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Principais doenças dermatológicas nas zonas rurais de regiões tropicais de Angola
EM REGIÕES TROPICAIS E SUBTROPICAIS, HÁ PESSOAS QUE VIVEM EM ZONAS RURAIS E SUBURBANAS QUE SÃO AFECTADAS POR DIVERSAS PATOLOGIAS CUTÂNEAS ASSOCIADAS ÀS BAIXAS CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS, À POBREZA, AO DEFICIENTE SANEAMENTO, A REGIÕES PANTANOSAS, À PROXIMIDADE DE RIOS, CHARCOS OU LAGOAS, VIVENDO AGLOMERADAS EM CONTACTO PRÓXIMO COM VECTORES INFECCIOSOS, ANIMAIS DOMÉSTICOS E GADO. EM PARTICULAR, EM ANGOLA, TAMBÉM HÁ A INFLUÊNCIA DAS CONSTANTES DESLOCAÇÕES DAS POPULAÇÕES, PRINCIPALMENTE EM ZONAS TRANSFRONTEIRIÇAS.
Dr. Luvualu Claris Ndongala
Licenciado em Medicina pela Universidade Agostinho Neto. Pós-graduado em Dermatologia e Venereologia pelo Conselho Nacional de Especialização. Pósgraduado em Ciências da Saúde pelo Hospital Américo Boavida
Um exercício de busca activa de avaliação transfronteiriça Angola/ República Democrática do Congo, realizado de 26 de Abril a 13 de Maio de 2021, através do rastreio integrado de doenças tropicais negligenciadas, de gestão de casos com manifestações cutâneas, nomeadamente, Lepra, Úlcera de Buruli, Bouba, Tripanossomíase e Verme da Guiné, organizado pelo Programa Nacional de Controlo da Lepra e com apoio técnico da OMS/AFRO, permitiu desvendar o desconhecimento real da situação epidemiológica das dermatoses tropicais em Angola. Este exercício de busca activa no seio das comunidades também permitiu identificar centenas de pessoas com lesões cutâneas específicas, que caracterizam uma enorme variedade de patologias dermatológicas com necessidade imediata de abordagem, gestão de casos, bem como determinar as acções necessárias para planeamento das estratégias de controlo, eliminação e erradicação no país. A pesquisa das doenças tropicais negligenciadas permitiu identificar as principais doenças dermatológicas nestas zonas rurais de regiões tropicais de Angola e aplicar os procedimentos clínicos disponíveis para uma intervenção comunitária em massa, com base em assistência médica e medicamentosa, por uma equipa técnica multidisciplinar de profissionais de
saúde, constituída por especialistas angolanos e estrangeiros, entre os quais médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, agentes comunitários e técnicos de promoção da saúde que percorreram às aldeias fronteiriças das províncias de Zaire e Uíge. O resultado foi comum em ambas províncias: a faixa etária mais atingida é de um aos 15 anos de idade e a presença de lesões cutâneas agudas predomina em todas as faixas etárias e em diferentes patologias dermatológicas. Os gráficos elucidam a faixa etária, a distribuição dos tipos de lesões e as patologias encontradas nas aldeias das províncias de Zaire e Uíge, onde se realizou a busca activa, e, segundo os dados epidemiológicos, geográficos e sociodemográficos, poderão reflectir uma tendência similar noutras regiões de Angola. Distribuição segundo a faixa etária dos casos observados durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças das províncias de Zaire e Uíge, de 26 de Abril a 13 de Maio de 2021 Fonte: caderno de registo Fonte : carderno de registo Gráfico.2 Distribuição segundo o estado das lesões cutâneas nos casos observados durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças da província do Zaire e Uige de 26 de Abril á 13 de Maio de 2021.
