TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 73
DEZEMBRO DE 2014
Manifesto “Chamada derradeira” Carta aberta Anti- ogm
Manifesto “Chamada Derradeira” Isto é mais do que uma crise económica e de regímen: é uma crise da civilização As cidadãs europeias, na sua maior parte, consideram que a sociedade de consumo atual pode e deve melhorar em relação ao seu futuro. Ao mesmo tempo, boa parte das habitantes do planeta aguardam se aproximar aos nossos níveis de bem-estar material. Porém, o nível de produção e consumo foi alcançado às expensas de esgotar os recursos naturais e energéticos, e de estragar os equilíbrios ecológicos da Terra.
Nada disto é novo. As investigadoras e cientistas mais lúcidas levam indicando sinais de alarme de começos dos anos 70 do século XX: de continuarmos com as tendências de crescimento vigorantes (económico, demográfico, utilização de recursos, produção de contaminação e incremento de desigualdades) o resultado mais provável para o século XXI é o colapso civilizacional.
Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
Hoje há multidões de notícias que indicam que a via do crescimento é já um genocídio em câmara lenta. A decadência na disponibilidade de energia a baixa preço, os cenários catastróficos da mudança climática e as tensões geopolíticas pelos recursos mostram que as tendências de progresso do passado estão a se quebrar. Frente a este desafio não basta com os mantras cosméticos do desenvolvimento sustentável, nem as apostas tecnológicas eco-eficientes, nem uma “economia verde” que encobre a mercantilismo generalizado de bens naturais e serviços eco-sistémicos. As soluções tecnológicas, tanto à crise ambiental como ao declinar energético, são insuficientes. Além disso, a crise ecológica não é um tema parcial, mas determinante de todos os aspetos da sociedade: alimentação, transporte, indústria, habitação, conflitos bélicos… Do que se trata, é, em resumo, da base da nossa economia e as nossas vidas. Tornamo-nos cativos da dinâmica perversa de uma civilização que apenas funciona crescendo, mas esse crescimento significa destruir as bases naturais que a sustentam. A nossa cultura, tecnólatra e mercadólatra, esquece que somos, de raiz, dependentes dos ecossistemas e interdependentes com eles. Página 2
A sociedade produtivista e consumista não pode ser sustentada pelo planeta. Necessitamos construir uma nova civilização capaz de garantir uma vida digna a uma enorme população humana (hoje com mais de 7.200 milhões de pessoas) ainda em aumento, que habita um mundo de recursos minguantes. Para isso vão ser necessárias mudanças radicais nos modos de vida, as formas de produção, o desenho das cidades e a organização territorial, e, antes de nada, os valores que guiam todo o anterior. Precisamos de uma sociedade que tenha como objetivo recuperar o equilíbrio com a biosfera, e utilize a investigação, a tecnologia, a cultura, a economia e a política para avançar para esse fim. Precisaremos para isso de toda a imaginação política, generosidade moral e criatividade técnica que consigamos desenvolver. Mas esta Grande Transformação acha dois obstáculos titânicos: a inércia do modo de vida capitalista e os interesses dos grupos privilegiados. Para evitarmos o caos e a barbárie a que hoje nos encaminhamos, precisamos de uma ruptura política profunda com a hegemonia vigente, e uma economia que tenha como fim a satisfação das necessidades sociais dentro dos limites que impõe a biosfera, e não o crescimento do benefício privado. Por sorte, cada vez mais pessoas estão a reagir diante das tentativas das elites de Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
nos fazer pagar pelos seus erros. Hoje, no Estado espanhol, o despertar de dignidade e democracia que implicou o 15 M (da primavera de 2011) está a dar lugar a um processo constituinte que abre possibilidades para outras formas de organização social.
Porém, é fundamental que os projetos alternativos tomem consciência das implicações dos limites do crescimento e elaborem propostas de mudança muito mais corajosas. A crise do regime e a crise económica só podem ser superadas considerando também a crise ecológica. Neste sentido, não são suficientes as políticas que recuperam as receitas do capitalismo keynesiano. Estas políticas levaram-nos, nas décadas seguintes à II Guerra Mundial, a um ciclo de expansão que nos colocou no limiar dos limites do planeta. Um novo ciclo de expansão é inviável: não há base material, nem espaço ecológico ou recursos que pudessem sustentá-lo. O século XXI será o século mais decisivo da história da humanidade. Vai constituir uma grande prova para todas Página 3
as culturas e sociedades, e para a espécie no seu conjunto. Uma prova onde será decidida a nossa continuidade na Terra, e a possibilidade de denominar como “humana” a vida que sejamos capazes de organizar depois dela. Temos na nossa frente o repto de uma transformação de calibre análogo ao dos grandes acontecimentos históricos, como a revolução neolítica ou a revolução industrial.
