Terra livre 72 outubro e novembro de 2014

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 72

OUTUBRO-NOVEMBRO DE 2014

Manifesto em defesa do cagarro Contra a tourada A propósito de espécies invasoras


Manifesto em Defesa do Cagarro REIVINDICAÇÕES PARA A CAMPANHA “SOS CAGARRO” 2014

futebol e estradas situadas junto ao litoral.

Nesta situação a Campanha SOS Cagarro e todo o labor dos voluntários muitas vezes não passa de um logro, limitando-se na realidade a recolher as aves que previamente são “obrigadas” a cair em terra devido à excessiva iluminação. Como consequência das Considerando as deficiências com as quais ano após ano se confrontam os voluntários

da

Campanha

“SOS

quedas muitas das aves, perto de um milhar no passado ano, ficam feridas ou morrem.

Cagarro” e que levam a uma maior queda e ferimentos das aves e a umas condições às vezes pouco dignas para o seu resgate,

as

associações

e os

cidadãos abaixo assinantes reivindicam por parte do governo regional: É necessário seguir exemplos como o 1) Um compromisso para a redução

das ilhas Canárias, onde as autoridades

efetiva da iluminação pública durante

regionais

as duas semanas principais que dura a

campanha “Apagón por la pardela”,

Campanha SOS Cagarro.

através da qual municípios e entidades

promovem

ativamente

a

privadas reduzem significativamente as Mais da metade das aves que caem em

luzes durante a campanha de recolha de

terra tem por causa a exagerada

cagarros. Nos Açores, pouco ou nada

iluminação pública de infraestruturas

disto é feito apesar de existirem ilhas

como portos de pesca, campos de

declaradas Reservas da Biosfera que deveriam

Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

primar

por

estarem

na Página 2


vanguarda no respeito e defesa do

disponíveis,

todos

eles

pagos,

e

ambiente.

facilitaria a comunicação de quedas de aves, reencaminhando a informação

2) A

declaração

do

cagarro

(Calonectris diomedea borealis) como

para a entidade mais adequada em cada caso.

Ave Regional, de especial interesse e proteção na Região Autónoma dos

4) O inicio da construção de um

Açores.

Centro de Recuperação de Fauna (CRF) nas principais ilhas, com

Ainda que nos Açores existam outras

capacidade para acolher e tratar todos os

aves que seriam candidatas a este título,

cagarros feridos.

esta espécie é a mais abundante em todas as ilhas, a mais próxima das

Durante a Campanha são bastantes as

populações e aquela cuja proteção

aves encontradas feridas e que precisam

melhor serviria para a proteção do

de assistência veterinária, situação até

conjunto dos ecossistemas litorais de

agora não tratada de forma adequada

todo o arquipélago e de outras aves

nem

marinhas ameaçadas.

próprias.

digna, faltando Os

CRF

infraestruturas poderão

servir

também de lugar de depósito noturno de 3) A

criação

do

“Telefone

do

todas as aves recolhidas durante a

Cagarro”, telefone único e gratuito

Campanha,

para todas as ilhas a funcionar durante

depositadas em lugares às vezes muito

as 24 horas durante as semanas da

inapropriados até a sua libertação no dia

Campanha SOS Cagarro.

seguinte.

que

até

agora

são

Os CRF são ainda uma necessidade, durante todo o ano, para o tratamento de outras espécies de aves dos Açores e como depósito de animais apreendidos em situação ilegal, necessidade para a qual a própria GNR tem vindo a alertar O “Telefone do Cagarro” evitaria a

repetidamente. Actualmente acontecem

actual

situações caricatas como o transporte

multiplicidade

de

telefones

Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

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dum milhafre ferido da Terceira até o Corvo, ilha onde nem sequer existem milhafres,

por

existirem

ali

umas

pequenas instalações para a recuperação de aves.

O cagarro é uma ave oceânica que vem a terra apenas durante a época de reprodução. Este período decorre entre Março e Outubro altura em que as

crias

suficientemente

desenvolvidas partem com os seus progenitores em direcção ao mar, dispersando-se

pelo

Oceano

Atlântico e regressando apenas no próximo ano.

A sua partida realiza-se de noite e muitas delas são atraídas pelas luzes 5) A divulgação pública e a análise

das nossas vilas e cidades, acabando

dos resultados da Campanha SOS

por cair em terra e sendo-lhes neste

Cagarro, permitindo detetar em todas

caso impossível voltar a levantar voo

as ilhas os pontos negros onde é

se não forem ajudadas.

registada em cada ano uma maior quantidade de quedas de aves e uma

Sendo os Açores uma das zonas mais

maior mortalidade.

importantes

no

que

respeita

à

reprodução dos cagarros é muito Esta

análise,

informação

juntamente

sobre

os

com

lugares

a de

importante que um máximo de aves seja

salva

nidificação e do sucesso reprodutivo da

populacional

espécie, permitiria definir melhores

mantenha.

para da

que

o

nível

espécie

se

estratégias e ações para as Campanhas a realizar nos anos seguintes.

