seria um dos 15 presos políticos trocados pelo embaixador dos Estados Unidos. Exilado em Cuba, junta-se a outros 27 militantes
77
e rompe com a ALN (Ação Libertadora Nacional), formando o Molipo (Movimento de Libertação Popular). Na volta ao Brasil, o grupo é dizimado. Entre os sobreviventes, com o rosto transfigurado por uma cirurgia plástica realizada em Havana, está o Daniel, nome de guerra adotado em Cuba por Dirceu durante o treinamento militar que lá recebeu. Com aparência e documentos falsos, ele se converte no pacato comerciante Carlos Henrique Gouveia de Mello, estabelecido em Cruzeiro D’Oeste (PR). Casa-se com Clara Becker, e com ela tem um filho, José Carlos, o Zeca Dirceu, atual prefeito da cidade. Nem para Clara nem para o filho “Carlos Henrique” revelaria sua verdadeira identidade. Esse era um segredo compartilhado, no Brasil, com apenas três ou quatro pessoas da cambaleante organização guerrilheira. A “fachada” de dono de confecção permitia que Dirceu circulasse com desenvoltura pelo Brasil e mantivesse contato com seus companheiros sem despertar maiores suspeitas da repressão. Só com a anistia, em 1979, é que ele finalmente se sentiu seguro para contar a verdade à mulher e ao filho. Voltou a Cuba, desfez a plástica e retornou ao Brasil para iniciar uma brilhante carreira política que o levaria a se eleger deputado federal com mais de meio milhão de votos e a ocupar, desde janeiro de 2003, a Casa Civil da Presidência da República. É compreensível que setores de uma sociedade conservadora como a nossa tenham dificuldade para aceitar que alguém com semelhante história possa che-
78
gar aonde chegou, ainda que por meios legais e constitucionais, como o voto. O inadmissível é que, em nome da divergência ideológica ou política, queiram esvurmá-lo da vida pública, condenando-o a um degredo de 10 anos dentro de seu próprio país. Quanto mais argumentam, mais seus adversários deixam claro que não pretendem cassá-lo por seus eventuais defeitos, mas por suas virtudes. Parecem querer puni-lo não pelo que tenha feito, mas pelo que foi. A primeira tentativa de decapitação de José Dirceu aconteceu em fevereiro de 2004, quando do caso Waldomiro. O que aconteceu ali? A mídia divulgou cenas em que o então presidente da Loteria do Estado do Rio, Waldomiro Diniz, aparecia pedindo propina a um bicheiro. Embora o delito tivesse ocorrido muito antes de Lula se eleger presidente, o fato de Waldomiro ter depois ido trabalhar na Casa Civil era o elo que faltava. Pouco importava também se era um fato passado em um governo estadual de oposição ao PT: a presença de Waldomiro na equipe de Dirceu era anunciada como a prova incontestável de que o funcionário agia a mando do chefe da Casa Civil. Frustrada a degola no ano passado, as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson (aliás, retiradas pelo próprio) ensejaram o esquartejamento de que Dirceu vem sendo vítima há seis meses. O nervo exposto, a medula da acusação feita contra ele no relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) está no final do documento, disponível a qualquer internauta no endereço www2.camara. gov.br/conheca/eticaedecoro/notaqui.html.
Delgado consome 70 intermináveis páginas para chegar à conclusão de que “não é crível” que tudo tivesse ocorrido sem que “um parlamentar com tamanho poder de decisão (...) soubesse”. Com talento infinitamente maior, La Fontaine já nos contou essa história na célebre fábula do lobo e do cordeiro. Como não se conseguiu provar nenhuma ligação dele com os delitos, querem cassálo por ignorar que delitos estavam sendo cometidos. Mal escaldada pelos crimes que ela própria cometeu como Bar Bodega, Escola Base e Alceni Guerra, para ficar só em três casos, parte expressiva da mídia vem se comportando de maneira escandalosa no chamado “caso Dirceu”. A imprensa investigou, julgou e condenou o deputado e agora tem surtos de histeria porque o Legislativo e o Judiciário se recusam a executar a sentença. Transformados em partidos políticos, veículos mandam às favas os escrúpulos de consciência e esquecem os mais elementares rudimentos do bom jornalismo.
Exemplos pululam. Na semana retrasada, a revista Veja publicou uma reportagem de página e meia sobre a suposta falsificação da assinatura do ex-presidente do PT, Tarso Genro, em um documento enviado ao Conselho de Ética da Câmara. Um leitor habitual do semanário estranharia que em um texto de denúncia de mil palavras não houvesse qualquer acusação a Dirceu. A surpresa termina na última linha, onde o deputado entra como Pilatos no Credo: “Não há indício de que José Dirceu esteja envolvido nessa fraude”. Na mesma Veja, um colunista encerra seu artigo com esta gracinha: “Agora, só falta Dirceu andar sobre as águas”. Pode ser. A frase lembra outra, pronunciada nos anos 60 pelo presidente americano Lyndon Johnson e que pode ser parodiada para os tempos que estamos vivendo: “No dia em que José Dirceu andar sobre as águas, Veja dará na capa: ex-ministro não sabe nadar”.
79
29 de novembro de 2005 Carta de advogados e juristas Em defesa do mandato de José Dirceu e da Constituição
“Pelo que fizeram, se hão de condenar muitos. Pelo que não fizeram, todos! A omissão é o pecado que se faz não fazendo.” Padre Antônio Vieira O conceito de Estado de Direito, por certo, não é unívoco, mas, em nosso país, apresenta contornos suficientemente objetivos. A supremacia da Constituição, a separação dos Poderes, a superioridade da lei e a garantia dos direitos individuais são os alicerces de sua materialização. Como bem acentua Norberto Bobbio, todos os mecanismos constitucionais que impedem ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder, e desencorajam o seu abuso ou o seu exercício ilegal, integram, em sentido forte, a noção de Estado de Direito. A desconstrução de quaisquer das referidas pedras de toque ameaça gravemente nossas Instituições, e o próprio regime democrático em que ganham corpo. Um olhar lúcido e independente sobre o processo de cassação do mandato parlamentar de José Dirceu, com suas injustificáveis ilações, faz-nos mergulhar na
80
fragilidade dos mecanismos de contenção dos já conhecidos interesses de determinados grupos sociais na ordem constitucional vigente. O desrespeito ao devido processo legal o alça a mera formalidade, dando contornos ainda mais graves ao que ora se denuncia. Julgamentos, políticos ou não, devem atender a um conjunto ordenado de atos e fatos, cujos fins são juridicamente regulados. As peculiaridades do julgamento legislativo não descaracterizam os limites impostos para sua atuação, em respeito estrito à proteção da ordem democrática. Acreditar na democracia é acreditar na complexidade de seus instrumentos de controle, respeitando os caminhos legítimos e recusando soluções que agridam o estado de direito. A clara tentativa de controle político da opinião pública acoberta o flagrante desrespeito aos princípios da presunção de inocência e da separação de poderes. O exercício de pressão política sobre o Judiciário busca comprometer sua tarefa de limitar e controlar os demais poderes dentro de suas competências específicas.
E contra isso gritamos. Falaremos sempre, mesmo quando o falar representar um perigo. E nunca nos calaremos quando o calar representar um crime.
Conclamamos, pois, a Câmara dos Deputados, seus órgãos e os demais Poderes, a defender o mandato do deputado José Dirceu, a reafirmar a crença na manutenção de nosso Estado Social e Democrático de Direito, observando suas regras e respeitando seus limites.
