Terra Livre 53

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 53

JANEIRO DE 2013

Chapéus e ambientalistas Há muitos

A Ideologia Social Do Carro a Motor

A MULHER E A NATUREZA

Entre em ação


A IDEOLOGIA SOCIAL DO CARRO A MOTOR

O que tem de pior nos carros é serem como castelos ou mansões à beira domar: bens luxuosos inventados para o prazer exclusivo de uma minoria muito rica, os quais em conceção e natureza nunca foram direcionados para o povo. Ao contrário do aspirador de pó, do rádio, ou da bicicleta, que retêm seu valor de uso quando todos possuem um, o carro, como uma mansão à beira do mar, é somente desejável e útil a partir do momento que as massas não têm um. Por isso, tanto em conceção quanto na sua finalidade original o carro é um bem de luxo. E a essência do luxo é a de que ele não pode ser democratizado. Se todos puderem ter o luxo, ninguém obtém as vantagens dele. Do contrário, todos logram, enganam e frustram os demais, e é logrado, enganado e frustrado por sua vez.

Isto é de muitíssimo conhecimento comum no caso das mansões à beira mar. Nenhum político ousou ainda reivindicar que democratizar o direito às férias significasse uma mansão com praia particular para cada família. Todos compreendem que se cada uma entre 13 ou 14 Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

milhões de famílias devessem usar somente 10 metros da costa, tomar-se-ia 140.000km de praia para que todos tivessem sua parte! Para dar a todos sua parte ter -se-ia que cortar as praias em tiras pequenas - ou espremer tão fortemente as mansões - que seu valor de uso seria nulo e sua vantagem sobre um complexo hoteleiro desapareceria. De fato, a democratização do acesso às praias aponta a somente uma solução: a solução coletivista. E esta solução está necessariamente em guerra com o luxo da praia particular, que é um privilégio que uma minoria pequena toma como seu direito às custas de todos. Agora, por que aquilo que é perfeitamente óbvio no caso das praias não é geralmente visto da mesma forma no caso do transporte? Como a casa de praia, um carro também não ocupa espaço escasso? Não priva os outros que usam as estradas (pedestres, ciclistas, motoristas de ônibus, etal.)? Não perde seu valor de uso quando todos usam os seus próprios? No entanto há uma abundância de políticos que insistem que cada família tem o direito ao menos a um carro e que é até encargo do "governo" tornar possível que todos possam estacionar convenientemente, dirijam facilmente na cidade, e possam viajar no feriado ao mesmo tempo que todos outros, indo a 70 mph nas estradas, às estações de férias. A monstruosidade deste absurdo demagógico é imediatamente aparente, no entanto, mesmo a esquerda não desdém de recorrer a Página 2


ela. Por que o carro é tratado como uma vaca sagrada? Por que, ao contrário de outros bens "privados", ele não é reconhecido como um luxo antissocial? A resposta deve ser procurada nos dois aspetos seguintes da atividade de dirigir: A massificação do automóvel efetua um triunfo absoluto do ideologia burguesa no nível da vida diária. Dá e sustenta em todos a ilusão de que cada indivíduo pode procurar o seu próprio benefício às custas de todos os demais. Leva ao egoísmo cruel e agressivo do motorista que em todos os momentos está figurativamente matando os "outros", que aparecem meramente como obstáculos físicos à sua velocidade. Este egoísmo competidor e agressivo marca a chegada do comportamento universal burguês, e tem existido desde que dirigir tornou-se lugarcomum. ("você nunca terá o socialismo com aquele tipo de pessoas", um amigo alemão ocidental me disse, triste ao ver o espetáculo do tráfego de Paris). O automóvel é o exemplo paradoxal de um objeto luxuoso que tem sido desvalorizado por sua própria propagação. Mas esta desvalorização prática não foi seguida ainda por uma desvalorização ideológica. O mito do prazer e benefício do carro persiste, embora se o transporte de massa fosse difundido, sua dominação seria golpeada. A persistência deste mito é explicada facilmente. A propagação do carro particular deslocou o transporte de massa e alterou o planejamento da cidade e da habitação de tal Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

maneira que transfere ao carro o exercício de funções que sua própria propagação tornou necessárias. Uma revolução ideológica ("cultural ") seria necessária para quebrar este círculo. Obviamente não se deve esperar isto da classe dirigente (direita ou esquerda).

Permita-nos olhar mais de perto agora estes dois pontos. Quando o carro foi inventado, ele o foi para prover poucos dos muito ricos com um privilégio completamente sem precedentes: viajar muito mais rapidamente do que todos os demais. Ninguém até então tinha sonhado com isso. A velocidade de todas as carroças era essencialmente a mesma, fosse você rico ou pobre. As carruagens dos ricos não eram mais velozes do que as carroças dos camponeses, e trens carregavam todos na mesma velocidade (não possuíam velocidades diferentes até eles começarem a competir com o automóvel e o avião). Assim, até a virada do século, a elite não viajava em uma velocidade diferente do povo. O carro a motor iria mudar tudo isto. Pela primeira vez as diferenças de classe foram estendidas à velocidade e aos meios de transporte.