Fonte: caderno de registo
Fonte : carderno de registo
Distribuição segundo o estado das lesões cutâneas nos casos observados durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças das províncias de Zaire e Uíge, de 26 de Abril a 13 de Maio de 2021 Distribuição das doenças dermatológicas observadas durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças da província de Zaire, de 26 de Abril a 13 de Maio de 2021 Para a sustentação dos diagnósticos enumerados, apesar de, em muitas dessas patologias, o diagnóstico ser clínico, segundo a história epidemiológica e os achados no exame dermatológico minucioso, recorreu-se também a exames complementares, tais como a microscopia directa localmente, e outros mais específicos, como a baciloscopia e PCR. Foram colhidas amostras e enviadas para laboratórios centrais de referência. Com estes dados, observou-se, durante a busca activa nas 11 aldeias de Zaire e Uíge, cerca de 630 utentes com lesões cutâneas, dos quais 47,1% era do sexo feminino e 52,9% do masculino e a faixa etária mais acometida era a de um a 15 anos de idade,
correspondendo 49% do universo. A escabiose (12,8%), as úlceras tropicais (12,2%) e as micoses superficiais em crianças (11,1%) e nos adultos (7,2%) são as doenças dermatológicas que mais afectam as populações destas regiões. 46,8% deste Gráfico.3 Distribuição das doenças dermatológicas observadas durante a busca activa de doenças dermatológicas nas aldeias fronteiriças da província do Zaire de 26 de Abril á 13 de Maio de 2021. universo foi submetido a exames complementares para diagnóstico laboratorial e 82,6% com lesões agudas e subagudas recebeu assistência médica pontual, sendo que 66,6% realizou curativos e em cerca de 7,4% foi aplicado
Fonte: caderno de registo escabicida e dadas Fonte : carderno de registo recomendações de Para sustentação dos diagnósticos inumer seguimento nas unidades sanitárias locais. ados acima, apesar de que muitas dessas patologias, É notável, olhando na vertente da atenção o diagnóstico é clínico segundo a história primária, que ainda existem muitos desafios para o planeamento de estratégias para garantir a assistência médica e medicamentosa para essas epidemiológica e os achados ao exame dermatológico minucioso, recorreu-se também exames complementares, tais como miscroscopia directa localmente e outros mais específicos como Baciloscopia, PCR foram colhidas amostras e enviadas para laboratórios centrais de referência. patologias dermatológicas nas unidades sanitárias periféricas em zonas rurais. Assim como nas Com estes dados observou-se que durante a busca ativa nas 11 aldeias políticas de prioridade na disponibilização ou aquisição de kits de medicamentos essenciais para o tratamento de doenças da pele, nos locais onde de Zaire e Uige, observou-se cerca de 630 utentes com lesões cutâneas, dos quais 47.1% eram do sexo feminino e 52,9% masculino e a faixa etária mais acometida é de 1-15 anos de idade correspondendo 49% do universo. A escabiose ( 12,8% ), úlceras tropicais ( não há dermatologistas. 12,2% ) e Micoses superficiais Epidemiologicamente, factores ambientais, em crianças ( 11,1% ) e nos adultos ( 7,2% ) são as doenças dermatológicas que determinantes sociais, tabus, hábitos e costumes e a falta de literacia em saúde obrigarão os gestores mais afectam as populações destas regiões. 46,8% deste universo, foram submetidos a exames complementares para diagnóstico laboratorial e 82,6% com lesões agudas e subagudas receberem e os decisores a redefinirem as estratégias de assistência médica pontual sendo, 66,6% realizaram curativos e em cerca de gestão dessas patologias na rede primária, com 7,4% foi aplicado escabicida e receberam recomendações de seguimento nas unidades sanitárias locais. foco na promoção da educação para saúde e na integração de outros sectores, organizações não governamentais, associações, OSC, igrejas, autoridades tradicionais e outros profissionais ou partes interessadas na luta contra as determinantes É notável, olhando na vertente da atenção primária, que ainda existem muitos desafios para planeamento de estratégias de garantir a assistência médica e medicamentosa para essas patologias dermatológicas nas unidades sanitárias periféricas em zonas rurais. Por outro lado, as politicas de prioridade na disponibilização ou aquisição de sociais em zonas rurais. kits de medicamentos essenciais para o tratamento de doenças da pele nos locais onde não há dermatologistas. Visto que epidemiologicamente factores ambientais, determinantes sociais , tabus , hábitos e costumes e a falta de literacia em saúde obrigará os gestores e os decisores a iniciar a redefinirem as estratégias de gestão dessas patologias na rede primária com foco na promoção da educação para saúde e na integração de outros sectores , ONGs associações, OSC, Igrejas, autoridades tradicionais ,
outros profissionais ou outras partes interessadas, na luta contra as determinantes sociais em zonas rurais.
outros profissionais ou outras partes interessadas, na luta contra as determinantes sociais em zonas rurais.
Apelando pessoas com lesões cutâneas devem aderir a campanha de busca activa.
