ue ensar em Q T P Bazinga!
Guerra de Ilustrações em Londrina
Eureka!
Um pioneiro da imprensa londrinense Pimba!
Shazam!
Históri as de personagens do “Our o Verde”
A hora mágica do cinema Amém!
Um bosque em perigo
Editorial
Expediente Textos e edição
Juliana Benetti Juliana Mastelini Moyses Lucas Martins Marielli Baratto Mayara Sonchini
Diagramação
Juliana Benetti Juliana Mastelini Moyses Lucas Martins Marielli Baratto
Disciplina
Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa Jornalística III
Professor
Lauriano Benazzi Revista produzida pelo 3° ano do curso de Jornalismo matutino da UEL
“Tem que Pensar.” Sim, é um nome, digamos... sugestivo. Esta revista é o resultado da última atividade das aulas de Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa Jornalística III, que nós, alunos do terceiro ano matutino de Jornalismo da UEL, frequentamos desde o começo do ano. Se você acha que já viu esse nome por aí é porque chegou a frequentar nosso blog — também chamado Tem que Pensar—, lançado no início das atividades da disciplina de Técnicas de Reportagem. Aqui, escolhemos os melhores artigos e crônicas do site, produzimos muito material novo, e o resultado é o que você vê agora: a evolução do blog, uma revista inteiramente produzida por nós, da primeira à última linha. Enquanto selecionávamos o material, tivemos muito cuidado para escolher textos de todas as naturezas e pontos de vista, com o objetivo de dar pluralismo à revista e agradar — na medida do possível — gregos e troianos.
O material que você está prestes a ler reflete o estilo literário e interesses que cada aspirante a jornalista adquiriu ao longo desses três anos nas salas e corredores do CECA. E não apenas os textos: cada cor e cada detalhe da diagramação — enfim, absolutamente tudo — é resultado do que andamos aprendendo nas aulas e no cotidiano. O carro-chefe da revista são as cinco grande reportagens que produzimos durante os últimos meses de 2011. Trata-se de textos maiores, de fôlego, mais complexos e reflexivos, que abordam ângulos de Londrina até então pouco ou nada explorados, lados da cidade que podem surpreender até os londrinenses mais antigos. O objetivo das matérias não é apenas surpreender o leitor, mas fazer pensar. Se formos bem sucedidos, então teremos feito jus ao nome da revista. Sente-se em um lugar confortável, prepare os neurônios para funcionar, e boa leitura.
SUMÁRIO Crônicas O terno vermelho - pág. 5 Será que é justo? - pág. 6 Sentidos à flor da pele - pág. 20 Tempo, φορά... - pág. 27 Um monstro de quatro rodas - pág. 37 Baby, você é tão boa sendo ruim - pág. 38
Artigos A farda como sinônimo de herói pág. 8 O que falta ainda fazer pág. 18 Trânsito Caótico pág.26 O mito de Truman Capote pág. 48 Paixão Nacional pág. 47
Reportagens Colunas
Funeral das árvores pág. 9 Uma Batalha Imagética pág. 21
pág. 42
Sabores pág. 46
No Coração do Ouro Verde pág. 29 Breves Lembranças de Quem Audou a Construir o Jornalismo em Londrina pág - 40 Cineclube: A Hora Mágica pág. 44
O terno
vermelho Juliana Benetti
Seu Antônio sempre teve uma vida tranquila e simples. Quando nasceu, era mais um de oito irmãos. Foi alfabetizado em uma escola católica, mas nunca terminou os estudos porque seu pai sempre lhe disse que homem de verdade não deve estudar, e sim aprender um ofício. Seu Antônio então decidiu virar alfaiate, e aos vinte anos se casou com Dona Margarida, uma mulher simples e de bom coração. Juntos tiveram quatro filhos e levavam a vida de forma humilde, além de ir todos os domingos à igreja. Era uma tarde de sábado como qualquer outra e Seu Antônio pensava sobre a vida enquanto trabalhava em um terno vermelho que um cliente encomendou. “Nunca vi ninguém usando terno dessa cor”, pensou Antônio enquanto o cliente desenrolava o tecido em cima do balcão da loja. Não fez nenhum comentário, apenas pegou os alfinetes, tirou as medidas do estranho rapaz e disse que entregaria o terno em uma semana. No mesmo dia, contou à sua esposa sobre a visita, que se limitou a comentar enquanto cozinhava o macarrão e o molho vermelho para o jantar “Deve ser moda hoje em dia, você sabe como são essas coisas”. Seu Antônio reparou que Dona Margarida usava um anel de esmeralda
e desconfiou, pois nunca havia visto a esposa se enfeitar, muito menos sabia do tal do anel, que nunca teve dinheiro o bastante para comprar. Na data combinada o cliente apareceu, pagou o alfaiate e levou o terno embora sem ao menos provar. Seu Antônio entrou em sua casa, que ficava atrás de seu atelier, e encontrou Margarida arrumando algumas sacolas com roupas, muitas roupas. Ela ficou nervosa ao ver o marido e disse “Vou lavar as roupas na vizinha, a torneira aqui de casa está cheia de problema e lá tem mais espaço para limpar tudo...”. Seu Antônio reparou que a esposa usava, além do anel, um colar de pérolas. Perguntou o que era aquilo, ela disse que era herança da mãe. Antônio não se importou, afinal, nesses trinta anos de casamento, Margarida sempre foi muito boa com todo mundo, só não entendia por que ela andava se enfeitando tanto para ficar em casa. “Deve ser alguma fase, essas coisas batem quando chega certa idade...” pensou, pegou uma xícara de café e voltou ao trabalho.
z No dia seguinte, Seu Antônio acordou sozinho. Sem entender
direito o que estava acontecendo, encontrou um bilhete na cômoda ao lado da cama dizendo “Antônio, arranjei outro homem, alguém que pode me dar o que você nunca me deu. Não me entenda mal, eu sempre vou te amar, mas minha vida tomou outros rumos. Sempre sua, Margarida”. Antônio ficou desolado. Achou que conhecia a companheira, mas acabou abandonado. Tentou se recompor, pois tinha que trabalhar. Abriu a alfaiataria, enxugou as lágrimas e ligou o rádio, que transmitia uma nota sobre um assassinato que havia acontecido de madrugada, não muito longe dali “...foi encontrado o corpo de uma mulher atrás da igreja matriz da cidade. Ainda não identificada, ela usava um vestido florido, um anel de esmeralda e um colar de pérolas. Testemunhas dizem que ela foi morta a tiros por um rapaz de terno vermelho, que fugiu com um fusca amarelo. Qualquer informação sobre o caso, ligue para...”.
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Será que é justo?
por Juliana Mastelini Moyses
A comemoração do Ano Novo fora como as dos anos anteriores: os velhos mortos de sono, as crianças em festa pelo reencontro dos primos, e a bebedeira de uns muitos, enquanto Téo passava longe até da Coca-Cola. Os problemas de coração, diabetes e pressão alta de anos atrás lhe fizeram abandonar, ao menos em parte, os abusos de churrascos e cervejadas tão comuns antes. Nem Coca-Cola ele podia, ficava então no suquinho de maracujá sem açúcar. Mas ele nem ligava, sabia que era o preço a ser pago em troca da própria vida. O chato é que enquanto os outros achavam tudo engraçadíssimo, embriagados pelas porcentagens de álcool da champanhe e das cervejas, Téo, assim como as crianças, não estava anestesiado e tinha os sentidos muito bem apurados para perceber o mundo sem mediações ou coisas assim. Mas se a champanhe embriagava os adultos, as estrelinhas artificiais brilhando no céu embriagavam as crianças, algumas delas presenciando a cena pela primeira vez, ou, se já haviam visto, a memória arquivava a cena pela primeira vez. A mágica das luzes que começara
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no natal, com as árvores, os presentes, as comidas. Os brinquedos que irradiavam sons e luzes eram os mais disputados, eles traziam um pedacinho do céu todo enfeitado para a noite que dava as boas vindas para o ano. Foi pela lucidez de Téo que seu carro foi o único a deixar a casa naquela noite. Noite gostosa de tempo agradável, até um pouco fresco, mesmo porque já eram altas horas da madrugada e o novo ano precisava respirar fundo para ativar os pulmões. As luzes ainda piscavam no céu em estrelas que se multiplicavam em milhares de pontos fazendo cócegas no céu para alcançar as verdadeiras luzes da noite. Ao contrário do chão, onde tudo era escuro e perigoso para os que se aventuram destemidos pela madrugada do primeiro dia do ano. E foi num lugar assim, de pouca luz, pouca iluminação e uma curva proposital que os moços de uniformes de um bege quase marrom estavam vigiando os motoristas que passavam. A menor alegria à flor da pele era motivo de desconfiança e a tentativa de atingir a cota da blitz iniciada na semana anterior com a comemoração do nascimento do menino Jesus.
Um carro sim, um carro não, essa era a lógica dos fardados, desde que não houvesse uma figura da qual a suspeita estava às caras. Foi o que pensaram de Téo quando avistaram o modelo prata sedan 2001: a família inteira, pai, mãe e filhos, o cara não ia deixar de beber uma taça que fosse de champanhe, nem que fosse só para comemorar com a família todo reunida. Ao se debruçar sobre o carro, percebeu a alegria dos passageiros e também a apreensão pelo policial ali os interrogando. Pontos a mais para a suspeita. Os procedimentos de sempre: os equipamentos de segurança, os documentos, o funcionamento do carro. Por fim a pergunta inesperada, de cuja resposta dependia o desfecho daquela noite: “o senhor bebeu?” O policial aguardava a única palavra que os livraria da blitz, um simples não era necessário para que ele liberasse a família com a qual simpatizara. Cansado da monotonia da noite até então, resolveu dar uma de engraçado e brincar com o guarda com cara de poucos amigos: “Eu estava lá com a minha família, bebemos três grades de cerveja”. “O quê?” Foi logo tirando o bafômetro da bolsa fixada em sua cintura e pediu para que o rapaz assoprasse de uma vez. Sem pensar duas vezes e sem peso na consciência, Téo quase depositou os pulmões no aparelho do policial, que olhou para o amarelo da reação química e mandou o rapaz soprar de novo, desconfiando do funcionamento do aparelho, afinal se o próprio interessado afirmara ter ingerido bebida alcoólica, era sinal de verdade.
Mas nem sempre onde há fumaça há fogo e o bafômetro não conseguiu identificar 1 ml sequer de álcool no organismo de Téo. Mas, 0 ml de álcool no organismo do motorista não foi tão bom assim. O policial ficou irritado e enquadrou Téo no artigo 331 do Código Penal por desacato a autoridade. Como era feriado, todas as delegacias estavam fechadas e o policial não pôde levá-lo para o xadrez. Porém sua saída da cidade ficou expressamente proibida e ele não pôde voltar para casa que ficava pertinho, na cidade ali do lado. E mais um dia, teve Téo que aguentar os cunhados bêbados. Longe de casa, sem bebida e sem o bom-humor testado com o policial.
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A Artigo
farda sinônimo
A reforma do Bosque Marechal Cândido Rondon, quase um patrimônio histórico da cidade de Londrina, tem o futuro incerto e divide a população.
Pensar que a sociedade estará tão mais segura quanto mais militarizada parece ser uma ideia estúpida se olharmos para a essência humana. A corrupção está em toda parte, inclusive equipada com distintivos
Por Lucas Martins
E
m 2 de outubro de 1992, um dos rua. Algo que não é nada fora do comum, pavilhões de um dos maiores se formos pensar a questão na sociedade complexos presidiários do país contemporânea. Mesmo que mal articufoi surpreendido com uma rebelião de lado, o protesto dos estudantes da Unipresos, após uma briga entre eles. A Polí- versidade de São Paulo, no mês passacia Militar, liderada pelo capitão Ubiratan do, se voltou contra esse sentimento de Guimarães, reagiu. A sua resposta cau- acreditar que a militarização é o melhor sou a morte de 111 penitenciários, se- caminho para a “ordem”, estampada na gundo dados divulgados pelos próprios bandeira nacional. “milicos”, algo que A importância e a ainda é passível de confiança dadas aos A questão é que não desconfiança. Desde policiais fortalecem precisamos de mais armas. o acontecimento do aqueles corruptos massacre do Caranque vestem o colete, Necessitamos, sim, da diru, apenas um dos o coldre, e princieducação e de garantir policiais presentes palmente o revólver. condições humanas para na ação foi julgado, Acreditar que quanaqueles que não possuem mas já pode ser visto to mais repressivas andando livremente forem essas forças, nenhuma perspectiva de pelas ruas. mais teremos um luvida. Pois, para um homem Neste mês, um gar melhor para viver sem nada a perder, a dos envolvidos na é uma ideia bem pecriminalidade se torna um carnificina do Caranrigosa. Em palavras diru vestiu a farda de mais esclarecidas, esdos caminhos mais fáceis a chefe da Rota, a milítaríamos dando, para serem percorridos cia de elite do estado um grupo restrito, o de São Paulo (para poder de comandar parafrasear os termos que são “pop”). a nossa sociedade. E sejamos francos A promoção do tenente-coronel Salva- com essa nossa raça humana: ela não é, dor Modesto Madia, 48, veio da gestão na sua totalidade, adepta à bondade aldo então governador, Geraldo Alckmin truísta. Conhecemos sua história. (PSDB). Para Madia, a morte de mais de A questão é que não precisamos de cem presidiários foi apenas um “resulta- mais armas. Necessitamos, sim, da edudo do confronto entre detentos e poli- cação e de garantir condições humanas ciais”. Uma declaração, sob o meu ponto para aqueles que não possuem nenhuma de vista, carregada de intolerância e sem perspectiva de vida. Pois, para um houma gota de humanidade. mem sem nada a perder, a criminalidade O episódio só veio confirmar as quei- se torna um dos caminhos mais fáceis xas de algumas pessoas que não se sen- a serem percorridos. E isso é tão óbvio tem seguras por ver um policial na sua quanto dois mais dois são quatro. Entre-
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tanto, essa realidade passa despercebida pelos olhos daqueles que creem na militarização da sociedade. É imprescindível perceber que policiais não diferem dos outros seres humanos por vestir uma farda. Pelo contrário, com votos de poder, conseguem aniquilar vidas sem nenhum critério, assim como bandidos que são condenados pelos dedos da sociedade. A violência e a corrupção são mais complexas do que os olhos dos intolerantes conseguem enxergar.