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Este meio de transporte no início parecia inacessível às massas – ele era muito diferente dos meios de transporte comuns. Não havia nenhuma comparação entre o carro a motor e os outros: o bonde, o trem, a bicicleta, ou a carroça. Seres excecionais saíam em veículos com autopropulsão que pesavam pelo menos uma tonelada e cujos órgãos mecânicos extremamente complicados eram tão misteriosos quanto escondidos das vistas. Um aspecto importante do mito do automóvel é que pela primeira vez as pessoas andavam em veículos particulares cujos mecanismos de funcionamento eram completamente desconhecidos deles, e cuja manutenção e alimentação tiveram que confiar a especialistas. Aqui está o paradoxo do automóvel: parece conferir aos seus proprietários liberdade ilimitada, permitindo que viajem quando e a onde quiserem em uma velocidade igual ou maior que a do trem. Mas de fato, esta aparência de independência tem por debaixo uma dependência radical. Ao contrário do cavaleiro, do carroceiro, ou do ciclista, o motorista iria depender para suprir combustível, assim como para o menor tipo de reparo, dos negociantes e dos especialistas em motores, lubrificação e ignição, e da possibilidade de troca das peças. Ao contrário de todos os proprietários anteriores de meios de locomoção, o relacionamento do motorista com seu veículo viria a ser aquele do usuário e consumidor - e não do proprietário e do mestre. Este veículo, em outras palavras, obrigaria o proprietário a consumir e usar uma gama de serviços comerciais e Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

produtos industriais que somente poderiam ser fornecidos por um terceiro. A independência aparente do proprietário do automóvel apenas escondia a dependência radical real. Os magnatas do petróleo foram os primeiros a perceber o ganho que poderia ser extraído da distribuição em escala do carro a motor. Se as pessoas pudessem ser induzidas a viajar em carros, eles poderiam vender o combustível necessário para movê-los. Pela primeira vez na história, as pessoas tornar-se-iam dependentes de uma fonte comercial de energia para sua locomoção. Haveriam tantos clientes para a indústria de petróleo quanto houvessem motoristas - e uma vez que haveriam tantos motoristas quanto houvessem famílias, a população inteira se transformaria em cliente dos comerciantes de petróleo. O sonho de todo capitalista estava a ponto de se realizar. Todos iriam depender para suas necessidades diárias de um produto que uma única indústria possuía em monopólio. Tudo que se deveria fazer era deixar a população dirigir carros. Pouca persuasão seria necessária. Seria suficiente baixar o preço do carro usando a produção em massa e a linha de montagem. As pessoas atropelariam umas as outras para comprá-lo. Correriam sem perceber que estavam sendo conduzidas pelo nariz. O que, de fato, a indústria do automóvel lhes ofereceu? Apenas isto: "de agora em diante, como a nobreza e a burguesia, você também terá o privilégio de dirigir tão rápido quanto qualquer um. Em uma

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sociedade de carro a motor o privilégio da elite é tornado disponível a você". As pessoas se apressaram para comprar carros até que, quando a classe trabalhadora começou a os comprar também, os motoristas perceberam que haviam sido enganados. Tinha sido prometido a eles um privilégio de burgueses, tinham entrado em débito para adquiri-lo, e agora viam que qualquer um poderia também obter um. Qual é o gosto de um privilégio se todos puderem o ter? É um jogo de tolo. Pior, ele coloca todos em posição antagônica contra todos. A paralisação geral é criada por um engarrafamento geral. Quando todos reivindicam o direito de dirigir na velocidade privilegiada da burguesia, tudo pára, e a velocidade do tráfego da cidade cai vertiginosamente - em Boston como em Paris, Roma, ou Londres - abaixo daquele da carroça; no horário do rush a velocidade média nas estradas abertas cai abaixo da velocidade de uma bicicleta. Nada ajuda. Todas as soluções foram tentadas. Todas elas terminam piorando as coisas. Não importa se elas aumentam o número de vias expressas, túneis, elevados, estradas de 16 pistas e estradas com pedágio na cidade, o resultado é sempre o mesmo. Quanto mais estradas a serviço, mais os carros as obstruem, e o tráfego da cidade torna-se mais paralisantemente congestionado. Enquanto houverem cidades, o problema permanecerá sem solução. Não importa quão larga e rápida uma superhighway seja, a velocidade na qual os veículos Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

podem sair dela para entrar na cidade não pode ser maior do que a velocidade média nas ruas da cidade. Enquanto a velocidade média em Paris é 10 a 20 kmh, dependendo da hora, ninguém poderá sair delas em torno e na capital a mais do que 10 a 20 km/h.

O mesmo é verdadeiro para todas as cidades. É impossível dirigir a mais do que uma média de 20kmh na embaraçada rede de ruas, de avenidas, e de bulevares que caracterizam as cidades tradicionais. A introdução de veículos mais rápidos inevitavelmente atrapalha o tráfego da cidade, causando gargalos - e por fim uma paralisação completa. Se o carro deve prevalecer, há ainda uma solução: livre-se das cidades. Isto é, enfileire-os por centenas de milhas ao longo de enormes estradas, fazendo delas subúrbios de estradas. Isto é o que está sendo feito nos Estados Unidos. Ivan Illich mostra a consequência deste modo: "O Página 5


americano típico devota mais de 1500 horas no ano (que são 30 horas por semana, ou 4 horas por dia, incluindo domingos) a seu carro. Isto inclui o tempo gasto atrás do volante, andando e parado, as horas de trabalho para pagar por ele e para pagar pelo combustível, pneus, pedágios, seguro, bilhetes e taxas. Deste modo ele toma deste americano 1500 horas para andar 6000 milhas (no curso de um ano). Três milhas e meia custam-lhe uma hora. Nos países que não têm uma indústria do transporte, as pessoas viajam exatamente nesta velocidade a pé, com a vantagem que podem ir onde quiserem e de não estarem restritas às estradas de asfalto".