Casos de Tinha Capitis nos alunos da mesma sala
Promoção da saúde por meio de cartazes ilustrativos Apelo às pessoas com lesões cutâneas para aderir à campanha de busca activa
Todos utentes com úlceras receberam assistência médica (curativos)
Colheita de amostra para exames laboratoriais
Casos de tinha capitis nos alunos da mesma sala Apelando pessoas com lesões cutâneas devem aderir a campanha de busca activa.
Casos de tinha capitis nos alunos da mesma sala
Promoção da saúde por meio de cartazes ilustrativos
Promoção da saúde por meio de cartazes ilustrativos Todos utentes com úlceras receberam assistência médica (curativos)
Todos utentes com úlceras receberam assistência médica (curativos)
OPINIÃO UM OLHAR SOBRE O SECTOR FARMACÊUTICO EM ANGOLA
A DRA. ANA FERREIRA DE AGUIAR FOI A PRIMEIRA FARMACÊUTICA INSCRITA NA ORDEM DOS FARMACÊUTICOS DE ANGOLA. COM UMA LONGA E DESTACADA CARREIRA PROFISSIONAL, ACOMPANHOU A EVOLUÇÃO DO SECTOR FARMACÊUTICO EM ANGOLA, DESDE OS DESAFIOS COM QUE SE DEPAROU NO PERÍODO PÓS-INDEPENDÊNCIA, QUE DITARAM O ABANDONO DAS PREPARAÇÕES GALÉNICAS NAS FARMÁCIAS DE OFICINA, À ORGANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA E AO ABRANGENTE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. UM CAMINHO NO QUAL - CONTA-NOS -, DEMASIADAS VEZES, A FACETA COMERCIAL SE SOBREPÔS À SANITÁRIA. COM UMA VIDA DEDICADA AO SECTOR DA FARMÁCIA, DEIXANOS O SEU TESTEMUNHO E APELO PARA QUE SE RECUPERE A VOCAÇÃO NAS ÁREAS DA SAÚDE E A VONTADE INCESSANTE DE APRENDIZAGEM, EM NOME DE UMA ASSISTÊNCIA DE ALTO NÍVEL.
Aminha opção inicial foi Estomatologia, mas alguns condicionalismos fizeram com que enveredasse pela área da Farmácia, com uma bolsa da AID, da Organização das Nações Unidas. Após a minha formação, trabalhei em instituições estatais de regulamentação, controlo de qualidade e produção de medicamentos. Nos anos 70, nas farmácias de oficina, ainda se faziam preparações galénicas. Após a independência de Angola, as farmácias existentes no país, e abandonadas pelos proprietários farmacêuticos portugueses, tinham sido intervencionadas pelo Estado. Nelas encontravamse sinais das preparações galénicas. Dois laboratórios de produção de medicamentos, de média escala, o Laboratório Farmacotécnico de Luanda e o de Lunda Norte da Companhia de Diamantes, preparavam alguns produtos hospitalares de maior consumo. Esta actividade prosseguiu depois da independência. O Laboratório Farmacotécnico de Luanda serviu de trampolim para o surgimento da ANGOMÉDICA, unidade de produção de medicamentos. No período pós-independência, as importações, de um modo geral, e as de matérias-primas, em particular, conheceram momentos difíceis, que concorreram para o abandono das preparações galénicas nas farmácias de oficina. Na altura, Angola não tinha mais de seis farmacêuticos nacionais, dos quais, cinco colocados no Serviço Nacional de Saúde. Era preciso atacar a organização da assistência farmacêutica. Trabalhou-se muito com os ajudantes técnicos de farmácia, muito bem preparados pela Escola Técnica de Saúde, herdada do tempo colonial. Infelizmente, durante muito tempo, não existindo nenhuma faculdade de farmácia em Angola, grande parte dos técnicos enveredaram para a Faculdade de Ciências, frequentando a opção de química. Assim, a farmácia em Angola perdeu bons quadros médios, com longa experiência.
