TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 60
ANDAR A PÉ
AGOSTO DE 2013
a MORTE DAS ABELHAS
tAUROMAQUIA i
1983: A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA NOS AÇORES
ANDAR A PÉ, REGRESSAR À TERRA
São diversas as razões que poderão ser
junto a um lago, onde cultivou a terra,
apresentadas para justificar o facto das
observou a natureza, caminhou e escreveu,
pessoas, tendo a possibilidade e os meios de
Aldo
viajar sem fazerem esforço físico, o fazerem
aproveitou o isolamento de uma quinta
cada vez mais usando os próprios pés.
adquirida pela família para fazer observações
Muitas vezes é por iniciativa própria, outras
e escrever muitos textos.
Leopold
(1887-1948)
também
vezes por recomendação médica, como forma de combater o sedentarismo induzido pelo estilo de vida que é seguido pela grande maioria das pessoas (bem) integradas nas sociedades atuais. Mas, mais do que “queimar gorduras”, andar a pé pode ser, como foi para Henry David Thoreau (1817-1862), um dos grandes vultos da cultura norte americana e um dos inspiradores do movimento naturalista, uma forma de “sentir e comunicar com uma inteligência pura e subtil que ultrapassa o pobre saber do homem comum”.
desejo de mergulhar a cabeça em atmosferas que os seus pés desconheciam, não se sentia bem se ficasse sem fazer uma boa caminhada num único dia.
fauna, sobretudo pelas aves e da flora, tendo
se por bosques e pradarias que na altura estavam quase em estado selvagem. De acordo com Martins Ferro, “para Leopold, o que é importante no usufruto da natureza não é propriamente o troféu de caça ou o
Para Thoreau a caminhada não era um exercício
interesse muito grande pela observação da
passado muito tempo da sua vida a aventurar-
Thoreau, que vivia num perpétuo e constante
simples
Aldo Leopold, desde criança demonstrou um
físico
pelo
que
ele
recomendava que se caminhasse “como um camelo, que segundo dizem, é o único animal que rumina enquanto caminha”. Tal como Thoreau que chegou a viver mais de
«consumo» dos espaços naturais. Na era da mecanização, o «entusiasmo» pela natureza (todo-o-terreno, motas de água, armas de fogo) pode tornar-se numa força destruidora, e isso podemos nós constatá-lo diariamente. O que
é
importante,
para
o
grande
dois anos numa pequena cabana construída Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
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conservacionista, é o enriquecimento da
coloque sob a influência da terra, do mar e do
perceção”.
céu e da sua assombrosa vida”.
Leopold que defendia o regresso à terra Para a autora de “Primavera Silenciosa”,
justifica-o do seguinte modo: "A capacidade de apreender o valor
“explorar a natureza com uma criança
cultural da natureza selvagem reduz-se,
resume-se em grande parte a sermos recetivos
em última análise, a uma questão de
a tudo o que nos rodeia. A reaprender a usar
humildade
os nossos olhos, os ouvidos, as narinas, as
intelectual.
O
homem
moderno de mente artificial, que perdeu
pontas
dos
dedos,
desobstruindo
os
o seu enraizamento na terra, julga que
abandonados e mal usados canais das
descobriu já o que é importante; ele é
impressões dos sentidos”
do género de palrar de impérios, políticos ou económicos, que hão-de durar
mil
anos.
Só
o
estudioso
compreende e aprecia que toda a história
consiste
em
sucessivas
excursões a partir de um único ponto de partida, ao qual o homem regressa uma e outra vez para organizar mais uma busca com vista a uma escala de valores. Só o estudioso compreende por que razão a crua natureza selvagem confere nitidez e significado à aventura humana."
Por último uma breve referência a Antero de Quental que também gostava de caminhar. O grande poeta açoriano, pelo menos durante o período em que frequentou a Universidade de Coimbra, entre 1856 e 1864, adorava fazer
A bióloga e escritora norte-americana Rachael Carson
(1907-19649)
caminhadas
e
era
costumava
adepta
das
fazê-las
na
companhia de seu sobrinho Roger, mesmo em dias de chuva. Para ela “os prazeres duradouros do contacto com o mundo natural não são reservados aos cientistas mas encontram-se ao alcance de quem quer que se
Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
longas caminhadas na companhia de amigos. Manuel de Arriaga conta que “Antero era a alma viva, o ponto de convergência das nossas discussões, o mais dileto dos nossos companheiros” nas “largas excursões pelos arredores de Coimbra, Buçaco, Figueira, Senhor da Serra e Lousã”. Teófilo Braga
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TAUROMAQUIA I
Na Tourada à Portuguesa, importa mencionar:
À força de treino, de esporas que o magoam e
o terrível sentimento de claustrofobia e pânico
ferem, de ferros na boca e corrente à volta da
que o touro sofre desde que é retirado
mandíbula, que o magoam e o subjugam, o
violentamente da campina e transportado em
cavalo arrisca morte por síncope/paragem
aperto e confinado; o maltrato antes da lide na
cardíaca, ferimentos mais ou menos graves,
arena com a finalidade de o enfraquecer física
até a morte na arena.
e animicamente; a provocação e a tortura durante a lide e no fim desta, com a retirada sempre
violenta
e
muito
dolorosa das
bandarilhas; após a lide, metido no transporte e no curro onde fica esgotado, deprimido, ferido, dorido e febril, em acidose metabólica horrível que o maldispõe e intoxica, até que, dias depois, a morte o liberte de tanto sofrimento. È difícil, senão impossível, acreditar que toureiros e aficionados amem touros e cavalos, quando os submetem a violência, risco, sofrimento.
