Terra Livre 39

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 39

NOVEMBRO DE 2011

Soberania Alimentar na Europa, já!

Há um movimento ambientalista/ecologista nos Açores?

Manifesto ecossocialista internacional As alternativas energéticas ameaçam o futuro

Lagoa (eutrofizada) das Furnas, Agosto de 2011


SOBERANIA ALIMENTAR NA EUROPA, JÁ! distribuidores. É um modelo desenhado para obter lucro, que por isso falha completamente as suas obrigações. Em Nyeleni Europa 2011: Fórum Europeu para a Soberania Alimentar

lugar de se dedicar à produção de

Krems, 21 de Agosto

para as pessoas, tem o seu foco na

A Europa está a sentir os primeiros ajustes estruturais que os governos estão a impor às suas populações, que até agora só tinham sido impostos a outras regiões, especialmente às do Sul, tudo isto com o único interesse de salvar o capitalismo

e

aqueles

que

dele

beneficiam (bancos privados, grupos de investimento

e

multinacionais).

Os

sinais fazem pensar que num futuro

comida que seja saudável, justa e boa

produção de monoculturas para agro combustíveis, rações para animais e plantações industriais. Por um lado, causou uma enorme perda de plantações agrícolas e das pessoas que nelas tinham o seu meio de subsistência, enquanto por outro lado promove uma dieta que é prejudicial à saúde e que contém insuficiente

quantidade

de

fruta,

vegetais e cereais.

próximo estas políticas anti-sociais estender-se-ão duras.

As

gerais

para

e

tornar-se-ão

primeiras advertir

mais

manifestações os

sistemas

económicos e os governos que nos conduziram a este cenário já começaram e dão – com criatividade e energia – as alternativas dos movimentos sociais Europeus ao modelo de agricultura global, que é o reflexo do sistema

O modelo industrial de produção actual

capitalista que o criou.

está dependente dos recursos finitos de químicos e combustíveis fósseis; não

Os

sistemas

alimentares

foram

reduzidos a um modelo de agricultura industrializada,

controlada

por

um

pequeno número de multinacionais do sector alimentar, juntamente com um pequeno

número

de

grandes

reconhece os limites de recursos como a terra e a água; é responsável por dramáticas perdas de biodiversidade e fertilidade dos solos, contribui para as alterações climáticas; força milhares de pessoas a ter empregos onde não lhes 2


são

reconhecidos

fundamentais;

os

seus

contribui

direitos

incluem

as

políticas

de

a

desregulamentação e liberalização dos

deterioração das condições de trabalho

mercados agrícolas e a especulação nos

de agricultores e trabalhadores, em

alimentos. Mudar a direcção deste

particular os emigrantes. Afasta-nos de

sistema alimentar disfuncional só será

um

possível através de uma reorientação

relacionamento

para

exemplos

sustentável

e

respeitador da natureza. Explorando e

completa

das

tratando a terra desta forma, é a

alimentares

principal causa da pobreza e fome rurais

redesenhar o sistema alimentar baseado

de mais de um bilião de pessoas em

nos princípios de Soberania Alimentar,

todo o mundo (como está agora a

particularmente na Europa, e fazê-lo

acontecer no Corno de África). Em

agora.

e

políticas agrícolas.

e

práticas É

vital

resultado disto, provoca emigração forçada, enquanto produz um excesso de comida industrial, que acaba sendo deitada

ao

lixo,

ou

levada

para

mercados fora da Europa, destruindo a produção local.

Como consequência, mais de 400 pessoas de 34 países europeus desde o Atlântico até os Urais e Cáucaso, do Árctico ao Mediterrâneo, bem como representantes internacionais de vários movimentos sociais e organizações da sociedade civil, reuniram-se de 16 a 21 de Agosto em Krems, na Áustria para dar

um

passo

em

frente

no

desenvolvimento de um movimento europeu para a Soberania Alimentar. Estamos a construir sobre os alicerces da Declaração do Nyeleni 2007, Fórum para Esta situação é o resultado das políticas alimentares, financeiras, comerciais e energéticas, que os nossos governos, a UE (especialmente através da sua Política Agrícola Comum), instituições multilaterais e financeiras, bem como

a

Soberania

Alimentar,

que

reafirmou o quadro internacional para a Soberania Alimentar - o direito dos povos de definirem democraticamente os seus próprios sistemas alimentares e agrícolas, sem prejudicar outras pessoas ou o ambiente.

multinacionais, têm vindo a impor. Os 3


Existem já hoje inúmeras experiências e

nossa energia e criatividade tornem o

práticas quer a nível local, quer a nível

nosso movimento mais forte. A fim de

regional e europeu, que são baseadas na

fazê-lo,

Soberania Alimentar e que demonstram

participar no sistema de fornecimento

como ela pode ser aplicada.

de comida e sermos integrados em todas as

Somos pessoas que partilham valores baseados

nos

direitos

humanos.

