Edição 1 Ano 1
Revista TQP
A casa construída no escuro Uma história de superação
Sobre Rastros
Histórias da rodoviária de Londrina - uma cidade dentro da cidade
Universo: Balé Conheça todo amor e dedicação dos que se envolvem com essa atividade
Direto de Vila Velha, Curitiba e Foz do Iguaçú Uma viagem pelo nosso estado
Crônicas
Críticas
Bem vindo ao circo! A rotina encantadora do picadeiro
Colunas
Artigos
Editorial A mais nova edição da revista TQP (Tem Que Pensar) vem recheada de matérias especiais, produzidas em um estilo mais solto, para quem gosta de viajar com a leitura e se informar ao mesmo tempo. Além disso, a edição desta semana traz ao leitor colunas de saúde, beleza, literatura, teatro e música. Para agradar os leitores mais exigentes, a revista está repleta de artigos e críticas sobre os mais variados temas. O jornalismo é foco de uma crítica, assim como a Ditadura Militar é o tema de um artigo. A opinião das nossas repórteres podendo ser acompanhada nas páginas da TQP. Para relaxar e entreter, a TQP conta também com crônicas engraçadas e leves. E não poderiam faltar àquelas de cunho político, que buscam a reflexão dos nossos leitores. A revista desta semana deu um mergulho na cultura e nas artes. Beatriz Pozzobon mostra aos leitores todo o universo das bailarinas, por um olhar de fora, e também na visão de quem é profissional, e das meninas que almejam chegar lá. Do balé para o circo. Isabella Sanches preparou uma matéria que revela a arte do circo e a vida de quem vive dela. Fim de ano, época ideal para relaxar e viajar. Foi pensando nisso que a repórter Roberta Barboza, em sua matéria, falou sobre os diversos pontos turísticos da nossa capital, Curitiba, além de Ponta Grossa e Foz do Iguaçu. Ainda neste universo, Rafaela Martins fez uma “viagem” em histórias emocionantes e inusitadas na Rodoviária de Londrina. E ainda, a nossa repórter Amanda Abranches nos leva a conhecer a história de um homem de fibra que construiu sua casa e edificou sua vida após perder a visão. Histórias inusitadas, crônicas divertidas, críticas elaboradas, colunas opinativas. Nossas repórteres trabalharam muito para trazer os melhores assuntos para esta edição. E agora, você leitor, pode ter o prazer de apreciá-la, em seus mais vários conteúdos e vertentes. Boa leitura! Beatriz Pozzobon – Editora Chefe – Revista TQP
Expediente Editoras/Repórteres: Amanda Abranches, Beatriz Pozzobon, Isabella Sanches, Rafaela Martins e Roberta Barboza Editora-chefe: Beatriz Pozzobon Diagramadoras: Beatriz Pozzobon, Rafaela Martins e Roberta Barboza Organizadora: Rafaela Martins Professor: Lauriano Benazzi
SUMÁRIO
Universo: Balé página: 21
Bem vindo ao circo! página: 13
Sobre Rastros página: 33 Direto de Vila Velha, Curitiba e Foz do Iguaçú página: 51
Crônicas:
Críticas:
Jornalismo - página 5 Camisa florida, risada garantida - página 6 Uma história da evolução - página 8 As três pontas do triângulo - página 10 Acorda Mariana! - página 11 Cor de rosa - página 48
O jornalista e a pessoa pública - página 32 Você conhece essa história - página 42 Stephen Glass, ética e jornalismo...jornalismo - página 49 “Resistir é preciso”... - página 64
Colunas: Que Beleza - página 12 Ipsis Litteris - página 19 Catarse - página 20 Sintonia - página 40 Saúde em foco - página 46 Artigo: #Occupywallstreet - página 60
A casa construída no escuro página: 43
JORNALISMO
CRÔNICA
POR: RAFAELA MARTINS
Jornalismo não é profissão. É algo que está entre religião e doença. Religião porque o que move o jornalista é algo subjetivo, uma esperança em mudar, uma motivação que muitas vezes o faz passar por cima de todas as dificuldades. O jornalismo entorpece, é cego, é fé. Doença porque vicia, machuca, magoa, mas é inevitável. Um mal necessário. Não vou ganhar dinheiro, não vou dormir, vou me expor, vou correr riscos. Não sei a razão, mas a verdade é que eu gosto. Quem faz jornalismo, gosta. Apenas isso, sem razão. Talvez a vontade de fazer algo seja maior do que as decepções da profissão. Talvez fosse muito pior sem ele, talvez não. Enquanto existirem palavras, será necessário que alguém as diga. Enquanto existirem problemas será necessário que alguém os aponte. Jornalismo não é objetivo, não é o dono da verdade, não é imparcial e, muitas vezes, não é justo. Jornalismo é reflexo da sociedade e das pessoas que formam a sociedade. Um bom jornalista é uma boa pessoa porque jornalismo não é profissão, é mais do que profissão, é um jeito de se colocar no mundo.
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CRÔNICA
Camisa florida,
BEATRIZ POZZOBON Ele se arrumava sempre. Todos os dias estava bem vestido, bem arrumado, bem disposto. Mas, naquele dia, parecia que a vaidade dele era ainda maior. Tomou um banho mais demorado, demorou para arrumar os cabelos e mais ainda para escolher o traje do dia. Abriu o guarda-roupa, parou em frente, e levou cerca de 10 minutos para escolher a camisa. E sim, para ele, hoje o dia pedia a florida, presente de aniversário, o que ele tinha gostado mais. Ele estava conservando a camisa, esperando a melhor ocasião para poder usá-la. E depois de três semanas, poderia finalmente estreá-la. Estava radiante. Colocou o famoso tênis das três listrinhas (ele só os comprou pelas listras) e passou o seu melhor perfume. Estava pronto para sair. E estava se sentindo “o máximo”, sentia as flores estampadas na camisa mais coloridas, mais perfumadas, mais vivas. Sete horas da manhã. Todo o dia esse horário ele
estava no ponto de ônibus. Sempre elegante, sempre simpático. Mas, naquele dia, ele se sentia mais elegante e mais simpático do que em qualquer outro. Olhou para baixo e viu as três listrinhas no tênis. Ficou encantado. A camisa florida havia parado de mexer para que não amarrotasse. Ela tinha que estar perfeita. Sete horas e cinco minutos. O ônibus chega. Bom dia, motorista. Bom dia, cobrador. E eles respondiam: Bom dia, André. Parecia incrível, mas André tinha amizade com todos os motoristas e cobradores da linha que utilizava para ir à faculdade. Mas, não só com eles. Todos que pegavam ônibus junto com André tinham certa admiração por ele, mesmo essa não sendo demonstrada claramente. E entre todas essas pessoas, havia uma em especial que ele gostava mais. Paula. Paula, também universitária, gostava muito de André, mas André gostava ainda mais de Paula. E, naquele dia, ele apostava que a conquistaria. Vinha se
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risada garantida preparando há meses para isso, procurando o visual e as palavras ideais. Logo que entrou no ônibus, ele a viu. Estava linda! Cabelo preso desajeitado num rabo de cavalo, camiseta, calça jeans e havaiana. Engraçado como ela era o oposto dele. E como, mesmo assim, ele era completamente apaixonado por Paula. André apostava no cabelo que tanto penou para que ficasse em seu agrado, apostava nas três listrinhas, apostava nas palavras que lhe eram tão fáceis, mas apostava antes de tudo, na camisa florida, o presente que ele mais tinha gostado e que tinha reservado para uma ocasião especial. Quanto mais se aproximava de Paula, mais ela ria. E isso o deixou extremamente confiante. Sentou ao lado dela, abriu um largo sorriso e esperou para ver a reação da amiga. Para ele, futura namorada. Paula não conseguia parar de rir, e André começou a ficar encabulado. Até que ela, em um instante de consciência, diz: - Que camisa mais horrorosa é essa. Até parece que
você mora no Havaí. E continuou a rir exageradamente. Paula não tinha falado por maldade. Eles eram amigos há anos, e para ela, eram só amigos mesmo. Sentia-se confortável e a vontade demais junto com ele, e por isso, achava completamente normal. Mas, ele não. Olhou para a camisa. Estava achando horrorosa. Não sabia como tinha gostado de uma coisa tão sem estilo, tão feia, tão... tão engraçada para Paula. E, naquele momento, ele não quis parecer simpático, ele não quis “ficar para trás”. Não sabia o que responder para a amiga que continuava rindo, até que falou: -É, quando eu for para o Havaí eu vou com ela. Paula riu ainda mais. Ela estava se divertindo tanto com aquela situação. André sabia que tinha perdido a batalha, mas ele sentaria tantas vezes mais ao lado de Paula, às sete e cinco da manhã, todos os dias, que resolveu que não tinha perdido a guerra. E riu também. E nada mais de camisas floridas!
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CRÔNICA
Uma história da evolução
AMANDA ABRANCHES -Gregório, onde estava? Estou a sua procura á horas! -Estava á beira do lago lendo o escrito que Rafael trouxera pela manhã. Estranha obra! Alertá-lo-ei, antes que o chamem de louco por todo o reino. -Estranha obra? O que traz de tão estranho este novo livro de Rafael? -Fala sobre o futuro. Imagine só! O manuscrito conta a história de um escritor que assim como ele escreve todos os dias, mas não se trata de capítulos, se trata de relatos do reino e de todo o vilarejo ao redor, livros distribuídos aos montes, com figuras do que se passa dentro e fora do palácio, figuras dos camponeses em seus trabalhos. Você não pode mensurar até aonde a imagi-
nação de nosso amigo Rafael vai, o tal livro “diário” até leva algumas receitas secretas das tortas do rei. Lembro-me ainda, que o tal escritor colhia relatos das pessoas para autenticar o que escrevia... -Essas penas e tintas estão fazendo mal ao nosso amigo. Relatos do que se passa dentro do palácio... Hunf, o rei
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jamais permitiria. Ainda sim fiquei curioso, quero ler assim que o terminar. -Sim! E ao anoitecer iremos á casa de Rafael para saber de onde ele tira essas idéias malucas! Numa outra manhã... -Leonardo, venha ver o que traz o folhetim desta semana, todos estão comentando!
-O que? O que é que todos estão comentando? E agora, o que mais aconteceu? -Não Leonardo, na crônica do Paulo Francis... -A... Adoro esse cara, mas me conte Ana, sobre o que é? -Fala sobre o futuro, e eu adorei! Fala sobre um futuro sem os militares e sem esse regime, um futuro de liberdade onde as pessoas falam o que querem e quando querem através de uma espécie de super máquina interligada. Imagine só? Uma máquina onde eu posso dizer o que penso e espalhar pelo mundo todo! -Até que não seria uma má idéia não, viu! Já pensou não precisar dos correios? Falar com a Carminha que se mudou lá para o Maranhão... -Ai, Leonardo! Estou falando de liberdade de pensamento, liberdade de fronteiras e você pensando na Carminha que nem é mais sua vizinha? -Estou apenas dando uma
razão plausível para essa maluquice toda, maquina interligada... Isso jamais daria certo, e quem é que iria inventar uma coisa dessas? Você? Tchau! Estou indo para a faculdade, ganho mais. Até mais, Ana! -Tchau Leonardo, te cuida! Logo mais á noite... - Ô Matheus, o sistema caiu aí? Essa internet ta difícil hoje einh! -Não, aqui tá tranqüilo. -Voltou? -Não! Logo hoje que eu preciso tanto desse computador... Tô fazendo um trabalho imenso aqui. Sabe aquele trabalho sobre as formas de comunicação? -A.... Sei sim, já terminei,fiz sobre imagens. Achei tanta coisa sobre isso! Sabe, nas cavernas... E tal, eles usavam imagens pra retratar a vida e o que faziam... -É eu sei vi sobre isso também, mas achei meio óbvio.
Então resolvi fazer sobre os mosteiros na Idade Média. Rodrigo, os monges escreviam o dia inteiro, eram copistas, transcreviam e re-transcreviam bíblias, escreviam livros, bibliotecas inteiras. E pra época eles eram os “guardiões do conhecimento” escreviam, escreviam e escreviam ,viviam para isso. -Nossa, cansei só de pensar! Mas se a gente parar pra pensar, não estamos muito longe deles não. -Ta ficando maluco Rodrigo, me comparando com um monge? -Ué Matheus, é tudo uma questão numérica. Você fica no mínimo 9 horas na frente do computador por dia, e de certa forma, está escrevendo e lendo. To certo ou não? -É cara, você sabe que eu nunca tinha pensado nisso? Então estou muito bem, sou quase um monge copista!! - É, falta pouco mesmo, só falta agora escrever alguma coisa que preste! ...E assim a história continua.
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As Pontas do Triângulo
Crônica
a verdade. E o problema só piorou a partir daí, crescendo como uma bola de neve. De repente, não havia mais almoços de família, nem passeios juntos, nem nada. Falar o nome de uma na presença de outra? Impensável. E a mãe de Paola, que não tinha nada a ver com o conflito, ficava no fogo cruzado. Sem tomar partido, mas também sem saber o que fazer para amenizar a situação. Já Paola mal podia acreditar no que estava acontecendo. Toda a amizade que ela, Sara e Elena partilharam. Todos os planos, as memórias, os sonhos; desapareceram como se nunca tivessem existido. Mais de cinco anos da mesma situação e da mesma dor e ela não agüentou mais. Resolveu acabar com tudo aquilo. Esperou uma chance em que estaria sozinha em casa, colocou um monte de pílulas na boca, bebeu o copo de água até o final, engoliu, deitou na cama e esperou tudo passar. Porque se sua família era seu mundo, e este mundo estava se despedaçando diante dos seus olhos... bem, o que lhe restava afinal?
Imagem: divulgação
S
ROBERTA BARBOZA iminente voa longe de suas ara mora em uma casa mentes. Um dia, Paola reótima. Está longe de cebe uma notícia maravilhoser uma mansão, mas é bem sa: sua família vai passar a decorada. Aliás, já é grande morar na mesma cidade que coisa em comparação com a Elena e Sara. A felicidade casa de Paola, que mal tem é grande, e ela comemora um quintal. O pior é que o com gosto, sem saber que o piso do tal quintal é de lajo- que mais separa as pessoas tas, e fica muito difícil andar de seus entes queridos não de patinete sobre um piso são empregos em outras ciassim. Elena também tinha dades ou cursos no exterior. um patinete, e, na casa an- São as próprias pessoas. Ou, tiga, o que mais gostava era pior, outras pessoas. E o que descer com ele pela rampa. a gente pensa ser eterno e A nova não tem rampa, mas maravilhoso na infância, dicompensação tem três an- ficilmente continua o mesmo dares e um quarto só para na vidada adulta. ela. As três são primas. Se Por alguns anos, tudo amam, se dão bem e fazem parece perfeito. As três pritudo o que podem juntas. mas crescem mantendo a E o que podem fazer todas mesma amizade de antes. juntas é muito pouco. Por Claro, Elena é dois anos mais motivos de força maior, a velha do que Paola, que por família de Paola mora em sua vez é quatro anos mais outra cidade. Assim, ela é velha do que Sara. Uma ou obrigada a suportar quase outra vez, é quase como se o ano inteiro longe de duas nem falassem mais a mesma das pessoas que mais ama língua, mas isso não as preno mundo inteiro. ocupa. Não vão ser os anos Todo fim de férias é a mes- de diferença, pensam elas, ma coisa: ela chora enquan- que vão separá-las. Nada to o carro dirige para longe, vai separá-las. É, sobre uma mas, meses depois, volta. parte, pelo menos, elas deCom o maior dos sorrisos e finitivamente acertaram. dois abraços carregados de Começou gradativamente. saudades. Por semanas, as As mães de Sara e Elena, três brincam e riem juntas, que eram irmãs, brigaram; pois a idéia da separação por algo bem bobo, para falar 10 - Revista TQP - 28 de novembro de 2011
Uma estória de amizade, família e mudanças... sem final feliz
Acorda Mariana!
