TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 56
ABRIL DE 2013
Sem Paciência
O CUSTO OCULTO DOS hipermercados
A graciosa na rota da indústria Tauromáquica
O CUSTO OCULTOS DOS HIPERMERCADOS
A abertura de um grande centro comercial, um supermercado… vem sempre associada à promessa de criação de emprego, dinamização da economia local, preços acessíveis e, definitivamente, ao progresso. Mas será esta a realidade? A distribuição comercial massiva sustenta-se numa série de mitos que, geralmente, a sua prática desmente. Artigo de Esther Vivas.
diminui-se o salário. Da mesma forma, se as vendas caírem para abaixo do registado em 2010, os salários serão cortados em 5%. Chover no molhado num setor por si só já extremamente precário. A ANGED, por sua vez, considera que “o acordo reflete o esforço de empresas e trabalhadores para manter o emprego”. Mas que emprego? E agora Caprabo, propriedade de Eroski, anuncia que quer demitir 400 trabalhadores, não aplicar o aumento salarial pactuado e cortar em 20% os salários de parte dos seus funcionários. A culpada? A “previsível” queda nas vendas e a crise. No ano passado, curiosamente, a empresa anunciou que em 2011 os seus lucros haviam aumentado 12%. A santa crise “resgata” de novo a empresa.
Artigo | 10 Fevereiro, 2013 A Associação Nacional de Grandes Empresas de Distribuição (ANGED), a patronal da grande distribuição espanhola, que agrupa empresas como Alcampo, El Corte Inglês, FNAC, Carrefour, Ikea, Eroski, Leroy Merlin, entre outras, acaba de impor um novo e duro acordo aos seus 230 mil empregados. A partir de agora, trabalhar no domingo equivalerá a trabalhar num dia de semana, e aqueles que até o momento estavam isentos por motivos familiares, também terão que fazê-lo. Desse modo, fica ainda mais difícil conciliar a vida pessoal/familiar com a profissional, num setor onde a maioria dos trabalhadores é formada por mulheres. Além disso, aplica-se a regra de ouro do capital, trabalhar mais por menos: amplia-se a jornada de trabalho e Terra Livre nº 56 ◊ Abril de 2013
Nesse contexto, supermercados e criação de emprego parecem muito mais um paradoxo. São vários os estudos que observam como a abertura destes estabelecimentos implica, consequentemente, o encerramento de lojas e comércio locais e, portanto, a perda de postos de trabalho. Assim, desde os anos 80, e na medida em que a distribuição moderna se consolidava, o comércio tradicional sofria uma erosão constante e incontrolável chegando a ser hoje em dia quase residual. Se em 1998 existiam 95 mil lojas, em 2004 este número foi reduzido a 25 mil, segundo dados do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente. E se o pequeno comércio diminui, o mesmo ocorre com a renda da comunidade, já que a compra numa loja de bairro repercute em maior medida na economia local do que a compra numa grande superfície. Segundo um estudo de Friends of the Earth (2005), na Grã Página 2
Bretanha, 50% dos lucros do comércio em pequena escala retorna ao município, normalmente através da compra de produtos locais, salários dos trabalhadores e dinheiro gasto em outros negócios, enquanto que empresas da grande distribuição reinvestem apenas uns insignificantes 5%. Além disso, devemos perguntar-nos que tipo de emprego os supermercados, redes de desconto e hipermercados fomentam. A resposta é fácil: jornadas de trabalho flexíveis, contratos a tempo parcial, salários baixos e tarefas rotineiras e repetitivas. E o que acontece se alguém decide se organizar em um sindicato e lutar por seus direitos? Se o contrato de trabalho for precário, é melhor ir se despedindo do seu trabalho. Wal-Mart, o gigante do setor e a multinacional com o maior número de trabalhadores no mundo todo, é o exemplo por excelência. Seu slogan “Sempre preços baixos”, pode ser substituído por “Sempre salários baixos”. E não só isso, um estudo sobre o impacto do Wal-Mart no mercado de trabalho local, de 2007, concluía que por cada posto de trabalho criado pelo Wal-Mart, 1,4 postos de trabalho eram destruídos nos negócios preexistentes. Mas as consequências negativas da grande distribuição para os que participam da cadeia de produção, distribuição e consumo não acabam aqui. Desde os agricultores, que são os que mais perdem com as grandes superfícies, obrigados a acatar condições comerciais insustentáveis e que os condenam a desaparecer, até consumidores instados a comprar para além das suas necessidades produtos de má qualidade e não tão baratos quanto parecem, até um tecido económico local que se fragmenta e descompõe. Este é o paradigma de desenvolvimento que promovem os supermercados, de onde a Terra Livre nº 56 ◊ Abril de 2013
grande maioria de nós sai perdendo enquanto uns poucos sempre ganham.
