O património natural de são lourenço teófilo braga 25 de agosto de 19987

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Teófilo Braga

O Património Natural de São Lourenço

AMIGOS DOS AÇORES


Introdução Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma breve referência à Associação Amigos dos Açores. Trata-se de uma Associação de Defesa do Ambiente, criada em Março de 1985, que tem como objectivo, em termos gerais, contribuir para a construção de um mundo mais limpo mais justo e pacífico, previligiando para isso métodos de trabalho e de intervenção não-violentos. Com cerca de 650 associados espalhados por várias ilhas dos Açores, em Portugal Continental e nas comunidades de emigrantes, a sua acção, embora centrada na ilha de S.Miguel, tem-se estendido a todas as ilhas, quer através dos seus associados, quer através da colaboração com as autarquias e sobretudo com as escolas de todos os niveis de ensino. No que diz respeiro às suas actividades, a título de exemplo refira-se que, em 1996, a associação promoveu 13 passeios/visitas de estudo, integradas no Projecto Conhecer para Proteger, sendo a média de presenças por passèio de 32 pessoas, e realizou 8 passeios exclusivamente para jovens, sendo o número total de participantes 437 e a média por passeio de 55. No que diz respeito às publicações, editou 4 roteiros de percursos pedestres, num total de 6000 exemplares; 8000 horários sobre flora e fauna, 1500 calendários sobre o mocho, o boletim Terra Mãe, com 600 exemplares; 5000 exemplares de um desdobrável sobre grutas vulcânicas; 6000 exemplares de um desdobrável sobre passeios pedestres e 2000 de um sobre o perigo da introdução de espécies exóticas. Promoveu dois cursos, um sobre orientação e um de introdução à ornitologia. Esteve ainda presente em acções de sensibilização em várias escolas e enviou para muitas outras materiais, sobretudo para apoio à chamada “Área Escola”. Em segundo lugar, gostaria de me situar face a duas perspectivas de analisar e agir no mundo actual com todos os seus problemas. Ao contrário da maioria dos ambientalistas que ‘Vê o mundo natural meramente como um habitat que deve ser


manipulado com um mínimo de poluição para satisfazer as “necessidades” da sociedade, por muito irracionais ou sintéticas que essas necessidades possam ser”(Murray Bookchin) integro-me numa perspectiva ecológica que “vê o mundo biótico como uma unidade kolística de que a humanidade faz parte. Consequentemente, neste mundo, as necessidades humanas devem ser integradas com as da biosfera se se pretende a sobrevivência da espécie humana. A integração....implica um respeito profundo pela variedade natural, pela complexidade dos processos e relações naturais, e pela cultura duma atitude mutualista para com a biosfera”(ibidem). Breve Caracterização Geográfica e Geológica

A Baía de São Lourenço, com uma abertura de cerca de 1300m, fica situada na costa Leste de Santa Maxia, é limitada a Sul pela ponta da Casa Velha, que tem em frente o ilhéu de S. Lourenço, e a Norte pela ponta dos Matos. Santa Maria é a ilha mais “velha” do arquipélago, estimando-se em cerca de 6 milhões de anos a idade das lavas mais antigas. A baía de S.Lourenço está implantada em escoadas lávicas do Complexo do Pico Alto, de idade Pliocénica (5-1,8 MA), e na base da arriba que a forma existem importantes depósitos de vertente que, tal como as areias da praia, datam do Holocénico(<10 000 A). O ilhéu, com uma forma aproximadamente cónica, tem cerca de 92 metros de altura e data do Pliocénico (Serralheiro e Madeixa, 1993). Aspectos Históricos 1- A Baía

A Baía de São Lourenço foi descxita, no século XVI, por Gaspar Fmctuoso no seu livro "Saudades da Terra": ...Por serem todas estas fajãs mui grandes e formosas se chamam as Fajãs Grandes ou de São Lourenço, por estarem junto de uma sua ermida, parte prantadas de vinhas, e outras por prantar, onde se dão os