81
22 de novembro de 2005 Manifesto de sindicalistas, de várias centrais sindicais
Com base em alegações, ilações e mentiras do exdeputado Roberto Jefferson, a direita reacionária e setores da mídia vêm tentando levar ao cadafalso o deputado federal, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores e exchefe da Casa Civil, José Dirceu. Na ânsia de macular sua honra e assaltar seu mandato, numa postura histérica e revanchista, buscam no tapetão o resultado que não conseguiram no campo de batalha, seja ele eleitoral ou social. Montaram um verdadeiro tribunal de exceção, tentando transformar o virtual em real, o boato em fato. Na ânsia de atingir seus propósitos, os inquisitores se arvoram donos da verdade, enquanto não passam de donos de canais, jornais e revistas, os novos censores que ditam o que deve ou não ser divulgado. A campanha movida por essa elite mesquinha tem o inegável e indisfarçável objetivo de atingir o governo do presidente Lula, conforme manifestação preconceituosa e fascistóide de um dos mais proeminentes líderes da banda neoliberal, “uma raça a ser extirpada da vida pública”. Seis meses após ter sido veiculado, o suposto esquema de compra de votos de parlamentares pelo go-
82
verno, o “mensalão”, acabou ruindo, soterrado pela total inexistência de provas. A única verdade que ficou provada sobre o caso foi a falsidade de Roberto Jefferson, cassado justamente porque mentiu sobre a sua existência e quebrou o decoro parlamentar. Sendo assim, como poderia a mesma Casa que cassou um deputado por acusação caluniosa expulsar a principal vítima das calúnias de quem foi condenado exatamente por suas mentiras? A inexistência de provas empurrou seus denunciantes a apelidar de “julgamento político” um processo inquisitório que agride as garantias constitucionais, rebaixa e desmoraliza o Parlamento à condição de ventríloquo da mídia, a papel-carbono dos interesses mais mesquinhos, antinacionais e antipopulares. O exemplo recente da cassação “política” do deputado Ibsen Pinheiro dá uma pequena amostra de até onde pode ser injusta uma decisão tomada apenas e . tão-somente para satisfazer o ódio destilado pelas publicações privadas, que querem ditar à “opinião pública” o certo e o errado. Manifestamos neste momento singular da vida nacional a mais irrestrita solidariedade ao companheiro
José Dirceu, convictos de que sua trajetória de combatente pela liberdade, democracia e justiça social se confunde com a história de luta pela vitória do Brasil e da classe
trabalhadora. Que o Congresso Nacional se eleve à estatura desse filho e não se apequene como as mariposas ao deslumbramento fugaz – e mortal – dos holofotes.
83
21 de novembro de 2005
Jornal do Brasil A resistência de Dirceu Mauro Santayana
O deputado José Dirceu, que defende seu mandato com bravura, talvez não tenha antes compreendido que, no regime presidencialista, não há primeiros-ministros. Os governos militares, por sua singularidade, os tiveram – e o exemplo mais notável é o de Delfim –, mas são estorvos indesejáveis no presidencialismo. O chefe de governo, por mais que dissimule o sentimento, não pode parecer tutelado, ainda que admire e respeite o colaborador. Mais grave é a reação dos outros ministros, que – de acordo com as normas constitucionais – só devem obedecer ao presidente. Fosse efetiva ou não a proeminência de José Dirceu, todos o viam como uma espécie de premiê. Havia a idéia de que o presidente reinava, e o então ministro governava. Essa percepção, real ou imaginária, trouxe, como é natural, ciúmes e mal-estar no conjunto do governo e fora dele. Antes, nenhum presidente civil admitira ministros maiores do que os outros. Juscelino não titubeou em demitir Lucas Lopes, o mais operoso colaborador, do Ministério da Fazenda, a fim de manter a autoridade. No presidencialismo todos os ministros devem ser iguais. Acrescente-se que, desde o primeiro momento, houve o desencontro ideológico entre o ativo militante
84
José Dirceu e o ministro da Fazenda, chefe formal da equipe econômica. O chefe da Casa Civil aceitara, em princípio, como outros membros históricos do PT, o compromisso de “respeitar os contratos” firmados pelo governo anterior. Os tecnocratas, nutridos pelos interesses de Wall Street, que criaram normas tidas como sagradas no manuseio das finanças e da economia, fazem da política econômica um bicho-de-sete-cabeças. Só eles são os senhores das carícias que domam a hidra do mercado, já que ninguém tem a força de Hércules para liquidá-la. Mas, tanto ele como centenas de outros militantes históricos do PT acreditavam que, transpostos os riscos mais graves da transição, o governo viesse a afrouxar o arrocho e permitisse, com a redução dos juros, a retomada mais ousada do desenvolvimento. Quando houve certa redução da taxa, a resposta positiva foi imediata – mas, em seguida, voltou a subir. O fato é que o mercado não é a hidra de Lerna. Sobre a arrogância dos economistas acadêmicos há a sentença definitiva de Galbraith: se os economistas fossem infalíveis, todos seriam ricos. O melhor ministro da economia da História foi José do Egito, que soube
combinar a difícil castidade com o sonho. Como tudo na vida, a administração da economia exige bom senso e talvez mais imaginação do que as equações clássicas da econometria. Quando surgiram as denúncias de escândalo, houve clara intenção de atingir Dirceu, a partir da entrevista de Roberto Jefferson. Era preciso bater no pilar mais forte, a fim de abalar a estrutura do governo. Dirceu havia cometido o erro de não investigar a fundo o que fizera Waldomiro Diniz e, com isso, deixou a guarda aberta. É preciso reconhecer a bravura com a qual se vem defendendo o ex-ministro. Wilson Figueiredo lembroume, e bem, o caso de George Dimitrov, o líder comunista búlgaro que se defendeu, diante de um tribunal nazista, da acusação de haver incendiado o Reichstag, em 1933,
e conseguiu, com sua obstinação, provar a inocência, salvando-se de uma condenação já decidida. O ex-ministro pode ter sido vaidoso e dado a impressão de que era quem mandava no governo. Criou adversários ressentidos, na administração e fora dela. As acusações de que é alvo não foram devidamente comprovadas, e ele está ganhando a batalha política. Poderia ter renunciado, como outros, que hoje o acusam, fizeram, e garantir a reeleição, mas não o fez. Qualquer que venha a ser o resultado do confronto, Dirceu merece respeito pela disposição de luta. O que importa, nas circunstâncias em que está vivendo, é resistir. Todos podemos ser vencidos pelos inimigos, mas sem a desonra da capitulação. E, pelo que parece, se cair agora, Dirceu cairá de pé, para levantar-se depois.