Queremos a livre circulação de pessoas, e não a livre circulação de capital e mercadorias

que

contribui

para

a

destruição dos meios de subsistência das populações, e em consequência

devemos

estruturas

convencidos

e de

ser

capazes

decisões. que

a

de

Estamos Soberania

Alimentar não é apenas um passo em frente rumo a uma mudança nos nossos sistemas alimentar e agrícola, é também um primeiro passo para uma mudança mais ampla nas nossas sociedades. Para isso, comprometemo-nos a lutar por:

força muitos a emigrar. O nosso objectivo

é

a

solidariedade

cooperação em

concorrência.

e

oposição

a à

Comprometemo-nos

a

recuperar a nossa democracia. Todas as pessoas devem estar envolvidas em todas as questões de interesse público e na formulação de políticas públicas, decidindo

colectivamente

organizar

os

nossos

como sistemas

alimentares. Isto exige a construção de sistemas e processos democráticos, livres

de

violência

e

influências

corporativas, com base na igualdade de direitos e igualdade de género, que também conduza à abolição do sistema

Mudar a forma como os alimentos são produzidos e consumidos

de patriarcado.

Estamos a trabalhar em sistemas de

Muitos

de

nós

são

jovens

que

representam o futuro da nossa sociedade e das nossas lutas. Queremos que a

produção de alimentos resistentes, que servem de alimento saudável e seguro para todos os povos da Europa, ao mesmo

tempo

que

preservam

a 4


biodiversidade e os recursos naturais e

produtos animais, que devem apenas ser

garantem o bem-estar animal. Isto

produzidos localmente e alimentados

requer modelos ecológicos de produção

localmente sem elementos OGM.

e de pesca, bem como uma infinidade

Dedicamo-nos a reabraçar e promover o

de pequenos agricultores, jardineiros e

conhecimento

pescadores de pequena escala que

processamento de alimentos através da

produzem alimentos locais, constituindo

educação e partilha de competências.

da

culinária

e

do

a espinha dorsal do sistema alimentar. Nós lutamos contra a utilização de

Mudando a forma como o alimento é distribuído

OGM e pelo crescimento e recuperação de

uma

grande

diversidade

de

variedades não-OGM de sementes e raças de animais nesses sistemas.

Trabalhamos

no

sentido

de

descentralizar as cadeias alimentares, promovendo mercados diversificados baseados na solidariedade e em preços justos, cadeias de abastecimento curtas e intensificação do relacionamento entre produtores e consumidores da cadeia alimentar local, combatendo a expansão e poder dos hipermercados. Queremos a criação de locais onde as pessoas possam ter os seus próprios sistemas de distribuição alimentar e que permitam aos agricultores produzir e processar

alimentos

para

as

suas

comunidades. Isto requer regras de segurança alimentar de apoio e infraestruturas locais para os pequenos agricultores. Promovemos formas sustentáveis e diversificadas de cultura alimentar, em particular o consumo de produtos locais e sazonais de alta qualidade, e não

Trabalhamos para garantir que os alimentos que produzimos chegam a todas as pessoas da sociedade, incluindo

alimentos altamente processados. Isso inclui um menor consumo de carne e 5


pessoas

com

poucos

ou

nenhuns

recursos.

populações de peixes, as árvores e florestas, a água, a atmosfera e o conhecimento. O acesso a estes recursos

Valorização e melhoria das condições sociais e de trabalho dos sistemas alimentar e agrícola

não deve ser determinado por mercados e dinheiro. Ao utilizar recursos comuns, temos de assegurar a realização dos

Lutamos contra a exploração e a

direitos humanos e da igualdade de

degradação das condições sociais, do

género, e garantir que eles beneficiem a

trabalho e pelos direitos de todas as

sociedade alargada.