Importa
reconhecer
que
em
todas
as
actividades tauromáquicas, mais ou menos cruentas,
o
claustrofobia O cavalo sofre esgotamento e terrível tensão
sofrimento e
pânico
da da
captura,
prisão,
do
transporte, do curro, estão sempre presentes.
psicológica ao ser usado como veículo, sendo dominado, incitado e lançado pelo cavaleiro e
Vasco Reis, 13.6.13
obrigado a enfrentar o touro, quando a sua atitude natural seria a de fuga e de pôr-se a uma distância segura. Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
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A MORTE DAS ABELHAS
Cientistas descobrem o que está matando as abelhas, e é mais grave do que se pensava 01/08/2013
Como já é sabido, a misteriosa mortandade de abelhas que polinizam US $ 30 bilhões em cultura só nos EUA dizimou a população de Apis mellifera na América do Norte, e apenas um inverno
ruim
poderá
deixar
os
campos
improdutíveis. Agora, um novo estudo identificou algumas das prováveis causas da morte das abelhas, e os resultados bastante assustadores mostram que evitar o Armagedom das abelhas será muito mais difícil do que se pensava anteriormente.
Departamento
de
Agricultura
dos
EUA
identificaram um caldeirão de pesticidas e fungicidas contaminando o pólen recolhido pelas abelhas para alimentarem suas colmeias. Os resultados abrem novos caminhos para sabermos porque um grande número de abelhas está morrendo e a causa específica da DCC, que mata a colmeia inteira simultaneamente.
Quando os pesquisadores coletaram pólen de colmeias que fazem a polinização de cranberry, melancia e outras culturas, e alimentaram abelhas saudáveis, essas abelhas mostraram um declínio significativo na capacidade de resistir à infecção por um parasita chamado Nosema ceranae. O parasita tem sido relacionado a Desordem do Colapso das Colônias (DCC), embora os cientistas sejam cautelosos ao salientar que as conclusões não vinculam diretamente os pesticidas a DCC. O pólen foi contaminado, em média, por nove pesticidas e fungicidas diferentes, contudo os cientistas já descobriram 21 agrotóxicos em uma única amostra. Sendo oito deles associados ao maior risco de infecção pelo parasita.
Os cientistas tinham dificuldade em encontrar o gatilho
para
a
chamada Colony
Collapse
Disorder (CCD), (Desordem do Colapso das Colônias, em inglês), que dizimou cerca de 10 milhões de colmeias, no valor de US $ 2 bilhões, nos últimos seis anos. Os suspeitos incluem agrotóxicos, parasitas transmissores de doenças e
O mais preocupante, as abelhas que comem pólen contaminado com fungicidas tiveram três vezes mais chances de serem infectadas pelo parasita. Amplamente utilizados, pensávamos que os fungicidas fossem inofensivos para as abelhas, já que são concebidos para matar fungos, não insetos, em culturas como a de maçã.
má nutrição. Mas, em um estudo inédito publicado este mês na revista PLoS ONE, os cientistas da Universidade de Maryland e do
Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
"Há evidências crescentes de que os fungicidas podem estar afetando as abelhas diretamente e eu
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acho que fica evidente a necessidade de
mais complicado do que apenas um produto,
reavaliarmos a forma como rotulamos esses
significando naturalmente que a solução não está
produtos químicos agrícolas", disse Dennis
em apenas proibir uma classe de produtos."
vanEngelsdorp, autor principal do estudo. O estudo descobriu outra complicação nos Os rótulos dos agrotóxicos alertam os agricultores
esforços para salvar as abelhas: as abelhas norte-
para não pulverizarem quando existem abelhas
americanas, que são descendentes de abelhas
polinizadoras
europeias, não trazem para casa o pólen das
na
vizinhança,
mas
essas
precauções não são aplicadas aos fungicidas.
culturas nativas norte-americanas, mas coletam de ervas daninhas e flores silvestres próximas. O
As populações de abelhas estão tão baixas que os
pólen dessas plantas, no entanto, também estava
EUA agora tem 60% das colônias sobreviventes
contaminado com pesticidas, mesmo não sendo
do país apenas para polinizar uma cultura de
alvo de pulverização.
amêndoas na Califórnia. E isso não é um problema apenas da costa oeste americana - a Califórnia fornece 80% das amêndoas do mundo, um mercado de US $ 4 bilhões.
Nos últimos anos, uma classe de substâncias químicas
chamadas neonicotinóides tem
sido
associada à morte de abelhas e em abril os órgãos reguladores proibiram o uso do inseticida por dois anos na Europa, onde as populações de abelhas também
despencaram.