85
10 de novembro de 2005
NoMínimo
Entrevista com José Luis Oliveira Lima: “Está sendo rasgado o Código de Processo Penal” Roberto Benevides Esta quinta-feira promete novas e talvez definitivas emoções no confronto entre o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e o petista José Dirceu. Mais uma vez, o advogado José Luis Oliveira Lima, defensor do deputado e ex-ministro, desembarcará em Brasília para tentar uma ação em favor de seu cliente. E, desta vez, ele pedirá ao Supremo Tribunal Federal muito mais do que a correção de ritos, relatórios e prazos no Conselho que, por 13 votos a 1, aprovou duas vezes o pedido de cassação do mandato de Dirceu. O advogado quer, simplesmente, a extinção do processo, livrando de vez o cliente da ameaça de cassação. E acha que vai conseguir. [...] Na Câmara dos Deputados, especialmente no Conselho de Ética, não falta quem bata duramente nele por causa dos sucessivos – e bem-sucedidos – apelos ao STF. Isso é público. Em particular, se dá bem com todos: “Tenho uma relação muito respeitosa com os deputados do Conselho de Ética. Muito. Mesmo com os mais duros acusadores do deputado Zé Dirceu, eu tenho uma relação muito cordial”. Não é à toa que, mesmo na defesa intransigente de um político pouco simpático
86
a bom número de colegas, ganhou e retribuiu elogios públicos do relator Júlio Delgado, no encerramento da sessão do Conselho de Ética que aprovou o pedido de cassação. “Há um respeito mútuo: eles me respeitam, eu os respeito”, justifica. “Acho que isso é um exemplo de democracia. Com o próprio relator, eu me dou muito bem, o que não me impede discordar dele, quer no processo, quer em entrevistas.” Garante, inclusive, ter descoberto em Brasília que os deputados trabalham muito mais do que imaginam os eleitores – e imaginava ele próprio – pelo Brasil afora. Jura que é verdade, não está querendo apenas ganhar a simpatia de quem vai julgar o seu cliente, se é que ele não conseguirá deter no STF, como acredita, o mais rumoroso processo de cassação política dos últimos anos. E, para tal, promete desembarcar em Brasília, nesta quinta, com uma grande surpresa na bagagem. É o que revela nesta entrevista a NoMínimo. Na conversa em que elogiou os deputados e os ministros do STF, sempre insistindo na tese de que o direito de defesa é um bem inalienável da democracia, José Luis Oliveira Lima não poupou alguns de seus
pares: “Eu gostaria que o Conselho Federal da OAB tivesse manifestações mais fortes neste sentido. Infelizmente, não tem tido. O vice-presidente [Aristoteles Atheniense] fez uma manifestação num site criticando a nossa atuação na defesa do deputado José Dirceu. O presidente do conselho seccional de São Paulo, Flávio D’Urso, me telefonou pessoalmente e soltou uma nota oficial contra-argumentando, mas eu fiquei muito assustado em constatar que o vice-presidente do Conselho Federal questiona o direito de defesa. Exatamente neste momento em que há uma onda de denuncismo, uma onda de vender sangue, o advogado tem, mais do que nunca, o papel fundamental de defender o direito de defesa. Em São Paulo, a Ordem tem feito isso. Quanto a Brasília, estou muito decepcionado”. O que o leva a defender com tanta convicção o deputado José Dirceu? Hoje, há uma maioria passageira no Congresso, que é uma maioria contra o governo. O que me preocupa é que você pega o processo todo, do começo ao fim, e não encontra uma prova, um indício, uma circunstância que comprovem que ele tenha sido o mentor deste suposto mensalão. E a acusação é de mensalão, a representação do Partido Trabalhista Brasileiro é de que o deputado José Dirceu é o mentor intelectual do mensalão. E mais: no processo do deputado Roberto Jefferson, o relator Jairo Carneiro, da Bahia, afirma textualmente que não está comprovado o mensalão. Se meu cliente é denunciado como mentor do mensalão e este mesmo Conse-
lho de Ética diz que não está provado o mensalão, como que ele pode ser condenado por isso? Qual é a falta de decoro? E aí começam a fazer ilações, pegam aquela história do apartamento da ex-mulher dele, pegam os encontros com dirigentes do Banco Rural e do BMG – que afirmam, textualmente nos depoimentos, que não foi tratada com ele a questão dos empréstimos financeiros feitos ao Partido dos Trabalhadores. O que me assusta é que existe uma denúncia por fato determinado, este fato determinado não está provado e, mesmo assim, insistem em pedir a cassação dele. É inacreditável. E isso sem contar as violações ao direito de defesa e ao devido processo legal. É por isso que nós recorremos ao Supremo. Muita gente acha, no entanto, que os recursos ao Supremo são apenas uma forma de adiar o julgamento do deputado no plenário da Câmara. Parte considerável da imprensa afirma que isso é chicana – ou uma ação meramente protelatória. Nós fomos quatro vezes ao Supremo Tribunal Federal – nunca contra o mérito, sempre por questões do processo legal. Em três oportunidades, o Supremo deu guarida às nossas teses. É ingenuidade achar que ministros com aquela seriedade, com aquele conhecimento intelectual nos dariam razão se achassem que era um procedimento meramente protelatório. Não dariam nunca. É uma questão de direito. Está sendo violado o direito de defesa do deputado José Dirceu. Está sendo rasgado o Código de Processo Penal.
87
Quando o senhor lembra que ainda não propôs ao Supremo nenhuma ação quanto ao mérito do processo está insinuando que o próximo passo da defesa pode ser nessa direção? Não, pois realmente não cabe ao Supremo decidir sobre o mérito. Aí é uma questão da Câmara dos Deputados. Então, se ele for cassado no plenário, não há mais nenhum recurso? É um julgamento político. Não há mais recurso. Ou melhor: há recurso se for violado o direito de defesa dele. E o que a defesa ainda pode fazer até lá? Nós vamos entrar com um mandado de segurança nesta quinta, como tem sido noticiado. Eu diria que há grande chance de que esta seja a cartada final. Se nós não tivermos êxito no Supremo, aí provavelmente ele vai ao plenário. Qual é a base desse mandado? São várias questões. Tem a questão do PTB, que tirou a representação feita contra o deputado José Dirceu e, portanto, o Conselho de Ética não teria mais poder para dar prosseguimento ao processo. Tem a questão da prorrogação do prazo: o Código de Ética diz que são 90 dias improrrogáveis, aí vem um Regulamento e diz que pode prorrogar. Ora, um Regulamento não é mais do que o Código. E o plenário diz, então, que pode prorrogar. O plenário é soberano? Então, o plenário pode fazer o que quiser? Pode rasgar o Código? Não pode. Não pode.
88
Ninguém pode. É um perigo isso. Eu não posso crer que o Supremo não dê guarida a essa tese. É uma violação clara a um código. São esses, então, os dois pontos do mandado? Há ainda a questão da inversão da prova. Qualquer acadêmico de Direito sabe que a defesa fala por último. O que foi feito? Na primeira audiência, [com ênfase] na primeira audiência, nós levantamos uma questão de ordem que está nas notas taquigráficas das sessões do Conselho: “Deputado Júlio Delgado, o senhor está ouvindo uma testemunha da defesa antes da acusação. Isso gera nulidade”. Ele passou por cima disso. O argumento: “O Conselho de Ética não tem poder de convocar as testemunhas e, portanto, não tem como fazer isso.” É verdade: não tem como convocar, mas, de cara, ele direcionou para que fossem ouvidas primeiro as testemunhas de defesa. Ao término da discussão, sabendo que tinha feito uma violação do direito de defesa, ele dá oportunidade para que a defesa possa se manifestar sobre o depoimento de Kátia Rebelo [presidente do Banco Rural]. Como é que eu poderia contradizer o que ela tinha falado? Ouvindo minhas testemunhas. Ele disse que não, que isso era protelatório e indeferiu o pedido. Eu disse que ia dar nulidade. Aí, no voto dele, ele usa como razão e fundamento o depoimento de Kátia Rebelo dizendo que o Marcos Valério era um facilitador, que arrumava entrevistas com o ministro José Dirceu. Quem poderia contraditar isso? O ministro Aldo Rebelo, o ministro Márcio Thomaz Bastos e o ministro Eduardo Campos, que estavam no governo
na época, podiam dizer que isso não era o normal. Então, nós vamos ter no mandado de segurança também essa questão da inversão da prova. O senhor vai entrar com uma ação só, englobando todos esses pontos, ou serão várias ações no STF? Será uma ação só, com esses pontos, e mais um que a imprensa está chamando de carta na manga. Essa você vai ter de esperar para ver. Mas também será apresentado nesta quinta? É no mesmo mandado. Está no forno, o Rodrigo [Rodrigo Dall’Acqua, que trabalha com ele no caso e também no escritório Oliveira Lima Filho, Oliveira Lima e Hungria Advogados] está terminando de fazer. E vocês pretendem pedir, já nesta quinta, a extinção do processo de cassação? Cada tese é uma coisa, mas, caso alguma delas seja acolhida, vai ter como conseqüência a extinção do processo. Ele não poderá ir à cassação, o processo não poderá ir a plenário. Nesse caso, talvez fique difícil até para o senhor andar na rua depois, não? Eu não me preocupo com isso, acho que faz parte da profissão. Aliás, o senhor tem dito que o Congresso não pode ceder à pressão da mídia e tem de preservar o direito
de defesa de seu cliente, mas, na verdade, a mídia não está apenas refletindo o sentimento das ruas, a impaciência da sociedade brasileira? Eu acho perigoso quando jornais como O Estado de S. Paulo ou Folha de S.Paulo, escrevem editoriais pedindo a cassação do deputado José Dirceu sem que o processo tenha terminado. É legítimo, faz parte do processo democrática que a imprensa, em editoriais, manifeste o seu ponto de vista, mas acho preocupante que isso aconteça com o processo em andamento, quando há ainda o devido processo legal de defesa porque, queiram ou não, jornais como esses que eu citei são formadores de opinião e levam a questão para um clamor que é perigoso. Veja o caso da Escola Base, veja o caso Alceni Guerra, veja o caso Bodega. Outro dia, encontrei o exministro Alceni Guerra no Piantella [tradicional restaurante de Brasília, muito freqüentado pelos políticos] e a gente vê que ele tem marcas daquilo tudo. Tivemos, mais recentemente, o caso Eduardo Jorge. A imprensa colocou esse homem da pior maneira, mas nada foi provado contra ele. O senhor está dizendo que o deputado José Dirceu é inocente e pode ser injustiçado? Um homem com o passado do Zé Dirceu... são 40 anos de vida ilibada, gente! Você pode dizer que tem gente que acha que ele é arrogante, que ele é prepotente, mas você vai cassar um homem porque acha que ele é prepotente ou arrogante? Daqui a pouco, vão querer cassar alguém por causa da raça. Eu fico muito preocupado.