apenas um lustro para elaborar e defender um debate amplo e transversal sobre os limites do crescimento, e para construirmos democraticamente alternativas ecológicas e energéticas que sejam à vez rigorosas e viáveis. Deveríamos ser capazes de ganhar grandes maiorias para uma mudança de modelo económico, energético, social e cultural. Além de combatermos as injustiças originadas pelo exercício da dominação e a acumulação de riqueza, falamos de um modelo que deve considerar e assumir a realidade, fazer as pazes com a natureza e possibilitar prosperidade dentro dos limites ecológicos da Terra. Uma civilização termina, e temos de construir uma outra nova. As consequências de não fazermos nada – ou mesmo fazermos pouco – levam-nos diretamente ao colapso social, económico e ecológico. Mas, de começarmos hoje, ainda podemos ser as protagonistas de uma sociedade solidária, democrática e em paz com o planeta.
Atenção: a janela das oportunidades está a se fechar. É certo que há muitos movimentos de resistência arredor do mundo em pró da justiça ambiental (a organização global Witness tem registado quase mil ativistas ambientais mortos só nos últimos dez anos, nas suas lutas contra projetos mineiros ou petroleiros, defendendo as suas terras e as suas águas). Mas, com muito, temos Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
— Em diversos lugares da Península Ibérica, Ilhas Baleares, Ilhas Canárias, Ceuta e Melilha, no verão de 2014. https://ultimallamadamanifiesto.wordpr ess.com/el-manifiesto/o-manifestoportugues/
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Carta Aberta Anti OGM Carta aberta de cientistas, grupos anti-OGM
e
industriais
da
alimentação americanos contra os OGM “Ecologist”, 12/Nov/2014 (Resurgenc & Ecologist)
Escrevemos
enquanto
cidadãos
americanos preocupados em partilhar convosco a nossa experiência sobre sementes geneticamente modificadas e sobre os danos para o sistema agrícola com reflexos na adulteração dos nossos recursos alimentares. No nosso país, as
Organizações ONG, cientistas, grupos anti-OGM, celebridades, industriais da alimentação e outros representando 57 milhões de americanos decidiram enviar uma carta aberta ao Reino Unido e a todos os países da UE alertando sobre os sérios e variados perigos das sementes OGM e prometendo o seu apoio na luta contra elas.
colheitas OGM ascendem a cerca de metade do total. 94% da soja, 93% do milho e 96% do algodão são OGM. O Reino Unido e a UE ainda não aderiram às sementes OGM da maneira que nós já fizemos, mas vocês estão a sofrer enormes pressões dos governos, dos lobbies, da biotécnica e das corporações para adoptar aquilo que consideramos uma tecnologia agrícola falhada.
As sondagens mostram que 72% dos americanos
não
querem
comer
alimentos OGM e que mais de 90% exigem que tais alimentos tenham rotulagem esclarecedora. Apesar deste massivo mandato público, os esforços para obrigar o governo federal e os estaduais
a
regular
melhor
ou
simplesmente a rotular os alimentos OGM, estão a ser esmagados pelas grandes corporações de biotecnologia que dispõem de verbas ilimitadas e de Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
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imensa influência. Na altura em que
sementes
convencionais.
vocês
combinado
com
avaliam
as
vossas
opções,
os
gigantescos
as
companhias
gostaríamos de partilhar convosco o
investimentos
conhecimento
a
requerem, significa que as sementeiras
convivência com cerca de duas décadas
OGM provaram ser bem mais caras que
d colheitas OGM. Acreditamos que a
as convencionais. Devido ao ênfase
nossa experiência sirva de aviso para o
desproporcionado nas sementes OGM,
que acontecerá nos vossos países se
as variedades convencionais deixaram
seguirem a mesma senda.
de
que
nos
trouxe
estar
deixando
que
Isto
amplamente aos
disponíveis,
agricultores
poucas
Promessas não cumpridas: as sementes
escolhas sobre o que plantar. Os que
OGM foram lançadas no mercado com
decidiram não escolher OGM podem
a promessa de que iriam aumentar os
ver os seus campos contaminados como
lucros e diminuir o uso de pesticidas.
resultado da polinização cruzada entre
Não fizeram nenhuma das duas coisas.
espécies
De facto, de acordo com um estudo
armazenamento conjunto.