mulheres e homens que fornecem alimentos,

bem

como

os

dos

trabalhadores sazonais e emigrantes dos sectores de processamento, distribuição, venda e outros. Trabalhamos no sentido de encontrar políticas públicas que respeitem os direitos sociais, definam padrões elevados e que condicionem o financiamento público à implementação integral destes direitos e padrões. A sociedade deve dar maior valor ao papel dos produtores e trabalhadores do sector alimentar na sociedade. Para nós, isso inclui um nível aceitável de salários. O

Também

reconhecemos

a

nossa

responsabilidade em usar os nossos Bens

Comuns

de

uma

forma

sustentável, respeitando os Direitos da Mãe Terra. Os nossos Bens Comuns devem ser geridos através do controlo comunitário colectivo e democrático.

nosso objectivo é construir amplas alianças entre todas as pessoas que trabalham no sistema alimentar.

Mudar as políticas públicas que regem os nossos sistemas alimentar e agrícola

Reivindicar o direito ao Bem Comum

A nossa luta inclui a mudança das

Opomo-nos

a

políticas públicas e das estruturas que

e

regem os nossos sistemas alimentares –

patenteamento dos nossos bens comuns

a partir do nível local para o nível

como:

de

nacional, europeu e global - para

agricultores, sementes tradicionais e

deslegitimar o poder corporativo. As

reprodutíveis, as raças de gado e as

políticas públicas devem ser coerentes,

e

mercantilização,

a

terra,

lutamos

contra

economização

as

sementes

6


complementares e promover e proteger

quer por dumping quer por expropriação

os sistemas e as culturas alimentares.

de terras na Europa, em particular na

Eles devem basear-se no direito à

Europa Oriental e no Sul Global.

alimentação, erradicar a fome e a pobreza, assegurar o cumprimento das necessidades

humanas

básicas

e

contribuir para a Justiça Climática - na Europa e globalmente. Precisamos de quadros legais que garantam preços estáveis e justos para os produtores de alimentos; que promovam a agricultura ecológica,

internalizem

os

custos

externos nos preços dos alimentos e

Trabalhamos em criar novas políticas internacionalmente

justas

para

a

agricultura, a alimentação, as sementes, a energia e o comércio, segundo os princípios

da Soberania Alimentar.

Estas devem incluir, em particular: uma Política Agrícola e Alimentar diferente, a eliminação da Directiva Europeia sobre Biocombustíveis e o controlo do comércio agrícola internacional através

implementem a reforma agrária.

da FAO e não da OMC. Apelamos aos povos e aos movimentos sociais da Europa a participar, juntamente connosco, em todas as nossas lutas para tomar o controlo dos nossos sistemas alimentares, e Construir o Movimento pela Soberania Alimentar na Europa, JÁ!

Estas políticas resultarão em mais agricultores na Europa. As políticas públicas devem ser concebidas com a ajuda de estudos responsáveis para alcançar

os

objectivos

acima

enunciados. Eles devem garantir que qualquer especulação com os alimentos seja proibida e que nenhum dano é infringido

aos

actuais

sistemas

e

culturas alimentares locais ou regionais, 7


HÁ UM MOVIMENTO AMBIENTALISTA/ECOLOGISTA NOS AÇORES? atravessa não pode ser ultrapassada sem Num texto de Julho do presente ano,

uma mudança radical no modelo de

João Bernardo, pensador e escritor

sociedade.

marxista heterodoxo português, que foi

Para o pai da ecologia social, Murray

professor

várias

Bookchin que propõe como alternativa

brasileiras,

à sociedade actual uma sociedade

afirmou que em Portugal não existem

―baseada na autogestão, onde cada

movimentos sociais, como os existentes

indivíduo

em outras paragens, nomeadamente na

directamente e de forma perfeitamente

América Latina.

igualitária,

convidado

universidades

em

públicas

participe

na

plenamente,

gestão,

sem

intermediários, da colectividade‖, o Segundo ele, os movimentos sociais são caracterizados por ―desenvolverem-se num plano próprio, independente das instituições

dominantes,

e

não

aspirarem a subir nessas instituições nem a participar no poder dentro dessas instituições‖. Além disso, a razão da sua existência

não

é

―um

programa

ideológico‖ mas sim ―uma plataforma reivindicativa prática — ter terra para cultivar ou ter casa para morar …‖

ambientalismo

ignora

a

questão

fundamental da sociedade de hoje que é a dominação da natureza pelo homem e apenas procura o uso de técnicas que possam minimizar os seus males. Um contributo para a resposta à questão formulada é-nos dado por Viriato Soromenho Marques que no seu livro ―O futuro frágil: os desafios da crise global

do

ambiente”

considera

a

existência de quatro aspectos, que são

distinguem os novos (onde se inclui o

termos que muitas vezes apresentados

movimento de defesa do ambiente) dos

como se de sinónimos se tratassem.