89
Quando o Brasil saiu da ditadura, havia na sociedade um zelo muito grande do direito de defesa, mas, de um tempo para cá, os brasileiros têm se preocupado mais com a impunidade e passaram a cobrar mais pressa das instituições na condenação dos culpados. Em que momento o senhor acha que se deu essa mudança de sentimentos na sociedade? Eu acho que o divisor de águas foi o Collor. Meu primeiro caso em CPI foi na CPI do Orçamento. Fui defender um empresário e, naquela época, a gente já tinha muito receio desse clima de condenação antecipada. Aliás, fui defender esse empresário por causa de uma matéria que saiu na Folha de S. Paulo. Esse empresário nunca foi denunciado, nunca foi sequer ouvido num inquérito policia, só prestou um esclarecimento à CPI e acabou na primeira página da Folha. É uma coisa que assusta. Quem era ele? Não vou dizer. Por que há na sociedade este sentimento de urgência que causa arrepios nos advogados? É uma resposta da população à impunidade? Mas há um grande avanço no combate à impunidade, gente. Hoje, a gente vê políticos respondendo a processo, políticos cassados, políticos presos. Preso? O Maluf foi preso, há deputados cassados. Eu acho que o País já teve essa marca da impunidade, mas
90
hoje temos avanços, sim, o Judiciário está muito mais rigoroso, mais atuante. Persiste, porém, na sociedade a percepção de que o Brasil é o país da impunidade. Acho que existe uma parcela que pensa assim, mas eu, como operador de direito, como advogado, constatando que existe uma quantidade razoável de pessoas das classes dominantes respondendo a processos, sendo condenadas, acho que o País mudou, mudou para melhor. Meu medo é o exagero. Acho que a gente está indo para o exagero do clamor público para, daqui a pouco, voltar a uma coisa normal, a certo equilíbrio. As coisas estavam muito para um lado, agora foram para o outro. Voltando ao deputado José Dirceu, o próprio presidente Lula disse, na entrevista desta segundafeira ao programa “Roda Viva”, que ele será cassado, embora, como o senhor, também o considere inocente. O senhor concorda? Eu já disse que não falo sobre política. Sou advogado, não sou analista político. Fui contratado para defender o deputado, não dou pitaco na questão política. Mas o próprio Dirceu, em vários instantes, já deixou transparecer que espera a cassação pelos seus colegas de Câmara. Não, ele tem clareza da dificuldade que é este momento e eu também tenho, mas certeza de que ele será
cassado não. O mundo é redondo, dá volta muito mais rápido do que as pessoas imaginam. Este caso do deputado José Dirceu cria um paradigma para os outros processos de cassação? Cria um paradigma no sentido seguinte: o julgamento tem de ser justo, dentro da lei, o Conselho de Ética não pode rasgar a Constituição, não pode atropelar o processo legal. Seria um precedente perigoso. Eu acho que essas vitórias que já conseguimos no Supremo Tribunal Federal são uma demonstração clara de que o Supremo está atento. O Supremo não mandou parar o processo, apenas falou: o deputado José Dirceu tem direito à defesa. A Câmara tem de seguir os trâmites normais, tem de seguir o Código de Processo Penal. É só isso, embora a imprensa, aliás, uma parte da imprensa deturpe isso tudo. Digamos que o senhor consiga, então, extinguir agora o processo contra o deputado José Dirceu. Haverá como reabri-lo? Não, não pode voltar. Pelo mesmo fato, não. Só se houver uma nova acusação. Pelo mesmo fato, de jeito nenhum. E o senhor acha, de verdade, que existe a possibilidade de conseguir isso no Supremo? Acho. Eu não sou um aventureiro. Eu acredito que a gente possa ter êxito no mandado de segurança. Piamente. Senão eu não entraria, não botaria meu nome
e os 21 anos do escritório nessa parada. Eu não fugi de intimação, fui intimado por e-mail, por telefone, não faltei a uma audiência, não adiei uma única audiência para protelar o processo, todas as nulidades que eu aleguei nos procedimentos no Supremo Tribunal Federal foram mencionadas antes. Eles não atenderam. Eu falei: “Vai anular, isso está nulo, não pode juntar provas ilícitas”. Juntaram provas ilícitas. Ele junta o sigilo do deputado Zé Dirceu, sem fundamentar isso, e, quando reclamei, um jornalista me perguntou: “Mas, doutor, isso é uma filigrana. O senhor está pegando pêlo em ovo”. Você acha que é filigrana obter, sem fundamento, o sigilo bancário e telefônico de alguém? Daqui a pouco, o dono de um bar está pedindo os dados sigilosos do deputado Zé Dirceu. E vão mandar. É inacreditável. Eu acho que todo jornalista deveria figurar como réu num processo, pelo menos uma vez na vida, para ter noção do que é o direito de defesa. Para encerrar nossa conversa, não posso resistir à tentação de lhe perguntar mais uma vez: quando o senhor diz que está convencido da inocência do deputado José Dirceu, está se referindo a esta questão do mensalão ou é mais amplo esse entendimento? Estou convencido da inocência total do meu cliente. Total, total. Este homem está sendo investigado há quanto tempo? Seis meses? Viraram a vida dele de ponta-cabeça. Dê-me um fato concreto contra ele. Só existe ilação – “Ah, o superministro, o todo-poderoso, o capitão do time”. É o que falo: na Copa de 70, o capitão do time
91
era Carlos Alberto Torres; Pelé não mandava no time? Tostão não mandava no time? Rivellino não mandava no time? Pelo amor de Deus... Se vasculharam a vida do deputado Zé Dirceu durante seis meses e não apuraram nada contra ele, ele vai ser cassado como? Não tenho a menor dúvida da inocência dele, a menor dúvida até que me mostrem um fato concreto. E, mesmo que mostrassem um fato concreto, minha função é defendê-lo, garantir um julgamento justo, dentro da lei, mas, independentemente disso, eu não tenho a menor dúvida da inocência dele. Então, o senhor pegou uma causa fácil. Não, porque ela tem contornos políticos. Na hora em que isso for para o campo jurídico e essa questão do mérito for transformada num inquérito policial ou numa ação penal, eu terei muita tranqüilidade. Ali, é uma ques-
92
tão concreta: tem prova ou não tem? Não tem prova, ele tem de ser absolvido. O problema é que esse caso tem um contorno político e é a maioria passageira que está à frente disso. Querem banir da vida pública um homem que teve 550 mil votos e não têm um fato concreto contra ele. Juridicamente, Collor também foi absolvido. Qual é o problema? O senhor está também convencido da inocência dele? Não estou convencido de que ele era inocente nem de que não era, pois não acompanhei o caso em todos os detalhes, não tenho acesso ao processo. Agora, se não havia provas contra ele na parte jurídica, acho que foi um ato de coragem do Supremo Tribunal Federal absolver um presidente que tinha sido vítima de um impeachment.