CRÔNICA
Isabella Sanches
uma pena quando duas pessoas não se reconhecem mais e tudo o que foi construído precisa ser deixado no passado. Agora, que finalmente Mariana conseguia falar do término do seu casamento sem chorar, um novo baque em sua vida. Acontece que Mariana é enfermeira. A melhor enfermeira da cidade, aliás. Trabalhava no posto de saúde mais movimentado da região e dava a cada um de seus pacientes toda atenção e cuidados necessários. Mas a cidade na qual Mariana mora também passava por um “momento difícil”. O sistema público de saúde foi o primeiro a ruir. Os postos de saúde fecharam as portas, os médicos faziam greves... Foi necessário fazer cortes de gastos e reajustes. Resultado? Mariana foi mandada embora. Sem ocupação, dinheiro e amor, Mariana se rendeu à depressão. Empacotou os poucos pertences do seu apartamento e retornou para a casa dos pais. Tão abatida, não lem-
brava em nada a mulher confiante e determinada que um dia foi. A mãe de Mariana, Lúcia, uma mulher de 56 anos, muito sensível, acolheu Mariana de volta ao lar e permitiu que a filha encolhesse na cama de seu quarto, chorando e sentido raiva de seu destino. Uma verdadeira criança mimada. Porém, Lúcia sabia que crises fazem parte do ser humano. Faz parte do processo de crescimento, certo? Duas semanas se passaram e Mariana não esboçava nenhuma reação. Lúcia não teve dúvida. Acordou gentilmente a filha naquela manhã de sábado e lhe pediu que fizesse as malas e retornasse a seu apartamento. Mariana quis contestar a vontade da mãe, mas esta não lhe deu chance de falar. “Te dei o tempo necessário para o choro, mas agora já basta. Na vida ou você desiste com as adversidades, ou enxerga nelas uma oportunidade para um novo começo. Se reinvente!”.
Depois de tanto tempo e empenho Mariana se sentia fracassada. Tudo o que ela demorou 32 anos para conquistar parecia ter desmoronado de uma hora para outra. Começou com o término do seu casamento de cinco anos, no começo do ano passado. Não foi uma separação dos filmes americanos. Não houve traição, ciúmes, dramas... O amor havia apenas acabado. Ora, acontece! Afinal, para um amor acabar ele precisa somente ter existido. Mas a tola Mariana não compreendia isso. O fim do casamento acarretou outra grande mudança na vida dela. Mariana precisou deixar a casa que ela e o marido haviam, tão cuidadosamente, construído juntos. Cada mobília daquela casa foi planejada pelos dois. Cada enfeite possuía uma história. Com a separação tudo foi vendido e o lucro dividido entre o ex-casal. Mariana se mudou para um apartamento pequeno no subúrbio da cidade. É realmente
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que beleza
Beleza de Economia
AMANDA ABRANCHES
A
indústria da beleza tem investido muito para o acesso de todas as classes sociais. Hoje, qualquer pessoa pode cuidar da aparência física sem precisar gastar muito dinheiro devido às facilidades que o mercado tem proporcionado. Essas facilidades de acesso são o resultado do anseio desenfreado para o alcance de uma beleza que se estampa em comerciais, Outdoors, jornais e vitrines. Uma injeção de direcionamento que de certa forma aprisiona e dita o que as mulheres devem ou não comprar, querer ou não querer. Que a ‘fabrica dos sonhos’ (indústria de beleza) cresce a cada minuto, já estamos cansados de saber. Nos últimos 10 anos, a tal indústria triplicou o faturamento ao facilitar o acesso das consumidoras aos produtos. Nos supermercados é possível encontrar batons simples e baratinhos, pó compacto de todos os
tons, águas de cheiro, cremes, esmaltes, tinturas e uma infinidade de produtos de beleza para todos os bolsos. Estão em mercearias, farmácias e até em postos de gasolina (É, postos de gasolina!), ou em casa mesmo, com vendedores de produtos de beleza batendo de porta em porta. O Brasil é o terceiro maior consumidor de produtos de higiene e beleza, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. De acordo com a ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), nos últimos seis anos, o mercado de cosméticos no Brasil faturou R$13,1 bilhões. O setor cresce em um ritmo mais acelerado do que o PIB brasileiro. Muito bom! Então compremos sem culpa, gastemos pouco, vivamos sabendo que estamos contribuindo para a economia do país girar e crescer? Não, Pensemos que enquan-
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to isso tudo acontece, enquanto bilhões e bilhões de reais giram, famílias vivem com o equivalente a uma tintura + corte de cabelo em um salão de beleza conceituado em São Paulo. Pensemos que o faturamento do Brasil neste ramo é 12 vezes maior do que o orçamento do Paraná para a saúde em 2010. Pensemos na mãe solteira que depende do ‘leite das crianças’ que o governo do Paraná disponibiliza, mas que devido à “injeção” de propagandas não fica sem maquiagens. O que fica bem claro, pelo menos pra mim, é que cada vez mais a população é afastada da realidade. ”Maquiando” o dia-adia da diarista que trabalha em 5 casas diferentes em apenas 3 dias, com batons, perfumes e produtos ao alcance de sua realidade financeira, ela assim, talvez esqueça a discrepante diferença social entre ela e sua patroa.
especial
Bem vindo ao circo! Isabella Sanches No circo todos são bem vindos! Foi pensando assim que Luiz Henrique Silva, mais conhecido como “Bocão”, junto de um grupo de artistas, resolveu criar o Centro Londrinense de Arte Circense (CLAC), em 2005. Bocão, assim como o resto do grupo, era aluno da Escola Municipal de Circo, mas resolveu montar sua própria escola em busca de uma única coisa, nesse contexto fundamental: Autonomia.
H
oje o Clac atende cerca de 40 alunos, a maioria ex-alunos da Escola Municipal de Circo, sem qualquer subsídio. Atualmente em parceria com a Trupe Volare, esses artistas optaram por ter um espaço próprio, com um intuito, ser um local aglutinador de pessoas interessadas em fazer e viver as artes. Seis anos depois, parece que o objetivo vem sendo alcançado. Quem entra no Clac se depara com uma única sala. Colchonetes espalhados por todo o chão e uma grande cama elástica ao fundo da escola. Nas paredes e teto escadas, espelhos, muros de escalada, trapézio e te
cido. Tudo em branco, preto, rosa e amarelo. A música e as pessoas se alongando, pulando e dando risadas, completa o ambiente para que você realmente se sinta no Circo. “Quando os alunos entram aqui quero que percebam que o único limite para os sonhos são aqueles que nós mesmos impomos”, disse Bocão. No Clac, cada integrante do grupo traz consigo um histórico de trabalhos anteriores que fortalece a escola. Bocão começou sua história com o Circo em Curitiba, de onde veio, trabalhando como palhaço animador de festas. Quando se mudou
para Londrina, participou da primeira turma da Escola Municipal de Circo. Foi aí que seu relacionamento com o Circo, primeiramente restrito à figura do palhaço, logo se expandiu para o tecido, trapézio, cama elástica, malabares e outras artes circenses. Bocão traz ainda no currículo um trabalho do qual se orgulha muito. Trabalhou com o famoso palhaço Picolino (Ricardo Queirolo), no Circo de Palhaços do Picolino, de 1999 até o ano de sua morte, em 2003. Foram quatro espetáculos produzidos e muito aprendizado. Na arte encantar e divertir crianças e adultos não poderia
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poderia haver professor melhor do que Picolino. Além de tocar a escola de Circo, Bocão também é produtor cultural e musico da banda Bloco Bafo Quente, mas faz questão de deixar claro que o seu sustento vem do que ele ganha com o Circo. “Vivo fazendo o que gosto... Não poderia ser melhor. Encorajo os meus alunos a fazer o mesmo.”. A aula da turma adulta estava para começar, mas antes de acompanhar os exercícios precisei fazer uma última pergunta: “Por que ‘Bocão’?”, já que a boca dele não pode ser considerada grande. Acontece que um dia, quando andava de skate, Luiz engoliu uma abelha e a sua picada fez com seu rosto, principalmente sua boca ficasse inchada. Era a deixa que os amigos precisavam para dar o apelido. Não consegui segurar o riso.
O circo em movimento Quando a professora Alissar começa a aula todos ficam imediatamente em silêncio, toda a agitação dos alunos agora é focada nos exercícios de circo. Acompanho a aula dos adultos, é uma turma pequena, de apenas sete pessoas, entre 18 e 30 anos. A professora coloca The Doors para tocar e chama todos ao centro da sala para os alongamentos. Muitos 14 - Revista TQP - 28 de novembro de 2011
alunos reclamam de precisar alongar. Engraçado, bem que a professora havia avisado que as crianças, muitas vezes, tratam os exercícios com mais seriedade que a turma avançada. Os alongamentos duram quase quarenta minutos e envolvem toda a musculatura do corpo. Depois de uma série de exercícios puxados, para aquecer os músculos, Alyssar pega uma corda para uma série de
brincadeiras que lembram muito a época do primário. Os alunos tinham que correr e passar pela corda em movimento sem, no entanto, tocá-la. Depois passaram a pular a corda, sem poder errar. Se alguém errasse o pulo a fila voltava para o começo. Todos pareciam retornar a infância com aquele exercício. Essa é a intenção de uma aula de circo. Essa é a intenção do Circo. Após os alongamen-
tos consigo falar com alguns alunos. Depois de precisar responder o porquê eu estava ali, finalmente consigo mudar o assunto da conversa para o que realmente importa, eles! Dos sete alunos, apenas uma está na escola há mais de um ano. “A maioria começou agora, mas uma vez que você pisa no circo não tem como não se apaixonar”, afirma, falando por todos, Luciana Almeida.
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E será que alguém ali tem a pretensão de levar o que começa como uma brincadeira adiante? Quem me responde essa foi o médico Ricardo Mariola, que esquece a correria do hospital nas aulas de circo. “Para mim é mais uma forma de relaxar, de descarregar todo o estresse do trabalho. Mas tem quem vive do circo. A professora Alissar, por ex-
emplo, começou como aluna na escola e hoje ganha para dar as aulas. Você só precisa gostar do que faz, como em toda e qualquer profissão.” Finalmente, chega a parte da aula que os alunos tanto esperam: tecido e cama elástica. A turma se divide entre os dois exercícios. Quatro alunos vão para o tecido e sobem, um por um, até o teto. Só quem
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já viu uma apresentação de circo para entender o quanto os exercícios com tecido são lindos. Ninguém ali parece ter medo de estar distante do chão. Se enroscam por entre os panos, abusam da flexibilidade e rolam de volta até o chão. Enquanto isso, o restante da sala, três pessoas, se divertiam na cama elástica. Dá até para esquecer que esses
exercícios fazem parte da aula. Com impulsos impressionantes, os alunos davam cambalhotas e saltos com muita facilidade. Só a exaustão física fez com que eles deixassem a cama elástica. Quando a aula termina, ninguém tem pressa de ir embora. Continuam na sala conversando, alguns alunos ainda no tecido e na cama elástica. Eu mesma não consegui ir embora. Não antes de prometer que na próxima semana iria voltar, dessa vez para fazer uma aula. Depois de acompanhar a turma, aceitei o convite com muito gosto.
O espetáculo pronto Uma semana depois voltei ao CLAC. Mesmo horário, mesma turma. Fui acolhida muito bem, mas fazer os exercícios de circo não foi tão simples quanto eu pensei
que seria. Como na aula que eu havia assistido, começamos fazendo uma série de exercícios para aquecer. Encostar a cabeça no pé, plantar bananeira, se alongar... Quando o aquecimento finalmente acabou eu já estava cansada. Foi então que me chamaram para o tecido. Que fique claro, quando eu apenas assistia os alunos fazerem os exercícios, achei a distância entre o chão e o teto da escola pequena... Me enganei! Enrolei meus braços e pernas no tecido e comecei a subir. Para isso precisei fazer uma força descomunal, pois a gravidade realmente me queria no chão. Mas com muito esforço e, principalmente, sem olhar para baixo, cheguei até o teto. E foi isso. Não arrisquei qualquer outro movimento. E lentamente voltei até o chão. Do tecido, fomos para a cama elástica. Todos ainda
com muita energia. Não consegui entender como. Minha perna já estava latejando o suficiente para ser difícil andar, imagina então pular. Mas não tive escolha, pois havia prometido que iria participar da aula inteira. Então fiquei ali pulando, enquanto o restante da turma dava piruetas e saltavam uns sobre os outros. Aqui eu confesso que ver a facilidade com que aqueles sete alunos Participar da aula de circo foi exaustivo, mas saí de lá satisfeita. Pra quem gosta de atividade física que passa longe da monotonia e que estimula o contato com outras pessoas, o circo é uma ótima opção. E parece que as pessoas estão se dando conta disso. Há seis anos aberto, o CLAC conseguiu a autonomia que levou os seus professores a sair da Escola Municipal de Circo e iniciar sua própria escola. Atualmente
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Atualmente com cinco turmas, futuros professores para a escola não vão faltar. “As turmas são esforçadas e apaixonadas e é isso que garante a continuidade do CLAC. Temos ainda pessoas nos procurando, para já formarmos as turmas para o próximo ano”, contou a professora Alyssar Ayoub. E os planos para a escola não param. Junto com a
Trupe Volaire, o CLAC vem participando de concursos e shows de talentos da televisão, para colocar o trabalho feito pela escola em visibilidade. Para o dia 10 de dezembro, já está programado o segundo Festival do Nariz Vermelho, para comemorar o dia do palhaço e o aniversário de Londrina. “O circo está sempre em movimento. Quando as pes-
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soas começaram a comprar a televisão, deixaram de ir ao teatro e ao circo. Mas, de uns 20 anos para cá, os palhaços precisaram se reformular e as pessoas se organizaram. O circo e as artes em geral sempre terão o seu espaço e todos estão convidados à participar do espetáculo”, finaliza um dos responsáveis pelo CLAC, Luis Henrique Silva.