Dra. Ana Ferreira de Aguiar
Nascida a 2 de Fevereiro de 1945, fez os estudos primários e secundário no Colégio Ana Maria Javouhey, das madres de São José de Cluny, em Brazzaville. Frequentou a Universidade de Lovanium, em Kinshasa, uma filial da Universidade de Louvain, na Bélgica. Trabalhou no Laboratório de Controlo de Qualidade de Medicamentos e Material Gastável do Dépot Central Médico Pharmaceutique (DCMP), em Kinshasa, passou pela Direcção Nacional de Medicamentos e Equipamentos, pela Escola Técnica de Saúde de Luanda e, ainda, pela ANGOMÉDICA
Antes do grande desenvolvimento da indústria farmacêutica, a farmácia de oficina era sóbria, virada, essencialmente, para o atendimento de utentes necessitados de assistência farmacêutica personalizada, bem direccionada, com conselhos e dispensa de medicamentos essenciais industriais, oficinais e magistrais. Depois, com o abrangente desenvolvimento industrial e o aparecimento de fábricas de média e de grande dimensão concorrentes, as preparações galénicas desapareceram das bancadas das farmácias de oficina, dando lugar, exclusivamente, aos produtos acabados industriais, muitos de qualidade questionável, que preenchem as prateleiras e gavetas cada vez mais sofisticadas. Com o advento dos anos 2000 e da forte propaganda farmacêutica, a farmácia comunitária tornou-se sedutora, exuberante, integrando, na sua actividade, artigos de puericultura de todo o tipo, cosméticos e de perfumaria, com um layout comercial atraente. Com todo este desenvolvimento, cresceu, e continua a crescer, a tendência pelo “numérico”, isto é, pelo interesse material, o lucro, infelizmente, muitas vezes, em prejuízo do utente. O foco no lucro, aos diferentes níveis da cadeia da actuação farmacêutica, da indústria farmacêutica à farmácia comunitária, despiu o profissional de farmácia, o técnico de saúde, da humanização e empatia real que o deve caracterizar. Demasiadas vezes, a faceta comercial sobrepõe-se à sanitária. Entraram em jogo laços de interesses entre os profissionais de farmácia e a indústria farmacêutica ou os seus representantes. Não declarados, em certos casos, de prestação de serviços farmacêuticos, estes laços conduzem a conflitos de interesses que flirtam com a corrupção. A tendência pelo “número” influencia, muitas vezes, a opção pelo curso de farmácia. Para as profissões de saúde, já não se fala, praticamente, em vocação, que parece estar “fora de moda”. Esta situação conduz aos comportamentos pouco abonatórios de alguns profissionais de farmácia. Na farmácia comunitária, a tendência actual é “vender” e não “atender ou assistir”. O foco deve, então, ser posto na aprendizagem e no saber para dar, atender, prestar serviço e assistência farmacêutica de alto nível. A farmácia, hoje, beneficia de um leque maior de oportunidades que não existiam há anos. O jovem farmacêutico deve empenhar-se em continuar a estudar, a investigar, a especializar-se nos vários domínios de interesse farmacêutico, como a área hospitalar, de homologação e registo de medicamentos, de controlo de qualidade de medicamentos e materiais gastáveis, de toxicologia, de farmacovigilância, de legislação farmacêutica, entre tantas outras. O desafio para os jovens, hoje, é ocupar os espaços que lhes são destinados com consciência e saber fazer.
Enf. Carla d’Oliveira
Enfermeira. Coordenadora de formação em Hemodiálise - Grupo Acail. Coordenação/Gestão dos Centros de Hemodiálise A 10 DE MARÇO, COMEMOROU-SE INTERNACIONALMENTE O DIA MUNDIAL DO RIM. A ENFERMEIRA CARLA D’ OLIVEIRA DÁ-NOS UMA PERSPECTIVA DA PROBLEMÁTICA DA DOENÇA RENAL EM ANGOLA.
Em que consiste a hemodiálise? A hemodiálise é uma técnica depurativa que consiste na passagem do sangue no dialisador. Este contém uma membrana semipermeável e é através dela que se realizam as trocas de solutos e água do sangue. Os princípios físico-químicos subjacentes são a difusão, a ultrafiltração e a convecção. Existe um circuito extracorporal constituído por duas linhas (arterial e venosa), um dialisador (rim artificial) e, ainda, a solução dialisante. É no dialisador que acontecem as trocas mencionadas. O sangue do paciente é transportado até ao dialisador pela linha arterial, onde circula no interior das fibras que contêm pequenos poros que permitem a passagem das moléculas de baixo e médio peso molecular. As fibras do dialisador estão “mergulhadas” no líquido dialisante, que não entra em contacto com o sangue. Por processos de convecção e difusão, ocorrem as trocas entre o compartimento sanguíneo e o compartimento do dialisante, o que permite eliminar líquidos e substâncias tóxicas (ureia, creatinina, potássio, entre outras) do organismo. Após este processo, o sangue “regressa” ao paciente pela linha venosa. Este processo de depuração ocorre durante quatro horas. Um paciente em programa regular de hemodiálise necessita de realizar três sessões por semana, quatro horas por sessão. Para que este procedimento ocorra, é essencial garantir um acesso vascular eficaz, um monitor de hemodiálise, água permeada e um enfermeiro com treino nas técnicas substitutivas da função renal.