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Juliana Benetti Era mais um dia de manifestação no Bosque do centro de Londrina quando uma senhora se aproximou para apoiar as pessoas que ali estavam. Neste dia em particular, havia poucos manifestantes, mas eram os mesmos que estavam dispostos a comparecer no local todos os dias para trocar informações, ideias e opiniões. Arquitetos, estudantes, jornalistas, professores, artistas, contribuindo cada um a sua maneira. Gente de todos os tipos, com algo em comum: a indignação pela destruição infundada e a vontade de revitalizar o lugar, que é considerado por muitos um dos maiores patrimônios históricos da cidade, o Bosque Marechal Cândido Rondon. Neste ponto, Dona Olga não era diferente. Tão logo chegou, ela já se misturou ao grupo e fez seu discurso de protesto. Disse ainda ter encomendado faixas com frases de apoio para serem colocadas no local no dia seguinte. Moradora de um prédio ao lado do Bosque, Dona Olga insistiu para que alguém subisse até seu apartamento para tirar fotos de cima, pois ali era possível ter uma visão completa das obras feitas na semana anterior pela Prefeitura da cidade, que demoliu o antigo “Zerinho”, onde havia árvores nativas e espaço para lazer
e prática de exercícios. Dona Olga abriu as portas de sua casa e dividiu um pouco de sua história como moradora de Londrina na tentativa de denunciar o que ela mesma chamou de falta de respeito. “Quando eu era criança, eu estudava no (colégio) Mãe de Deus. Não tinham árvores destruídas, mas sim árvores nativas. Muita peroba... maravilhoso, era lindo.” Dona Olga cresceu, ingressou na faculdade, e nessa época, quando ia passear pelo bosque, os ônibus já faziam suas paradas ali. “Não sei quem foi essa pessoa que não teve o pingo de respeito com a natureza e colocou esse Terminal de Ônibus no Bosque. Totalmente errado, começou errado. Mas não é só porque começou errado que nós vamos continuar errando”, diz com a voz repleta de indignação. Ela se refere à construção do Terminal de Ônibus Urbano, que em 1971 alargou a Rua Piauí pelo Bosque e o dividiu em duas partes (ver “Uma breve reseumo da história do Bosque” no final da matéria). Quando o assunto é o que fazer com a parte demolida do Bosque, Dona Olga tem quase um plano completo. “Vamos plantar novamente, vamos por flores, pinturas nos muros, calçadas decentes para os pedestres, tirar essas lajotas do meio do bosque – o que está horrível, ali não é lugar
de lajotas e sim de árvores. Deixa trilhas pro pessoal passar e apreciar, respirar o ar mais puro.”
A Reforma – Progresso ou Retrocesso? Tudo começou no dia onze de novembro, quando a Prefeitura decidiu seguir com um projeto de revitalização, demolindo o antigo Zerinho para alargar a Rua Piauí. No final de outubro, as mesas foram retiradas da área central do Bosque e recolocadas em outros espaços. Naquele momento, a presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (Ippul), Regina Nabhan, já havia anunciado a possibilidade da realização de obras no local para ‘desafogar’ o trânsito e aumentar o fluxo de carros na Rua Piauí entre as Avenidas Rio de Janeiro e São Paulo, porém até então nada estava definido. No dia 16 de novembro, cinco dias após a demolição, a obra foi embargada e o município foi multado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). A assessoria de imprensa do instituto declarou que aplicou “dois autos de infração (multa) no município. Um de R$ 4800 por cortar 17 árvores nativas sem licenciamento ambiental e outro de R$ 5 mil por não solicitar licenciamento ambiental” e ainda ressaltou que o instituto não é contra obras na cidade, porém Fotos: Juliana Benetti
Zerinho demolido. À dir.,, grupo Ocupa Londrina faz uma ciranda de cantos
Foto do bosque do Google Street View visto das Av. Rio de Janeiro (esq.) e São Paulo (dir.) “o município não pode se autolicenciar”, sendo assim necessária a aprovação do órgão ambiental estadual. Contrariada, a Prefeitura questionou a validade da decisão do IAP ao Ministério Público. Em resposta à decisão, uma nota foi publicada pela assessoria no site da Prefeitura afirmando que o projeto traçado para a revitalização do Bosque retoma um outro projeto, realizado em 1950, mas não diz exatamente o porquê. Além disso, é dito que a reforma faz parte de um “Plano Macro do município que prevê a revitalização de ruas e bosques do centro histórico de Londrina”, citando a reforma da Alameda Miguel Blasi e do Calçadão, colocando como motivos a melhoria do saneamento - pois assim, supostamente, menos pombas habitariam o local - e a diminuição da violência. Na mesma nota, o plano de revitalização é finalmente divulgado, sendo que até então ele não era acessível para a imprensa e as obras haviam sido iniciadas na semana anterior. Solange Vincentin, Promotora de Defesa do Meio Ambiente, validou a decisão do IAP e as obras permanecerão paralisadas até que seja firmado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que
estabelecerá se as obras continuarão e a Rua Piauí será alargada ou se o Bosque será revitalizado como local de lazer, analisando as duas propostas por meio de estudos e pesquisas.
Ocupa Londrina Naquele mesmo onze de novembro, uma sexta-feira, o jornalista Guto Rocha passava por perto do Bosque para ir a uma entrevista coletiva quando ouviu o som de uma motosserra. “Na hora eu sabia o que estava acontecendo, porque eu já tinha lido notícias de que isso iria acontecer nos jornais, já tinha postado essas notícias no Facebook e algumas pessoas se manifestaram também contrárias às mudanças. Mas daí morreu ali, ninguém fez mais nada, eu não fiz mais nada. E nesse dia que eu passei aqui e ouvi o barulho da motosserra eu pensei ‘Pronto, a tragédia anunciada se concretizou!’”, conta Guto, que rapidamente tirou fotos, foi até a coletiva e avisou a todos os colegas jornalistas e publicou as imagens nas redes sociais. Muitas pessoas comentaram e compartilharam as fotos, perplexos com o que viram. Surgia então, de forma quase espontânea, o movimento Ocupa
Londrina. A cantora Gisele Almeida criou um grupo virtual no Facebook e convocou os indignados para discutir e protestar, e já no dia seguinte foi marcado um encontro no Bosque, onde apareceram quase 50 pessoas. Foi nessa reunião que ficou definido o nome do movimento – que inicialmente iria se chamar Ocupa Bosque, porque os manifestantes teriam que ocupar o local para impedir a continuidade das obras. Logo o nome mudou para Ocupa Londrina, pois a ideia é que outros problemas do município entrem em pauta para discussão. Foram também definidas as atividades dos próximos dias, um domingo seguido de dois dias de feriado: no primeiro dia, um funeral simbólico para as árvores derrubadas; no segundo, atividades de recreação para ocupar o local; e no terceiro, limpeza e plantio de mudas. O movimento ganhou repercussão na internet – o grupo Ocupa Londrina no Facebook já passa dos 900 membros, número que aumenta todos os dias – e também na imprensa local. Depois do feriado, alguns manifestantes continuaram se encontrando todos os dias no Bosque, para realizar manifestações artísticas e discussões. É possível encontrar Tem Que Pensar | 11
ali pessoas engajadas, que desde o primeiro dia estão pesquisando e correndo atrás de informações e recursos para tentar evitar que o local seja destruído. No mesmo dia em que as obras foram embargadas, tratores da Prefeitura ainda estavam no Bosque para retirar o resto das árvores. Dentro do espaço do Zerinho, uma árvore e dois pedaços de troncos restaram ainda plantados. Quando um dos tratores tentou retirar um dos troncos, Guto Rocha o abraçou e quase foi levado junto com o pedaço da
“A tragédia anunciada se concretizou!”
árvore, pois o homem que manejava o trator demorou a notar sua presença. A foto da situação em questão é surpreendente. Sobre as obras de revitaliza-
ção, Guto é contundente. “Eu penso que eles estão equivocados, eles não apresentaram um plano, que foi apresentado hoje (16/11), só depois da obra ter sido interditada, depois que o IAP multou e autuou, depois que a Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público determinou que a obra fosse suspensa até que as coisas fossem esclarecidas, ai eles vem e apresentam um projeto”. Guto critica a qualidade do projeto apresentado, que, segundo ele, foi muito mal elaborado. “A prefeitura divulgou hoje informações inconsistentes, escritas às pressas, falando até que as árvores fazem parte da fauna, sendo que elas fazem parte da flora. São cuidados básicos que devem ser tomados para informar de forma correta, e nem isso eles estão cuidando”. Além do movimento, a ONG Meio Ambiente Equilibrado (MAE) protocolou uma Ação Civil Pública contra os danos causados
pela falta de planejamento das obras de reabertura da Rua Piauí, exigindo que os danos ambientais sejam reparados, e o local, reconstruído. Segundo a assessoria da ONG, o principal motivo é a falta do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), relatório que deveria ter sido feito pelo Conselho Municipal, obrigatório para obras desse porte, que analisa qual o impacto da construção na população e nos arredores.
A opinião do povo Enquanto o futuro do Bosque continua incerto, a população se divide entre apoiar a preservação do local como espaço de lazer e caminhada ou apoiar a abertura das ruas da cidade. Uma senhora observava a ação do grupo Ocupa Londrina sentada em uma das poucas mesas que restaram no local. Quando questionada sobre
Visão do Bosque do apartamento de Dona Olga. No centro, manifestantes se reunem,
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Com cadeiras improvisadas, frequentadores do Bosque voltam ao local após a demolição. Acima, à esq., tronco salvo por Guto Rocha. Á dir., manisfestação do Ocupa Londrina
Visão do Bosque da sacada do apartamento de Dona Olga. as ações no Bosque, ela declara ser indiferente sobre as obras ali. “Ninguém caminha aqui mesmo por causa das pombas, do mau-cheiro. Eu vejo, moro logo aqui na esquina. Tem pessoas aí protestando agora, não sei por que, não vejo ninguém fazendo caminhada aqui. Quem caminhava por aqui passou a ir andar na Catedral por conta do mau-cheiro. Então, quem vai sentir mesmo com as obras é o pessoal que joga baralho aqui”. Além disso, ela se mostra indignada com os protestos de quem está ali. “Eu acho uma verdadeira palhaçada o que estão fazendo aqui. Já falaram na rádio hoje de manhã, essas pessoas que estão protestando nem sabem por que estão aí. Acho que eles nem conheciam o Bosque. Eu nunca vi essas pessoas, elas vieram agora pra protestar. Daqui das redonde-
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zas, que mora aqui mesmo, só estou vendo uma pessoa participar.
