Livro Vovô, conte a sua História

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Lembro do vovô desde que me entendo por gente. Ele fez parte de toda a minha infância. Vivi em sua casa até meus 12 anos e compartilhei com ele momentos inesquecíveis e de muitas alegrias. Pegávamos “jacaré” nas ondas da praia de Guriri e jogávamos baralho naquelas tardes de verão. Ele sempre foi para mim como um pai. Raríssimas vezes agiu com severidade, mas, nesses momentos, visava à educação necessária. Vovô é aquele avô brincalhão, companheiro, sempre com um olhar singelo e um sorriso encantador. Como ser humano é uma pessoa sem igual, agindo com justiça, dignidade e bondade. Vovô sempre se preocupou com os outros. Dedicou sua vida à família e à comunidade, desbravando horizontes desde o interior de Alfredo Chaves até as matas de Vila Valério, onde enfrentou doenças e dificuldades da época. Em Vila Valério, promoveu a educação não somente à seus filhos, mas também às crianças de toda a comunidade. Vovô nos serve de estímulo para que cada dia sejamos pessoas melhores. Vovô prestou diferenciada contribuição a todos de Vila Valério, pelo seu dom em ensinar, amor ao próximo e dedicação à igreja. Para todos nós, é infinitamente gratificante e alegre tê-lo ao nosso lado pelo ser especial que é. Agora, com este livro em que vovô Vergílio nos conta a sua história, podemos guardar suas memórias com muito carinho.

Marlei de Fátima Bonella Zorzal

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Preparo dos originais: Edilene Bonella, Marilene Ana Bonella Louzada e Marlei de F. Bonella Zorzal Editoração e design: Takaschi Sugui, Guilherme Borgo.

Agradecimentos: À minha querida amiga Apolônia Thomas Pelissari, aos meus sobrinhos Onorita Bonella (filha de Joaquim Bonella), Sebastião Balarini (filho de Carlota Bonella) e Paulo Bonella (filho de José Bonella) por me cederem algumas fotos importantes para a ilustração deste livro. À sobrinha Alina Bonella e Herbert Farias pela dedicação na correção do livro.

À minha Maria, que sempre fez parte da minha vida. A toda minha família e amigos pelo respeito, ternura e carinho de sempre.

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PREFÁCIO É uma honra fazer a introdução deste livro, que é mais um relato de vida, de história que ainda está sendo construída, pois vovô Vergílio está com 94 anos (saúde e memórias raras nos dias de hoje). Serve até como ponto de reflexão sobre o modo como estamos vivendo, quanto tempo nos reservamos para pensar e ser capazes de relatar com tanta fidedignidade acontecimentos corriqueiros e simples, mas carregados de emoção e boas experiências de vida. São histórias sólidas, tecidas devagar, de forma artesanal, sem a pressa dos dias de hoje. A sociedade contemporânea tem vivido relacionamentos “líquidos”, como nos diz o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. É uma sociedade sem vínculos afetivos, e o que temos em nossas mãos é o registro de uma pessoa que acredita nos laços familiares e carinhosos da família como sustentação da sociedade. Vovô valoriza o convívio em comunidade, enfim, aposta no amor e transmite-nos a certeza de que podemos construir nossa felicidade a cada dia, a passos curtos, porém coerentes e íntegros. Edilene Bonella

Por isso, eu supliquei e a inteligência me foi dada. Invoquei, e o espírito da sabedoria veio até mim. Eu a preferi aos cetros e tronos e, em comparação com ela, considerei a riqueza como um nada. Não a comparei com a pedra mais preciosa, porque todo o ouro, ao lado dela, é como um punhado de areia. E junto dela, a prata vale o mesmo que um punhado de barro. Amei a sabedoria mais do que a saúde e a beleza, e resolvi tê-la como luz, porque o brilho dela nunca se apaga. Com ela me vieram todos os bens, e em suas mãos existe riqueza incalculável [. . . ] De fato, Deus ama somente aqueles que convivem com a sabedoria. Sabedoria 7:7-11; 7:28

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SUMÁRIO A VIAGEM ........................................................................................................................................10 FAMÍLIA DE ADOLPHO BONELLA E VIRGINIA BELICCHI...................................................15 MINHA VIDA, MINHA HISTÓRIA, MINHA INFÂNCIA...........................................................24 A MINHA NOVA REALIDADE .....................................................................................................31 A VIDA DE MARIA DOLORES TAVARES, MINHA ESPOSA .................................................38 ALGUMAS HISTÓRIAS EM ALFREDO CHAVES .....................................................................49 COM MARIA, BUSCANDO UMA VIDA MELHOR PARA OS FILHOS ...............................52 ENFIM, VILA VALÉRIO! ................................................................................................................60 PREOCUPAÇÃO COM A EDUCAÇÃO .....................................................................................71 A RELIGIÃO .....................................................................................................................................81 UM POUCO DE HISTÓRIA DE VILA VALÉRIO ........................................................................88 OS VERÕES EM GURIRI ................................................................................................................97 MINHA GRANDE PERDA ..........................................................................................................102 RETORNO AO SEIO DA FAMÍLIA ............................................................................................105 MEU CORAÇÃO NOS PREGA UM SUSTO ............................................................................110 90 ANOS: CELEBRANDO A VIDA! ...........................................................................................113 RETORNO AO COLÉGIO DE JACIGUÁ APÓS 80 ANOS ...................................................127

A VIAGEM Em 1875, o Norte da Itália estava dominado pelo Império Austríaco, incluindo a Região (Estado) de Trentino-Alto Adige e a Comuna (cidade) de Telve de Sopra. E era justamente nesse município que residia a família Bonella. Nessa época, a Itália travava uma batalha com a Áustria para recuperar essa região. A população civil sofria horrores em consequência dessa guerra e, então, o meu avô, Antonio Francesco Bonella, decidiu mudar-se para a Terra Prometida, como era chamado o Brasil pelos aventureiros italianos. Nesse mesmo ano, ele, a mulher, Santa Chin, e os filhos, Marietta, Luiz e Benjamin, embarcaram no navio Belgrano, no Porto de Havre, na França, direto para o Brasil. A primeira escala foi no Rio de Janeiro, onde desembarcaram e seguiram viagem no navio Cervantes para Benevente, atual Anchieta (ES). como: Quarto Território, Recreio, São Sebastião, Batatal, São João, Engano, Assunta (em homenagem a Nossa Senhora da Assunção), Nova Estrela, Boa Vista. Todos esses aventureiros, como meu avô, ganharam terras em mata virgem.

A viagem foi muito difícil e perigosa. Chegando a Benevente, seguiram para Alfredo Chaves, Espírito Santo (ES), onde havia distribuição de terrenos. Vovô partiu pelo Rio Crubixá, pela densa floresta fechada, até encontrar um lugar de seu agrado: uma vargem grande a que ele deu o nome de Nova Mântua, em homenagem à comuna italiana (cidade) muito linda, próxima à região em que moravam. De Alfredo Chaves ao terreno escolhido gastavamse umas três horas de caminhada, atravessando uma grande floresta até chegar a Nova Mântua. Meu avô derrubou um pedaço de mata e iniciou o trabalho na terra.

Vovô começou com plantios de milho, feijão e café. Ele nos contava que havia muitos transtornos com animais selvagens – onças, lobos e cachorros-do-mato – que à noite perseguiam os animais domésticos, devorando-os. Sempre que possível, armavam uma fogueira para espantá-los. Vovô contava que certa noite teve que espantar do quintal nada menos que uma onça, que queria entrar no reservado dos porcos. Muitas dificuldades foram encontradas, porém ele lutava por uma vida melhor e uma colheita abastada para o sustento da família.

Junto com ele, na viagem da Itália para o Brasil, vieram também as famílias Bertoldi, Furlan, Grobério, Lorencini, Magnago, Melanesi, Novais, OrlandiI, Pessim, Petri, Salvador, Tonierie e outras mais que se estabeleceram em diversas regiões de Alfredo Chaves,

Tio Luiz e tio Marcelino montaram uma oficina de ferreiro, pois, como todo o trabalho era braçal, havia ne9


cessidade de ferramentas. Eles fabricavam facões, foices, martelos etc. e outros instrumentos úteis na época, enquanto seus irmãos trabalhavam na lavoura. À medida que os filhos se casavam, meu avô lhes doava um pedaço de terra para o início da vida a dois. Assim, tio Francisco foi morar em Castelo; tia Domingas mudou-se para São João; tia Carolina e tia Marieta passaram a residir em Assunta; tio Marcelino, por sua vez, vendeu a terra e estabeleceu uma oficina de ferreiro em São João; tio Benjamin continuou morando em Nova Mântua; tio José foi para Batatal; tio Hilário instalou-se em Prosperidade; tio Luiz, que não tinha filhos, ficou morando na casa de seu pai junto com o meu pai, Adolpho, que herdou a casa da família. Depois do falecimento de tio Luiz, papai mudou-se para Santa Rita do Itueta (MG). Meu avô faleceu aos 95 anos, e seu filho Luiz, aos 78 anos, ambos em Nova Mântua, como também suas respectivas esposas.

Meu avô Antônio Bonella

Passaporte Italiano de Pietro Belicchi (Meu avô materno)

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Monumento, localizado na Praça dos Imigrantes (Piazza Degli Immigrant) em Anchienta / ES, em homenagem aos imigrantes italianos que chegaram de navio pelo Rio Benevente

Placa constando os sobrenomes das famĂ­lias que chegaram de navio pelo Rio Benevente ao ES

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FAMÍLIA DE ADOLPHO BONELLA E VIRGINIA BELICCHI Meu pai nasceu em Nova Mântua, município de Alfredo Chaves (ES), em 1882. Minha mãe nasceu na Itália, em 1882, na comuna (distrito) de Zibello, província de Parma, na região de Emilia-Romagna, cuja capital é Bolonha. Aos 11 anos de idade, minha mãe com seus pais, Pietro Belicchi e Elisabetta Fava, e seus irmãos, Maria, Tersilla e Assemio, embarcaram no Porto de Gênova, em 28 de junho de 1893, no navio Las Palmas, e desembarcaram no Porto de Vitória (ES), em 17 de julho de 1893. Da Hospedaria Pedra D’Água, na Capital, seguiram para Benevente numa embarcação a vapor, chamada Vapor Penedo, em 31 de julho de 1893. A família de minha mãe foi morar no Córrego Duas Barras, município de Iconha, onde mamãe passou a infância e a juventude. Eram agricultores e professavam a religião católica. Meus pais se conheceram numa festa religiosa. Só namoravam aos domingos, das 13 às 17 horas, como era o costume da época. Casaram-se somente no religioso e não há registro desse matrimônio. O casamento civil só se deu em 3 de novembro de 1923, quando quase todos os filhos já tinham nascido.

levantava cedo e ia até à capela tocar o sino às seis horas. Só depois é que tomava café, dirigindo-se, em seguida, ao curral para tomar o leite tirado na hora pelo vaqueiro, sem ferver. Nós tínhamos tanto leite que, mesmo aproveitando na cozinha para fazer queijos e derivados, ainda sobrava muito, e o dávamos aos porcos.

Meu pai tinha uma personalidade muito forte, não gostava de falar muito e não era de muitos amigos. Participava das festas religiosas, mas voltava logo para casa. Gostava de dar ordens e todos o respeitavam. Tratava muito bem minha mãe, porém nunca os vimos fazendo algum carinho ou se beijando em nossa presença. Ele era lavrador, mas também exercia a profissão de pedreiro, como seu pai, e construiu muitas casas. Tinha um comportamento exemplar e todos os dias se

Mamãe tinha uma personalidade oposta à do meu pai. Era calma, carinhosa e comandava os serviços da cozinha com muita tranquilidade. Era especialista no preparo de pão, queijo e manteiga. Tratava os filhos com muita delicadeza. Extremamente caridosa, nunca despediu sem atenção e comida os ambulantes que passavam por lá. Sempre teve muita saúde e gostava de uma palestra, porém em dialeto italiano. Durante sua vida quase não falou nada em português.

Meus pais, Virgínia Belicchi e Adopho Bonella, com seus netos, respectivamente a menina Dolores (filha de meu irmão José) e meu filho Ady Gerson no colo. Em pé, da esquerda para a direita, minhas irmãs com as filhas no colo

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Meus pais tiveram onze filhos, cinco homens (Ludovico, Octávio Guilherme, José Augustinho, Vergilio Damião e Joaquim Clementino) e seis mulheres (Paulina Maria, Cecília Antônia, Carlota, Olinda, Elizabetta Rosalina e Lúcia). Olinda morreu aos oito anos, e Lúcia, com apenas três. Eu era ainda menino, tinha seis anos, quando minha irmãzinha Lúcia morreu, afogada no rio Crubixá. Ela só tinha três anos. Era tempo de vacinação do gado, chovia torrencialmente e o rio encheu muito. Como ela caiu na correnteza ninguém sabe. Deram pela falta dela, e a pergunta “Cadê Lúcia?” se fazia ouvir, como um alarme, em toda parte. As buscas foram infrutíferas em casa, no quintal, no curral e por todas as redondezas. Foi um empregado que especulou pela primeira vez que a menina poderia ter caído no rio, em meio ao descuido de todos, e ele mesmo desceu o rio em busca de Lúcia. Foi nadando pelo rio, seguindo pela correnteza até chegar a um remanso, onde havia uma pedra. Foi lá que ele avistou Lúcia, com a mãozinha esquerda ainda segurando uma vara de bambu. Estava morta. Ela fora arrastada pela correnteza do rio por cerca de 200 metros. Nunca soubemos o lugar exato onde Lúcia caiu. Todos nós (papai, mamãe, eu e meus irmãos) ficamos envolvidos pela grande quantidade de água que caía e acabamos nos descuidando. Lamentamos e muitas vezes choramos a falta da pequena Lúcia. Como foi triste não termos visto, no instante exato, o perigo que ela corria!

Os Bonellas crescem e se multiplicam Os outros filhos, ao atingirem a maioridade, foram se casando e constituindo família. À medida que cada filho do sexo masculino se casava, meu pai lhe dava uma parte da fazenda. As mulheres levavam seu dote em dinheiro. Eu também recebi a minha cota de terra em dinheiro. José e Joaquim receberam sua parte do tio Luiz. Com o passar dos anos, os filhos foram vendendo as terras e partindo para outras regiões. Ludovico, por exemplo, quando casou-se com Rosalina Delaparte, vendeu suas terras e foi morar em Santa Rita de Itueta (MG), onde já residia Paulina. Ludovico e sua esposa tiveram 12 filhos: Clemente, Angélica, Laurindo, José, Maria, Marta, Valentim, Maura, assunta, Vicente, Terezinha e Margarida. Paulina morava em Itueta(MG). Casouse com Lino Grobério e tiveram dez filhos: Ana, Antonio José, Atílio, Mário, Luiz, João, Rosalia, Antônia Ormila, Maria Helena e Terezinha. Octávio Guilherme casou-se com Amábili. Vendeu sua propriedade e foi para Resplendor (MG).

Meu irmão Octávio e sua família

Convenceu papai a acompanhá-lo, e o convite foi aceito. Depois voltaram ao Espírito Santo, residindo em Rio Bananal, onde Joaquim montou uma oficina mecânica, trabalhando nela durante muitos anos. Teve 6 filhos: Dolcino, Onorita, Paulo Adolfo, Maria Luzia, Jacimar e Josmar. Minha mãe veio a falecer em Rio Bananal. Com a falta dela, meu pai voltou para Minas Gerais, em Santa Rita de Itueta, e foi morar com sua filha Paulina. Ali faleceu.

Herondina, Sebastião, Paulo, Ana e Josefina, foram morar em Campinho, Iconha. Mais tarde, mudaram-se para Vila Valério e, finalmente, para Vitória.

Cecília casou-se com Bortolo Guil, foram morar em Campinho, perto de Iconha. Cecília viveu lá toda a sua vida. Seus filhos são: Ana, Osília, Marta, Maria, Antônio, José, Pedro e Lodovina.

Elizabetta casou-se com Arthur Delaparte e tiveram 13 filhos: Maria Alcélia, Anícia Inês, José João, Antonio Ancelmo, Zelia, Gertrudes, Cecília Virgínia, Angelo Adolfo, Pedro Clemente, Lourdes, João Hegino Inácio, Rosinha e Judith Luiza. Morou em Nova Mântua e, posteriormente, em Vitória.

Carlota casou-se com Florentino Balarini, e tiveram 7 filhos - Astrogilda, Esmeraldo,

Joaquim casou-se com Leontina Campi e foram morar em Aldeamento(MG). 17


A casa dos Bonellas

remédios eram os chás caseiros e todos gozavam de muita saúde. Era outra vida! Tenho muita saudade da infância querida. Eu era muito feliz em nossa morada, e ainda agora me vêm à mente essas lembranças. Hoje a casa mãe já não mais existe, porém foi um templo de muitas vidas felizes. Além do valor que tinha para nós, a casa dos Bonellas era, na época, ponto de parada para os viajantes, acolhida de mascates e ciganos que passavam por aquela região: ali paravam, se alimentavam e dormiam, e nada lhes era cobrado.

Como vovô tinha muitos filhos, havia necessidade de uma casa grande. Ela tinha oito quartos, com paredes de estuque ou pau a pique: uma rede armada com bambu e madeira, cujos vãos se preenchiam com barro. Depois de seco o barro, as paredes eram rebocadas. O teto era coberto de tabuinhas e o piso era de tábuas. A casa foi construída numa grande planície. Ao seu redor, havia pomar, pastagens, lavouras e um rio chamado Crubixá. Uma vivenda enorme, com 15 metros de comprimento por dez de largura, com dois andares. Do lado esquerdo, havia uma sala de visitas espaçosa, entre dois quartos. A sala de jantar, logo adiante, ficava ao lado da dispensa, onde eram guardados os mantimentos. O restante da casa era ocupado pela ampla cozinha e, entre o quarto e a sala de jantar, uma escada de pedra levava ao andar superior, com outra grande sala e quartos para todos os lados. Não havia banheiros e só água na cozinha.

Joaquim Bonella (irmão de Vergílio Bonella) com sua esposa Leontina e as crianças: Onorita, Paulinho no colo e Dolcino

A capela O sonho de meu avô era construir uma igreja, o que conseguiu depois de muito trabalho das próprias mãos, pois, além de lavrador, era pedreiro. Na propriedade, havia uma grande pedra, que rendeu boa parte do material de construção. Com muito trabalho e esforço nasceu a capela, pequena, porém bem reforçada: os portais, a fundação, o altar, a pia batismal, as colunas, a torre, tudo foi feito de pedra, e também uma cruz com três metros de altura, que fica ao lado da igreja. Terminada a construção, ele foi buscar quatro sinos no Rio de Janeiro e lhes deu o nome dos quatro apóstolos: Mateus, Marcos, Lucas e João. A capela foi dedicada a Nossa Senhora Auxiliadora.

Os móveis da casa eram todos de madeira, feitos à mão, e rústicos, porém bonitos. Eu me lembro das enormes panelas de esmalte e também de ferro, e dos talheres, todos de cobre. Casa de grande fartura: muitas frutas, verduras, cereais, galinhas, porcos, bois, leite e derivados. Nossa alimentação era inteiramente natural. Os 19


Todos os meus irmãos e eu fomos batizados, crismados e casados nessa capela, construída em 1905. Em 2005 comemoramos o seu centenário, com uma bonita festa, quando contei, emocionado, a história de meu avô para todos os presentes. Essa igreja é o brasão da família Bonella, proporcionando recordações belíssimas de meus familiares. Particular, no início, passou a ser diocesana, celebrando-se ali a missa da comunidade. Também é um dos pontos turísticos de Alfredo Chaves: “A igreja de colunas esculpidas em pedra bruta”.

Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora em Nova Mântua, Alfredo Chaves

A parte da fazenda não vendida ficou para o meu irmão José, que lá viveu até seu falecimento. Seus filhos administram aquelas terras até hoje. José casou-se com Cecília Paganini e tiveram 7 filhos: Laurita, Nicolau, João, Rosa, Darci, Dolores e Assis já falecido. Ficou viúvo e casou-se com Abgail Sales Inocente. Ao ficar viúvo novamente, casou-se com Valentina Gaburro (que ja tinha um filho, Danilo) e tiveram mais 9 filhos: José Antônio, Maria Palma, Bernardo, Roberto, Irene, Eliza, Cecília, Paulo e Auxiliadora.

Placa comemorativa no centenário da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora em Nova Mântua, Alfredo Chaves, em agosto de 2005

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Um pouco da vida de Luiz Bonella (meu tio) Ele era uma pessoa muito boa. Casouse com D. Maria Bassari, também filha única, e não tiveram filhos. Quando se casaram, a mãe de D. Maria, D. Domingas, já era viúva e foi morar com eles na casa grande dos Bonellas, até seu falecimento. Titia gostava de cuidar do pomar e das flores plantadas ao redor da igreja. Rezava todos os dias. Ela e o marido brincavam muito com as crianças, mas conversavam em dialeto italiano, pois não falavam português. Nós, crianças, é que os ajudávamos a se comunicar e também orientávamos com relação ao valor do dinheiro, principalmente das moedas. Quando jovem, tio Luiz foi ferreiro e fazia foices, facões, facas, martelos, além de consertar espingardas. Não havia ferramenta de lavrador que ele não fosse capaz de fazer. Trabalhava de segunda a sábado e sempre tinha uma freguesia grande, pois seu trabalho era de primeira qualidade. Muita gente vinha de longe encomendar-lhe ferramentas. Aos domingos, quando não havia missa, todos participavam do culto na comunidade, e as crianças tinham aula de catecismo. Depois o tio Luiz nos convidava para ir à sua casa, de dois andares. Ele morava no andar de cima e, na frente da casa, havia um grande campo coberto de grama. Adorávamos ficar ali brincando, enquanto ele subia para o seu quarto e jogava balas para

pegarmos, divertindo-se muito com a nossa correria na disputa por mais balas. A gente se atropelava e ele ria a valer dos tombos, depois mandava fazer uma fila e distribuía balas e doces. Todos nós ficávamos ansiosos para chegar o domingo, e ele promoveu essa pequena festa por muitos anos. Era seu divertimento preferido. Certa tarde, como sempre fazia, conversou durante algum tempo com amigos e parentes e depois foi dormir. Ao amanhecer, sua esposa o chamou, mas ele não respondeu. Estava morto. Ela se desesperou, não conseguia continuar vivendo sem o querido esposo. Afinal, durante muitos anos, eles foram imensamente felizes. No enterro, os moradores daquela comunidade e das regiões vizinhas foram se despedir daquele que era tão querido no lugar. Enterraram-no do lado esquerdo do pai, Antônio, no cemitério de Nova Mântua, construído pela família. Ele tinha 73 anos. Sua habilidade não morreu com ele, pois José e Joaquim Bonella aprenderam tudo o que o tio sabia e continuaram a fabricar ferramentas.

MINHA VIDA, MINHA HISTÓRIA, MINHA INFÂNCIA “Eu vim ao mundo para o trabalho, servir aos amigos e à comunidade”. Nasci no dia 19 de julho de 1918, num lugarejo chamado Nova Mântua, município de Alfredo Chaves (ES). Oito dias depois de nascido, fui batizado na Capela Nossa Senhora Auxiliadora, pelo padre Olívio Giordono. Foram meus padrinhos o casal José Orlandi e Santa Bonella. queijos. Escondidos de minha mãe, Carlota jogava os queijos para Joaquim e eu pegarmos, como se fossem bolas. Ainda pequenino, meu irmão não aguentava pegá-los e os deixava cair no chão, ou os rolava pelo corredor. Aí mamãe vinha gritando pela casa afora: “Vocês estão estragando os queijos, vão brincar no quintal”.

Vim de uma família numerosa e, até os sete anos de idade, permaneci junto a ela. Quase todos os meus irmãos já trabalhavam, como José, ferreiro desde cedo. O único irmão com quem eu podia brincar era Joaquim, que ainda não estava em idade de trabalhar. Sem muitas distrações, nós nos divertíamos correndo atrás dos porcos. Para meus outros irmãos não era possível brincar tanto, pois a rotina era rígida: chegar do trabalho, jantar e, às sete horas da noite, dormir, para acordar muito cedo no dia seguinte. Meu pai tinha dois ou três empregados, e isso nos poupava – a mim e Joaquim – das duras lidas do campo. José, depois de aprender o ofício com tio Luiz, trabalhava de ferreiro, e Carlota e Elisa, na cozinha, ajudando minha mãe. Porém, muitas vezes, Carlota dava umas escapulidas e ia brincar com a gente.