IPSIS LITTERIS
O Velho, O Novo E O Gosto Ou porque bruxos, vampiros e lobismomens não são um sinal de decadência na literatura dos nossos tempos ROBERTA BARBOZA credito que, via de regra, uma pessoa costuma ler: a) aquilo com o que ela plenamente se identifica, ainda que inconscientemente e/ou b) o que lhe desperta o interesse. Falo, claro, daquilo que lemos por puro prazer. Não porque nos foi imposto pela lista de livros tratados no Vestibular, que vai cair na prova ou ser bem útil para montar um seminário. Daquele livro que a gente abre e não larga até chegar à última página. Às vezes, nem isso. E por que não? Os livros preferidos de uma pessoa merecem ser lidos de novo e de novo ao longo dos anos. Alternando, é lógico, com aqueles que você nunca tinha ouvido falar antes na vida e começa a leitura ao mesmo tempo em que se pergunta se ela vai corresponder às suas expectativas, boas ou ruins. Naturalmente, nada impede que você acabe gostando de verdade de algo que leu só porque a obra ou seu autor eram o assunto mais comen- tado do
A
momento e você não queria passar a mensagem de que morava dentro de uma caixa, isolado do resto do mundo. Mas este tipo de coisa é rara, ainda que bem-vinda. É por isso que não vejo com maus olhos o crescimento exponencial das legiões de fãs de sagas infanto-juvenis como Artemis Fowl, Crepúsculo e, a provável precursora de muitas delas, Harry Potter. Livros que não são lidos por obrigação e sim porque se quer lêlos. Tem muita gente que leu estas estórias. E adorou. E não contou para ninguém com medo de ser rejeitado por quem se considera a “patrulha do bom gosto literário”. Veja bem, não estou dizendo que séries literárias como estas representam o melhor da nossa civilização nos últimos anos. Entretanto, não se deve ter uma má opinião de uma produção simplesmente por causa do seu público alvo e sem nem ao menos conhecê-la direito. Sejam vampiros que brilham sob a luz do sol ou fadas que moram no subterrâneo, todas elas tem
Divulgação
algo em
comum em seu enredo: a invenção, o faz-de-conta, a inverossimilhança. O que já rendeu pano para a manga de muitas obras consideradas expoentes da Literatura Mundial. Fausto, Frankenstein, Odisséia... O que nos leva de volta à questão de se identificar com aquilo que se quer ler. É mais fácil, penso eu, relacionar-se com um garoto que pode fugir dos tios perversos para uma escola de magia do que com uma criatura feita de pedaços de cadáveres porque, afinal, quase todo mundo tem aquele parente que não suporta ver nem nas festas de final do ano. Obviamente, existem muitos outros fatores envolvidos no sucesso de uma obra, e a capacidade que seu enredo tem de se projetar na nossa vida é apenas um deles. No final, tudo se resume ao seguinte: a literatura tem que seduzir. E tem que ser aos poucos, ou não tem graça. Não adianta chamar um livro de clássico, tornálo leitura obrigatória e tentar enfiálo goela abaixo em alguém e esperar que, de repente, ele goste de ler porque não vai funcionar. O efeito pode ser o contrário: a pessoa pode nunca mais querer ler na vida. Um dia você lê Stephenie Meyer, então lê L.J. Smith e depois, só depois, lê Bram Stoker. E o faz com gosto. Porque você quis ler.
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Catarse RAFAELA MARTINS
Toda Unanimidade é Burra
Se você já ouviu ou citou essa frase deve saber muito bem que o assunto da coluna de hoje é Nelson Rodrigues. Não adianta tentar falar de teatro no Brasil sem lembrar-se do “anjo pornográfico”. Há 70 anos Nelson escrevia sua primeira peça. Em meio a uma crise financeira e já com certo desejo de se embrenhar por esses campos, o autor cria “A mulher sem pecado”, que seria posta em cena apenas no fim do ano seguinte (1942). Sem impacto
Uma nova fase
A intenção do autor era criar uma chanchada, na moda àquela época, e fazer algum dinheiro. No entanto, o resultado foi o primeiro drama rodrigueano. A peça conta a história de Olegário que possui ciúmes doentio de sua esposa, Lídia. Paralítico e atormentado pela possibilidade de traição, o marido acaba despertando na esposa desejos, fantasias e luxuria que à princípio não existiam. Caracterizada como um drama psicológico, a peça não teve impacto em sua estréia, mas ela é a primeira experiência do autor que iria inaugurar uma nova fase no teatro brasileiro.
Em 1943, escreve “Vestido de Noiva” que é o marco do teatro moderno no Brasil. Embora tenha como pano de fundo de seus dramas o Rio de Janeiro, o aspecto psicológico de suas peças tratam de problemas universais. Vestido de Noiva é de montagem complexa, trata de três planos: o da realidade, o da alucinação e o da memória. Foi tarefa de Zbigniew Ziembinski dirigir a primeira montagem. Após o fim do espetáculo a platéia ficou quieta, sem entender o que tinha acontecido ali, os panos desceram e subiram novamente e só então aplausos calorosos invadiram todo o teatro.
E agora? Nelson Rodrigues é clássico do nosso teatro. Aborda temas que chocaram nos anos 40 e vão continuar chocando sempre. A loucura, a promiscuidade, a morte, o sexo, sempre representarão tabus. Muitos encaram Nelson Rodrigues como um doente, pervertido. Essa é uma leitura muito superficial do autor. Sua história de vida é marcada por assassinatos na família e histórias chocantes que serviram de inspiração desde muito cedo para o jornalista e dramaturgo. Nelson era, antes de tudo, alguém que lutava para combater tudo aquilo que é denunciado e escancarado em suas obras. Ele não passava de um anjo pornográfico e, quem quiser, fique a vontade para discordar, afinal, toda unanimidade é burra.
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especial
Universo: balé
Bailarina que é bailarina reserva um grande espaço da sua vida ao balé. São aulas, ensaios, cursos, alongamentos; horas, dias e anos dedicados à dança. Balé é arte, balé é dança. Mas balé só se consagrou desta forma pelo esforço e dedicação das bailarinas POR: BEATRIZ POZZOBON Revista TQP - 28 de novembro de 2011 - 21
S
ábado à noite. O público procura o melhor lugar, o melhor ângulo. As pessoas se sentam, conferem se o local está adequado, e caso esteja, permanecem. Se, por outro lado, concluírem que aquele não é o melhor local para assistir a apresentação, procuram outro que ainda esteja vazio. As cadeiras vão sendo ocupadas, e já não há muita escolha. Privilégio dos que conseguem chegar aos compromissos antecipadamente. E os que vão chegando depois, se organizam da melhor forma que conseguirem. 20h20 e os lugares estão quase lotados. Um pouco antes de a apresentação começar, todos os lugares estão ocupados, e o palco é visto dos mais variados ângulos possíveis. O primeiro impacto que o público tem é com o palco, que está vazio. E antes do espetáculo começar, o que impera é o silêncio e a curiosidade. Já não se ouve mais cochichos. O público está decididamente motivado em assistir ao espetáculo de balé, aqui o termo aportuguesado, que o fez estar lá. É quando, no horário estabelecido, os 13 bailarinos, entre homens e mulheres, ocupam o espaço que estava vazio. A concentração do público é ainda maior. E, no palco, o que se mostra são movimentos leves, contrapondo a movimentos que exigem força e flexibilidade por parte dos bailarinos. Não importando a natureza, o que se preza, e o que se demonstra, é
a precisão nos detalhes. O figurino em tons de bege cobre os bailarinos para mostrar a dança em questão. Grande parte dos movimentos é efetuada no chão e, talvez por conta disso, há um espelho no teto, que permite ao público apreciar o espetáculo de outra forma, além do efeito estético propiciado. Em algumas horas, o ritmo se intensifica e o público fica impressionado com os saltos e as imagens corpóreas realizadas. Tudo feito com perfeição e intensidade. O espetáculo cria vida, e é possível notar o sentimento e a intenção dos bailarinos em cada movimento que é feito. Os movimentos, e o espetáculo em si, são realizados com um objetivo, um sentido.
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E o público vai apreciando e deglutindo tudo isso com o desenrolar da apresentação. “A Sagração da Primavera” é o nome do espetáculo de balé aqui citado. Um espetáculo da Companhia Ballet de Londrina, com criação e direção do coreógrafo Leonardo Ramos. A montagem nasce do sonho de Ramos, que ao resgatar A Sagração da Primavera, joga luz sobre as sombras da crueldade e da violência. Nas palavras do coreógrafo, “na ‘Sagração’ a dor fica mais clara do que nunca. Eternamente o mundo tem tido fome. O terrível é que a fome valorosa está sumindo, dando lugar a vidas vazias, apenas preocupadas com bens materiais”. O espetáculo é também
Imagens: Divulgação
dedicado às mulheres, símbolo das minorias, como um pedido de tolerância a todas as formas de vida. O enredo é relativamente simples. Baseada em uma antiga lenda russa, a apresentação narra a imolação de uma virgem, oferendada aos deuses da primavera, em troca da fertilidade da terra. A jovem eleita dança freneticamente até a morte. Foi apresentada, pela primeira vez, em Paris, em 1913 e causou escândalo pela música dissonante e rítmica de Stravinsky, e pela coreografia repleta de contorções e espasmos. A montagem do Ballet de Londrina estreou no FILO (Festival Internacional de Londrina), deste ano. Para chegar ao nível que está, foram necessários sete meses de ensaios e preparos. E, segundo uma das bailarinas, foi o trabalho que mais se
aprimorou para ir a cena. Talvez por isso, a Companhia já apresentou A Sagração da Primavera, além de temporadas em Londrina, em Castro, Ponta Grossa e Maringá. O segundo semestre reserva apresentações no Rio de Janeiro e Minas Gerais. O que é uma alegria, afinal, uma montagem como essa não pode ficar restrita à cidade que foi criada. Cariocas e mineiros também merecem. E por que não, paulistas, baianos ou gaúchos? Enfim, brasileiros de todo o canto do país. Tanta dedicação e esforço devem, e estão sendo, recompensados. A protagonista da Sagração da Primavera é a bailarina Viviane Terrenta, cuja história, trajetória no balé, dificuldades na carreira e o amor ao que faz, serão conhecidos no próximo capítulo.
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Viviane, vida e vocação
V
iviane é simpática, talentosa e bailarina. Quando a plateia admira a apresentação de balé que ela protagoniza, não imagina o quanto lutou para estar lá. E ela reconhece que o trabalho é puxado, que são necessárias cerca de cinco horas diárias dedicadas ao balé. Depois de Deus, é o que eu mais amo na minha vida, garante a bailarina. E alguém duvida? Manteiga derretida. É assim que ela se define sempre que concede alguma entrevista sobre o seu trabalho. Lembrar do início da carreira e sentir o resultado hoje, pelos elogios dos fãs e aplausos quando
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se está no palco, é o que um artista mais preza. Ela me conta que os aplausos de seu público significam que por algum motivo e, por Deus, você está no lugar certo. Talvez para que eu entenda melhor todo esse sentimento, Viviane propõe: imagina você quando se formar jornalista trabalhar em um jornal ou em uma revista? Eu tenho registro profissional e recebo para fazer o que eu amo. E ainda tenho pessoas em pé ao final de um dia de trabalho dizendo ‘Parabéns’. Ela me diz também que para um artista, receber pelo que faz e fazer tudo com muito
amor, é a melhor recompensa que pode existir. Questionada como se sente quando está no palco, a bailarina responde que cada dia é diferente. Que às vezes sente um arrepio da nuca até o pé. A sensação mais gostosa que já senti antes de dançar, observa. Mas, ela reconhece que não acontece sempre dessa forma. Independente do sentimento naquela hora, o que importa é me sentir completa em cena. Viviane Terrenta é a protagonista da Sagração da Primavera, e encantou a todos do início ao fim. Todo esse brilho da bailarina, porém, não ofusca
a humildade da Viviane. Quando foi convidada para ser a protagonista ficou muito feliz, o que é natural. Ela me diz, entretanto, que qualquer uma das meninas do Ballet de Londrina poderia ter sido escolhida. Todas são muito talentosas, pontua. É Viviane, nós vimos e admiramos. - É claro que tem toda a responsabilidade do papel, mas sou uma bailarina muito tranquila, no sentido de que sempre dancei com a mesma garra. Sendo esse personagem, ou qualquer outro, jamais farei corpo mole ou entrarei em cena com indisposição. Existe sim o cansaço, mas
quando as luzes acendem e a música começa tudo isso desaparece. E para cada espetáculo de balé as preparações são diferentes. Em alguns, os bailarinos precisam ler livros, em outros assistir filmes, em outros as duas coisas. Viviane lembra que para a montagem de um espetáculo já precisou assistir a um parto normal. Depois inicia-se a composição coreográfica, que parte sempre do coreógrafo, com uma pitada de individual na criação de cada bailarino. Viviane iniciou os estudos na dan
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ça, em 1991, com dez anos. Filha de uma família muito simples, com mãe que sempre trabalhou como doméstica, e pai como frentista de posto, ela começou no Centro Educacional do Menor Integrado a Comunidade – CEMIC, de Ibiporã. Um lugar onde as mães mais carentes matriculavam seus filhos para que frequentassem no contraturno escolar, define ela própria. Lá no CEMIC iniciaram as oficinas de dança e a Viviane, hoje protagonista da Sagração da Primavera e integrante de uma das melhores companhias de balé do Brasil, o Ballet de Londrina, quis par-
ticipar. Conhecendo a família humilde de Viviane, a prefeitura de Ibiporã investiu na dança da menina. Após o CEMIC, ela foi matriculada na Fundação Cultural de Ibiporã, para fazer aula de balé clássico. Sempre como bolsista, conseguiu chegar ao seu primeiro espetáculo, e desde o primeiro dia que pisou no palco soube que queria a dança como profissão. Sabia que seria difícil. Minhas professoras falavam que era complicado, mas sempre acreditaram no meu potencial e no meu talento. Viviane conta também que o pai cobrava que ela tinha que trabalhar, mas que não desistiu da dança. Tanto que aos treze anos, conseguiu seu primeiro emprego como professora de balé. E não parou mais. Continuou dançando e dando aulas de balé. Aos 15
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anos, ingressou no Corpo de Baile, da Fundação, onde dançou até os 20. Isso porque foi com 20 anos que fez audição para a Companhia Ballet de Londrina, juntamente com mais 46 bailarinos de todo o país. Foi assim que Viviane, junto com mais dois rapazes, foi selecionada para ingressar à Companhia, onde está há dez anos, como disse, trabalhando muito e recebendo para fazer o que ama. Assim como Viviane, muitas meninas sonham em tornarem-se bailarinas profissionais. Mas poucas conseguem. Aqui em Londrina, são necessários, no mínimo, oito anos de dedicação ao balé para se formarem. Conheça, no próximo capítulo, a história das meninas que hoje lutam para chegar onde Viviane chegou e a rotina necessária para isso.
Passo a passo, além das aulas A apresentação é o ápice do trabalho da bailarina, é quando ela vê que todo o seu esforço deu resultado. Quando as luzes se acendem, e ela é aplaudida pelo público em pé, a bailarina sente que está no lugar certo. Todo o glamour que a profissão passa, é bem diferente do que elas, geralmente, vivem para alcançar um local de prestígio. As bailarinas têm uma rotina puxada de treinos, com cerca de cinco horas diárias dedicadas ao balé. Não apenas dias, são anos destinados ao que elas tanto estimam: o balé. Em Londrina, a formação profissional de uma bailarina leva, no mínimo,
oito anos. Oito anos de dedicação, amadurecimento, formação e evolução. Anualmente mais de cem meninas, e alguns meninos, iniciam o curso de balé na Escola Municipal de Dan-
ça. Mas a grande maioria desiste pelo caminho. Desistem porque os sonhos se encontram e se opõem. As pequenas, apesar de dedicadas, vão ao balé pelas roupas, pela
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apresentação no final do ano, é ainda uma fase onde balé e beleza estão muito entrelaçados. O terceiro, ou quarto ano de curso são os anos com maior desistência. Com a adolescência, as bailarinas têm que conseguir adaptar o balé com a escola, aulas de inglês, tempo livre. Muitas não conseguem. Afinal, o balé não é prioridade na vida delas. E mesmo tendo um apreço imenso a esta arte, as meninas decidem parar para seguir os sonhos delas. Como, passar no vestibular, por exemplo. A fase avançada do curso, o sexto, sétimo e oitavo anos, exigem bastante das meninas. Afinal, as que continuam almejam se formar e se tornar bailarina. O treinamento é puxado, a vida também fica mais complicada, com mais responsabilidades, mas elas continuam. Prosseguem com a rotina de alongamentos, treinamentos, exercícios, ensaios. As apresentações também se tornam mais frequentes. E então, elas conseguem sentir, um maior número de vezes, todo o esforço recompensado. Não que elas precisem dos aplausos para continuar. Mas o reconhecimento do público é o momento que elas sentem a força do seu trabalho.
co, seis, sete, oito. O quadril tem que ficar para dentro, perna dura, postura reta, joelho firme, cotovelo armado, mais leve, cresce o braço, não se pendura na barra, a força é no corpo e não na barra, na hora da apresentação não vai ter barra de apoio. Na turma de 2º ano da Escola Municipal de Dança de Londrina é assim que a aula se desenrola. Nove meninas e dois rapazes já mais maduros. Todas elas cobertas de rosa da cabeça aos pés. É meia rosa, sapatilha rosa, coque com enfeite rosa no cabelo. A música clássica domina o local e as pequenas tentam acompanhar o que a professora solicita. Ela passa a sequência na barra, e as meninas fazem. Algumas esquecem e recomeçam.