26 de outubro de 2005 Manifesto de artistas e intelectuais em defesa da democracia e da Constituição Cassação do deputado José Dirceu é um ato de injustiça
Artistas e intelectuais se manifestaram na Câmara dos Deputados na quarta-feira, dia 26 de outubro de 2005, contra a cassação de José Dirceu (PT-SP). O documento foi entregue ao presidente da Casa, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Desde então, o documento está ganhando mais adesões – já são 114 os signatários. Leia a íntegra: O País atravessa há praticamente cinco meses uma avalanche de denúncias e especulações. A partir de depoimentos do ex-deputado Roberto Jefferson, nos quais acusou a existência de um suposto esquema para compra de votos entre parlamentares, teve início uma escalada para colocar no banco dos réus o governo do presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores. Um clima de rancorosa euforia tomou conta das forças oposicionistas. Não hesitaram em classificar e reinterpretar os fatos de acordo com suas conveniências. Pouco importa que nenhuma prova concreta corrobore a versão difundida por setores da mídia convertidos em supremos promotores pairando acima das instituições democráticas. Aos acusadores nem sequer interessa que as investigações não tenham, até o presente, confirmado
qualquer esquema para compra de votos na Câmara. Ou que inexistam evidências sólidas contestando o depoimento do ex-tesoureiro petista, segundo o qual recursos não-contabilizados saldaram dívidas eleitorais e foram originados por empréstimos bancários legalmente reconhecidos pelo Banco Central. Um grave delito foi cometido, aliás confessado por seus autores, quando se recorreu a métodos irregulares de financiamento, em flagrante violação da lei eleitoral. Milhões de cidadãos não escondem sua decepção com a contaminação do PT por esse expediente tradicional e perverso de nosso sistema político. Mas a exploração pública que agora disso se faz contraria preceitos constitucionais e revela ranço antidemocrático. Ignoram-se o direito de defesa, a presunção da inocência, o devido processo legal e a isenção investigativa. Nos momentos de maior histeria, o objetivo chegou a ser o mandato delegado pelo povo ao presidente da República. Mas desde o início da crise, de forma intensa e incessante, o peso principal de tamanha artilharia recaiu sobre o deputado José Dirceu de Oliveira e Silva, ex-presidente do PT e ex-chefe da Casa Civil.
93
Não há contra esse parlamentar indícios materiais que o vinculem aos recursos irregulares. A principal testemunha de acusação, o ex-deputado Roberto Jefferson, perdeu seu mandato, entre outras razões, porque denunciou sem provas a existência do chamado “mensalão”, quebrando o decoro parlamentar. Um paradoxo que não pode calar: o mesmo colegiado que cassou um dos seus por acusação caluniosa pode expulsar de suas fileiras a principal vítima das calúnias de quem foi condenado exatamente por suas mentiras? Não estão em questão os erros que o ex-ministro possa ter cometido ou sua responsabilidade política pela crise que atravessa seu partido e o País. A democracia prescreve, para esses males, o julgamento das urnas e a crítica dos correligionários. Imputam-se ao ex-ministro, isto sim, delitos que configurariam desrespeito aos compromissos exigíveis de um mandatário. A ausência de pro-
94
vas levou seus denunciantes a um eufemismo, apelidando de julgamento político um processo que fere garantias constitucionais e ameaça transformar as instituições parlamentares em tribunal de exceção. A Câmara dos Deputados tem a oportunidade e o dever cívico de impedir esse retrocesso. O deputado José Dirceu não pode ser banido uma segunda vez da vida pública pelo projeto político que representa. Não pode ser punido para satisfazer o ódio dos que sempre foram inimigos das causas que abraçou. Não pode ser cassado para saciar a fome de vingança das forças que historicamente resistiram às mudanças e aos sonhos. Defendemos o mandato do deputado José Dirceu. Não precisamos desculpá-lo por seus equívocos, concordar com suas atitudes ou subscrever suas idéias. Mas a cassação desse parlamentar seria uma afronta às regras democráticas cuja conquista custou tanta luta e sacrifício.
Outubro de 2005
Fórum Online “Evidências irrefutáveis” de que talvez, quem sabe... ou não... Soninha
A Folha de hoje, em editorial, cita o texto do relator da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, Júlio Delgado (PSB-MG), dizendo que ele “é bem fundamentado e convincente ao defender a cassação do mandato do petista”. E reproduz um trecho: “A lógica humana nos permite, através do acúmulo de evidências irrefutáveis, afirmar que Dirceu tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema ou, pelo menos, poderes suficientes para impedir que tais práticas prosperassem”, escreve Delgado, sintetizando seu voto. Cristaliza a convicção, que também é a desta Folha, que o mandato de deputado federal de José Dirceu deve ser cassado pela Câmara”. Bom, meio mundo (ou quem sabe 90% dele) tem certeza de que José Dirceu deve ser cassado. Mas se esse texto do relator serve para convencer alguém, ele só me deixa com dúvidas! Vamos lá: ele fala que “a lógica humana permite, através do acúmulo de evi- . dências irrefutáveis”. Bom, se há um acúmulo de evidências irrefutáveis, não precisaria nem citar a lógica humana, né? Mas... Quais são, hein, as evidências irrefutáveis?
Não se trata – juro – do velho discurso da “falta de provas” para eximir alguém de culpa. Mas falando sério, são evidências de quê? Do tal do “mensalão”, que só o Roberto Jefferson disse que era assim e assado (e foi cassado, entre outras coisas, porque acusou pra cima e pra baixo e não há uma prova de que tal “mensalão” tenha acontecido)? E evidências irrefutáveis? Preciso ler o relatório completo para ver quais são, talvez elas estejam todas lá e eu esteja gastando tempo à toa, mas me parece mais uma questão de convicção pessoal (ou “lógica humana”) do que de acúmulo de evidências irrefutáveis... Ainda mais se seguirmos o texto do relator, quando ele mesmo responde à minha pergunta “evidências de quê?”: (seriam) evidências de que Zé Dirceu “tinha poderes para ser o autor intelectual de todo este esquema”. Peraê, peraê... Ou você tem evidências de que ele foi “O autor intelectual de todo o esquema”, ou não tem evidência de nada. Evidência de que “tinha poderes para ser” é o fim da picada! E o próprio relator pondera em seguida: Dirceu tinha “poder para ser”, “ou ao menos poder suficiente para impedir”. Como assim, “ou ao menos”??? Ele não
95
tinha “evidências irrefutáveis”? Como uma evidência “irrefutável” – de que ele tinha “poder para ser o autor” – vira algo que pode ser contestado na mesma frase? “Ou ao menos”... Olha, posso até concordar com o “ou ao menos”. Na verdade, eu poderia dizer que, se o ministro José Dirceu não teve, como alega, participação em um mega-esquema irregular de financiamento de campanhas, fornecimento de garantias indevidas e outras barbaridades que aconteceram, ele deveria ter tomado conhecimento do esquema (como algo adquire tal vulto e passa despercebido); se não tomou, falhou no exercício de suas funções. Faltou controle, fiscalização,
96
acompanhamento do que se passava na relação governo-partidos-Congresso. Mas dizer que “há evidências irrefutáveis de que ele tinha poder para ser o autor”, tão peremptoriamente quanto parece, e depois fazer a ressalva “ou ao menos para impedir” – o que é, na prática, admitir que não há evidência irrefutável coisíssima nenhuma de que ele tenha sido o autor intelectual de qualquer negócio. É condenar, sim, Zé Dirceu antecipadamente. Que paga, antes de tudo, pela imagem que se construiu de que ele era o homem que “mandava prender e mandava soltar” no governo, com poderes absolutos, irrestritos, universais. O que simplesmente não é verdade.
18 de outubro de 2005 Carta do Deputado José Dirceu encaminhada a todos os deputados.