Seminário em Virgínia, hoje Jaciguá Meus pais tinham um grande desejo de que um dos filhos fosse sacerdote. Como meus irmãos mais velhos estavam em idade adiantada para esse ensino, e o Joaquim era ainda pequenino, já no início do ano (1925), meu pai me levou, com apenas sete anos de idade, ao Colégio Salesiano Dom Bosco, em Virgínia, município de Vargem Alta, hoje Jaciguá. Foi minha mãe quem me anunciou essa decisão,

Papai comprava muitos queijos, que ficavam guardados em cestos na dispensa. Cada cesto continha uns seis 23


já arrumando minha roupa – calças e camisas, pois não usávamos bermudas – numa sacola de pano, como era de costume naquela época, para que meu pai me levasse ao seminário. Saímos de casa às sete horas da manhã, fomos a pé até a estação do Engano, apanhamos o trem para Guiomar, de lá para Vargem Alta e, finalmente, Virgínia, desembarcando na estação de mesmo nome. Chegamos a pé ao seminário, onde avistei um colégio muito grande, embora metade do que hoje existe. Meu pai me apresentou ao Pe. Olívio Giordano, com quem já havia combinado a minha ida. O padre recebeu-nos com um lanche, depois meu pai se despediu com um abraço, dizendo que dali por diante o padre tomaria conta de mim. Eu não discutia as ordens do meu pai, sempre austero, homem de falar uma vez só. Seu temperamento contrastava muito com o de minha mãe, sempre carinhosa. Aliás, despedir-me dela foi provar uma pequena dose dessa ternura: nunca esquecerei o abraço e o beijo impregnados de carinho. Agora eu, tão pequenino, ainda menor ficava, desconhecido de todos, andando pelos corredores enormes, passando pelas portas altas e largas. O colégio ficava ao lado de um morro, onde havia uma cachoeira. Ali era o meu refúgio, onde muitas vezes eu me sentei e fiquei a admirar suas águas caindo, enquanto planejava minha vida. No primeiro dia, o assistente, seguindo as ordens do padre, levou-me para

conhecer as instalações: as salas de aula, o refeitório, a cozinha e o dormitório. A propósito, depois do jantar, fomos dormir num quarto grande, um verdadeiro salão, onde cabiam cerca de 30 ou 40 meninos do primeiro ano. O assistente indicou a cama de cada aluno e, a partir do sinal da hora de dormir, era proibido conversar. Na primeira noite, foi difícil dormir. Um estranho barulho vinha da cobertura logo acima do dormitório, o que me deixou cismado e amedrontado. Comecei a chorar e sentei-me na cama. Foi, então, que o assistente se aproximou e perguntou o que estava acontecendo, se eu estava com saudade de casa e dos meus pais. Respondi-lhe que meu medo e lágrimas deviam-se ao misterioso ruído acima de nós. Ele me tranquilizou, dizendo que aquilo não era nada de mais e prometeu me mostrar a origem daquele som na manhã seguinte. Foi o seu cuidado, cobrindo-me com o lençol e afagando a minha cabeça de menino de sete anos, que me devolveu o sono e a calma, e dormi. No dia seguinte, fui iniciado na rotina do colégio: acordamos às seis horas da manhã, erguemo-nos logo da cama de madeira, lavamos o rosto e fomos à igreja rezar. Às vezes havia missa, às vezes não, mas sempre havia reza. Somente depois da reza é que nosso grupo, entre 15 e 20 meninos, ia tomar café. Assim que terminei de tomá-lo, o assistente, lembrando-se da promessa da véspera, levou-me para ver a

Muitas vezes eu acordava cedo, debruçava-me na janela e ficava a admirar a natureza, o barulho da água da cachoeira que batia forte, anunciando mais um dia. No início, foi difícil acostumar-me com aquele regime de internato. Eu vivia correndo pelo pomar, cercado pelos irmãos e primos, e agora todos eram estranhos, e até fazer amigos sofri muito. Sentia muito a falta da minha casa, dos meus irmãos e do carinho e proteção da minha querida mãe. Chorei diversas noites e soluçava baixinho para não incomodar os colegas ou ser delatado para os padres.

fonte do meu medo: a imensidade de pombos que naquele momento catavam comida no chão, mas, ao anoitecer, eles iam para o telhado, permanecendo ali ruidosamente, o que era para mim uma grande novidade, pois onde eu morava não existia pombos. Depois do café, mãos à obra: cada aluno tinha o seu trabalho estipulado. Enquanto um varria o quintal, outro varria as salas de aula e um terceiro, ainda, lavava os banheiros. Depois começavam as aulas, até a hora do almoço, entre as dez e as onze horas. O estudo continuava à tarde, até o horário do banho e das brincadeiras, e era retomado em seguida, até as oito e meia ou nove horas da noite, quando íamos dormir.

Aos domingos, havia o período de recreação: todos que moravam em torno do colégio gostavam muito dos alunos e combinavam com os padres levá-los às suas casas, depois da missa e do café. Uma dessas pessoas era o Sr. Francisco Altoé, que morava no alto do morro, distante do colégio. Era um homem abastado, que sempre nos recebia com uma mesa cheia de lanches e guloseimas. Havia uma lagoa grande onde tomávamos um delicioso banho e depois desfrutávamos de um almoço muito gostoso, com polenta, arroz, feijão, carne, galinha e muita verdura. Comida simples, mas muito bem preparada. Passávamos lá o restante do dia, brincando, tomando banho de lagoa e aproveitando aquela folga dominical. Num domingo desses, tendo passado o dia naquela bela propriedade, voltamos por volta das quatro horas da tarde, e foi nesse retorno, ao descermos o morro, que se

Foi lá que cursei da 1ª a 4ª série primária, dos sete aos onze anos. Não havia viagem de férias. Nada de passear na casa dos pais entre um e outro ano letivo. Passávamos o Natal no colégio, comemorando essa data com muitas orações e canções natalinas, além de um jantar com todos reunidos. Meu pai foi me visitar uma só vez, depois de uns sete meses que eu estava lá. Nesse período de estudos, só retornei à casa de meus pais apenas uma vez, quando a família Bonella convidou os padres e os alunos para a festa da padroeira, Nossa Senhora da Auxiliadora, em 1925. Os pais enviavam uma contribuição ao diretor e, com esse dinheiro, era custeado o nosso vestuário.

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deu o episódio do mamão jequitiá. Apesar do nome, não se trata de mamão, mas de frutos amarelos que lembram mamão. Fruta gostosa, mas com a qual é preciso saber lidar: a casca solta um líquido que queima muito, e por isso, não pode ter contato com a pele. Antes de chupá-la, é preciso tirar a casca, do contrário, queima a boca. Havia um pé carregado dessa fruta num pasto do caminho, e eu e um colega não resistimos à tentação de colher o que fosse possível carregar. Enchemos as camisas daquele “tesouro”, sem que o assistente reparasse ou notasse o risco da façanha. Dez ou quinze minutos andando sob o sol e o mamão jequitiá começou a arder a pele. Alarmados, mostramos as barrigas vermelhas ao assistente e contamos o caso. Ele exclamou, perplexo: “Meu Deus do céu! Levantem as camisas, joguem isso tudo fora!”. Chegando ao colégio, fomos direto à enfermaria para receber a medicação, mas a queimação duraria ainda uma semana, enquanto nossa pele frágil de criança se soltava. O preço da traquinagem!

Seminário de Lavrinhas Só voltei à casa dos meus pais aos 15 anos, depois de concluir a oitava série. Aos onze, fui direto para outro Seminário Salesiano, em Lavrinhas, São Paulo. Comigo foram seis ou sete colegas que também responderam ao entrevistador em Jaciguá que

queriam ser padres: havia sido incutida em nossas mentes a virtude de ser sacerdote, para socorrer espiritualmente os necessitados. Eu me sentia muito só. Lembro-me de um amigo dessa época, o José Carlos, pois estudávamos muito juntos, mas nunca mais o vi, nem tive notícias dele. Lá nunca recebi visitas. Meu pai me escrevia uma ou outra carta. Eu é que escrevia muitas, sempre dizendo que estava bem, estudando aplicadamente e assegurando que não me faltava nada. Os pais de colegas que moravam mais próximo os visitavam, mas não entravam nas dependências do seminário. Quando um pai chegava, o assistente levava o filho para uma casa separada, e era lá que a conversa se dava. Eu era muito estudioso e aplicado, e os professores eram rígidos, mas ótimos. Passávamos o dia nas salas de aula ou estudando nas bibliotecas. As matérias eram Português, Matemática, Geografia, História, Ciências, Caligrafia, Civilidade, Desenho e Latim. O diretor e os professores eram sacerdotes, assim como os membros do secretariado. Os coadjutores, no entanto, eram homens associados aos salesianos. Eram solteiros e viviam no seminário. O regime escolar no seminário, entre 1928 e 1930, era rigoroso e primava pela excelência: todos os meses havia “a prova do mês e do mês anterior”, para recapitulação. No final do mês, tínhamos a prova descritiva e a oral. O que mais assustava os alunos era a oral. A arguição era feita por três

professores, cada qual com oito perguntas. A média estabelecida era a nota seis. Quem ficasse abaixo da média recebia como punição estudar durante o recreio para recuperar a nota.

desse período, tocava o sinal, dando somente mais dez minutos para ir ao banheiro, em silêncio. O toque de recolher encerrava o dia, e ia cada um para sua cama.

Além disso, o cuidado com a horta e a limpeza do colégio eram tarefas dos alunos, que liam a escala do trabalho afixada na parede, para não haver dúvidas. Das seis às oito horas, limpavam-se as salas de aula e a dos professores, bem como o pátio e o refeitório. Em seguida, iniciava-se o estudo individual na biblioteca, que durava entre 45 minutos e uma hora. Durante esse momento, não era permitido conversar. Cada um devia fazer seus trabalhos escolares, vigiado pelos assistentes, que tomavam nota de tudo que se passava no seu horário. Qualquer erro do aluno era logo anotado pelo assistente e levado ao conhecimento do diretor. Se houvesse necessidade de explicação, o interessado deveria procurar o professor que atendia numa sala próxima.

Às vezes tínhamos aula da mesma disciplina duas vezes por dia, cobrandose, na segunda, o desempenho do que fora ensinado na primeira. A diversão era permitida, porém quem tirava nota baixa não participava do handebol, do pingue-pongue, dos jogos de bolas de pau e dos demais divertimentos e recreações. Num certo jogo, todos os meninos do seminário brincavam, divididos em dois times, dispostos em cada lado do pátio. Um quadrado era desenhado no chão e um jogador devia entrar nesse quadrado sem ser apanhado pelos 30 meninos do time adversário. Se fosse interceptado, era levado “preso” para um espaço à parte da competição. Em seguida, era a vez do segundo menino, que novamente tinha que escapar à captura. E assim prosseguia até que todos os jogadores de ambas as equipes passassem pela perseguição.

Ao estudo seguia-se uma arguição oral em cada disciplina. Vinham depois as aulas, até o almoço, às 11 horas, seguido de nosso período de recreação. Depois, mais uma hora de estudo individual, e mais aulas, até as 17 horas. A seguir, todos tomavam banho, também acompanhados pelos assistentes: não se tolerava desrespeito com os colegas. O jantar era servido às 18 horas e depois havia mais um período de folga. Das 20 às 22 horas voltava-se a estudar. Depois

Outro divertimento muito apreciado eram as corridas com pernas de pau. Na marcenaria do próprio colégio, construíam-se esses artefatos com hastes compridas de madeira em que eram fixados apoios para os pés. No pátio enorme, de uns 200 metros quadrados, dez competidores, distantes dois metros um do outro, disputavam lado a lado o primeiro lugar numa corrida de cem metros. 27


Sobrava disposição de vencer e faltava habilidade – boa parte dos corredores ficava pelo caminho – ou mesmo lealdade: um ou outro colega sempre tentava derrubar o adversário, geralmente aquele com quem não simpatizava. Eu nunca me machuquei, felizmente, mas também jamais venci uma competição dessas. Eis um fato que me fez ficar 15 dias sem recreio: jogávamos muito futebol e, num dia de chuva fina e muita neblina, o padre nos proibiu de jogar no campo. Assim, fomos jogar no pátio do colégio, mas, já no final da tarde, a bola escapuliu dos pés de um colega e foi rolando para um barranco, no meio do mato. Quando fui correndo buscála, um acaso infeliz inspirou a peraltice: achei uma maciça bola de pau e, muito maroto, tive a infeliz ideia de lançá-la para meu colega, gritando:“Lá vai a bola!”. O inocente aluno foi correndo em direção à bola de madeira e, na pouca luz do anoitecer, não viu o que o aguardava. No instante mesmo em que o seu pé chocou-se contra o volume pesado e duro, ele gritou de dor. Foi levado para a enfermaria já com o pé inchado. O supervisor quis saber quem tinha jogado aquela bola e os colegas me entregaram. Fui repreendido no ato, mas meu castigo só foi anunciado no dia seguinte: enquanto os outros jogavam, eu tinha que andar ao redor do campo sozinho, sem falar com ninguém, além de ficar 15 dias sem jogar, sempre vigiado por um assistente. O colega machucado

passou dois dias sem andar e, não podendo comparecer às aulas, era eu que deveria repetir a lição para ele no leito. Paguei caro pela brincadeira imprudente que, aliás, nem fiz por maldade, mas agindo sem raciocinar. Valeu o castigo, pois nunca mais brinquei assim. Hoje me lembro dos fatos do seminário e fico com saudades. No Natal, havia festa, mas ninguém ganhava presente. Nas férias, quem tinha condições ia pra casa, mas a maior parte dos meninos passava as férias ali mesmo no colégio, pois morava muito longe. Era esse o meu caso.

De volta para casa Na 8ª série, éramos consultados a cada dois ou três meses sobre nossa perspectiva de futuro ou, mais precisamente, se queríamos ou não ser padres. Ao fim do ano, tínhamos que dar uma resposta definitiva. No 2º semestre, passei para o curso chamado Eclesiástico. No ano seguinte, faria o curso de Noviciado, com ênfase no ensino religioso. Os alunos desse curso não tinham mais contato com os meninos das séries anteriores, já vivendo um ou dois anos de retiro e aprendizado. No fim do ano de 1932, decidi que não queria ser sacerdote, não havendo em mim vocação para tal. Então um padre me trouxe de volta a Jaciguá, onde fiquei mais de um mês, já com meu diploma de conclusão da oitava série,

que já não existe, pois foi queimado no incêndio da Secretaria de Educação, em Vitória.

garapa pronta. No início, essa ditadura funcionou, mas, depois de sete meses, me rebelei, recusando a derramar meu suor no serviço alheio. Ora essa!

Enquanto aguardava a chegada de meu pai, nesses 30 dias, executei serviços diversos, como buscar de charrete os visitantes do colégio que aguardavam na estação de Virgínia. Meu pai, avisado por carta, foi me buscar, tendo recebido a notícia de que eu, apesar das boas notas, não prosseguiria com os estudos no seminário, pois não tinha vontade de ser padre. Embora insatisfeito com minha decisão, ele resignou-se e me trouxe de volta. Fim de uma longa jornada e a feliz volta para casa.

Mas até da tirania eu tirei proveito: como fazia tudo que me mandavam, aos poucos aprendi todo o trabalho. Com o passar do tempo, já disputava com os mais velhos, de igual para igual, indo à luta, e ainda sobrava tempo para descansar e rever tudo o que havia aprendido no seminário. Tinha certeza de que não permaneceria somente cuidando da lavoura. Sentia que Deus me reservava outra missão. Quando voltei do seminário, já era um homem feito, gostava de trabalhar, mas também de diversão. Aos domingos, de manhã, eu ia à loja do Sr. Belmoch, onde jogava bola de pau com outros jovens e pessoas idosas. Às dez horas da manhã, eu ia à missa na Capela de São João. Depois do almoço, montava um cavalo e ia passear em Nova Estrela, onde também havia uma capela, e não faltava às festas dos padroeiros das comunidades.

Como meu pai não aprovou minha decisão de abandonar os estudos, pois queria que eu fosse padre, submeteume ao duro serviço da lavoura, com o qual não estava acostumado. Foram dias intensos, difíceis e penosos. Aquelas mãos finas, que só seguravam livros, tornaram-se mãos calejadas e maltratadas pelo trabalho duro, pois ainda era muito jovem para tal trabalho, ao qual meus irmãos já estavam habituados. Eles, claro, já haviam crescido, alguns já estavam casados. Matreiramente, souberam tirar partido de minha disciplina de obediência no colégio de padres: quando tinham que realizar algum serviço, nem pestanejavam: “Vamos mandar o Vergílio fazer!”. Dada a ordem, eu partia para fazer o trabalho que era deles, como cortar a cana e trazê-la para moer, já voltando com a 29


A MINHA NOVA REALIDADE Quando retornei, Alfredo Chaves havia crescido e tudo estava diferente, e eu havia mudado... Enxergava a vida com outros olhos e sabia o que queria... Naquela época, existiam os lugarejos: Assunta, Batatal, Caco de Pote, Campinho, Carolina, Duas Barras, Engano, Jabaquara, Joelba, Matilde, Nova Estrela, Nova Mântua, Oito Boa Vista, Quarto Território, Recreio, Santo Antônio, São João, São Joaquim, São Marcos e São Sebastião. Nessas localidades, na época, só havia católicos, e quase todas tinham uma igreja. No dia do padroeiro, as comunidades se reuniam para os festejos com missa, procissão e, depois, festa com cantigas italianas, pinga, cerveja e o forró animado com concertina. A festa ia até as três horas da tarde, depois começava a debandada, cada um procurando o caminho de casa, porque no dia seguinte todos pegariam duro no trabalho da lavoura. O principal meio de transporte da época era o cavalo. Outro eram as tropas com dez burros, comandadas por dois homens, o arreeiro e o tropeiro. O burro-guia levava no peito um cinturão com sinos que soavam com o caminhar, e os demais o acompanhavam. Todas as famílias tinham animais para montar: cavalos, burros, mulas, éguas, utilizados como meio de transporte para toda a região, para ir às festas, ao trabalho e fazer compras. Quem não tinha esse meio de locomoção, geralmente as mulheres, andava a pé. O primeiro caminhão foi o do Senhor Antônio Belmoch, que era comerciante.

Quanta novidade! Chegou pela Maria Fumaça, uma locomotiva movida a gás produzido por uma caldeira a lenha e operada por dois homens, o maquinista e o foguista. A Ferrovia Leopoldina ligava Vitória a Alfredo Chaves e, além de cargas, transportava passageiros. O Sr. Belmoch não sabia dirigir, o motorista era seu irmão Inocêncio Belmoch, que aprendeu a dirigir em Vitória. Nas estradas da nossa região, estreitas e cheias de buracos, era preciso andar devagar. O caminhão transportava café da máquina em Nova Mântua para o depósito que ficava em Engano, para venda posterior em Vitória. O primeiro automóvel de Nova Mântua foi o do tio Luiz, comprado em Vitória. Fazíamos uma festa! Era um Ford e custou dois contos de reis. Como meu tio não sabia dirigir, o carro ficou na garagem até que ele contratasse Pedro Matos para ensinar José Bonella, meu irmão, a dirigir. José levava titio Luiz, sua esposa e os parentes

sobreviveram só receberam socorro no dia seguinte. Toda a região ficou abalada pelo ocorrido e ninguém soube a causa do descarrilamento.

para as festas, para fazer compras nas casas comerciais, amigos ao médico e também fazia favores a quem precisasse. Só havia um posto de gasolina em Alfredo Chaves e, como ele ficava longe, sempre levavam mais gasolina, enchendo um tambor para reserva.

As casas eram construídas com malha de madeira preenchida com barro. Eram cobertas de tabuinhas, o piso era de tábuas trabalhadas na serra, à mão. O lavrador não tinha dinheiro para contratar a mão de obra e a construção era feita por ele mesmo, com a ajuda dos amigos. Toda casa tinha fogão a lenha e, às vezes, a fumaça perturbava muito, além de soltar muita sujeira pela casa toda. A família tinha também que armazenar lenha enxuta para fazer o fogo, e às vezes chovia a semana inteira ou mais.

O Sr. Sonsim veio jovem da Itália e era o responsável pela conservação da estrada que ligava Nova Mântua a São João. Ele dizia que queria fazer a estrada igual a “estrada da Itália”, porém, por mais que tentasse ajeitá-la, aquele era um percurso muito difícil, todo em morros, e mal ele tapava um buraco, vinha a chuva e levava tudo embora. O Sr. Sonsim trabalhou como empregado da Prefeitura por muitos anos. Havia outra ferrovia que ligava Vitória ao Rio de Janeiro, no transporte de passageiros e cargas. Saía do Rio, passava por Campos, Macaé, Cachoeiro de Itapemirim, Soturno, Jaraguá, Vargem Alta, Guiomar, Engano, Matilde, Araguaia, Marechal Floriano, Domingos Martins, Viana e Vitória.

As famílias eram poucas, algumas de proprietários, outras de meeiros. Havia grandes propriedades, onde se plantava todo tipo de cultura, como café, milho, feijão e arroz. Em algumas terras, existia pomar com muitas frutas. O que não faltava era horta com todo tipo de verdura e legume que, além da subsistência, ainda proporcionava remédio para os doentes. Farmácia só no último caso. Quase toda família tinha mais de uma dúzia de filhos, pois, nessa época, criar filhos era fácil: havia muita criação e vegetais para uma boa alimentação. Quase não tinha doenças. As mais comuns eram a gripe e a dor de dente, já que não havia dentistas, nem creme dental, nem escova de dente. Lavávamos a boca enxaguando somente com água. Em compensação, também não havia violência ou drogas, como no mundo atual.

Numa viagem, o trem que vinha do Rio descarrilou entre as estações de Guiomar e Engano, provocando um acidente horrível. Morreram muitas pessoas e outras tantas ficaram feridas, pois a região é muito acidentada. Era dia de pagamento dos funcionários da ferrovia, e o dinheiro vinha dentro de um cofre, encontrado do outro lado do morro, a mais de duzentos metros do acidente. O desastre aconteceu por volta das oito horas da noite. O lugar era deserto e as pessoas que 31


Existiam poucas escolas e algumas eram distantes, mas os pais se esforçavam o máximo para que os filhos estudassem até a quarta série. Alguns nem chegavam a concluir os estudos, por preferirem se dedicar ao trabalho. Havia muitos analfabetos. Pais e filhos de ambos os sexos trabalhavam na roça, passando o dia inteiro no serviço braçal. Em toda casa onde houvesse duas ou mais moças, uma se encarregava do trabalho doméstico e as outras seguiam para o trabalho braçal. Como a vida era difícil! O dia todo sob o sol ardente na enxada. Não era fácil, não. Tomávamos água na cuia, que a conservava mais fresca, mas, com o passar das horas, ela esquentava. Quando a roça era longe, levávamos a comida ao sair de madrugada ou alguém a levava mais tarde, em marmita. Quando era próxima, almoçávamos em casa. O almoço geralmente era servido cedo, das 9 às 10 horas. Após o almoço, havia uma pausa para descanso e logo a labuta reiniciava. À tarde, quando chegávamos em casa, tomávamos banho e jantávamos, geralmente às 17 horas. Rezava-se o terço em família e às 19 horas já estavam todos dormindo. Naquela época, os dias santificados eram mais respeitados. Comemorávamos todos os santos. Os homens iam às festas a cavalo, tipo de transporte comum em todas as casas, e as mulheres e os adolescentes iam a pé. Não havia distância que desanimasse as pessoas. O povo era devoto e bem mais humilde. As casas comerciais eram poucas. As

famílias dependiam de poucas coisas do comércio para a subsistência. Afinal, a alimentação vinha toda de casa: verduras, legumes, leite e derivados, carnes, arroz, feijão, farinha e todo tipo de fruta. O povo recorria às casas comerciais apenas para comprar sal, querosene, trigo, carne seca – o “charque”, que vinha da Região Sul do País – e tecidos para a confecção de roupas, tanto para passeio como para o trabalho na lavoura. Roupa pronta não existia. O comerciante geralmente era também o comprador de café. O lavrador comprava fiado as mercadorias e depois, com o café, acertava as contas. Poucos compravam à vista. Todo comerciante possuía uma tropa de dez burros de cangalha para conduzir o material. Os agricultores também tinham animais para o transporte dos produtos da lavoura, principalmente o café. Quem tinha muitas terras contava com meeiros para ajudar no cultivo, pagos com produtos por eles cultivados, geralmente a metade da produção. Dessa mesma forma se procedia com os animais domésticos. Com poucos anos, o meeiro que tinha garra conquistava seu pedaço de terra, tornando-se proprietário. A assistência à saúde era precária. Médicos, só na Capital. Dentistas só os práticos, ou seja, sem formação profissional. Energia elétrica não existia. À noite usava-se lamparina e lampião a querosene, que produziam uma fumaça horrível, penetrando por toda a casa e obrigando as pessoas

ficavam muito atentos.

a se recolherem cedo. Essa fumaça provocava alergia em muita gente, assim como coceiras nos olhos e outras irritações no pobre do lavrador, já cansado da labuta diária, o que fazia com que todos se recolhessem aos aposentos logo ao anoitecer.

As cerimônias religiosas eram realizadas em latim pelo sacerdote. O sermão do padre, as orações e os cânticos eram em italiano, somente aos poucos fomos aprendendo cânticos em português. Esses cânticos passavam de geração a geração, e toda a comunidade frequentava a igreja todos os domingos e dias santificados.

Com o tempo a energia elétrica foi chegando e as estradas melhoraram. Também começaram a aparecer arados puxados por burros ou bois, e algumas sementes diferentes. Assim, qualidade de vida do lavrador foi melhorando, até chegar à facilidade dos dias de hoje.

As festas religiosas faziam parte da diversão da época, pois eram elas que reuniam as famílias, não havendo festas cívicas. As festas que aconteciam nas comunidades vizinhas eram: de São João, São Sebastião, São José, Nossa Senhora de Lurdes, Imaculada Conceição, Corpo de Deus, Pentecostes, Santa Ana, Santa Luzia e Dom Bosco. A missa era cantada, com a tradicional procissão, e as festas duravam o dia todo, com fogos, sanfoneiros e leilões, que animavam os festejos. Para mim a melhor das festas era a de Nossa Senhora Auxiliadora, padroeira da igreja que vovô construiu.

Não havia aposentadoria e nenhum tipo de auxílio do Governo para amparar o idoso. Os velhos, tanto homens como mulheres, trabalhavam até a velhice e depois eram mantidos pelos filhos até o fim da vida. Bom mesmo eram os fins de semana e as festas das igrejas, quando se ia às festas em outras localidades, geralmente religiosas ou de casamento. As mulheres formavam grupos andando a pé e os homens a cavalo. Às vezes, a caminhada durava até duas horas. Nesses grupos, as conversas animadas levavam os jovens a se conhecerem melhor, e o namoro se iniciava, chegando, finalmente, ao casamento.

