Associativisno e defesa do ambiente teófilo braga 1988

Page 1

ORNADAS ATLÂNTICAS

heroísmo w

1>E PROTECÇÃO Ldo

m e io a m b ie n t e

>r

V

'te.

tV

^

V ☆

f!


ASSOCIATIVISM O E D EFESA DO A M BIENTE

Teófiio José Soares de Braga

Q que entedemos por ecologia? "Ecologia é ter o canto de uma ave na cabeça e os pés na terra” (Jean-Paul Ribes, "La Baleine") O termo ecologia foi usado pela primeira ves, em 1866, pelo biólogo alemão Emst Haeckei, na sua obra Generelle Morphologie der Organismen. Segundo ele, a ecologia é a "investigação das relações totais do animal tanto com o seu meio ambiente orgânico como inorgânico". A ecologia, que só a partir de 1919 deixou de ser um ramo da Biologia, pode ser definida como ”a ciência que estuda as relações do homem com o meio ambiente vivo e a natureza que o envolve, a comunicação que se estabelece entre os organismos vivos, desde a mais pequena célula ao mais complexo sistema vivo". Ao considerar que o homem vive, simultaneamente, num ambiente natural, social e psicológico, Julian Huxley advoga a necessidade de se ampliar o conceito de ecologia. Assim, segundo ele, a Ecologia Social "lida com as relações sociais do homem, tanto dentro como entre as sociedades humanas" e a Ecologia Psicológica" preocupa-se com as relações individuais e colectivas do homem, com as forças e recursos da sua natureza íntima e o mundo das ideias, crenças e valores que ele criou e com os quais se cercou". A interacção existente entre sociedade e natureza fez com que, a partir de certo momento, a ecologia se tomasse, pouco a pouco, em actividade de intervenção política e social, em ecologismo - termo criado por Dominique Simonnet, em 1979, para distinguir ciência de actividade politico/social. Em suma, podemos distinguir duas vertentes no conceito de ecologia: a científica e a social. Estas "não podem ser entendidas numa antítese, mas sim como dois aspectos da mesma realidade gíobal. A previsão científica permite orientar a intervenção social, e esta corrigir a primeira".' Associativismo e defesa do ambiente Preocupação muito antiga, a conservação do ambiente só terá assumido carácter organizado com o movimento dos "naturalistas", nos Estados Unidos, por volta de 1872, ano em que foi criado o Parque Nacional de Yellowstone. Foi, contudo, a publicação do livro "Primavera Silenciosa", em 1960, nos Estados Unidos, e, três anos depois, na França, da bióloga norte-americana Rachael Carson, que fez despertar as consciências para as crescentes agressões ambientais a que estava a ser vítima a Mãe Terra, Em 1969 surge, em São Francisco, nos Estados Unidos, o movimento dos "Friends of the Earth". No ano seguinte nasce, no'Canadá, por iniciativa de um pequeno grupo de ecologistas americanos e canadianos, a organização "Grcenpeace”. "Uma única Terra", livro de René Dubos e Barbara Ward; mobilizou, no inicio da década de 70, largas camadas da opinião pública, tendo o seu estudo constituído um verdadeiro documento de trabalho para os participantes na 1! Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente. Um relatório do Instituto de Tecnologia de Massachussetts, publicado em 1972, a pedido do Clube de Roma, organização ligada aos grandes "trusts" económicos, cujos membros no dizer de militantes ecologistas "representavam os seres humanos que já vão na indigestão, enquanto os outros continuam a morrer de fome”, alerta para os limites do crescimento. Em Junho de 72, a 1* Conferência das Nações Unidas paia o Ambiente aprova uma declaração de princípios, uma autêntica nova declaração dos direitos humanos, onde entre outras coisas se pode ler: ”A protecção e melhoria do ambiente são questões da maior importância que afectam o bem-estar das populações e o desenvolvimento do Globo, correspondem aos votos ardentes dos povos do mundo inteiro e constituem o dever para todos os governos". Enquanto decorria aquela conferência, em que participaram cerca de 1500 delegados, representando 110 governos (os de leste estiveram ausentes), nas ruas de Estocolmo milhares de manifestantes ecologistas organizaram reuniões e manifestações públicas, tendo a 14 de Julho distribuído um manifesto onde proponham o seguinte: "... Que, para um período experimental de dez anos, com início a 1 de Julho de 1972, todas as pessoas da Terra e todos os governos com a pretensão de as representar, sejam tribais, locais, nacionais ou internacionais, reconheçam que o Homo Sapiens constitui uma espécie em perigo e proclamem com alegria uma moratória de dez anos à caça, chacina e envenenamentõdõ ambiente dos seres humanos". ---------Em Portugal, logo após o 25 de Abril de 74, é fundado em Lisboa o Movimento Ecológico Português em cuja primeira mensagem enviada ao Subsecretário de Estado do Ambiente se afirma a dado passo ter sido "criado com a intenção de intervir imediatamente na crise ambiental portuguesa, promovendo essa mobilização de base entre 577