melhores figos longares que há nas ilhas, e muitos marmelos, maçãs, amoras e outras frutas, que,, por serem vinhas novas, de doze até quinze anos, dão uvas mui grandes e boas...(]),%7) Jaime de Figueiredo, em 1954, refere-se à baia de S.Lourenço do seguinte modo: São Lourenço: deliciosa marinha, com a espalda de vinhedos e a fiada do casario, a banhar-se na fímbria do Oceano. Numa aresta da montanha vemos o Espigão-trilho aberto, sob a forma de escaleira, por onde o serrano transporta os carregos, encurtando o caminho da sede da freguesia. Em 1967, o contra-almirante Sarmento Rodrigues, no seu livro intitulado “ Ancoradouros das Hhas dos Açores”, faz a seguinte descrição: A baía de S. Lourenço é um vasto areal no sopé de uma formosa encosta, um anfiteatro grandioso pelo seu declive e altura, onde as vinhas são numerosas e a natureza em tudo o mais é pródiga. Muitas casas espalhadas pela baía, na proximidade do mar, sobretudo cio centro. Toda a baía permite fundear, com bom fundos de areia. Em 20 metros já se está seguro e a uma razoável distância da costa. Por seu turno, em 1969, o etnólogo micaelense Francisco Carreiro da Costa ao propor-nos um passeio pela ilha, traça um quadro da baía, vista do miradouro situado a sul: Numa concha perfeita, quase completamente revestida de vinhedos, arrumados em xadrez, a encosta desce atá ao mar azul e transparente, à borda do qual se franja com um rosário de casas e uma fina areia branca onde as vagas se rendilham de espuma. Manuel Ferreira , em 1987, diz-nos que em 1951 a produção de vinho em Santa Maria atingiu cerca de 130 mil litros, numa área aproximada de 75 hectares e acrescenta:


Todavia, daquela altura para cá, a decadência foi aumentado, mercê de diversos factores, e, já há mais de duas décadas, na zona de S. Lourenço, a produção do famoso Bastardo Branco não passava de urnas escassas dezenas de litros, apesar da sua fama de excelente vinho aperitivo ou de sobremesa, capaz de desafiar por chorudas alvíssaras os bons e exigentes paladares... 2- O ilhéu de São Lourenço

Gaspar Frutuoso (1971, p.88-90) diz-nos que o ilhéu de São Lourenço ou do Romeno, possuia “ dez alqueires de terra de eiva e alguma rama curta e pouca, onde criam muitas cagarras” e que no mar que o banha existia muito “marico, principalmente cranguejos(sic) e lagostins” e descreve, pormenorizadamente uma fuma existente no seu interior, realçando o espectáculo das suas estalagmites e estalactites: Parece casa de cieiro, com as muitas tochas, círios, candeias, da cor dci cera, não muito branca, algumas das quais estão pegadas no alto, dependuradas para baixo, e cis gotas de água na ponta. E onde cai aquela gota, na lagem, de baixo se faz e alevanta outra tocha ou candeia, como a de cima, ficando parecendo aquela furna uma grande e fera boca aberta de baleia, bem povoada de alvos dentes em ambos os queixos.... O famoso zoólogo francês Hemi Drouet, que esteve em Santa Maria em 1857, considerou a ilha, a par das Flores, como “a mais bela e graciosa de todas” e visitou o ilhéu, sobre o qual escreveu: Na Baía de S. Lourenço, pudemos visitar o ilhéu dos Romeiros (ou dos Peregrinos), célebre pela sua gruta e pelas suas estalactites. Jaime de Figueiredo, em 1954, descreve-nos o ilhéu do seguinte modo:


A ilharga destaca-se o coruchéu rochoso do Ilhéu do Romeiro. Visão dantesca oferece-nos a sua gruta de estalactites! Dédalo de colunas e pirâmides, como as do alabasta lactescente. Pelo chão, os pingos de calcário dão-nos a sensação de loja de cerieiro. Não será a cripta fúnebre de algum deus lendcirio, da corte oceânica de Neptuno?... São Lourenço- O património Natural

A baía de São Lourenço está integrada num biótopo do Programa Corine, denominado S.Lourenço, que abrange uma faixa costeira de 185 hectares desde a ponta do Massapés à ponta das Salinas. O programa Come (Coordination, Information, Environment) tem os seguintes objectivos principais: - proporcionar um sistema coordenado para a recolha, armazenamento e utilização da informação ambiental a uivei europeu; - proporcionar um meio de orientar a política de Ambiente da Comunidade, dando-lhe um carácter mais preventivo e protectivo; - ajudar a fortalecer a componente ambiental nas políticas sectoriais da Comunidade (agrícola, transportes, etc.). A inclusão desta faixa litoral entre os 55 sítios da Região Autónoma dos Açores considerados de interesse comunitário para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais deve-se sobretudo ao facto de ser uma área importante para a nidificação de aves marinhas, com destaque para o cagarro e o garajau, à presença de sete subespécies endémicas da nossa avifauna, à existência de 12 espécies endémicas da nossa flora e ao elevado interesse geomorfológico e paisagístico. Vivem na baía de S. Lourenço cinco mamíferos: o m orcego [Nyctalus azoreum), o ouriço-caixeiro (Erinaceus europaeus), o coelho (Oryctolagus cuniculus), a comadrinha (Mustela nivalis) e o rato {Mus musculus). Destas espécies apenas o morcego é endémico dos Açores, existindo em todas as ilhas e apesar de ser abundante foi atribuído o estatuto de RARO por se tratar de uma população endémica e isolada. O isolamento geográfico constitui um factor de ameaça.