*Traduzido por Natália Mazotte, do Canal Ibase. Publicado em Altermundo.
*Sobre a autora: Ativista e investigadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares, autora de vários livros, entre os quais "Planeta Indignado", Esther Vivas. É membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais na Universidade Pompeu Fabra em Barcelona e no Instituto de Governo e Políticas Públicas da Universidade Autónoma de Barcelona. É também integrante da Izquierda Anticapitalista. www.esthervivas.com
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SEM PACIÊNCIA PARA A MENTIRA Já tinha decidido não usar este espaço
queria deixar de registar a posição do
que me é dado pelo Correio dos Açores
PSD completamente subjugada aos
para escrever sobre touradas, pois já
interesses
estou cansado de ouvir sempre os
implantação
mesmos argumentos a favor daquilo a
restrita do território insular. A continuar
que alguns chamam festa brava e que do
assim, estou convicto de que aquela
meu ponto de vista não passa de uma
força partidária, não tendo nada de novo
manifestação
a apresentar, vai continuar na oposição
cruel
e
dolorosa
de
de
uma apenas
indústria numa
com
parcela
tortura, seguida de morte, nalguns locais
por longos anos e correrá o risco de
na arena e noutros fora dela. Contudo,
perder mais autarquias já nas próximas
um recente debate na Assembleia
eleições.
Legislativa Regional e uma proposta de classificar
a
tauromaquia
como
património cultural imaterial de Santa Cruz da Graciosa, que foi aprovada, fez com que mudasse de opinião.
Antes que me acusem de ser possuidor de uma cultura urbana e que por tal motivo nunca poderei compreender a tauromaquia, que segundo os seus defensores está associada ao que de melhor ou genuíno existe no mundo rural, queria que ficassem a conhecer Não me vou alongar em comentar o debate
pois
não
houve
um pouco mais da minha biografia.
qualquer
novidade nas posições dos partidos e para mim mais importante do que aquelas foi o trazer o assunto para a praça pública. De qualquer modo, não Terra Livre nº 56 ◊ Abril de 2013
Assim, nasci e criei-me numa localidade rural, a Ribeira Seca de Vila Franca do Campo, onde a esmagadora maioria dos seus habitantes era ou criador de gado Página 4
(lavrador) ou camponês (cultivo da
não ter assistido a nenhum Carnaval. No
terra) e a minha família não fugia à
que diz respeito a touradas provei de
regra: minha mãe que foi costureira e
tudo um pouco, desde a tourada dos
doméstica era filha de um criador de
estudantes, passando pelas touradas à
gado e meu pai um camponês com
corda até às touradas de praça. Se a
pouca terra que teve que emigrar para o
primeira
Canadá para proporcionar uma vida
uma
brincadeira
adolescentes
(ou
para
digna para toda a família. Durante a
adolescentes)
e
minha
“espetáculo” se passava na rua da Sé
trabalhos
juventude da
terra,
ajudei
nalguns
sobretudo
era
grande
de
habituar parte
do
nas
onde qualquer transeunte conhecido era
colheitas, participava nas operações da
alvo do humor (“das bocas”) dos
mudança do gado, entre pastagens
estudantes, as segundas, a que assisti em
distantes, e ajudei na alimentação de
casa de vários amigos, eram um
bezerros que na altura era feita, nos
pretexto para as pessoas conviverem,
primeiros meses, com leite em pó.
pelo que com imaginação a presença do touro será dispensável. Já as touradas de praça são uma aberração, de sofrimento atroz para o animal, incompreensível no século XXI pelo que já deveriam ter sido abolidas há muitos anos.
Face ao exposto parece-me que estarei livre da acusação de ser “menino de cidade” pelo que passarei à segunda acusação que me fazem: “nunca viu uma tourada, não pode compreender a
Livre de duas possíveis acusações,
sua beleza”.
resta-me pouco espaço para apresentar alguns argumentos, pelo que fico por
Para quem não sabe, vivi na ilha
tópicos de três deles:
Terceira durante alguns anos e só tenho o arrependimento de uma coisa, a de Terra Livre nº 56 ◊ Abril de 2013
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Tradição- claro que a tourada é
Defesa
tradição em alguns locais e já o foi em
biodiversidade – esta é a maior mentira
muitos mais. O que não quer dizer que
que está a ser difundida nos últimos
deverá continuar por este facto. A
tempos para justificar a presença de
escravatura, a violência doméstica, o
gado bravo em terrenos da rede Rede
trabalho infantil também eram e foram
Natura 2000. Não é necessário qualquer
(ou estão a ser) abandonadas, dando
título universitário para se perceber que
lugar a novas práticas e novas tradições.
a presença de um animal herbívoro de
do
ambiente
e
da
grande porte em áreas de vegetação natural não pode contribuir para a sua recuperação, a não ser que o mesmo tenha asas e coma planando, que tenha aprendido
a
distinguir
plantas
endémicas de exóticas ou que esteja treinado Benefícios económicos- até hoje não foi
apresentado
nenhum
estudo
para
fazer
plantações
de
endémicas.
a
demonstrar a criação de riqueza pela tauromaquia. deputados
Desafio que
o
os
senhores
afirmaram
a
apresentarem os números. Mesmo que a indústria
tauromáquica
trouxesse
qualquer riqueza aos Açores, o facto de estar manchada de sangue (touradas de
T. B.
praça) seria legítima a sua continuação?