antigos movimentos sociais (sindicatos,

Contudo, há vários autores que não são

por exemplo), a saber:

Ambientalismo

e

ecologismo

dessa opinião e estou de acordo com eles. Assim, para o ambientalismo a crise ambiental pode ser resolvida sem que seja posta em causa o modelo da sociedade de mercado liberal ou neoliberal enquanto para o ecologismo a crise multidimensional que o mundo

1-

Enquanto

os

antigos

movimentos sociais acreditavam na ―bondade incondicional do progresso científico e técnico‖, o movimento ambientalista questiona a ―religião‖ do progresso técnico-científico‖; 2-

Os

antigos

movimentos

acreditavam na bondade do estado, 8


daí que a sua meta era a ―conquista

não

do poder de Estado‖, o movimento

elaboração de pareceres, os quais, como

ambientalista desconfia não tanto da

é sabido, só servem para legitimar as

bondade do Estado mas sobretudo do

decisões previamente tomadas.

seu poder efectivo;

No que toca às chamadas ―grandes‖

3-

tenham

capacidade

para

a

Os antigos movimentos eram

associações, foram forçadas a perder o

―movimentos escatológicos, do fim

pio ou remeteram-se ao (quase) silêncio.

da história‖, tinham ―como programa

Dizem as más-línguas que alguns dos

uma bandeira ideológica desfraldada

seus membros estão a posicionar-se

pelo vento das utopias‖, como, por

para as próximas eleições regionais,

exemplo, o fim da exploração do

outros à espera de não atrapalhar as suas

homem pelo homem, como resultado

actuais ou futuras carreiras profissionais

da emancipação da classe operária. O

e

movimento ambientalista recusa as

capitalismo verde.

―utopias do fim da história‖;

No que diz respeito ao seu pendor

4-

Para os antigos movimentos a

outros,

ainda,

renderam-se

ao

ambientalista ou ecologista, através de

luta política inseria-se na dicotomia

uma

amigo - inimigo, sendo este bem

nomeadamente às suas publicações ou

identificado:

o

páginas Web, facilmente se chegará à

vermelho, etc. Para os ecologistas,

conclusão de que todas elas apresentam

sobretudo

uma forte componente ambientalista.

o

capitalista,

das

sociedades

análise

ao

que

fazem,

industrializadas do Norte, o inimigo é o ―nosso presente e insustentável

Partindo do princípio de que a missão

modo de vida‖.

dos movimentos sociais é a alteração do

Só com muita boa vontade alguém

status quo que se caracteriza pela

poderá dizer que, hoje, existe um

perpetuação de uma crise económica,

movimento de defesa do ambiente nos

por uma crise política, ecológica e

Açores.

proliferam

energética, diria que não há grupos

pequenas associações para as quais o

ecologistas nos Açores e que os dedos

ambiente

de uma mão talvez sejam suficientes

Com

é

efeito,

uma

temática

quase

marginal, embora sejam reconhecidas

para

como de ambiente pela tutela. Limitam-

militantes/activistas.

se a pontualmente (ou não) a prestar de

contar

o

número

de

T. Braga

serviços e são consultadas, mesmo que 9


MANIFESTO ECOSSOCIALISTA INTERNACIONAL que move o todo: a expansão do sistema O século XXI se inicia com uma nota catastrófica,

com

um

grau

capitalista mundial.

sem

precedentes de desastres ecológicos e

Rejeitamos todo tipo de eufemismos ou

uma ordem mundial caótica, cercada

propaganda que suavizem a brutalidade

por terror e focos de guerras localizadas

do sistema: todo mascaramento de seus

e desintegradoras, que se espalham

custos ecológicos, toda mistificação dos

como uma gangrena pelos grandes

custos humanos sob os nomes de

troncos do planeta África Central,

democracia e direitos humanos. Ao

Oriente Médio, América do Sul e do

contrário, insistimos em enxergar o

Norte, ecoando por todas as nações.

capital

a

partir

daquilo

que

ele

realmente fez. Grupo

Currupião

(Educação

Ambiental)

Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão profundamente relacionados e deveriam ser vistos como manifestações diferentes das mesmas forças

estruturais.