Tal como na maioria das illias, com excepção de S.Miguel, podemos observar aqui apenas um dos dois anfíbios existentes nos Açores, a rã (Ranci ssp.). Em S.Lourenço, existe também o réptil que é comum às outras ilhas do arquipélago, a lagartixa (Lacerta duguesii) que é proveniente da Madeira, onde é endémica. No que diz respeito à avifauna, há a registar a presença, entre outras, das seguintes espécies: cagarro (Calonectris diomedea borealis), garajau-rosado (Sterna dougalli), garajau-comum (Sterna hirundo), gaivota (Larus cachinans atlantis), alvéola (.Motacilla cinerea patriciae), melro-negro (Turdus merula azorensis). tentilhão (.Fringilla coelebs moreletti), milhafre (Buteo buteo rothschildi), garça-real (Ardea cinerea), pombo da rocha (Columba livia), Papinho (Erithacusrubecida), toutinegra (Sylvia atricapilla atlantis) e canário da terra (Serinus cajiarius). Dada a sua importância farei, de seguida, uma referência mais pormenorizada ao cagarro e ao garajau. O cagarro (Calonectris diomedea) é uma ave marinha perfeitamente adaptada à vida no alto mar Após alguns meses nos mares do Hemisfério Sul, em Março os cagarros regressam e iniciam visitas nocturnas às colónias, situadas em ilhéus, falésias e arribas costeiras, dando assim inicio ao período reprodutor de oito meses. No final de Outubro os jovens são abandonados nos ninhos pelos adultos. Movidos pela fome,lançam-se ao mar para uma vida longa de mais de 40 anos. Os Açores são, em todo o mundo, a zona mais importante para o cagarro.A sua população sofreu uma enorme regressão histórica sobretudo devido à pressão sobre o litoral. Os garajaus são duas espécies que em Abril migram da costa ocidental de África para os Açores, onde nidificam. Ambas as espécies nidificam em colónias, situadas em praias rochosas sob falésias e em pequenos ilhéus, sobretudo nas ilhas de Flores e Santa Maria. As colónias têm normalmente 30 a 70 casais. A nidificação começa habitualmente no fim de Abril e prolonga-se até ao fim de Julho.


Em 1989 existiam nos Açores 4015 casais de garajau comum (Sterna hirundo) e 992 casais de garajau ros,ado(Sterna dougallü), sendo as ilhas de Flores , Santa Maria e Graciosa as mais importantes para esta espécie com 80% da população dos Açores.. Entre 1989 e 1991 a população de garajau rosado manteve-se estável, com cerca de 1000 casais, isto é mais de 60% do total da população europeia. Em 1992 a população de Garajau rosado diminuiu para 750 casais e em 1993 para cerca de 380. Existem vários problemas de conservação, sendo a perturbação pelo homem a maior ameaça para os garajaus nos Açores. Na Baía de S. Lourenço é possível encontrar algumas das plantas que constituem a flora primitiva dos Açores. Entre elas destacamos a presença das seguintes espécies: a faia (Myrica faya), o louro (Laurus azorica), o bracel (Festuca_petrciea_), a vidália (Azorina vidcilii), o pau-branco (Picconia azorica), a urze (Erica azorica), a ena-leiteira (Euphorbia azorica), a malfiirada (Hypericum foliosum), a figueira-brava (Pericallis rnalvifolia). a Ammi trifoliatum São Lourenço, que estatuto?

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1- O actual

A baía de S.Lourenço, tal como a da Praia, dos Anjos e da Maia, está, desde 1987, classificada como Reserva Natural. Contudo, existe apenas no papel. Assim, “os modelos dos sinais indicativos de proibições, permissões e condicionamentos previstos” bem como os regulamentos da reserva que deveriam ter sido elaborados no prazo de seis meses, tal como era previsto no Decreto Legislativo Regional n° 7/87/A, de 29 de Maio, nunca foram concretizados e aguarda, tal como todas as outras existentes nos Açores, desde 30 de Novembro de 1993, a sua reclassificação. Datada de 1994, existe uma proposta de Decreto Legislativo Regional que faz com que a Baía de São Lourenço seja parte integrante de um “Parque Natural de São Miguel e Santa Maria. 2- O futuro