No ano de 1925, a família Bonella convidou os professores do seminário de Jaciguá para participar da festa da padroeira. Os padres Antônio Marsigalia e Olívio Giordano ficaram encarregados de levar os alunos e a banda marcial. Eu estudava lá na época, no primeiro ano. Tudo arrumado, tomamos o trem em Jaciguá, passamos por Vargem Alta, Guiomar e Engano. Gastamos três horas de viagem até chegar à estação do Engano, onde havia alguns homens

As comunidades se amavam e procuravam ser felizes. Como era belo ver as comadres e os compadres batendo aquele papo de amigos, geralmente em dialeto italiano. Tudo era muito inocente, não havia maldade entre as famílias. Durante as funções religiosas, havia respeito, amor, devoção e todos 33


com animais preparados para as pessoas idosas irem a cavalo. Os 50 alunos e os 25 músicos fizeram o percurso de duas horas a pé, de Engano a Nova Mântua. Chegando lá, muita gente já aguardava os convidados. Os alunos, cansados, banharam-se no rio, tomaram café com biscoitos, pães com manteiga e queijo preparados por minha mãe, tia Domingas e amigas, e foram descansar para estar firmes na festa de Nossa Senhora Auxiliadora. No dia seguinte, às dez horas, iniciouse a missa, cantada pelos alunos do seminário e celebrada pelo Pe. Antônio, ótimo orador. A missa foi linda e todos aguardavam ansiosos para ver a famosa banda. Depois da missa começou a festa da banda musical, que tocou diversas músicas, acompanhada pelo canto dos alunos, e o pessoal aplaudia calorosamente. A comunidade ofereceu um farto almoço e todos se alimentaram das delícias tão primorosamente preparadas pelas senhoras. A solenidade acabou às dez horas da noite e estudantes e músicos foram acolhidos pelas famílias, dormindo por lá. No dia seguinte, tudo estava arrumado para a volta. Pegamos o trem e voltamos ao seminário. Essa festa deixou saudades: foi muito linda e todas as comunidades vizinhas comentaram que jamais tinham visto festa igual. Os sinos tocando... anunciando o início iminente da missa. Tocavam três vezes e, ao terceiro sinal, os fiéis se dirigiam

à igreja. O sacerdote e o sacristão se preparavam para a celebração na sacristia. O sacristão conhecia todas as peças para o sacerdote paramentar-se. Oferecia-lhe, primeiramente, o aminto, pedaço de pano branco que cingia os ombros, cujas pontas eram cruzadas no peito e amarradas nas costas. Depois era a vez de uma veste branca, a alva, símbolo de pureza, que era presa à cintura com um cordão chamado cíngulo. Uma faixa pequena envolvia o braço direito, e outra faixa - a estola o pescoço. Finalmente, o padre vestia uma capa chamada casula, que resguardava a frente e as costas, e cobria a cabeça com o barreto, espécie de boné. Cada padre possuía quatro casulas, nas cores verde, branca, vermelha e preta, esta última só usada nas missas de corpo presente. As outras vestes aplicavam-se de acordo com o ano litúrgico. Ao iniciar a missa, o padre se dirigia ao altar com o cálice nas mãos, e o sacristão portava o missal, depositando-o no lado direito do altar. O sacerdote, então, abria o missal na página marcada para o dia, voltava ao pé do altar e se postava junto aos coroinhas. Tinha início o introito, isto é, a introdução da missa, quando o padre pronuncia em latim e o coroinha responde na mesma língua: In nomine Patris et Filii et Spiritus Santi. Amen (Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém). Depois ele retornava ao altar e rezava a oração do dia, lia a Epístola – carta redigida pelos apóstolos – ou um tex-

os fiéis e as leituras e orações são feitas em português, o que facilita a compreensão da missa. Na época, as pessoas assistiam à missa em latim pela fé, pois nada entendiam do que o sacerdote estava lendo.

to do Antigo Testamento, escrito pelos profetas. Logo após, o coroinha subia, apanhava o missal e o transportava para o lado esquerdo do altar, onde o sacerdote lia o Evangelho. Nas festas, as orações e o Evangelho eram cantados pelo sacerdote, acompanhado pelo coral da igreja e, nos dias comuns, eram lidos. Depois o sacerdote voltava-se para o povo e fazia a pregação. Findada essa etapa, ele se dirigia ao centro, onde rezava o Creio em Deus Pai, tendo início, nesse momento, o ofertório: o coroinha apanhava as galhetas com vinho e água e oferecia ao sacerdote, que os dispunha no cálice. Em seguida, ia para o meio do altar, onde se dava a consagração, seguida da oração do Pai Nosso e da comunhão do sacerdote e dos fiéis. Terminada a comunhão, o coroinha oferecia vinho e água. Em seguida, apanhava o missal e o devolvia ao lado direito do altar, onde o sacerdote fazia as últimas orações, antes de postar-se no meio do altar e abençoar o povo. Assim terminava a missa.

As famílias eram muito amigas e unidas, umas ajudavam às outras. Lembro-me das famílias das redondezas lá de casa: Amore, Arivabene, Balarini, Baquetela, Belmoch, Bérgamo, Belicchi, Bersam, Biazzi, Boldrini, Bona, Bonfá, Boni, Burini, Caldara, Campi, Campo, Caprini, Casali, Caselli, Casotti, Cavaline, Cezim, Chequeto, Dal Orto, D’Angeli, Delaparte, Depaula, Favatto, Fiorani, Fornaciare, Furlam, Gaburro, Grobério, Grola, Guinhoni, Lorencini, Louvatti, Magnago, Malini, Mariane, Marjani, Martins, Massaro, Milanês, Mucelini, Orlandi, Orletti, Oss, Paganini, Paghanoto, Partelli, Pedruzi, Persom, Perusso, Pessim, Petri, Picoli, Provedel, Pupim, Rauta, Rigotti, Sabadini, Salvador, Saro, Sartori, Savinhon, Scaldaferro, Secate, Sonsim, Stefenoni, Tavares, Tozi, Venturim e Volponi. Nas festas religiosas e de casamento, encontrávamos todas essas famílias, que moravam dispersas, nas imediações dos córregos, mas eram muito unidas. Os Scaldaferros, por exemplo, moravam em Duas Barras. Tinham duas filhas muito bonitas, crescidas, que já namoravam, enquanto eu ainda era menino. Os Pedruzzis residiam em São João, como os Salvadores, tendo sido Irineu Salvador prefeito de Alfredo Chaves. Os Fornaciares moravam não muito longe de nossa casa. Os Baquetelas

O sacerdote rezava de costas para o povo, e a missa era toda em latim. Era comum, enquanto o padre celebrava a missa, o povo rezar o terço, em silêncio, principalmente as mulheres. Era muito difícil acompanhar a missa, pois ninguém entendia nada de latim. Eu atuei diversas vezes, como coroinha e como sacristão. Com a renovação, tudo mudou. Hoje o sacerdote fica de frente para 35


eram italianos de berço, e não descendentes. O velho Baquetela ia à igreja com um relógio de ouro preso ao colete por uma corrente, também de ouro. Os Bonfás também eram italianos de berço, e o Sr. Hélio o seu patriarca. As famílias Pessin e Gaburro existem até hoje. Meu irmão, tendo ficado viúvo, casou-se com uma Gaburro. Ele já faleceu, mas ela (Valentina) ainda é viva. Os descendentes de Antônio Belmoch entraram no ramo dos transportes.

A VIDA DE MARIA DOLORES TAVARES, MINHA ESPOSA Ao despertar o dia 23 de janeiro de 1918, no lugarejo chamado Recreio, Distrito de Alfredo Chaves, nasceu uma linda menina, filha de Teodorico Tavares e Maria Pulquer Tavares, que recebeu o nome de Maria, em homenagem à sua mãe e também à mãe de Jesus. Quarta filha do casal, tinha por irmãos mais velhos Narciso, Leonor e Durval. Depois de seu nascimento, vieram Iolanda, Nelson e Alcebíades, que morreu aos 19 anos, e finalmente o caçula, que se chama Wilson. casa, fazendo a refeição e, às vezes, levando a alimentação na roça para os irmãos. Não era vida fácil, não! O trabalho ia de segunda a sábado.

Segundo seus pais, Maria era uma criança muito sadia e esperta. Começou a estudar aos sete anos de idade, na mesma escola de seus irmãos, ensinada por D. Leonor de Matos, professora normalista, com quem ela cursou da 1ª à 4ª série. Era boa aluna, queria muito continuar os estudos, mas a 4ª série era o máximo de instrução a que se podia chegar em sua localidade. Para seguir os estudos, ela precisaria se deslocar para a capital, Vitória, porém sua família não tinha condições para mantê-la estudando. Infelizmente, aos 11 anos, viu seu sonho de ser professora se desfazer e teve que enfrentar o trabalho doméstico e também o da roça.

Aos domingos e dias santos, ela ia ao culto dominical na capela de Recreio, dedicada a Nossa Senhora de Lourdes, cuja festa era comemorada no dia 11 de fevereiro. Maria participava do coro musical, de todas as festas da comunidade e também das comemorações nas localidades vizinhas, distantes até duas horas, e o percurso era feito a pé. Mas tudo era bom, muito simples, não havia malícia e tudo era realizado com muito amor.

O namoro

A propriedade do seu pai ficava numa região montanhosa e, de maio a agosto, o frio chegava com muita intensidade. Era a região mais fria de Alfredo Chaves. Havia pastagens e a lavoura ficava distante. Maria revezava com sua irmã Leonor nos locais de trabalho: uma ficava na lavoura, enquanto a outra executava o serviço doméstico, cuidando da limpeza da

Com 17 anos, eu já tinha muitas amigas, como Júlia Bonella, filha de tio Marcelino, bem como Genoveva Libardi e Inês Dellaparti. Conversávamos muito depois da reza, mas eu ainda não tinha namorada. Como todos os jovens olham para 37


o futuro, eu também sonhava com o casamento e, numa festa na comunidade do Quarto Território, do padroeiro São José, no dia 19 de março, vi uma moça que me chamou a atenção. Durante a missa, ficamos trocando olhares. Após a missa, eu perguntei ao meu amigo, Angelim Venturim, que também morava em Nova Mântua, quem era aquela bela moça, e ele me disse que ela era Maria Tavares e morava em Recreio. Fui procurá-la e trocamos algumas palavras, mas logo depois algumas amigas dela se aproximaram e a convidaram para ir a outro lugar, e nosso primeiro diálogo foi interrompido. Como o Angelim era seu conhecido, foi até o grupo e participou da conversa. Depois ele me chamou e me apresentou a Maria. Conversamos até cada um ir para sua casa. No dia 24 de junho de 1937, dia de São João, na festa da comunidade do mesmo nome, encontrei-me com Angelim que me contou a boa nova: a jovem comentou que tinha me achado muito interessante e bonito e queria me encontrar de novo. Isso me deixou felicíssimo, pois eu também me interessei muito por ela. Nesse dia, encontramo-nos pela primeira vez já pensando em namoro. Na hora de ir embora, ela fez questão que eu fosse com ela e com o irmão, Durval, meu

futuro cunhado. Como era o costume, eu segui a cavalo e ela, a pé. Mas meu animal era novo e um tanto inquieto, o que me levou a apear e seguir a pé ao lado dela e deixando a montaria para Durval. Ele gostou à beça, pois seguiu montado enquanto íamos a pé, e nós aproveitamos aquele momento para perguntar o que cada um achara do outro, recebendo, é claro, respostas muito encorajadoras. Mais tarde chegamos a uma bifurcação da estrada. Para um lado, ia-se à casa dela, e para o outro, à minha. Ela me convidou a seguir para sua casa, mas eu declinei do convite, preferindo marcar a visita para o dia de São Pedro, dali a cinco dias. Despedimo-nos e ela seguiu seu caminho, junto com Durval. Eu montei de novo e segui para minha casa. O dia tão esperado chegou e me dirigi à sua casa, em Recreio, onde fui bem recebido por seus familiares e, então, começamos a namorar. O pai dela chegou mais tarde, um tanto animado, pois era chegado a uma caninha. Eu me levantei para cumprimentá-lo e, em seguida, conversamos bastante. No final desse colóquio, ele me deixou expressamente à vontade para prosseguir com o namoro e foi jantar. Assim, eu passei a frequentar a casa de Maria inicialmente aos do-

mingos, a partir das cinco da tarde e, depois, mais habituado, também aos sábados, no mesmo horário. Durante a semana, eu ficava o tempo todo só pensando nela e ansioso para que chegasse logo o sábado. Mas como a semana custava passar...

Assim, passamos o dia inteiro em festa. O casamento foi marcado para o dia 23 de maio de 1939. À tarde, voltamos para casa, mas, ao cair da noite, retornei à morada de minha noiva, para encontrá-la, mais uma vez, muito feliz pela bela ocasião. Na manhã de 23 de maio, preparamos os animais e fomos a cavalo buscar a noiva. Partimos às oito horas de Nova Mântua para Recreio, distante quarenta minutos. Ao chegarmos, já alguns convidados nos esperavam. Serviu-se um café da manhã especial para o início daquele memorável dia de festa. Em seguida, a noiva apareceu, radiante de felicidade. Eu fiquei parado a admirá-la, quase sem crer que esse dia houvesse chegado. Ela se despediu dos pais, abraçou-os e beijou-os em lágrimas, recebeu suas bênçãos e partimos, todos a cavalo, para Nova Mântua, onde se realizaria o casamento.

Maria era alegre e tinha a personalidade forte de quem sabia o que queria da vida. Muitos anos depois, ela me confessou que se apaixonara por mim desde o primeiro encontro. Contoume que, certa vez, na festa da igreja da família Bonella, havia uma moça ao seu lado também interessada em mim, que falou bem alto para ela ouvir: “Tenho fé em Deus que daqui a alguns meses estarei morando nessa casa” (a casa grande dos Bonellas). E Maria, muito ativa, logo respondeu: “Claro! Quando eu me casar com o Vergílio, eu a contratarei para ser minha serviçal...”

Lá chegando, a noiva recebeu auxílio das suas irmãs e das minhas ao se arrumar para a celebração. Quando ela apareceu, tão bela, eu quase não me contive. Maria vestia um vestido branco e levava nas mãos um buquê de rosas brancas naturais do jardim da igreja. Como estava linda a minha Maria! Caminhamos até a capela, onde o sacerdote salesiano, Padre Olívio Giordano, nos aguardava. Nossos padrinhos, José Orlandi e sua esposa Santa Bonella Orlandi, haviam sido também meus padrinhos de batismo. O casamento realizou-se durante a santa missa, com a leitura do Evangelho de

Nosso casamento Casei-me com 19 anos. Na época, era tradição os pais do noivo irem à casa da noiva pedir o consentimento dos seus pais para o casamento. Portanto, no segundo domingo de abril, meus pais foram à casa dos Tavares formalizar o pedido. Lá chegando, foram bem recebidos pela noiva e seus familiares. Seus pais aceitaram o pedido e nos convidaram para um almoço, em comemoração pela união das famílias. 39


São João, Capítulo 2, versículos de 1 a 11, que versa sobre o primeiro milagre de Jesus nas bodas de Caná. O padre explicou o evangelho e, em seguida, homenageou-me, dizendo que havia sido meu professor de Matemática e Religião, no seminário em Jaciguá, e que eu era um bom aluno, muito estudioso e obediente. Ele assegurou que toda pessoa que viesse a conviver comigo seria muito feliz e era essa felicidade que ele desejava aos noivos. Nas missas em Nova Mântua, havia um coral que cantava diversos hinos, em português e latim, a quatro vozes. Esse coral animou nosso casamento e deu um show de interpretação, dirigido pelo meu cunhado, Arthur Delaparte. Ao fim da missa, recebemos os cumprimentos dos convidados no pátio da igreja e depois nos dirigimos à casa do papai, Adolpho Bonella, onde fomos recebidos por toda a minha família. Meus sogros não compareceram ao nosso casamento, pois, na época, não era costume a presença dos pais da noiva na cerimônia. Os irmãos e convidados da família Tavares, no entanto, prestigiaram aquele nosso momento de felicidade, assim como todos os meus irmãos, com exceção de Paulina, que morava em Santa Rita de Itueta (MG), pois seu marido, Lino Grobério, não estava bem de saúde. No entanto, ela mandou uma carta desejando-nos felicidades. Na festa foi servido um almoço, cuja entrada era uma deliciosa sopa de caldo de galinha e macarrão, acompanhada

de “pão italiano’’ e queijo. Minha mãe era especialista em pães e fez questão de ficar responsável pelos pães da festa. Escolheu fazer o pão italiano, pois era o meu preferido. Em seguida veio a macarronada, acompanhada de galinha frita e assada, carne bovina, suína e arroz; a bebida era vinho à vontade e cerveja preta, esta última geralmente destinada às mulheres. Naquela época, porém, como não havia energia, a bebida era servida na temperatura ambiente, ou seja, quente. Havia também uma bebida caseira com frutas, gengibre e álcool, que ficava armazenada dias antes da festa e, com a fermentação, transformavase em espumante. Serviam-na antes do almoço para abrir o apetite: era o champanhe da época. Os noivos eram servidos pelos padrinhos. De um lado da mesa, ficavam os familiares do noivo, do outro lado os familiares da noiva, ambos os grupos com os respectivos convidados. Ao terminar o almoço, as mulheres se espalharam para contar casos e anedotas e aproveitavam para tentar arrumar namorado, nenhuma delas querendo ficar solteira. Os homens continuavam tomando vinho, acompanhado de carne assada, e conversando, contando piadas, sem nunca esquecerem o brinde: “Viva os noivos!”. À medida que o vinho ia subindo à cabeça, mais alegres ficavam e começavam a cantar as músicas em italiano. Minhas irmãs levaram a noiva para conhecer a casa e o quarto, já preparado

deixar os noivos finalmente às sós. A festa acabou lá pelas cinco horas da tarde. Os padrinhos, vindos de longe, também foram embora, não sem antes desejarem muitas felicidades para os recém-casados. Logo ficaram somente os familiares. Então, lá pelas nove horas da noite, cada um procurou seus aposentos. Foi-se o dia de nossa união e uma nova vida começou. Os noivos estavam felizes, imensamente satisfeitos, pois estava feita a nossa vontade e realizado o nosso sonho. Celebrando a beleza daquele dia, deleitamo-nos com uma noite de núpcias maravilhosa. Inesquecível...

e à nossa espera. Ela gostou e ficou muito feliz com essa acolhida na nova residência. Papai e mamãe, cumprindo a tradição, fizeram questão de que morássemos na casa grande da família Bonella, com os demais irmãos. Maria estava feliz com essa acolhida, apesar do desejo inicial, que várias vezes me confidenciara, de morar comigo num lugar só nosso. Maria era uma mulher decidida, de personalidade forte, que sempre pensou à frente do seu tempo. Segundo o costume das famílias italianas dessa região, quando os homens se casavam, ficavam morando com os pais e com toda a família. Às vezes, residiam até dois ou três filhos casados dentro da mesma casa. À medida que os netos iam nascendo, construía-se uma nova casa e aí, sim, é que o casal passava a ter o próprio lar.

Casamo-nos no sábado e no domingo haveria festa de Nossa Senhora Auxiliadora. Assim, em nosso primeiro dia de vida a dois participamos da celebração junto com a comunidade, que era só alegria! Na segunda-feira, logo cedo, como de costume, fui ao curral tirar leite para, em seguida, apanhar o café na roça, pois era época de colheita. Maria ficou em casa, adaptando-se à nova residência e aprendendo com os costumes da minha família.

Dessa forma, meu irmão José já era casado e morava na casa dos Bonellas, assim como tio Luis e tia Maria. Joaquim ainda era solteiro. Carlota conheceu Florentino Balarini na ferraria do tio Luis, quando ele foi aprender a profissão de ferreiro. Casaram-se e, depois do casamento, foram morar em Campinho, córrego de Iconha. Elisa já havia se casado, assim como Otávio, Ludovico, Paulina e Cecília. Ludovico, meu irmão mais velho, saíra de casa para ter seu próprio lar, assim como Otávio. Quem ficou na casa de nossos pais foi somente José.

Uma semana depois do casamento, como rezava a tradição, meus pais ofereceram um almoço aos pais da Maria e houve mais uma confraternização das famílias Bonella e Tavares. Assim passamos os primeiros meses do nosso casamento. A casa que meu avô, Antônio, construiu e na qual morávamos, era ampla, com vinte metros de comprimento por dez de

Os convidados diziam que o dia foi longo, farto e muito animado e concordaram que já era hora de 41


largura, e dois andares. Mas, em setembro do mesmo ano, recebi uma carta convocando-me para servir o Exército no Rio de Janeiro. Como fiquei triste! Deixar minha esposa com menos de cinco meses de casado. Meu pai, no entanto, como sempre, foi firme: “Você vai para o Exército, deixa sua esposa conosco que será bem tratada. Você não pode ser um desertor, você tem que ser um homem honrado perante as leis do Governo”. Como meus irmãos, eu não podia fugir à regra. Todos nós servimos ao Exército, com exceção de José, mais moço que eu, e isso porque não recebeu o ofício de notificação, como era usual na época. Era uma tradição na família. O primeiro a ser chamado para o serviço militar foi Ludovico. Ele ainda nem havia voltado, quando Otávio recebeu a convocação, e o fato de ambos serem casados não alterou o compromisso. Não vi minha esposa nem mesmo no Natal. Só tornei a encontrá-la quando se encerrou meu Serviço Militar.

Bem-vindo ao quartel, Vergílio! No dia 1º de outubro, apresenteime em Vitória. Que despedida triste! Muitos abraços, lágrimas, minha mulher já grávida! Nunca vou esquecer esse dia. De Vitória fui enviado ao Rio de Janeiro, de navio. Saímos de Vitória às sete horas da noite e, lá pela meianoite, em alto-mar, uma tempestade

com chuva, trovões, relâmpagos e mar muito agitado nos atingiu durando mais de uma hora. Não houve quem não se encharcasse. Éramos duzentos homens embarcados num navio de transportar madeira, e cada nova onda ameaçava tirá-lo da rota. Havíamos jantado fartamente no quartel em Vitória, e aquele sacolejar das ondas provocou vômitos em quase todo mundo. Eu estava com muito medo naquele barco que parecia voar por cima das ondas, e não conseguia tirar do meu pensamento o pranto em que deixei a minha esposa. Às sete horas da manhã, chegamos ao Rio. Lá havia caminhões para nos levar ao quartel, em Deodoro. Éramos chamados pelo nome e destinados a determinado caminhão, que nos levaria ao batalhão indicado, em grupos de 60 a 70 homens. Alguns iam para a Cavalaria, outros para o Regimento de Infantaria do Exército (RI). Minha turma foi designada para o batalhão Villagram Cabrita, Primeiro Batalhão de Engenharia de Combate, a primeira unidade integrante da Primeira Divisão do Exército. Nesse batalhão, tudo era muito difícil: a adaptação, os horários rígidos e, principalmente, a falta da família. Uma labuta muito dura. Eu me lembro de que não nos tratávamos pelo nome, só pelo número. Eu era o 944. O primeiro desafio era encontrar cama no alojamento. Era preciso vigiar quem estaria de serviço à noite e Vergílio Bonella com 22 anos, em 1940, no quartel no Rio de Janeiro

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ficar com o leito dele, enquanto não voltasse. Muitas vezes, o recruta era jogado no chão quando o ocupante oficial da cama chegava do serviço noturno e sacudia o colchão, exigindo seu território. Cama livre, só depois, à medida que os recrutas mais antigos recebiam baixa e deixavam o alojamento. Antes disso, tinha-se que dormir no chão, e nem adiantava ir a outra companhia, pois o guarda de lá não deixaria entrar o intruso. Nunca fui lançado no chão, mas fiquei algumas noites em pé, acordado. Isso durante uns 15 dias. Também não havia uniforme para os recém-chegados, o que não os poupava da ordem unida e da instrução sobre armamento. Depois de recebido o uniforme, éramos chamados pelo número de ordem e partíamos para cumprir a escala de serviço, afixada na parede. No início, não tive moleza. O trabalho tomava horas do dia e da noite. Só mais tarde é que eu tiraria a sorte grande... Os turnos de serviço eram de duas horas. Quando, ao chamado do guarda, éramos rendidos pelo companheiro da escala de meia-noite às duas horas, por exemplo, podíamos dormir. Eu cumpri esses turnos durante cerca de cinco meses, até ser “descoberto” pelo capitão. Eu estava sentado, ele se aproximava e estava a cerca de três metros de distância quando, mais que depressa, eu me levantei, seguindo a praxe. Nada de continências, nem de posturas especiais, mas firmar-se de pé diante do superior era obrigatório. Ele me olhou e perguntou de onde eu

era e o que fazia. Eu lhe disse que era capixaba e agricultor, e ele demonstrou interesse por minhas habilidades com o plantio. Decidiu levar-me para a casa dele, onde eu cuidaria do jardim. Desse dia em diante, minha vida no quartel se tornou bem mais amena, e meu número sumiu da escala de tarefas na parede. Foi ou não foi a sorte grande? O carnaval no quartel também me foi favorável. Rendeu lucro e risadas. Nós, capixabas, mal sabíamos o que era aquela festa, mas, em dois dias de reinado de Momo, dois companheiros cariocas me pagaram 20 mil réis, cada um, para eu executar o trabalho e responder à chamada em seu lugar, enquanto eles pulavam o carnaval. Em outro dia eu estava num pelotão chamado para conter a invasão de baderneiros bêbados na Estação Pedro II. Em meio à confusão, eis que aparece um indivíduo fantasiado e amedrontado pela surra iminente, gritando meu número: “Peraí, 944, sou eu! Não bate, não!”. Imediatamente reconheci nele um colega do quartel e o mandei embora, antes que a situação ficasse pior. Afinal, um golpe bem dado daquela arma fazia a pele crescer um dedo no dia seguinte. Mais tarde, no quartel, o soldado quase vitimado bendisse a sorte que teve. No mesmo dia, houve um caso similar, mas o recruta em perigo não se safou: um soldado de outra companhia bateu mesmo nele, com a força protocolar. Era só o sargento mandar e o porrete descia mesmo. E não havia nada a fazer, senão apalpar a pele e lamentar.

exercício na lama, por exemplo. Era preciso obedecer imediatamente à ordem para deitar, onde quer que se estivesse, e aquele era dia de exercício num campo repleto de lama, depois de muita chuva. À ordem do tenente para deitarmos, sujamo-nos todos de lama. Chegamos ao alojamento terrivelmente sujos.