E a rotina.... Um, dois, três, quatro, cin-
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Nos poucos intervalos que elas têm, quando a professora vai trocar a música, por exemplo, elas se juntam para conversar. E, submersas pelo ambiente da dança, sem perceber, já estão se alon-
gando, tentando passos diferentes, e olhando no espelho o resultado. Da sala do 2º ano, parto para uma sala de quartanistas. Dez meninas maiores estão na sala.
As meias finas continuam rosas, mas os enfeites no cabelo desapareceram. A exigência e o nível de concentração aumentam, assim como a dificuldade dos exercícios na barra. Como é segunda-feira, as meninas precisam se alongar mais. É uma flexibilidade que assusta e que proporciona imagens lindas. Espacatos, aberturas, e as que ainda não conseguem totalmente, se esforçam ao máximo para chegar onde desejam. Após o alongamento, elas passam para a coreografia, acompanhada atentamente pela professora. E como esquecer a turma do pré balé? As dez meninas pequeninhas entre quatro a seis anos. Essas sim, agora todas de rosa e com mais enfeites ainda. Sentam-se em roda e começam a fazer bor-
boleta. A professora tem um jeito todo especial para lidar com as pequenas. Não quero ver costas de tartaruga, diz a professora a uma bailarininha que estava um pouco encurvada. O alongamento é feito em roda e com música no fundo. A todo instante elas fazem comentários para a professora, que vai incentivando as meninas para que elas não se dispersem. Uma por uma, a professora, ou a tia, como é chamada por algumas, vai corrigindo os exercícios de todas, uma por vez. O que pensam as bailarinas? O último capítulo é dedicado a elas, que tanto se dedicam ao balé. Além disso, a professora e bailarina Patrícia Proscêncio esclarece um pouco sobre esse universo riquíssimo, no qual o balé é o centro de tudo.
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O que pensam as futuras bailarinas A
s três pequenas bailarinas estão sentadas no chão, com pernas de índio, ou de borboleta, como elas chamam. Gabriela de Melo, Vitória Barioni e Ana Clara dos Santos estudam na Escola Municipal de Dança, as duas primeiras há dois, e Ana Clara há três anos. Gabriela e Vitória têm nove anos de idade, Ana Clara, oito. Um desejo torna a rotina e a vida delas bem semelhante: a vontade de se tornar bailarina profissional. Gabriela é a mais falante. Ela conta que sempre gostou de dançar. Desde pequena, diz a pequena, costuma ligar o computador e colocar músicas para dançar em seu quarto. A dança, inclusive, está presente todos os dias na vida delas. Gabriela, Vitória e Ana Clara estão no 2º ano de balé, às terças e quintas-feiras; nos outros três dias da semana elas vão à escola de dança para fazer aula no 1º ano, como se fosse um reforço. Mas elas não reclamam do reforço, ou da rotina rígida que enfrentam. Se entreolhando e rindo, concordam que gostam mais de ir ao balé do que para a escola. Em dezembro elas irão se apresentar. Estão tão ansiosas. Confessam que é a parte da
aula que mais gostam, o ensaio para a apresentação. E que se não conversam durante a aula, a professora coloca “passos legais” na coreografia. As pequenas meninas, vestidas de rosa e com o olhar brilhante, sonham em dançar na sapatilha de ponta e se apresentar com roupas bonitas; ao mesmo tempo em que reconhecem que têm uma rotina diferente da maioria das crianças da sua idade. Patrícia Proscêncio é a coordenadora da Escola Municipal de Dança, e o balé já faz parte da vida dela há 23 anos. Ela explica que os pais que têm filhos matriculados na Escola de Dança sabem que o objetivo da escola é formar bailarinos,
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independente do objetivo dos pais. E, exatamente por isso, o nível de exigência é superior ao das outras escolas. Já no primeiro ano de balé, as aulas são realizadas três vezes por semana, com uma hora de duração. No segundo ano, aulas diárias, com a mesma duração. O terceiro ano conta com aula, de uma hora e meia de duração, todos os dias. As crianças que atingem um desenvolvimento maior, no quarto ano participam também do Ballezinho (balé contemporâneo), que é o início de um processo de profissionalização. Nesta fase, elas conhecem como será sua rotina, se vir a se tornar uma profissional. Com aulas, ensaios, alongamentos, em não menos de cinco horas diárias. No oitavo ano, há ainda aula de pilates para bailarinos. Questionada se a dinâmica é muito exigente, Patrícia, enfática, responde que sim. E que as dificul-
dades encontradas pelo caminho dependem muito da individualidade de cada bailarina. Algumas têm muita necessidade de alongamento, outras precisam desenvolver a musculatura, outras ainda têm que controlar o excesso de peso, com uma alimentação balanceada. A maior dificuldade de Raíssa é o tempo. Aos 14 anos de vida, e seis de balé, ela conta que terá aulas a tarde, no próximo ano. Por conta disso, não sabe se poderá continuar com as aulas de balé. “Vai ser muito difícil para mim, mas a minha prioridade são os estudos”, lamenta. Raíssa Tauil é mais uma menina amante da arte de dançar, e que se dedica muito para isso. A bailarina diz que, assim como as pequenas meninas do início, começou no balé porque achava bonito. Mas que hoje ela sabe que é muito mais do que aparência, e que com a rotina rigorosa, só continua quem gosta de verdade. Ela confessa que a moti-
vação para ter continuado durante os últimos seis anos de vida, foram as apresentações e as viagens para fora. Julia Liberatti está no quarto de ano de balé, aos 13 anos de idade. É apaixonada pelo que faz. Custa a admitir que tem uma rotina rígida. Ela frequenta as aulas de balé clássico, e depois vai para o Ballezinho. Acaba passando a tarde inteira, de segunda à sexta-feira, na Escola de Dança. Mas garante que não estaria feliz fazendo outra coisa. Ela tenta ser modesta. Mas fala, com um sorriso enorme, que para entrar no Ballezinho tem que ser escolhida pelos professores. Ela foi. Julia diz também que há certa competição entre as meninas, para ficar no melhor posicionada na apresentação, por exemplo. Em fase de desenvolvimento, e um pouco mais alta que as suas colegas, Julia cita dois pontos sobre isso. “O bom em ser alta é que aparece mais no palco, e o ruim é que, como os meninos são baixos, fica complicado
Julia achar um par”. Cada uma com suas particularidades, mas todas muito batalhadoras. Não se sabe o que o futuro reserva para essas, e tantas outras, que se dedicam ao balé. Se por ventura, não se tornarem bailarinas profissionais, a certeza é que o balé contribuiu na formação dessas meninas, antes da técnica, uma formação voltada para as artes, mais humana e mais sensível.
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CRÍTICA Isabella Sanches O filme “Frost/ Nixon”, de 2009, é baseado numa série de entrevistas feitas pelo apresentador David Frost, em 1977, com o ex-presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, que havia renunciado três anos antes. Nixon era conhecido pela corrupção e por ser esguio com os jornalistas. Por isso as entrevistas que deram origem ao filme são consideradas uma vitória à Frost. Até então o jornalista era tido como um mero apresentador. Mas Frost investiu trabalho e dinheiro na entrevista com o ex-presidente, e o resultado acabou sendo surpreendente. Muitos consideram que Nixon foi humilhado publicamente, pois o filme privilegia o apresentador e coloca o ex-presidente como vilão. É preciso assisti-lo com isso em mente: nem tudo é como o filme nos apresenta ser. Baseado nas entrevistas e em uma peça teatral escrita por Peter Morgan, o roteiro, escrito por Ron Howard, e a interpretação dos atores leva à crer que estamos assistino à um documentário, quando na verdade trata-se de um filme ficticio baseados em uma história verdadeira. É estimado que, durante a renúncia de Richard Nixon, o número de espectadores tenha sido em torno de 400 milhões, e foi a perspectiva de uma audiência ainda maior que levou Nixon a realizar as entrevistas. Para quem não sabe, o expresidente Nixon foi protagonista
O jornalista e a pessoa pública do que ainda hoje é considerado um dos maiores escândalos de política interna dos Estados Unidos. As investigações contra Nixon começaram a partir do caso de roubo no Complexo Watergate, sede do Comitê Nacional Democrata. O inicio dos trabalhos investigativos esteve muito ligado aos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal The Washington Post. Os dois descobriram a tentativa de espionagem do Partido Republicano, o mesmo do presidente Nixon, que tentou acobertar o crime cometido. Antes de sofrer impeachment, o presidente renunciou ao cargo. As entrevistas concedidads à David Frost, foram uma tentativa de Nixon reverter a opinião pública a seu favor e resgatar uma boa imagem, se mostrando como um ser humano que eventualmente erra, mas que estima o seu povo e que trabalha para o bem dos Estados Unidos. Para aceitar falar com Frost, o ex-presidente exigiu um cachê de 600 mil dólares. O filme se desenrola no que seria a preparação para essa grande entrevista, cujo assunto tanto interessa aos americanos. São transcorridos 35 dias de preparação antes do dia 23 de março de 1977, quando tem início a primeira parte do programa. É possível notar como o jornalismo é tratado aqui como uma estratégia, um jogo de xadrez. A primeira pergunta feita por Frost se dirige diretamente ao caso de Watergate “Por que o
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senhor não queimou as fitas?”, perguntou o apresentador. A resposta do ex-presidente é extensa. Próxima pergunta: “Quando o senhor decidiu exatamente que renunciaria?”. Mais uma resposta longa de Nixon, que parece querer evitar que novas perguntas sejam feitas. No segundo dia, Frost é mais agressivo. No entanto, a tentativa de não cair no jogo do ex-presidente é fracassada, pois muitos consideram Nixon o “vencedor” das duas primeiras edições das entrevistas. No entanto, a última parte traz mudanças. Frost aparenta estar mais interado sobre o caso que abalou os Estados Unidos na década de 70. No último dia, uma extensa documentação nas mãos de Frost, leva Richard Nixon a confessar que agiu criminalmente, justificando que é possível ao presidente da nação mais rica do mundo agir contra a lei para fazer cumprila. O filme, de certa forma, valorizava o papel da mídia ligada a temas políticos. A entrevista é o ponto alto do filme e representa um duelo entre dois homens, duas personalidades. “Frost/Nixon” enfatiza um bom trabalho de investigação, colocando esse fator como sendo o acerto de Frost. Mostrando fatos sociológicos e políticos presentes da era Nixon, ainda que não completamente fiél, o filme mostra ainda a importância do jornalista na “construção” de uma pessoa pública.
Por:
ESPECIAL
Sobre Rastros Um passeio pela Rodoviária de Londrina revela histórias de uma cidade que mora dentro da cidade O Terminal Rodoviário de Londrina – José Garcia Villar é uma das maiores portas de entrada da cidade. Imaginar todos que já pisaram neste local, desde o ano de sua inauguração, em 1988, até hoje, é fazer uma viagem por histórias emocionantes e inusitadas. Todos os que passam por ela estão cheios de expectativas.
Por: Rafaela Martins
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inda é cedo e, enquanto subo as escadas, imagino o tanto de pessoas que já pisaram neste chão. Passos apressados ou lânguidos, pezinhos pequenos e outros enormes. Se pudéssemos colocar em um só lugar todas as pessoas que já passaram por aqui, quantas histórias maravilhosas não teriam, elas, para nos contar? Às 14h, no domingo, o ar da rodoviária é permeado pela preguiça. Já que é impossível ressuscitarmos vultos de todos aqueles que aqui estiveram, melhor focar a atenção naqueles que estão agora. O dia está quente e duas senhoras conversam e gesticulam e se ajeitam na cadeirinha desconfortável. Dona Maria
Aparecida aca-
anos, teve uma depressão
bou de voltar de um “passeio” que deu pela rodoviária e assim que sentou do lado de sua cunhada, Geni, tratou de acordá-la. “Se a gente não conversa o tempo não passa.” As duas são visitantes que esperam o horário do ônibus rumo à Curitiba. “Só sai às três e nós estamos aqui desde o meio dia.” Dona Maria Aparecida é inquieta e falante. Olhou loja por loja do saguão e esperou ansiosamente o relógio dar 14h para que pudesse se entreter comprando algum souvenir, mas já são 14h20 e as lojas não abrem. Ela explica que gostava muito de viajar quando era jovem, mas que, há alguns
muito forte que lhe tirou a vontade de viver. “Para fazer qualquer coisa temos que dar o primeiro passo, ele é o mais difícil. Quando viajamos uma vez não queremos mais parar porque é muito gostoso, mas, enquanto estava deprimida, não conseguia ter vontade de fazer nada.” Até para buscar a felicidade e os prazeres da vida é preciso um “primeiro passo”. Agora os corajosos passos de dona Maria Aparecida estão também imprimidos nas passarelas da rodoviária. Enquanto me afasto das duas senhoras observo a gigante estrutura. São 57.615,80 m² e destes, 16.813,90 m² são de área
construída. O gigante que fez o primeiro projeto, Oscar Niemeyer, pretendia algo que Londrina, na época, não podia pagar. O projeto teve que ser modificado, nada que impedisse que ela fosse premiada como a rodoviária em melhores condições no Brasil, em 2003. Na estrutura circular se distribuem trinta e duas lojas, sete espaços comerciais, cinqüenta e cinco plataformas de embarque e desembarque, dois conjuntos de sanitários, um guarda-volumes, um achados e perdidos, uma sala de turismo, uma guarita de controle operacional de ônibus, duas de controle operacional do estacionemento, um balcão de informações e trinta e
oito módulos de bilheterias com vinte e uma operadoras interestaduais e intermunicipais, quatro metropolitanas e uma urbana, segundo o site oficial. Uma cidade dentro da cidade! Toda coberta por zinco, esta nave possui 9.571,87 m² de plataforma para os ônibus, 8.807,58 m² de área comum para o público, 1.597,58 m² de lojas, 520,44 m² de sanitários e 8.650,00 m² de estacionamento de automóveis. E, exatamente no meio desta selva de concreto, zinco e poluição existe uma singela pracinha que ocupa 20.020,43 m². Sem cobertura, é ela que ilumina de amarelo o cinza do ambiente. Um homem, deitado no banco de barriga para cima, olha para
o céu enquanto aproveita a brisa preguiçosa. Em outro banco, um casal de namorados se abraça. Fico um certo tempo distraída com as formas arredondadas do jardim quando uma voz ecoa por todo o ambiente dizendo algo parecido com “atenção, passageiros com destino à Curitiba embarque na plataforma 23”. Esqueço a praça e me dirijo ao saguão. É a hora do embarque de dona Maria Aparecida e de dona Geni. Elas juntam suas malas com dificuldade e caminham em direção ao ônibus. E eu fico me perguntando o que carregam nas malas essas senhoras? Será que entre roupas e sapatos não existe algo realmente especial?