Mas
Dennis
"Não está claro se os pesticidas estão se
de
dispersando sobre essas plantas, mas precisamos
pesquisa na Universidade de Maryland, diz que o
ter um novo olhar sobre as práticas de
novo estudo mostra que a interação de vários
pulverização agrícola", diz vanEngelsdorp.
vanEngelsdorp,
um
cientista
assistente
agrotóxicos está afetando a saúde das abelhas. Fonte: Quartz News Extraído de: http://www.institutoecofaxina.org.br/2013/08/cien tistas-descobrem-o-que-esta-matando-as-abelhase-e-mais-grave-do-que-se-pensava.html
"A questão dos agrotóxicos em si é muito mais complexa do acreditávamos ser", diz ele. "É muito
Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
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1983 – CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, O QUE SE FAZ NOS AÇORES? «A Terra é uma pequena ilha, um oásis de
na conservação da natureza. A situação era,
vida, o único local conhecido no Universo
na altura, deveras caricata. Um governo que
onde o Homem pode prosperar. Mas a teia da
tem as mãos largas para muitas coisas (ainda
vida apenas existe na fina camada de ar, de
bem!) não possuía 50 mil escudos para o
água e solo da superfície do planeta.
pagamento da estadia, durante um mês e
Inconscientemente, o Homem destrói isto, o
meio,
seu
Universidade de Uppsala, Suécia, que tinha
próprio
habitat,
utilizando
mal
e
explorando em demasia os recursos limitados
do
professor
Erik
Sjogren
da
aceite vir aos Açores, em visita de estudo.
de que se dispõe e esforçando os delicados mecanismos da vida ameaçando, não só a
O plano para 1983, recentemente aprovado
qualidade da vida como, até, a sua própria
pela Assembleia Regional dos Açores limita-
sobrevivência». (extraído de um folheto do
se a enunciar um conjunto de 14 medidas
NPEPVS).
sem, sequer, prever, tal como o próprio Plano a Médio Prazo, verbas para as implementar. Enfim, na área do ambiente vamos continuar como até aqui; muita parra pouca uva…
A outro nível, que não o oficial, prossegue a luta pela defesa e conservação da natureza e meio-ambiente.
Assim,
embora
com
características por vezes bastante diferentes mas com objectivos que por vezes se confundem, começam a surgir, na Região, várias organizações que actuam neste campo. A 13 de Abril do ano transacto, através do «Correio dos Açores», o Dr. Gerald Le Grand, responsável pela Divisão da Protecção da Natureza e Ornitologia do Departamento de Ecologia da Universidade dos Açores, lamentava-se pelo facto do Governo Regional não estar na disposição de se empenhar, a fundo, isto é ir além das palavras e decretos, Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
Entre elas destacamos: o Núcleo Português de Estudos e Protecção da Vida Selvagem (NPEPVS/DA),
o
Naturalistas,
«Luta
o
Centro
de
Jovens
Ecológica»,
«Os
Montanheiros» e o grupo Ecológico da Universidade dos Açores. Neste pequeno texto, referir-nos-emos, apenas ao NPEPVS/DA pelo simples facto de, até à Página 7
presente data, ter sido a única organização a
Para
nos
Delegação do NPEPVS, o ano que agora se
fornecer
as
informações
por
nós
solicitadas.
o
Engenheiro
Duarte
Soares,
da
inicia será o do arranque da actividade do núcleo aqui nos Açores. Assim, em 1982, foi
Contando com cerca de 220 sócios, aqui na
preocupação primeira daquele organismo
Região, o NPEPVS, que foi fundado em 18 de
encontrar
Dezembro de 1974 e que tem séde na cidade
conseguido obter 11 filmes sobre a vida dos
do Porto, tem promovido estudos, organizado
pássaros, filmes esses que poderão ser
congressos,
passados em todas as escolas da Região.
reuniões,
sessões
em
uma
séde,
tendo
também
estabelecimentos de ensino; editado milhares de cartazes, folhetos, livros e boletins.
O NPEPVS tem, de acordo com os seus estudos, publicados no «Diário do Governo», III Série n.º 32 de 7/2/75, como objectivos prioritários:
a) Promover ou apoiar estudos sobre fauna e flora; b) Realizar
campanhas
junto
do
público no sentido da protecção da Natureza, em especial da fauna e da flora;
Muito em breve o NPEPVS lançará duas
c) Interceder junto das entidades
importantes campanhas: uma para a protecção
oficiais e apoiá-las, no sentido da
das aves marinhas, possuindo desde já um
protecção da Natureza, em especial
autocolante para tal; outra para a protecção
da fauna e da flora;
das aves de rapina (Milhafre e Mocho) para a
d) Tomar quaisquer medidas que
qual
possui
1000
posters
que
foram,
cedidos
pelo
FIR
(Fonds
visem a protecção da Natureza, em
gentilmente,
especial da fauna e da flora, por
d’Intervantion pour les Rapaces).
eventual decisão da assembleiageral ou, em caso urgente da direcção.
Terra Livre nº 60 ◊ Agosto de 2013
(Publicado no jornal “Directo” a 11 de Fevereiro de 1983)
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