Outro episódio interessante, dessa vez ocorrido fora do carnaval, foi o do recruta perdido: ele se chamava Leopoldo, era de origem alemã e não falava português. Por isso mesmo nunca saía da companhia. Mas alguns companheiros, malandros, convenceram-no a dar um passeio na cidade e o abandonaram lá. O pobre Leopoldo passou um apuro danado, sem ideia de como voltar ao alojamento, até que viu um guarda do Exército, numa repartição pública, e esse homem foi sua tábua de salvação. Contou-lhe sua situação, conseguindo dele que outro soldado o acompanhasse de volta ao quartel. Aí mesmo é que Leopoldo não quis mais sair dos domínios da companhia, até que eu me acerquei dele e me propus a acompanhá-lo aos passeios na cidade, já que eu também era capixaba e novato, e nos solidarizávamos naquela situação. Prometi a ele que não o deixaria lá, ficaríamos juntos o tempo todo. Ele aceitou e nos tornamos amigos. Quando eu ia sair, ele pedia: “Ô 944, você vai sair? Você me leva?”. Saíamos, então, sempre juntos e passeávamos de bonde pela cidade. Nisso também eu cuidava dele, como de um irmão mais novo: eu e outros passageiros mais experientes saltávamos do coletivo ainda em movimento, mas sempre adverti Leopoldo de que só descesse do bonde quando o veículo estivesse totalmente parado.

Quando eu caí nas boas graças do capitão, troquei esses exercícios pelo trabalho na casa dele. Certa vez o sargento fazia a chamada para o trabalho duro, e alguém achou de perguntar por que o 944 – meu número – não recebia ordens de serviço. O sargento respondeu que não tinha nada com isso, quem fazia a escala era o pessoal da secretaria, e quem quisesse saber que fosse lá perguntar. Não se conformavam com a distinção que eu recebera: “Você é puxa-saco do capitão!”. O fato é que o tempo que trabalhei na lavoura do meu pai me serviu de aprendizado. Claro que aproveitei esse aprendizado para cuidar do jardim da casa do capitão, e com o reconhecimento dele. Em 4 de junho de 1940, nasceu o meu primeiro filho: Ady Gerson José Bonella. Escrevi à minha amada pedindo que pusesse o nome de Adgelson José, mas meu pai o registrou como está acima. Foi o meu irmão José que buscou a Dona Zilda Ceccato para fazer o parto. Tentei uma licença com meu superior, um coronel, para acompanhar minha esposa nessa hora tão difícil, mas não consegui, pois ele decidira enviar todos os

Viverão para sempre na minha memória os dias na caserna. O dia do 45


Treinamento no exército

35 recrutas casados de volta aos domicílios, em setembro, enquanto os solteiros seguiriam para o Paraná, numa excursão. Eu queria muito estar junto a Maria nesse momento, mas graças a Deus correu tudo bem. Toda semana eu escrevia dando notícias e ela respondia contando cada detalhe do pimpolho. Em setembro fui dispensado do Exército e, no início de outubro, estava de volta ao lar. Que felicidade! Eu havia

passado um ano completo, de 1º de outubro de 1939 a 1º de outubro de 1940, longe da família e, finalmente, voltava para junto do meu filho, nascido em junho, da minha amada esposa e dos meus queridos familiares. A chegada foi uma explosão de felicidade. Abraçar o meu primeiro filho no colo, beijá-lo e novamente ter a minha esposa, a minha Maria, nos meus braços, era o começo de uma vida nova e transbordante de alegria.

Eu sou o segundo da esquerda para a direita; Fernando Maury e Olívio de Souza estão à minha direita

Vergílio (o terceiro da esquerda para direita) com seus amigos

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O dinheiro – respondeu o pai – mas eu dizia que o dinheiro estava no banco

ALGUMAS HISTÓRIAS EM ALFREDO CHAVES...

e eles não acreditaram, por isso me maltrataram.

Os ladrões

E onde está o dinheiro? – perguntou o filho.

O município de Alfredo Chaves sempre foi habitado por gente muito honesta e trabalhadora. Havia muito sossego em toda parte, mas essa paz não demorou a ser perturbada. Foi quando quatro rapazes começaram a fazer assaltos na região. Eram jovens de famílias honestas e de situação financeira equilibrada. Na época, o comércio era praticado pelos mascates, que levavam suas mercadorias em lombo de burro a diversas localidades para vender. Certo vendedor de fumo, bem conhecido na região, saiu de Matilde, passando por São Sebastião, Recreio e Barra do Batatal, até chegar a Alfredo Chaves. Os rapazes descobriam que ele estava com dinheiro, encapuzaram-se e foram assaltá-lo. Amarraram a porteira por onde o mascate passaria e, quando ele desceu para abri-la, eles o abordaram e levaram todo o seu dinheiro. O comerciante comunicou a ocorrência ao delegado, que não conseguiu prender e nem identificar os ladrões.

E ele respondeu o mesmo que havia dito o tempo todo aos ladrões: que o dinheiro estava no banco, o banco em que ele estivera amarrado. Estava ali, numa caixa sob o assento, que ele mesmo fizera. Esse caso ficou conhecido em toda a região de Alfredo Chaves.

Passado um tempo, os malfeitores foram assaltar a casa do Sr. Baguetella, italiano que tinha muito ouro e libras esterlinas. Ele morava sozinho com a esposa, mas o filho morava por perto. De noite, os ladrões chegaram à casa do italiano, agarraram os velhos e os amarraram e amordaçaram. Empurraram ladeira abaixo a esposa do Sr. Baguetella com tamanha violência que ela só parou ao se chocar com uma bananeira. O velho foi amarrado num banco de madeira (móvel muito usado na época) e os assaltantes encostaram-lhe na costela uma faca, perguntando onde estava o dinheiro, em dialeto italiano, já que o homem não falava e nem entendia português.

dove sono i soldi, vecchio? (Onde está o dinheiro,velho?). Ele respondia que estava no banco, mas, como não havia banco na região, os ladrões revistaram toda a casa. Não encontrando nada, espetaram a ponta da faca na costela do velho e foram embora. Assim que se livrou das cordas, o velho procurou a esposa, sem, contudo, achá-la. Chamou o filho para ajudá-lo na busca e foi este que a encontrou, gemendo sob uma bananeira. Vendo a casa toda bagunçada, o filho interrogou o pai sobre o ocorrido: O que os ladrões queriam?

porta do primeiro andar e forçaram o empregado a chamar o proprietário. Diante da recusa, bateram-lhe muito e, como ele havia visto o rosto de um deles, este lhe deu um tiro nas costas. O velho ouviu os gemidos do empregado, mas, receoso de que os ladrões ainda estivessem lá, resolveu aguardar mais um pouco antes de socorrê-lo. Depois, de arma em punho, desceu até o quarto do empregado, que já delirava, falecendo logo depois. Novas diligências policiais, sem sucesso. O medo da população cresceu, acabaram as brincadeiras noturnas e os ladrões pareciam invisíveis. Mas a morte do empregado dos Frandoloso deixou os ladrões receosos, com medo da polícia, e eles se mantiveram inativos.

Os moradores agora estavam amedrontados. Ninguém mais andava à noite e, chamados em casa, ninguém mais abria a porta, por medo, a menos que ficasse muito claro quem era o visitante. Infelizmente, para o desassossego de todos, as diligências foram feitas e os ladrões não foram encontrados.

O assassino namorava uma prima de meu pai. Com medo de ser descoberto, contou à namorada que foi ele quem puxou o gatilho, mas disse que não era ladrão, e que o disparo foi acidental. Pediu que ela guardasse a arma, pois ele iria embora, mas voltaria para se casarem e viverem felizes para sempre. O rapaz, então , fugiu para São Marcos, Marilândia, e ela esperou que ele viesse buscá-la. Nas cartas de amor que ele enviava, prometia casamento, mas, tempos depois, um vizinho de seu pai foi passear em Marilândia e descobriu que o delinquente já estava casado. Ao voltar para Batatal (Alfredo Chaves), contou à moça que o noivo tão esperado já tinha outra família. Muito zangada, ela foi direto à delegacia, entregou a arma e contou o que sabia.

Nada fica escondido o tempo todo Outra ocorrência, dessa vez com a família do Sr. Frandoloso, também italiano, deu continuidade à saga dos assaltantes de Alfredo Chaves: o casal de velhos vivia em companhia de um empregado de meia-idade, numa casa de dois andares, muito comum na época. O empregado dormia no andar de baixo. Os quatro ladrões chegaram tarde da noite e chamaram o velho que, desconfiado, não respondeu. Então eles arrombaram a 49


O delegado mandou buscá-lo e ele, além confessar o crime, entregou os três companheiros, que já haviam se mudado de Alfredo Chaves. O delegado conseguiu prender mais dois rapazes, e só um ficou impune, pois havia se mudado para Vitória, não tendo sido possível localizá-lo. Os assaltantes capturados foram condenados a muitos anos de prisão.

COM MARIA, BUSCANDO UMA VIDA MELHOR PARA OS FILHOS A família do meu pai era numerosa, ao todo nove filhos, e a propriedade não era suficientemente grande para amparar a todos. Maria estava grávida de novo e por isso decidimos procurar um lugar para um futuro melhor. Meu pai foi radicalmente contra essa mudança, mas nossa decisão já estava tomada: nada nos deteria nessa aventura. Perguntei a tio Marcelino que negócio ele me proporia. Ele me ofereceu, durante quatro anos, toda a produção da terra, e a metade nos anos subsequentes. Concordei no ato, já comentando com tia Teresa, na saída, que eu iria morar naquela terra. Ela ainda perguntou se eu tinha coragem de enfrentar o trabalho pesado imposto por aquele desafio, e eu lhe assegurei que sim.

Quando estudávamos para onde ir, recebemos a visita de tio Marcelino, irmão de meu pai, que morava com a esposa e oito filhos em Marilândia, distrito de Colatina. Maria contou-lhe sobre nosso sonho, e eu verifiquei com ele a possibilidade de encontrarmos, em Marilândia, uma terra boa para recomeçarmos a vida. Foi então que ele nos convidou a morar com ele. Contounos que havia recentemente derrubado um pedaço de mata e tinha uma lavoura de café plantada, prestes a render frutos, além de uma casa em construção. Caso aceitássemos, ele faria um contrato de trabalho conosco.

Ao voltar para casa, falei à“Patroa”do que eu havia visto e acertado, não omitindo detalhes sobre a mata virgem que era preciso desbravar e o grande trabalho que teríamos. Mesmo apreensiva diante do desafio, ela não recuou, e eu lhe disse que me ajudasse a arrumar a mudança para o novo começo. Também falei com meu pai, até então ainda contrário à ideia, mas ele acabou concordando, diante da minha convicção. Na verdade, eu sempre quis ter o meu pedaço de terra, onde pudesse plantar o que quisesse. Na casa de meu pai, tudo era dividido entre todos, mas a decisão final sempre era dele, e eu não tinha autonomia para tomar certas decisões. Já com a aprovação do meu pai, acertamos tudo e seguimos para São Marcos, de novo passando por Vitória e

Tio Marcelino me convidou a ir até Marilândia com ele conhecer seu terreno em São Marcos. A viagem foi longa. Primeiro fomos a Vitória, depois a Colatina, de lá pegamos um caminhão e chegamos à casa dele, onde pernoitei para, no dia seguinte, atravessar o último trecho de mata que me separava do lugar da nossa tão sonhada prosperidade. Gostei muito do que vi: terra nova e fértil. Havia muita madeira, que a queimada recente produzira, o cafezal ainda embrionário e a casa em construção. 51


Colatina.

nada boa.

À terra que tio Marcelino deixou sob minha responsabilidade dei o nome de Córrego da Raposa, pois esse animal era abundante em toda a região, devorando as galinhas dos criadores. Esse córrego desembocava no Rio Liberdade. Um nome bem sugestivo e auspicioso, dada a nossa sede de independência naquela terra onde queríamos crescer e nos multiplicar.

Desde o início, eu estranhei o grande cansaço que a gravidez provocava em minha esposa, deixando-a ofegante, mas no dia 9 de outubro de 1941, foi enorme a surpresa: gêmeos! Eu estava ao seu lado nesse momento, e a parteira, dona Maria Bravim, que eu fora buscar longe, de noite, enquanto minha tia Teresa zelava por Maria, deu pela surpresa no instante em que o menino mais velho, Adilson, nasceu. Ela disse: “Olha, eu acho que há outra criança aqui!”. Que felicidade! Maria deu à luz a Adilson e a Ademar. Eram muito lindos e sadios, embora Ademar fosse bem menor que o irmão, a ponto de a parteira temer por sua vida. Com 15 dias de cuidados, entretanto, ambos já estavam bem mais fortes.

Como nossa moradia ainda não estava pronta, fomos morar na casa do Sr. Antônio Bravim e lá ficamos até o término da construção, o que levou ainda uns 15 dias. Foi meu tio mesmo quem construiu nossa vivenda, com paredes de estuque. Um pedaço do reboco ainda não estava pronto quando nos mudamos, e eu o concluí depois. Para chegar ao nosso lar, era necessário atravessar uma mata, depois passar por uma derrubada. A casa era distante da moradia do tio Marcelino. Adiante havia floresta até o Rio Pancas. Na derrubada, não havia plantação, somente madeira queimada, cinzas e um córrego de água muito limpa e bonita. Ninguém mais morava ali. Só depois que nos mudamos, é que Victorio Campi, cunhado do tio Marcelino, se estabeleceu nas imediações, um pouco antes do lugar onde morávamos. Nessa época, Maria estava grávida, e foi muito difícil dar assistência a ela e ao trabalho. Não tínhamos vizinhos e eu, apesar de muito feliz, vivia também preocupado com o isolamento e a situação financeira, que não andava

Esse período foi muito difícil, esperávamos um filho e vieram dois. Enquanto Ady Gerson havia sido criado com a fartura das terras de meu pai, ricas em leite e queijo, os gêmeos foram sustentados com muita dificuldade. A maior parte da sua alimentação compunha-se de mingau de fubá. Nessa época, para agravar a situação, chovia muito, e a vida era uma luta constante. As poucas peças de roupas que tínhamos não eram suficientes, não secavam. Mas, felizmente, os gêmeos não ficaram doentes. Ao chegar da roça, à noite, eu ajudava Maria a passar aquelas roupas com o ferro à brasa, para secarem, pois o sol não aparecia. Mas fazia tudo com

ou inhame, que eles adoravam. Outra coisa de que gostavam muito no café da manhã era polenta amassada com leite. Graças a Deus eles iam crescendo com saúde.

muito carinho e amor. Maria, no período pós-parto, cumpria rigorosamente o costumeiro resguardo de 40 dias, durante 20 dos quais era proibido fazer toda e qualquer atividade. A alimentação tinha de ser forte, sem, contudo, ser remosa, daí o caldo de galinha e a própria galinha serem muito bem-vindos. Também fomos visitados pelas famílias da redondeza. Afinal todos queriam conhecer “os gêmeos”, e levavam, como presente, alimentos, como galinha e rosca, e também algumas roupinhas.

Passamos dificuldades nos primeiros dois anos. Meu pai, certo de que eu desistiria diante da extrema dificuldade e retornaria para casa, dera-me somente 500 mil réis, quantia irrisória em frente às despesas. Esse era o cenário onde fomos começar a vida, e eu, com uma incansável vontade de vencer, fui à luta e comecei a plantar banana, mandioca, cana, feijão, arroz, milho e inhame. Além disso, fizemos uma horta, da qual retirávamos nossas verduras, e também iniciamos a criação de porcos e galinhas.

Ficávamos enormemente gratos, e a forma que encontramos para agradecer a esses grandes auxiliadores foi oferecerlhes nossos mais recentes tesouros para que os batizassem. Os padrinhos do Adilson foram tio Marcelino e tia Tereza Belmoch (sua esposa), os do Ademar foram José Arrivabene e Dozalina Manzoli. Os nomes Adilson Cosme e Ademar Damião foram ideia de Maria, devota dos santos irmãos, mas, lamentavelmente, ao registrar os meninos no cartório, o tabelião esqueceu-se do sobrenome Bonella.

Quando meu pai concordou com a nossa saída de sua casa, ele me disse: “Você vai, mas daqui a um tempo você volta”. Entretanto, quando se completaram três anos da mudança de Nova Mântua para Marilândia, sem que voltássemos, meus pais vieram nos visitar. Chegaram quando já escurecia, dormiram e, pela manhã, quando acordaram, abriram a janela e viram o terreiro repleto de galinhas, uma horta maravilhosa e, ao redor da casa, só plantação. Ficaram admirados com o nosso sucesso. Mamãe, entusiasmada, foi até o chiqueiro e lá viu os porcos. Então eles nos parabenizaram por tudo aquilo que havíamos conseguido e papai me disse: “Filho, vá em frente, você ainda vai ter muito sucesso na sua vida. Parabéns!”.

O meu pequeno Ady Gerson foi quem mais sentiu a brusca diminuição na fartura de alimentos, sem o mingau da vovó Virgínia, sem suas roscas e seu maravilhoso pão. Foi difícil acostumá-lo com a broa de milho que Maria preparava. E, com a chegada dos gêmeos, a situação piorou ainda mais. Depois que eles deixaram o leite materno, Maria preparava um mingau de fubá torrado ou trigo (quando havia) com leite, e também sopa de mandioca 53


Maria e VergĂ­lio Bonella com seus filhos, Marta, Adilson, Ady Gerson e Ademar

Primeira comunhĂŁo de Ademar e Adilson Bonella

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O dinheiro que meu pai havia me dado já estava acabando, mas, em compensação, a roça já dava resultado. Então eu ia a Marilândia vender milho, feijão, galinha e ovos. Quando não conseguia vender, a Padaria e Pensão de Dona Maria Salarolli ficava com a minha mercadoria em troca de trigo, pão, sal e querosene. Dona Maria tinha muito carinho comigo, pois ela era da mesma vila da minha mãe, lá na Itália, e as duas eram amigas de infância, só se separando quando vieram para o Brasil. Quando minha mãe veio me visitar, eu a levei até a casa de Dona Maria, e foi uma festa só.

dos vizinhos, principalmente de Maria Passamani, que já vinha colaborando com Maria desde o nascimento dos gêmeos. Portanto, ela foi escolhida para batizar Marli, juntamente com meu amigo João Benda. Foi decisão de minha “Patroa” que os meninos tivessem os nomes iniciados com a letra A, seguindo o nome do primogênito Ady Gerson, e as meninas, com a letra M, por causa do nome dela, Maria. Outros critérios pesavam na escolha de cada nome, no entanto: Marta, por ter nascido no dia de Santa Marta; e Marli, pela sonoridade do Adilson, Ady Gerson e Ademar em Marilândia

Apesar das dificuldades, a felicidade pairava acima de tudo e, para a alegria geral, Maria engravidou novamente e tivemos uma linda menina. Foi no dia 29 de julho de 1943, dia de Santa Marta. Por isso lhe demos esse nome. Novamente recebemos a visita e presentes dos vizinhos e parentes. O parto do nascimento de Marta foi realizado também por Maria Bravim, a única parteira da região. Não posso deixar de lembrar a solidariedade da minha prima Júlia Bonella, filha de tio Marcelino, que nos ajudou muito a cuidar dos pequeninos, principalmente da recémnascida Marta. Por isso ela foi escolhida para sua madrinha de batismo. Com a vinda dos filhos, a lavoura também crescia e dava resultados. Não havia dinheiro, mas a fartura de cereais era imensa. A família também crescia e veio mais uma filha, em 5 de junho de 1946, a quem demos o nome de Marli Terezinha. Novamente tivemos a ajuda

Marli Bonella, com um ano de idade

Marinete

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nome, que muito agradou a mãe. A cada ano que passava, tudo melhorava: a lavoura prosperava, os filhos cresciam com saúde, tudo corria muito bem. E a felicidade também reinava na família, e como família feliz cresce, nasceu mais uma menina, Marinete Ana, no dia 15 de novembro de 1949. Nessa época, quem estava sempre presente em nossa casa era o casal Dozolina e José Marquiolli, que foram seus padrinhos. Ficamos no Córrego da Raposa por dez anos, cumprindo o trato feito: nos primeiros quatro anos, tio Marcelino, para nos ajudar, não exigia nada daquilo que produzíamos em suas terras, tudo ficando para nossa família. Durante os outros seis anos, a produção do café era repartida pela metade entre nossa família e o meu tio.

Marilândia... Era uma pequena vila, com poucas residências, algumas casas comerciais, uma pequena capela, de Nossa Senhora Auxiliadora, e a maioria dos habitantes eram católicos e de origem italiana. O comércio era fraco, pois os lavradores precisavam comprar somente sal, querosene, trigo e roupas. O restante vinha da lavoura. Quanto alguém se sentia mal, os remédios eram os chás caseiros. Não havia dor de barriga, de cabeça ou de estômago em que o chá de macaé não desse jeito. O trecho entre Marilândia e Colatina era todo de estrada de chão, e a condução era um pequeno caminhão que levava

passageiros e carga. Quando chovia, o único meio de transporte parava e, se fosse realmente necessário fazer o trajeto, somente a pé ou a cavalo se chegaria. Os doentes acamados eram levados em uma rede, feita de lençóis ou colchas, fixados em uma vara, nas costas de carregadores que caminhavam até Colatina, onde se dava o socorro. Essa precariedade de transportes era ruim também para o lavrador, que não conseguia comercializar suas mercadorias.

ENFIM, VILA VALÉRIO!

Muitas lembranças me invadem quando lembro dessa época, mas uma das mais tocantes, que me aquece a memória e o coração, é a cordialidade entre as pessoas, muito hospitaleiras e carinhosas. Quando uma família nova chegava, era recebida por todos, que ajudavam doando uma galinha, um porco, mudas de hortaliças e sementes de cereais. Também ajudavam no trabalho até que os recém-chegados se adaptassem. Assim aconteceu conosco. Havia uma harmonia entre as famílias que hoje não mais existe.

Minha esposa nunca reclamou de ter deixado a vida tranquila na casa de meus pais e nem do trabalho duro. Ela sempre me incentivava. Segundo suas palavras de conforto, sempre iríamos vencer. Ela jamais me deixou desanimar. Era uma grande mulher. Como sinto saudades...

Como o povo era trabalhador, a vila foi crescendo e vieram moradores de outras regiões. Marilândia passou a vila e hoje é uma linda cidade. Cresceu muito, e poucas famílias da minha época ainda residem lá. A cidade se modernizou e a vida se tornou mais fácil. Parabéns, Marilândia!

Viagem do Córrego da Raposa a Vila Valério Desde a minha juventude, eu sonhava com uma vida independente de meus familiares. A família Bonella tinha posses, mas também muitos descendentes e, na distribuição, não sobraria muita coisa para se tocar uma família nos padrões em que eu vivia. Maria pensava exatamente como eu. Ela sempre dizia: “Vamos procurar um lugar onde poderemos criar os nossos filhos e ensinar-lhes uma vida moralmente digna e economicamente produtiva”. Maria era uma mulher guerreira, não tinha medo de se aventurar, acreditava no trabalho como meio de vencer na vida. Foi com seu incentivo e sua garra que partimos de Nova Mântua para Marilândia. São Marcos até Colatina. Lá pegamos carona num caminhão velho e pequeno, por volta do meio-dia, até São Domingos, aonde chegamos já de noite, tão ruim era a estrada. Dormimos em São Domingos e, pela manhã, seguimos a pé, passando por São Gabriel da Palha até chegar ao Córrego do Bley, onde havia um acampamento para viajantes. Como ainda era cedo, por volta das 15 horas continuamos a viagem até Pe. Francisco e fomos recebidos na casa do Sr. Antônio Pin, que nos ofereceu jantar e pousada.

Em meio à nossa ânsia de crescer e às dificuldades, soubemos, numa conversa depois da reza em São Marcos que, na região norte do município de Colatina, nas imediações de São Gabriel da Palha, o Governo e uma companhia polonesa estavam vendendo terras. Maria logo me incentivou a buscar informações a respeito dessas notícias. Meu amigo Hilário Bravim me procurou e confirmou a boa-nova. Então eu, Angelim Bravim, Astério Bravim, Hilário Bravim, Júlio Carício, Izidoro Lima, Santo Bravim e Victorio Bravim combinamos visitar o local. Maria se apressou em preparar algumas coisas necessárias para a viagem.

