TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 74
JUNHO DE 2015
O império do consumo Com o nome de alice moderno Espécies protegidas ou cinegéticas? O que eles escondem sobre as touradas à corda
O império do Consumo começa e termina no ecrã do televisor. "A explosão do consumo no mundo atual faz mais barulho do que todas as guerras e mais algazarra do que todos os carnavais.
Como
diz
um
velho
provérbio turco, aquele que bebe por conta, fica duplamente bêbado. A farra
A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas que geram novas dívidas, e acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos.
aturde e anuvia o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo faz muito barulho, assim como o tambor, porque está vazia; e na hora da verdade, quando o estrondo cessa e acaba a festa, o bêbado acorda, sozinho, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos quebrados que deve pagar. A expansão da procura choca com as fronteiras impostas pelo mesmo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos e mais amplos tanto quanto os pulmões precisam de ar e, ao mesmo tempo, requer que estejam no chão, como estão, os preços das matériasprimas e da força de trabalho humana. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora; mas não tem jeito: para quase todo o mundo esta aventura Terra Livre nº 74 Junho de 2015
Imagem: https://www.behance.net/gallery/26408 91/Diseno-Editorial-El-Imperio-delConsumo O direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos. Diz-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também
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está proibida para as galinhas. E as
a uniformidade é que manda. A
pessoas estão condenadas à insónia,
produção
pela ansiedade de comprar e pela
gigantesca, impõe em todas partes suas
angústia de pagar. Este modo de vida
pautas obrigatórias de consumo. Esta
não é muito bom para as pessoas, mas é
ditadura da uniformização obrigatória é
muito
indústria
mais devastadora do que qualquer
consomem
ditadura do partido único: impõe, no
metade dos calmantes, ansiolíticos e
mundo inteiro, um modo de vida que
demais
reproduz
bom
farmacêutica.
para Os
drogas
a
EUA
químicas
que
são
vendidas legalmente no mundo; e mais
em
série,
seres
em
humanos
escala
como
fotocópias do consumidor exemplar.
da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é pouca
O consumidor exemplar é o homem
coisa quando se tem em conta que os
quieto. Esta civilização, que confunde
EUA contam com apenas cinco por
quantidade com qualidade, confunde
cento
gordura com boa alimentação. Segundo
da
população
mundial.
a revista científica The Lancet, na «Gente infeliz, essa que vive se
última década a «obesidade mórbida»
comparando», lamenta uma mulher no
aumentou quase 30% entre a população
bairro de Buceo, em Montevideu. A dor
jovem dos países mais desenvolvidos.
de já não ser, que outrora cantava o
Entre as crianças norte-americanas, a
tango, deu lugar à vergonha de não ter.
obesidade aumentou 40% nos últimos
Um homem pobre é um pobre homem.
dezasseis
«Quando não tens nada, pensas que não
recente do Centro de Ciências da Saúde
vales nada», diz um rapaz no bairro
da Universidade do Colorado. O país
Villa Fiorito, em Buenos Aires. E outro
que inventou as comidas e bebidas light,
confirma, na cidade dominicana de San
os diet food e os alimentos fat free, tem
Francisco de Macorís: «Meus irmãos
a maior quantidade de gordos do
trabalham para as marcas. Vivem
mundo. O consumidor exemplar desce
comprando etiquetas, e vivem suando
do carro só para trabalhar e para assistir
feito loucos para pagar as prestações».
televisão. Sentado na frente do pequeno
Invisível violência do mercado: a
ecrã, passa quatro horas por dia
diversidade é inimiga da rentabilidade, e
devorando
Terra Livre nº 74 Junho de 2015
anos,
segundo
comida
pesquisa
plástica.
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Triunfa o lixo disfarçado de comida:
exército
essa indústria está a conquistar os
hambúrgueres nas bocas das crianças e
paladares do mundo e está a demolir as
dos adultos no planeta inteiro. O duplo
tradições da cozinha local. Os costumes
arco dessa M serviu como estandarte,
do bom comer, que vêm de longe,
durante a recente conquista dos países
contam, em alguns países, milhares de
do Leste Europeu. As filas na frente do
anos de refinamento e diversidade e
McDonald´s de Moscovo, inaugurado
constituem um património coletivo que,
em 1990 com bandas e fanfarras,
de algum modo, está nos fogões de
simbolizaram a vitória do Ocidente com
todos e não apenas na mesa dos ricos.
tanta eloquência quanto a queda do
Essas
Muro de Berlim.
tradições,
esses
sinais
de
do
McDonald´s
dispara
identidade cultural, essas festas da vida, estão
sendo
esmagadas,
de
modo
fulminante, pela imposição do saber
Um sinal dos tempos: essa empresa, que
químico e único: a globalização do
encarna as virtudes do mundo livre,
hambúrguer, a ditadura do fast food. A
nega aos seus empregados a liberdade
plastificação da comida em escala
de filiar-se a qualquer sindicato. O
mundial, obra do McDonald´s, do
McDonald´s viola, assim, um direito
Burger King e de outras fábricas, viola
legalmente
com
à
países onde opera. Em 1997, alguns
autodeterminação da cozinha: direito
trabalhadores, membros disso que a
sagrado, porque na boca a alma tem
empresa
uma das suas portas.
tentaram sindicalizar-se num restaurante
sucesso
o
direito
consagrado
chama
nos
muitos
de Macfamília,
de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas, em 98, outros empregados O campeonato do mundo de futebol de 1998 confirmou para nós, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os
músculos,
que
a
Coca-Cola
do McDonald´s, em uma pequena cidade
próxima
a
Vancouver,
conseguiram essa conquista, digna do Guinness.
proporciona eterna juventude e que o cardápio do McDonald´s não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso Terra Livre nº 74 Junho de 2015
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que
tal
ou
qual
banco
oferece.