“...essas pessoas que estão protestando nem sabem por que estão aí. ”
Fica até mais bonito abrir a rua” dispara a senhora, que não quis se identificar. Ao mesmo tempo, muita gente caminhava por ali, e a maioria mostrava indignação quando se deparava com os pedaços dos troncos das árvores, concreto e toda terra revirada. Nesse dia, um dos manifestantes se fantasiou de Morte e ficou
perambulando pelos restos do que um dia foi o Zerinho. Algumas crianças brincavam com o personagem e com as cruzes que foram usadas no primeiro dia de protesto, no funeral das árvores. Uma ciranda foi organizada pelos integrantes do Ocupa Londrina, que cantavam enquanto tocavam tamborese, dançavam e andavam em volta da pista de caminhada. Vandeci, que passeava com a mãe e empurrava o carrinho de bebê, parou para observar o resultado da demolição e conversar sobre isso com um conhecido que ali passava. Ela diz que o Bosque deveria ser revitalizado como espaço de lazer, com mais parques e academias, mais aparelhos e brinquedos iguais aos que estão localizados no Bosque na parte da Rua Rio de Janeiro, pois aqueles não são suficientes para o número de pessoas que fre-
Crianças brincam no que restou do Zerinho quentam o local. Mas Vandeci concorda que reformas deveriam ser feitas ali há muito tempo. “Isto aqui estava abandonado, há duas semanas eu até vi um menino sendo assaltado. Porque tem o pessoal da Guarda Municipal aqui, mas eles não ficam olhando, eles ficam lá dentro. Como eu moro aqui, nossa é preocupação é com assalto. Se eles fizessem um parquinho e academia, igual fizeram do outro lado eu acharia justo”. Independentemente dos posicionamentos tomados em relação às obras, algo certo nessa situação é que a Administração Pública abusou do poder, desrespeitando a memória de Londrina e a opinião de quem mora aqui. A história se repete no Centro Histórico da cidade há alguns anos. O coreto do centro foi demolido por abri-
gar marginais, os quiosques do Calçadão foram também demolidos por estarem em “situação irregular” — a Prefeitura na época declarou que iria abrir licitações para novos quiosques, mas depois de tudo derrubado a decisão foi anulada, pois supostamente não haveria espaço para os quiosques no novo plano de reforma do Calçadão. Esse mesmo plano que até hoje está sendo executado da forma mais lenta possível substituiu o antigo piso de petit pavet em preto e branco – marca registrada da cidade – pelo paver, que é mais seguro, mas acabou com a identidade visual do espaço. Uma pequena fonte, bancos de concreto e bebedores ao ar livre foram instalados em pontos diferentes do novo calçadão, além de um piso tátil mal instalado para portadores de deficiência
visual — é isso que dita o cenário da nova Londrina. A cidade é abalada por escândalos políticos e atualmente passa por uma crise na área da Saúde. Enquanto isso, a administração se preocupa mais em fazer reformas sem planejamento do que discutir problemas mais urgentes e de maior gravidade. Por isso, foi de extrema importância a união de pessoas que mostrassem que a população não está apática diante das mudanças impostas. É essencial mostrar que isso vai além da irresponsabilidade apresentada na reforma do Bosque – que por si só já é um crime contra Londrina. Mais do que isso, as reuniões também servem para mostrar que o Poder Público, por mais que queira, não poderá agir em serviço próprio e sair livremente. Tem Que Pensar | 15
Um breve resumo da história do Bosque Juliana Benetti A área onde se localiza o Bosque Marechal Candido Rondon foi doada pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CNTP), empresa colonizadora da cidade e subsidiária da Paraná Plantations LTDA, na década de 30. Na época, o local foi palco de protestos de disputas políticas para definir quem seria o prefeito da cidade, além de ser espaço de passeio e confraternização da população. Em 1950, a cidade se desenvolvia rapidamente por conta da cultura cafeeira. O aumento populacional foi muito maior do que o esperado e o plano urbanístico previamente traçado foi logo superado. A cidade crescia sem muito planejamento, excedendo o perímetro urbano antes traçado. A região central do município começou a ser considerado lugar de residências de luxo, comércio e negócios. Surgia então uma discrepância entre as novas estruturas mal planejadas e sem infraestrutura básica (água, esgoto, luz) nas periferias, espaço ocupado pela classe baixa, e a renovação e valorização da área central, onde vivia a elite. A Prefeitura contratou arquitetos na tentativa de organizar o crescimento urbano. Um novo plano urbanístico foi elaborado e edifícios modernos foram construídos, como a antiga rodoviária (atual Museu de Artes) e a casa da criança (atual Secretaria de Cultura). Nessa época, o Bosque também passou por renovações. Em 1953, foram instaladas uma quadra de esportes, um viveiro de animais, um parque infantil e sanitários públicos. Também foi nessa
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década, em 1958, que o bosque recebeu o nome de Marechal Cândido Rondon. Na década de 1960, a cidade já não cresce com a mesma intensidade devido as Grandes Geadas do final dos anos 1950, que acabaram prejudicando o cultivo do café, atividade que já não era tão lucrativa. Esse fato aliado ao início da mecanização da agricultura culminou na migração dos trabalhadores rurais para a cidade. Mais uma vez a cidade cresce de forma acelerada e sem planejamento. A década de 1970 começa com o contraste entre o planejamento urbano e o alto crescimento populacional. Em 1971, o Bosque Marechal Cândido Rondon foi reformado e transformado no primeiro Terminal de Ônibus Urbano da cidade de Londrina. O local foi escolhido pela sua localização central e por ser um espaço popular. A Rua Piauí foi alargada e o Bosque
dividido em duas partes, como é até hoje. O Bosque até então era um espaço de lazer, passeio e descanso dos londrinenses. Por ter esse caráter de agregação, muitas vezes foi palco de debates políticos e ainda abrigava atividades econômicas, dando espaço para artesãos e fotógrafos lambe-lambe. Com a reforma de 1971, o local se transformou apenas em um lugar de passagem. Além disso, a violência aumentou devido ao excessivo número de pessoas que ali passavam, e o espaço não era ideal para a passagem de ônibus, o que contribui para a rápida degradação do local. Nesta época, a Folha de Londrina publicou diversas reportagens denunciando a depredação do Bosque: falta de iluminação, bancos quebrados, lixo nas calçadas, além dos espaços antes reservados para o lazer (quadra, praça, aviário) totalmente abandonados.
Somente em 1988 o Terminal de Ônibus Urbano ganhou um novo espaço na Avenida Leste-Oeste e deixa o Bosque Marechal Cândido Rondon, que então estava deteriorado. Foram realizadas uma série de discussões e concursos para elaborar um plano de revitalização do espaço. Um projeto foi selecionado, propondo agredir o mínimo de área verde possível, e previa a instalação de um estacionamento subterrâneo e a construção de um palco para apresentações artísticas onde era o Terminal. O projeto ganhou popularidade, mas foi engavetado por motivos econômicos. Devido à localização central e estratégica do bosque, sua ocupação foi alvo de disputas de grupos de interesses distintos. Em 1989, o então prefeito Antonio Carlos Belinati cedeu o espaço para a Associação dos Corretores de Automóveis de Londrina, chamada Pedra.
Em 2009, duas das galinhas que habitavam o local na época
Fotos: Juliana Benetti
Em 2009, equipe de handebol treina na pista de caminhada
Em 2009, pessoas se reunem no local
O local foi ocupado por corretores e automóveis até 1991, quando a Pedra ganhou novo espaço. Em outubro de 1990 foi criada a Associação de Amigos do Bosque, com cerca de mil e quinhentas pessoas filiadas e com o objetivo de pressionar a Prefeitura para tornar o Bosque novamente um lugar de lazer. O poder público cedeu aos pedidos e foi então construído o Zerinho, com uma pista de caminhada em volta de aparelhos para exercícios físicos, mesas de jogos, revitalização da quadra poliesportiva e banheiros. As árvores nativas foram replantadas. É importante ressaltar que nunca foram tomadas providencias para a preservação da flora local. Muitas espécies de plantas nativas do Brasil foram plantadas, e ainda restam algumas árvores representantes da vegetação primária do norte do Paraná. Tem Que Pensar | 17
O que ainda falta fazer por Mayara Sonchini A chamada luta feminina está estampada por toda a mídia, em todos os cantos do país propagandas de anticoncepcionais á sabão em pó gastam o termo “feminista” para convencer a também gasta “nova geração de mulheres” de que elas precisam de tal produto. No entanto se em pleno ano de 2010 um assunto que deveria já ter se tornado corriqueiro ameaçou a candidatura da futura primeira presidente da república como é que podemos falar em revolução? O aborto, juntamente com outras medidas de saúde pública como as cirurgias de infertilização e DIU continuam um tabu tanto para as autoridades como para a população. Essas medidas se escondem atrás da culpa católica de um país cujo Estado é laico e de preconceitos ainda enraizados no imaginário popular. O aborto permanece sob uma legislação baseada em princípios deterministas de faculdades de direito enquanto as cirurgias se escondem atrás de fatores limitadores como ter que ter mais de dois filhos para a primeira e mais de um para a segunda, e ainda assim mulheres que dependem do Sistema Único de Saúde podem chegar até seu quinto ou sexto filho sem se caracterizar para as cirurgias. Outra desculpa comumente dada para essas limitações é que o uso de preservativos diminuiria e que, portanto o número de doenças venéreas aumentaria. Não cabe aqui discutir as preferências sexuais de cada um, mas é sempre bom citar um exemplo como o de um paisinho esquecido da América Latina chamado Guiana Francesa onde não só o aborto é legalizado como não existem índices
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gritantes de incidência de doenças sexualmente transmissíveis. No que diz respeito ao controle de natalidade o anticoncepcional, surgido na década de 1950 e popularizado na de 60 é hoje a principal forma das mulheres controlarem sua vida sexual sem depender de ninguém e convenhamos em 50 anos, já poderíamos ter evoluído mais, não? Mesmo as variações que excluem o problema do esquecimento como os injetáveis ainda não garantem a total certeza de que a mulher não vai engravidar assim como os preservativos não dão essa segurança. Mais que enaltecer o discurso do controle de natalidade geralmente gasto nas propagandas de camisinha, o aborto e a infertilização garantem o poder á mulher de realmente controlar sua vida. E falando em controle, no dia oito de março todas as floriculturas prontificam-se a embalar unidades de rosas, restaurantes as distribuem como homenagem, maridos carinhosos as levam para suas esposas, mulheres ganham descontos em produtos de beleza e talvez até naquela lingerie para “apimentar as coisas” e assim lentamente vão se esquecendo do real intuito da data, que não é para ser comemorada mas sim utilizada para os novos ou mesmo velhos desafios das mulheres como não só combater a atual legislação do aborto como garantir seus direitos perante á saúde pública e ser capaz de realmente controlar sua própria vida. Sendo assim cobrar a legalização e a liberdade dessas medidas não é só uma melhoria na saúde pública mas sim um passo á frente na verdadeira luta feminina, e “verdadeira” não quer dizer “como na propaganda do sabão em pó”.
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Sentidos à flor da pele
Reportagem
por Juliana Mastelini Moyses ção. Quem passa pelo calçadão em dias de chuEle pega va, toma contato ao fundo com o significado de surpresa da palavra sinestesia. É uma confusão de senos desavisados tidos que se encontram com aqueles que com roupas de vepassam, param, ficam, em meio a pedras rão e sandálias nos de cimento, areia e terra. pés. O sentido se torna Ao invés do cheiro poético de terra mais sensível com os camolhada, a chuva traz o aroma do boslafrios que começam no que, sem antes passá-lo por um amplificontato direto da sola com cador, que lhe confere ressonância e lhe propaga por todo centro da cidade. A a frieza do chão. De repente, os sinos sujeira no chão também sofre um conanunciam o final do expesiderável aperfeiçoamento e o cuidado diente, quando as pesadas se concentra então em se equilibrar portas de aço se abaixam eo como homo sapiens. ruído das multidões se intenPara complementar o aroma do bosque numa única harmonia, tem sifica na competição por um alguém que assovia a fumaça do ta- caminho livre que leve ao conbaco tragada do fundo dos pulmões forto do lar. As luzes aos pouno espectador que anda em busca de cos se apagam, os sons cedem um caminho que faça chegar mais de- lugar ao silêncio e o frio fica só pressa. A cada passo uma combinação do outro lado da vidraça. nova de acordes, ritmos e pausas olfativas. A sensação refrescante dos pingos da chuva, quando abruptamente iniciada, não dura muito tempo. Sempre aparece uma careca com o vento oferecendo proteção contra os pingos quase mortíferos caídos do céu. É baratinho! A sinfonia vem então dos cordéis de improviso que se lançam até o receptor. Os holofotes baixam a luz e o cenário assume o clima de suspense das peças intimistas que aproximam as pessoas. A cor do vento que vem com a chuva também favorece a aproxima-
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Gravura em Metal - Água forte 76,5 x 60,5 cm
Bernardo Faria, Edson Vieira, Rodrigo Yan Haur, Pablo Blanco e Rafael Hatadani
Uma
Batalha Imagética
É
quando vale tudo: desenho, vetores, ilustrações, fotografias, gravuras em metal, xilogravuras e litogravuras. Só não vale deixar a criatividade e imaginação presas dentro da “cachola” Por Lucas Martins
Capítulo I: Preparar!