Qual é o impacto da doença renal crónica no nosso país? O impacto da doença renal crónica em Angola configura um verdadeiro problema de saúde pública. Não existe uma estatística oficial relativa à doença
renal, mas estima-se que existam, no país, cerca de dois mil pacientes dependentes de técnicas substitutivas da função renal, dos quais, cerca de 95% em hemodiálise. Em Angola, mais de 80% das terapias substitutivas da função renal, e com mais relevo a hemodiálise, são realizadas em Centros de Hemodiálise sob tutela do Ministério da Saúde de Angola.
Os utentes reconhecem a importância destes tratamentos? Os utentes reconhecem a importância do tratamento. As equipas médicas, de enfermagem, de nutricionistas e de psicólogos têm realizado um trabalho excelente no que diz respeito à educação para saúde, com foco na adesão do regime terapêutico, direccionada não só aos utentes como aos cuidadores informais.
Como responsável pela formação em hemodiálise, quais os principais desafios que enfrenta? O principal desafio, no que diz respeito à formação em hemodiálise, diria que tem sido aquilo que é a base. Há necessidade de se investir e uniformizar os cursos técnico-profissionais, nomeadamente, o Curso Médio de Enfermagem, para que os profissionais saiam das escolas mais capacitados. Esta carência na formação levou-nos a planear um curso de formação, na área de hemodiálise, que é constituído por 10 dias úteis de aulas teóricas com acções de formação, desde a anatomia até aos conceitos de supervisão e gestão de cuidados. Temos uma equipa de formadores de várias áreas, constituída por médicos nefrologistas, licenciados em enfermagem, nutricionistas, assistentes sociais e psicólogos. Investimos muito na formação prática, sendo que a integração destes profissionais, a nível clínico, decorre num período de quatro meses e os profissionais estagiários são acompanhados nas salas de hemodiálise por profissionais com experiência prática, seguindo um plano de gestão da prática clínica. Devo, ainda, reforçar que a formação em contexto de trabalho tem sido uma constante. Somos comprometidos com o cumprimento do nosso manual de normas e procedimentos em hemodiálise.
Qual é a evolução do tratamento da doença renal crónica? A doença renal crónica é irreversível. Nos últimos anos, a evolução tem-se vindo a notar mais nas membranas do dialisador, que estão mais desenvolvidas e eficazes e permitem uma melhor depuração, o que se reflecte numa melhoria na qualidade de vida do paciente. Para além dos materiais utilizados para realizar o tratamento, é importante referir que a medicação é um óptimo aliado na gestão da doença renal crónica, nomeadamente, medicamentos que permitem a correcção da anemia, da doença mineral óssea, entre outras. Saliente-se que o doente renal crónico em Angola tem tido um tratamento semelhante ao que é feito noutra parte do mundo.
Qual é a maior diferença e impacto na qualidade de vida do doente da evolução na administração de tratamento da doença renal crónica? Um doente bem dialisado, ou seja, que cumpre com a terapêutica, que não falte às sessões de hemodiálise e que cumpra com a dieta adaptada à doença renal crónica tem uma boa qualidade de vida. E devo acrescentar que o facto de termos centros de hemodiálise em muitas províncias é facilitador para o doente renal crónico em programa regular de hemodiálise, pois permite-lhe viajar, tendo a oportunidade de realizar o seu tratamento fora da sua área de residência.
O PALUDISMO, OU MALÁRIA, É UMA DOENÇA QUE PODE SER FATAL, CAUSADA POR PARASITAS QUE SÃO TRANSMITIDOS AOS SERES HUMANOS PELA PICADA DE FÊMEAS INFECTADAS DO MOSQUITO DA ESPÉCIE ANOPHELES. É UMA DOENÇA EVITÁVEL E CURÁVEL. EM 2020, FORAM ESTIMADOS CERCA DE 241 MILHÕES DE CASOS DE MALÁRIA, EM TODO O MUNDO. O NÚMERO DE MORTES ASCENDEU A 627 MIL. A REGIÃO AFRICANA DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) CARREGA UMA PARTE DESPROPORCIONALMENTE ELEVADA DO FARDO GLOBAL DA DOENÇA. EM 2020, FOI RESPONSÁVEL POR 95% DOS CASOS DE MALÁRIA E 96% DAS MORTES PELA DOENÇA. DE TODAS AS MORTES POR PALUDISMO REGISTADAS NA REGIÃO, 80% REFERE-SE A CRIANÇAS COM MENOS DE CINCO ANOS, REVELA O MAIS RECENTE RELATÓRIO DA OMS SOBRE A MALÁRIA.