No dia seguinte, fomos a Vila Valério, também a pé. A estrada era uma “picada” na mata, onde era muito difícil caminhar, mas a dificuldade maior estava por vir: ao chegar a Vila Valério, encontramos uma situação assustadora: só havia um barracão para nos alojar, construído pela companhia polonesa de que ouvíramos falar, e estava ocupado por vários doentes de impaludismo e febre amarela. Por todos os lados do alojamento, havia

A primeira viagem foi com Hilário e mais quatro amigos. Saímos às três horas da manhã, viajamos a pé de 59


gente amarela, trêmula, padecendo de disenteria e sem conseguir se alimentar. Esse barracão ficava ao lado do Rio Valério. Hoje, nesse local, há a Igreja dos Adventistas e a oficina do Zé Menegucci, mas, naquela época, só havia mato. Dormimos ali mesmo, no chão, porém, no outro dia, retornamos para casa, sem esperança de mudarmos para aquele lugar deserto e cheio de doenças. A viagem de volta teve o mesmo itinerário e um agravante: muita chuva. De Colatina a São Marcos fomos a pé, pois, com a chuva, não mais podíamos contar com o caminhão. Cheguei em casa triste, sem saber como dar a notícia à “Patroa”, apelido carinhoso com que eu a chamava. Finalmente eu lhe disse, num desabafo, que as terras ficavam tão longe que só dali a 20 anos seriam descobertas. Falei-lhe do impaludismo, e ela me apoiou na decisão de não levar a família para aquele lugar perigoso. Passado mais ou menos um mês, recebemos a notícia de que os problemas de doença já haviam sido controlados e que, de fato, uma companhia polonesa vendia terras na região. O administrador dessa companhia e responsável pelas vendas era o polonês Eduardo Glazar. Então, retornei para Vila Valério, em 1947, e tomei posse de um terreno de 12 alqueires de terra que ficava no

Córrego Farias, a 5km do local onde se vendiam os terrenos. Meu amigo Hilário Bravin já havia se mudado para Vila Valério e vigiava o terreno para mim, evitando invasões. Em 1948, o Governo do Estado, por intermédio da Secretaria da Fazenda, iniciou a legalização das terras em Vila Valério, cobrando pequenas taxas, além do valor de novas medições, para conceder a escritura definitiva.

Demarcação do terreno Em 1949, acompanhei os amigos Angelin Bravin, Izidoro Lima e Júlio Caricio, que também haviam adquirido propriedades, em mais uma viagem a Vila Valério, a pé. Como sempre, fazíamos duas paradas noturnas, uma em São Domingos e a outra no Córrego Bley. Infelizmente, no Bley não havia mais o acampamento onde costumávamos pernoitar e, como já escurecia, procuramos abrigo na casa de uma família de alemães, que nos negou pousada. Insistimos dizendo que a noite estava chegando e o caminho até Pe. Francisco era muito difícil. Disseramnos, então, que ficássemos em cima de uma pedreira instalada ao lado da casa. Como não havia outro jeito, ali pusemos nossa bagagem, acendemos o fogo para espantar mosquitos e tentamos dormir. Mas como? Os cachorros da casa latiam o tempo todo. Amanhecendo o

1 - A malária ou paludismo é uma doença infecciosa aguda ou crônica causada por protozoários

minha querida esposa, que sempre me incentivava: “Somente daqui a alguns anos moraremos lá, compramos uma floresta e o lugar marcado para a construção da vila só tem barracas de lavradores que estão trabalhando em suas propriedades”. Mas comecei a trabalhar naquela terra logo depois da medição, apesar da saudade da família, sempre presente no coração.

dia, retomamos a estrada. Chegamos a Vila Valério às quatro horas da tarde. Vi ali um arrozal muito bonito, mas que se perderia em breve, pois o proprietário estava doente, precisou se mudar e não colheu o fruto do seu trabalho. No entanto, aquele arrozal me encheu de esperança. Afinal, a terra que produzia um arrozal daqueles certamente era muito fértil.

Foram várias viagens de São Marcos a Vila Valério, a princípio a pé, saindo às três horas da manhã e passando por Marilândia, Santo Hilário, Sapucaia, Patrimônio do Rádio, Córrego Joaquim Távora, Paul, Graça Aranha, Novo Brasil, até chegar a São Domingos, onde pernoitávamos na casa do Senhor Malacarne, amigo de infância do meu pai, que nos tratava muito bem. Ao amanhecer, seguíamos viagem para São Gabriel da Palha, Bley, Pe. Francisco e, enfim, Vila Valério.

Tivemos de voltar a Marilândia, porque o engenheiro responsável pela demarcação do terreno não se encontrava. Somente um mês depois é que foi possível encontrar esse profissional e demarcar nossa propriedade, próximo ao Córrego Farias. Eu lhe pedi que reservasse uma área grande, que em breve a compraríamos. Em volta do córrego, tudo era mata e só havia uma trilha. Marcamos o terreno, que mais tarde foi todo medido corretamente, só faltando registrar a propriedade. Júlio Caricio adquiriu suas terras ao lado das minhas, tornandose meu vizinho. Seguimos para Vila Valério, passando pela propriedade dos Barcellos, já desmatada, mas ainda sem moradores. Hilário Bravim já começara a desmatar suas terras, na parte mais alta, perto da nascente de um córrego. Os outros amigos foram para o Córrego Sete Quedas. O Sr. Frota precisou demarcar suas terras mais adiante, pois as dali estavam todas reservadas para nós. Acho que, antes de nós, ninguém havia trilhado a região abaixo do Córrego Farias, e havia muitos animais naquela floresta.

A dificuldade era enorme e, se tudo corresse como planejamos, levaríamos três dias de viagem para chegar ao nosso destino. De São Gabriel a Vila Valério, a estrada era péssima, só havia uma clareira, o resto era floresta fechada, todo o trajeto devia ser feito a pé, e muitas vezes com chuva, até que um dia comprei uma mula chamada Completa, e aí as viagens se tornaram mais rápidas. Nessa época, eu ainda trabalhava e morava nas terras de tio Marcelino, em Marilândia, e, a cada dois meses, ia a Valério para cuidar do terreno de lá. Numa dessas viagens, levei alguns amigos, também interessados em

Ao voltar para casa, eu disse à

parasitas do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada do mosquito Anopheles.

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comprar terras. Em Vila Valério, ainda havia impaludismo, com muitas famílias infectadas. Meus companheiros temeram contrair a doença, e eu também. Ficamos no meu terreno só dois dias e depois resolvemos voltar. Saímos de Vila Valério de madrugada e, chegando a Padre Francisco, resolvemos parar numa casa à beira da estrada para pedir um café. Quem nos acolheu foi a família do Sr. Daniel Pelissari. Sua esposa, Apolônia, prontificou-se a servir o café com bolinhos e não quis cobrar. Agradecemos e continuamos a viagem de volta.

buracos e raízes na trilha, avistamos uma derrubada com muitos carurus. O meu companheiro Francisco Lima tropeçou numa raiz e caiu. Dois homens que estavam roçando ali perto começaram a rir, debochando. Francisco se levantou, sacudiu a poeira, sacou o revólver e deu dois tiros para o alto. Os dois homens, assustados, correram para o mato, largando foice e marmitas, e lá sumiram, com muito medo.

Quando fui morar definitivamente em Vila Valério, quem encontrei? O Sr. Daniel e D. Apolônia. Ficamos amigos e vizinhos até o falecimento do Daniel. D. Apolônia continua morando em Vila Valério.

Nessa época era difícil arranjar pousada na estrada. Os poucos moradores tinham muito medo, porque diziam que quem cometia algum crime corria para a Vila Valério para se refugiar. Assim, por conta do difícil acesso a Vila Valério naquela época, o que fazia a viagem durar de seis a sete horas, o lugar adquiriu má fama aos olhos do povo, para quem Vila Valério era esconderijo de bandidos e malfeitores. Mas como era linda a floresta cheia de perobas, jequitibás e outras espécies de madeiras! Como era diferente de hoje!

Percalços do caminho Lembro-me de que, numa dessas viagens, estávamos em três companheiros. Cansados e sedentos, paramos em uma casa e cumprimentamos os moradores, mas eles não responderam. Pedimos água e uma senhora disse que havia água mais adiante, no córrego. Limitou-se a apontar o local e fechou a janela. Bebemos aquela água e continuamos a viagem. Os donos da casa eram alemães e possivelmente não entendiam português.

Quem ri por último ri melhor Em outra viagem, antes de chegar a Vila Valério, onde havia muito cipó,

Faltava consciência ecológica

No Córrego Bley, havia um enorme jequitibá cujo dono dava dois alqueires de mata virgem para quem o derrubasse num dia. Não apareceu ninguém com coragem para encarar essa disputa. Por fim, o proprietário ateou fogo na derrubada já seca e as labaredas alcançaram o jequitibá, atacando-lhe a raiz e devorando toda a árvore. E pasmem, o jequitibá estava oco desde o início e acabou

pensei que se tratava de algum caso de doença, mas ela queria mesmo era saber de minha disposição de partir. Reafirmei minha decisão e me retirei. Impaciente, ela tentou inutilmente convencer Maria a desistir da partida para Vila Valério. Segundo ela, era um lugar novo e, por isso, incerto, mas Maria, sem embaraço, logo argumentou que também havíamos começado ali, em Marilândia, quando o lugar ainda era novo e o café estava por crescer. Minha Maria sempre conheceu minha disposição para o trabalho e para enfrentar a vida.

caindo. Se alguém aceitasse o desafio de derrubá-lo, ganharia o prêmio na maior moleza. Esse fato aconteceu no terreno do Sr. Times.

Novas amizades formadas Como muitos dos meus amigos haviam comprado terras em Vila Valério, ficou mais fácil a viagem, pois sempre íamos juntos. Lá ficávamos no mesmo acampamento, e um ia ajudando o outro no trabalho. Como às vezes eu passava até um mês longe de casa, aproveitava todo esse tempo para labutar na lavoura. Já mandara derrubar parte da mata e comecei a trabalhar no plantio de café e mandioca.

Nos dias que se seguiram, quando eu passava em frente à casa de meus tios, tia Teresa ainda fazia as últimas tentativas: “E, então, está decidido a ficar?”. Eu já estava irredutível em minha decisão, faltava somente a casa onde me alojar com Maria e nossos seis filhos. Assim, fui a Vila Valério e fiquei sabendo que o Sr. Antonio de Souza pôs uma casa à venda, bem como uma extensa área, por sete contos de réis. Uma casa nova, com cozinha, três quartos, sala e varanda. O terreno em volta era todo de capoeira e não havia vizinhos. Essa casa era o que faltava para sacramentar a mudança.

Sempre me preocupei com o futuro, por isso preparei bem a terra para que minha família, ao chegar, já encontrasse a lavoura iniciada. A cada dois ou três meses, contudo, eu voltava em casa para ver Maria, que, naquela ocasião, era cuidada pelas vizinhas Maria Passamani e Julia Bonella. Depois de alguns anos, tornou-se difícil ficar longe da família e conciliar o plantio e a colheita de café nas terras de tio Marcelino, em Marilândia, com o plantio nas minhas terras. Certo dia, comuniquei a tio Marcelino minha decisão de me mudar definitivamente com a família para Vila Valério, depois da colheita daquele ano. Tio Marcelino, a princípio, não concordou.

Outro fato que me incentivou a ir para Vila Valério foi a mudança da minha irmã Carlota, casada com Florentino Balarini, para a região. Assim que eu comprei os dois terrenos, Florentino, meu cunhado se interessou pela região de Vila Valério e mudou-se com minha irmã Carlota pra lá. Eles compraram uma propriedade no Córrego Lambari, perto da nossa.

No dia seguinte, mal clareara o dia, tia Teresa, sua esposa, veio me visitar. Até 63


preparou um lanche para minha família. Ao amanhecer, eles nos ofereceram café com “broti” (pão de fabricação alemã). Então agradecemos a hospedagem e o carinho da família Balker conosco e seguimos viagem rumo a Vila Valério.

Córrego Bley. A estrada era de chão, buracos não faltavam. Chegamos às duas da tarde no Córrego Bley e só havia estrada para carro até lá. Mas, para a família esperançosa, era tudo novidade e alegria. Descarregamos a mudança numa casa construída especialmente para abrigar os novos aventureiros, como eu. Daí seguimos a pé, passando pelo Dourado, e deixando a mudança em Córrego Bley, num armazém do Sr. Eduardo Glasar, que morava em São Gabriel, mas deixara a chave com um senhor que residia ali perto. Ali ficaram, portanto, nossas camas, mantimentos, utensílios, panelas e tudo mais, conforme eu havia combinado antes com o vigia do armazém. Levamos somente o indispensável para a primeira ocupação da casa, numa caminhada extenuante.

D. Maria e Sr. Vergílio quando mais jovens

A nossa mudança O grande dia foi 17 de setembro de 1951: a nossa mudança chegou a

Vila Valério. Havíamos partido de Marilândia na véspera, saindo de manhã, às seis horas, em um pequeno caminhão, e passamos por Colatina, São Domingos, São Gabriel e pelo

Do alto do morro, onde está hoje o Cruzeiro, paramos para observar o local lá embaixo, o lugar do nosso sonho, onde colocamos todas as nossas esperanças, Vila Valério, onde iríamos morar. Mas, lá de cima, quase não víamos a casa que eu havia comprado, encoberta atrás de um grande matagal. Os três meninos perguntaram: “É aí que vamos morar?”, e eu respondi com muito orgulho: “Sim, meus filhos, com a graça de Deus construiremos aqui o nosso futuro”. Descemos e chegamos à casa. A moradia mais próxima era a do Sr. Antônio de Souza e sua esposa, D. Nilza, que logo nos ofereceu almoço, pois as crianças já estavam com fome. Que gentileza! Nunca esquecerei um gesto tão acolhedor dessa amiga.

Só até o Dourado, levamos duas horas andando. Mais adiante, em São Bento, encontramos um senhor chamado Frederico Balker e começamos a conversar. O trajeto era difícil, ainda tínhamos de atravessar uma mata e subir um morro, as crianças estavam agitadas e cansadas e a noite se aproximava. O Sr. Frederico nos convidou para passar a noite em sua casa, pois ainda faltava muito para chegar até Vila Valério.

Nossa casa era nova, mas simples. Passados dois dias, comecei a providenciar a vinda da mudança, que havia ficado no Córrego Bley. O Sr. Agenor Caetano tinha um lote de burros, então eu o contratei para buscar nossa mudança. Que trabalho árduo foi colocar a carga em cada burro. Como foi difícil! Enfim, tudo arrumado, fomos para casa. Começamos a dispor as coisas nos devidos lugares: camas, vestimentas, alimentos, utensílios. Eu e os

Como esse convite foi bem-vindo! Estávamos muito cansados da viagem no caminhão, que balançava muito em meio ao barulho da mudança na carroceria. A esposa de seu Frederico 65


meus filhos – o mais velho com dez anos – começamos a limpar o mato ao redor da casa, enquanto a “Patroa”, juntamente com minhas filhas Marta e Marli, a arrumavam por dentro. O Sr. Antônio de Souza nos deu o primeiro almoço, antes que as panelas estivessem em ordem. Na semana seguinte, levei a família para conhecer a propriedade. Maria ficou muito feliz ao ver aquela terra nova sendo cultivada pelo nosso suor. Os filhos se admiravam de saber que já éramos proprietários de um pedaço generoso de terra, banhada por dois córregos, Farias e Lambari. Quanta felicidade! A princípio, cuidamos do terreno onde estava nossa casa. Roçamos o mato e fomos desbravando e cultivando: plantamos milho, feijão, cana-deaçúcar, banana, mandioca, pasto e um pouco de arroz. Eu abria as covas para o milho, os meninos depositavam as sementes. Também plantamos algumas frutas. Maria foi logo providenciando uma horta, e nós compramos umas galinhas e um casal de suínos. Assim que a área em volta da casa foi cultivada, plantamos mais além, próximo ao Córrego Lambari. Antes que nos mudássemos, eu havia plantado café e mandioca no Lambari, mas o mato invadira tudo, e agora era preciso roçar e dar prosseguimento ao trabalho. Meu filho mais velho, Ady Gerson, mora com quatro dos seus cinco filhos – Robson, Wilson, William e Renato –

até hoje no terreno que comprei em Vila Valério. Meu primeiro vizinho foi o próprio Sr. Antonio de Souza, que me vendera a casa onde agora morávamos. Mais tarde, ele se mudou dali, vendendo a casa ao Sr. Mário Agnes. Posteriormente, mudou-se para perto de nós o Sr. Adolfo Grobério, com a família. Sua esposa, Gilda, e Maria eram amigas. Outra família que veio morar em Vila Valério, perto de nós, foi a do Sr. Germano Lenzi. Eu e Maria fizemos muitos amigos e batizamos muitas crianças, como Glória Grobério, Marlene Favatto e Laura Lenzi. Como fomos padrinhos de batismo da Glória, filha de Gilda e Adolfo Grobério, eles foram padrinhos também de Ademir, nosso filho. E essa reciprocidade nos batismos se fez sentir outras vezes. Naqueles distantes tempos, sem eletricidade, a iluminação era à base de lampião, e as pessoas se encontravam mais aos domingos, todos os demais dias eram tomados pelo trabalho. O Sr. Angelim Caetano, pai do Agenor Caetano, havia instalado uma venda, que abastecia os moradores, onde hoje é o estabelecimento do Sr. Américo Vilela. Tudo ia muito bem, os meus três filhos me acompanhavam na roça e eu já não me sentia tão só. A lavoura já começava a produzir e nós já começávamos a colher os frutos de nosso trabalho, porém veio um período de muita seca. Cada dia que passava, a água ia diminuindo. Para complicar, havia uma propriedade ao

Marilene Ana e Ademir Antônio (meus filhos caçulas)

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redor que estava sendo desbravada, e eles atearam fogo no resto da mata que não tinha sido aproveitada. O fogo foi se alastrando por todos os lados e chegou até a minha propriedade, queimando a lavoura de milho e de café e, para piorar a situação, a água havia diminuído muito com a seca. Eu fiquei muito triste ao ver a nossa plantação, que estava tão bonita, de repente ir-se acabando; bateume uma vontade de voltar para Marilândia. Estava quase desistindo, mas a minha “Patroa”, Maria, não me deixou desanimar, lembrou o quanto

eu queria ter e trabalhar na minha terra e, depois de tanto sacrifício, não valeria a pena voltar e ser empregado. Com esse incentivo que minha esposa me deu, eu busquei forças e iniciei tudo novamente. Quando chegamos, bebíamos a água do pequeno córrego de uma nascente próxima à nossa casa, mas, com a seca, veio a escassez da água, e eu tinha receio de que as crianças ficassem doentes ao tomar água impura, por isso fui a São Gabriel comprar um filtro. Difícil foi trazê-lo sem quebrar, na cangalha de um burro, porque nem a estrada nem

ria, a se mudar para Vila Valério. Éramos muito unidos, e só chamávamos um ao outro de Xará. Aos sábados, eu apanhava o carro e ia visitar Leonor e o Xará, colher muita laranja e mexerica na terra vermelha tão próspera que Casali havia comprado. Ali perto morava o José Petri, com quem eu conversava ainda mais sobre coisas antigas e novas. Tinha ainda meus amigos Benedito de Deus, Daniel Pelissari, Estefanio Thomas, João Izoton, João Julião e Oriente Pezzin – com cuja família eu me dava muito bem. Também os alemães de Vila Valério eram grandes amigos meus. Nunca nossas diferenças em termos de religião nos afastaram. Comparecíamos às comemorações da Igreja Luterana, e eu era mesmo convidado a proferir algumas palavras nessas ocasiões. Eram essas excelentes oportunidades de revermos nossos amigos alemães.

o burro ajudavam muito. Entretanto, felizmente, chegou inteiro. Finalmente, a chuva voltou a cair. Então recomeçamos as plantações e tudo foi melhorando novamente. Nos arredores de nossa casa, em Vila Valério, plantamos “pasto” e também na propriedade do Córrego Farias. Seis meses depois, já tínhamos pasto formado para o sustento de nossa primeira vaca. Com o tempo voltou a fartura, tanto na lavoura quanto na criação de animais domésticos. Com boa vontade e amor tudo se vence. Nesse clima de prosperidade, eis que Maria engravida e, em 5 de maio de 1953, nasce um menino, Ademir Antônio. Foi uma alegria geral. O parto foi realizado por Dona Pedrinha e foi um sucesso. O menino era o xodó, pois ele veio após o nascimento de três meninas.

Nelson, irmão de Maria, e minha irmã Carlota, também foram convencidos a se mudar para o lugar onde me estabeleci com minha família, onde construí um patrimônio e uma história de vida. O lugar que me traz belas lembranças. Sou feliz reunindo à minha volta os que me são caros, os que têm para mim o valor que não se desfaz com os anos.

Dois anos depois, em 15 de setembro de 1955, Maria dá à luz a nossa caçulinha, Marilene Ana, cujo parto também foi realizado por Dona Pedrinha. Com o seu nascimento, perfizemos a constituição familiar de quatro filhos homens e quatro mulheres. E assim a família ia seguindo o seu objetivo de conquistar um futuro melhor.

Vergílio (primeiro da esquerda para a direita) com seus amigos Moacir Fundão, João Vitório e as crianças Junia, Zeny e Carlos Frota, na fazenda do Sr. Miguel Frota, no Córrego Lambari, em Vila Valério

Entusiasmado com a prosperidade com que éramos abençoados, busquei trazer minha família para Vila Valério, ou a maior quantidade possível de parentes, porque sempre foi prazeroso tê-los perto de mim. Foi assim que consegui convencer meu cunhado Vergílio Casali casado com Leonor, irmã de minha Ma69


PREOCUPAÇÃO COM A EDUCAÇÃO Tudo o que eu e minha esposa planejamos estava se realizando, porém um dos nossos objetivos não havia sido concretizado, e isso estava nos preocupando: os estudos para os nossos filhos. Não era concebível que, já em idade escolar, eles ficassem sem educação. É verdade que eu lhes ensinava as operações básicas, a leitura e a escrita, mas, além do problema da falta de continuidade nos seus estudos, eu também pensava nas outras famílias, pois não havia escola e nem professor para essas crianças. Então convidei a comunidade para uma reunião de pais e me apresentei como candidato a professor, pois tinha a documentação necessária para tal cargo. Como já disse, estudei até o Primeiro Colegial, que hoje se equipara ao Ensino Médio e, anteriormente, havia conversado sobre minha ideia com meus amigos, Srs. João Julião e João Izoton, de quem tive total apoio. Na reunião, recebi incentivo de todos os pais e, então, parti para a luta, a fim de alcançar o meu sonho e objetivo. Eram 40 crianças precisando de educação, entre meninos e meninas. A Delegacia de Ensino, como era chamada na época a Secretaria de Educação, ficava em São Domingos, que pertencia ao município de Colatina. No início de janeiro de 1952, fui a pé até São Gabriel da Palha, lá apanhando uma condução até São Domingos. Na Delegacia de Ensino, fui recebido por uma senhora muito gentil, que se chamava Ermelinda Spíndola, a titular, na época. Expliquei-lhe a necessidade de uma escola em Vila Valério e apresentei minha documentação de quando estudei no seminário, além dos documentos de cidadão brasileiro. Ela verificou tudo e ficou pasma, pois dificilmente alguém que se apresentasse como professor teria a minha bagagem de estudos. Pediu que eu aguardasse e fosse providenciando o local, certa de que conseguiria criar a escola. No meu retorno, relatei os fatos para a

comunidade e, animados, começamos a providenciar os bancos, o quadro-negro e todo o material necessário para iniciar as aulas. Em abril, recebi correspondência da Sra. Spíndola informando que já poderíamos iniciar as aulas e que eu havia sido nomeado professor. O primeiro dia de aula foi 12 de abril de 1952. Que felicidade! O meu sonho começava a se realizar. No dia 8 de maio de 1952, foi publicada, no Diário Oficial, a criação da Escola Singular de Vila Valério e também a minha nomeação como professor do município de Colatina. Nesse dia, reunimos os 40 alunos, acompanhados dos pais, e fizemos uma passeata para comemorar a criação da escola. Como os alunos estavam felizes! Seus pais participaram do evento, com a certeza de que os filhos aprenderiam a ler e a escrever, diminuindo o índice de analfabetismo na região.

Vergílio numa das festas do Grupo Escolar Atílio Vivácqua com as professoras Da esquerda para direita: Conceição, Tereza Tótola, Morganize Novaes, Maria Rosa, Iracema e Tereza

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A escola

Dona Tereza era esposa do Sr. Ernesto Tótola, que foi designado juiz de paz da comunidade pelo Poder Judiciário de Colatina. Ele era mestre em eletrônica e tinha uma oficina de rádios, único meio de comunicação de Vila Valério. O Sr. Ernesto também exercia a função de juiz de futebol. Essa família foi uma das primeiras a residir em Vila Valério e contribuiu muito para o seu desenvolvimento. Nós éramos muito amigos e somos gratos pela sua amizade.

Era uma pequena sala em forma de L, com quatro metros de comprimento e dois de largura. Providenciamos bancos e começamos a luta pelo progresso da educação em Vila Valério. As aulas eram ministradas de segunda a sábado, no período matutino, e a frequência era ótima. Os primeiros alunos da escola eram os meus quatro filhos Ady Gerson, Adilson Cosme, Ademar Damião e Marta, e os filhos de meus amigos: Anildo, Elza e Carmelita Grobério; Tolentino, Florentino e Maria de Deus; Arlete, Sebastião e Basílio Canci; Vanilda Favatto, Luzia e José Rosa; Joventino e Terezinha Izoton; Maria Auxiliadora Oliveira; Gilson e Wilson Tótola; Leandro Mação.