afins,
bem
como
do
recente do governo, os lucros das colheitas devem ser inferiores aos de colheitas equivalentes não-OGM. Foi dito aos agricultores que as sementes OGM trariam lucros maiores. Contudo, a realidade é bem diferente. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, os lucros são muito variáveis, mas os custos por cultivar este tipo de sementes tem disparado. As sementes OGM
não
podem
ser
legalmente
guardadas para posterior replantação. Isso significa que os agricultores têm de comprar novas sementes todos os anos. As companhias da biotécnica controlam os preços, obrigando os agricultores a pagar 3 a 6 vezes mais do que as Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
Assim, os nossos agricultores têm vindo a perder mercados de exportação. Muitos
países
têm
restrições
ou
proibições sobre produtos OGM e, por esta via, essas colheitas têm sido responsáveis por disputas crescentes, sobretudo quando os carregamentos se encontram contaminados com sementes Página 6
OGM.
O
mercado
produtos
Um estudo recente provou que entre
orgânicos nos EUA também tem sido
1996 e 2011, os agricultores que
afectado, pois muitos agricultores bio
plantaram essas Roundup Ready Crops,
perdem contratos devido ao alto grau de
usaram 24% mais herbicida que aqueles
contaminação
que usaram sementes convencionais. Se
com
dos
OGM.
Este
problema tem vindo a aumentar e
a
trajectória
continuar,
podemos
espera-se que se torne ainda mais grave
antecipar um aumento de 25% ao ano
nos próximos anos.
no uso do herbicida. Esta intensificação no uso do pesticida significa que na última década os EUA assistiram ao aparecimento de 14 novas espécies de ervas resistentes ao glyphosato e que metade das explorações sofrem a praga das ervas resistentes ao herbicida.
As companhias biotecnológicas que vendem tanto as sementes como os Pesticidas e super-ervas: Os tipos mais espalhados de sementes OGM são conhecidos por Roundup Ready Crops (RRC). Estas plantas, sobretudo cereais e
soja
têm
sido
geneticamente
modificadas para que, ao receberem o
herbicidas propuseram solucionar o problema criando novas variedades de sementes
que
conseguem
suportar
herbicidas ainda mais tóxicos e mais potentes tais como o 2,4-D dicamba. Contudo,
estima-se
que
se
estas
herbicida Roundup – que contém o
variedades forem aprovadas, vão exigir
ingrediente activo glyphosato – as
o aumento do uso dos herbicidas em
plantas continuem a crescer, mas as
cerca de 50%.
ervas daninhas morram. Isto criou um ciclo vicioso. As ervas têm-se tornado resistentes ao herbicida, obrigando os agricultores a lançar mais herbicida. Um uso mais intenso dos pesticidas cria ainda mais super-ervas que por sua vez exigem mais herbicida. Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
Perigos
ambientais:
Os
estudos
demostram que o incremento do uso das sementes RRC é altamente destrutivo do ambiente. Por exemplo, o Roundup mata as ervas que são o principal alimento
das
icónicas
borboletas
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Monarca e representa uma séria ameaça
mostram que as RRC contêm muitas
para outros insectos importantes como
vezes
as abelhas. Também é prejudicial ao
subproduto tóxico, o AMPA do que as
solo, matando organismos benéficos
sementes normais. Foram encontrados
que o mantém limpo, saudável e
traços de glyphosato no leite materno e
produtivo, impedindo as plantas de
na urina das mães americanas, tal como
absorver
essenciais.
na água potável. Os níveis existentes no
Outros tipos de plantas OGM têm sido
leite materno são incrivelmente altos –
produzidas para gerar o seu próprio
cerca de 1600 vezes mais do que o
insecticida (ex. plantas do algodão BT),
permitido na água potável na Europa
mas isso também se tornou mortal para
(…).
insectos benéficos como libelinhas,
encontrados traços da toxina BT no
moscas
Magna,
sangue das mães e bebés. Trata-se de
outros insectos aquáticos e certos
um risco inaceitável para a saúde
escaravelhos.
infantil pois o glyphosato actua como
micronutrientes
aquáticas
Daphna
Também
resistência
destas
insecticidas
bem
variedades
de
cresce
plantas como
as
super-insectos
a aos
novas que
requerem ainda mais aplicação de
mais
Do
disruptor
glyphosato
mesmo
das
e
o
modo
hormonas.
seu
foram
Estudos
recentes sugerem que este herbicida também
é
tóxico
para
os
espermatozoides.
insecticida em diferentes fases do ciclo de crescimento (…). Apesar de tudo isto, serão aprovadas em breve novas variedades de soja e de cereal que passarão a ser plantadas.