É verdade, Illich aponta, que em países não-industrializados a viagem usa somente 3 a 8% do tempo livre da pessoa (que é aproximadamente duas a seis horas na semana). Assim uma pessoa a pé anda tantas milhas em uma hora gasta em viagem quanto uma pessoa em um carro, mas devota 5 a 10 vezes menos tempo na viagem. Moral: Quanto mais difundidos veículos rápidos estão dentro de uma sociedade, mais tempo a partir de um determinado ponto – as pessoas

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gastarão e perderão viajando. Isto é um fato matemático. A razão? Nós acabamos de vê-la: As cidades foram divididas em infinitos subúrbios de estrada, porque esta era a única maneira de evitar o congestionamento em centros residenciais. Mas o lado oculto desta solução é óbvio: finalmente as pessoas não podem se deslocar convenientemente porque estão distantes de tudo. Para construir espaço para os carros, as distâncias foram aumentadas. As pessoas vivem longe de seu trabalho, longe da escola, longe do supermercado que requer então um segundo carro para que as compras possam ser feitas e para as crianças irem à escola. Passeios? Fora da questão. Amigos? Há os vizinhos... e só. Na análise final, o carro desperdiça mais tempo do que economiza e cria mais distâncias do que supera. Naturalmente, você pode ir ao trabalho a 60 mph, mas isto porque você vive a 30 milhas de seu trabalho e está disposto a dar meia hora às últimas 6 milhas. Somando tudo: "uma boa parte do trabalho diário é gasto para pagar pela viagem necessária para ir ao trabalho". (Ivan Illich). Talvez você esteja dizendo, "mas ao menos desta maneira você pode escapar do inferno da cidade após o fim do dia de trabalho". Lá nós estamos, agora nós sabemos: "a cidade", a grande cidade que por gerações foi considerada uma maravilha, o único lugar que vale a pena viver, é considerada agora um "inferno". Todos querem escapar dela para viver no campo. Por que esta reversão? Por uma única razão. O carro fez a cidade

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grande inabitável. A fez fedorenta, barulhenta, sufocante, empoeirada, congestionada, tão congestionada que ninguém quer sair mais de tardinha. Assim, uma vez que os carros mataram a cidade, nós necessitamos carros mais rápidos para fugir em superestradas para os subúrbios que estão ainda mais distantes. Que argumento circular impecável: dê-nos mais carros de modo que nós possamos escapar da destruição causada pelos carros. De um artigo luxuoso e uma marca de privilégio, o carro transformou-se assim numa necessidade vital. Você tem que ter um para escapar do inferno urbano dos carros. A indústria capitalista ganhou assim o jogo: o supérfluo tornou-se necessário. Não há mais a necessidade de persuadir as pessoas de quererem um carro; sua necessidade é um fato da vida. É verdadeiro qu e alguém possa ter suas dúvidas ao prestar atenção à fuga motorizada ao longo das estradas do êxodo. Entre 8 e 9:30 da manhã., entre 5:30 e 7 da tarde, e em fins de semana por cinco ou seis horas as rotas de fuga se prolongam nas procissões de para-choque-à-parachoque que vão (no máximo) à velocidade de um ciclista e em uma nuvem densa de emanações da gasolina. O que sobra das vantagens do carro? O que é deixado quando, inevitavelmente, a velocidade superior nas estradas é limitada exatamente pela velocidade do carro mais lento?

automóvel termina com o resultado previsível de que todos tem que andar tão lentamente quanto o mais lento, em uma velocidade determinada pelas leis simples da dinâmica dos fluidos. Pior: sendo inventado para permitir que seu proprietário vá a onde deseja, na velocidade e tempo que deseja, o carro transforma-se, de todos os veículos, no mais servil, perigoso, não dependente e incômodo. Mesmo se você deixa uma extravagante quantidade de tempo, você nunca sabe quando os gargalos o deixarão chegar lá. Você está limitado à estrada tão inexoravelmente quanto o trem a seus trilhos. Não mais do que o viajante de trem, pode você parar em um impulso, e como o trem você deve ir em uma velocidade decidida por outra pessoa. Concluindo, o carro não tem nenhuma das vantagens do trem e possui todas as suas desvantagens, mais algumas próprias: vibração, espaço apertado, o perigo dos acidentes, o esforço necessário para dirigi-lo.

Nítido suficiente. Após ter matado a cidade, o carro está matando o carro. Prometendo a todos poderem andar mais rapidamente, a indústria do Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

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No entanto, você pode dizer, as pessoas não tomam trem. Claro! Como poderiam? Você já tentou alguma vez ir de Boston a New York de trem? Ou de Ivry a Treport? Ou de Garches a Fountainebleau? Ou de Colombes a l'Isle-Adam? Você tentou em um sábado ou domingo de verão? Bem, então tente e boa sorte! Você observará que o capitalismo do automóvel pensou em tudo. Tão logo o carro matou o carro, ele fez com que as alternativas desaparecessem, tornando compulsório, deste modo, o carro. Assim, primeiramente o estado capitalista permitiu que as conexões de trilho entre as cidades e o campo circunvizinho se deteriorassem, e então acabou com elas. As únicas que foram poupadas foram as conexões inter municipais de alta velocidade que competem com as linhas aéreas para uma clientela de burgueses. Há um progresso para você! A verdade é que ninguém tem realmente qualquer escolha. Você não é livre para ter um carro ou não porque o mundo dos bairros é projetado em função do carro - e, cada vez mais, é assim o mundo da cidade. É por isso que a solução revolucionária ideal, que é afastar o carro em proveito da bicicleta, do ônibus, e do bonde, não é sequer mais aplicável nas cidades grandes como Los Angeles, Detroit, Houston, Trappes, ou Bruxelas, que são construídas por e para o automóvel. Estas cidades estilhaçadas são formadas por alinhadas ruas vazias possuindo desenvolvimentos idênticos; e sua paisagem urbana (um deserto) diz, "estas ruas são feitas para se dirigir tão rapidamente quanto Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