Reunião em Colatina de professores para o planejamento do ano letivo. Eu sou o primeiro, da esquerda para a direita, na terceira fila dos que estão em pé

E agora, onde funcionaria a escola? Conseguimos criar a escola, porém não havia local para alojar os alunos. A comunidade da igreja tinha uma habitação chamada “casa canônica”, que servia de estada para o Pe. Benedito quando ele vinha visitar a capela. A Comissão da Igreja nos deu permissão para começar as

aulas nesse local. Faltava obter os bancos escolares, e foi construindoos nós mesmos que iniciamos, com muito esforço, a educação dos infantes. Todos que teriam filhos na escola ajudaram. Enquanto outros materiais, como quadro-negro e giz chegavam, a necessária autorização de funcionamento da escola era concedida.

Como Vila Valério crescia em ritmo acelerado, e as famílias tinham muitos filhos, o número de alunos ia aumentando e foi autorizada a criação da terceira sala de aula, tendo como professora a Dona Helena Farias Frota, esposa do Sr. Miguel Francisco Carneiro Frota. O Sr. Miguel, meu vizinho de propriedade, foi também o propulsor do desenvolvimento local. Mas onde iria funcionar a terceira turma? Então, reunimos os pais dos alunos e, com a ajuda de todos, construímos uma sala de aula, que ficava na atual Rua Rubens Lima, esquina com Rua Natalino Cossi. A nova sala de aula, onde passei a lecionar, funcionava com dois turnos: matutino e vespertino. Mais tarde, Dona Helena mudou-se para a fazenda da família no Córrego Farias, sendo substituída na escola por Dona Aguida de Abreu, que ensinava ao primeiro ano. Só depois é que viriam os professores de fora do lugar.

Eu me levantava cedo. Às 8 horas, meus filhos já estavam na sala de aula, junto com os demais, e eu dava aula até o meiodia. Então vínhamos para casa. Eu e meus filhos almoçávamos e íamos trabalhar na roça, atravessando o matagal. A educação convivia com o trabalho duro. No ano seguinte, com a vinda de mais famílias para a região (que prosperava e crescia em população), a quantidade de matrículas foi aumentando. Como a demanda era muito grande, foi necessário desdobrar a escola, separando os alunos por séries. Comunicamos essa realidade à Delegacia de Ensino, que autorizou mais um professor, nomeando a professora Tereza Tótola, moradora antiga de Vila Valério, que foi lecionar para os alunos do primeiro ano, na capela.

Como o número de alunos continuava a crescer, eu e o Sr. Raulino Costa procuramos a Secretaria da Educação e explicamos a situação: já precisávamos de um prédio para melhor educar essas 73


crianças. Pedido feito, pedido concedido. A construção iniciou-se em 1959 e, em 1962, foi inaugurado o “GRUPO ESCOLAR ATÍLIO VIVACQUA”, assim batizado em homenagem ao senador da República que morreu em 1962. Em sua memória, o então governador Carlos Lindenberg inaugurou a escola com o nome do senador e convidou toda a sua família para a inauguração. Um fato curioso é que todos os familiares vieram vestidos de preto, para celebrar o luto do senador. Agora, com quatro salas de aula, o ensino fundamental estava garantido e consolidado. Essa escola pertencia ao Estado, portanto os professores já eram concursados, com exceção de Dona Tereza e de mim, que fui nomeado diretor. As primeiras professoras concursadas foram Mariazinha, de Colatina; Gláucia Furtado e Déa Bernardes Rocha, de Vitória. Depois vieram Maria Rosa, Conceição, Tereza, Morganiza, Iracema e Sebastião Balarini, meu sobrinho. Também foram nomeados o Sr. Joaquim Herculano, como servente, e a Sra. Zulmira Tótola, como merendeira. Meus filhos não eram alunos bagunceiros. Eu não tinha problemas com eles na sala de aula, até porque o trabalho no campo ou na cozinha, como era o caso de Marta, Marli e Marinete, não lhes dava tempo de pensar em bagunça. Em compensação, tive muitos alunos desordeiros, como Antonio Menegucci, que fazia bagunça por todos. Como muitas das professoras vinham de outras localidades, na primeira oportunidade retornavam para sua cidade de origem, abrindo vagas para outras con-

correntes. Dessa forma passaram por nossa escola várias professoras, entre elas Vera Lúcia, Hilda, Maria Luiza, Deyla, Rosa, Iná, Maria do Carmo e muitas outras, até o dia que em que Vila Valério teve seus próprios filhos, já formados, como professores nativos. Eu permaneci como diretor dessa escola até me aposentar, em 1985. As aulas eram dadas de segunda a sábado, não havendo comemorações nos finais de semana, e as aulas de sábado sempre foram muito fracas. Sempre insistimos na necessidade de o aluno se manter assíduo também nesse dia, mas o absenteísmo era grande. Finalmente veio a ordem de não trabalhar mais aos sábados. Quando as professoras chegavam a Vila Valério, eu precisava alojá-las em minha casa até encontrar um local para residirem. Então, a comunidade se uniu novamente para ajudar a montar uma república, pois, na época, não havia hotel na vila. Algumas professoras ficavam em casas de família até se transferirem ou casarem, como foi o caso da professora Vera Lúcia Monteiro, que foi para nossa casa e ali morou durante muitos anos, até se casar com o professor Emídio Rossmann. Quando ela saiu de Vila Valério, nós ficamos muito tristes, pois já a considerávamos parte da família. Como a escola atendia de 1ª a 4ª série, os alunos tinham que continuar os estudos em outras cidades, e a grande parte deles não prosseguia por causa das precárias condições financeiras dos pais, que não tinham como sustentar

gratuito, aumentando, assim, o número de alunos. Hoje essa escola pertence à Prefeitura, embora alguns professores sejam ainda contratados pelo Estado. Ali se oferece instrução até o ensino médio, nos turnos matutino, vespertino e noturno.

os filhos fora de casa, pois a despesa era grande. Além disso, os pais necessitavam dos filhos para ajudar na lavoura, o que interrompia seus estudos. Foi com essa preocupação que a comunidade se reuniu e constituiu a “Sociedade Valeriense”. Foi eleito presidente o Sr. Martin Strey, tesoureiro o Sr. Hermínio de Martins e eu fui secretário. Com autorização da Secretaria de Educação e o apoio do Governo do Estado, construímos duas salas e uma pequena secretaria e iniciamos a 1ª turma do 1º ano ginasial (correspondente ao atual 5º ano do ensino primário).

Como a população foi crescendo, a Prefeitura de São Gabriel da Palha construiu o Grupo Escolar Bairro Valério, escolhido por haver ali já muitos alunos. A primeira diretora foi minha filha, Marinete Ana Bonella, quando ainda era solteira. Depois ela casou-se com Geraldo Scaramussa e foi residir em Eunápolis, Bahia. Hoje, nesse local, só funciona a creche, pois a escola uniuse ao Grupo Escolar Atílio Vivacqua, passando às dependências deste.

Na época, para frequentar a 5ª série, o aluno teria de fazer um curso chamado Admissão, dado no período de férias. Uma vez aprovado, passaria a frequentar o 1º ano ginasial. Fui professor de Matemática nesse curso que, posteriormente, foi abolido. A escola se chamava Ginásio Valeriense e foi construída pelo povo, interessado no prosseguimento dos estudos dos jovens. No início, era comunitária, paga pelos pais dos alunos, mas sem fins lucrativos. Todo o dinheiro arrecadado era administrado por uma comissão da qual faziam parte Hermínio de Martins, Martin Strey, Daniel Pelissari e eu. Essa verba era empregada para pagar os professores. Para o aluno carente, havia bolsas de estudo. Depois essa escola passou para a administração do Estado. Para isso lutamos junto com o companheiro Eduardo Glasar, então prefeito de São Gabriel da Palha. A idéia era tornar o ensino totalmente

Preocupava-me, nessa época, com o número grande de crianças que havia em idade pré-escolar sem local para atendimento, e aquilo muito me incomodava. Então, o vereador Sr. Hermínio e eu fomos lutar por essa causa junto ao prefeito Dário Martinelli, que deu todo apoio ao projeto. Assim foi criado o Jardim de Infância Municipal, que teve, como primeiras professoras, minha filha Marli Terezinha Bonella e Agnes Luz. A educação de Vila Valério deve muito aos antigos prefeitos de São Gabriel da Palha, Sr. Eduardo Glazar e Dr. Dário Martinelli, que sempre atendiam às reivindicações da nossa comunidade, construindo escolas e se preocupando em proporcionar uma educação de melhor qualidade ao povo. 75


Primeiro desfile patriótico O desfile de 7 de setembro de 1952 foi o primeiro na nossa história. Realizamos uma passeata com todos os alunos a fim de comemorar a preciosa data. Foi também o estopim de uma ideia luminosa: nossa própria banda marcial, que, corajosamente, conseguimos formar com tambores de lata e couro de cabrito ou carneiro.

Isso mesmo! Não conseguíamos comprar todos os instrumentos de percussão industrializados naquela época e o improviso e criatividade foram a solução encontrada para celebrar alegremente nosso Dia da Pátria: retirávamos as tampas dos dois lados de grandes latas de doce, fazíamos muitos furos nas bordas e ao longo dessas fixávamos, artesanalmente, os pedaços de couro com corda fina. O som produzido não era o mesmo do instrumento comprado em loja, mas o efeito era surpreendente, tratando-se de artefatos feitos por amadores, e todas as crianças aprendiam a marchar. No desfile do ano seguinte, já tínhamos 40 instrumentos, entre bumbos, tambores, caixas e taróis, todos feitos à mão, e também cornetas compradas prontas. Passamos, assim, a demonstrar nosso civismo ao som da música produzida por nós. Mais tarde, comprei um pistom, instrumento que eu aprendi a tocar no Exército, e fiz questão de ensinar aos interessados. Outro que o tocava, e bem, era o Ermídio, um rapaz de origem alemã, que foi convidado pela Igreja Luterana para morar em Vila Valério. Mais tarde, quando precisei de um professor para a escola, o nome do Ermídio surgiu como um achado, e ele aceitou de pronto o convite. Eu tinha um grande carinho pelas bandas marciais, pois lembravam meu tempo de soldado.

Vergílio entre suas filhas Lena e Nete no dia 7 de setembro de 1961, após desfile patriótico

Desfilamos pela rua principal e, na praça, em frente à igreja, foi hasteada pela primeira vez a Bandeira brasileira,

por um dos primeiros moradores de Vila Valério, o Sr. João Alves, ao som do Hino Nacional cantado por todos nós. A comunidade prestigiou a festa e aplaudiu muito.

na memória e no coração de muitos. Todas as comunidades vizinhas, bem como as autoridades do município, vinham para assistir ao desfile escolar, comentado em toda a região.

Como ensaiávamos muito, havíamos chegado ao ponto de corrigir eventuais erros durante o desfile. Como diretor da escola, eu sempre saía na frente da banda, marchando orgulhosamente, tocando meu pistom, obedecido pelos músicos que acompanhavam meu comando. A distância de até 50 metros entre eu e a banda bem como o eco produzido faziam com que o grupo adiantasse o toque, ocasião em que eu sinalizava para os mestres Bida ou Neguinho, com dois apitos previamente combinados e também com acenos de braços, para que o toque voltasse à cadência normal. Organizados e dinâmicos, éramos chamados para apresentações também em São Gabriel.

Após a apresentação em Vila Valério, fomos convidados para um desfile em São Gabriel da Palha, onde a nossa banda conquistou o 1º lugar. Sinto saudades do patriotismo daquela época. Quando Vila Valério cresceu, não havia quem não viesse prestigiar o desfile das escolas de 7 de Setembro. E nós nos esmerávamos: diante do palanque das autoridades, as filhas de José Alves e Valdivínio Almeida, respectivamente, Sidijane e Graça, desfilaram como balizas em evoluções de ginástica rítmica que encantavam a todos. Foram elas próprias, Sidijane e Graça que, bem mais tarde, ensinaram minha neta Baby (Marlei), então com dez anos de idade, essa arte.

Nos anos que se seguiram, os desfiles de 7 de Setembro iam se tornando cada vez melhores. Em 1955, toda a banda já era dotada de instrumentos fabricados, compradas com dinheiro que arrecadávamos em festas na escola e também com uma doação do sempre amigo Ermínio de Martins. Desde o início, deu muito trabalho para que os alunos da Banda Marcial de Vila Valério aprendessem a tocar. Quantos ensaios, quantas broncas! Mas, nos dias de desfile, a banda mostrava seu gabarito e suas qualidades.

A Banda Marcial de Vila Valério apresentou-se até 1985, quando, por motivo de doença da minha esposa, me ausentei dos ensaios e apresentações. Mais tarde ela faleceu, me aposentei e não houve sucessores para esse trabalho. Até hoje não sei o paradeiro de todo o instrumental da banda que tanta alegria deu ao povo valeriense. Nos bailes e festas juninas da escola, tudo era muito organizado, com velhos, senhoras e jovens, a maior parte alunos da escola; todos passavam horas dançando e se divertindo, e o dinheiro arrecadado era para melhorar as

Com o apoio dos moradores, a escola fez desfiles emocionantes, que ficaram 77


apresentações nas festas de formatura, sempre bem feitas, a exemplo dos alunos da 4ª série de 1952. Com o tempo, tudo foi melhorando e eu sentia um desejo intenso de promover essas inovações, pois era um modo excelente de unir e animar o povo, que sempre me foi muito querido.

Festas na escola Como o progresso não havia chegado até a vila, divertíamo-nos com as festas

religiosas e escolares. Comemorávamos o Dia das Crianças, o Dia dos Pais e o das Mães, o Dia do Professor, o grande 7 de Setembro e outras datas importantes. Para essas solenidades, preparava-se uma turma de alunos que promoveriam o culto religioso, com cânticos que se referiam à data, além de palestras e leituras concernentes à ocasião. Após o culto, havia sempre apresentações folclóricas em que se arrancavam da plateia calorosa salva de palmas e também lágrimas de emoção.

Sr. Vergílio Bonella à frente da Banda Marcial da Escola de 1º e 2º Graus Atílio Vivácqua Entrega do diploma na 79conclusão da oitava série


A RELIGIÃO A igreja católica A grande maioria da comunidade de Vila Valério era de descendência italiana e praticava a religião católica. Os poucos moradores rezavam numa capelinha, de São Sebastião, que ficava em cima de um pequeno morro, onde hoje passa a Rua São Sebastião. O primeiro sacerdote a frequentar a nossa comunidade foi o Pe. Aníbal dos Santos, vigário da Paróquia de Pancas, que vinha a cavalo de Pancas a Vila Valério. Que sacrifício! As missas eram rezadas em latim. O Sr. Emílio Rolim foi um dos primeiros a comandar a reza aos domingos e nos dias santos, ministrando também o catecismo para as crianças. Quando o Sr. Emílio se mudou de Vila Valério, o Sr. Daniel Pelissari e eu passamos a dirigir o culto. Eu fui várias vezes secretário da igreja e presidente da Liga Católica, denominada Jesus, Maria e José, que era formada por rapazes e velhos. Também fui presidente do Apostolado da Oração, ajudado pela minha sempre presente esposa, Maria, D. Tereza Tótola e Tereza Izoton. Desse apostolado participavam moças e senhoras. Com o tempo, a capela ficou pequena e resolvemos fazer uma capela de madeira aqui, no Centro, onde se localiza a atual igreja. A padroeira escolhida foi Nossa Senhora das Graças, por vontade de João Julião, aceita por todos. O presidente dessa capela, o Sr. João Izoton, e o secretário, Daniel Pelissari, congregavam havia mais tempo do que eu naquela

comunidade, embora Daniel naquela época, não fosse morador de Vila Valério. Clemente Thomas e eu ficamos como tesoureiros. Nesses dias, o catequista era o Sr. Emílio Rolim, que mais tarde partiu para Nova Venécia, deixando-me como seu sucessor. Passei a assumir o catecismo para os meninos. Apesar do interesse de Maria por leitura e informação, ela não ministrava o catecismo comigo, preferindo outras atividades na igreja, ao lado de D. Amelia Bachour e D. Teresa Pitta. Eu era o único catequista naquele momento Em 1957, por conta do aumento da população, sentimos necessidade de construir uma igreja maior. Reunimos as famílias Bonella, Izoton, Thomas, Julião, Carminati, Benedito de Deus, Figueira, Alves, Barcelos, Oliveira, Camporêz, Souza, Pelissari, Grobério, Mação e outras mais e resolvemos construir uma nova igreja. Muitos descendentes dessas famílias ainda vivem em Vila Valério, como meus filhos Ady Gerson e Ademar,

Igreja de Nossa Senhora das Graças em Vila Valério

a construção dessa nova igreja, que hoje é a Paróquia de Nossa Senhora das Graças, cujo pároco é Romário.

e muitos dos meus netos. Na época da construção da igreja matriz, João Izoton, Daniel Pelissari e eu fomos a Bananal, a cavalo, gastando cinco horas de viagem, para nos encontrar com o Sr. Alfredo, mestre de obras, cuja especialidade era a construção de igrejas. Ele nos mostrou uma planta que atendia às nossas expectativas e então acertamos com ele

Todos os sábados a comunidade se reunia para ajudar nos trabalhos da construção, preparando massa, trazendo pedras, madeiras e tijolos em carros de boi. Até as crianças da escola ajudavam, carregando tijolos e telhas para os trabalhadores. O Sr. 81


João Julião doou a imagem de Nossa Senhora das Graças. Na inauguração da igreja, fizemos uma grande festa, com a participação das comunidades vizinhas. A missa foi cantada a quatro vozes pelo coral que eu havia formado. Todos ficavam admirados e se perguntavam: como uma comunidade tão pequena conseguiu uma obra tão grandiosa? Eu acredito que essa obra só foi realizada graças à fé e à caridade dessas famílias que necessitavam de um local apropriado para louvar ao Senhor. No final da missa, o sacerdote elogiou a comunidade pelo bonito trabalho prestado e também parabenizou o coral. Na comunidade de Nossa Senhora das Graças, havia uma equipe preparada para o encontro de casais, que ia às comunidades de Córrego Paraíso Novo, Ipiranga, Mação, Arariboia e outras. Hoje esse grupo continua com o nome de Encontro de Casais com Cristo (ECC). Esses encontros familiares davam excelentes resultados, pois as palestras a respeito da família faziam com que os casais refletissem sobre o seu relacionamento e passassem a viver melhor, fato testemunhado por diversos casais nos encontros posteriores. Ia-se a pé e em grupos às festas nas comunidades vizinhas. Era muito bom: os compadres e comadres iam papeando, às vezes em dialeto italiano; os jovens aproveitavam a ocasião para iniciar o namoro. Era tudo muito simples, sem malícia, as comunidades

se amavam e procuravam ser felizes. Durante as funções religiosas, havia muito respeito, amor e devoção, e todos ficavam muito atentos às cerimônias, cantando e rezando juntos. A casa de Deus era muito respeitada. Eu sempre trabalhei em prol da comunidade valeriense, ensinando os meus filhos e seus amiguinhos a servir o sacerdote nas missas, celebradas em latim. O sacristão ou coroinha decorava algumas partes da missa em latim para poder ajudar o sacerdote nas celebrações. Também foi grande o esforço das famílias pioneiras que acreditaram no crescimento de Vila Valério, sem perder de vista o valor da nossa fé.

O Coral de Vila Valério Eu tinha uma partitura de uma missa a quatro vozes composta de tenores, sopranos, contraltos e baixos. Então, reuni as pessoas que gostavam de cantar e decidi formar o coral. Nas noites de quarta-feira, comecei a ensinar as palavras da missa em latim, ensaiando depois a música separadamente. Em seguida, fomos juntando as vozes. No começo, era difícil mas, com o tempo, foi melhorando. Foi um trabalho árduo, que só se concretizou pela boa vontade dos participantes. Quando o coral se apresentou pela primeira vez, cantando a quatro vozes, na missa de inauguração da igreja, todas as comunidades das redondezas estavam presentes. Era muita gente, que ficou admirada durante

toda a missa. No final, foi cantada uma Ave-Maria, de que os celebrantes gostaram tanto que pediram bis.

tas saudades de momentos inesquecíveis. Rogo a Deus que abençoe todos esses companheiros.

O coral foi aplaudido de pé e os sacerdotes agradeceram, parabenizando cada participante e pedindo mais uma salva de palmas especial para mim, pela dedicação e harmonia com que eu havia conseguido preparar esse grupo. Comentaram que nunca, no interior, uma missa a quatro vozes foi cantada por um coral tão bem preparado. Depois dessa ocasião, éramos convidados pelas comunidades para as festas dos respectivos padroeiros.

Esta era a composição do coral: Tenores: Ady Gerson Bonella, Valdir Rodrigues, Daniel Pelissari, Paulo Caliman, Estefânio Thomas, Ezio Ton e Benedito de Deus. Baixos: Adolfo e Pedro Grobério, Mário e Brás Gomes, Paulo, José e Clemente Thomas, Manoel Oliveira e Pergentino Izoton. Sopranos: Terezinha e Celina Izoton, Maria Gomes, Maria de Deus, Maria de Oliveira, Marli Bonella, Ana Peres, Jamila Oss, Marta Favatto, Sirlei e Zinha Ton e Irma Trevizani.

Hoje, relatando esse fato, sinto uma saudade enorme de todos os participantes, pois alguns já não se encontram no nosso meio. Todos obedeciam às orientações dadas, não faltavam aos ensaios e repetiam, se fosse preciso, sem reclamar. Neste momento essas lembranças me enchem os olhos de lágrimas. São mui-

Contraltos: Marta Bonella, Maria Thomas, Benvinda Trevizani, Assunta Peres, Assunta Oliveira, Àguida de Deus, Onécia Oss e Maria Ton.

Da esquerda para a direita e da fila inferior para superior. 1ª fila: Maria Gomes, Jamila Oss, Marta Bonella, Marta Favatto, Marli Terezinha Bonella, Maria do Carmo, Onécia Oss. 2ª fila: Anastácia Izoton, Eva Rosa, Arlete Bergamini, Idalina Rosa, Helena Querino, Zélia Trevisani, Benvinda Trevisani e Pedro Grobério. 3ª fila: Valdir Rodrigues, Ady Gerson Bonella, Daniel Pelissari, Pergentino Izoton, Vergílio Damião Bonella, Clemente Thomaz, Paulo Thomaz. 4ª fila: Mário Gomes, Sthefanio Thomas, José Thomaz e Paulo Caliman.

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Festas religiosas DO CATECISMO A festa do catecismo foi criada pelo Pe. Ângelo Zen. Esse sacerdote era de uma sabedoria ímpar, pois, para atrair as crianças ao catecismo, ele promovia uma gincana sobre os conhecimentos religiosos. Essa competição fazia com que a meninada se interessasse em aprender os ensinamentos de seus mestres. A primeira etapa realizavase entre as crianças da igreja local.

Os ganhadores disputariam a coroa de príncipe ou princesa com os vencedores das comunidades vizinhas. O príncipe ou princesa partiria para a disputa final da coroa de rei ou rainha, realizada na Matriz de São Gabriel. O meu filho Ademir teve a felicidade, com menos de dez anos, de ser coroado “O Príncipe do Catecismo” de Vila Valério. Infelizmente, na disputa final, talvez por concorrer com participantes mais velhos e na Matriz, ele tenha ficado ansioso e conseguido somente o 2º lugar, ou seja, “Vice-Rei”.

Ademir Bonella sendo coroado príncipe, entre os pais, Maria e Vergílio, com a catequista Célia Tótola e os padres da comunidade

DA PADROEIRA: NOSSA SENHORADAS GRAÇAS

Ademir Bonella sendo arguido na competição do catecismo

carregando a imagem da santa, cantando e rezando pelas ruas da vila. Após a missa, havia leilão e bingo. À tarde, tinha lugar o futebol, no campo onde hoje se localizam o centro médico e o jardim da infância. Numa dessas festas, houve um jogo com pessoas acima de 40 anos, e alguns jogadores nunca tinham posto o pé na bola. Imaginem só como foi esse jogo... o Sr. Ernesto Tótola era o juiz, e o jogo

Nas festas da padroeira, eu sempre era escolhido pela comunidade para organizar o evento, que se realizava no dia 27 de novembro ou no domingo subsequente. Fazíamos uma novena, as comunidades vizinhas eram convidadas a participar e, no dia da festa, todos saíam em procissão, 85


foi pura diversão. Saímos aplaudidos por proporcionar muita palhaçada no campo. Todos os domingos havia partidas entre os dois times de Vila Valério, a Liga Católica e o Ferrinho. A rivalidade entre esses dois times era muito grande, mas somente durante o jogo, pois, ao término, todos voltavam a ser amigos. Devo admitir que o Ferrinho era melhor que a Liga. Com o passar do tempo, as equipes entenderam que não valia a pena essa rivalidade e se uniram formando um só time, denominado Esporte Clube Valeriense, tendo o meu filho Adilson apitado algumas partidas. Esse time deu muitas alegrias ao povo valeriense. Não posso deixar de relatar o que aconteceu com o Padre Simão Civalero, pertencente à Congregação de Missionários Combonianos. Ele veio da Itália e foi designado vigário de São Gabriel da Palha. Era muito inteligente e tinha um espírito criativo. Na época, os padres não tinham carro e visitar as comunidades era muito difícil. O Pe. Simão marcou uma festa no Córrego Duas Barras e chegou até Vila Valério de kombi, às 17horas. O senhor Mello veio buscá-lo às 18 horas, montado num cavalo e puxando outro para o padre. Eu alertei o padre de que já estava tarde e a estrada para Duas Barras tinha diversos trechos de mata virgem, portanto ele poderia ficar lá em casa e seguir na manhã seguinte. Porém, ele preferiu ir assim mesmo.