Ameaças
à
saúde
humana:
Os
ingredientes OGM estão por todo o lado na alimentação humana. Estima-se que 70% da comida processada que se consome nos EUA seja produzida com ingredientes OGM. Mas se incluirmos a alimentação animal, a percentagem é bastante
mais
alta.
As
pesquisas
Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
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cerca de 300 cientistas independentes de Os alimentos OGM não foram nunca
todo o mundo emitiram um aviso
foram testados antes de serem lançados
público sobre o facto de não haver
na cadeia alimentar e o impacto na
qualquer consenso científico quanto à
saúde
segurança
devido
à
circulação
dessas
de
ingerirmos
alimentos
substâncias e sua acumulação no nosso
OGM, e que os riscos eram uma razão
corpo não está a ser estudada por
séria de preocupação, como mostram as
nenhum governo, agência ou sequer
pesquisas independentes. Não é nada
pelas companhias que as produzem.
fácil a cientistas como estes emitir
Estudos de animais alimentados com
declarações públicas. Os que o fazem
OGM e ou glyphosato evidenciam
têm encontrado obstáculos em publicar
consequências terríveis como danos em
os
órgãos vitais como fígado e rins, danos
descredibilizados pelos seus colegas
nos
sistema
pro-OGM, têm visto fundos serem-lhes
imunitário, anormalidades nos fetos e
negados e, em alguns casos, têm visto
até tumores. Estes estudos apontam para
ameaçada a sua carreira e o seu
problemas de saúde potencialmente
emprego.
tecidos
graves
e
que
antecipados
flora,
não quando
no
poderiam o
seus
estudos,
têm
sido
ser
nosso
país
começou a usar OGM. E contudo, continuam a ser ignorados por aqueles que nos deviam proteger. Em vez disso, os reguladores continuam a confiar em estudos
ultrapassados
informações
e
outras
fornecidas
pelas
companhias da biotecnologia que, sem surpresa, ignoram as queixas sobre a saúde.
Controlar o fornecimento de alimentos: Através da nossa experiência, viemos a compreender
Negação da ciência: As declarações de cientistas corporativos entram em nítido contaste
com
as
descobertas
de
cientistas independentes. Em 2013, Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
que
a
manipulação
genética dos alimentos nada tem a ver com o bem público ou com dar de comer aos esfomeados nem com o apoio aos nossos agricultores. Nem sequer Página 9
tem a ver com as escolhas dos
experiência convosco para que não
consumidores. Em vez disso, tem tudo a
caiam nos mesmos erros. Apelamos a
ver com o controle por parte das
que resistam em aprovar as sementes
corporações privadas sobre o sistema
OGM, recusem plantá-las, importá-las
alimentar. Esse controle é extensivo a
ou vendê-las quer para uso animal ou
áreas que afectam directamente o nosso
humano e que se pronunciem contra a
bem-estar diário, incluindo segurança
influência
alimentar,
democracia.
políticos, reguladores e cientistas. Se o
Ameaça o desenvolvimento de uma
Reino Unido e a UE se tornarem um
agricultura genuinamente sustentável e
novo mercado para os produtos OGM,
amiga do ambiente e impede a criação
os nossos esforços para os rotular e
de
controlar
um
ciência
e
fornecimento
alimentar
corporativa
serão
sobre
dificultados,
os
senão
transparente e saudável. Hoje, nos EUA,
impedidos. Se falharmos, os vossos
da semente ao prato, a produção,
esforços para se livrarem dos OGM
distribuição,
falharão
venda,
avaliação
da
também.
Se
trabalharmos
segurança e consumo alimentar, tudo é
juntos, poderemos revitalizar o sistema
controlado
de
alimentar global, assegurar a saúde dos
companhias, muitas com interesses
solos, dos campos, dos alimentos e das
comerciais na engenharia genética. Eles
pessoas.
criam os problemas e depois vendem-
(Segue lista dos assinantes)
nos as chamadas soluções num ciclo
Traduzido por José Oliveira
vicioso de geração de lucros sem igual
Fonte: https://www.nao-ao-ttip.pt/carta-
em qualquer outro tipo de comércio.
aberta-anti-ogm/
por
um
punhado
Todos precisamos de comer e, por isso, os cidadãos devem esforçar-se por entender o problema. Os americanos estão a sofrer o impacto destrutivo desta tecnologia arriscada. Que os países da EU tomem nota. Não há benefícios dos OGM que compensem estes impactos. Os funcionários que ignoram isto são culpados de incumprimento do dever. Nós, os signatários partilhamos a nossa Terra Livre nº 73 Dezembro de 2014
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