possível do trabalho para casa e vice-versa. Você anda através daqui, você não vive aqui. No fim do dia de trabalho todos devem permanecer em casa, e qualquer um encontrado na rua depois do anoitecer deve ser considerado suspeito de ‘fazer o mal’". Em algumas cidades americanas o ato de dar uma volta nas ruas à noite é vista como suspeita de crime. Então estamos fritos? Não, mas a alternativa ao carro terá que ser abrangente. Para que as pessoas possam abandonar seus carros, não será suficiente lhes oferecer um transporte de massa mais confortável. Terão que poder dispensar o transporte por se sentirem em casa nos seus bairros, nas suas comunidades, nas suas cidades de tamanho humano, e por sentirem prazer em andar do trabalho para casa a pé, ou se preciso for, de bicicleta. Nenhum meio de transporte e fuga veloz jamais compensará a vexação de viver em uma cidade inabitável na qual ninguém se sente em casa, ou a irritação de somente ir à cidade para trabalhar ou, por outro lado, de estar sozinho e dormir. "As pessoas", escreve Illich, "quebrarão as correntes do domínio do transporte quando voltarem a amar, como se fosse seu próprio território, seu próprio ritmo particular, e temer ficar demasiado distante dele". Mas a fim de amar "o seu território" ele deve antes de mais nada ser habitável, e não congestionável. O bairro ou a comunidade devem novamente transformar-se em um microcosmo esculpido por e para todas as atividades humanas, onde as pessoas possam trabalhar, viver,

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relaxar, aprender, se comunicar, e discutir sobre ela, e no qual elas controlem conjuntamente como o lugar de sua vida em comum. Quando alguém lhe perguntou como as pessoas gastariam seu tempo após a revolução, quando o desperdício capitalista tivesse sido eliminado, Marcuse respondeu, "nós traremos à baixo as grandes cidades e construiremos novas. Isso manter-nos-á ocupados por enquanto".

Estas novas cidades poderiam ser federações de comunidades (ou de bairros) cercadas por cinturões verdes nos quais cidadãos - e em especial crianças em idade escolar - passariam diversas horas da semana cultivando os alimentos frescos de que necessitam. Para se locomoverem todos os dias poderiam usar todos os tipos do transporte adaptados a uma cidade de tamanho médio: bicicletas, bondes ou bondes elétricos municipais, táxis elétricos sem motoristas. Para longas viagens no país, assim como para convidados, uma quantidade de automóveis Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

comunais estaria disponível em garagens do bairro. O carro não seria mais uma necessidade. Tudo teria mudado: o mundo, a vida, as pessoas. E isto não virá por si só. Entretanto, o que deve ser feito para se chegar lá? Sobretudo, nunca faça do transporte um assunto em si mesmo. Conecte-o sempre ao problema da cidade, da divisão social do trabalho, e à maneira que isto compartimentaliza as muitas dimensões da vida. Um lugar para o trabalho, outro para "viver", um terceiro para as compras, um quarto para aprender, um quinto para entretenimento. A maneira que nosso espaço é arranjado dá continuidade à desintegração das pessoas que começa com a divisão de trabalho na fábrica. Corta uma pessoa em fatias, corta nosso tempo, nossa vida, em fatias separadas de modo que em cada uma você seja um consumidor passivo a mercê dos comerciantes, de modo que nunca lhe ocorra que o trabalho, a cultura, a comunicação, o prazer, a satisfação das necessidades, e a vida pessoal podem e deveriam ser uma e mesma coisa: uma vida unificada, sustentada pelo tecido social da comunidade. Texto de André Gorz

Le Sauvage, Setembro-Outubro de 1973

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A MULHER E A NATUREZA: UMA MÍSTICA RECORRENTE as queria descalças, grávidas e reprodutoras. Imbuídas do sentimento de estarem ligadas aos ritmos da natureza, as mulheres compreendiam a interconexão entre esta e os seres humanos. A prevenção contra a destruição ambiental tinha seu ponto forte nesse vínculo. Assim, essa identificação tornou-se um projeto positivo, que as alçou ao nível de guardiãs da ecologia por Janet Biehl

Seriam as mulheres mais ecológicas do que os homens? Teriam elas uma relação particular com a natureza, ou um ponto de vista privilegiado em relação aos problemas da ecologia? Ao longo das últimas décadas, mulheres que se dizem feministas responderam a essas perguntas de modo afirmativo. De fato, essa posição é praticamente tão antiga quanto o aparecimento do movimento ecologista moderno. Em 1968, em seu livro The Population Bomb1 (“A bomba populacional”), o biólogo e educador norte-americano Paul R. Ehrlich afirmou que a superpopulação estava levando o planeta à ruína. Ele acrescentou que a melhor coisa que poderia ser feita em benefício da Terra era a recusa em reproduzir-se. Anos mais tarde, uma feminista radical francesa, Françoise d’Eaubonne, constatou que metade da população não tinha o poder de optar por isso: as mulheres não controlavam sua fertilidade. O “sistema macho” patriarcal, conforme ela o chamava, Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

Contudo, d’Eaubonne também acrescentava que as mulheres podiam e deviam responder, exigindo a liberdade de reprodução: o acesso fácil ao aborto e à contracepção. Com isso, elas teriam condições de emancipar-se e, ao mesmo tempo, salvar o planeta da superpopulação. “A primeira consequência da relação entre a ecologia e a liberação das mulheres”, escreveu a autora, “é a de que as mulheres devem reapoderar-se do crescimento demográfico e, assim fazendo, reapoderar-se do seu corpo”. Em seu livro publicado em 1974, Le féminisme ou la mort (“O feminismo ou a morte”), ela deu a essa ideia o nome de “ecofeminismo”.