Opaludismo é uma doença febril aguda causada por parasitas do género Plasmodium, que são transmitidos às pessoas pela picada de fêmeas infectadas do mosquito da espécie Anopheles. Existem cinco espécies de parasitas que causam a malária nos seres humanos, das quais as mais perigosas são duas: P. falciparum e P. vivax. O P. falciparum é o parasita da malária mais mortal e predominante no continente africano. Os primeiros sintomas (febre, dor de cabeça e calafrios), que geralmente aparecem 10 a 15 dias após a picada do mosquito, podem ser leves e, portanto, difíceis de reconhecer como indicativos da malária. Se não for tratada, a malária P. falciparum pode levar a um quadro clínico sério e causar a morte em 24 horas. De acordo com a OMS, em 2020, quase metade da população mundial estava em risco de contrair malária. Alguns grupos populacionais apresentam um risco significativamente maior de contrair a doença e de apresentar um quadro clínico sério: bebés, crianças com menos de cinco anos, grávidas e doentes com VIH/SIDA, bem como pessoas com baixa imunidade que se deslocam para áreas de intensa transmissão da malária, como trabalhadores migrantes, viajantes e populações itinerantes.
Morbilidade
De acordo com o último “Relatório Mundial sobre Malária”, houve 241 milhões de casos, em 2020, acima dos 227 milhões de 2019. Segundo as estimativas, a doença causou 627 mil mortes, em 2020, num aumento de 69 mil em relação ao ano anterior. Embora cerca de dois terços deste aumento (47 mil mortes) seja explicado por perturbações de serviço resultantes da pandemia de Covid-19, o restante terço (22 mil mortes) deve-se a uma mudança que a OMS introduziu, recentemente, no seu método de cálculo da mortalidade por malária (independente das interrupções devido à Covid-19). O novo método de registo das causas de morte foi aplicado a 32 países da África Subsariana, onde cerca de 93% de todas as mortes por malária, em todo o mundo, estão concentradas. A aplicação deste método verificou que, todos os anos, desde 2000, a malária causou mais estragos do que anteriormente se pensava nas crianças africanas. A Região Africana da OMS continua a suportar uma parte desproporcionalmente elevada do fardo global da doença. Em 2020, foi responsável por 95% dos casos de malária e 96% das mortes. De todas as mortes por malária registadas na região, 80% referese a crianças com menos de cinco anos. Quatro países africanos foram responsáveis por pouco mais de metade de todas as mortes por malária em todo o mundo: Nigéria (31,9%), República Democrática do Congo (13,2%), República Unida da Tanzânia (4,1%) e Moçambique (3,8%).
Prevenção
Ao longo das últimas duas décadas, o acesso alargado a ferramentas e estratégias de prevenção da malária recomendadas pela OMS (incluindo procedimentos eficazes de controlo de vectores e a utilização de medicamentos antimaláricos preventivos) ajudou a reduzir o fardo global da doença. O controlo de vectores é um componente central das estratégias de controlo e eliminação da malária, uma vez que é altamente eficaz na prevenção da infecção e na redução da transmissão. As duas principais intervenções são o uso de redes mosquiteiras tratadas com insecticidas e a pulverização dos interiores com insecticidas residuais. Os progressos na luta global contra a malária estão agora em risco devido ao aparecimento de mosquitos Anopheles resistentes aos insecticidas. De acordo com o relatório, 78 países descreveram a presença de mosquitos resistentes a, pelo menos, uma das quatro classes de insecticidas geralmente utilizados, no período de 2010 a 2020. A resistência a todas as grandes classes de insecticidas foi relatada em 29 destes países.
