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CIRCUNSTÂNCIAS ORTON

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A COMPANHIA

A COMPANHIA

por Miguel Loureiro

Lembro-me que o meu primeiro encontro com Orton foi através do Grupo de Teatro Hoje / Teatro da Graça à Voz do Operário. O Rufia foi lá encenado em 1982, em 84 o Loot (Comédia de Horrores, na versão de Carlos Fernando) e por fim, em 1986, o Mr. Sloane. Quando o Ivo Alexandre me convidou para encenar esta adaptação para palco da versão radiofónica de The Ruffian on the Stair de 1966, eu já sabia ao que vinha. Uma espécie de cruzamento entre o universo sexualizado, viscoso e húmido de Genet mas sem a poesia cénica deste, antes uma estrutura de farsa burguesa convencional mais devedora a Feydeau no reconhecimento de um território doméstico, suburbano, embora sujeito à corrosão britânica do humor negro de Orton. Diálogos epigramáticos, dead-ends narrativos, pontuações exotéricas à trama central, reviravoltas bruscas e nonsense abundante. Eis Orton, provocador, até à morte, atacando no seu teatro os pilares clássicos da ordem pública: a Polícia, a Família, a Igreja.

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Em Um Rufia nas Escadas, que pede emprestada a fábula ao romance escrito a meias com o amante, Kenneth Halliwell (seu futuro assassino também), The Boy Hairdresser, deparamo-nos com dois misfits, Mike, assassino a saldo, e Joyce, ex-prostituta, numa tentativa de via conjugal; e o surgimento de um terceiro elemento (tal como em Sloane, um mecanismo clássico de Orton), Wilson, cabeleireiro e “viúvo” do irmão, despachado por Mike, e com quem mantinha vida amorosa num acordo incestuoso. Cadáveres, chá, caixões, armas, padres, cinismo, fetiches, donas de casa, chulos e sexo. São estas as circunstâncias recorrentes deste teatro livre, breve, violento e cru. Agradeço à Companhia Dois do Ivo e da Anabela o prazer de o praticar, muitas vezes ao arrepio de fundamentalismos puritanos que começam a instalar-se nos nossos teatros.

Viva Orton!

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