Os defensores estadunidenses do meio ambiente retomaram seu pensamento, embora eles também lhe atribuíssem um sentido diferente. Recordaram-se de que a autora de Silent Spring (“Verão silencioso”), o livro que inspirara a luta em defesa da ecologia em 1963, era uma mulher: Rachel Carson.2 Eles constataram que as mulheres haviam

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tomado a frente das manifestações contra as centrais nucleares e daquelas contra o lixo tóxico – como fizera Lois Gibbs em Love Canal, no estado de Nova York. Uma mulher, Donella Meadows, figurava entre os autores do influente relatório The Limits to Growth3 (“Os limites do crescimento”), publicado em 1972. Petra Kelly era uma figura emblemática dos movimentos ecologistas na Alemanha. No Reino Unido, um grupo denominado Women for Life on Earth (“As mulheres em prol da vida na Terra”) organizou um “acampamento da paz” na base aérea de Greenham Common para protestar contra a disseminação de mísseis de cruzeiro pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Muitas participantes se proclamavam ecofeministas; mas a sua militância não se inscrevia numa luta pela liberdade de reprodução. As pessoas começaram a enxergar uma relação específica, sui generis, entre as mulheres e a natureza. Esta se manifestava na própria língua: as palavras “natureza” e “Terra” são do gênero feminino, as florestas são “virgens”, a natureza, que é a nossa “mãe”, é “mais sábia”. As mulheres podem ser “selvagens” encantadoras. Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

Um insulto transformado em elogio Fazendo contraste com essas afinidades, as forças que tentavam “domar a natureza” e “violentar a Terra” eram as da ciência, da tecnologia e da razão, todas as quais eram frutos de projetos masculinos. Há milênios, Aristóteles definiu a racionalidade como masculina; ele pensava que as mulheres eram menos aptas a raciocinar e, por conta disso, menos humanas. Ao longo dos dois milênios que se seguiram, a cultura europeia havia considerado as mulheres como intelectualmente deficientes, e havia tentado dominar a Terra, no que ela seguiu os preceitos da Gênese. Então, as Luzes – outro projeto aparentemente masculino – haviam encontrado novas maneiras de destruir a natureza por meio da ciência, da tecnologia e das usinas. Os autores dessa destruição do meio ambiente foram homens que reduziram a natureza a um conjunto de recursos que eles podiam explorar e transformar em mercadorias. Ao buscar dominar a natureza e glorificando a razão ao mesmo tempo, o projeto das Luzes destruiu o planeta, segundo afirma a filosofia da Nova Era e do ecofeminismo. Essa era a tese de autores como Frijtof Capra e Charlene Spretnak.4 Mas, conforme garantiram as feministas durante os anos 1970, as mulheres tinham as mãos limpas. Além disso, o mundo precisava de menos racionalidade destruidora da natureza; portanto, se as mulheres eram mais intuitivas e mais emocionais do que os homens, elas eram o antídoto. Imbuídas do sentimento de estarem ligadas aos ritmos da natureza, elas Página 11


compreendiam intuitivamente a interconexão entre esta última e os seres humanos. A prevenção contra a destruição do meio ambiente tinha o seu ponto forte precisamente nesse vínculo específico. Assim, identificar as mulheres com a natureza tornou-se um projeto positivo, que as alçou ao nível de guardiãs da mensagem ecologista. A sua abordagem acabou sendo legitimada pelos estudos da psicóloga Carol Gilligan, que sugeriu que o desenvolvimento moral específico das mulheres fazia com que elas fossem portadoras de uma “ética do cuidar dos outros”,5 ou care.6 Algumas delas, como Mary Daly, chegaram até mesmo a sugerir que a natureza era uma deusa, imanente em todas as criaturas vivas, e que as mulheres participavam da sua essência.7 Por sua vez, as feministas, ao menos as que lutam para garantir uma melhora no plano dos seus direitos, ficaram horrorizadas com essa concepção. Elas rebateram que o ecofeminismo veiculava estereótipos patriarcais: para elas, ele se apoderara de um insulto muito antigo, que ela passara a apresentar como uma virtude. No século 19, esses estereótipos haviam servido para justificar a ideologia das “esferas separadas”, que haviam limitado ao universo doméstico as opções de vida das mulheres, ainda que pintassem de ouro as grades da sua prisão lançando mão de homenagens esfuziantes à sua superioridade moral. O ecofeminismo não passava de uma recriação desses estereótipos opressivos. Por mais renovados e “esverdeados” que fossem, não havia espaço para estes últimos na luta feminista; eles nada faziam senão Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

abrir a porta para uma nova iteração da “mística feminina”. Além disso, na realidade, nos anos 1970, muitos defensores do meio ambiente eram homens. Nesse meio-tempo, as ecofeministas ocidentais passaram a se interessar pelo Terceiro Mundo, onde projetos de desenvolvimento financiados pelo Banco Mundial estavam em vias de realização. Engenheiros construíam barragens em rios para produzir energia hidráulica e, assim fazendo, devastavam inúmeras comunidades. O agronegócio transformava em monoculturas terras que havia muito vinham sendo cultivadas de maneira sustentável, produzindo colheitas exclusivamente destinadas a serem exportadas no mercado mundial; derrubava florestas que, por muito tempo, forneceram aos moradores de pequenas cidades frutas, combustível e material próprio para o artesanato, e que haviam protegido as águas subterrâneas e os animais. Esse “mau desenvolvimento”, conforme era chamado pelos seus opositores – um capitalismo internacional explorador, descontrolado –, estava destruindo não apenas as florestas, os rios e as terras, como também comunidades e modos de vida ecologicamente sustentáveis. Povos autóctones lutaram contra essas devastações. No norte da Índia, mais particularmente, quando uma companhia planejou dedicar-se à exploração florestal, as mulheres da aldeia se opuseram ao projeto, agarrando-se fisicamente às árvores para impedir que fossem derrubadas. Durante a década seguinte, o seu movimento, que foi batizado de Chipko, alastrou-se por todo o subcontinente. O movimento Chipko estimulou a