Se encontrar durante o dia um cagarro devolva-o ao mar. Se o

Subscritores: Amigos dos Açores Amigos do Calhau CAES- Coletivo Açoriano de Ecologia Social 64 Subscritores individuais

encontrar à noite recolha-o, de preferência numa caixa fechada (de papelão), não tente alimentá-lo. e devolva-o ao mar logo na manhã seguinte.

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CONTRA AS TOURADAS. CONTRA “BARRANCOS” Texto de José Augusto

tão, subversivo, ladrão de fruta, etc).

4.

As touradas não são um espectá-

culo, nem são uma tradição (popular). As touradas são um divertimento e passatempo das antigas classes nobres, fidalguias e realeza, classes

privilegiadas, feudalistas e absolutistas que 1.

Contra as touradas e diferentes

formas de aprisionar animais, retirarlhes a liberdade, os torturar ou levar à

não

pagavam

impostos

e

exploravam o povo e se divertiam com caça, toiros, festas, banquetes e... guerra.

morte. 5. 2.

Este

verão

campanha

de

sensibilização apresentava “outdoor” com

frase-tes-

temunho

onde

se

denunciava a barbárie que é a tourada longe dos nossos olhos.

Já vi e brinquei com toiros em

estado bravio, olhos nos olhos; assisti a largadas onde o pobre povo, vítima dos poderes políticos, se diverte em cima do animal

(desorientado)

batendo-lhe,

picando-o, sangrando-o, gritando-lhe, ... enlouquecendo o bicho; estive em

3.

É mais ou menos neste período de

tourada e vi um animal-toiro retirado do

fim

de

populações

seu habitat empurrado para o «circo» e

humildes e pobres do Alentejo profundo

morte, confuso com o «espectáculo»

são teleguiadas a assistir / participar na

refugiado nas tábuas, culpado por não

excepcional

legalizada,

divertir, ser picado, divertir quando

chamada «Barrancos». Em nome da

farpado com barbelas, sangrar e mijar-

tradição (?), o povo desloca- se e delira

se de dor/sofrimento, saltar, saltar com

com a morte da besta, no caso um toiro.

dor, urrar e não poder pedir a veteri-

Mas, em períodos críticos e de ruptura a

nário algum que o socorresse, e o povo

besta pode ser um humano, «o outro»,

entusiasmado, ao momento, aplaudir

diferente de nós (negro, grevista, cris

aquela

estio

que

as

barbaridade

Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

barbaridade,

como

tem

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aplaudido e/ou consentido há milhares

tourada.

As

autarquias

tão

de anos espectáculos desses, com

desorganizadas e/ou esquecidas para

humanos.

apoiar certos projectos, apoiam a tourada em centenas de milhares de

Argumenta-se que sem touradas

euros. Segundo a revista “GQ”(2012): a

não havia toiros. Os toiros podem ser

Moita, gastou mais de 30 mil euros para

integrados no seu ecossistema (grandes

a contratação de toiros e cabrestos; em

espaços

lezíria),

Abiul/Pombal foram entregues 140 mil

protegidos, como os lobos, elefantes ou

euros para obras em praças de toiros;

outros e aí, a sua presença pode ser alvo

Santarém aproximou-se do número

de visitas e pedagogia.

anterior, comprando bilhetes que depois

6.

de

montado

ou

oferece para ingresso, prática um pouco comum a muitas autarquias, não só nas touradas…

7.

Também os cavalos sofrem, por

vezes. "stress” ou com magoadoras ferretas nas focinheiras, para manter a estética do pescoço e serem melhor dominados. Também se usam esporas de aço, mais dolorosas. 10. 8.

Os

intervenientes

humanos,

embora voluntários e conscientes dos actos,

às

vezes

também

sofrem

consequências graves ou mortais.

Noutros séculos a tourada já

foi proibida em Portugal, várias vezes, por ser um «divertimento bárbaro

e

impróprio

de

nações

civilizadas»: Então a tourada, desde há muito, é uma dúvida quanto ao facto

9.

Outra realidade está subjacente à

Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

de

ser

«espectáculo»

ou

«tradição»! Página 6


as mãos com um cigarro e dizia, A tourada é um acontecimento

consecutivamente, que não queimava

envolto numa suposta moral puritana e

(não doía). O toiro, diabolizado desde

marialvista, com capa de «tradição

os alvores da religião e civilização, é

popular» que recrudesceu em Portugal,

espetado

como as procissões, os couratos e

aficionados aquilo não dói.

11.

e

farpado

e

para

os

vinho, desde que as populações foram afastadas

da

política

(habitação,

14.

Que se levante uma grande

trabalho, saúde, etc.) e encurraladas

opinião

como os toiros. Hoje, em quase todas as

captura, morte, tortura e aprisionamento

festas, ditas «populares» os poderes

de animais! Chega de dor no Planeta!

autárquicos

e

comissões

de

de

consciências

contra

a

festa

apoiam ou organizam divertimentos

15.