Os dois cavaleiros seguiram devagar, pois o padre não sabia andar a cavalo. Chegando a um trecho de mata virgem, o senhor Mello percebeu que havia errado o caminho, tinha passado da entrada que ia para Duas Barras e disse ao padre: “O senhor fica aqui que eu vou verificar onde está a estrada”. E foi à procura da estrada, deixando seu animal que, em meio à noite fechada, escura, soltou-se e foi embora. O padre ficou esperando, esperando, e nada de o Sr. Mello aparecer. O sacerdote pediu que Deus o guiasse. Montou em seu cavalo e deixou que ele o levasse. Depois de andar bastante, chegou a uma casa de alemães onde acontecia uma festa. O dono da casa parou o forró e atendeu o padre, que explicou o ocorrido, sendo conduzido pelo alemão até a capela, em Duas Barras, onde encontrou os dirigentes da comunidade apavorados com o seu sumiço, pois já eram três horas da madrugada. No outro dia, o Sr. Mello pediu desculpas e falou que o levaria de volta logo após o término dos festejos, mas o Pe. Simão o dispensou, ainda atordoado com o que havia acontecido, preferindo ir com outra pessoa. Chegando à minha casa, contou-me o ocorrido. Dormiu lá, no outro dia pegou a kombi para São Gabriel e me disse: “Santa paciência, que viagem difícil! Mas com o Sr. Mello não viajo, não!!!” Como era árdua a vida do sacerdote naquela época!

UM POUCO DE HISTÓRIA DE VILA VALÉRIO Construção da estrada de Vila Valério Como não existia via para carros de Vila Valério a São Gabriel, os moradores se reuniam todos os sábados num mutirão para abrir a estrada. Contávamos também com homens pagos pela Prefeitura para nos auxiliar. Quando a estrada estava chegando a Vila Valério, o Sr. Raulino Costas Filho, que era vereador, e Francisco Ferreira fizeram uma aposta. O Raulino apostou 200 mil réis contra um bonito cavalo do Francisco, afirmando que, pela estrada até Vila Valério, ele chegaria de carro, o seu jipe, que ficava em São Gabriel por causa da falta de estradas. Marcaram o dia da chegada, e havia muita gente na vila para ver a concretização da aposta. O jipe saiu de São Gabriel pela manhã, mas, antes de chegar a Vila Valério, choveu e, como a estrada era nova, o carro atolou. O Raulino, muito esperto, contratou uma junta de bois, que o arrastou até o alto do morro, onde não havia mais lama. Chegando a Vila Valério, foi uma festa, todos queriam ver o carro. A vila ficou repleta de fumaça, tantos eram os fogos. Raulino estava alegre e Francisco, triste pela perda da aposta. Com o passar dos tempos, a Prefeitura foi melhorando a estrada. os terrenos que abrangiam as regiões de Águia Branca, São Gabriel da Palha e Vila Valério, pertencentes a Colatina. Em Águia Branca, a companhia já havia vendido muitos terrenos para imigrantes vindos da Polônia, que partiram para São Gabriel, onde foi montado o escritório da companhia de que o Sr. Eduardo Glazar, polonês, era secretário. Ele ficou responsável pela venda dos terrenos que abrangiam São Gabriel e Vila Valério. O Sr. Glazar fazia toda a escrita e mandava para o Dr. Valério Koszarowsky, chefe da companhia e também médico, tendo sido o nome Vila Valério dado em sua homenagem. Também tomaram parte nessa distribuição o Sr. Bley,

O Sr. Firmino de Martins, morador de Vila Valério, foi prefeito de São Gabriel da Palha. Ele fez muito pela nossa vila, e a Dona Maria, sua esposa, trabalhou como assistente social em prol da comunidade carente. Nesse seu mandato, ele batalhou para asfaltar a estrada e, com o apoio do governador Gérson Camata, o asfalto foi inaugurado, tornando-se a Rodovia João Izoton.

A venda dos terrrenos De Vila Valério Uma companhia polonesa havia feito um contrato com o Estado para vender 87


capitão aposentado, e o Pe. Francisco, único padre da época na região, todos poloneses. Vila Valério foi construída aos poucos pelos seus moradores. Para mim, os primeiros construtores de Vila Valério foram: Agenor Caetano e Domicio Bischner, que foram os primeiros comerciantes; Raulino Costa, Melquíades e Arthur Pimentel, que eram farmacêuticos e socorriam as pessoas. Os primeiros vereadores foram Raulino Costa (quando Vila Valério pertencia a Colatina), José Pereira da Silva, Hermínio de Martins e Eurico Mielke (quando Vila Valério pertencia a São Gabriel da Palha). Grande participação na comunidade tinham os sacerdotes Pe. Aníbal dos Santos (vigário de Pancas), Pe. Ângelo Zen e Pe. Civalero (Paróquia de São Gabriel da Palha). José Batista, o primeiro soldado, dava-nos segurança, mas, naquela época... tudo era mais tranquilo, não havia violência. Minha esposa foi muito importante. Foi agente postal da primeira agência de correios e telégrafos. Minha Maria pensava diferente. Naquela época as mulheres não trabalhavam fora, mas ela queria muito mais do que ficar em casa cozinhando... O primeiro gerente do Banestes de Vila Valério foi meu colega de profissão Valter Denadai, que exerceu o cargo com muito dinamismo, sendo muito querido pelo povo valeriense. Sinto imenso orgulho ao dizer que muitos dos meus ex-alunos continuaram

a estudar, tornando-se excelentes profissionais, como meu sobrinho Sebastião Balarini, que foi diretor do BANDES, vice-prefeito de Vitória, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e exerceu muitos outros cargos sempre de maneira exemplar. Outros alunos se tornaram médicos, engenheiros, advogados, gerentes de banco e abraçaram outras profissões dignas do meu respeito e admiração, a exemplo dos meus dois filhos, Ademir e Marilene, funcionários do Banco do Brasil e hoje estão aposentados.

A criação da agência dos Correios Vila Valério já estava bem desenvolvida e já fazia jus a uma agência postal. Diante dessa necessidade, falei com o Sr. Miguel Frota, que se interessou de imediato. Conversamos com o Sr. Moacyr Fundão, cunhado de Miguel, e ele me convidou a ir ao órgão competente, em Vitória, informar-nos das possibilidades. Em Vitória, Moacyr Fundão e eu fomos ao Departamento de Correios e Telégrafos conversar diretamente com o diretor, que nos encaminhou ao seu secretário, a quem cabia encaminhar a Brasília o pedido da criação da agência. Posteriormente, fui informado de que ela havia sido autorizada e cabia-nos sugerir alguém para a função de agente postal. Maria, minha esposa, logo se prontificou, pois, desde muito tempo, queria fazer

Ady Gerson e Marilene já jovens, e eu e minha Maria em Aparecida do Norte, SP, no ano de 1966

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algo diferente do trabalho doméstico. Naquela época, em Vila Valério, não era comum a mulher trabalhar fora de casa, mas “a Patroa” estava à frente do seu tempo, exibindo coragem e disposição exemplares. Desde cedo ela se destacava das demais mulheres, com toda aquela vontade de vencer e aprender. Eu a admirava e amava tanto... Como impedi-la de realizar seus ideais, aprisionando-a ao trabalho de casa e ao cuidado dos filhos? É verdade que a sua função, de escriturária da agência, era de fato realizada por mim, por lhe faltar instrução para tal. Mas esse era um sacrifício que eu fazia de bom grado, uma pequena amostra diária e anônima do meu amor por

aquela mulher de fibra. Depois das minhas aulas, eu ia à Agência dos Correios datilografar ofícios e outros formulários, que ela assinava. Depois que o nome de Maria Dolores Tavares Bonella, minha esposa, foi aceito, ela foi convidada para estagiar na agência de São Gabriel durante um mês, e depois foi a Colatina assinar os documentos de sua posse. Ao retornar, assumiu a agência imediatamente. À falta de sede própria, o correio começou a funcionar na nossa residência, passando, depois, para uma casa que comprei na rua principal. Um fato interessante é que o imóvel era particular, mas o correio não pagava o aluguel.

Marli, Ademir, Vergílio e Maria, quando Ademir foi estudar em Ibiraçu

Como eu disse, Maria era uma mulher à frente de sua época. Inteligente, curiosa e algumas vezes até autoritária. Gostava muito de ler, sobretudo jornais, principal meio de comunicação até então. Ouvia assiduamente o rádio e nunca perdia uma edição do “Repórter Esso” e nem da “Voz do Brasil”, pois queria sempre estar em dia com os acontecimentos. Ao trabalhar nos correios, sentiu que necessitava aprofundar os estudos e via, nesse momento, uma oportunidade perdida durante a infância, quando seu pai a retirou da escola para ajudar a família na lavoura. Muitas vezes, quando capinava o cafezal, no alto do morro, ela avistava as crianças indo para a

escola e sentia uma vontade enorme de fazer parte daquele grupo. Sentia um desejo intenso de aprender, de conhecer a história do mundo. Como não havia curso ginasial noturno, ela optou pelo ensino a distância, e fez o curso supletivo estudando à noite em casa. Eu sempre estava ao seu lado, auxiliando nas diversas matérias. Minha filha, Marilene, também a auxiliava nos exercícios de Matemática. Assim, com muita alegria, ela recebeu o diploma do curso ginasial. Maria sempre teve personalidade forte e muita sinceridade. Também era muito alegre. Lembro-me bem como estava feliz no casamento de nossa filha Nete (Marinete).

Eu e Maria no casamento de Nete e Geraldo Scaramussa, em 1975

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Minha família sempre foi participativa na comunidade e na igreja. E isso se deve muito a Maria, que era exigente com a educação das crianças. Os filhos foram todos crescendo, casando e a família foi aumentando. Começaram a vir os netos... Nossa primeira neta foi a Eliana (filha de Ademar e Vanilda). Nós nos reuníamos sempre nos fins de semana e aí, sim, a casa ficava lotada e era só diversão. Na escola também. Sempre no meu aniversário, os professores e alunos comemoravam e se reuniam para fazer uma festa. E era uma festa, imagine

quantos alunos... E Maria sempre me acompanhava nessas comemorações. A “Patroa” trabalhou durante muitos anos com dedicação e eficiência. Em 1975, o Departamento de Correios e Telégrafos tornou-se a Empresa de Correios e Telégrafos, e todos os funcionários acima de 50 anos foram convidados a se aposentar. Como os filhos estavam todos encaminhados e a oferta era vantajosa, Maria aderiu a esse programa. Em seu lugar, assumiu a minha filha caçula, Marilene Ana (Lena), aprovada em seu teste na Central dos Correios, em Vitória. Um ano depois, ela

Vergílio D. Bonella e sua esposa Maria, em 1981, em uma das comemorações do seu aniversário na Escola de 1º e 2º Graus “Atílio Vivácqua”

a vaga. Com a aprovação, tomou posse em 15 de junho de 1986 e trabalha até hoje nos Correios, na agência da Av. Leitão da Silva, em Vitória.

deixou o cargo, aprovada no concurso do Banco do Brasil, para trabalhar na agência do banco em São Gabriel da Palha. Foi a vez de minha filha Marli prestar exame em Vitória para ocupar

Sr. Vergílio e D. Maria no aniversário de 8 anos de Baby (Marlei)

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Vergílio Bonella e Maria T. Bonella, padrinhos de batismo de Lucas da Silva Bonella, filho de Ademir e Laurice Bonella em Poxoréo/ MT, em abril de 1983

Maria T. Bonella, já aposentada, passeando na Praça Nossa Senhora das Graças, em Vila Valério, em 1983.

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OS VERÕES EM GURIRI Maria já se aposentara, mas eu continuava trabalhando como diretor da Escola de 1º e 2º Graus Atílio Vivácqua, agora mais tranquilo por minha esposa gozar férias permanentes. Com isso, resolvemos comprar um lote na Praia de Guriri, em São Mateus, e construir uma casa para passar a temporada de verão. Por muitos anos, vivemos momentos maravilhosos naquele lugar. Na década de 70, Guriri era uma descoberta que começava a ser habitada. Quando construí a nossa casa, não havia energia nem água encanada. O que tinha, e em abundância, era muito mosquito. A água vinha de uma cisterna, por uma bomba manual, e nosso fogão era de duas bocas. Tudo era muito precário, mas valia a pena o sacrifício por um bom banho de mar. Mais tarde as coisas melhoraram: já tínhamos energia, água tratada e muitas construções vizinhas, entre elas as dos amigos de Vila Valério. Minha filha Lena (Marilene) comprou o lote ao lado do meu e construiu uma bela casa, mais espaçosa do que a nossa, dando oportunidade para estarmos todos juntos. Marinete morava em Eunápolis, na Bahia, mas, durante as férias, vinha assiduamente com os filhos passar o verão em nossa casa. Seu esposo, Geraldo, estava lá todos os finais de semana, e era uma viagem o trajeto de Eunápolis a Guriri. Marli e Baby (Marlei) moravam conosco, mas, como Marli trabalhava, só podia estar em Guriri nos fins de semana. Baby, no entanto, passava todo o período de férias conosco. Todos os netos queriam ficar com o vovô na praia, pois era sempre uma festa! Para satisfazer a todos, combinamos que Ady Gerson, Ademar, Adilson

Na rua de nossa casa em Guriri, havia muitas famílias de Vila Valério, como as famílias do Sr. Eurico Mielke e do Sr. Miguel Frota. Meus vizinhos eram Dalmo Oss, de um lado, e meu sobrinho Wilson Tavares, de Jaguaré, do outro. Era muito legal. Todos se conheciam. Passávamos uns pelos outros e convidávamos para ir à praia, no que se tornava uma grande irmandade.

jantar, líamos um capítulo da Bíblia. Eu e Maria fazíamos a interpretação do texto para nossos filhos e netos. Também rezávamos o terço em família. Aos poucos, foi construída a Igreja Católica em Guriri e, então, íamos ao culto às quartas-feiras e aos domingos, às 19 horas. Como janeiro era o mês do aniversário de Maria e de Marcello, meu neto, comemorávamos ambas as datas de uma só vez. Era uma festa muito bonita, a família toda se reunia. Foram muitas

Mas, mesmo na praia, tínhamos nosso momento de oração. À noite, após o

e Marta passariam, cada um, dez dias com a família na praia. Bons tempos... Acordávamos, tomávamos café – a tarefa de comprar o pão ficava sempre a cargo de um dos netos – e íamos direto para a orla, geralmente às sete horas da manhã para só voltarmos lá pelas 11 horas, para o almoço. Na maioria das vezes, eu ia à peixaria comprar peixe fresco e, nos finais de semana, sempre tínhamos moqueca, caranguejo e muito camarão frito. Depois do almoço, assistíamos ao jornal pela TV. Eu e Maria íamos descansar, mas os netos ficavam jogando bisca. Aliás, gostávamos muito de baralho e, quando eu e a “Patroa” participávamos, jogávamos três sete, e foi conosco que os netos aprenderam esse jogo, continuando uma tradição italiana. Depois do lanche da tarde, lá pelas 16 horas, com o sol mais ameno, íamos à praia de novo, e eu pegava onda com os meus netos, mas somente na maré baixa, pois em Guriri o mar é aberto, forte e feroz.

Eu e minha Maria em seu aniversário em Guriri

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ali, mas eu lhe disse: “Filha, aproveite essa oportunidade e vá. Eu, sua mãe e Baby ficaremos bem”. Ela atravessou o rio, em lágrimas, enquanto seu filho Marcello, tão inocente, desfrutava o passeio, louco para pular na água.

deixaria sozinhos naquele deserto. Sugeriu que eu deixasse o carro em Guriri e fôssemos no caminhão dele, Maria e Baby na cabine, com sua esposa Jacyra e sua filha Alcione, eu e seu filho Rogério na carroceria. Tudo acertado, levantamos de madrugada, preparamos um bom lanche para levar, sabendo que a viagem seria difícil. Havia muita água na pista e, em dado momento, pensei que não conseguiríamos passar, mas, enfim, chegamos a São Mateus. Para chegar até Vila Valério passamos por uma estrada de chão perigosíssima. O carro derrapou várias vezes, quase bateu num barranco, mas, graças às orações da minha Maria, chegamos em casa sãos e salvos.

Em Guriri, já deserta, faltava comida, mas dois dias depois da partida de Nete, eis que surge uma esperança: Augustinho Thomas, meu ex-aluno de Vila Valério, chegou lá em casa dizendo que tentaria passar pela ponte com o seu caminhão, um Mercedes 608, pois não tinha mais condição de continuar em Guriri, onde já estava faltando até água. Expliquei-lhe que não tinha como ir, pois meu carro não passava, a estrada estava toda tomada pela água, e ele respondeu que não nos Aniversário da minha Maria em Guriri - Eu, Maria e Baby (no meu colo). Da esquerda para a direita: Claudete Tavares (sobrinha), Marinete e Marilene (minhas filhas), Cilezi Petri (sobrinha) e Zelinda Andrade (amiga das minhas filhas)

festas de que me lembro com muita saudade. Guriri é uma ilha e, para chegarmos à praia, é preciso atravessar o Rio Cricaré. No início de fevereiro de 1979, começou a chover muito. As férias estavam no fim e muita gente já havia deixado Guriri, uma vila de veraneio de poucos moradores. Aproveitávamos a última semana, ainda na casa de praia, eu, Maria, Baby, que sempre nos acompanhava, Marinete, Marcello – com apenas um ano de idade – e a sua babá. Tínhamos que voltar para casa, mas chovia dia e noite sem parar. Segundo o noticiário na televisão,

chovia em todo o Estado. Colatina estava em baixo d’água, Guriri estava ilhada e nós, isolados. Marinete já combinara a data de retorno com o esposo, e o motorista viria buscá-la e ao filho. No dia combinado, tentei levá-los a São Mateus, mas meu carro, um Passat, não passava pela ponte, já submersa. Só era possível atravessar de canoa e ficamos aguardando para tomar uma decisão. De repente, chegou um canoeiro procurando por Marinete e informando que um carro a aguardava do outro lado. Ela começou a chorar, porque nos deixaria

Eu e meu irmão Joaquim Bonella

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MINHA GRANDE PERDA

Eu e meus irmãos (da esquerda para direita: Joaquim, Elisabeta e Carlota, no aniversário de Carlota em abril de 1986)

Eu e meu irmão José Bonella em 1997

Minha esposa não gozava de muita saúde. O reumatismo a atacava constantemente. Em 1960, eu a levei a Salto, São Paulo, para fazer um tratamento tido como revolucionário na época. Maria sofreu muito com essa terapia, espécie de queimadura nas juntas, mas o resultado foi muito bom e, durante muito tempo, ela não sentiu dores. Com o passar dos anos, outros problemas surgiram. No início, os médicos tratavam de sua hipertensão, e sua comida era regrada, completamente sem sal. Em 1984, Maria ficou muito mal, sua saúde piorava a cada dia, e fomos a Vitória, onde a internei no Hospital dos Funcionários Públicos do Espírito Santo. Os médicos diagnosticaram problemas cardíacos e, apesar do tratamento contínuo, ela enfraquecia cada vez mais. Em dezembro, ela melhorou e os médicos a liberaram para passar o Natal em casa e participar do casamento da nossa neta, Lianete, com Josimar Seda. A Nete foi a primeira neta a se casar e não poderíamos perder por nada esse casamento. O ano de 1985 foi muito difícil. Em janeiro, Maria retornou ao Hospital dos Servidores Públicos e sua saúde estava cada vez pior. Começamos a perceber, principalmente minha filha Lena, que Maria não respondia bem ao tratamento. Cansado, porque ainda trabalhava na direção da escola, eu passava uns dias em Vila Valério e outros ao lado de minha esposa. Tenho que agradecer às professoras e a todo o quadro de funcionários da escola pela compreensão diante das minhas dificuldades e pela solidariedade no meu sofrimento.

do-a para o Hospital Evangélico. Novos exames mostraram que Maria sofria de insuficiência renal. Durante nossa luta pela sobrevivência, os médicos, Dr. Ailton Torres e Drª Benedita (nefrologistas), foram muito atenciosos com Maria e todos os familiares. Mesmo com o diagnóstico correto, não havia resultado positivo. Ela perdeu um dos rins e passou a fazer hemodiálise duas vezes por semana no Hospital Evangélico. Com isso, ela passou a residir em Vitória, morando com Marilene e meu genro Vanderlei. E eu dividia o meu tempo entre Vitória e meu trabalho em Vila Valério.

Com o passar dos dias, Maria ficou cada vez mais fraca, não apresentando melhora. Os médicos não davam nenhuma explicação convincente, e resolvemos trocar de médico, transferin-

Como ela necessitava de cuidados especiais, minha neta Sidirléa, filha de Marta, veio nos ajudar, juntando-se a Baby, filha de Marli, que também, no início de 1985, passou a morar com 101


Marilene e Vanderlei, em Vitória, para ficar mais próxima da avó. Nossa luta era diária, com constantes idas ao hospital e todo o sofrimento com as sessões de hemodiálise, que a enfraqueciam cada dia mais. Minha Maria sentia muitas saudades da nossa casa em Vila Valério. Diante do quadro e das condições de saúde dela, os médicos sugeriram um novo tratamento capaz de realizar artificialmente a função dos rins, isto é, filtrar o sangue num aparelho doméstico de hemodiálise. Como esse procedimento estava sendo adotado em um hospital de Curitiba (PR) com muito sucesso, decidimos tentá-lo, mesmo havendo poucas pesquisas a seu respeito. Tínhamos esperança de que tudo daria certo. Em maio de 1985, os médicos de Curitiba vieram a Vitória e a operaram com sucesso. Ela continuava com o tratamento em casa, em Vitória. Tudo estava dando certo e a esperança aumentava. A meu ver, no entanto, esse tratamento ainda pouco pesquisado selou a sorte de minha mulher. Certa noite, ela começou a sentir dores horríveis e a levamos ao hospital. Depois de dias internada, os médicos diagnosticaram infecção hospitalar. Desse momento em diante, as condições só pioraram e passamos muitos dias e noites no hospital. Nos finais de semana, os filhos se reuniam para ficar com ela. Minha filha Nete veio da Bahia para revezar comigo, mas não arredava os pés do hospital. Maria reclamava de muitas dores, e já percebíamos que ela não aguentaria muito tempo. Os médicos nos alertaram

que já haviam utilizado todos os recursos possíveis, com resultados negativos. Só Deus para decidir sobre sua permanência na terra. Na madrugada de 11 de julho de 1985, ela nos deixou. Foi para o reino do céu, e um vazio muito grande tomou conta de mim. Achei que não conseguiria viver sem ela, privado da presença da minha querida “Patroa”. Que falta ela me fez... Ela me escutava e eu a ouvia... Vivemos juntos, sofremos juntos e juntos sonhamos. Trabalhávamos unidos, criamos nossos filhos com tamanho amor que só depois de casados deixaram nosso convívio, sem problemas de relacionamento. Não se passa um único dia sem que eu me lembre da sua morte e por ela faça minhas orações, assim como por Marinete, minha filha também falecida, e por meus pais. Fui um privilegiado: tive uma mulher companheira, amiga e buscadora de Deus. Mas ela se foi, e assim eu fui seguindo a minha vida. A Câmara dos Vereadores de São Gabriel homenageou Maria, após seu falecimento, pelo trabalho prestado à comunidade como agente postal dos correios. O projeto de batizar com o nome de Maria Tavares Bonella uma das ruas de Vila Valério foi apresentado pelo vereador Eurico Mielke e aprovado por todos. A rua localiza-se entre a Rua Dr. Valério e a Rua Rubens Lima, onde se encontra atualmente o prédio do correio. Agradeço a todos os vereadores e, principalmente, ao Sr. Eurico (in memoriam) pela brilhante ideia. Tendo em vista a pessoa batalhadora que ela foi, a homenagem foi muito merecida.

Maria T. Bonella no apartamento de Marilene Bonella em 1985, em Jardim da Penha, Vitória/ES

Em busca de novos horizontes Depois da perda da minha Maria, sentime muito só. Mesmo com a presença dos filhos, eu me via longe do mundo e acabei me casando novamente. Passei a residir em Colatina (ES) e lá permaneci por alguns anos. Naquela época, percebi que o tempo cuida da tristeza e nos dá força para seguir adiante. Porém, a saudade de Maria jamais me deixou. Mesmo casado, eu me sentia só, principalmente naquelas

circunstâncias em que eu mesmo havia me colocado, longe da minha família. Com o passar dos tempos, fui refletindo e percebendo que estava muito infeliz e que o vazio deixado por Maria jamais seria preenchido. A nova relação conjugal me afastava ainda mais dos meus familiares, pessoas que verdadeiramente me amavam. Enganei-me com a ilusão de que ao lado de outra mulher eu voltaria à mesma vida que tinha com a minha “Patroa”. 103


RETORNO AO SEIO DA FAMILIA Meu casamento acabou, e eu voltei ao convívio de meus filhos, noras, genros, netos e agora bisnetos, de onde eu nunca deveria ter saído. Em 2003, mudei-me para Vila Valério, para a casa de meu filho Ademar e sua esposa, Vanilda. E essa minha volta me trouxe ao passado, como se eu estivesse novamente com Maria ao meu lado, pois do meu pensamento ela nunca saiu. Na comunidade de Vila Valério, voltei a assistir às missas e participar dos festejos na Igreja de Nossa Senhora das Graças, a qual eu ajudei a construir. Passei a me dedicar mais às leituras e voltei a visitar as propriedades de Ademar e de Ady Gerson, ajudando meus netos na colheita do café. Também sempre reservei um tempo para visitar Ademir em Mato Grosso, passar temporadas com Lena e Vanderlei em Porto Seguro e com Adilson e sua família em Eunápolis. Quando estou em Eunápolis, eu e Adilson visitamos a fazenda dele e dos filhos todos os dias e contemplamos a criação de animais e a plantação de mamão. Sempre passo algum tempo em Linhares com a família de Marta, assim como reservo alguns dias para ficar com Marli, Baby e seu esposo, Rogerio, em Vitória. Marli e Baby sempre me acompanham nos tratamentos médicos. Quando estou em Vila Valério, olho para aquelas terras, e meus olhos se enchem de lágrimas. Foi lá que tudo começou, o grande sonho de ter um pedaço de terra meu, e hoje vejo meus filhos Ady Gerson e Ademar, netos e bisnetos

naquele mesmo cantinho onde tudo se iniciou, colhendo os frutos tão sonhados. Hoje, estou muito feliz, tive 8 filhos, 30 netos e 43 bisnetos. Meu filho Ady Gerson casou-se com Aparecida Moraes e tiveram 5 filhos: Admilson, Robson, Wilson, William e Renato; Ademar casou-se com Vanilda Favatto e tiveram 6 filhas: Eliana, Lianete, Edilene, Idalina Maria, Luciana e Geovana; Adilson casou-se com Carmelita Grobério e tiveram 6 filhos: Rita, Rosa Maria, Rosilene, Reginéia, Roberto e Reginaldo e ainda Solange. Hoje Adilson vive com Luciana com quem teve mais 2 filhos: Mateus e Marina; Marta casouse com Pedro Miranda e tiveram 5 filhos: Sidirléa, Sidirlene, Rosângela, Wanderson e Tatiane; Marli teve Marlei (Baby); Marinete casou-se com Geraldo Scaramussa e tiveram Marcello e Breno; Ademir casou-se com Laurice Rodrigues da Silva e tiveram Lucas e Vitor; e Lena casou-se com Vanderlei José Louzada. Hoje estou sempre com minha família, e cada aniversário que comemoro é um encontro de grandes alegrias e fortes emoções.