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imaginação das ecofeministas ocidentais, enquanto a realidade dos fatos sociais contribuiu para reforçar a mística, associando a mulher com a Terra. Nas regiões rurais da África, da Ásia e da América Latina, Vandana Shiva e muitas outras explicaram que as mulheres são as jardineiras e as cultivadoras das hortas; elas possuem um saber e uma perícia ímpares em relação aos processos da natureza. A fascinação do ecofeminismo pelo movimento Chipko aproximava-se de uma idealização da agricultura de subsistência. Como ficavam então as mulheres que aspiravam à educação, a uma vida profissional e a uma plena cidadania política? As ecofeministas pareciam achar preferível que elas mantivessem seus papéis antigos, ficando descalças e jardinando. Sem esquecer o fato de que também havia homens envolvidos no movimento Chipko… Contudo, esse interesse teve o mérito de evidenciar de quais maneiras particulares a destruição do meio ambiente deixa as mulheres abaladas. Quando terras agrícolas produtivas são convertidas à monocultura, muitas delas, que praticam maciçamente a agricultura de subsistência, são transferidas para morros onde as terras são menos férteis, o que provoca o desmatamento e a erosão dos solos e as condena à pobreza.8 O aquecimento climático também atinge as mulheres em primeiro lugar: a inferioridade da sua condição e dos seus diferentes papéis sociais aumenta sua vulnerabilidade aos desastres – tempestades, incêndios, enchentes, secas, ondas de calor, doenças e penúrias alimentares. Todo ano, segundo um relatório da Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

Women’s Environmental Network (WEN – Rede Ambiental das Mulheres), uma organização baseada no Reino Unido, mais de 10 mil mulheres morrem em desastres relacionados à mudança do clima, contra 4.500 homens. As mulheres representam 80% dos refugiados de catástrofes naturais; dos 26 milhões de pessoas que perderam sua habitação e seus meios de sobrevivência em razão da mudança climática, 20 milhões são mulheres.9

Nos Estados Unidos, a interpretação romântica da relação entre a mulher e a natureza conheceu recentemente outro renascimento após o desmoronamento financeiro provocado pela ganância de Wall Street: “As mulheres estão voltadas para relações e estratégias de longo prazo que dão prioridade para as gerações futuras”, escreve Shannon Hayes em seu livro dedicado às radical homemakers (“donas de casa radicais”).10 Essas novas encarnações da Mãe Terra renunciam às vantagens econômicas que poderiam lhes proporcionar um alto nível de educação e uma carreira profissional: elas optam por ficar em casa para cuidar da sua família e dar aos seus filhos uma alimentação saudável, a partir de alimentos Página 13


saborosos que elas mesmas cultivam no seu jardim. Elas também cultivam suas relações com os outros, privilegiam a simplicidade e a autenticidade. Independente e autônomo, o seu lar passa a ser uma rede de segurança contra um eventual desastre econômico. Além disso, o seu consumo de carbono é muito reduzido. Dessa forma, elas conseguem ter um desenvolvimento virtuoso no plano pessoal e conferir um sentido para a sua vida – ao menos à primeira vista.

Voltar às “esferas separadas”? A defesa do meio ambiente já existe há tempo suficiente para que os pesquisadores em ciências sociais tenham conseguido elaborar estudos a respeito da atitude respectiva dos homens e das mulheres em relação à ecologia e constatar eventuais diferenças. Desde os anos 1980, uma maioria dentre eles chegou à conclusão de que, nos países industrializados, as mulheres se mostram efetivamente mais preocupadas do que os homens com a destruição do meio ambiente. Segundo certos estudos, elas têm de Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

fato uma pegada ecológica mais reduzida. Um relatório sueco indica que os homens participam no aquecimento global de maneira desproporcional se comparados com as mulheres, pois eles circulam em distâncias mais longas: três quartos do trânsito automobilístico na Suécia são atribuídos a homens.11 Como fica então a ação política motivada pelas questões ambientais? No nível nacional, segundo o Institute for War & Peace Reporting (IWPR),12 a participação e o papel dirigente das mulheres nessa ação específica são mais reduzidos que os dos homens: as diretorias das grandes organizações ecologistas nacionais são essencialmente masculinas. Mas, no nível local, nos grupos constituídos para combater uma ameaça particular contra o meio ambiente, a saúde ou a segurança da comunidade, a participação das mulheres, tanto atuando como membros quanto como líderes, é mais importante que a dos homens. Cerca da metade de todos os grupos de cidadãos que se constituíram para lutar contra desastres ecológicos, tais como os que envolvem emissões perigosas provenientes de usinas ou de incidentes nucleares, é dirigida por mulheres ou por uma maioria delas. Mas será o caso de considerar todos esses fatos como sendo provas de uma diferença essencial, ressuscitando os estereótipos patriarcais? Será o caso de aceitar que os homens predominem nos comandos dos movimentos ecologistas nacionais, ou que as mulheres assumam sozinhas as tarefas que implicam em cuidar dos outros? E o que devemos pensar dessa falta de reconhecimento que