As

primeiras

derivam, de uma maneira geral, da industrialização

massiva,

que

ultrapassou a capacidade da Terra absorver

e

conter

a

instabilidade

ecológica. O segundo deriva da forma de

imperialismo

globalização,

conhecida

com

seus

como efeitos

desintegradores sobre as sociedades que se colocam em seu caminho. Ainda, essas

forças

subjacentes

são

essencialmente diferentes aspectos do mesmo

movimento,

devendo

ser

identificadas como a dinâmica central

Agindo sobre a natureza e seu equilíbrio ecológico,

o

sistema,

com

seu

imperativo de expansão constante da lucratividade, expõe ecossistemas a poluentes desestabilizadores, fragmenta habitats que evoluíram milhões de anos de modo a permitir o surgimento de organismos, dilapida recursos, e reduz a vitalidade sensual da natureza às frias trocas necessárias à acumulação de capital.

10


Do lado da humanidade, com suas

baseado na regra ―cresça ou morra!‖.

exigências

autodeterminação,

Tampouco ele pode resolver a crise

comunidade e existência plena de

posta pelo terror ou outras formas de

sentido, o capital reduz a maioria das

rebelião

pessoas do mundo a mero reservatório

significaria abandonar a lógica do

de mão-de-obra, ao mesmo tempo em

império, impondo limites inaceitáveis

que descarta os considerados inúteis. O

ao crescimento e ao ―estilo de vida‖

capital invadiu e minou a integridade

sustentado pelo império. Sua única

das comunidades por meio de uma

opção

cultura

de

de

é

recorrer

porque

à

fazê-lo

força

bruta,

global

de

incrementando a alienação e semeando

despolitização.

Ele

mais terrorismo e contra-terrorismo,

expandiu as disparidades de riqueza e

gerando assim uma nova variante de

de poder em níveis sem precedentes na

fascismo.

consumismo

massas

violenta,

e

história. Trabalhou lado a lado com uma rede

de

Estados

subservientes,

cujas

corruptos elites

e

locais,

poupando o centro, executam o trabalho de repressão. O capital também colocou em funcionamento, sob a supervisão das potências ocidentais e da superpotência norte-americana,

uma

rede

de

organizações trans-estatais destinada a minar a autonomia da periferia, atandoa às suas dívidas enquanto mantém um enorme aparato militar que força a obediência ao centro capitalista.

Nós entendemos que o atual sistema capitalista não pode regular, muito menos superar, as crises que deflagrou. Ele não pode resolver a crise ecológica

Em suma, o sistema capitalista mundial está historicamente falido. Tornou-se um império incapaz de se adaptar, cujo gigantismo

expõe

subjacente.

O

sua

sistema

fraqueza capitalista

mundial é, na linguagem da ecologia, profundamente insustentável e, para que haja futuro, deve ser fundamentalmente transformado ou substituído.

porque fazê-lo implica em colocar limites ao processo de acumulação uma opção inaceitável para um sistema 11


É dessa forma que retornamos à dura

dizendo que precisamos construir um

escolha

―socialismo‖ capaz de superar as crises

apresentada

Luxemburgo:

por

Rosa

―Socialismo

ou

que

o

capital

iniciou.

E

se

os

Barbárie!‖, em que a face da última está

―socialismos‖ do passado falharam

impressa neste século que se inicia na

nisso, é nosso dever, se escolhemos um

forma de eco-catástrofe, terror e contra-

fim outro que não a barbárie, lutar por

terror e sua degeneração fascista.

um socialismo que triunfe. Da mesma forma que a barbárie mudou desde os tempos em que Rosa Luxemburgo enunciou

sua

profética

alternativa,

também o nome e a realidade do ―socialismo‖ devem ser adequados aos tempos atuais.