os seus adeptos, generalizando-a depois a uma massa de aderentes cada vez mais vasta e, simultaneamente promovendo a crítica que entende necessária e urgente à política do ambiente...”. ; :? > . ji' Em Dezembro do mesmo ano surge no Porto o Núcleo Português de Estudos e Protecção da Vida Selvagem (NPEPVS), organização que o nosso país desenvolveu os mais diversos esforços para ajudar a conservação da natureza. Com a liberdade de expressão e de associação, começa a dar-se mais importância ao ambiente e à qualidade de vida e por todo o país multiplicam-se as organizações viradas para a protecção da natureza, para a defesa do consumidor, para o estudo do ambiente e da ecologia, bem como os grupos ecologistas propriamente ditos. Caracterizados por uma grande independência face ao poder e aos partidos políticos, muitos daqueles organismos, bem como os jomais e revistas por eles criados e apoiados, infelizmente, têm tido vida efémera. A Constituição da República Portuguesa de 76 reconhece a todos os cidadãos o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (art. 66°). No campo legislativo, a aprovação pela Assembleia da República da Lei de Bases do Ambiente (Lei n°l 1/87 de 7 de Abril) e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Lei nB10/87 de 4 de Abril) veio abrir perspectivas que até então não se vislumbravam. A Lei das Associações de Defesa do Ambiente veio, finalmente, reconhecer o importante papel qué cabe às mais diversas organizações independentes de cidadãos, dando-lhes meios para a acção. A lei institucionaliza o direito de participação e intervenção na definição da política do ambiente (art. 4®), o direito de consulta (art. 55), o direito de acção administrativa (art. 6°), o direito de prevenção e controle (art 79), o direito de apoio do Estado, através da Administração central, regional e local (art. 9®), etc... A propósito desta lei, quanto a nós bastante positiva, não podemos deixar de manifestar a nossa discordância face a um dos requesitos a que são obrigadas as associações para poderem ser consideradas Associações de Defesa do Ambiente: o do número mínimo de associados exigido. ’àquela"exigência não tem em conta a capacidade, a competência e o próprio dinamismo dos cidadãos que constituem determinado organismo e não respeita as próprias características do local de implantação das. associações. É muito mais fácil a uma associação lisboeta ou portuense conseguir o número mínimo (2000) para ser considerada de âmbito regional do que uma dos Açores ou da Madeira. De qualquer modo, enquanto a Assembleia Regional não legislar sobre o assunto, o que atendendo às especificidades regionais consideramos de todo o interesse, importa levar à prática quotidiana as leis anteriormente referidas bem como todos os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto na Lei de Bases, cuja publicação a própria lei prevê. Para uma sociedade ser considerada democrática é indispensável que as decisões sejam tomadas pelos próprios interessados. Só o espírito de acção local e pensamento global que é de à muito precieto da prática ecologista poderá combater a inércia colectiva e estimular o desejo dos cidadãos para participarem colectivamente na defesa do seu meio ambiente e da qualidade de vida. Para poderem desempenhar cabalmente a sua acção pedagógica e crítica, as Associações precisam de ter acesso a toda a informação, entre ela a qualificada obtida nos trabalhos de investigação. Da Universidade dos Açores, e de outras instituições, espera-se toda a colaboração, através da publicação daqueles trabalhos, do seu envio regular às associações e da realização de debates, conferências e colóquios públicos. Se tal não for posto em prática, isto é, se se sonegar a informação necessária à aquisição de competência nos mais diversos assuntos, não se poderá exigir dos cidadãos e das associações uma participação consciente e esclarecida. Nos Açores, entre outras, são os "Amigos da Terra/Açores", "Os Montanheiros", o "Centro de Jovens Naturalistas" e o "Núcleo Português de Estudos e Protecção da Vida Selvagem/Delegação dos Açores (AZORINA)" as organizações que têm por objectivos o estudo, a conservação e o recreio ligados à Natureza A Sociedade de Exploração Espeleológica "Os Montanheiros", fundada, por homens amantes da Natureza, em 1 de Dezembro de 1963 "tem por fim promover o conhecimento e divulgação de motivos naturais de interesse espeleológico ou paisagístico”, através da prática do campismo e do montanhismo, tem desempenhado um papel de relevo no apoio logístico a várias expedições científicas e tem denunciado atentados à Natureza cometidos, sobretudo na ilha Terceira. O Centro de Jovens Naturalistas de Santa Maria, ligado à Liga para a Protecção da Natureza, sediada em Lisboa, tem por objectivo, entre outros, incutir nos jovens o respeito pela Natureza, alertando-os para a necessidade de a acção do homem não ser um factor de desequilíbrio ecológico. O NPEPVS/DA, existe nos Açores desde 1981, possui uma sede em Vila Franca do Campo e tem desenvolvido uma acção pedagógica através da realização de exposições sobre os mais diversos temas, a última das quais sobre conquiologia. Tomadas de posição públicas em defesa da Vida Selvagem têm, também, feito parte da acção desenvolvida por aquela associação. A Associação "Amigos da Terra/Açòres" criada em Março de 85, tem por objectivos defender a Natureza, o Ambiente e a Paz, contribuir para a construção de um mundo mais limpo, mais justo e pacífico, previligiando para isso métodos de trabalho e de intervenção não-violentos. Faz parte de uma rede internacional, baseada no mais estrito princípio cooperativo, hoje presente e activa nos 5 continentes. No seu curto período de existência tem contribuído com a sua acção, essencialmente pedagógica, para a tomada de consciência sobre os mais diversos problemas ambientais. Além do apoio por parte das entidades oficiais, previstos na lei, e da necessidade de apoio formativo por parte da Universidade, achamos que as diversas associações, para uma mais eficaz acção, precisariam de coordenar esforços. Daí a nossa total concordância com uma proposta dos Amigos da Terra/Açores de filiação mútua.