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A GRACIOSA NA ROTA DA INDÚSTRIA TAUROMÁQUICA Luís
Ribeiro,
numa
comunicação
Os autarcas da Graciosa, como argumento
apresentada ao Congresso Luso- Espanhol
principal para a absurda classificação da
realizado em Lisboa, em 1950, afirmou:
tauromaquia
“Em todas as ilhas foi o costume caindo em
como
património
cultural
imaterial do concelho de Santa Cruz o da
desuso e hoje só na Terceira há touradas.”
tradição, o qual é desaconselhado pelos
No seu livro A Ilha Graciosa, António de
próprios
Brum Ferreira, publicado em 1968, não faz
dirigentes
da
Tertúlia
Tauromáquica Terceirense.
qualquer referência às touradas nem à presença de gado bravo na mencionada ilha.
Pedro
de
Merelim,
no
seu
livro
Tauromaquia Terceirense, publicado em 1986, cita o professor João Nogueira que escreveu que as ilhas vizinhas mostravam repugnância pelas touradas. O mesmo Pedro de Merelim só em 1977 se refere a touradas na Graciosa e São Jorge nos seguintes termos: “ Mas, com o típico divertimento
a
estender-se
as
ilhas
próximas. Levaram-se a efeito na Graciosa Não vamos rebater aqui o argumento mas apenas chamar a atenção para o facto de as tradições serem criadas para satisfazer outros interesses, no caso das touradas da expansão de um negócio dos industriais terceirenses do ramo.
21 e em S. Jorge 17”. No livro onde é apresentada a candidatura da Graciosa a Reserva da Biosfera, datado de 2008, já se nota a mão de um aficionado por touradas de sobrenome Dores, daí os disparates que constam na página 71 e que a seguir transcrevemos (sublinhado da nossa
No caso da Graciosa e de outras ilhas dos Açores não há qualquer dúvida de que nem se trata de defender uma condenável tradição, mas sim o de garantir a expansão da insaciável tauromaquia.
responsabilidade): A tourada à corda é normalmente realizada em campos abertos ou estradas e toda a população pode "tourear".
Os
animais
são
amarrados a uma longa corda, e são Vejamos algumas referências que provam a
controlados por vários homens para
nossa tese.
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não causarem ferimentos graves aos
manutenção possa ser motivo de
participantes e à assistência. Ao
acesa discussão, explica a sua
contrário das touradas tradicionais
relevância sociocultural e ritual.
mediterrânicas, os animais não são feridos com lanças ou espadas e quando se começam a dar mostras de
cansaço
são
recolhidos.
O
Em suma, a investida da indústria da tortura de touros e de cavalos tem sido bemsucedida na Graciosa, graças à ganância da
objetivo principal parece não ser
indústria tauromáquica, à falta de ética e de
tanto a lide do touro mas sim ver os
sensibilidade
participantes a desafiar e fugir do
esbanjamento de dinheiros públicos e à
animal e, por vezes, serem lançados
colaboração de alguns agentes de ensino
ao ar por uma marrada bem
que em tempos letivos permitem que
colocada. São estas as situações que arrancam as maiores manifestações de clamor por parte da assistência.
de
alguns
políticos,
ao
crianças, algumas de tenra idade, assistam a sessões de banalização da tortura e de insensibilização para com o sofrimento
Não obstante o objetivo lúdico, as
animal. Enfim, o que eles querem é manter
touradas à corda têm também um
os privilégios dos do costume à custa da
cariz
estupidificação de muitos, mesmo que isto
de
afirmação
de
masculinidade e alguns aspetos
implique
um
regresso
à
época
iniciáticos. É raro ver mulheres
esclavagismo ou à idade da pedra.
do
envolvidas nesta atividade e os homens mais corajosos adquirem um estatuto social mais elevado.
Tradição? Qual tradição? José Ormonde
Nas "novilhadas", onde o touro é substituído por um novilho, os principais
participantes
são
adolescentes querendo afirmar a sua masculinidade e passagem à idade
adulta
através
da
demonstração de coragem. Esta vertente
sociológica
separa
as
touradas à corda das touradas em arenas, nas quais só uma elite participa e em que os aspetos de afirmação sexual rito de passagem foram perdidos e, embora a sua
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