E
ra um escritório de design comum. Havia suas bizarrices, seus designers, ilustradores e toda a bagunça que poderia haver em um espaço que agrega esse tipo de coisa e gente. A criatividade explodia con-
Uma peça de metal, entalhada com uma gravura de uma guerra estava ao lado da mesa. Bernardo, notando que eu estava observando, diz: “Essa foi a nossa primeira ilustração. Fizemos um desenho na chapa de metal, e depois imprimos a ilustração num papel. tra as paredes, mas não conseguia sair muito de lá. Ficava presa aos trabalhos e produtos desenvolvidos por seus criadores. Era março de 2009, quando os amigos Bernardo Faria, Pablo Blanco, Rodrigo Yann Haur e Rafael Hatadani decidiram embater suas ideias e criatividade. “Vamos fazer uma batalha de ilustradores?” A resposta veio positivamente. Decidiram o tema e começaram a preparar suas armas e infantaria. Cada um faria aquilo em que é melhor: a ilustração. E, no final, escolheriam o melhor dentre todos eles, o vencedor Tem Que Pensar | 21
tudo que fosse ilustração, bidimensio- queira mostrar seu trabalho e que tenha a vontade de usar a sua criatividade e nal”. E, apesar de valer quase tudo, al- imaginação está apto para guerrear. É algo que se asseguns trabalhos já saímelha com as ideias ram do regulamento anárquicas e niilistas. do projeto. Em uma “Depois de algumas “Depois de algumas das ilustrações da 3ª batalhas, também batalhas, também Guerra, com o tema percebemos que não “Inferno”, notei que percebemos que haveria como julgar havia uma que confinão haveria como quem seria o 'vencegurava um pouco fora julgar quem seria o dor'”. Bernardo me exdo plano bidimen‘vencedor’”. Bernardo plica o outro lado da sional exigido pelas moeda, “São desenhos. regras da batalha. Na me explica o outro Não há como você diimagem, viam-se pelado da moeda, “São zer que o que alguém ças pretas e brancas, fez está 'certo' ou 'erradesenhos. Não há como como num xadrez, do'”. A minha simpatia um verdadeiro apovocê dizer que o que pela criação aumenta. calipse, um combate alguém fez está ‘certo’ Os locais onde a entre anjos e demôou ‘errado’”. guerra ocorre são dinios. Os criadores das versos. Geralmente, o esculturas em massa ambiente tem um ar amistoso, apesar de modelar – Bruno Nantes, Diego Geronymo e Gabriel Macohin - haviam le- do nome exigir um “conflito”. São bares, vado o tabuleiro para batalhar com os restaurantes e qualquer outro estabeleoutros trabalhos expostos. Entretanto, eles precisaram fotografá-lo para que 1. Grafite ele pudesse ser enquadrado às regras Nanquim - Digital do projeto. Assim, a obra 3D perdeu um 29,5 x 42 cm de seus “d” s e foi lançada para o ataque. Heloisa Pintarelli “Não basta só levar o trabalho”, Ber2. Caneta e Lápis nardo ainda conta sobre as regras da de Cor 29,5 x 42 Guerra de Ilustrações. Agora, ele dá uma pausa no que estava desenhando cm sobre o papel, “Você precisa, primeiBernardo Faria e ro, dizer que quer participar e a gente Pablo Blanco precisa fazer uma listagem, uma relação Ilustrações com todos os nomes dos participantes, apresentadas antes de começar o embate”. Mas, apedurante a 5ª sar dessas regras, a batalha tem lá as edição da Guerrra, suas liberdades. Qualquer mortal que
1. Café - Nanquim - Lapís de Cor - Corretivo Líquido 66 x 22,5 cm André Unica, Bernardo Faria e Pablo Blanco 2. Colagem apresentada na 15ª edição do Guerra de Ilustrações da Guerra, aquele que conquistaria o território, o título e tudo o que estaria em jogo naquela batalha. Os lápis foram apontados, os pincéis, as ferramentas de ilustração e toda a parafernália que poderia fazer com que algum deles se tornasse vitorioso foram usados durante a batalha. E, todo mês, havia aquele embate interno da BR Tipo – estúdio de design, onde, hoje, você encontra alguma das parafernálias de ilustração e umas bizarrices como uma mão magrela e assustadora, com alguns dedos dobrados sobre uma estante. Entretanto, nada do que era mostrado ali passava pelas paredes do escritório. Londrina ainda continuava sem ser atingida pelos projéteis que eram disparados nesse tipo de guerra. Na BR Tipo, agora uma sala localizada num dos prédios mais acinzentados e acromáticos (uma contradição) de Londrina, o ilustrador Bernardo Faria me conta sobre o desdobramentos dessa guerra: “A gente pensou que poderia expandir essa batalha”, ele diz ao rabiscar alguns desenhos e dados em um papel. Acredito que seja assim que trabalha a mente de um ilustrador, ao mesmo tempo que diz, a sua criatividade vai projetando imagens que precisam rapidamente ser expressas no papel. Mas, ele continua. “Precisávamos criar algo que juntasse todos os ilustradores da cidade. Não imagina a quantidade de profissionais daqui que criam e desenham para trabalhos de outras cidades!” A indignação de Bernardo é compreensível. E foi pensando assim que a Guerra tomou proporções desejadas. O big-
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-bang criativo saiu das quatro paredes do estúdio e resolveu envolver toda a cidade. As cores e ilustrações viriam, agora, de todos os cantos de Londrina. Atingindo um número maior de pessoas, ferindo mais e tornando a causa da batalha, uma questão que deveria ser pensada por todos. Preparem as armas e os canhões.
Capítulo II: Apontar!
E
ra outubro de 2009, seis meses após aquela ideia de combate de desenhos ter começado dentro de um dos escritórios de design de Londrina. O anúncio fora lançado. A Guerra agora, de fato, começaria e envolveria todos os cidadãos londrinenses que tivessem uma imaginação bem fértil e que poderia ser expressa por meio de traços em um papel. “Chamamos todos os amigos que conhecíamos”, conta Bernardo, ainda rabiscando o papel que já não é mais tão branco como no começo da conversa “Queríamos que todos estivessem envolvidos na batalha e que todos pudessem mostrar seus trabalhos”. Ele não tinha muita ideia do que poderia se tornar aquele projeto. E, antes de virar um trabalho ambicioso, a diversão falava mais alto. “Era tudo uma brincadeira”. Mas, brincadeira entre ilustradores sempre é algo que pode ser levado a sério. Decidiram o primeiro tema: Piratas. Agora, estava armada a batalha. Lápis e pincéis a mãos. As regras eram as mesmas que valiam para as criações da protobatalha, aquela que deu origem ao Guerra de Ilustrações. “Valia de tudo”, reforça Bernardo, “Mas
cimento que permita que suas paredes sirvam de cenário para um embate de imagens e ilustrações. A guerra se inicia. Na mesa, os participantes quase não precisam fazer nenhum esforço para que as armas sejam disparadas. Empunham os seus desenhos e ilustrações, todos impressos. E é escolhido o primeiro para desafiar todo o resto dos desenhistas. Ele levanta, apresenta seu trabalho, explica o que foi usado, conta a sua ideia e relaciona-a ao tema. E, logo após, chama o próximo adversário que fará o mesmo. A batalha apenas termina quando todos tiverem mostrado o que tinham preparado para o evento. Depois de toda essa guerra, é impossível sair ileso. Não se é atingido por uma bola de canhão, ou algo do tipo, mas a imaginação, o modo de perceber o mundo e de criar e desenhar já não são mais os mesmos. “É legal perceber que em uma Guerra, você pode achar que seu trabalho ficou muito bom. E se orgulhar disso”, explica Bernardo, que parece ter largado
Luta Livre
“Ele levanta, apresenta seu trabalho, explica o que foi usado, conta a sua ideia e relaciona-a ao tema. E, logo após, chama o próximo adversário que fará o mesmo. A batalha apenas termina quando todos tiverem mostrado o que tinham preparado para o evento”. Bernardo Faria mostra o seu trabalho na 16ª Guerra, com o tema Bigode. Tem Que Pensar | 23
o papel de vez, “Mas, tem o outro lado também, 'né'? Você pode achar que o que fez ficou...” “Um lixo!,” completo para ele, que concorda com o termo que utilizei. E continua: “Mas, sempre você sofre influências. E, assim, sempre melhora o seu desenho que passa por evoluções”. A melhora e a progressão dos trabalhos de alguns ilustradores são bem visíveis. Antes, aquele que fazia um desenho comum, que poderia ser feito numa folha sulfite por qualquer criança que tenha alguns lápis de cor em suas mãos, transforma suas obras em expressivas ilustrações. Outros que fazem seus traços se tornarem uma bagunça, apenas um ruído, conseguem organizar suas ideias e sobrepô-las em um papel após algumas batalhas. Constroem, aos poucos, sua forma de ver o mundo. Um paradoxo com o significado de uma “guerra”: a invenção humana que prima apenas pela destruição. Não foram somente os desenhos e os ilustradores que sofreram mudanças após o decorrer de todas as edições desta batalha atípica. A própria Guerra também não é mais a mesma do que aquela que contava com a participação de quatro amigos. Os resultados das batalhas, agora, não ilustram apenas mesas de bares e restaurantes. Eles tomam as paredes de outros lugares. As consequências daquela brincadeira se tornaram maiores.
“A exposição no Museu de Arte foi como uma nova etapa para a GI”, conta Bernardo, ainda sem nenhuma outra ideia que poderia ser colocada no bloco de notas a sua frente, “O nosso público aumentou, tivemos visitas até de crianças. O museu recebeu, durante a exposição, mais de mil pessoas. Foi bom tanto para eles quanto para a gente”. Já não era apenas uma brincadeiFogo! ra entre ilustradores, a batalha estava se tornando um business. No decorrer ntão, surgiu essa parceria da exposição do Museu de Arte, foram com o Museu de Arte de Lon- vendidos artigos como canecas, botons drina”, diz Bernardo. Entre e catálogos com as os dias 13 e 31 de agosilustrações dos com“A GI se tornou, to de 2010, o espaço batentes. A emerdo Museu - que outrora gência de todo esse agora, uma criatura era um terminal rodonegócio veio para que necessitaria de viário – ficou ocupado sustentar a ideia de pela arte criada durante mais “carinho” de seus divulgar a arte lonoito edições da Guerra drinense sem ser criadores. de Ilustrações. Próximos dispendioso para os às paredes do prédio, seus criadores. Algo encontravam-se desenhos de todo necessário para continuar em frente. o tipo e tamanho. Eram mais de 100 A GI se tornou, agora, uma criatura trabalhos, entre piratas, demônios, “lu- que necessitaria de mais “carinho” de chadores” e vikings por todos os lados. seus criadores. “Resolvemos criar o site
A batalha no Catuaí
Depois de toda essa guerra, é impossível sair ileso. Não se é atingido por uma bola de canhão,
Capítulo III:
“E
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1. Ilustração exposta na 11ª edição do Guerra de Ilustração, feita por Eduardo Berbel 2. Ilustração de Dilan Gama exposta na 15ª Guerra, com o tema Reflexo
ou algo do tipo, mas-aLapís imaginação, o modo de percepção eLíquido de criar já não mais oscm mesmos 1. Café - Nanquim de Cor - Corretivo 66são x 22,5 André Unica, Bernardo Faria e Pablo Blanco 2. Colagem apresentada na 15ª edição lha.do ” Guerra de Ilustrações da Guerra também”, explica Bernardo, Neste mês, a batalha avança mais um um dos pais dela, “E para que não ficasse território. Os trabalhos agora serão exposnada de forma amadora, decidimos cha- tos para os frequentadores do Shopping mar uma empresa especializada para Catuaí. “A nossa próxima edição da batamantê-lo. Só fizemos uma intervenção lha será lá no Catuaí” Bernardo me conta, no layout e design do portal. E, além dis- orgulhoso por seu filho ter caminhado so, também contratamos uma empresa mais longe, “Imagina o quanto de expecresponsável por editar os vídeos feitos tadores e o número de pessoas que verão durante os encontros e batalhas”. nossas ilustrações?”. No site, os combatentes se comuA empolgação de Bernardo é explinicam entre si e com o público. Nos ví- cável. Qualquer londrinense ou ser que deos, postados nas páginas do portal, habita essa cidade a que chamamos de os ilustradores, agora, mostram a sua Londrina tem notícia da movimentação cara, história e influências, além de seus do shopping durante os finais de semana. desenhos. Lá, também são divulgadas Com essa exposição, a Guerra de Ilustraas datas e os locais onde será a próxi- ções certamente conseguirá sua indepenma Guerra, as imagens dos encontros, dência do mundo “underground”. E mais: os desenhos criados para cada edição atingirá um patamar maior de divulgação, e são escolhidos os próximos assuntos algo que poderá ser bem utilizado pelos para os futuros embates. Uma forma seus criadores no futuro. É o que Bernardo eficaz de conseguir administrar a brin- espera. Ao alto da sua 18ª edição e com a parcadeira, que já não é mais amadora. A internet é uma ferramenta pode- ticipação de 120 ilustradores, a Guerra de rosa, todos sabem. Com a invenção do Ilustrações está longe do seu “cessar fogo”. site, os projéteis da Guerra viajam mais Pois, Londrina tem muito ainda por ser longe. Houve até pedidos de participa- desenhada. É a única coisa que me vem à ção de outros lugares. “Um ‘cara’ de Por- cabeça, quando encerro a minha converto Alegre pediu para mandar trabalhos sa com Bernardo numa das salas do prépara a batalha. Mas, não deu certo”, Ber- dio mais acinzentado de Londrina. nardo me explica um dos alicerces de todo o projeto: a guerra é pé-vermelho, Ilustrações e imagens: “A nossa intenção é divulgar a arte de Guerra de Ilustrações Londrina. Então, não caberia a presença Para acessar: de ilustradores de outras cidades. Por www.guerradeilustracoes.com isso que uma das regras do GI é que a pessoa esteja presente durante a bata-
O deck do Shopping Catuaí, no sábado D, estava um pouco mais movimentado do que de costume. Pessoas de todos os estilos, idades e convicções esperavam pela montagem de um monitor e de aparelhos de som que anunciariam o começo de mais uma batalha. O confronto, que estava marcado para começar a partir das 17h, teve um pouco de atraso. Sabe como é, não é fácil mobilizar as tropas para combaterem entre si. Aos poucos, cada um chegava carregando a sua ilustração. Uns portavam quadros e pastas enormes, verdadeiras telas. Outros, algo simples, como uma folha A4. Converso com uma ilustradora que estava ao meu lado sobre as técnicas e o que é mais comum ver nas Guerras. “Praticamente quase todo mundo usa mais as ferramentas digitais. Mas, como eu não sei usar esses programas, eu desenho, utilizando outras técnicas”, ela me diz. Para essa edição, tinha preparado uma colagem, algo meio cartoonizado. “Quem usa papel e lápis é sempre os mais velhos”, conta uma outra, que estava ao nosso lado e que tinha ouvido a nossa conversa, “Na guerra de hoje, trouxe um desenho que fiz usando apenas nanquim e acrílico.” As instalações ficam prontas, os ilustradores que estavam na lista já estão todos no local, comecemos a Guerra. Percebo que elas têm razão. Muitos ali ainda utilizaram técnicas de computador para dar cor, finalizar e ajustar as suas ilustrações. Entretanto, ainda há os que resistem e abusam de bons e velhos lápis e tintas. O homenageado com um vídeo desta edição, por exemplo, tinha pintado uma verdadeira tela com apenas acrílico e nanquim. E, aos poucos, alienígenas, robôs, máquinas do tempo, pin-ups de ficção científica vão aparecendo entre os desenhos dos combatentes. Nesta última edição do ano, mais um recorde foi alcançado: 42 ilustradores se inscreveram para participar da batalha. Um bom balanço de final de ano. “Bem, e essa foi mais uma edição da Guerra de Ilustrações”, Bernardo encerra o embate, “Terminamos o ano batendo mais um recorde e espero que isso ainda não seja o fim.” Tem Que Pensar | 25
Tempo, φορά...