No momento em que se aproxima o desfecho de meu processo disciplinar, dirijo-me aos colegas para prestar alguns esclarecimentos. Há 150 dias, estou no centro das atenções da opinião pública sob a acusação de ter organizado e coordenado um esquema de corrupção para favorecer parlamentares e partidos que apóiam o governo Lula. Todos nesta Casa sabem que um político, quando acusado, mesmo injustamente, perde totalmente as garantias e direitos fundamentais que as Constituições democráticas estabelecem de forma a defender todos os cidadãos e cidadãs de injustiças promovidas em nome da coletividade. O ônus da prova passa do acusador ao acusado, em uma inversão de valores só admitida no mundo político e nos regimes de exceção. A denúncia contra um político é como epidemia contagiosa. Feito o cordão de isolamento, quem não provar a condição de saudável está irreversivelmente condenado à segregação. A atividade política, na maior parte do mundo, é vista com repugnância e desprezo por boa parte da sociedade. É considerada um mal necessário, por uns, e até desnecessária, por outros.
Políticos que acumulam poder e reconhecimento social acumulam, também, ressentimentos, incom preensões, mágoas e ódios despertados pelos mais diversos motivos. Audiências negadas, telefonemas não retornados, convites recusados, a falta de um sorriso ou de um cumprimento, uma pendência não resolvida, o atraso em um compromisso, o esquecimento de um nome ou de uma referência, uma resposta atravessada, um pleito não atendido e outros tantos desentendimentos ou decepções. Difícil quem não tenha motivos para desgostar de alguém com poder. Mesmo que só o faça na solidão de sua consciência. Por mais justas que sejam as reclamações, muitas vezes os ressentimentos sedimentados contra as pessoas que acumulam poder decorrem da incompreensão ou desconhecimento do acúmulo de pressões, problemas, conflitos e responsabilidades que pesam sobre os ombros de quem ocupa cadeiras estratégicas na estrutura de um governo. Algumas personalidades conseguem resolver melhor esses conflitos; outras, não. Embora esses sentimentos estejam subjacentes ao meu processo, reconheço que existem razões objetivas
97
para que minha passagem pelo governo seja minuciosamente investigada por todas as instâncias republicanas. Faço questão que todos os casos em que haja qualquer suspeita sobre minha participação em atos ilícitos sejam apurados com rigor, independência e isenção. Tanto no âmbito do Poder Executivo (Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Conselho de Ética Pública ou Comissões de Sindicância), como no do Poder Legislativo (Comissões Parlamentares de Inquérito) e do Poder Judiciário. Tenho a consciência tranqüila e estou seguro de que nada fiz de ilegal ou ilícito. Cheguei a ter dúvidas sobre minha responsabilidade involuntária em alguns dos fatos mencionados. Será que nos 30 meses em que chefiei a Casa Civil, trocando 25 telefonemas e participando de oito a dez reuniões e audiências por dia, com centenas de empresários, políticos e personalidades públicas do País, não teria tido nenhum deslize que pudesse ser compreendido como falta de ética ou atitude indecorosa? Reconstituindo minha agenda e rememorando tudo que fiz no governo, concluí que não tenho do que me envergonhar ou temer. Depois de cinco meses sendo diariamente massacrado na mídia, com minha vida e das pessoas que me rodeiam sendo devassada, minha história tragada pela enxurrada da desmoralização, não se levantou uma voz, um cidadão, um empresário, um político, uma personalidade da sociedade civil para denunciar ao País qualquer conversa enviesada, antiética ou imoral que tenha tido durante minha passagem pela Casa Civil.
98
O único que me acusou foi desqualificado pela própria Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato. Não apresentou prova alguma e até retirou a representação contra mim por falta de consistência. Todas as demais referências apontadas como atentatórias ao decoro parlamentar foram constituídas com base em suposições, ilações e interpretações decorrentes de uma falsa imagem construída a meu respeito, que se propagou sem que eu percebesse sua relevância. A conseqüência disso é que, por mais inconsistentes que sejam as supostas evidências contra mim, os formadores de opinião não aceitam os argumentos que sustento. Todos querem que eu assuma algo que não fiz só porque acreditam que eu controlava tudo no governo, no PT e no País, e nada poderia acontecer sem que eu soubesse ou comandasse. A mídia me julgou e condenou no dia em que um deputado corrupto resolveu se vingar por eu ter negado qualquer proteção para livrá-lo do processo que viria. Muitos congressistas sabem do que estou falando. Chamo a atenção porque isso pode acontecer com qualquer um de nós a qualquer momento. Quando a mídia escolhe alguém para crucificar, justa ou injustamente, não há reputação que resista incólume. Todos sabem que a pressão da mídia é o combustível do Congresso. O prejulgamento da opinião publicada aterroriza os homens públicos. Tudo que confirma a sentença previamente estabelecida merece destaque e grande repercussão. Tudo que contesta a construção dessa falsa realidade é ignorado ou desqualificado. É dessa maneira que figuras anônimas e inexpressivas viram celebridades
da noite para o dia. Essa é a lógica que transforma em párias os defensores dos políticos marcados pela ditadura da imprensa. Até mesmo quem zela pelos direitos constitucionais dos cidadãos é tratado como conspirador, como conivente com a impunidade. Em um ambiente como esse, não há como ser julgado com justiça, serenidade e isenção. Digo isso com franqueza, sem querer ofender colegas, especialmente os que têm a difícil tarefa de julgar publicamente seus pares. Aliás, quem me chamou a atenção para essa rea lidade foi o ex-presidente desta Casa Ibsen Pinheiro, que sofreu processo semelhante. Não bastassem minhas convicções sobre o fato de que não deveria ser julgado no Poder Legislativo por atos supostamente praticados no exercício do Poder Executivo, a pressão inconseqüente da mídia sobre o Congresso já seria razão suficiente para justificar minha busca de amparo no Poder Judiciário. Além de lutar pelos meus direitos constitucionais para preservar o mandato a mim delegado por mais de meio milhão de eleitores, a iniciativa terá como conseqüência a solução de uma controvérsia jurídica: um mesmo cidadão pode pertencer a dois poderes republicanos distintos, simultaneamente? Um cidadão ser julgado em um Poder por atos praticados no exercício de outro Poder é invasão de prerrogativas? Invade os limites da independência entre Poderes? O Supremo Tribunal Federal vai julgar e definir essa questão. Minha iniciativa não deve ser entendida
como fuga do julgamento político ou desrespeito às instâncias correicionais da Câmara dos Deputados. É um direito legítimo de buscar fórum mais neutro para evitar o atropelo dos princípios e normas jurídicas, para evitar a . consumação de um fuzilamento político motivado pela necessidade de se entregar aos adversários e ao partido da mídia uma cabeça premiada com o selo da passagem pelo governo. Estou seguro da minha inocência. No entanto, ao contrário do que divulgam, se a tese que levanto for acolhida pelo Supremo, não estarei imune a eventuais processos. Qualquer pessoa ou partido político pode me denunciar ao Ministério Público ou ao STF, inclusive com base nos levantamentos das CPIs. Caso entendam que tenho responsabilidade nos fatos investigados, serei julgado e poderei ser punido, inclusive com a perda dos direitos políticos. A diferença é que tal julgamento se daria com base em fatos concretos e não em disputas políticas apoiadas em denúncias vazias. Por outro lado, se o STF entender que devo ser julgado pelo Plenário da Câmara, não rogo condescendência nem a clemência dos colegas. Quero ser julgado com rigor, serenidade e justiça. Só peço uma coisa: se não tiver convicção de minha culpa, não permita que eu seja injustamente banido da vida pública do País pela segunda vez. Obrigado pela atenção e consideração Deputado José Dirceu
99
13 de outubro de 2005
Valor Econômico O Parlamento é bom, já os parlamentares... Wanderley Guilherme dos Santos