Por uma sociedade educadora e

com toiros. Estamos a mergulhar num

evoluída que respeite todas as formas

estado crónico de ignorância popular.

de vida.

12.

Na Catalunha e Canárias a

tourada é proibida. Cascais, Viana do Castelo

e

Sintra,

(in A BATALHA, nº 261, Set- Out 2014)

consideram-se

municípios livres desse divertimento.

13.

Um dia assisti um ex-soldado

colonial contar, em café público, como torturava um «terrorista»: queimava-lhe Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

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A propósito de espécies invasoras existem atraem cada vez menos alunos. Muitos açorianos continuam alheados

Além disso, pelo menos nos casos que

das questões ambientais e continuam a

conheço bem, caiu-se na rotina da

dar pouca ou nenhuma importância à

participação nos desafios lançados a

conservação da natureza.

nível nacional, como concursos de árvores de natal, e os eventuais efeitos positivos do projeto não se estendem a toda a comunidade escolar.

As autarquias pouco fazem e quando o fazem é quase apenas para cumprir calendário.

A

título

de

exemplo,

menciona-se os dias sem carros, em que como

alternativa

aos

mesmos

se

apresentam póneis ou trotinetes, os dias da árvore, com plantações de endémicas em cima umas das outras, ou os dias do ambiente com a construção de ninhos para aves em zonas urbanas e que, na Estamos longe do período áureo da

melhor das hipóteses não servirão para

educação ambiental promovida pelos

nada, e. na pior, irão ser muito úteis aos

serviços oficiais que era implementada

pardais que não são uma espécie que

pela rede regional de ecotecas, geridas

merece medidas especiais de proteção,

por

antes pelo contrário.

associações

diversas,

com

atividades destinadas a jovens em idade escolar e não só e que culminava com a realização

anual

de

um

Encontro

Regional de Educação Ambiental.

Hoje, a educação ambiental está quase e tão só restrita ao Programa Eco-escolas que cada vez mais mobiliza menos professores e cujas atividades quando Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

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Mas, para além do que está escrito

Canto, que como todos sabemos terá

acima, a grande falha de toda a tentativa

sido o açoriano que mais espécies

de educação ambiental está no ignorar

vegetais, oriundas de várias regiões do

que

planeta, terá introduzido e cultivado nas

os

problemas

ambientais

são

problemas sociais e que só podem ser resolvidos

se

houver

suas propriedades.

alterações

profundas nas sociedades atuais.

Não querendo alijar responsabilidades a ninguém, considero de algum modo injusta a procura de bodes expiatórios e sem sentido o culpabilizar quem viveu noutra época, onde as preocupações eram outras e não se tinham os conhecimentos que hoje se têm. Com efeito, José do Canto, ao introduzir muitas espécies, tinha objetivos bastante

Não é de agora o fenómeno das espécies invasoras, que existe desde sempre mas que ter-se-á intensificado, a partir do século XV, com os descobrimentos. No caso

dos

Açores,

desde

o

seu

descobrimento têm sido introduzidas,

definidos que estavam relacionados com o aproveitamento das mesmas para a agricultura, a horticultura, a silvicultura e a ornamentação de jardins, tornando possível uma melhoria da qualidade de vida de quem cá vivia.

voluntariamente ou não, várias espécies que cá se têm adaptado. Algumas têm sido de grande utilidade para quem cá vive, enquanto outras, pelo contrário, tornaram-se

numa

das

principais

ameaças à conservação da flora e fauna endémicas. Nalguns meios, mais restritos, há quem esteja à procura de responsáveis pelas espécies

introduzidas

que

se

Também,

embora

não

querendo

transformaram em invasoras e o nome

crucificar ninguém, é importante ficar

mais apontado tem sido o de José do

registado

Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

que,

depois

de

se

ter

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conhecimento

de

que

algumas

introduções causam desequilíbrios nos

chegamos a ver nos viveiros dos Serviços Florestais nas Furnas.

ecossistemas, podendo levar à perda da biodiversidade e à extinção de espécies nativas,

é

no

mínimo

negligente

continuar com introduções de espécies que

noutras

regiões

têm

um

comportamento invasor.

Mais recentemente, regista-se o caso da plantação de erva-confeiteira nas Portas do Mar ou do penacho ao longo das estradas. Esta última planta, apesar de muito bonita, é invasora em várias zonas do mundo e já está a mostrar os seus dotes em terrenos incultos da ilha de

São

Miguel,

destacando-se

os

situados na zona do Caldeirão.

Teófilo Braga (Correio dos Açores nº 30473, 29 de A título de exemplo de introduções

Outubro de 2014, p.10)

negligentes, recordo-me a plantação de lantana nos “socalcos” do aeroporto de Ponta

Delgada,

importadas

do

continente, quando por cá já andavam a conspurcar alguns locais da ilha de São Miguel ou a tentativa de introdução de Ipil-ipil, para a produção de biomassa para alimentar uma futura central produtora de energia elétrica, que Terra Livre nº 71 Agosto-Setembro de 2014

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