Entre roupas e sapatos Malas se parecem com seus “donos”. Existem as grandalhonas que carregam de secadores de cabelo a porta-jóias, as velhinhas que já passearam por muitos lugares, as em cores sóbrias cheias de documentos, as do tipo mochila que gostam de aventuras. Elas também são vultos. Imagine o tanto de malas que já não estiveram na Rodoviária de Londrina. Já foram jogadas, empurradas, arremessadas, carregadas e, algumas, infelizmente, esquecidas. Os pés do senhor Augustino Carlos de Macedo, guardados em solas de sapato já gastas, marcam este chão já há 18 anos. Ele se reveza na função de porteiro, no estacionamento, e de responsável pelo GuardaVolumes da rodoviária. Logo
que os meus pés me levaram para a salinha onde o senhor Augustino trabalha, procurei atentamente objetos inusitados que poderiam estar dormindo por ali. Um violão. “Este violão está aqui há quase dois meses, logo ele será levado porque o máximo de tempo que pode ficar é 60 dias.” Além do violão, o senhor Augustino já guardou capacetes, bicicletas, caixas, casacos, e muitas, mas muitas malas. Enquanto conversamos sobre os objetos, um senhor se aproxima. Pede para abrir a mala que guarda ali. “Preciso pegar uma camisa para trocar e uns CD’s também para passar o tempo.” A mala dele é simples, cinza, cheia de roupas e é com muito cuidado que ele a deposita no balcão para devolvê-la. Logo o senhor
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Augustino a coloca para dormir perto das outras. “Hoje é domingo, a maioria das pessoas está voltando para casa, e ainda está cedo por isso está bem vazio. Mas tem dias em que todas as prateleiras ficam lotadas.” Prateleiras lotadas significam muita gente e muita gente significa situações inusitadas. O senhor Augustino já perdeu as contas do tanto de vezes que viu pessoas passando mal, brigando, perdidas ou fugindo. “É bom que tenha a polícia aqui que sempre ajuda quando acontece tumulto. Aparece muita criança fugindo de casa aqui, só que menor de 12 anos não pode viajar sozinho, então a polícia ajuda nesses casos também”. Enquanto o senhor Augustino conta um caso específico de uma criança
que tentava fugir eu penso nos passinhos assustados que este pequeno deixou por aqui. Qual seria o motivo que o levou a isso? Nem eu nem o senhor Augustino vamos saber. O que o guardador de volumes sabe é que o menino gritava desesperado que não queria voltar para casa. Chamaram o Conselho Tutelar - como é de praxe - e o pai. O menino tinha conseguido chegar por meio de caronas. Depois de muita conversa, todos se foram e deixaram o senhor Augustino sem saber que fim levou aquela criança e seu plano de fuga. Desconsiderando as histórias tristes, o que o guardador de volumes mais gosta de fazer é ajudar quem está perdido. “Hoje em dia tem mais jovens que viajam para cá e muitos chegam completamente perdidos.” É ai que o senhor Augustino executa a sua função mais importante: a de dar um caminho para esses passos errantes. “Tem gente que chega nervosa, insegura, então além de ajudar eu procuro acalmar. Um dia eu também cheguei a Londrina sem conhecer nada, não sou daqui, então sei como é bom quando os outros não só nos ajudam, mas também são simpáticos e nos acalmam”. O telefone toca e o senhor Augustino é chamado no estacionamento. Depois desta longa conversa chego à conclusão de os passos daqueles que aqui trabalham deixarão importantes marcas neste chão. Revista TQP - 28 de novembro de 2011 - 37
Rastros que viram poeira Ao sair para o saguão me deparo com Wanda Ferreira, uma zeladora que com suas vassouradas firmes e rápidas trata de apagar as marcas de pés que minha imaginação insiste em enxergar. Wanda é terceirizada e trabalha a um ano nesta nave. Antes, limpava o Terminal Urbano Central. Ela explica que ali existem dois casais que se revezam,
um dia fica um homem no banheiro masculino, uma mulher no feminino e os dois que sobram, no saguão, no dia seguinte, os que estavam no saguão vão para os banheiros. “O dia do banheiro é o dia do castigo porque ninguém gosta de limpar lá”. Enquanto eu procuro poesia em rastros de pezinhos que já viraram fumaça esquecida no tempo Wanda me mostra uma realidade bem diferente. Ela conta o quanto é difícil lidar com os mais variados tipos de pessoas que
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circulam por ali. E se detém em uma história de uma mulher que insistia em lavar os pés em uma das pias do banheiro. A zeladora tratou de pedir para que a senhora não fizesse aquilo e foi profundamente destratada. “Fiquei sentida com a falta de educação, mas eu não deixo barato não, chamei a gerente e a mulher teve que se desculpar.” É um trabalho ingrato este de sempre se repetir dando as mesmas passadas firmes e ligeiras de um lado para o outro com sua vassoura.
Wanda já quis desistir,
mas lembra que os tempos de terminal central eram mais complicados ainda. Ela sabe da importância que tem para aquele lugar e olha com orgulho para todo o saguão que está limpo graças ao seu esforço. Eu também paro por um instante e tento captar todos os detalhes. O entrelaçar da ferragem que formam a estrutura da nave. Os
desenhos que os reflexos de sol pintam no vidro conforme as pessoas passam. O telão que reproduz um filme. A agilidade das moças em uma das lanchonetes. O tilintar de copos que estão sendo guardados. O delicioso cheiro do suco de morango. O barulho das rodinhas de uma mala. No meio de todo esse movimento um casal de
namorados se olha e se abraça por certo tempo. Os pés da moça a levam para o ônibus e, enquanto ela chora, os pés do rapaz o levam para as escadas. Sem olhar para trás, ele segue seu rumo fazendo com seus passos virem apenas mais poeira. Poeira essa que me inspira enquanto é arrastada pela vassoura de Wanda.
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Sintonia
SINTONIA
Isabella Sanches Mestre em orquestração, é difícil escolher as palavras certas para descrever John Williams e suas obras. Afinal, o americano tem em seu currículo as trilhas sonoras de filmes como “Superman”, “Tubarão”, “Harry Potter”, “StarWars”, “Jurassic Park”, “Guerra dos Mundos”, “Indiana Jones”, entre tantos
outros. Williams compôs melodias para mais de 100 filmes e ganhou Oscar por cinco de seus trabalhos: “Um Violinista no Telhado”, “Tubarão”, o primeiro “Star Wars”, “E.T.” e “A Lista de Schindler”. No entanto, não é pelo volume de sua obra que John Williams pode ser
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considerado um dos grandes compositores da história recente. Seu trabalho é marcado por um estilo grandioso e suas melodias se tornam “hinos” facilmente incorporados pelo público. É impossível não reconhecer o seu estilo, que mistura, entre outros instrumentos, violoncelos, violino, trompa,
trompete, flauta... Uma orquestra inteira a serviço do cinema. Suas trilhas possuem um viés mais clássico e imponente e com o filme “Tubarão” Williams começou a ganhar visibilidade. No suspense, dirigido por Spielberg, o músico conseguiu dar vida ao vilão submarino com um tema principal feito com apenas duas notas que se alternam. A trilha tornou-se símbolo de suspense e de aproximação do perigo e rendeu ao filme o Oscar de Melhor Música. Outra trilha sonora que marcou a carreira do americano foi a de Indiana Jones. Em “Os Caçadores da Arca Perdida”, “Indiana Jones e o Templo da Perdição” e “Indiana Jones e a Última Cruzada”, Williams
desenvolveu diferentes temas que caracterizam os personagens da trilogia. O tema principal, “The Raiders March”, que passou a identificar o personagem, é o que permaneceu ao longo da saga com algumas variações. Para acompanhar as aventuras de Indiana Jones, Williams capturou na música o espírito aventureiro do herói através de uma fanfarra de trompetes seguida por todo um background orquestral. Mas a perfeição da obra de Williams está na trilha sonora de “Star Wars”, executada pela Orquestra Sinfônica de Londres. As músicas são brilhantes e cumprem o papel de envolver o público na atmosfera do filme. Destaque especial para o tema de Darth Vader que
incita no público sentimentos como raiva, tensão, pânico e vingança. A entrada triunfante de Darth Vader não teria o mesmo impacto sem a trilha sonora do maestro para acompanhá-lo. Aliás, todas as faixas compostas por Williams pontuam cada cena magistralmente tornando-se uma extensão inseparável de “Star Wars”. É complicado definir quando um compositor se torna genial, mas é possível afirmar que John Williams fez história e se tornou referência quando o assunto é trilha sonora. A sua obra possui tanto impacto quanto as imagens que surgem na tela. As músicas do maestro foram muito imitadas desde então, mas nunca igualadas.
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crítica
Você conhece esta história... Como policiais e promotores, jornalistas e psicólogos não tão
Roberta Barboza comecinho é agradável: um grupo de crianças bonitinhas brincam felizes em um parque, despreocupadas. A cena seguinte, nem tanto. A coloração alaranjada e a trilha sonora alegre, usadas no parque infantil, dão lugar a uma atmosfera com pouca luz, exibindo a entrada de uma delegacia de polícia. Uma dona – de – casa comum leva seu filho pequeno ao local e faz um boletim de ocorrência. A criança teria sido molestada na creche que freqüentava, a McMartin, mantida pelos membros da família de mesmo nome. Esta primeira denúncia origina uma investigação policial que se desenrola por semanas a fio. Eventualmente, várias pessoas são presas, mandados de busca são executados e o caso chega à imprensa. A reação da população é exatamente a esperada em uma situação como esta. Mesmo porque não existem palavras para descrever o horror que foram dezenas de meninos e meninas terem sido abusados sexualmente. E o que é ainda mais terrível: os criminosos eram professores e outros funcionários da pré – escola onde as crianças estudavam. Que estória macabra! Não, este não é mais um documentário sobre o infame caso
O
da Escola Base, que ocorreu em São Paulo, em março de 1994. Por mais que as seqüências gerais dos fatos em ambos os casos sejam bem similares, este é o filme feito para televisão e conhecido no Brasil como Acusação – O Caso McMartin (Indictment – The McMartin Trial, Estados Unidos da América, 1995, 135 minutos). Trata – se da estória real das acusações de abusos sexuais cometidos contra crianças de uma creche na cidade de Manhattan Beach, no estado da Califórnia. O resultado foi o mais caro julgamento da história do país até então – em torno de quinze milhões de dólares – o qual durou mais de meia década, sem nunca obter uma única prova conclusiva, confissão ou condenação. Talvez a pior parte seja o fato de que a situação poderia nunca ter chegado a tal ponto. Em setembro de 1983, um mês depois que a denúncia feita pela senhora Judy Ann Johnson, e a subseqüente investigação contra Raymond Buckey – neto da dona da escola, Virginia McMartin – não resultou em nada, a polícia decidiu entrar em contato com os pais e responsáveis de duzentas crianças que, em algum momento, estudaram na McMartin. Uma carta oficial pedia aos pais que questionassem seus filhos sobre os supostos abusos que teriam acontecido na escola. A resposta foi “não”. As crianças, então, são levadas ao C.I.I., o Children’s Insti-
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tute Internacional, ou “Instituto Internacional das Crianças”. O filme mostra habilmente o tratamento que lá elas recebem de Kee MacFarlane – aqui vivida pela atriz Lolita Davidovich – que jamais estudara psicologia na vida. Elas são elogiadas quando concordam que foram estupradas na escola, e insultadas quando discordam. Logo, os alunos tecem estórias bizarras, que a imprensa nacional dissemina como um vírus. Elas dizem que presenciaram a mutilação de animais e ouviram ameaças aos seus pais caso contassem a “verdade”. Que foram forçadas a participar de filmes pornográficos. Que testemunharam rituais satânicos em igrejas. Ridículo. Foi necessário o trabalho hercúleo do advogado de defesa, Danny Davis – interpretado brilhantemente por James Woods – para conseguir a absolvição. O que nem de longe significou o fim da história: similarmente ao caso brasileiro e graças à mídia, a reputação dos acusados foi completamente arruinada. De tal forma que, até hoje, boa parte da população ainda os considera culpados. Afinal, a imprensa não é chamada de “O Quarto Poder” à toa.
ESPECIAL
A casa construída no escuro A vida de um homem que não tinha nada e só depois de ter perdido a visão conseguiu ser feliz
POR: AMANDA ABRANCHES
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A
po, que segundo o IBGE, o passar pelo portão, equivale a 1% da população o que se vê é uma casa sin- brasileira, e em Londrina gela que mesmo sem pintura a média é muito parecida, consegue ser delicada. Por- quase 1% dos londrinenses tão á dentro flores de todas possuem alguma deficiência as cores e espécies enchem visual, ou seja, quase 5 mil os olhos e nos mostram dan- londrinenses são cegos. E çando conforme o balanço como Londrina lida com esdo vento, que é possível ser sas pessoas? Há o devido feliz em meio á tantas dificul- cuidado, acessibilidade, emprego ou mesmo suporte? dades. “Olha, eu demorei um pouQuem vê, assim, um jardim tão bonito, não imagina co pra me... pra me adaptar. que cada flor foi plantada por É bem difícil sabe...a minha mãos que na maioria do tem- sorte foi que encontrei minha po são os olhos de alguém. Verinha que me ajudou muito!” Marcelo conta com um São os olhos de Marcelo. Marcelo Resende, é o ter- belo sorriso no rosto como ceiro de nove irmãos. Todos conheceu sua atual esposa, carregam em seu sangue Vera. “E eu já era cego!!!( risos) uma doença hereditária, que se negligenciada provoca Eu fui morar com um amigo cegueira total. A alta-miopía meu, e ela era vizinha dele. tem tratamento e pode ser Todo dia de manha quando controlada se o paciente ela saia, eu estava na varantomar os devidos cuidados da e chamava ela pra conversar, daí em diante a genprescritos pelos médicos. “Eu não ligava muito, meus te conversava todo o santo irmãos até se juntavam pra dia, parecia até duas criancipagar os óculos. Uma vez nhas! Ninguém botava fé na fizeram uma vaquinha entre gente não, acho mesmo, é eles para pagar minha cirur- que não botavam fé em mim. gia, mas eu não dava impor- Mas ela nem ligava!” O homem se viu apaitância, Gastava tudo com pinga!” Marcelo conta que xonado por uma moça que seus irmãos também nunca nem “conhecia”. “E como tiveram muito dinheiro, mas eu ia ficar com ela, se morase esforçavam para que ele va de favor?” Foi então que Marcelo descobriu o Benenão ficasse cego. Mas o tempo passou e a ficio de prestação continuafatalidade foi inevitável, Mar- da. Trata-se de um benefício celo agora era um homem de federal de um salário mínimeia idade, sem emprego, mo para deficientes visuais. Esse auxilio de renda, é jussem irmãos e sem visão. Marcelo faz parte do gru- tamente para pessoas que
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como Marcelo não tem preparo para entrar no mercado de trabalho tendo alguma deficiência. Londrina é uma exceção á regra quando se trata de inserção de deficientes no mercado de trabalho. É o que explica José Giuliangele de Castro, secretário municipal da pessoa com deficiência e da acessibilidade em Londrina. José é fisioterapeuta, pós-graduado em saúde coletiva e é deficiente visual. Conhecido como “Zézinho”, conta que Londrina promove o preparo necessário para essa inserção, mas a maior dificuldade para os Df. Visuais, é que as empresas não se adaptam as ajudas técnicas, que seriam as tecnologias assistivas, ou seja, aparatos para promover segurança aos
Divulgação
ria sua vida. Zico sugeriu que Marcelo pedisse a associação de moradores de seu bairro que o ajudasse, já que a associação tinha grande peso na região. “Nossa, eu nem acreditei quando ganhei aquele terreno! Eu estava feliz por ter ganhado, mas estava mais feliz ainda, por que sabia que agora eu ia poder ter minha casa e a Verinha!” O terreno seria apenas o primeiro passo, a casa teria que ser construída, material, tempo e mão-de-obra. “Eu ia esperar quem pra construir minha casa? Tinha que fazer aquilo sozinho. Chamei Zico, que chamou uns peão pra me ajudar, e assim a casa
trabalhadores portadores de deficiência visual. “Agora com a assessoria de acessibilidade, mapeamentos serão mais viáveis. Estamos com o projeto de cadastro único para ajudar na identificação e encurtar a burocracia para quem precisa do Beneficio de prestação continuada. Infelizmente, esse benefício só é permitido para portadores desempregados, o que é ruim, já que o benefício se torna desculpa para a acomodação, que acaba por se tornar mais um respaldo para os preconceituosos.” A assessoria de acessibilidade já está em pauta a algum tempo na câmara, mas só esse ano conseguiu sair do papel e já traz melhorias para os portadores de
deficiência. Dentre outras leis, a assessoria defende que o deficiente físico só pode ser demitido para que outro deficiente físico entre no lugar, e claro por justa causa. A lei garante que uma empresa do setor privado que tenha o número de funcionários acima de 100, tenha contratados pelo menos 2 % de funcionários portadores de alguma deficiência, 200, 3%, 500, 4% e acima de 1000 funcionários 5 %. Para o setor público o mínimo estipulado é de 5%, independente do número de funcionários “Bom, depois do benefício, ficou mais fácil. A Verinha trabalhava e eu tinha meu salário também, o problema é que não tinha onde morar.” Marcelo conta, que uma idéia de seu amigo muda-
saiu!” Marcelo financiou com ajuda do banco todo o material de construção em pequenas parcelas, e em pouco tempo lá estava ela, a casinha de pé, com quarto, sala, cozinha e banheiro. E nas paredes o que fica estampado é a perseverança de um homem que não tinha mais esperança de ser feliz. Da janela pode-se ver a reconstrução de uma vida e a felicidade plantada entre Rosas, Gérberas e Onze-horas. Marcelo agradece a Deus por tudo o que conseguiu e termina sua história: “Hoje eu sei que sou uma pessoa muito melhor!”