Trânsito
Acho que os meus dias estão passando pelo que me conheço, sempre vai ser difírápido demais. E não é impressão minha. cil lidar com cada partida, cada cidade que Talvez seja que, pelo fato de estar cada vai ficar para trás, cada amigo com quem vez mais assumindo responsabilidades de não vou conviver mais todos os dias, cada uma pessoa adulta, não esteja mais so- apartamento, cada vínculo que crio, pois brando aquele tempo para não pensar em acho que o tempo para se viver essas coinada, ou só pensar bobeiras com os ami- sas boas que entram em nossas vidas é gos. Meu pai sempre frizou que, quando curto demais. Ou está curto demais. somos crianças, o tempo voa. Uma prova de que o tempo Será? Daqui um ano e meio esvoa é quando você olha para “O tempo não tou formada, Jornalista, vivendo trás e percebe quanta coisa está para...” uma guinada em minha vida, já no seu passado e, talvez pela que a minha escolha foi pela vida que tenho desde criança, Comunicação. E todo mundo sabe que não pude aproveitar o tempo em que vivi esse início de vida profissional não é fácil... com os meus primos, que almoçava na vó Há poucos dias atrás era o primeiro todo domingo, que ia na casa das tias no dia de aula, com 19 pessoas desconheci- sábado à noite. Para quem nunca viveu em das, começando a viver uma nova vida do função do tempo, e digo isso pelo fato de zero. Não sei por que estou reclamando. “medir” uma vida em 9 meses, 1 ano em Minha vida é assim desde os cinco anos cada cidade. Entendem quando eu falo de idade. Já deveria ter acostumado. Mas, que a minha perspectiva de tempo pode não. Não acostumei ainda, acreditem. E, ser bem diferente da sua? Era triste saber
caótico Juliana Benetti
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motociclistas e pedestres vivem em constante guerra para conseguir trilhar seu próprio caminho. É comum ver motoristas trafegando como se fossem donos das ruas, em alta velocidade e sem respeitar os demais, motos cortando o trânsito e realizando manobras perigosas, além de pedestres que se arriscam pela falta de atenção, atravessando fora da faixa ou em momentos inadequados. Isso sem contar os condutores que se arriscam dirigindo embriagados, irresponsabilidade que tira a vida de muitas pessoas. Porém, esse comportamento parece já estar arraigado no comportamento dos londrinenses. Recentemente foi criada a campanha Pé na Faixa, pela Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU), na tentativa de amenizar a situação. Foram pintadas faixas de pedestres em alguns pontos da cidade e feita a divulgação do “novo conceito” de atravessar a rua. Agentes de trânsito fiscalizavam duramente, multando os condutores que não esperassem os pedestres. A campanha funcionou, entretanto somente nos locais explorados pela CMTU, que não deu continuidade ao “Pé na Faixa” em outras regiões. Ao menos, ela serve para mostrar que iniciativas dos órgãos públicos aliadas ao bom senso dos condutores e pedestres podem funcionar, basta ter boa vontade.
Avenida JK: muito movimento, mesmo nos finais de semana Fotos: Juliana Benetti
Notícias sobre acidentes de trânsito são cada vez mais recorrentes nos informativos de Londrina. Na realidade, o trânsito caótico é um problema do estado do Paraná, que já figura como o segundo do Brasil com mais mortes de motociclistas. Segundo dados do Instituto Sangari no estudo “Mapa da Violência 2011: Os jovens do Brasil”, o número de mortes pulou de 1.047, em 1998, a 8.939 em 2008, perdendo apenas para o estado de São Paulo. O estudo ainda mostra que Londrina supera Curitiba na violência no trânsito, apresentando um número maior de mortes por habitantes em acidentes do que a capital do estado. O problema já começa com a situação das ruas, que em vários pontos estão cheias de buracos e praticamente sem sinalização. Tão logo os buracos são encobertos começam as chuvas e eles reaparecem, muitas vezes ainda maiores. Outro ponto a ser levado em consideração é que o trafego aumentou devido ao aumento da frota de carros por habitantes, o que implica na necessidade de aumentar o número de sinaleiros em diversos cruzamentos, principalmente na região central. Esse quadro é resultado da péssima administração pública, porém a situação vai além do descaso dos governantes. A educação no trânsito é quase inexistente. Motoristas,
Por Marielli Baratto que em uma semana seu pai seria transferido para uma cidade a 500 km de onde você está morando atualmente e você só tinha 9 anos e via sua mãe chorando por causa dessa notícia. E aí? A saída para isso? Arrumar toda mudança e ir junto com o pai. Ué, fazer o quê?! Mas muitas mudanças em função da futura profissão vêm aí, não se preocupem. Vou ter que aprender a lidar com isso e saber, também, a aproveitar melhor o tempo em cada lugar que passo... Londrina, daqui um pouco, vai ficar para trás no meu dia-a-dia, como sete cidades do Paraná já ficaram. Quero ficar aqui, confesso! Hoje, a úncia saída que encontro para todo esse relativismo que foi, em partes, a minha vida, é saber aproveitar esse tempo tão bom que vivo aqui, mas, que está passando muito rápido. Corre, aproveite, torne- inesquecível. O seu também está passando. E está passando rápido?
No coração do Ouro Verde Personagens que acompanham o mudar do teatro a cada dia Juliana Mastelini Moyses
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Ao chegar no Ouro Verde você é recebido por um sorriso cativante e um pessoal pronto para resolver alguns possíveis problemas no seu espetáculo. Eles estão lá, dão lugar para um, luz para outro. São eles que abrem as cortinas para o show começar e dão a luz na medida certa que o maestro quer. Eles abrem os caminhos para que o público sente nas poltronas impecáveis e também guardam sua blusa se de repente você, na emoção do ensaio, esquecê-la na platéia. As pesadas portas de ferro e vidro que dão para o calçadão são guardadas por uns rapazes de uniformes verdes, cor do nome, cor da UEL. Aqueles vidros escondem
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Carolina Fraga Spisla
“Entrada do Ouro Verde” 3º lugar I Maratona Fotográfica UEL Multivisões Carolina Fraga Spisla
o que acontece no interior. Passando pelo calçadão com os vidros fechados, não se pode ver nada lá dentro. Mas de dentro eles revelam o mundo lá fora. Os hippies com suas mercadorias, os amigos que passam, as mesmas pessoas várias vezes por dia. A iluminação natural do calçadão dá visibilidade e cor viva a tudo que se mova. Os objetos, ao serem tocados pelos raios de sol exalam um tom que compõe um quadro nos vidros das portas de ferros. Mas é quadro em movimento, a cada segundo uma nova paisagem, uma nova figura, um novo personagem. O Maurílio
É, tem o Jamelão, que às vezes abandona o teatro um pouquinho com a missão de levar a boa música da Orquestra Sinfônica da UEL a outros lugares que não o chão acolhedor de Londrina. Há muito o que fazer para que a música ecoe longe: são dezenas de pesados instrumentos para carregar, tablados para que o maestro seja visto por todos, rebatedores para que o som se dirija à platéia e não se perca atrás do palco. Esse serviço é o Jamelão que faz, ele é zelador do Ouro Verde. O nome não é Jamelão, é Maurílio, mas se falar Maurílio ninguém conhece. O apelido vem da época em que entrou no Ouro Verde,
foi o chefe quem primeiro o chamou assim por causa da semelhança com o artista Jamelão. E o apelido colou. O “Jamelão do Ouro Verde” é conhecido pelos ouvintes dos programas sertanejos das rádios da cidade. Às vezes chega alguém querendo conhecer o Jamelão do Ouro Verde. Para quem entrar, são esses olhos brilhantes que o recebem no teatro. E os olhos vêm com um sorriso, com uma piada e com a oferta de um café com ovo, fresquinho, acabado de passar. Ovo, aqui? Nisso que eu estou bebendo? Calma, é só uma brincadeirinha para descontrair. Café que por sinal é bom mesmo, quem quiser conferir fique à vontade! Por mais natural que pareça, essa identidade com o teatro e com as artes expressas nele não é tão natural assim, ela veio de alguns anos para cá. Antes disso, para Jamelão, teatros e cinemas eram coisas banais e de gente que não tinha o que fazer, uma perda
de tempo. A promessa de estabilidade do concurso da UEL e a possibilidade de largar a perigosa vida nas estradas encheram os olhos do Jamelão e agradaram a família. Os primeiros meses de trabalho como funcionário efetivo da UEL foram no Hospital Universitário (HU), era só uma ajuda temporária porque estavam precisando, até hoje ligam perguntando se ele não quer trocar de lugar, mas seu posto já está ocupado: é no Cine-Teatro Ouro Verde. E lá se vão peças, musicais, apresentações, performances, concertos, cerimoniais, e aquilo que era totalmente inútil foi ganhando alguma utilidade na vida de Jamelão. Afinal, nada melhor para se começar a apreciar algo do que se conhecê-lo. Seu Osvaldo Já o seu Osvaldo não tinha esse preconceito com o mundo das artes. Mesmo assim foi trabalhar no Ouro Verde por acaso. Desempregado, decidiu
fazer o concurso da UEL. Queria um trabalho no almoxarifado, mas seus olhos brilharam com as 13 vagas para auxiliar. Não pensou duas vezes, foi nessa vaga mesmo que se inscreveu. Assim seria mais fácil passar. Mas o mais fácil não foi tão fácil assim. “Fiquei lá para as ‘trocentas’ posições”. Isso por falta de atenção em uma das questões da prova, numa conta simples, ele fez algo errado e perdeu meio ponto. Assim, das 100 pessoas que passaram no concurso, ele ficou em 45° para um cargo que só tinha 13 vagas. Mas quem é mais velho e tem tempo de serviço público ganha uns pontos a mais no concurso. Assim, depois de oito meses estava ele lá trabalhando no Cine Teatro Ouro Verde. O que pretendia mesmo era trabalhar no campus, mais na mão, perto de casa. Mas mandaram-no
O nome não é Jamelão, é Maurílio, mas se falar Maurílio ninguém conhece. O apelido vem da época em que entrou no Ouro Verde, foi o chefe quem primeiro o chamou assim por causa da semelhança com o artista Jamelão. Na imagem, o cantor Jamelão. Tem Que Pensar | 31
para o Ouro Verde, que é bem mais tranqüilo, sem a correria, agitação e a bagunça dos estudantes. Está bom também, afinal o que queria era o emprego, se perdesse aquela vaga, não trabalharia em mais nenhum outro lugar. O trabalho no teatro foi talvez a realização de um sonho de menino que Osvaldo nem sabia que tinha. Coisa de pivete, quando ainda criança, vislumbrava a construção tão moderna e ao mesmo tempo tão distante, tão intocável, inacessível. Quem diria algumas décadas depois, estar tão perto, tão junto, no lugar dos olhos que expressam a emoção de fazer parte do Ouro Verde. “Esse teatro aqui eu conheço ele desde que estava fazendo. Quando foi inaugurado em 1962, eu estava com cinco anos de idade, morava aqui perto. Ficamos muito tempo aqui, depois fomos embora e acabei voltando para cá e trabalhando no Ouro Verde. Foi um privilégio para mim.” Quando criança, ele passava em frente ao Ouro Verde e via os cartazes dos filmes, era a coisa mais linda. Não teve a possibilidade de assistir nenhum. A construção era muito bonita, tudo ainda era novinho, era uma beleza. Só entrava gente elegante no teatro, os homens com seus ternos e gravatas bem alinhados. O calçadão ainda não existia, passava em frente ao Cine Ouro Verde a Avenida Paraná. Hoje muita coisa mudou, só não se pode deixar o teatro às mínguas como antes da reforma. Reforma esta, de 2002, que na verdade foi apenas uma maquiagem, e não restaurou nem a entrada do teatro. Com a reforma muita coisa piorou, até o piso novo do teatro dá a impressão de que o lugar não foi limpo. Mas
não, ele foi limpo sim, isso é só o cheiro da madeira mesmo. Seu Osvaldo, com a fala baixa sempre balançando a cadeira giratória diz não ter história interessante. Mas seus olhos já viram o teatro desde seu nascimento até a sua maturidade de Teatro. O próprio girar da cadeira tem coisa para contar. Esse balançar já rendeu aos amigos muitas risadas. Um dia seu Osvaldo querendo fazer uma brincadeira com o vigia do teatro, passou-lhe a perna. Sem tempo de pensar, Osvaldo escorregou da cadeira e foi quem acabou caindo um tombo, ali na frente, no saguão do teatro. “Dançou.” Dançar, isso ele gosta. De vez em quando abraça a vassoura e sai dançando pelos espaços do Ouro Verde. Tem sempre uma diversão no meio do trabalho do dia-a-dia. O orgulho de trabalhar com o pessoal no teatro, brincando e passando o resto da vida, é maior que qualquer sacrifício. Das peças e dos filmes ele sempre gostou, mas para falar a verdade nunca assistiu nenhum. Não por não gostar, mas porque não
dá ânimo trabalhar o dia inteiro no teatro e ainda ficar à noite, os espetáculos sempre começam depois das 19h ou 20 horas e seu Osvaldo mora longe. A Madalena, moça da bilheteria A Madalena todo mundo já conhece, talvez não tenha prestado atenção, mas é com ela que os ingressos são comprados. Se ela não vender, ninguém entra no teatro. A cara e jeito de brava são só aparência, não se pode dar mole senão as pessoas abusam. Afinal, o número de ingressos tem que ser muito bem controlado. Em janeiro, ela está no Cine Com-Tour, vai cobrir as férias da moça que trabalha lá na bilheteria. O cinema é bem calmo, os espetáculos é que são mais corridos. Era ela que vendia os ingressos para os filmes na época de Cine Ouro Verde. Os ingressos eram tirados de uma máquina: uma batida era meio ingresso e saía um papel pequeno, duas batidas o ingresso inteiro. “Rapsódia em Agosto”, “Priscila, a rainha do deserto” e “Farinelli, Il castrato” foram seus filmes preferidos em cartaz no Cine Ouro Verde. Os vinte anos trabalhando ali lhe renderam muitas amizades, e com gente de todo tipo. Antes disso, suas horas de trabalho eram passadas
“Rapsódia em Agosto”, “Priscila, a rainha do deserto” e “Farinelli, Il castrato” foram seus filmes preferidos em cartaz no Cine Ouro Verde.