578


De facto, não faz sentido que, numa altura em que se comemora o Ano Europeu do Ambiente, não haja o mínimo de ligação entre àquelas várias associações. A filiação mútua seria o primeiro passo no sentido de uma mais estreita colaboração, intercâmbio de experiências e até realizações conjuntas. Nós, como ecologistas membros dos Amigos da Terra, continuaremos a desenvolver as nossas actividades tendo por base os seguintes conceitos básicos: A PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS é para nós fundamental. Desenvolvemos novas ideias com vista a uma concertada acção dos cidadãos e tentamos reforçar as suas organizações e informá-las dos diferentes aspectos da política de ambiente. O acesso à informação e um eficaz apoio político são frequentemente a chave para uma actividade positiva por parte destes grupos. - NÃO DESLIGAMOS OS PROBLEMAS DO AMBIENTE DOS FACTORES ECONÓM ICOS, SOCIAIS E CULTURAIS QUE OS INFLUENCIAM: A miséria e a degradação do ambiente estão frequentemente ligadas. As injustiças e o militarismo dos actuais blocos que as sustentam tem um impacto directo nos recursos humanos e financeiros que deveriam ser consagrados a uma política de desenvolvimento respeitante dos seres vivos e da natureza. - SOMOS FAVORÁVEIS A UMA AMPLA COOPERAÇÃO COM OUTRAS ORGANIZAÇÕES. O nosso trabalho é dirigido com o objectivo de constituir redes de organizações que se preocupem com um mesmo problema, a partir de vários pontos de vista, a mobilizá-las com o fim de mais eficazmente delinear alternativas e obstar a desenvolvimentos e acções nocivas para os seres e a terra. Através de diferentes grupos nacionais estamos ligados a largas dezenas de grupos ambientalistas, de consumidores, direitos humanos e pacifistas em todo o mundo. -Privilegiamos as alternativas positivas ao analizar a degradação ambiental: PROPOMOS A CRIAÇÃO DE CAMPOS DE ENERGIA SUAVES, quando atacamos o nuclear, SISTEMAS DE AGRICULTURA INTEGRADA E SUSTENTADA, ao combatermos o uso indiscriminado de pesticidas, UM MUNDO BASEADO EM VALORES ECOLÓGICOS E NÃO VIOLENTOS, ao combater as armas nucleares e esta violência. - SOMOS PELA DESCENTRALIZAÇÃO E DEFENDEMOS OS VALORES DEMOCRÁTICOS e um controle efectivo das mudanças pèlos mais directamente interessados. Somos pela substituição dos "princípes" e pelo desenvolvimento da autonomia dos corpos sociais. - o nosso único compromisso é com a CONSERVAÇÃO, RESTAURAÇÃO E USO RACIONAL DA ECOESFERA. O respeito pela diversidade natural da Terra e a preocupação com a necessidade de manter o equilíbrio entre os diferentes sistemas ecológicos é o que une os nossos grupos. Recusando as ideologias dominantes (as ideologias estabelecem sempre domínios) os F.O.E. regem-se por métodos diferentes e criativos para a acção e a tentativa de resolver os problemas que se nos colocam, procurando constantemente novos modos de analisar e intervir política e socialmente para a protecção da terra e dos seres que dela dependem. Reformular o quotidiano, impôr a solidariedade nas relações mundiais, domesticar a economia, proteger a vida e romper com os espaços de solidão é a nossa aposta. Uma aposta que é um risco.' Como o equilibrista sem rede acreditamos..." (António Elói e David Chatfield) BIBLIOGRAFIA SILVA, Carlos Eduardo Lins, "Ecologia e Sociedade”, Edições Loyola, São Paulo, 1978 SIMONNET, Dominique, "O que é a ecologia”, Editorial Noticias, Lisboa, s/data SAMUEL, Laurent, "Guide pratique de l'ecologiste", Belfond, Paris, 1978 Actas das l*s Jornadas Nacionais da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais, Porto, 1984 "Princípios Mínimos para o Máximo Entendimento", Documento aprovado no I a Encontro Nacional de Ecologistas, Troia, 1985 revista "A IDEIA", n3 36/37, Lisboa, 1985 revista "A URTIGA", na 16, Lagos, 1983 Declaração do Ambiente, Estocolmo, 1972 Lei de Bases do Ambiente Lei das Associações de Defesa do Ambiente Documentos vários do Movimento Ecológico Português, Amigos-darTerra, Centro de Jovens Naturalistas, NPEPVS t ..lontanheiros"

579


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.