Há razões para que eu não seja presidente da República. Além da miséria de votos e de talento, claro. Não herdei a graça da paciência e não deixaria o PT sair de fininho dessa história. Nenhum partido sem culpa no cartório é tão difamado sem reagir. Falo da obrigação de o Partido representar contra parlamentares da oposição por violação do decoro parlamentar. Líderes de partidos e membros de Comissões de Inquérito estão firmando jurisprudência sobre a legitimidade de condenar pessoas sob a acusação de serem suspeitas. Os promotores dispensam a exigência de comprovar a matéria da suspeição, substituindo-a, primeiro, pelo indício da suspeita e, no extremo da arbitrariedade, pela suposição de que os indícios existiriam; basta anunciálos. Os rapapés de membros das CPIs diante de bandidos testemunham o que meu bisavô chamaria de sinal dos tempos. Houve mais dignidade no depoimento de Simone Vasconcelos, acusada de ser suspeita, do que nos vexames patrocinados pelas Comissões diante de figuras como Toninho da Barcelona. Alguém familiarizado com a história do Parlamento pode imaginar tigres oposicionistas como o baiano Aliomar Baleeiro, o carioca Adauto Lucio Car-
100
doso ou o tradicional mineiro Afonso Arinos, fazendo um papelão desses? Ou Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, Leonel Brizola? As Comissões de Inquérito se transformaram em comitês de salvação pública com a conivência do PT. Com isso, vão-se as proteções constitucionais de todos nós, dada a ilusão de que tribunais especiais têm autoridade para fabricar hermenêuticas jurídicas. Do entendimento de que juízos políticos ponderam a força das provas, as autoridades inquisitoriais extraem a brutalidade de que seriam dispensáveis. A idéia de um processo sem confronto de provas é absurda, mas prospera diante da pusilanimidade do PT. A representação perante a Comissão de Ética obrigaria os acusadores à divulgação das provas. Aí a opinião pública estaria em condições de avaliar se é justa a ponderação a elas atribuída. Se não se trata de tibieza, mas de hesitação, os petistas ficarão em maus lençóis. A maioria oposicionista trabalha com má-fé partidária mais do que legitimamente interessada na cadeia de corrupção. Do único documento oficial existente, o relatório parcial aprovado em reunião conjunta das CPMIs dos Correios e da Compra de Votos,
retiro dois exemplos da página 8. Diz: “Assim, escolhemse colégios eleitorais que tenham hegemonia circunscricional, gasta-se uma fortuna e assegura-se a repercussão dos eleitos para as eleições seguintes, já então de outro âmbito, como as nacionais. Desse modo, capitais ou municípios são escolhidos a dedo, sem restrições de gastos, porque, a qualquer custo, é preciso que se as vença, pois servirão para a construção do espectro que sustentará a eleição seguinte. Parece ter sido essa a engenharia eleitoral nas derradeiras eleições”. O parágrafo é sem nexo e duvido que os relatores tenham material que permita entender o que aí escreveram. É absurdo um processo sem confronto de provas. No parágrafo seguinte afirma-se: “Por outro prisma, o compartilhamento de cargos públicos de alta significação é inerente às coalizões governamentais. No entanto, a evidente seleção de Diretorias ou Ministérios a que estão afetas decisões de ampla repercussão empresarial (licitações, obras, patrimônio, financeiro) corresponde a espúrios ajustes, porque não consubstanciados
do interesse público, se não do mais reprochável desvio de poder”. Fora a redação rudimentar, o documento não traz nada que comprove o caráter “evidente” da ampla denúncia. Finalmente, lê-se na página 47: “Em seu depoimento nesta CPMI, a sra. Renilda Souza, esposa do sr. Marcos Valério, confirmou que seu marido participou de reuniões com o então ministro José Dirceu e diretores do banco BMG e que o mesmo sabia dos empréstimos realizados por ele, Marcos Valério, para repasse do dinheiro ao Partido dos Trabalhadores”. Só se em reunião secreta, não na pública. A atribuição é falsa. O relatório parcial apresentado pela CPMI dos Correios é um documento politicamente indigno. Igualou-se aos personagens. Mas foi aprovado por unanimidade, isto é, inclusive pelos representantes do Partido dos Trabalhadores. Ou cederam à extorsão oposicionista, ou os parlamentares petistas são cúmplices do primarismo que contaminou a vida pública nacional. P.S. – Aos leitores, a Celso Pinto e à brava turma do Mais-Valor, meu agradecimento pela companhia.
101
3 de outubro de 2005
Portal da Mídia Petista Um quadro político Ibsen Pinheiro
Estou convencido de que o deputado José Dirceu dificilmente terá no plenário da Câmara um julgamento justo, mesmo que seja absolvido, como não terá um julgamento imparcial se for condenado, por uma única razão: não se trata de estabelecer uma relação simplista entre culpa e punição, mais bem traduzida pela noção judaico-cristã de responsabilidade moral. Pecado com expiação é como se exerce a justiça divina, sem necessidade de qualquer processo legal, devido ou não. Já no caso do ex-ministro chefe da Casa Civil, estamos tratando é da justiça dos homens, em que a verdade presumida se alcança por meio de uma sentença – judicicial ou não – correspondente a uma convenção pragmática destinada a estabelecer a segurança jurídica nas relações sociais, para o que está autorizada a acertar ou errar com o consentimento da consciência coletiva, pagando, porém, um pedágio: o devido processo legal. Nele, o rigorismo dos procedimentos é tão importante quanto as conclusões, com base num princípio imutável – a presunção de inocência e seu principal corolário, o de que a condenação de um inocente não vale a absolvição de 100 culpados. Tenho ouvido e lido, no bojo desta crise, que esse princí-
102
pio, embora universal, não vale para os processos políticos, como se, por serem políticos, não fossem processos e se regulassem por uma jurisprudência brasileira associada à pizza, segundo a qual se inverte o ônus da prova e é o acusado que deve provar-se inocente. Curiosamente, por essa interpretação a presunção de inocência só se aplica aos que dela não necessitam, por não serem suspeitados, denegridos ou mesmo acusados. Não se pense que disso é culpada a Câmara dos Deputados, pois numa crise dessa extensão, profundidade e ampla repercussão, ela é tão vítima quanto as suas vítimas. Age-se como se os processos políticos (tanto como os judiciais, os administrativos ou mesmo os esportivos) não estivessem subordinados aos parâmetros do artigo 5º da Constituição Federal relativos ao contraditório e à ampla defesa. A recente e necessária intervenção do Supremo Tribunal Federal, em correta e corajosa decisão de seu presidente, ministro Nelson Jobim, sustou a violação praticada pela Mesa da Câmara dos Deputados, que havia suprimido uma instância de defesa. Nas críticas que se seguiram à ordem judicial, desprezou-se o postulado, também do artigo 5º, segundo o qual nenhuma lei excluirá da apre-
ciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.Já o princípio antipizza, seja qual for sua extensão, no caso presente tem um nome a uma vítima: José Dirceu. Com ele cassado, já que Luiz Gushiken não tem mandato, estarão satisfeitos todos os apetites, o dos inocentes úteis e também o dos culpados de clero baixo, esquecidos ou voluntariamente marginalizados, alguns por sua própria desimportância e todos à espera de uma cabeça coroada no cesto da guilhotina. Conscientemente ou não, torcem pela degola ilustre, com fundada esperança na sabedoria sertaneja que vê passar uma boiada enquanto as piranhas estão ocupadas. A turba que livrou Barrabás nada sabia de pizzas e piranhas, mas acertou em cheio. Não tenho como avaliar se José Dirceu sabia ou não do mensalão. A acusação, por enquanto, sente-se dispensada da prova e inverteu a presunção – “se não sabia, devia sa-
ber” – estranha premissa investigatória que remete os acusados à incerteza clássica de todos os réus políticos: denunciar o processo ou ajustar-se à sua lógica. Quase todos, com a ilustre exceção de Dimitrov, sucumbiram à esperança, espécie de síndrome de Estocolmo que afeta todas as vítimas, de Sócrates a Prestes, passando por Giordano Bruno ou Dreyfus, sem esquecer o mais ilustre de todos, condenado pelo Sinédrio de Jerusalém. Já se percebe, no entanto, que José Dirceu, praticou dois gestos insólitos no amesquinhamento geral dos comportamentos: assumiu suas responsabilidades políticas e negou-se a renunciar, muito mais do que fizeram outros, acima ou abaixo de sua hierarquia e comprovando o que já se sabia, que ele é agora, no sofrimento, o que foi nos momentos de glória: um quadro político.Só por isso já merece respeito.