Vergilio Bonella com seus filhos Ady Gerson, Ademar, Adilson, Lena, Nete, Marli e Marta em Vila Valério, no seu aniversário de 85 anos

Vergilio com seus filhos Ady Gerson, Lena, Adilson, Marli, Ademir, Nete e Ademar em Vila Valério, no natal de 2005

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Outra grande perda A vida oferece momentos de fraternidade e alegria, mas também momentos difíceis, que nos exigem força e união, principalmente da família. Em fevereiro de 1998, minha filha Marinete e seu esposo Geraldo foram passar uns dias em Paragominas (PA), na casa dos irmãos do Geraldo, e Nete sofreu um acidente grave de carro, ficando em coma por mais de dois meses num hospital em Belém (PA). Quando ela estava mais forte, conseguimos transferi-la para o hospital Santa Rita, em Vitória, mas ainda se encontrava em coma, tanto que veio de UTI aérea, com todos os cuidados possíveis. No Hospital Santa Rita, ela ainda permaneceu por quase três meses. No acidente, ela perdeu parte do intestino, o que exigiu uma colostomia, e sofreu traumatismo craniano, responsável por várias sequelas, como a perda da memória. Depois do acidente, ela nunca mais foi a mesma. Antes era uma pessoa animada, alegre, festeira, que gostava de sair, ir a festas; agora só queria ficar em casa, fazendo palavras cruzadas, na tentativa de vencer a perda de memória, para que as boas lembranças permanecessem junto a ela. Ela também não conseguiu recuperar o peso, em consequência da perda de

parte do intestino, permanecendo com a bolsa de colostomia por oito meses. Guerreira, entretanto, como a mãe, minha querida “Patroa”, ela resistiu e aceitou a vida com o que ela trouxe, mesmo reclamando de dores nas costas, que a incomodavam muito. Em abril de 2003, essas dores aumentaram mais e mais e surgiram feridas em seu corpo, devolvendo-nos a preocupação com sua saúde. Vários exames foram feitos e nada foi diagnosticado. A princípio, constatou-se que as feridas deviam-se à intoxicação medicamentosa depois dos inúmeros remédios ingeridos em consequência do acidente. As dores nas costas continuavam, e um exame de ressonância magnética foi feito, detectando nódulos na coluna. Em setembro desse mesmo ano, foi realizada uma cirurgia para remoção desses nódulos, porém os ferimentos pelo corpo só aumentavam. Por fim, um diagnóstico terrível: ela tinha Linfoma de Hodkin, um tipo de câncer muito invasivo. Foram tempos de muita luta para vencer essa doença funesta, muitos dias no hospital, outros em casa, com a família, e ela tentando se recuperar, encarando a doença com força e coragem e procurando ficar mais forte, ainda mais que aguardávamos com ansiedade o casamento de minha neta Baby (Marlei) com Rogerio.

Baby fez questão de que Nete a acompanhasse em todos os preparativos do casamento, já que a tia precisava de estímulos, de coisas novas em sua vida. Ao mesmo tempo Baby, Marli, Lena, Breno, Marcello e Geraldo a acompanhavam nas intermináveis sessões de quimiooterapia, partilhando cada momento com muita ternura e força. Marinete se preparou toda para o casamento da Baby, no qual foi madrinha. Vaidosa e se cuidando muito, como nós sempre a conhecemos, naquele dia estava radiante com o acontecimento. Nós todos lutamos pela sua saúde, principalmente as irmãs, Marta, Marli e Lena, que sempre se revezavam para estar ao seu lado o tempo todo. Em 2005, ela foi continuar o tratamento no Hospital São Paulo, na cidade de mesmo nome, na esperança de voltar curada. Seu esposo, Geraldo, alugou um apartamento na Vila Clementino e se revezava com Lena nos cuidados com Nete, porque ela passava dias no hospital e dias no apartamento. Os médicos resolveram fazer um transplante de medula, no caso dela, um autotransplante, com suas próprias células. Nesse período, ela foi transferida para o Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, na Grande São Paulo, onde ficou por mais de dois meses. O transplante foi um sucesso e ela resistiu bem, mas continuou em São Paulo para finalizar o tratamento. Infelizmente, as reações adversas foram surgindo

e o tratamento em São Paulo já não dava resultado. Em maio de 2006, ela retornou a Vitória, já sem muita esperança. Ao longo dessa luta pela vida, meus filhos a acompanharam, porque eu não tinha condições emocionais para ver minha filha naquele tratamento e situação tão delicada. E novamente um vazio tomou conta de mim. Nunca pensei em enterrar um filho, e eis que a vida me leva a passar por esse sofrimento. Nete faleceu na madrugada do dia 10 de setembro de 2006. É muito triste para um pai essa perda, mas reconheço que Nete descansou, depois de ter sofrido tanto e lutado com todas as forças para continuar entre nós. Deus a quis no seu reino e tenho certeza de que ela está num bom lugar, ao lado da mãe, a minha amada Maria. Sempre me lembro delas em minhas orações, e permaneço aqui, pelo tempo que quiser o Nosso Pai Celestial, cuidando dos meus filhos e netos e praticando o amor que nos une também no sofrimento. O sofrimento de Nete, conquanto muito dolorido para todos nós, permitiu-me perceber a união da minha família, tanto na oração quando pedíamos pela saúde dela, quanto na presença e solidariedade de todos que a acompanharam até o último dia. Nesses momentos, agradeci a Deus pela minha família, pelos valores que transmiti a eles e pela união de todos.

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MEU CORAÇÃO NOS PREGA UM SUSTO Em maio de 2007, estava em Vila Valério e me sentia muito fraco, com dificuldades de respirar. Ademar ligou para Marli e providenciou minha ida a Vitória. Era uma segunda-feira e, como Marli estava trabalhando e só conseguiu marcar consulta com o cardiologista na terça pela manhã, Rogerio me levou para sua casa. Percebendo que eu não estava bem, ligou para Baby e pediu-lhe que viesse almoçar em casa. Já que nesse dia ela estava trabalhando no consultório odontológico no Hospital Vitória Apart, ele pediu que ela marcasse consulta com um cardiologista lá, no mesmo dia.

Vergílio Bonella com suas filhas no natal de 2007 em Vila Valério. Da esquerda para a direita Marilene, Vergílio, Marli e Marta

Ela veio almoçar e achou a minha respiração ofegante. Já havia marcado a consulta e me levou com ela ao trabalho, na volta do almoço. Como a consulta era às 15 horas, esperei que ela atendesse a seus pacientes. Após a consulta e eletrocardiograma com Dr. Jorge Wilian Gadioli, ele (o médico) não me deixou ir embora. Chamando Baby, disse-lhe que por pouco eu não havia morrido, que meu coração estava muito fraco e precisava urgentemente de uma cirurgia para instalação de um marca-passo. Garantiu que do consultório eu só sairia para a UTI daquele hospital, e depois direto para a cirurgia. Abracei Baby com o coração ainda mais aflito e ofegante e lhe disse que não queria morrer. Manifestei meu enorme medo e minha preocupação quanto ao custo da cirurgia do marcapasso. Ela me confortou, dizendo que eu me acalmasse e ficasse tranquilo, que ela resolveria tudo, e que minha

saúde não tinha preço. Primeiramente ligou para seu esposo, Rogerio, depois para o Breno que, em breve, estaria também ao meu lado, e pediu à sua secretária que desmarcasse todos os pacientes. Conversou com o Dr. Jorge Wilian Gadioli, que foi muito atencioso e me transferiu para a UTI do Vitória Apart. Como é bom, nesses momentos, poder contar com os amigos! Baby tem um amigo cardiologista chamado Arnaldo Leal Jr. Eles foram colegas na época do cursinho pré-vestibular. Logo após meu diagnóstico, ela telefonou para ele que, no mesmo instante, ligou para o Dr. Jorge. Ele e Baby conseguiram que toda a minha cirurgia fosse realizada pelo SUS e marcada já para a quarta-feira seguinte no Hospital Evangélico de Vila Velha. Naquela noite, dormi na UTI do Vitória Apart Hospital e Marli me acompanhou. Rezei muito e pedi a Deus que iluminasse os médicos. A 109


todo momento meus batimentos e frequência cardíaca eram monitorados. A essas alturas, todos os meus filhos já sabiam do ocorrido e se preparavam para vir a Vitória. Na terça-feira, fui transferido para o Hospital Evangélico, em Vila Velha, e, na quarta-feira, realizou-se a cirurgia de instalação do marca-passo. Baby me acompanhou durante toda a cirurgia, pois eu estava com muito medo. Sempre achamos que depois de velhos estamos preparados para

a morte. Puro engano, o pensamento que estava em minha mente naquele momento era que eu ainda queria viver muito, que tinha muito que contar. Deus ouviu as minhas preces e tudo deu certo. No sábado, já estava na casa de Marli com Lena, Vanderlei e Marta e muitos outros ao meu lado. Em fevereiro de 2011, fui morar com minha filha Lena e Vanderlei em Porto Seguro. Vamos à praia e nos levantamos cedo para pescar.

Vanderlei e Vergilio pescando em Porto Seguro - BA

Vergílio, três dias após a cirurgia de instalação do marca-passo, com Marta, Marli e Baby em Vitória

É uma maravilha todos aqueles peixes fritos na hora, não há coisa melhor. Eu nem vejo o tempo passar... Também fiz uma horta, na qual planto rúcula,

alface, tomate e temperos verdes. Enfim, estou vivendo, tenho minhas atividades, o que me mantém em plena forma. 111


90 ANOS: CELEBRANDO A VIDA! Durante certo tempo, andei afastado de meus filhos e netos queridos, às voltas com um segundo casamento que não me abençoou como eu pensava no início. Mas um homem tão apegado aos seus, como sempre fui, não consegue passar muito tempo isolado da família que constituiu. E foi assim que me reaproximei de meus queridos e, desde então, em todos os aniversários, desde os 80 anos de idade, tenho festa agendada, promovida por eles. Como sou considerado por todos o esteio da família, essas comemorações são também eventos de reunião e confraternização. Nenhum Bonella assume outro compromisso para esse dia. No dia 19 de julho de 2003, num sábado, meus filhos e seus familiares reuniram-se no Córrego Lambari para comemorar meu aniversário de 85 anos. Nesse dia, combinaram de fazer a grande festa dos meus 90 anos. Aguardávamos com empolgação essa data, mas nunca deixamos passar em branco o festejo de cada nova primavera. Meu aniversário de 89 anos, por exemplo, foi comemorado na Bahia, na fazenda do meu filho Adilson. A grande festa, tão aguardada, começou já no início de 2008, com o empenho de todos. Eliana, Ademilson e Lena encarregaram-se dos preparativos; Edilene, Lene e Rita, da celebração; Baby ficou responsável pela confecção dos convites. Eu me reuni com meus filhos, que me auxiliaram na lista dos convidados. Fiz questão de convidar todos os amigos que acompanharam a minha trajetória de vida, todos os meus parentes e ex-alunos. Infelizmente, muitos companheiros de

grandes momentos, desafios e vitórias não estão mais entre nós, como Oriente Pezzin. Já com meu primo Chiqueto, um grande amigo de longa data, posso comemorar todos os anos esse reencontro. Na semana em que meus filhos preparavam a linda festa no Clube de Dourados, o meu coração se enchia de júbilo. Alguns propunham promovê-la em Córrego Lambari, outros sugeriram que fosse em Vila Valério, mas a proposta que vingou foi a de Dourados. Quem encabeçou a iniciativa foi Lena, juntamente com Marli. Deu um trabalhão contatar todos os familiares, entre eles, sobrinhos de meus irmãos, muitos dos quais havia muitos anos eu não via. Lena chegou uma semana antes. Muitos outros chegaram com dois dias de antecedência, mas todos se dedicaram de corpo e alma à organização da festa. Esta família maravilhosa que eu comecei há tantos anos se incumbiu de cada detalhe, do que se havia de comprar,

Vergílio com os filhos Marta, Marli, Lena, Ademar, Ady Gerson e Adilson no seu aniversário de 89 anos em Eunápolis, na Bahia

Vergílio e seus netos no seu aniversário de 89 anos em Eunápolis, Bahia

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Vergílio com seus filhos, netos e bisnetos no aniversário de 89 anos em Eunápolis, Bahia

das cozinheiras para o preparo do almoço, da ornamentação do salão, dos agendamentos e contatos para que ninguém faltasse. No dia da festa, acordei cedo, ou melhor, acho que nem dormi de tanta ansiedade. Quando entrei no clube, muitos convidados também já haviam chegado e cada abraço e cumprimento foi um momento de muita emoção, por vezes de desafio: tive que parar por algum tempo e buscar no fundo da memória para reconhecer muitos ali. Também, depois de tantos anos... Eu era pura e constante emoção: a

cada minuto chegava um amigo, um ex-aluno que havia muitos anos eu não via. Foi uma grande homenagem, e sempre alguém da família me acompanhou a cada minuto, com medo de eu não aguentar a intensidade daqueles instantes. Um momento de muita alegria foi a chegada dos meus sobrinhos de Alfredo Chaves e Vitória, num ônibus. Quando me anunciaram que essa turma de entes queridos havia chegado e queria me abraçar, eu fiquei muito comovido. E meus parentes não fizeram por menos. Saíram todos do ônibus cantando a música:

Meus sobrinhos de Alfredo Chaves e Vitória chegando para o meu aniversário

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Tio Vergilio, cadê você! Eu vim aqui só pra te ver! Eu vim de longe... Achei difícil a viagem até aqui Mas eu cheguei! Mas eu cheguei! Homenagem prestada pelos sobrinhos à Vergilio Bonella em seu aniversário de 90 anos.

E lá estavam todos eles, filhos, noras, genros, netos, bisnetos. Não faltou ninguém. Meus sobrinhos, mesmo os filhos de meus irmãos já falecidos, estavam lá: os filhos de Joaquim e de Carlota, de José, de Cecília, de Elisa. Velhos amigos, parceiros de momentos cruciais de luta em prol do crescimento de Vila Valério. Estavam todos lá, nesse encontro festivo e cordial que durou o dia inteiro. Antes do almoço, foi realizada uma missa durante a qual se registraram grandes homenagens e depoimentos de antigos alunos, que me tocaram no fundo da alma. À medida que eu me

aproximava do altar, no momento da celebração, mais bonita aquela festa ia se tornando aos meus olhos felizes. Na celebração preparada por meus netos e realizada pelo padre Romário, meu vizinho, com a participação dos convidados, as bisnetas me prestaram uma bela homenagem. Mas o momento mais emocionante foi quando o padre, por ser novato em Vila Valério e ter me conhecido apenas dois meses antes, preferiu solicitar que alguém, entre os presentes, falasse algo sobre mim. Aí é que meu coração quase não aguentou. Meus amigos, meus ex-alunos, meus sobrinhos, todos falaram tanta coisa bonita, depoimentos que me trouxeram à cena presente fatos de que eu nem me lembrava mais. Um deles, Geraldo Moreira, também meu primo, mora no Rio de Janeiro e veio de longe com a irmã Mercedes Moreira manifestar o seu apreço. Meus ex-alunos falavam da sua admiração e seu carinho por mim e do quanto haviam aprendido comigo. Eu não fazia ideia do quanto era querido, amado por todas aquelas pessoas. Isso não tem preço! Era tamanha a demonstração de gratidão e carinho que eu não conseguia segurar as lágrimas de alegria. Eu estava tão emocionado que nem conseguia falar para agradecer as homenagens que os filhos, netos, bisnetos e amigos me prestaram. Além disso, alguns de meus bisnetos trouxeram pequenos cartazes com os dizeres “paizão”, “trabalhador”, “sábio”, “humilde”, “amoroso”, “paciente” e “este é o meu vovô”. Após a missa, foi servido o almoço,

depois cortamos o bolo com os tradicionais parabéns e a festa durou até a noite, animada por uma banda. Essa festa foi para mim uma realização especial. Saber que completei 90 anos ao lado de minha família e com tantos amigos é realmente uma graça de Deus. Quem não ficaria emocionado, ao ver tantas demonstrações de afeto e vitória, naquela festa tão bem preparada? Minha emoção não tinha tamanho quando vi tudo enfeitado, o local cheio de bolas de aniversário, minha foto na mesa, tanta gente querida junta. O reconhecimento dos filhos e netos, tanto os mais próximos quanto aqueles que não vivem em Vila Valério, era uma voz que me falava ao coração. Muita coisa me veio à mente naquele momento: como eu poderia agradecer a Deus por ter chegado àquela idade e provar a presença festiva de todos? Naquele momento meu coração encheuse de lembranças, e me pus a pensar

também nos que ali não estavam: minha filha Nete e minha primeira esposa, Maria. A falta de minha esposa, no entanto, fazia imaginar quão bom seria se eu pudesse comemorar com ela esse feito de ter chegado aos 90 anos em companhia dos nossos filhos, netos e bisnetos, frutos de nossa união. Mas, pela vontade de Deus, eu permaneci aqui, com todos, vivendo cada momento com perseverança, fé e amor, orientando meus netos na lavoura e na vida, ou incentivando bisnetos no estudo. Ao contemplar todos ali, naquele momento comemorativo, de tantas alegrias, percebi o quanto era e sou feliz, e o quanto Deus sempre foi bom para mim, permitindo que eu estivesse ali ao lado de toda a família e amigos. Neste momento, diante da oportunidade de escrever a minha história, sintome grato.

Aniversário de 90 aos de idade em Vila Valério, em 19 de julho de 2008

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Vergílio Bonella com seus filhos Ady Gerson, Lena, Ademir, Marli, Marta, Ademar e Adilson

Vergílio Bonella com a família do seu filho Ady Gerson

Vergílio Bonella com a família de seu filho Adilson

Vergílio Bonella com a família do seu filho Ademar

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Vergílio Bonella com a família da sua filha Marta

Vergílio Bonella com a família de sua filha Marli: Marlei e Rogerio

Vergílio Bonella com a família do seu filho Ademir. Da esquerda para a direita: Vitor, Ademir, Lucas e Laurice, esposa de Ademir

Vergílio Bonella com sua filha caçula, Lena, e esposo Vanderlei

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Vergílio Bonella com Marcello (filho de Nete e Geraldo Scaramussa), sua esposa Natália e sua filha Marcella

Vergílio Bonella com seu neto Breno (filho de Nete e Geraldo Scaramussa) com sua esposa Francine e seu filho Tiago ao fundo

Vergílio Bonella com seus primeiros alunos na sua festa de 90 anos. Da esquerda para direita: Eliete Canci, Carmelita Grobério Bonella, Marta Bonella, Vergilio Bonella, Ady Gerson Bonella, Adilson Bonella, Ademar Bonella, Vanilda Favatto Bonella, Joventino de Deus, Leandro Mação, Anildo Grobério, Atelino Camporez, Pergentino Izoton, Celina Izoton Almeida, Anacleto Vilela, Geraldo Moreira e Agostinho Izoton.

Vergílio Bonella com seus amigos de longa data, desde a construção de Vila Valerio, Sra. e Sr. Martin Strey

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Vergílio Bonella com sua comadre Helena Lenzi e Inês Borghi, ambas amigas de longa data

Vergílio Bonella na festa da Família Tavares (da sua esposa Maria) Da esquerda para direita: sua cunhada Maria Passamani Tavares, esposa de Nelson Tavares, e Iolanda Tavares Petri, irmã de Maria Tavares, e seu sobrinho Neni (filho de sua cunhada Leonor Tavares).

Vergílio Bonella com os amigos Lair e José Nunes

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RETORNO AO COLÉGIO DE JACIGUÁ APÓS 80 ANOS Todas as vezes que vou à Vitória, geralmente fico hospedado na casa de minha neta Marlei (Baby) e seu esposo Rogerio. Eu e Rogerio sempre conversamos muito e ele gosta que eu conte sobre minha vida, principalmente a respeito da minha juventude. Numa dessas conversas, Rogerio teve a criativa ideia de voltarmos a Jaciguá. Há muito tempo, ele fala para mim que iria me levar lá para relembrarmos os momentos e também para vermos como se encontrava o local. Em setembro de 2009, estava eu na casa de Marlei e Rogerio, pois tinha ido a Vitória fazer minhas revisões nos médicos de acompanhamento clínico, e Rogerio, então, combinou com Marlei e Marli de irmos, no sábado, dia 12 de setembro, a Jaciguá (antigo colégio Salesiano). Eu fiquei feliz com a ideia e não via a hora de chegar o sábado. Pela manhã, nesse dia, eu estava na casa de Marli, e então Rogerio e Baby nos pegaram e seguimos, lá pelas oito horas da manhã, rumo a Jaciguá. Quando chegamos, que emoção! Revivi os tempos em que tinha sete anos e fiquei ali por quatro anos, estudando e aprendendo. O colégio ainda é o mesmo. Conservou sua arquitetura, um colégio grande. Só que agora se encontra desativado. Pertence à Diocese de Cachoeiro de Itapemirim. Nesse sábado de nossa visita, estava sendo realizado um encontro de casais. A igreja usa o local para encontro de casais nos fins de

semana, e também para retiros. Fui recebido por um senhor que era coordenador do encontro de casais, e permitiu que nós (eu, minha filha Marli, Baby e Rogerio) visitássemos as dependências do colégio. Eu relembrando cada pedacinho daquela escola...

Vergílio retornando ao Colégio de Jaciguá em setembro de 2008 (onde estudou há 80 anos)

Visitei cada cômodo, contando a eles cada momento que relembrei daqueles anos que vivi ali... Cada cômodo tinha, para mim, uma magia! A sala de aula, o refeitório, o sino tocando... para descermos do andar do aposento e irmos para a aula. Eu, muitas vezes, acordava cedo e ficava da janela do quarto, próxima à minha cama, observando o céu pela manhã e ouvindo o barulho da cachoeira ao lado, onde muitos domingos tomávamos banho no fim da tarde. Tardes alegres e de muitas brincadeiras. Quando o sino tocava, descíamos para a sala de aula...

Vergílio com Rogerio (que sempre quis que o vovô retornasse a Jaciguá), o mentor da viagem

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Vergílio com Marli e Baby no pátio do colégio onde muitas vezes ele jogou bola e brincou com os colegas

Vergílio Bonella e a cachoeira onde ele brincava e tomava banho com seus colegas quando tinha oito anos de idade

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Vergílio Bonella no quarto em que dormia quando estudou no colégio de Jaciguá, entre os anos de 1826 e 1930

Vergílio Bonella explicando à sua neta Baby (no lavatório), como era no tempo em que estudou ali

E ouvia o sino tocar... Ainda é o mesmo

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Vergílio Bonella olhando da janela do quarto onde muitas vezes ficou admirando a paisagem e esperando o sinal para a aula

Voltar a Jaciguá foi um presente especial para mim. Pude recordar os tempos que passei ali, ainda muito menino, as aulas, a educação, a disciplina e a amizade com os outros garotos. Estávamos sozinhos, longe de nossos pais, de nossas casas e de nossos irmãos. Tudo que vivi ali serviu de base para eu ser quem sou hoje. Nos tempos de Jaciguá, a convivência com os padres e também com os professores fez-me enxergar que a vida era muito mais do que a terra que meus pais tinham... Havia um mundo de aprendizado, de historias para eu aprender, um mundo de novidades. Eu queria estudar mais.

Hoje, sou quem eu sou, pela educação que tive, por tudo que obtive na vida e pela graça de Deus, por tudo que plantei e colhi. Retornar a Jaciguá me mostrou o quanto foram importantes aqueles anos ali, de estudos, de saudades da família... mas, valeu a pena cada sofrimento. Tudo que aprendi ali e o que vivi, mesmo ainda muito novo (12 anos), fez-me ver que o meu caminho não era o de sacerdote; eu queria construir uma família e queria mais. A vida em Jaciguá me inspirou a descobrir que meu caminho era o de ensinar: SER PROFESSOR.

Vergílio Bonella em seu aniversário de 90 anos de idade

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