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SAÚDE EM FOCO
POR: BEATRIZ
Como assim fim do McDona Alimentação saudável deve ser uns dos dez assuntos mais discutidos em todos os cantos do mundo. A preocupação é cada vez maior. Não posso comer isso, preciso comer aquilo. E por aí vai. Algumas vezes chega a cansar. É claro que ter uma alimentação saudável auxilia em uma melhor qualidade de vida, diminui o risco de doenças e de obesidade. Mas tudo precisa ter um equilíbrio. Então surge uma pessoa natureba e fala: viu, até a alimentação deve ser balanceada. Os Estados Unidos são um dos países que mais sofrem com o aumento dos restaurantes fast food. A obesidade infantil triplicou nos últimos 30 anos. Atualmente, uma criança em cada três tem excesso de peso ou é obesa no país. Para tentar reverter esse quadro preocupante, centenas de médicos americanos participam de uma campanha para proibir a rede McDonald’s de
promover seus produtos entre as crianças e forçar a rede a eliminar seu mascote, o palhaço Ronald McDonald. Os médicos argumentam dizendo que os sanduíches são ricos em sal, gordura e açúcar. Outro ponto da discussão é a proibição dos brindes em seus “McLanches Felizes”. Não sei o que vocês acharam disso tudo. Eu considero um exagero. Além do mais: será que resolveria o problema? As crianças dos EUA só comem lanches do McDonald’s? Porque as do Brasil, com toda certeza, não. E os pais dessas crianças? Não conseguem educar seus filhos? Não posso negar que a propaganda é
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chamativa, que a rede é poderosa mundialmente e que os lanches são deliciosos.... e mega calóricos. No entanto, vivemos em um mundo capitalista e feliz, ou infelizmente, alguém teve uma idéia, criou a rede McDonald’s e há tempos ganha muito dinheiro com isso. Sou a favor de pais atuantes, que conversem com seus filhos, e os ensine o que é bom, e o que não é. Que mostrem que eles não podem
Z POZZOBON
ald’s?
SAÚDE EM FOCO
Por uns centímetros a mais A busca pelo corpo perfeito, ou pelo corpo divulgado nas campanhas publicitárias, é cada vez maior, mais perigosa, e começa cada vez mais cedo. Na tentativa de ficarem alguns centímetros mais altas, meninas estão atrasando a primeira menstruação. Há algum tempo a menarca está chegando em meninas cada vez mais novas. Se antes a idade média da primeira menstrução era aos 13 anos, hoje é aos 11. E, além disso, elas agora têm informações sobre o assunto, conversam com as amigas e buscam conselhos, principalmente por meio das redes sociais. Puramente Estética Em alguns casos atrasar a menarca é interessante, como na puberdade precoce, anterior aos oito anos de idade. Mas, na maioria deles, o atraso da primeira menstruação é estritamente por uma questão estética. Elas querem ser mais altas. Algumas gostariam de crescer até 15 cm. E, na busca desenfreada pelo corpo perfeito, chegam a se automedicar com remédios não recomendados.
ter tudo o que desejam. Que filhos devem respeito aos pais. Que sejam exemplo de como se alimentar corretamente, e que, dessa forma, os filhos achem natural. Sou a favor de juntos, pais e filhos, terem a liberdade de, no fim de semana, comer um McDonald’s. E no outro, quem sabe, um prato de salada. Mas os pais não têm mais tempo. E a solução é proibir tudo. Até quando?
E vale a pena? O tratamento é realizado com um anticoncepcional implantável de progesterona, que começa a ser utilizado aos primeiros sinais da puberdade. Mas, mesmo com acompanhamento médico, o uso pode levar a alterações de humor, frustrações e, pior, depressão. Se tudo der certo, a menina pode crescer 5, ou 10 cm. Será que vale o esforço? Centímetros a mais hoje... Quem se arrisca em um tratamento aos 11 anos de idade, em média, para crescer cerca de 5 cm a mais, é propícia a procurar tratamentos estéticos mais arriscados com o passar do tempo. Cinco centímetros a mais hoje, cinco kilos a menos amanhã, um pouco mais de seio ficaria bom, e porque não uma plástica no nariz? E os pais? Continuo a insistir no papel dos pais para frear os impulsos de seus filhos. É claro que, em casos específicos, e com acompanhamento adequado, tratamentos estéticos são bem vindos. Mas tudo precisa de cautela. Criança não tem que viver maquiada, ou com roupa de marca. Criança não tem que se preocupar se a unha está feita, ou se o cabelo está ajeitado. E, muito menos, se sentir pressionada a crescer 5cm, quem sabe?! Criança tem que brincar. Em última instância, criança tem que ser criança. Preocupações a gente deixa para os pais delas.
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crônica
Cor de Rosa
RAFAELA MARTINS Arrumou o xale cor-derosa que insistia em cair do ombro. Abriu a porta e, com passos muito curtos, foi arrastando seu andar penoso pela sala. À direita, o piano antigo refletia a luz do sol que vinha de fora e dava uma cor amarelada para todo o cômodo. À esquerda, um sofá branco encardido e uma mesinha cheia de souvenires, cada um de um canto do mundo. Olhou para a pequena torre Eiffel e se lembrou da dourada juventude. Pegou o globo de neve canadense e sentiu aquele frio que só sua memória poderia trazer de volta. Na biblioteca, passou a mão por entre os livros até parar bem em frente ao primeiro Machado de Assis que seu pai lhe deu, depois vieram Dostoieviskis, Flauberts, Saramagos, Clarices Lispectors, Guimarães Rosas, e tantos, mais tantos outros... Virou de costas e viu a poltrona em que seu pai lia todas as noites. Um ritual lindo. Colocava licor na tacinha. Ia até a biblioteca. Escolhia a obra. E ficava exatas duas horas sentado, viajando pelo mundo das palavras sem que nada, nem ninguém, o
interrompesse. Na cozinha, o tic tac do relógio não parava. Sentiu cheiro de bolo de cenoura. Lembrou de quando roubava a cobertura de chocolate sem que a mamãe percebesse. A geladeira foi presente de casamento dado pela madrinha. Era uma muito luxuosa para a época. Quando fazia muito calor, ela e Ruthinha abriam a porta e ficavam se refrescando escondidas da mamãe. Ruthinha virou ótima cozinheira depois, sempre foi a mais prendada, a mais obediente, a mais bela, a mais romântica. No quarto, o cheiro era uma mistura do perfume com a brilhantina dele. Insistia em passar, mesmo nos últimos anos de vida quando já estava totalmente fora de moda topetes daquele tipo. Viu pela janela o jardim morto. “Como tudo nesta casa” – pensou. No tempo em que ele ainda estava aqui, o jardim era lindo. Os dois cuidavam juntos da roseira. Seus olhos se encheram da água. Um gosto amargo ficou na boca. Um nó estranho na garganta. Tinha que se deitar, precisava ter paciência. Deu três passos e deixou
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seu corpo desfalecer nas colchas de crochê cor-de-rosa que estavam sobre a cama. O rosa do xale se confundiu com o da cama. Foi se encolhendo lentamente até alcançar o travesseiro. Tudo parecia muito lento, em câmera lenta. “Paciência!”. Fechou os olhos devagar. O tic tac do relógio ditava o ritmo do seu pulso, quanto mais distante e baixo o ouvia, mais lentamente seu sangue corria no corpo. Estava frio, “como no Canadá”. De repente, todas as fases da sua vida começaram a passar correndo por entre seus olhos e o que era lentidão se tornou vertigem. Aquelas pessoas acenavam, sorriam, chamavam. “Vem Gloria! Pode vir!”. Os vizinhos da infância, a primeira professora, o padeiro, seus primos do sul, estranhos que via sempre nos cafés de Paris, colegas de faculdade, todos giravam, corriam, gritavam. “Vem Gloria!”. Uma náusea e um medo se apossaram dela. Queria parar, queria descer dessa roda gigante que havia sido sua vida. Os avós, os pais, Ruthinha, o marido, “vem Gloria, vem logo! Morrer não dói!”
CRÍTICA
Stephen Glass, ética e o jornalismo... jornalismo beatriz pozzobon Antes de qualquer outra coisa, o que mais assusta é o fato de ser baseado em fatos reais. O filme norte-americano O Preço de uma Verdade (2003), dirigido por Billy Ray, conta a história do jovem jornalista Stephen Glass (Hayden Christensen) que conseguiu rapidamente um lugar de prestígio no competitivo campo de atuação jornalístico. Stephen, aos 24 anos, é repórter de uma das maiores revistas dos Estados Unidos, a The New Republic, uma publicação de política e atualidades. A revista é tratada no filme como grande influente na política do país, lida pelos homens mais poderosos dos Estados Unidos citado, inclusive, o presidente da República. Além da The New Republic, Stephen atua ainda como freelancer de outras revistas conceituadas como Harper’s, George e Rolling Stones. Um puxa saco. Um dos termos mais aplicáveis ao jornalista Stephen Glass. Esperto (?), busca agradar a todos e, principalmente, a todas, da redação da The New Republic. Nas reuniões de pautas, as suas são aceitas rapidamente. Defende os seus temas muito bem, e logo os colegas de trabalho aceitam. As pautas viram artigos. Os artigos são publicados na revista. Rotina de uma
redação. O que sai “um pouco” da rotina, é quando Stephen, após mais uma de suas pautas ser aclamada, publica o artigo “O Paraíso dos Hackers”. O artigo falava a respeito de Ian Restil, um hacker de 15 anos, que havia invadido a rede de computadores de uma grande empresa de informática, e, após ser descoberto, teria sido contratado pela própria empresa. O editor da revista concorrente, a Forbes Digital, após ler o artigo na revista The New Republic questiona o repórter da sua revista para saber o porquê dele não ter cobrido essa história. Aquela velha história de furo jornalístico, a busca incessante por noticiar os fatos mais “vendíveis”, antes dos outros veículos. Dessa forma, a Forbes Digital tinha
ficado para trás. O repórter da concorrente, Adam Penenberg (Steve Zahn), encabulado com a situação, inicia uma pesquisa detalhada na Internet a procura dos nomes citados no artigo de Stephen. Não encontrando vestígio nenhum da existência da empresa, do garoto, ou mesmo de qualquer outra fonte citada, conclui que o artigo publicado é falso. Após a descoberta, a notícia chega aos ouvidos do editor da The New Republic que, comedidamente, começa uma investigação para averiguar os fatos. Local, por local, pessoa por pessoa, vai descobrindo que tudo não passou de ficção, invenção de Stephen. Sabe aquele ditado clichê de que a “mentira tem perna curta”? Então. As provas vão surgindo, e formando uma bola de neve. Stephen tenta contornar a situação, cada hora inventando uma mentira, para encobrir outra, forjando sites, números de telefones, entre outros. O jornalista se revela uma pessoa intolerável, e é natural que as pessoas que estejam assistindo ao filme sintam raiva, ou algum sentimento de desaprovação pelo personagem. Frisando: o filme é baseado em fatos reais. Por fim, e como era de se es perar, Stephen Glass é
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demitido. A redação da The New Republic elabora uma carta de desculpa aos seus leitores, após constatar que, não só o “Paraíso dos Hackers”, mas, 27 dos 41 artigos publicados por Stephen eram forjados. O objetivo? Bom, o objetivo era sucesso na carreira. Fim de filme, mas não fim de história. Stephen Glass e, agora, o verdadeiro Stephen Glass, após a demissão, graduou-se no curso de Direito, e escreveu um livro de ficção. Bom, ao menos encontrou seu verdadeiro dom.... devia estar meio perdido no jornalismo. Jornalismo, jornalismo com todas as dez letras que compõem o nome, é feito com seriedade e amor, apreço, ou algum sentimento maior que faz com que tudo faça sentido. Jornalista é o que expõe os fatos, que os torna claros para a sociedade, que se dedica muito mais do que o dinheiro que recebe para que o seu trabalho saia bem feito, fiel aos fatos, verdadeiro. Jornalista é assim. O resto é outra coisa. Stephen Glass não foi um jornalista. De 1995 a 1998, arriscou-se na profissão, o tempo que demorou para ser desmascarado. Mas ele não é exceção e, talvez em proporções diferentes, há vários deles espalhados por ai. Chamam-se de jornalistas, conquistam locais de prestígio nas redações, mandam e desmandam. Uma coisa, no entanto, não fazem: jornalismo. O Preço de uma Verdade salta aos olhos de profissionais e estudantes da área de jornalismo aquele conceito tão ouvido nos bancos da faculdade: a tal da ética. O problema é que
depois da faculdade, pouco se ouve falar nele de novo. É o que desejam. Afinal, até a obrigatoriedade do curso superior específico de jornalismo para o exercício da profissão deixou de existir, no Brasil. Um desserviço à sociedade brasileira. No filme, Stephen Glass busca aceitação da redação em que trabalha, para conquistar, cada vez mais, um lugar ao sol. Nelson Traquina em seu livro intitulado “O Estudo do Jornalismo no século XX” (2001) propõe a “teoria organizacional”. A teoria sublinha a importância dos constrangimentos organizacionais sobre a atividade profissional do jornalista. O jornalista conforma-se com as regras editorias e políticas da empresa a qual é funcionário e está preocupado mais com recompensas ou punições. Como no caso do filme. Não só o protagonista, mas toda a dinâmica da redação é baseada na teoria organizacional, de Traqui-
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na. Jovens jornalistas buscando aprovação dos mais experientes, artigos sendo publicados de acordo com a notoriedade que o repórter tem dentro da empresa, entre outros tantos exemplos. Os veículos jornalísticos são, antes de tudo, empresas, e sendo empresas, buscam o lucro. A busca incessante pela publicação de matérias que sejam aceitas pelo público-alvo quase sempre entra em choque com o jornalismo ético e responsável. Sem pleonasmos viciosos, por favor. Entre em choque com o jornalismo. Ético e responsável já são subentendidos. E caso não seja dessa forma, é publicidade, ou qualquer outra coisa, não é jornalismo. Não desejo mal aos tantos outros Stephen Glass que vemos por ai. Só peço, encarecidamente, que encontrem o seu caminho. Deixem os jornalistas fazerem jornalismo, apesar de todas as correntes que tanto dificultam o exercício da profissão.