Tratamentos quimioprofilácticos
O tratamento quimioprofiláctico é entendido como o uso de medicamentos, separadamente ou em combinação, para prevenir a infecção
Impacto da Covid-19
Apesar de haver mais casos de malária e mortes em 2020, em resultado de distúrbios causados pela pandemia, conseguiu-se evitar pior. Os novos dados da OMS revelam que a pandemia desorganizou os serviços de controlo da malária e que isso, por sua vez, resultou num aumento acentuado do número de casos e mortes desta doença. A situação, no entanto, poderia ter sido muito pior, já que, de acordo com as projecções feitas nos primeiros dias da pandemia, assumindo uma profunda desorganização dos serviços, as mortes por malária na África Subsariana poderiam ter duplicado, em 2020. O vendaval da pandemia chegou numa altura em que a luta contra a malária estava estancada. Em 2017, já havia sinais de que os ganhos fenomenais alcançados desde 2000 (em particular, com uma redução de 27% na incidência global de casos e uma queda de quase 51% na taxa de mortalidade) estavam a abrandar. “Mesmo antes do golpe da pandemia de Covid-19, o progresso global na luta contra a malária tinha estabilizado”, disse o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, director geral da OMS. “Graças ao trabalho árduo das agências de saúde pública nos países afectados pela malária, os piores presságios sobre os efeitos da Covid-19 não foram cumpridos. Temos agora de investir essa mesma energia e vontade de ferro para reparar as devastações causadas pela pandemia e acelerar o ritmo do controlo da malária”. Apesar destas conquistas, em 2020, a Região Africana da OMS registou um aumento de 12% no número de mortes por malária, em comparação com os níveis do ano anterior, destacando as consequências de qualquer interrupção de serviços, ainda que ligeira, numa população em risco de doença. “Embora os países africanos tenham respondido colectivamente ao desafio e desmascarado as piores previsões sobre os efeitos colaterais da Covid-19, as consequências em cascata da pandemia ainda se traduzem em milhares de vidas ceifadas pela malária”, disse a Dra. Matshidiso Moeti, directora regional da OMS para África. “Os governos africanos e os seus parceiros devem redobrar os seus esforços para que não continuemos a perder terreno para esta doença evitável”. Desde 2015, ano emblemático da estratégia global da OMS para a malária, 24 países viram aumentar o número de mortes. Nos 11 países com maior carga de malária a nível mundial, o número de casos passou de 150 milhões, em 2015, para 163 milhões, em 2020, e o número de mortes por doença aumentou de 390 mil para 444 mil, no mesmo intervalo de tempo. Em 2020, os programas nacionais de controlo da malária distribuíram cerca de 48 milhões de tratamentos a menos do que no ano anterior. Além disso, dos 11 países com maior incidência no mundo, apenas a Índia progrediu contra a doença. Os outros 10 países, todos africanos, registaram um aumento no número de casos e mortes. malária e as suas consequências. Inclui quimioprofilaxia, tratamento preventivo intermitente em grávidas e crianças lactentes, quimioprofilaxia antimalárica sazonal e administração em massa de medicamentos. Estas estratégias, que são seguras e económicas, destinam-se a complementar as actividades em curso de controlo da malária, incluindo medidas de controlo de vectores, diagnóstico rápido, em caso de suspeita de infecção, e tratamento de casos confirmados com medicamentos antimaláricos.
Vacina
Desde Outubro de 2021 que a OMS recomenda, ainda, a administração generalizada da vacina contra a malária RTS,S/AS01 às crianças que vivem em áreas com transmissão moderada a grave de malária P. falciparum. A vacina tem demonstrado reduzir significativamente a incidência da malária e a forma grave e fatal da doença em crianças pequenas.
Gestão de casos
O diagnóstico rápido e o tratamento da malária reduzem a incidência da doença, reduzem os seus efeitos mortais e ajudam a atenuar a sua transmissão. A OMS recomenda a confirmação do diagnóstico de todos os casos suspeitos, utilizando testes de diagnóstico parasitológico (seja a microscopia ou técnicas de diagnóstico rápido). Os testes de diagnóstico permitem que os prestadores de cuidados de saúde distingam rapidamente entre febres de origem malária e as que se devem a outras causas, o que facilita o tratamento adequado. O melhor tratamento actualmente existente, especialmente para a malária P. falciparum, é a politerapia com artemisina (TCA), cujo principal objectivo é conseguir uma eliminação rápida e completa dos parasitas plasmódicos da corrente sanguínea do paciente, para evitar que um caso descomplicado conduza a uma forma grave ou fatal da doença.