Das peças e dos filmes ele sempre gostou, mas para falar a verdade nunca assistiu nenhum. 32 | Tem Que Pensar
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nos corredores do HU, por cinco anos trabalhou lá, e gostava bastante. Foi uma mudança tremenda sair de um hospital e ir para um teatro. Seus planos futuros, pós-aposentadoria, são de fazer trabalho voluntário em hospital, ajudando a cuidar dos doentes. E quem sabe, as brincadeiras aprendidas no teatro serão postas em prática.
Os Gêmeos projetores Dos gêmeos Antônio Carlos e Carlos Roberto, só o Toninho ainda trabalha no Ouro Verde, mas foi o Roberto quem começou primeiro no Cine Ouro Verde, em 1975, e abriu as portas para que o irmão trabalhasse ali em 1983. No começo ele não queria muito não, trabalhar sábado, domingo e feriado passando filme? Era muito serviço. Depois voltou atrás, e quando surgiu outra vaga, logo a ocupou e está lá até hoje. Na época e m que o Ouro Verde era Cine, os dois cuidavam da projeção dos filmes. Quando Carlinhos, o Carlos Roberto, começou a trabalhar no Ouro Verde, o teatro ainda não pertencia à Universidade Estadual de Londrina, era propriedade da famí-
Fotos: Juliana Mastelini Moyses
A Cida A Cida é a moça de óculos, quietinha. Está na zeladoria do Ouro Verde há 10 anos. Não escolheu o lugar de trabalho não. Desempregada, esperou longos dois anos para ser chamada depois de fazer o concurso. Primeiro foi para a Casa de Cultura da UEL, depois passou para o Ouro Verde substituindo uma senhora que se aposentara. E lá está até hoje. No teatro, sempre se aprende bastante. Muitos passam, deixam um pouco de si e também levam um pouquinho de Londrina com o que aprendem no Ouro Verde. E como existem pessoas legais, também existem pessoas chatas. E assim se vai levando a vida. Gente de outros países, outras línguas, culturas. Até das línguas, alguma coisinha Cida acaba pegando: francês, espanhol, inglês. Isso sem falar das criançadinhas que vêm com as escolas com suas apresentações, sempre contentes e trazendo coisas boas.
Gente de outros países, outras línguas, culturas. Até das línguas, alguma coisinha Cida acaba pegando: francês, espanhol, inglês.
À cima: Cida, Madalena, Osvaldo e Maurílio. À direita: Antônio Carlos
universidade comprou o teatro, a certeza da perda do emprego. Mas pelo contrário, ele trabalhou ali até se aposentar por problemas de saúde. Senão, estava lá até hoje no serviço. E mesmo assim, está direto visitando o teatro e os amigos. E quem pensa que vida de quem trabalha no cinema é fácil, se enganou. O que esse pessoal trabalhou... Era sábado, domingo, feriado. Em alguns dias, eles passavam cinco sessões. Era o dia inteiro assistindo o mesmo filme. Isso quando não pegavam um longa metragem de 4 horas. Aí não tinha revista nem jornal que vencessem a duração do filme. No meio de uma sessão, na cabine em cima do público onde ficavam, era só ver um casal trocando carinhos que de repente o filme era interrompido e a luz acesa. Aí, só se via gente pulando de vergonha. Ao contrário do irmão Toninho, Carlinhos gostava muito do cinema. Em 1991, foi ele quem estreou a projeção do Cine Catuaí. Eram três salas para ele cuidar, tinha que ficar correndo de um lugar para outro. Toninho e Carlinhos já enganaram muita gente! A voz deles é idêntica. Os colegas contam que Carlinhos não gostava pouco de enganar os outros, gostava muito. Na reforma do teatro em 2002, o pessoal que trabalhava ali se via louco com eles. Via um no teatro, daí descia a mesma pessoa no saguão. Até que depois de muita confusão descobriram que eram irmãos gêmeos.
Era sábado, domingo, feriado. Em alguns dias, eles passavam cinco sessões. Era o dia inteiro assistindo o mesmo filme.
Muitas pessoas E assim, de pouco em pouco, esses e outros funcionários ajudam a construir a história do Cine Teatro Ouro Verde. Cada um com sua contribuição, com sua vida, com seu trabalho, sustentam o palco de tantos shows, apresentações, concertos e festivais que é o Ouro Verde, patrimônio Histórico do Paraná. Eles presenciaram aquilo que quem só assiste não vê. São pessoas que não
Yutaka Yasunaka
aparecem, estão por trás dos bastidores. Mas, de repente, não ser visto por todos traz o privilégio de ser visto por poucos. Poucos que deixam a lista enorme. Ney Latorraca, Selton Mello, Leonardo, Fafá de Belém, Diogo Vilela, Antônio Fagundes, Raul Cortês, Jô Soares, Ari Toledo. E, como eles mesmos falam, para a festa começar, muita coisa acontece antes. Um limpa, um vende, um faz o acerto, outro faz a portaria e tudo vai se ajeitando.
m stro de q rorodas
Um Crônica
O
Ao frequentar os ônibus para usufruir da sua liberade de ir e vir, dá para acompanhar um pouco da novela urbana que se passa no interior desses veículos. São seres humanos partilhando o que mais odeiam dividir: o espaço
certo é que todo mundo é livre para ir e vir para e de qualquer lugar. Entretanto, o que não é certo são as condições para que a maioria dessas pessoas se locomova. Desde que me considero um morador dessa cidade, conheço a triste de uma poltrona, apenas olha - com cara história de viver em um centro urbano de muitas vezes de prazer – para toda aquela consideradas proporções. E, o maior vilão massa humana e ainda acredita ser possíde todo esse enredo são os ônibus. vel que caiba mais ingrediente. Entendo Não é que eu sou que tudo isso faz tão egocêntrico a ponparte de seus serTento ficar alheio a to de odiar ter que viços e também sei toda essa narrativa. Olho que todas essas atiandar pela cidade a bordo de um monstro para a janela para tentar tudes descritas são amarelo de seis rodas. parte do sistema. me sentir como parte Porém, não considero Mas, algo poderia dignamente humano do ambiente externo. ser diferente. conviver num pequeno Outro compoPorém, muitas vezes, toda espaço - que compornente para a trama tentativa é em vão te, no máximo, umas onibulesca são as setenta pessoas – ao crianças que acredilado de mais de cem tam serem as únicas indivíduos. Digo “indivíduos” porque não responsáveis pela sonorização do ambiensão apenas seres humanos que costumam te. Não são apenas seus berros e gritos que usufruir de tal meio de transporte, mas ca- dão trilha para todo o enredo, mas seus chorros, insetos e outros seres também. celulares - de última geração e com capaAlém disso, tem toda aquela novela cidade de emitir o som mais alto que qualque ocorre no interior desse meio. Exis- quer sonda espacial - também contribuem tem todos os tipos de personagem: a começar pelo motorista que te olha com a cara de “odeio o meu serviço” e que, para descontar todo o rancor da vida, tentará fazer com que você se desequilibre e saia rolando pela janela mais próxima, pois a corrida de Fórmula 1 em que ele está participando não pode parar. Às vezes, seu objetivo é frustrado, pois a massa de indivíduos que se encontra no ônibus é tão concisa que seria impossível de alguém se desgrudar mesmo se o veículo estivesse capotando. Tem, também, o cúmplice do antagonista que também é conhecido como “cobrador”. Ele, na sua condição confortável de ficar em cima
Por Lucas Martins
para que a novela tenha a sua sonoplastia. Seus maiores inimigos são os idosos que pedem, gentilmente e sob os seus direitos, para que dêem licença e deixem-nos sentar. Tento ficar alheio a toda essa narrativa. Olho para a janela para tentar me sentir como parte do ambiente externo. Porém, muitas vezes, toda tentativa é em vão. Não dá para ficar imune a toda confusão e todo desprezo causados pelos governantes e empresários responsáveis por toda essa situação caótica que acontece inúmeras vezes por dia. Sei que toda essa minha aversão aos ônibus faz parte da minha criação bucólica de cidade minusculamente pequena. Talvez, para muitos que são nascidos em metrópoles, a cultura de fazer parte dessa novela já é extremamente normal. E, enquanto existir esse hábito totalmente cosmopolita, muitas histórias vão acontecer no interior dos monstros de seis rodas.
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a o b o ã t é ê c o v Baby, m i u r o d sen Por Mayara Sonchini
Um, dois, três, não é só você e eu que de vez em quando lá pelas três da manhã, perdidos em alguma casa noturna, levemente alterados pelo álcool, sem saber como chegamos lá e como vamos embora de repente nos damos conta de que estamos dançando, sem pudor algum, ao som de Britney Spears. Ao nosso redor, nossos amigos mais próximos, que sabem que nós vivemos por aí repudiando a música pop, nos julgam por suas mentes adjetivos como hipócrita e falsa dançam quase que ao mesmo ritmo de nossos quadris, mais adiante pessoas desconhecidas nos observam e nos acompanham até que toda a pista de dança – que nem era uma pista de dança – fica contagiada pela loira que faz sucesso há mais de uma década. Às vezes entre uma música e outra nós olhamos para as outras pessoas, paramos de dançar ou tentamos prender o cabelo enrolando as pontas no topo da cabeça sem sucesso, tudo para disfarçar a verdade: nós estamos dançando ao som das divas do
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pop e estamos gostando! O mesmo poderia ter acontecido em um carnaval de rua de alguma cidade onde se enfileiram carros com sons potentes e antes que percebamos estamos mandando ver no axé ou no funk, “sensualizando” com aquelas músicas que na segunda-feira nós vamos chamar de ofensivas e pervertidas. O ponto chave é que em certas ocasiões, geralmente regadas à algum tipo de bebida inofensiva misturada com “alguma coisa que um amigo trouxe” nós, pessoas normais, que nos orgulhamos de ter lido Machado de Assis no colegial, que acompanhamos as cotações das bolsas e que escolhemos nossas músicas com cautela, nos permitimos abster das regras impostas por nós mesmos e a simplesmente curtir o momento. Artistas como a Britney, que saiu de lá do clube do Mickey para beijar a Madonna no palco da MTV, são perfeitos para desencadear o lado desapegado dos pequeno-burgueses pseudo-intelectuais, há algo no ritmo ou na vozinha fina que simplesmente faz os quadris da classe média se
remexerem de um lado para o outro. E talvez seja essa, acima dos milhões que esses artistas vendem por ano, a função social da música comumente chamada de ruim. De qualquer forma, uma vez que nós nos deixamos levar pelo som da Britney na madrugada afora, a noite fica muito melhor. Agora é aquela hora em que você dança tentando captar os melhores momentos da música com a sua cintura, os seus braços passando pelo seu corpo e se levantando no ar, erguendo seus cabelos porque você está obviamente com calor. A partir de agora é aquele momento em que você finge que está sendo sexy sem perceber, é a hora perfeita para aproveitar as oportunidades que a noite te trouxe. É o momento em que você resolve assim como a Britney fazer da pista de dança o picadeiro do seu circo. E no melhor estilo exibicionista, com aquela luz piscando e bebidas geladas escorrendo pelo seu queixo você incorpora a artista e resolve viver no pecado, que dá mais audiência. Tem Que Pensar | 39
Breves lembranças de quem ajudou a construir o jornalismo em Londrina Walmor Macarini, sobrinho de João Milanez, é um dos pioneiros da cidade Catarinense de Meleiro, no sul do estado, Walmor Macarini decidiu tentar a sorte na cidade que se destacava pelas perspectivas de crescimento e oportunidades. Essa cidade era Londrina, o Eldorado do Paraná. Sobrinho de João Milanez, um dos pioneiros da cidade e criador da Folha de Londrina, Walmor veio de Santa Catarina em 1955 acompanhado de irmãos e primos. Ao ver o tio empenhado em erguer um veículo de comunicação, o recém chegado Walmor decidiu se aventurar no jornalismo. Na época, não havia curso universitário na área. Mas não desistiu da opção que fizera. O início no jornal não foi fácil, pois começou como setorista policial da Folha de Londrina. Aprendendo no dia a dia, Walmor sentiu muitas dificuldades com os desafios da carreira porque demorou alcançar a linguagem jornalística e também por não ter muito conhecimento de leis e ornamento jurídico. Contando com a ajuda dos mais experientes na profissão com correções de texto, Walmor foi descobrindo o caminho das pedras no jornalismo. Depois de ter trabalhado na área policial, Walmor passou pelo esporte, coluna social e economia.