É por essas razões que escolhemos nomear Mas por que socialismo, por que reviver esta palavra aparentemente consignada

nossa

interpretação

de

―socialismo‖ como um ecossocialismo, e nos dedicar à sua realização.

ao lixo da história pelos equívocos de suas interpretações no século XX? Por

Por que Ecossocialismo?

uma única razão: embora castigada e não realizada, a noção de socialismo ainda permanece atual para a superação do capital. Se o capital deve ser superado, uma tarefa dada como urgente considerando a própria sobrevivência da civilização,

o

resultado

será

necessariamente ―socialista‖, pois esse é o termo que designa a passagem a uma sociedade pós-capitalista. Se dizemos que

o

capital

é

radicalmente

insustentável e se degenera em barbárie, delineada acima, então estamos também

Entendemos o ecossocialismo não como negação, mas como realização dos socialismos da ―primeira época‖ do século vinte, no contexto da crise ecológica. Como seus antecessores, o ecossocialismo se baseia na visão de que capital é trabalho passado reificado, e se

fortalece

desenvolvimento

a

partir do livre de

todos

os

produtores, ou em outras palavras, a partir da não separação entre produtores e meios de produção. Entendemos que essa meta não teve sua implementação 12


possível no socialismo da ―primeira

quantitativa. Do ponto de vista da

época‖. As razões dessa impossibilidade

produção de mercadorias, isso se traduz

são demasiadamente complexas para

em uma valorização dos valores de uso

serem aqui rapidamente abordadas,

em detrimento dos valores de troca um

cabendo,

projeto de relevância de longo prazo

entretanto,

mencionar

os

diversos efeitos do subdesenvolvimento

baseado

na

no contexto de hostilidade por parte das

imediata.

atividade

económica

potências capitalistas. Essa conjuntura teve

efeitos

nefastos

sobre

os

socialismos existentes, principalmente no que ser refere à negação da democracia interna associada à apologia do produtivismo capitalista, o que conduziu ao colapso dessas sociedades e à ruína de seus ambientes naturais.

O ecossocialismo retém os objetivos emancipatórios

do

socialismo

da

―primeira época‖, ao mesmo tempo em que

rejeita

tanto

os

objetivos

reformistas da social-democracia quanto às estruturas produtivista das variações burocráticas

do

socialismo.

O

ecossocialismo insiste em redefinir a trajetória

e

objetivo

da

produção

socialista em um contexto ecológico. Ele o faz especificamente em relação aos ―limites ao crescimento‖, essencial para a sustentabilidade da sociedade. Isso sem, no entanto, impor escassez, sofrimento ou repressão à sociedade. O objetivo

é

a

transformação

das

necessidades, uma profunda mudança de

dimensão

qualitativa,

A generalização da produção ecológica sob condições socialistas pode fornecer a base para superação das crises atuais. Uma

sociedade

de

produtores

livremente associados não cessa sua própria

democratização.

Ela

deve

insistir em libertar todos os seres humanos

como

seu

objetivo

e

fundamento. Ela supera assim o impulso imperialista subjetiva e objetivamente. Ao realizar tal objetivo, essa sociedade luta para superar todas as formas de dominação, incluindo, especialmente, aquelas de gênero e raça. Ela supera as condições que conduzem a distorções fundamentalistas e suas manifestações terroristas. Em síntese, essa sociedade

não 13


se coloca em harmonia ecológica com a

os quais deveriam ser instantaneamente

natureza em um grau impensável sob as

reconhecidos por todos. Mas insistimos

condições atuais. Um resultado prático

que

dessas tendências poderia se expressar,

perspectiva adequada. Nosso projeto

por exemplo, no desaparecimento da

não é nem detalhar cada passo deste

dependência de combustíveis fósseis

caminho nem se render ao adversário

característica do capitalismo industrial,

devido à preponderância do poder que

que, por sua vez, poderia fornecer a

ostenta. Nosso projeto consiste em

base material para o resgate das terras

desenvolver a lógica de uma suficiente e

subjugadas

necessária

pelo

imperialismo

do

eles

devem

ser

tomados

transformação

da

na

atual

petróleo, ao mesmo tempo em que

ordem e começar a dar os passos

possibilitaria

intermediários

a

contenção

do

em

direção

a

esse

aquecimento global e de outras aflições

objetivo. O fazemos para pensar mais

da crise ecológica.

profundamente nessas possibilidades e, ao mesmo tempo, iniciar o trabalho de reunir aqueles de idéias semelhantes. Se existe algum mérito nesses argumentos, então ele precisa servir para que práticas e visões semelhantes germinem de maneira coordenada em diversos pontos do

globo.