ESPECIAL
DIRETO DE VILA VELHA, CURITIBA E FOZ DO IGUAÇU
Paraná na veia: sete dias de viagem, vários pontos turísticos e muita história para contar
Imagens: Roberta Barboza
A Taça, símbolo do Parque Estadual de Vila Velha
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ROBERTA BARBOZA Curitiba é uma cidade fria. Levantar da cama em uma manhã de frio é um verdadeiro sacrifício. O frio de três graus negativos é a norma na cidade. Eu sabia de todas estas coisas enquanto fazia minha mala para uma curta viagem à capital do Paraná. Escolher que roupas levar, para qualquer pessoa, deveria ser uma decisão fácil para uma viagem de trabalho. Mas em se tratando de uma de férias, toda mulher quer levar tudo do guarda – roupa. E da caixa de jóias. E do estojo de maquiagem. A capital era o símbolo concreto dos dias mais frios da minha infância, quando nela morei dois anos e meio. Por isso, fiz questão de levar o maior número possível de casacos. E mais incontáveis pares de luvas, gorros e cachecóis. E só umas duas blusinhas de calor; para me garantir e para que ninguém dissesse que eu não era uma pessoa prevenida. Ah, se eu soubesse... Saí de casa no meio da manhã de segunda um pouco mais tarde do que o planejado. PLANOS DE VIAGEM O clima na hora de minha partida estava meio indeciso. Não choviam cântaros e moringas, mas também não fazia um “sol de rachar”. E agora, que penso mais no assunto, esta deveria ter sido a minha primeira pista de que algo não estava indo de acordo com o plano. Já o que, com certeza, estava de acordo com o plano, era relembrar, pelo caminho, um pouco da geografia do Paraná. Os trechos repletos de beleza natural e de estradas perigosas, como a Serra do Cadeado. O município de Campo Largo, também conhecido como a “Terra das Porcelanas”. E, principalmente, o Parque Estadual de Vila Velha, o sítio arqueológico localizado próximo a Ponta Grossa. Jurei fazer uma visita na viagem de volta. Chega a ser surpreendente o quanto viajar de carro pode ser calmante para algumas pessoas. Incluindo eu. Pude dizer adeus ao estresse das provas daquele último semestre e a preocupação com os trabalhos de faculdade que, eu sabia, estariam me esperando quando eu chegasse. Concentrei – me apenas na paz que me cercava. Em vários momen-
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Edifício da Universidade Federal
l do Paraná, UFPR, em Curitiba
tos, a paisagem era dominada por intermináveis campos de trigo, em lindos tons de verde-esmeralda ou dourado, dependendo da data da semeação. Sem falar em todas aquelas cabeças de gado pastando em lugares que pareciam mais apropriados para escalada. Ao contrário do esperado, com o passar das horas, o tempo só fez esquentar. Eu sabia que isto significaria problemas na hora de me vestir para “reconhecer Curitiba”, mas nem pensei nisso. Eu estava de férias, com uma vista maravilhosa ao meu redor e viajando. O quem mais eu poderia querer? Eu quase nunca tinha feito turismo antes em toda a minha vida. E tinha grandes planos para esta viagem! Rever o Jardim Botânico e a Ópera de Arame, a Catedral Metropolitana de Curitiba e o Parque Tanguá. Também pretendia comprar umas rosas tingidas de azul na Rua das Flores e almoçar no restaurante Cantinho Mineiro; jantar no restaurante Madalosso e assistir a um espetáculo no Teatro Guaíra. Visitar o Museu Oscar Niemeyer e checar se aquela coxinha deliciosa dos Dois Corações continuava tão cremosa e saborosa quanto eu lembrava. Quem sabe até conhecer o Paço da Liberdade e dar uma volta no Ônibus Turístico de dois andares. Claro, como dizem, “é melhor um pássaro na mão do que dois voando”. Seria melhor se, desde o começo, eu aceitasse que, digamos, metade dos itens na minha “lista de lugares para visitar antes de voltar para Londrina” não seriam ticados como “feito”. CHEGADA EM CURITIBA Diferentemente do que eu achava, o primeiro sinal de que eu estava chegando ao meu destino não foram as placas de “Bem-vindo à Curitiba”. Mas sim os outdoors com frases do tipo “Em Curitiba, visite a ‘Casa das Tintas Silva’”. Pois bem, cheguei no fim da tarde daquela segunda, a tempo de contemplar o pôr-dosol, e fui direto para o hotel, no centro da cidade. Fui recebida primeiramente
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Não, não é o Japão. São as cerejeiras do Jardim Botânico de Curitiba
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pela poluição sonora do tráfego da capital, típica do cotidiano estressante nos grandes centros. Após me refrescar, fui dar uma volta. Uma das coisas que eu gosto na capital é que o comércio fecha às 19h, uma hora mais tarde do que em Londrina, o que deixa mais tempo para se aproveitar a cidade e cuidar dos afazeres. Não demorou muito para chegar ao Shopping Estação, construído junto à uma antiga estação ferroviária em Curitiba. E é impossível não se lembrar disto ao se deparar com a réplica colorida de um trem, que começa no térreo do shopping, circunda alguns andares e termina como que pendurada na lateral de uma das paredes. Uma graça, mas era o fim do dia e eu estava morrendo de fome depois da viagem. Na praça de alimentação, escolhi uma rede de restaurantes que não há em Londrina, a fim de degustar a gastronomia regional. Aquela saída rápida foi meio estranha. É como se o tempo inteiro eu inconscientemente estivesse pensando em usar os mesmos trajetos de casa. E por mais que eu soubesse que não estava em Londrina, boa parte de mim não estava consciente do fato. Veja só: eu tirei o corpo de casa, mas não consegui tirar a casa da cabeça. E assim começou minha pequena “aventura”. Se é que posso chamar assim. Na primeira parte desta matéria, eu mencionei algo sobre como uma das coisas de que mais gosto em Curitiba é o fato de que o comércio fecha às 19h, uma hora mais tarde do que em Londrina, o que deixa mais tempo para se cuidar dos afazeres. Pois bem, uma das coisas pelas quais, definitivamente, eu não aprecio na capital, é o preço dos estacionamentos. Enquanto aqui você paga mais ou menos uns R$ 2,00 por uma vaga durante um período de meia hora, por lá o mesmo intervalo de tempo sai por cerca de R$ 10,00. Sim, caro leitor, você não se confundiu. O valor é dez
reais, mesmo. Só a título de comparação, trinta minutos em uma vaga de estacionamento na cidade de São Paulo, em geral, não sai por menos do que R$ 25, 00. O resultado é que, se você está de férias, quer explorar a cidade e não pode se dar ao luxo de gastar muito – principalmente com uma única despesa – muitas vezes vai ter que conhecer os pontos turísticos a pé. Mais do que isso: pode parecer que não para quem não está acostumado, mas a última que coisa que uma pessoa faz em uma viagem de férias é descansar. Por vários motivos. O maior deles é que, no final das contas, ninguém faz turismo do quarto do hotel. CAMINHANDO PELA CAPITAL
O Olho de Sauron... quero dizer,
Perde – se tempo e dinheiro demais dormindo até tarde quando se poderia estar conhecendo melhor o lugar que você escolheu para as suas férias. Até porque, se for para ficar curtindo a paz e tranqüilidade de uma cama e um quarto, é bem melhor ficar em casa e fazer isso na sua própria, certo? Foi pensando assim que saí bem cedinho de manhã, logo no segundo dia de viagem. Uma caminhada de menos de dez minutos me levou do hotel, na Rua Mariano Torres, até a Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, conhecida
como a “Imperatriz e Patrona da Cidade do México, da América Latina e de toda América”. Conta - se que, em meados do século XVI, a Virgem Maria teria aparecido a um pobre índio mexicano chamado Juan Diego Cuauhtlatoatzin. Quando o bispo da região não acreditou no acontecido, ela fez crescer rosas em pleno inverno e deixou sua imagem impressa no manto do índio, onde ela permanece até hoje. A Igreja curitibana é toda pintada de branco e amarelo, permeada de vitrais de flores e outros símbolos religiosos. Ela também inclui duas representações da aparição, similares à da gravura no famoso manto. Uma delas fica em um vitral, bem acima do altar. E a outra, uma estátua, fica próxima à Capela de Adoração do Santíssimo, à direita do presbítero. Esta em particular é encimada por uma espécie de estrutura em formato de coroa cercada de tecidos cor de mostarda e adornada dos vasos de flores deixadas pelos vários fiéis que vem todos os anos ao local, principalmente na época da comemoração da festa da aparição, em doze de dezembro. A Capela é adjacente ao lado direito do altar e tem sua entrada marcada por um par de cortinas vermelhas. Já no lado esquerdo do altar, tem – se uma enorme réplica das duas faces da Medalha de São Bento. Uma terceira imagem de Nossa Senhora, dourada, guarda as portas do local, protegida por uma redoma de vidro. É possível anotar em bilhetinhos os nomes de entes queridos e amigos, e deixá-los amarrados em laços de cetim na parede do lado direito da Igreja, nas intenções dos quais os freqüentadores da Igreja rezam uma novena. Realmente, o melhor é horário para visitar a Igreja é durante o dia, quando a luz do sol os ilumina, permitindo – nos ver toda a sua beleza. Infelizmente, isto não foi suficiente para que eu pudesse rever os vitrais
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Uma das formações rochosas mais famosas em Vila Velha, a Garrafa
da Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz, mais conhecida como a Catedral Metropolitana de Curitiba. Ela passava – e ainda passa – por uma grande restauração na época de minha viagem, e os trabalhos desta obra cobriam a Basílica de modo a deixá-la quase irreconhecível. Saí da Igreja de Guadalupe e, quinze minutos depois, estava em frente ao Prédio Histórico do campus da Universidade Federal do Paraná, a UFPR, conhecida por ter um dos processos de admissão mais penosos de todo o Brasil. Para mim, ela era algo como uma mescla do Met-
ropolitan Museum of Ar – o famoso museu nova-iorquino, também conhecido como Met – e o Partenon – o antigo templo dedicado a deusa Atena, na Grécia. Respectivamente por causa da longa escadaria e por causa das colunas e da arquitetura em geral. Logo em frente à Universidade, fica a Praça Santos Andrade, com seu chafariz em formato de taça, em homenagem ao ex – presidente do estado, José Pereira dos Santos Andrade. Pertinho dali fica o Centro Cultural Teatro Guaíra. O JARDIM BOTÂNICO
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E é justamente devido à sua proximidade da Praça que ele é considerado um dos maiores centros culturais de toda a América Latina. Já o Paço da Liberdade Sesc Paraná, outro centro cultural localizado no centro da cidade, fica a cinco minutos do Teatro. Ele dispõe de: Biblioteca, Internet Livre – para a utilização da qual é necessário um cadastro – Loja do Paço, Serviço de Atendimento ao Cliente e o elegante Café do Paço, com um lindo piano. E se você é um estudante, pode fazer uma visita monitorada com a sua sala. A principal parada no programa típico para um turista que viaja a Foz do Iguaçu, ao Rio de Janeiro ou a Paris é, respectivamente, ver as Cataratas, o Cristo Redentor ou a Torre Eiffel. Já para quem vai até Curitiba, este papel cabe definitivamente ao Jardim Botânico da cidade. Ele também é conhecido como Jardim Botânico Francisca Maria Garfunkel Richbieter, em homenagem a uma das pioneiras paranaenses em planejamento urbano na capital do Paraná. O ponto turístico, aliás, também é considerado uma parte do campus da Universidade Federal do Paraná, a UFPR, a qual já mencionei brevemente. Se você está pensando em fazer um passeio por lá e pretende ir de carro, fica a dica: chegue o mais cedo possível, pois o número de vagas do estacionamento em formato de circulo nem se compara ao do número de visitantes que vão ao local todos os dias. Pelo mesmo motivo, achar um lugar para deixar o veículo do lado de fora pode se tornar um problema. Mas seja como for, conhecer o Jardim é uma experiência absolutamente imperdível. E, claro, se, diferentemente desta que vos fala, você puder fazer isso na primavera – quando tudo está naturalmente mais bonito – e não em pleno inverno, tanto melhor. De qualquer forma, em qualquer dia ou estação do ano, o Jardim Botânico é sempre belo. É localizado no bairro de mesmo nome, na Primeira Perimetral dos Bairros, mais precisamente na Rua Engenheiro Ostoja Roguski (a menos de cinco minutos
de caminhada da Praça Itália). Ele tem como entrada uma caminho ladeada de um lado e de outra por uma longa fila de cerejeiras japonesas, também conhecidas como sakuras. Depois, chega – se a uma espécie de portal – bem alto, coberto com o que aparentam ser cercas – vivas – precedido por um pequeno canteiro de amores – perfeitos de várias cores. O portal dá lugar a gramados a perder de vista. E aos famosos jardins franceses, com sua conhecida disposição que se assemelha àquela de um labirinto. No caminho que corta os jardins, tem – se mais canteiros de flores e dois chafarizes. Um deles tem seu centro uma linda estátua de uma mulher nua com seu filho. Trata – se de uma homenagem da comunidade polonesa, numerosa no estado, a todas as mães paranaenses. O fim do caminho leva a dois lances de escada paralelos, que dão para um laguinho com pedras, uma pequenina ponte de madeira e, finalmente, à enorme estufa do Jardim Botânico. Toda de vidro e ferro, com suas três abóbodas em estilo arquitetônico conhecido como Art noveau, uma inspiração no Crystal Palace, em Londres, que data da segunda metade do século XIX. É ela a marca registrada do local, que conta com mais de 250.000 m². Ou 278.000 m², para ser mais exata. (O quê, você não achou que o Jardim Botânico era só o castelinho de vidro que estampa os cartões postais, achou?) Após conhecer os dois pisos climatizados da estufa – repletos de espécies vegetais, como o gravatá, originário da Mata Atlântica – o visitante pode seguir na direita, onde encontrará uma estrutura feita de canos de bambu e um terceiro chafariz. E, mais adiante, uma segunda ponte de madeira, que passa por cima de uma lagoa, e leva a uma casa de madeira. A lagoa serve de moradia para um cisne. Gracioso, lindo e cor de neve. O único problema é que ele não é muito cooperativo quando se trata de posar para fotos. Nunca, em toda a minha vida, quis tanto ter uma câmera fotográfica digital com uma lente teleobjetiva em minhas mãos. Já a casa serve quase que como uma
área educativa para as crianças que visitam o Jardim. Ela contém uma série de informações sobre a estória e a vegetação do local, vídeos, fotografias, uma exposição de quadros – tendo a natureza paranaense como tema principal – e um guichê de informações. Se bem que, infelizmente, somente sobre o Jardim. No caso de precisar de ajuda para saber onde fica o próximo local que você deseja conhecer em Curitiba, o melhor mesmo é tentar se virar com um dos guias da cidade. Estes, sim, disponíveis no guichê. Passei boa parte da manhã do terceiro dia de viagem lá e, nem assim, pude aproveitar tanto quanto desejava. O MUSEU DO OLHO A próxima parada foi no Museu Oscar Niemeyer, com sua famosa forma do órgão humano da visão. Se você assistiu a algum filme da trilogia O Senhor dos Anéis, e olha para aquele gigantesco edifício em formato de olho, sustentado por uma haste... Bem, é quase impossível não ser imediatamente assaltado pela imagem do “Olho de Sauron” – o vilão da estória – no mesmo instante. Obviamente, o lugar serve para muito mais do que somente relembrar filmes baseados em livros. Na verdade, “O Olho”, como é conhecido, funciona apenas como um atrativo a mais para os visitantes. Isso porque todas as exposições de artes visuais, arquitetura e design
se encontram no primeiro prédio, que fica atrás do Olho, e ao qual é conectado por uma passarela. Originalmente, quando foi projetado por Oscar Niemeyer em 1967, a idéia era que ele fosse um Instituto de Educação. Foi só nos anos 2000, quando adicionaram o anexo em formato de olho, que ele se tornou um museu. Se você está passando por um lugar na estrada que quer muito conhecer, e acha que ele está fechado para o dia; é melhor se certificar de que ele está mesmo, antes de seguir viagem. Afinal, nunca se sabe quando você pode ter errado na primeira vez. Foi assim quando tentei conhecer o Parque Estadual de Vila Velha. Localizado a pouco mais de quarenta e cinco minutos da cidade da cidade de Ponta Grossa, ele permanece aberto para visitantes das quartas – feiras as sextas – feiras, das 08h às 16h. Tive sorte, pois era o meio da manhã de uma quinta – feira. O lugar é administrado pelo IAP, o Instituto Ambiental do Paraná. E, sim, ele é tão lindo quanto dizem. Lá, é possível fazer dois passeios principais: o primeiro, que foi o que escolhi fazer, dura cerca de uma hora e meia, e percorre o caminho entre as famosas formações rochosas em arenitos. Ao longo de quatrocentos milhões de anos, como você já deve ter ouvido falar antes, as forças dos elementos escavaram uma série de “entradas” nas rochas.