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mulheres infligem a si próprias em nome do feminismo? Pois existe o risco de retornarmos às “esferas separadas”. Mesmo para as “donas de casa radicais”, a esfera doméstica acaba perdendo parte da sua alegria, conforme sublinha a ensaísta feminista Peggy Orenstein, se os seus companheiros não estiverem envolvidos nela e não dividirem suas tarefas em partes iguais. “Se [as mulheres] não estiverem vivenciando isso como uma relação verdadeiramente igualitária”, alerta, elas podem acabar sofrendo de “uma perda do respeito de si mesmas, uma perda de vitalidade e uma incapacidade de se reinserir no mundo e de nele encontrar suas 13 referências”. Quando os homens ganham quase todo o dinheiro do casal e as mulheres cuidam do lar, praticamente sozinhas, isso provoca um desequilíbrio do poder no âmbito das famílias que é nocivo para as mulheres e as crianças. É possível diminuir esse desequilíbrio para uma mudança tanto social quanto ecológica? Janet Biehl Militante no campo da ecologia social, radicada em Burlington (Vermont, EUA). Autora de Rethinking Ecofeminism Politics, South End Press, Cambridge (Estados Unidos), 1991. 1 Publicado na França sob o título Paul Ehrlich, La Bombe P: Sept milliards d’hommes en l’an 2000, Fayard, Paris, 1972. Nos Estados Unidos: The Population Bomb, Ballantine Books, 1968. 2 Rachel Carson, Silent Spring, Houghton Mifflin, Boston, 1962. 3 Donella H. Meadows, Dennis L. Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

Meadows, Jørgen Randers e William W. Behrens III, The Limits to Growth, Universe Books, Nova York, 1972. Publicado na França sob o título Halte à la croissance? 4 Fritjof Capra, The Turning Point, Simon & Schuster, Nova York, 1982; Green Politics: The Global Promise (com Charlene Spretnak), Dutton, Nova York, 1984. 5 Carol Gilligan, In a Different Voice, Harvard University Press, 1982. 6 Ler Evelyne Pieiller, “Rumo a uma sociedade do cuidado”, Le Monde Diplomatique Brasil, setembro de 2010. 7 Mary Daly, Gyn/Ecology: The Metaethics of Radical Feminism, Beacon Press, Boston, 1978. 8 Jodi Jacobson, “Women’s Work”, Third World, n° 94/95, McGraw-Hill, Nova York, janeiro de 1994. 9 “Gender and the Climate Change Agenda”, www.wen.org.uk, 2010. 10 Shannon Hayes, Radical Homemakers: Reclaiming Domesticity from a Consumer Culture, Left to Write Press, Richmondville (Estados Unidos), 2010. 11 “Are men to blame for global warming?”, New Scientist, Londres, 10 de novembro de 2007. 12 Vide o site http://iwpr.net.13 Peggy Orenstein, “The Femivore’s Dilemma”, The New York Times, 11 de março de 2010. Fonte: http://silenciodospoetas.wordpress.com/ tag/janet-biehl/

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CHAPÉUS E AMBIENTALISTAS HÁ MUITOS Tal como “chapéus há muitos”,

Os ambientalistas encartados que se

ecologistas e ambientalistas é fauna que

julgam parceiros sociais, mas que não

anda muito longe de andar em vias de

passam de jarras para enfeitar as salas

extinção. Do mesmo modo, são mais do

de

que muitas as correntes de opinião

defenderem uma ecologia para “ricos”,

existentes sob o guarda-chuva do

que

ecologismo e do ambientalismo.

capitalismo que comanda os destinos do

reuniões,

pinta

caracterizam-se

de

verde

o

por

selvagem

mundo, mas que aos olhos da imprensa cor-de-rosa-alaranjada, como dizia o temido e destemido escritor e jornalista Manuel Ferreira, são portadores de um discurso modernaço e tranquilizador.

Se o seu discurso é capaz de fazer chorar as pedras de qualquer calçada, a prática é confrangedora e caraterizada pelo silêncio absoluto ou quase perante os

mais

ambientais,

abomináveis pela

atentados

organização

de

encontros onde são apenas um apêndice ou são falsos promotores, já que se Nos últimos tempos, a corrente que

limitam a pagar as despesas com verbas

mais adeptos têm granjeado é a

que os governos transferem para as

ambientalista que tem proliferado sob a

contas bancárias das suas organizações.

asa protetora dos governos ou das

São, também, atividades prediletas dos

empresas que prezam muito a sua

ambientalistas mencionados a promoção

responsabilidade social e ambiental e

de atividades periódicas que nada

que, segundo se diz, investem mais em

resolvem, como campanhas de limpeza

publicidade para lavar a sua cara do que

de praias, portos ou marinas, campanhas

em projetos concretos.

de

erradicação

de

infestantes

ou

plantação de endémicas. Para confirmar o afirmado acima, basta ver a quantidade de lixos que são Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

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retirados, ano após ano, nos mesmos

sabe sobre o quê, reduzindo o seu raio

sítios.

de ação à área da sua casa e, por vezes, acrescentado àquela a do seu quintal.