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“Naquela época, os jornalistas eram “clínicos gerais” nas redações, diferentemente de hoje, pois o jornalista que é setorista, geralmente, não tem o hábito de mudar de editoria com frequência. E se mudar, parece que desaprende a escrever!”, afirma Walmor. Diretor de redação por 27 anos, o sobrinho de João Milanez acredita que foi válido ter passado por várias editorias do jornal, pois se sentia apto para entender o funcionamento e a produção das matérias de todas as seções do jornal. Pode-se dizer que Walmor Macarini é um dos grandes entusiastas da Folha de Londrina em uma época em que enfrentaram muitas dificuldades para estabelecer um veículo de comunicação com credibilidade na região. Segundo ele, Londrina criou uma linguagem peculiar logo quando foi criada, que era a do trabalho, da honestidade, por causa da influência da colonização inglesa, que pregava tais preceitos. Além de os ingleses criarem esse costume, também implantaram uma colonização e formação agrária construídas em bons negócios e honestidade. Walmor afirma que os ingleses precisavam conquistar a con-
fiança dos aventureiros que chegavam na (à) região para tentar uma vida melhor, porque se não houvesse essa reciprocidade, o grandioso projeto dos “súditos da Rainha” iria, simplesmente, por água abaixo. Londrina cresceu na confiança depositada pelos ingleses nessa terra. E também com a confiança dos colonos que acreditavam na palavra desses colonizadores. João Milanez, tio de Walmor e dono da Folha, entendeu o raciocínio que fora implantado na “Pequena Londres” e percebeu que a chave do sucesso seria exaltar os empreendedores que aqui estavam. Então, a Folha aprendeu essa linguagem e o jornalismo produzido era adequado ao que a cidade precisava: confiança para crescer de forma expressiva e se tornar um centro de investimentos, sobretudo na cultura cafeeira. Uma relação estreita se estabeleceu entra o periódico e os seus leitores, já que estes enxergavam que o jornal diário crescia junto com a cidade e ambos compartilhariam, futuramente, do mesmo sucesso. Um momento que marcou a vida profissional de Walmor Macarini, em Londrina, foi o Golpe Militar de 1964, ou a “Revolução”, como o próprio se refere à tomada de poder dos militares brasileiros que, na época, tinham o intuito de “apertar os parafusos frouxos que os compatriotas tinham na cabeça”. Walmor é enfático ao afirmar várias vezes que foi quase preso, ameaçado e, certa vez, perseguido pelos militares, quando voltava para casa, à noite, na rua Paranaguá. Imprensa cerceada, medo, pânico, estado de alerta. Esse era o cenário da imprensa no Brasil e em Londrina, também. Mas o que mais assustou Walmor é que a ditadura brasileira tinha face de democracia. Isso fazia que o mundo, pelo menos no começo da “Revolução”, não enxergasse, de fato, o que os militares estavam fazendo. O cerceamento à imprensa começou com força no ano de 1968. “O jornalismo era puro medo”, como define Walmor. Além de ser necessário tomar cuidado nas ruas, quem era jornalista,
deveria ter um cuidado redobrado, pois o perigo estava dentro da redação: os censores. A curiosidade é que os censores, segundo Walmor, eram pessoas com curso universitário e muito bem esclarecidas acerca do assunto. Mas como o regime tinha o poder de mandar em quer que fossem, essas pessoas, esclarecidas, acabaram virando um instrumento de controle sobre a imprensa e o pior: eram responsáveis, também, em informar tudo o que acontecia dentro da redação em que trabalhavam. Depois de quase 20 anos de convivência com os censores, o jornalista até se tornou colegas de alguns. Na madrugada, alguns participavam da vida boêmia junto com os repórteres da Folha de Londrina. Na época da “Revolução”, Walmor já era o diretor de redação da Folha. Por ocupar um cargo de destaque, constantemente era ameaçado pelos militares. A pressão psicológica que os revolucionários exerciam era absurda. Quando era chamado na Polícia Federal para prestar declarações, ação que virou praticamente rotina na vida profissional de Walmor, sempre era questionado sobre as publicações de notas, falas e matérias que, para os militares, poderiam representar um risco grande para o bem da sociedade. “A censura, por si só, para eles, não era suficiente. Era necessário que você também se censurasse. Muitas vezes eu publiquei vazios, porque eles arrancavam a notícia. Aí eles falavam para colocar outra notícia no lugar e eu simplesmente dizia que não tínhamos. Então ficava aquele quadrado do título e do texto em branco. E o leitor entendia o que isso significava. Os censores não gostavam disso. Por isso, também, sempre era chamado na Polícia Federal para explicar o porquê eu não coloquei um texto no lugar. Respondia que não havia como colocar outro material no lugar, seja por causa do horário do fechamento do jornal, seja por qualquer motivo. Eles engoliam, mas não gostavam”, segundo Walmor. O posicionamento dos repórteres da Folha de Londrina, bem como o do jornal, era o mesmo. Sempre pru-
dentes em relação à truculência do regime, que não perdoava nada, nem ninguém. “As ordens vinham expressas por telegrama, diretamente do Ministério da Justiça, com ‘diretrizes’ do que não poderia ser falado no jornal. Eles (censores e agentes da Polícia Federal) implicavam até com o horóscopo, acredita? Certa vez ouvi de um agente da Polícia Federal que aquele determinado dia não poderia ser triste, pois era aniversário de tal General. Então, deduza como era o fanatismo deles”, conta Walmor. De acordo com o clima da época, não tinha como bater de frente com os militares. Era questão de vida ou morte. Disseminar o pavor era a “especialidade da casa”. Uma prática comum dos militares de Londrina era exigir que a Folha de Londrina publicasse cartas forjadas que, supostamente, foram escritas por presos políticos que estavam detidos em Curitiba, que era o quartel general da ditadura militar, no Paraná. Walmor até tentava dizer para os censores que aquele material era falso. Muitos deles sabiam que aquelas cartas foram escritas por terceiros para, justamente, amedrontar a população londrinense. Walmor avalia os vinte anos de ditadura militar no Brasil como um período em que você deveria fazer uma ginástica diária para sobreviver. Toda população vivia apavorada, em silêncio, ou seja, do jeito que os militares queriam. Já com o processo de redemocratização em curso, na década de 80, Walmor afirma que ninguém mais aguentava a situação pela qual o país passava. Tanto a população civil como os setores do empresariado estavam se insurgindo contra o regime. A comunicação teve um papel importante, pois ela se juntou aos que queriam mudança. Walmor permaneceu por mais alguns anos à frente da Folha de Londrina. Hoje, não atua mais diariamente no jornal, que foi o seu ambiente de trabalho por vinte e sete anos. Atualmente, a ligação com o jornal que seu tio criou é pequena, escreve um artigo semanal apenas como colaborador. Tem Que Pensar | 41
Som na PELÍCULA Finalmente as férias chegaram, e nada melhor para curtir o tempo livre em casa do que assistir filmes. Essa é uma boa oportunidade para conhecer alguns longas que têm a ver com o rock’n’roll e colocar em dia todos os longas que você não assistiu por estar muito ocupado. Ai vão opções de filmes com propostas diferentes, mas que tem a ver com o rock.
Tenacious D
A divertida comédia/musical começa com a cena memorável do personagem JB (Jack Black) ainda criança, contando sua história de filho-problema reprimido pelos pais. Depois de levar uma surra do pai (Meat Loaf) por cantar obscenidades na mesa do jantar, JB segue o conselho de ninguém mais, ninguém menos do que Dio, que toma vida em um pôster na parede para dizer ao garoto que fuja de casa e tente ser uma estrela do rock. JB vai então para Venice Beach, na Califórnia. Enquanto toca canções na rua por uns trocados conhece KG (Kyle Grass) e logo a dupla forma a banda Tenacious D. A fim de conseguir sucesso, os dois embarcam em uma aventura atrás de uma palheta mágica que havia sido usada por bandas The Who, ACDC, Van Halen. O filme também conta com a participação de Dave Grohl interpretando
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o Diabo, Amy Poehler como uma garçonete e Ben Stiller como um misterioso vendedor de guitarras. O riso é garantido.
Todo esforço é válido quando se quer assistir um show do Kiss
The Wall
É fato que The Wall é uma obra-prima. Mas isso não significa que seja fácil de assistir. Se você curte muito Pink Floyd já é meio caminho andado, e antes de tudo, você deve ter em mente que se trata de um filme-arte, um musical totalmente não convencional. Não me entenda mal: não se trata de um filme chato, muito pelo contrário. O longa é a tradução cinematográfica do álbum The Wall, que conta a história do rock star Pink, imerso no mundo da fama e das drogas. Pink se tranca em um quarto de hotel em Los Angeles, se isola do mundo enquanto assiste a um filme de guerra e mergulha em suas memórias e angústias, que são os “tijolos” que vão formando o muro em que Pink se protege. Tempo e espaço perdem o sentido, e a mescla de lembranças e alucinações de Pink dita a ordem dos acontecimentos. O resultado é um filme psicodélico que mexe com os sentidos, com cenas de beleza incomparável.
Detroit Rock City
O clássico da Tela de Sucessos do SBT marcou a adolescencia
Fotos: Arquivo/Divulgação
Juliana Benetti
Sam Riley interpretanto Ian Curtis: a semelhança é notável de muita gente. No filme, quatro adolescentes fanáticos pelo Kiss querem ir ao show da banda. A história se passa em 1978, e começa com a religiosa e conservadora mãe de Jam (um dos quatro garotos) se ajeitando para apreciar uma boa leitura acompanhada de um disco do The Carpenters. Quando a vitrola começa a tocar, ela é surpreendida com “I Stole your Love” do Kiss, o que ela chama carinhosamente de “música do capeta”. Em seguida, ela começa a repreender o filho e seus amigos e faz de tudo para evitar que eles tenham contato com aquele tipo de música “de-
moníaca”. As atitudes dessa senhora são uma alusão ao Parents Music Resource Center. O grupo formado por esposas de deputados americanos acreditava que o rock influenciava negativamente os adolescentes, fazendo apologia ao uso de drogas, violência, sexo, suicídio e satanismo. Muitas bandas sofreram acusações sobre conteúdo inadequado – algumas até receberam processos judiciais – e o selo Parental Advisory foi criado para notificar quais discos continham esse tipo de música. Voltando ao filme, os garotos acabam encontrando outras dificuldades além das tentativas de censura, mas a paixão pelo Kiss é tamanha que eles passam por cima de tudo. O filme é uma homenagem ao rock e deixa qualquer um com vontade de pegar sua guitarra imaginária enquanto curte um bom som.
Control
Control é um filme-biografia dos últimos anos de vida de Ian Curtis, vocalista da Joy Division. Ian, interpretado com maestria por Sam Riley, sempre foi interessado em música. Depois de assistir a um show dos Sex Pistols em 76, decidiu que queria estar nos
Na foto, uma das alucinações de Pink. Abaixo, JB e KG encontram o caminho até a palheta mágica do destino palcos. Respondeu a um anúncio, se juntou a uma banda e em 77 nasceu o Joy Division. Ele era um excelente letrista, suas composições eram sempre melancólicas. Isso somado ao timbre baixo-barítono de sua voz configuravam um tom único à banda, sombrio e depressivo. Ian também se destacava pelas suas performances em palco: como sofria de epilepsia, imitava seus ataques. Dizem que o vocalista chegou a ter ataques epiléticos de verdade nos shows, e chegou a precisar de atendimento médico. O filme é todo em preto e branco, e transmite a angústia e a depressão sentida por Ian, que acaba se suicidando enforcado em 80.