Antes de darmos a nossa opinião acerca de qual poderá ser o futuro estatuto de São Lourenço, apresentaremos, de acordo com Ferreira(1987) os conceitos de Parque Natural, Reserva Natural e Paisagem Protegida: Parque Natural: Area Protegida, relativamente extensa (de modo a acomodar diferentes usos sem conflitos), composta por paisagens seminaturais e humanizadas e contendo amostras representativas de comunidades únicas ou características naturais de grande interesse, exemplos de paisagens harmoniosas resultantes de padrões tradicionais de uso onde persistam modos de vida e forma de cultura de grande significado. Reserva Natural: Area Protegida onde se procuram salvaguardar ecossistemas, características naturais ou espécies de flora e fauna de elevado interesse científico e significado nacional ou internacional. Paisagem Protegida: Area que pode compreender um espaço de forte carácter rural e qualidades estéticas resultantes de. uma inteligente humanização e outro que sendo fundamentalmente consistido por áreas naturais ou semi-naturais está sujeito à intervenção do homem para fins recreativos e turísticos. Dada a reduzida área da Baía de S. Lourenço, o que por si só faz com que não seja ajustada a sua classificação como Parque Natural, resta-nos as possibilidades de, fazendo ou não parte do já referido “Parque Natural de São Miguel e Santa Maria”, a sua classificação como Reserva Natural ou Paisagem Protegida ou a opção por um ordenamento (“arrumação do espaço através de medidas de conciliação dos vários agentes intervenientes no solo”) que defina zonas de Paisagem Protegida, zonas de Reserva Natural, zonas de aptidão urbano-turisticas, zona da Povoação de São Lourenço, etc. No caso de optarmos entre Reserva Natural e Paisagem Protegida importa conhecer quais os objectivos de cada uma daquelas Áreas Protegidas(quadrol).


Categoria de Área Protegida Investigação Protecção Patriin. Natural Protecção Patrím. Cultural Protecção da Paisagem Fom. Act. Econ. Tradicionais Fom. Act. Econ. Ecol Adequadas Melho. de infaestruturas de apoio Fomemto do Turismo Fomento do Recreio

Reserva Natural Paisagem Protegida Obj. Secundário Obj. Principal Obj. Secundário Obj. Principal Obj. Principal Obj. Principal Obj. Principal Obj. Principal Obj. Secundário Obj. Secundário Obj. Secundário Obj. Secundáiio Obj. Secundário Obj. Secundário Obj. Principal Obj. Secundário Obj. Principal Obj. Secundário Quadro 1- Extraído de J. Ferreira (1987)

Dadas as características do local e os objectivos de uma Reserva Natural e de uma Paisagem Protegida, julgamos que, caso se tenha de optar por uma delas, o estatuto mais adequado para São Lourenço será o de Paisagem Protegida. Terminaríamos com uma citação do arquitecto FemanddPessoa (1985): Conservação...já não é apenas a protecção da Natureza no conceito com que se entendia a defesa das espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção. A conservação é hoje assumida como a gestão da Biosfera, de modo a que o homem utilize os seus recursos de forma perene, satisfazendo as suas necessidades sem degradar o património, natural e cultural, que é uma herança que não nos pertence, porque pertence às gerações do fu turo. Não herdamos a terra dos nossos Pais, tomámo-la emprestada aos nossos filhos”

BIBLIOGRAFIA


BOOKCHIN, M. (1996). “Agricultura radical”. A Batalha, n° 157. COSTA, F.(1969). Açores. Lisboa Olisipo, Editorial de Publicações Turísticas. DROUET, H. (1858). Rapport a sa Majesté le Roi de Portugal sur un voyage d’exploration scientifique aux îles Açores. Troyes, Bouquot. FERREIRA, M.(1987). A cultura da vinha em Santa M aria e em S. Miguel e o centenário da exportação do vinho “Açor”.Ponta Delgada . FERREIRA, J.( 1987). “Áreas Protegidas” Conservar a Natureza e Gerir os Recursos Naturais. Lisboa. Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente/IPSD. FIGUEIREDO, J.( 1954). Ilha de Gonçalo Velho- da descoberta até ao Aeroporto. Lisboa . C. de Oliveira, Limitada (Editores). FRUTUOSO,G.(1971).Livro Terceiro das Saudades da Terra.Ponta Delgada.Instituto Cultural PESSOA, F.(1985). Ecologia e Território. Poito. Afrontamento. RODRIGUES, M.(1967). Ancoradouros das Ilhas dos Açores.Lisboa. Instituito Hidrográfico SERRALHEIRO,A. e MADEIRA,J.(1993).”Stratigraphy and Geochr onology of Santa Maria Island(Azores)”. Açoreana 7(4): 575-592.


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