No caso do trabalho voluntário e gratuito poderemos estar perante uma

Uns convenceram-se de que a ciência e

competição com todas as pessoas que

a tecnologia são capazes de resolver os

perderam

que

problemas do mundo e outros, munidos

poderiam ser contratadas para realizar

de outro tipo de fé, acreditam que se

os trabalhos em questão em troca do

mudarem a si mesmos o mundo, por

pagamento de um salário justo. E não

inércia, também fica melhor.

o

seu

emprego

e

me venham com a conversa do costume, de que estamos em crise e não há verbas suficientes

para

mais

contratações

porque dinheiro para ser esbanjado em inutilidades há muito. Façam a conta ao dinheiro desbaratado em futebóis e outros desportos profissionais, com equipas onde mal entram os jovens açorianos ou em touradas ou vacadas onde os animais são mais ou menos vítimas de maus tratos, sofrem ou morrem inutilmente e alguns humanos aprendem a insensibilidade, outros são feridos e outros ainda acabam por morrer, ficando toda a gente tranquila e

Ambos seguem a cartilha dos grandes

sem problemas de consciência pelo

grupos económicos que convenceram,

simples

se

os mais incautos ou os subservientes, de

encontrarem, depois de ter sido dado o

que a responsabilidade pela situação de

sinal costumeiro, dentro das linhas que

crise em que todos vivemos é dos

delimitavam o percurso.

indivíduos, desviando, assim, a atenção

facto

das

vítimas

dos verdadeiros culpados que são eles Outros

ambientalistas,

mais

recatados, limitam-se a refletir não se Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

próprios e os seus agentes nos diversos estados.

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“acreditar que as ações individuais são É baseado nesse falso pressuposto, que

capazes de gerar mudanças estruturais é

também considera que as alterações se

um

conseguem se as pessoas mudarem os

imprescindível uma ação politica e

seus comportamentos, que funcionaram

social.

mito”

pelo

que

se

torna

alguns projetos de educação ambiental dinamizados pelas antigas ecotecas e

O pai da ecologia social, o americano

pelos

que

Murray Bookchin também manifestou

funcionam as eco-escolas que, com

opinião idêntica, tendo afirmado que

atividades rotineiras e circunscritas a

“nenhum dos problemas ecológicos que

um número limitado de alunos e com

hoje defrontamos se pode resolver sem

dinamizadores socialmente apáticos, são

uma profunda mutação social”.

clubes

escolares

ou

no meu entender uma grande farsa que se mantem apenas para enfeitar as

A grande falha do movimento ecológico

estatísticas dos relatórios do estado do

está precisamente no facto de nunca ter

ambiente.

assimilado aquela ideia.

Teófilo Braga

Esquecem-se, ou não querem ver, que os problemas ambientais têm as suas raízes em problemas sociais e que, como

muito

bem

escreveu

Récio

Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

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ENTRA EM AÇÃO

Caros/as amigos/as, Pedimos a vossa ajuda no envio desta carta que pede a retirada de videos de touradas dos postos de turismo das ilhas dos Açores. Agradecemos desde já!

associacaoportasdomar@gmail.com, turismoacores@visitazores.com, info@artazores.com

Bcc: mcatacores@gmail.com

Exmo

Senhor

Diretor

Regional

do

Turismo c/c Secretário Regional do Turismo e Transportes, ao Presidente do Governo Regional dos Açores e aos responsáveis pelas Delegações e Postos de Turismo dos Açores

Para: acoresturismo@mail.telepac.pt, info.turismo@azores.gov.pt

Temos conhecimento de que em vários estabelecimentos comerciais, sobretudo os especializados em produtos para turistas,

cc: presidencia@azores.gov.pt, srtt-

vídeos

são sobre

emitidos touradas

regularmente à

corda.

Info@azores.gov.pt, pt.de.smg@azores.gov.pt, pt.f.smg@azores.gov.pt, pt.ae.smg@azores.gov.pt, pt.de.ter@azores.gov.pt, pt.ae.ter@azores.gov.pt, pt.fai@azores.gov.pt, pt.pic@azores.gov.pt, pt.sjo@azores.gov.pt, pt.gra@azores.gov.pt, pt.sma@azores.gov.pt,

Destes estabelecimentos é bom exemplo a Loja Açores situada nas Portas do Mar, em Ponta Delgada, onde é possível encontrar três grandes ecrãs a passar, simultaneamente, vídeos de “Marradas”, que

conhecemos

bem

através

da

publicidade aos mesmos que é feita no Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=8727Jo OJXrg).

pt.flo@azores.gov.pt, dt.lis@azores.gov.pt, pt.por@azores.gov.pt,

Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

Os mencionados vídeos, para além de

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transmitem imagens de violência contra

Face ao exposto, venho solicitar a tomada

os animais, mostram a brutalidade duma

de medidas no sentido de por fim à

tradição que

transmissão de vídeos de marradas e

pessoas

provoca sofrimento às

que,

voluntariamente

participando ou

não,

são

alvo

de

touradas em todos os locais onde os mesmos

possam

contribuir

para

a

ferimentos, nalguns casos de elevada

banalização do sofrimento de animais e

gravidade, ou que acabam por morrer,

pessoas e para manchar a imagem dos

como já aconteceu este ano na Terceira e

Açores junto de potenciais visitantes.

no Pico. Como pessoa consciente e compassiva, venho manifestar a minha preocupação pelo facto da transmissão das referidas imagens

constituírem

instrumento

de

insensibilizar,

habituar

crianças e

um

(Nome)

poderoso

deseducação e

Atentamente,

até

para viciar

adultos no abuso sobre

animais, o que poderá induzir mais violência sobre animais e sobre pessoas.

Para além do referido, as imagens transmitidas constituem uma enorme vergonha para os Açores e poderão dissuadir o turismo de muitas pessoas provenientes de países onde este tipo de eventos é fortemente repudiado e até perseguido criminalmente.

Temos conhecimento que a transmissão de marradas nos aeroportos, para além de já terem deixado horrorizados alguns turistas, tem causado perplexidade a algumas pessoas que têm visitado a Região, a convite de empresas ou do próprio governo regional, e embaraço aos seus acompanhantes.

Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013

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