Cineclube A Hora Mágica: quando o cinema se torna uma necessidade Mayara Sonchini
Os espectadores estão sentados espalhados pelas mesas de um café em um dia frio de dezembro, sem saber de fato o que os aguarda. De repente começa a projeção. Vislumbrar os milhares de homenzinhos saindo da fábrica como que na direção das mesas foi tamanha surpresa que alguns presentes no Grand Cafe em Paris quase entraram em pânico. Mais de um século depois, não em Paris, mas em Londrina, em uma vila cultural, decorada com chita e temas do folclore brasileiro, há um espaço onde a invenção dos irmãos Lumière está mais do que presente: ela rege vidas. O cineclube “A Hora Mágica” partilha o espaço da Vila Cultural Roda Viva e a parceria dos dois rendeu um projeto escolhido pelo Programa Municipal de Incentivo a Cultura (Promic). Luis Henrique Mioto, o principal idealizador do cineclube tem uma visão muito particular do que é cinema. Para ele o cinema é uma dança, um encontro. Partindo desse princípio, o cinema acontece quando uma percepção que sai de dentro da tela se encontra com a percepção de cada espectador que se está na sala. Ou seja, o cinema também é feito por aqueles que o veem. Parecendo ter sido criados aos moldes dos cinéfilos da Paris dos anos 60, Luis e os parceiros Rodrigo Prado Evangelista e Maria Tereza Pintar conseguiram juntar o oficio e a paixão em um projeto ambicioso que pretende culminar na realização de um filme sobre os personagens singulares de Londrina. O projeto constitui-se em duas
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partes. A primeira, sendo mais teórica, perpassando pelos conceitos do cinema, apresentações, discussões e o conceito do que é singularidade nesse contexto e foi realizada na primeira metade de 2011. A segunda parte, que está acontecendo agora, no segundo semestre, é mais prática e consiste em filmar os personagens singulares escolhidos. O clima dos encontros do grupo é o de uma grande discussão que não necessariamente resulta em um consenso. Espalhados por um tapete que um dia pode ter sido persa, mas que hoje é bem brasileiro, os participantes assistem as filmagens que já foram produzidas e conversam sobre os próximos passos. Entretanto, o início de tudo isso,
ocorreu na verdade há sete anos, quando Luis ainda era só um garoto que queria arrumar uma namorada. Buscando se expor, tal qual um pavão para as fêmeas da universidade, ele começou a se envolver com o Centro Acadêmico e a exibir filmes e ministrar conversas sobre os filmes exibidos. Funcionou. Não só o cinema lhe arrumou muitas namoradas, como ele próprio diz sorrindo, como se transformou em uma vocação. Uma vocação que não se prende a regras. Os criadores do cineclube não gostam de centralizar suas produções e seus feitos, preferem abrir as possibilidades de diálogo, em uma constante renovação de interlocuções. O foco do cineclube não é que as pessoas consumam o cinema e deixem a sala e sim que elas partilhem a mesma (ou não) sensibilização e conversem sobre isso. Aqui, acredita-se que a produção para o cinema é horizontal, um trabalho em equipe. Aqui todos se mantêm humildes e pensam que a figura do diretor não deve se sobressair como um líder totalitarista e sim manter-se junto ao processo de criação. O projeto é de cada um e todos fazem tudo como também não fazem nada. A produção desse novo filme/ projeto, assim como todas as outras
têm se mostrado uma dança difícil. Como a temática já é por si só um desafio fica complicado entender o que o filme pede enquanto forma estética. Para Luis, a câmera tem que tirar a poesia do inesperado e ele ensina ao grupo que muitas vezes o que eles queriam pode não acontecer mas o que não queriam pode funcionar ainda melhor no cinema. Assim, de maneira calma e organizada à medida do possível o grupo de cinema, o cineclube e os idealizadores dos dois projetos caminham juntos e evoluem a cada encontro. Refletindo as experiências de quem acredita que o “tesão” de fazer cinema é poder interligar tudo, dançar com a câmera, se encontrar com o público, de quem acredita que o cinema é um “descoadouro de sonhos”. Nesse espaço, com o colorido das chitas, com os upgrades da invenção dos irmãos Lumière, é que podemos observar a verdadeira magia do cinema acontecendo. Segundo o próprio Luis, o cinema se dá bem porque se abre para as pessoas perdidas e nele elas se encontram e é exatamente o que se observa aqui, um encontro acontecendo, uma paixão crescendo no peito daqueles para quem o cinema já se tornou uma necessidade.
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Sabores A dupla perfeita
PAIXÃO NACIONAL!
Juliana Mastelini Moyses
A coluna desta edição é um tributo ao par mais entrosado do planeta. Aquele casal que não têm frescuras e está sempre de bem. Aqueles que não sonham com o par ideal ou não procuram alguém só pra lhes esquentar no frio. Muito menos usam uma roupa nova pra impressionar o outro. São aqueles que não correm o risco de brigar e de repente se separam. Isso porque eles não ligam em, de vez em quando, serem pegos com outro acompanhante. De terno alinhado A pele morena dele é muito chamativa e combina perfeitamente com a neutralidade alvíssima dela. Ele, sempre elegante e forte, está sempre de terno bem alinhado, bem costurado com listras em tom mais escuro que dão o destaque. Ela, muito delicada, gosta de roupa branca, muito fina, muito leve, muito romântica. Nem tão alinhado assim Temos que admitir que apesar da roupa dela estar sempre impecável, a dele à vezes está meio enrugada, principalmente quando do contato recente com a água. Mas, como é “no andar da carruagem que as abóboras se ajeitam”, é no andar dele que seu terno também vai se ajeitando. Ele Diz o boato que ele é latino-americano, é viajado. Já passou por Peru, Colômbia, Argentina, Panamá, Guatemala, conheceu muito bem os Andes. Ficou famoso na América do Norte. Já se
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instalou em quase todos os continentes: Europa, Ásia, África. Além disso, devido à sua força, foi um apoio e tanto aos soldados em guerra. Ela O sangue latino dele foi se encaixar certinho com o traçado oriental da fisionomia dela. Natural da China, ela é viajada, assim como ele. Foi pra Índia, pro Japão, pras Filipinas até chegar à Europa. Primeiro conheceu Itália e Espanha, depois dominou a Europa. Na juventude, esteve muito ligada aos rituais religiosos orientais. Vindo pro Ocidente, se desligou da religião, dos costumes, tradições. Ele sem ela, ela sem ele I Apesar da aparência e da elegância, ele é mais caipira, combina com outras mais simples. Ela freqüenta as mais altas salas da high society, e combina com outros bem mais refinados, sofisticados, mais intelectuais. Mas apesar das andanças e desencontros, é impossível imaginar um sem o outro. Às vezes ele não está no mercado, às vezes ela. Mas na maioria estão lá: os dois juntos. Ele sem ela, ela sem ele II E aí, já descobriu quem é esse par tão imbatível? Como um casal moderno, eles até topam se separar no final de semana, quem sabe um futebol ou um passeio com os amigos. Mas a saudade não sobrevive à segunda-feira e lá estão os dois juntinhos na sua mesa novamente: os digníssimos arroz e feijão.
Por Marielli Baratto Pode-se dizer que, uma das grandes paixões dos brasileiros, é o futebol. E, quem é fanático por algum clube, aposto que sofre muito na última e fatídica rodada do Campeonato Brasileiro. /o sistema de pontos corridos, adotado pela Confederação Brasisleira de Futebol, em 2002 gerou e gera, até hoje, muitas discussões acerca do assunto. Vários fatos marcaram a história do futebol brasileiro em 9 anos, como a máfia do apito, em 2005, problemas com o ex-árbitro Carlos Eugênio Simon, em 2009 e, o mais recente, a famosa “entegra de jogos” na última rodada do Brasileirão de 2010. /se há tanta rivalidade entre vários times em todos os estados do Brasil, por que vou ajudá-lo, se eu posso atrapalhar? Tentando evitar o que aconteceu no ano passado, a CBF já divulgou a tabela do Campeonato Brasileiro de 2011 da Série A. Muitos clássicos regionais do segundo turno ficaram para o dia 03/12, na última rodada do Campeonato. O argumento usado pela CBF foi que os clássicos fossem estrategicamente agendados em datas decisivas diminuiria a possibilidade de haver uma possível entrega de jogos. Vale lembrar que a última rodada do Brasileirão de 2010 gerou muita polêmica por conta de muitos times terem entrado com muitos reservas em campo para o último jogo do ano. O parâmetro dos principais jogos era que o
Fluminense dependia só da sua vitória para se campeão. Já o Corinthians dependia de uma derrota do Fluminense e Cruzeiro para levantar o caneco. Já o Cruzeiro precisava que o Tricolor das Laranjeiras e o Timão do Parque São Jorge perdessem seus respectivos jogos para o título ir para a Toca da Raposa. Evidentemente, só o primeiro resultado se concretizou. A crítica caiu sobre os times que, supostamente, fizeram corpo mole entre eles, o Palmeiras. O Verdão perdeu para o Cruzeiro e o time de Minas ficou com uma das vagas à pré-Libertadores, já que o Corinthians apenas empatou com o já rebaixado Goiás, no Serra Dourada. Colocar clássicos tão importantes na última rodada não é a solução. O problema está no sistema da competição. Nenhum time iria entregar um jogo em uma semi-final, por exemplo. Nesse caso, o time está pensando só em si, só em seu trunfo e depende só dele para conquistá-lo. Em um país em que a rivalidade entre os times trasncende as quatro linhas do campo, é claro que se um time puder atrapalhar o seu arquirrival, é claro que isso vai acontecer. Uma competição de pontos corridos é, na teoria, muito justo, pois em um campeonato de regularidade, quem for o time que conseguir ser o mais regular possível, será o campeão. Mas, na prática, sabemos que é um pouco diferente da teoria...
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Mito de Truman Capote Crítica
O
Para ler
A Sangue Frio
Truman Capote Ano: 2003 Preço: R$ 59,50 Editora: Companhia das Letras
Truman Capote vivido por Philip Seymour Jr., vencedor do Oscar de melhor ator pelo papel, em Capote (2009) (acima); Truman Capote na década de 1970 (direita) e Toby Jones em Confidencial (2007)
Um jornalista, que cansado de sua futilidade, decide investigar um crime que chocou a realidade do interior norteamericano. Este é o mote para duas obras cinematográficas que revelam o nascimento do jornalismo literário
Por Lucas Martins
E
le era baixo, tinha uma voz peculiar, parecida com um guincho, os óculos e o corte de cabelo lhe davam a notoriedade que a sua figura pública pedia para ter. Frequentava casas de celebridades, conhecia-as muito bem, retratava-as em seus livros. Gostava de contar histórias, verdadeiras ou não. Era Truman Capote, um dos jornalistas que revolucionou o modo de enxergar e fazer jornalismo. Inspirado pelos ambientes que frequentava, escreveu Breakfast at Tiffany's. Tinha talento para descobrir os anseios e traçar o perfil psicológico de cada uma das suas fontes, sejam elas celebridades ou anônimas. Recordava de quase todas as informações que colhia em conversas. “Consigo lembrar 94% daquilo que conversei com as minhas fontes”, gostava de falar. Toda essa boa memória e percepção também o ajudaram a escrever a sua obra-prima A sangue frio. Após ler uma nota
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Truman Capote investigou um crime que chocou o interior norte-americano no final da década de 1950. Na foto, ele e Perry Smith (esquerda) e cena do filme Capote (direita)
no The New York Times sobre o assassinato de uma família em uma pacata cidade do Kansas, o escritor decide investigar mais a fundo as causas e escrever um artigo para a revista New Yorker. E foi essa investigação que serviu de mote para a criação de dois filmes: Confidencial (2006) e Capote (2009).
Ao adentrar-se nos Estados Unidos, o jornalista conhece, então, alguns dos tipos do interior norte-americano, com os quais já havia convivido em sua infância no Alabama. Passa pela curiosidade e estranhamento daqueles que se assustavam com o seu jeito peculiar de ser. E, a muito custo, consegue conquis-
tar a confiança de quase todos os habitantes da cidade de Holcomb, inclusive dos dois assassinos, Dick Hickock e Perry Smith. O relacionamento de Truman com suas fontes é bem focado em ambas as obras cinematográficas. Capote traz um personagem mais comedido, com um pouco mais de sensatez. Confidencial o explicita mais e, de certa forma, transforma o jornalista em uma caricatura, com roupas espalhafatosas e um jeito mais afetado. Nesta segunda obra, o amor entre Perry Smith e o estico, tampouco, são reveladas durante critor fica bem mais evidente, com toda a ficção. O enfoque é mais na relacenas que se tornam um pouco apeção amorosa entre Capote e Smith. Tanlativas. to, que se fosse cômico, a obra se caracConfidencial, talvez, tenha sido terizaria como uma comédia romântica. produzido com o objetivo de chocar Capote, apesar de sofrer de acumais. O beijo homossexual, os gestos sações de plágio dos idealizadores de de Truman Capote, a futilidade das Confidencial, pode ser considerada celebridades e um “quase estupro” uma obra mais bem transformaram o elaborada. As tomalonga em uma ficEm ambas obras das, cenas, a fotoção policial que grafia e o roteiro são cinematográficas, o abusa das generamelhor feitos. Agora, lizações e caricaturelacionamento de Truman o jornalista não é rismos. Além disso, Capote com suas fontes é resumido a um espode-se dizer que bem focado critor homossexual não se encontram que se apaixonou tomadas ou cenas pela sua fonte. A reque necessitam de um pouco mais de lação amorosa com Perry Smith é, sim, criatividade para fazê-las. explicitada. Entretanto, a produção é Nesta, a reflexão sobre como a mais focada em como o caso e o livro investigação e a aproximação das influenciaram a vida de Truman Capote. fontes influenciam a vida do jornalista Ao longo do filme, podemos notar não são abordadas. As questões exisum perfil psicológico do jornalista mais tenciais e a ética do trabalho jornalís-
Para ver
Confidencial
Diretor: Doug MacGrth Ano: 2007 Preço: R$ 19,90 Duração: 145 min, Para ver
Capote
Diretor: Bennett Miller Ano: 2009 Preço: R$ 19,90 Duração: 137 min
denso, traçado pelos roteiristas. No início, antes de submergir ao mundo do assassinato, Capote era uma pessoa feliz, que vivia em um mundo lúdico, rodeado de figuras que não tinham muito do que reclamar. Durante a sua investigação e conversas com os criminosos, que duraram anos, ele se torna depressivo. A sua história demonstra como o jornalista deve tratar as suas fontes. Verdadeiro, ou não, a obra mais recente é um convite para aqueles que buscam entender melhor o mundo do jornalismo investigativo e como a figura de Capote conseguiu alterar toda a estrutura do que era considerada correta na época. A sua revolução e o que ele significou ao escrever A sangue frio estão mais presentes em Capote. Mas, ambas são um convite para adentrar no incrível mundo do gênero que mistura estruturas literárias com fatos reais. Tem Que Pensar | 49