103
22 de setembro de 2005
Globo On-Line Dirceu: “Querem me banir da vida política do País” Evandro Éboli
BRASÍLIA. Após prestar depoimento em sessão fechada da Corregedoria da Câmara, o deputado José Dirceu (PT-SP) fez duras críticas ontem ao Conselho de Ética pelo fato de o órgão ter se antecipado e decidido que não aceitaria a representação do PTB para retirar os processos contra ele e o líder do PL, Sandro Mabel (GO). O ex-ministro, indignado, classificou a atitude como arbitrária, anunciou que recorrerá da decisão do órgão e disse que querem bani-lo da vida política do País. – Quero protestar contra o Conselho de Ética, que se reuniu ontem [terça-feira] e decidiu aprovar um parecer contrário a um pedido que nem havia sido feito ainda. Imaginem a situação que estamos vivendo no País! Alguém diz que vai fazer algo, o Conselho de Ética se reúne e diz que não pode ser feito. Salta à vista. Isso é uma violência, uma arbitrariedade! – reagiu Dirceu. Ele afirmou que o procedimento legal foi violado: – Sempre vou protestar quando não tiver direito de defesa ou violarem o procedimento legal. Não me interessa o mérito, foi uma violência. Julgamento político tem que ter prova, senão é tirania.
104
O ex-ministro voltou a afirmar que, até o momento, não há provas contra ele, enfatizando que não há do cumentos, provas testemunhais e que nem é réu confesso. – A não ser que queiram me cassar pelo que eu representei para o governo, pelo que eu representei para o PT e pelo que eu representei para a história do País. Todo julgamento político tem que ter prova, senão estamos na ditadura, na tirania. A não ser que queiram me banir da vida política do País e me afastar do PT – afirmou. O advogado de Dirceu, José Luis Oliveira Lima, disse que o deputado vai recorrer, até mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), para fazer valer a representação do PTB desistindo do processo contra ele por quebra de decoro parlamentar. Primeiro, Dirceu deve recorrer à Mesa Diretora da Câmara ou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Somente depois, caso seja derrotado nessas instâncias, irá ao STF. Presidente do Conselho diz que “foi uma ação cautelar”. O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), evitou polemizar com José Dirceu e disse que
a sua iniciativa foi de apenas criar uma jurisprudência nesses casos, já que o regulamento interno do órgão não faz referência a essa situação. – Foi uma ação cautelar. A partir de agora, nenhum processo já aberto poderá ser suspenso por vontade do representante – disse. O ex-ministro reafirmou
que vai também ao STF, a qualquer momento, pelo fato de o Conselho de Ética ter aceitado o processo contra ele apesar de os fatos sobre os quais ele é acusado terem ocorrido no período em que era chefe da Casa Civil, e não na época em que exercia o mandato de deputado federal.
105
6 de setembro de 2005
Folha de S.Paulo O fuzilamento político José Dirceu
“Revogar um mandato popular só com provas. . Só a população, pelo voto, é que tem o direito de fazer um julgamento político sem provas.” José Márcio Camargo, economista-sócio . da consultoria Tendências A sabedoria popular adverte:“As aparências enganam”. No conselho transmitido de geração para geração, os pais recomendam aos filhos que não se deixem levar pela ilusão das primeiras impressões. Para confiar cegamente em alguém ou em alguma coisa, é preciso ter certeza. Quanto mais graves as conseqüências desse juízo, mais absoluta e inequívoca deve ser a convicção. Sob pena de cometermos injustiças irreparáveis, levados por falsas percepções,mal-entendidos,mentes confusas ou manipulação de interesses, muitas vezes ilegítimos e inescrupulosos. Prova de que as aparências enganam é a falsa notícia que quase toda a imprensa transmitiu à opinião pública na semana passada. A sociedade foi iludida com a informação de que as CPIs dos Correios e da Compra de Votos “pediram” a cassação de deputados. Não foi isso que aconteceu. Quem ler com isenção o relatório
106
verá que houve recomendação para que a Mesa Diretora da Câmara iniciasse processos para analisar os casos de parlamentares citados nas investigações. Sem uma constatação inequívoca da quebra do decoro parlamentar, qualquer condenação será ilegítima. As CPIs lavaram as mãos, deixando o juízo de valor para o Conselho de Ética e para o plenário da Câmara. Mas a impressão geral ventilada pela mídia foi a de um veredicto público. Tanto que essa foi a interpretação da Folha no editorial “A cassação de Dirceu” (pág. A2, 4/9). Esse tipo de distorção tem sido constante neste processo. Transmitem convicções falsas e ignoram ou reduzem a importância de fatos e declarações favoráveis aos denunciados. Só recebem destaque versões convenientes para respaldar o julgamento sumário, o fuzilamento político. Ao invés de investigar, apostam em declarações acusatórias, seja de quem for, venha de onde vier, mesmo sem filtro de credibilidade. Esse amontoado de fragmentos inconsistentes vai transformar-se na base de indícios que tende a prevalecer no julgamento político para saciar o “clamor nacional por punição”.
Nesse sentido, o relatório distorceu depoimentos para induzir conclusões erradas. Deturparam confirmações e afirmações de testemunhas, como Marcos Valério, Renilda de Souza e Emerson Palmieri. Transformaram suposições em assertivas. E suposições desmentidas por quem as teria induzido. Como foi o caso de Delúbio Soares, fato “esquecido” pelas comissões. Sem falar nos relatos do deputado Roberto Jefferson, que só merecem “elevado grau de verossimilhança” quando servem para me prejudicar. Esse conjunto de impressões falsas constrói o imaginário no qual se formará a convicção da sociedade e de seus representantes no Congresso. Por essa razão, meus advogados traçaram uma linha auxiliar de defesa visando um recurso ao Poder Judiciário em caso de eventual injustiça. Isso não é chicana. É acrescentar argumentos ao debate, aproveitando um caso individual para chamar a atenção sobre riscos futuros de outros parlamentares que exercem, tenham exercido ou venham a exercer cargos no Poder Executivo. Até agora, as CPIs estimularam o denuncismo irresponsável para criar um ambiente de horror, cenário favorável às ambições políticas de alguns de seus integrantes. Estão longe de comprovar o desvio sistêmico de dinheiro público, e a tese do mensalão vai ficando mais frágil à medida que o tempo passa e a evidência concreta não aparece. Como as aparências não se comprovam, recorrem a ilações subjetivas para justificar as decapitações políticas. Se fosse eu um superministro, como apregoa
o editorial da Folha, não precisaria ter debatido tantos assuntos conflituosos nos grupos interministeriais coordenados pela Casa Civil. Se fosse um ditador no PT, não teria participado de disputas acirradas nem instituído o mais democrático processo de escolha de dirigentes partidários, com a participação de todos os filiados. Qual partido faz isso? Se houve algum ato isolado de corrupção no governo, não posso ser responsabilizado. Não recebi vantagens indevidas nem participei ou fui conivente com qualquer esquema destinado a captar e distribuir recursos a partidos ou parlamentares. Essa é a verdade. Tenho consciência de que estou sendo julgado não por meus eventuais erros ou supostos delitos, mas pelo que represento na história da esquerda, do PT e do governo Lula. Estou na linha de tiro, mas o objetivo das forças que me atacam é interromper o processo de organização dos trabalhadores e de consolidação de uma alternativa popular para o País. Se a Folha considera que nada será suficiente para apagar a convicção preconcebida de que exerci “papel ativo na trama de corrupção”, é porque o processo está contaminado pelo prejulgamento próprio dos regimes autoritários. Nesse caso, a imprensa perde a legitimidade para formar opinião na sociedade. O julgamento é político. Mas, se não houver uma constatação inequívoca da quebra do decoro parlamentar, qualquer eventual condenação será ilegítima. Condenar pelas aparências, especialmente se o conjunto de indicações estiver distorcido, é romper a linha que separa a autoridade da tirania.
107