No total, conta – se com vinte
Alguns visitantes afirmam poderem ver a forma de um anjo neste rochedo
nove daquelas que melhor definem os seus próprios bonés e protetores a expressão “esculturas naturais” solares para fazer o passeio. catalogadas. As mais conhecidas inAté por uma questão de econocluem: O Anjo, A Bota, A Cabeça de mia, na realidade. Acredite se quiser, Índio, O Camelo, A Esfinge, A Garra- mas um boné custa dezoito reais na fa, O Golfinho, Os Gorilas, A Noiva, A lojinha de lembranças do Parque. Proa de Navio, A Taça – considerada Situação semelhante – e pior ! – enum dos maiores símbolos do Parque contrei quando visitei o Parque Nae de Ponta Grossa – e A Tartaruga; cional do Iguaçu. Para se proteger da entre outros. intensa garoa que cai perto das CatVocê pode se surpreender com aratas, pode – se comprar uma capa o quanto de imaginação não é de chuva dos vendedores postados necessária para enxergar estes e out- na entrada do Parque. ros desenhos nos rochedos. Existem trechos na trilha, em que o vento pasCUSTOS DE VIAGEM sa por você, de um jeito que lembra andar rapidamente na frente de uma Em geral, vinte reais, cada uma. loja com ar – condicionado ligado, no O chuvisco, com certeza não diminuCalçadão de Londrina, no dia mais quente do ano. Só que, claro, é uma situação muito mais agradável. A vegetação é magnífica. De fato, um dos tesouros do Parque Estadual é uma árvore de vários metros de altura, da espécie imbuia, Se for escolher esta trilha, é bom preparar – se para uma das melhores – e mais arriscadas – caminhadas da sua vida. Boa parte é feita em extenuUm tucano no Parque das Aves, em Foz do antes lances de escadaria construídos sobre o terreno acidentado, iu a emoção de estar frente a frente entre a mata e os arenitos. São subi- com aquela que detém o segundo das e descidas quase que completa- maior vazão de água em comparamente verticais. Cuidado, é o tipo de ção com qualquer outra catarata do queda da qual não se volta. E, de vez mundo. Ela fica a cerca de dezessete em quando, é possível ouvir os sons quilômetros do centro da cidade de dos ventos, batendo nos paredões. Foz do Iguaçu. Já o segundo tipo de passeio é Dizem que, ao contemplar a belefeito pela Lagoa Dourada e pelas za das Cataratas pela primeira vez, Furnas, que são gigantescas crateras a ex – primeira – dama dos Estados erodidas no solo, Se começa e termi- Unidos, Eleanor Roosevelt, teria exna o trajeto dos arenitos e o das Fur- clamado: “Pobre Niágara!”. Trata – se nas e da Lagoa, mas isto não muda o de uma referência aos três grandes fato de que o clima costuma ser en- grupos de cataratas que servem de solarado por lá. Portanto, é bom levar fronteira natural entre os E.U.A. e o
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Canadá. Bem, eu nunca estive nas Cataratas do Niágara, mas acredito que se um dia tiver a chance de visitá – las, com certeza vou ser obrigada a concordar com a falecida senhora Roosevelt. Depois de pagar uma nota pelo ingresso para entrar no Parque, fui pegar um dos ônibus que levam até a trilha das Cataratas. Ela tem mais ou menos dois quilômetros de comprimento e é a mais simples. No máximo, se pode observar alguns quatis pelo caminho. Outras trilhas, ainda mais caras, incluem caminhadas no estilo safári, passeios de bote e, até mesmo, conhecer as quedas de água por helicóptero. É necessário andar um bom pedaço antes de ouvir o barulho que Iguaçu faz, e a possível queda é tão perigosa quanto à de Vila Velha. As Cataratas são tão lindas. É simplesmente tão mais do que uma grande quantidade de água caindo. Bem, na verdade, não existem palavras em qualquer língua sobre a Terra que sejam suficientemente boas para descrevê – las. Iguaçu Apenas uso as que me vêm à mente no momento. Existem tantos detalhes que eu poderia contar. Tantas partes que eu fui obrigada a deixar de fora. Como a chuva arruinou minhas chances de conseguir uma fotografia do proverbial arco – íris nas Cataratas. Como as cores vivas dos animais do Parque das Aves. Como a paz é facilmente encontrada no Templo Budista em Foz. Como... Bastante coisa, não? É, acho que você vai ter que ir lá para ver por si mesmo. Então, o que está esperando?
Vista do mirante das Cataratas do Iguaรงu
Templo Budista, em Foz do Iguaรงu
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ARTIGO
We are
If not us, who?
RAFAELA MARTINS No fim de setembro uma multidão começou a ocupar Wall Street, o coração econômico dos EUA. A imprensa, não muito interessada em tratar do assunto, logo taxou o movimento de “protesto dos indignados” e todos começamos a nos perguntar,”o que exatamente essas pessoas querem?” Elas querem o que todos nós queremos. O mundo passa por uma onda de protestos que começaram com a Primavera
Árabe. Ao perceber a força popular no Oriente Médio, jovens da Europa, dos EUA e, por fim, da América Latina romperam o silêncio e resolveram dar voz às suas insatisfações. Os EUA passam por uma grave crise econômica que está afetando a vida dos cidadãos americanos desde 2008. País europeus como Grécia, Espanha, Itália, Bélgica e França também enfrentam problemas. Por mais que as reivindicações mudem de região para região, de pessoa para pessoa, o que
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I just want a job
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une todas essas vozes é o fato de estarem cansados de um sistema econômico que privilegia poucas pessoas em detrimento das nações. Se os defensores do capitalismo selvagem há um tempo atrás diziam que esse sistema produziria o enriquecimento de nações, o que constatamos hoje é que existem poucos ricos e poderosos que comandam nações onde a desigualdade social prevalece. Se antes afirmavam que a corrupção e a má administração travavam o desenvolvimento dos países
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Todos que possuem alguma reivindicação a fazer são bem vindos. Enquanto dava inicio a mobilização na internet, ainda no mês de julho, o grupo Adbusters instigava as pessoas com a seguinte questão: “O que você quer?”. Alguns querem empregos, outros um consumo sustentável, alguns estão preocupados com os recursos naturais, outros com a taxa de juros, alguns querem um mundo menos egoísta, outros o fim da corrupção. E todas essas reivindicações só se unem em um
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considerados de “terceiro mundo” ou “subdesenvolvidos” e iludiam suas populações com a ideia de consumo infinito e riqueza, hoje, os EUA escancaram que também são marcados pela corrupção e se mostram com dificuldades para superar a crise. A ideia dos protestos é que sejam ocupações pacificas porém de longo prazo. Jovens, artistas, intelectuais, sindicalistas acampam em praças e usam as redes sociais para se comunicar e se mobilizar.
ponto, os indignados querem uma mudança nessa cultura do capitalismo selvagem que faz com que não enxerguemos o próximo. Uma das faixas dos manifestantes de Wall Street dizia: “Eu me importo com você”. Os filhos do fim do século XX, inicio do XXI são carentes e, solitários, se escondem atrás de máquinas. Mas eles perceberam que quem manipula a máquina é o homem e se utilizaram dela para mobilização. Em nenhuma outra fase do desenvolvimento da humanidade seria
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If not us, who? I just want a job possível acontecer essas ondas de protestos simultâneos em todo o mundo como acontece agora. O linguista e ativista Noam Chomsky deixou a seguinte mensagem de apoio aos indignados: “Qualquer um que tenha os olhos abertos sabe que o gangsterismo de Wall Street – das instituições financeiras em geral – infligiu graves danos ao povo dos Estados Unidos (e ao mundo). E deveria saber também que tal coisa foi ocorrendo progressivamente nos últimos trinta anos na medida em que aumentou de modo radical seu poder no comando da economia e com isso seu poder político. Deste modo foi posto
em marcha um círculo vicioso que concentrou uma imensa riqueza, mas o poder político ficou nas mãos de um diminuto setor da população, uma fração de 1%, enquanto o resto foi se convertendo cada vez mais no que passou a se chamar de “precariado”, pessoas que tratam de sobreviver em uma precária existência. Além disso, as horríveis atividades dessa pequena parcela da população são realizadas com uma impunidade quase completa: não só mediante o “too big to fail” (muito grande para quebrar), mas também com o “too big to jail” (muito grande para ir para a cadeia).” Embora as grandes em-
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presas de comunicação tentem descontextualizar a onda de protestos, um olhar mais atento nos mostra que o que eles querem é o que todos nós queremos. Quando o mundo todo está insatisfeito é porque já passou da hora de algo importante acontecer. Mas quem luta contra o sistema econômico vigente, os poderosos políticos, os grandes empresários das multinacionais e as grandes empresas de comunicação acaba sofrendo sanções. A polícia respondeu com agressão às manifestações em muitos lugares, principalmente Wall Street. Há treze dias uma parcela dos indignados deixou Nova Iorque rumo à Washington,
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Yes, we camp quanto os recursos naturais e humanos estão esgotados de tanta exploração desmedida. Os indignados não são comunistas (conceito já antiquado por sinal, assim como esse capitalismo selvagem que nos engole). O que eles querem é qualidade de vida e igualdade social, um capitalismo mais humano, mais moderno e condizente com as necessidades de todos. Essa é a hora dos 99% mostrarem a sua força.
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hoje, dia 23/11, chegaram a capital americana e cada vez mais tem se tornada violenta a repressão. O que aconteceu em Wall Street já se espalhou por todo território americano, inúmeros protestos pipocam por todos os cantos do mundo. Os 99% da população, que é oprimida pelos 1% que detém o poder, resolveram falar. Esse pode ser o começo de uma nova postura, uma nova maneira de ser no mundo. O sistema capitalista, como está configurado hoje, molda a nossa moral, o nosso comportamento, o nosso jeito de entender o mundo. Talvez agora tenhamos condições de perceber o
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CRÍTICA
“Resistir é preciso”... Os protagonistas desta história
AMANDA ABRANCHES
Os protagonistas desta história, nasce a partir do projeto resistir é preciso, criado pelo Instituto Vladimir Herzog.Basicamente o projeto tem como objetivo recuperar memórias da história da imprensa brasileira, partir do olhar 60 jornalistas que tiveram a oportunidade de participar, combater e resistir a ditadura militar. Nomes como Bernardo Kucinski, José Hamilton Ribeiro, Tonico Ferreira, Carlos Azevedo e Ziraldo, relatam a trajetória destes 14 anos de repressão em 12 DVDs. Um trabalho muito bem feito, que entre gestação e concepção durou cerca de 2 anos. Acredito que seja inviável discorrer com detalhes sobre os 12 Filmes,sendo assim, relatarei o primeiro, o décimo primeiro e o ultimo. No primeiro, estão reunidos os três jornais que formam uma espécie de
trinca de ases da imprensa alternativa pelo pioneirismo, sucesso, importância política e pela duríssima censura que sofreram: Pasquim, Opinião e Movimento. - Confesso que me decepcionei um pouco em
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relação ao Pasquim. O único depoimento sobre, era o de Ziraldo e tinha a duração de absurdos 6 minutos. Tudo bem, estamos falando de nada mais, nada menos de O PASQUIM, de longe era o assunto mais esperado para pesquisa-
dores, estudantes ou mesmo curiosos. Já de cara, o primeiro DVD, traz expectativas que são frustradas nos primeiros 10 minutos (ou menos) de filme. E para quem acredita que a primeira impressão é a que fica....vai subtrair comigo um ponto numa escala de 0 à 10. Depois da decepção
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a bonança. O depoimento do editor-chefe do Opinião Raimundo Pereira consegue situar o telespectador trazendo uma visão ampla do que foi o jornal. Depois os depoimentos de Elias Andreato, Tonico Ferreira e Aguinaldo Silva contam sobre matérias que caíam, charges censuradas e até mesmo o sucesso de algumas delas. Demos então, um pulo de alguns anos de história entre imprensa de trabalhadores e imprensa clandestina para chegar ao exílio. Imprensa no Exílio II, este é o título do décimo primeiro DVD. Bia Cannabrava relembra a música que se tornou uma espécie de hino do exilado brasileiro. Ao lado do marido, o jornalista Paulo Cannabrava, Bia conta que o canto foi uma saída que encontrou para viver anos no exílio. Neste DVD, Bia canta um trecho da canção e seu marido conta a maratona e os perigos que viveram de um país para outro, à medida que golpes de Estado se multiplicavam pala América Latina, e o Jornalista Cannabrava sempre envolvido com Jornais revolucionários.
O ultimo e não menos sugestivo, o décimo segundo DVD tem como título: “ A memória recolhida; os documentos da repressão”, conta como o trabalho foi desenvolvido e descreve que a partir de uma pesquisa de 34 anos é que nasceu o projeto Resistir é preciso. José Luis Del Roio, um dos editores e idealizadores do projeto, explica que tudo foi feito com muita cautela e minunciosidade, e explica que atualmente a
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maior coleção de imprensa alternativa do país se encontra no Rio de Janeiro. Beatriz Kushnir mostra o único jornal alternativo de direita de que se tem registro pós-golpe e 1964: O Expresso, feito em São Paulo. Segundo Beatriz, foi a tentativa da direita brasileira, em geral, e da paulista, de se insinuar numa mídia absolutamente ocupada e com muita competência, pela esquerda.
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