Resistência aos medicamentos
Desde há alguns anos a esta parte, a resistência aos fármacos antimaláricos tornou-se uma ameaça aos esforços globais de combate à doença, especialmente na subregião do Grande Mekong. Para informar as políticas de tratamento nos países endémicos da malária e para garantir a detecção e resposta precoces a toda a resistência aos medicamentos, é necessário um controlo sistemático da eficácia dos fármacos.
De acordo com o “Relatório Mundial sobre Malária”, os progressos realizados ficam muito aquém das metas intermédias, estabelecidas para 2020, na Estratégia Técnica Global da OMS. Em 2020, a taxa de incidência global foi de 59 casos por cada mil pessoas em risco, acima dos 35, num desvio de 40%. A taxa de mortalidade global foi de 15,3 mortes por cada 100 mil pessoas em risco, contra 8,9, num desvio de 42%. O trabalho da OMS sobre a malária insere-se na Estratégia Técnica Global contra a Malária 2016-2030, adoptada pela Assembleia da Saúde, em Maio de 2015, e actualizada em 2021 para integrar as lições aprendidas com a resposta global no período de 2016 a 2020. Apesar dos progressos consideráveis desde 2000, os objectivos intermédios de morbilidade e mortalidade estabelecidos para 2020 não foram cumpridos. À escala global, o progresso da luta contra a malária continua desigual. De acordo com o relatório, muitos países com um baixo fardo da doença estão a caminhar constantemente para o objectivo da eliminação da malária. Dois países – El Salvador e China – foram certificados sem malária, pela OMS, em 2021. No entanto, a maioria dos países com uma elevada incidência da doença sofreu recuos e está a perder terreno. A pandemia, que ainda não acabou, deixou os países confrontados com um prolongado triplo desafio: atenuar o impacto imediato na saúde da Covid-19, reduzir as perturbações noutros serviços essenciais de saúde, incluindo para a malária, e gerir a saúde das suas populações, à medida que perturbações económicas mais amplas afectam as sociedades. As lições aprendidas com a Covid-19, em 2020, devem continuar a informar os esforços para controlar e eliminar a malária.
Eliminação
A eliminação do paludismo é definida como a interrupção da transmissão local de uma determinada espécie de parasita da malária, numa determinada área geográfica, como resultado de actividades realizadas com essa intenção. São, então, necessárias medidas permanentes para evitar que a transmissão volte a enraizar-se. Em 2020, houve 26 países a reportar menos de 100 casos autóctones da doença, contra apenas seis em 2000. Os países onde não foram registados casos de malária indígena há, pelo menos, três anos consecutivos podem solicitar a certificação de eliminação da malária da OMS. Nas últimas duas décadas, o director geral da OMS certificou a ausência de malária em 11 países.
Vigilância
A vigilância da malária é o processo de recolha, análise e interpretação contínua e sistemática dos dados da doença e, em seguida, a utilização destes dados para planear, implementar e avaliar medidas práticas de saúde pública. Uma melhor vigilância dos casos de malária e das mortes causadas pela doença ajuda as autoridades de saúde a determinar quais os territórios ou grupos populacionais mais afectados e permite que os países monitorizem, de perto, a evolução das características epidemiológicas da doença. Os fortes sistemas de vigilância da malária também ajudam os países a conceber intervenções sanitárias eficazes e a avaliar os resultados dos seus programas de controlo da malária.
Resposta da OMS
A Estratégia Técnica Global contra a Malária 2016-2030, actualizada em 2021, é um quadro técnico que visa todos os países endémicos e orientar e apoiar programas nacionais e regionais no seu trabalho sobre controlo e eliminação da malária. A estratégia estabelece uma série de objectivos globais ambiciosos, mas exequíveis, entre os quais, reduzir a incidência da malária e a mortalidade em, pelo menos, 90% e eliminar a doença em, pelo menos, 35 países, até 2030, assim como evitar que a malária reapareça em países onde tenha sido certificada a sua ausência. Guiado por esta estratégia, o Programa Global para a Malária coordena os esforços globais da OMS para combater e, em última análise, eliminar a doença ao estabelecer e divulgar normas, considerações, políticas, estratégias técnicas e orientações cientificamente sólidas e promover a sua adopção; manter um registo independente dos progressos, a nível global; desenvolver métodos de reforço das capacidades e monitorização dos sistemas, assim como identificar possíveis factores que ameaçam o controlo da malária e a eliminação da doença e identificar novas áreas de acção.