O

ecossocialismo

será

universal e internacional, ou não será. As crises de nosso tempo podem e Ninguém pode ler estas recomendações sem

pensar

questões suscitam

primeiro

práticas e,

e

em

quantas

teóricas

segundo

e

elas

devem ser vistas como oportunidades revolucionárias, e como tal temos o dever de afirmá-las e concretizá-las.

mais

desesperançosamente, em quão remotas elas são em relação à atual configuração

Fonte: http://grupocurrupiao.blogspot.com/

do mundo, tanto no que se refere ao que está baseado nas instituições quanto no que está registrado nas consciências. Não precisamos elaborar estes pontos, 14


AS ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS AMEAÇAM O FUTURO Pertence aos que se dedicam ao

homens que introduziram a produção

pensamento, refletir sobre os destinos

industrial já há três séculos, aceleraram

da

e,

o consumo energético, inventaram a

ousadamente, também os destinos do

tecno-ciência que agride ecossistemas

planeta e da humanidade. Digo isso a

(ecologia ambiental), indutora de uma

propósito do novo estado da Terra

perversa desigualdade social (ecologia

produzido pelo aquecimento global, à

social) e devastadora do planeta como

esta altura irrefreável. A grande maioria

um todo (ecologia integral) e projetaram

não se dá conta das conseqüências que

a

advirão

(ecologia mental). Hoje são corporações

sociedade

de

em

que

tal

vivem

verificação

empiricamente comprovada.

cultura

do

consumo

ilimitado

industriais globalizadas, gigantes da bioquímica

e

do

agro-negócio

e

instituições afins. São eles que mais poluem (só os USA 25%) e que mais resistem às mudanças paradigmáticas. Se

eles

não

se

alfabetizarem

ecologicamente e não mudarem o rumo do mundo poderão levar a biosfera para um impasse desastroso.

A

segunda

constatação,

por

mais

desafiadora que seja, é singelamente esta: como está não dá mais para continuar. queremos

Somos salvar

obrigados, o

planeta

se e

a

humanidade, a imaginar e a inventar um A primeira constatação que importa fazer é: o aquecimento precisa ser qualificado. Não basta dizer que é andrópico, vale dizer, produzido pelo ser humano. Que ser humano? Pelos índios, pelos esquimós? Precisamos dizer com todas as letras: o aquecimento foi produzido por aquela porção de

outro modo de conviver, de produzir para toda a comunidade de vida, de distribuir

os

bens

necessários,

de

consumir responsável e solidariamente e de tratar os dejetos. Precisamos, como enfatiza a Carta da Terra, de "um modo sustentável de viver" porque o vigente, como

foi

comprovado 15


matematicamente,

não

mais

Atualmente o Brasil produz 17,5 bilhões

sustentável para 2/3 da humanidade.

de litros de álcool. Com a utilização de

Isto quer dizer: todas as alternativas

90 milhões de hectares agricultáveis

energéticas que se estão tomando na

poderá chegar a produzir 110 bilhões,

construção de uma Arca de Noé

podendo controlar 50% do mercado

salvadora

imperante,

mundial. É incompleta a afirmação que

escamoteiam o cerne da questão. Elas,

é uma energia limpa. É limpa apenas no

tomadas em si, não nos salvarão do

uso em carros. Mas em seu processo de

dilúvio. Dentro de dezenas de anos vão

produção é poluente porque inclui os

mostrar sua ineficácia o que vai

fertilizantes, o transporte, a estocagem,

provocar a maldição da humanidade

as máquinas e a liberação de nitrogénio

sobre a nossa geração. Dir-se-á: "vocês

que contamina poderosamente as águas

foram

e, transformado em

do

sistema

alertados

e

é

sabiam

mas

ácido nítrico,

preferiram a cegueira voluntária e a

produz chuvas ácidas, danosas para as

nossa perdição para garantir o curso que

florestas. Oxalá não ocorra no Brasil o

lhes dava vantagens".

que ocorreu na Malásia: 87% de desflorestamento, camponeses

e

expulsões terras

de

roubadas

à

produção de alimentos.

Para nos salvar importa redesenhar todo o processo produtivo, adequado a cada ecosistema, valorizando tudo o que a humanidade inventou para sobreviver, dos

sistemas

agropastoris

agroecológicos

até

à

nanotecnologia

com

sua

e

moderna imensa

possibilidade de resfriar o planeta.

Texto: Leonardo Boff O memorando Bush-Lula prevê uma

Para

produção massiva de etanol seja de cana

http://www.leonardoboff.com/

(Brasil)

seja

de

milho

saber

mais

sobre

o

autor:

(USA). 16


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