Os especialistas sabem transformar as mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o Imagem: https://www.flickr.com/photos/4824855 1@N04/4543666832/
perfume te beija e o carro é o amigo que
As
da
massas
ordens
num
consumidoras
o
mais
lucrativo
dos
mercados. Os buracos no peito são
publicidade conseguiu aquilo que o
preenchidos enchendo-os de coisas, ou
esperanto quis e não pôde. Qualquer
sonhando com fazer isso. E as coisas
um entende, em qualquer lugar, as
não só podem abraçar: elas também
mensagens que a televisão transmite.
podem ser símbolos de ascensão social,
No último quarto de século, os gastos
salvo-condutos
em propaganda dobraram no mundo
alfândegas da sociedade de classes,
todo. Graças a isso, as crianças pobres
chaves que abrem as portas proibidas.
bebem cada vez mais Coca-Cola e cada
Quanto mais exclusivas, melhor: as
vez menos leite e o tempo de lazer vai
coisas escolhem você e salvam você do
se
consumo
anonimato das multidões. A publicidade
tempo
não informa sobre o produto que vende,
prisioneiro: as casas muito pobres não
ou faz isso muito raramente. Isso é o
têm cama, mas têm televisão, e a
que
televisão está com a palavra. Comprado
primordial
em prestações, esse animalzinho é uma
frustrações
prova da vocação democrática do
Comprando este creme de barbear, você
progresso: não escuta ninguém, mas fala
quer
obrigatório.
tempo Tempo
universal:
solidão
a
tornando
idioma
recebem
nunca falha. A cultura do consumo fez
de livre,
menos
se
para
atravessar
importa. consiste e
Sua
em
função
compensar
alimentar
transformar
as
fantasias.
em
quem?
para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do
O
último modelo, e pobres e ricos ficam
observou que os delitos das ruas não são
sabendo das vantajosas taxas de juros
fruto somente da extrema pobreza.
Terra Livre nº 74 Junho de 2015
criminologista
Anthony
Platt
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Também
são
fruto
da
ética
Amontoados em cortiços, a primeira
individualista. A obsessão social pelo
coisa que os recém chegados descobrem
sucesso, diz Platt, incide decisivamente
é que o trabalho falta e os braços
sobre a apropriação ilegal das coisas. Eu
sobram, que nada é de graça e que os
sempre ouvi dizer que o dinheiro não
artigos de luxo mais caros são o ar e o
traz felicidade; mas qualquer pobre que
silêncio.
assista televisão tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro traz algo
Quando o século XIV nascia, o padre
tão parecido que a diferença é assunto
Giordano da Rivalto pronunciou, em
para especialistas.
Florença, um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam «porque as
Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX marcou o fim de sete mil anos de vida humana centrada na agricultura, desde que apareceram os primeiros
cultivos,
no
final
do
paleolítico. A população mundial tornase urbana, os camponeses tornam-se cidadãos. Na América Latina temos campos
sem
formigueiros
ninguém urbanos:
e
enormes
as
maiores
cidades do mundo, e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em todas partes, mas por experiência própria sabem que atende nos grandes centros urbanos. As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os esperadores olham a
pessoas sentem gosto em juntar-se». Juntar-se, encontrar-se.
Mas, quem
encontra com quem? A esperança encontra-se com a realidade? O desejo, encontra-se com o mundo? E as pessoas,
encontram-se
com
as
pessoas?Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente
encontra-se
com
as
coisas?
O mundo inteiro tende a transformar-se em uma grande tela de televisão, na qual as coisas se olham mas não se tocam. invadem
As mercadorias e
privatizam
em os
oferta espaços
públicos. As estações de autocarros e de combóios, que até pouco tempo atrás eram espaços de encontro entre pessoas, estão se a transformar, agora, em espaços
de
exibição
comercial.
vida passar, e morrem bocejando; nas cidades, a vida acontece e chama. Terra Livre nº 74 Junho de 2015
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O shopping center, o centro comercial,
para uma festa à qual não foram
vitrine de todas as vitrines, impõe sua
convidados, mas podem olhar tudo.
presença esmagadora. As multidões
Famílias inteiras empreendem a viagem
concorrem, em peregrinação, a esse
na cápsula espacial que percorre o
templo maior das missas do consumo. A
universo do consumo, onde a estética do
maioria dos devotos contempla, em
mercado
êxtase, as coisas que seus bolsos não
alucinante
podem pagar, enquanto a minoria
etiquetas.
desenhou de
uma
modelos,
paisagem marcas
e
compradora é submetida ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A
A cultura do consumo, cultura do
multidão, que sobe e desce pelas
efémero,
escadas mecânicas, viaja pelo mundo:
descartabilidade mediática. Tudo muda
os manequins vestem como em Milão
no ritmo vertiginoso da moda, colocada
ou Paris e as máquinas soam como em
à serviço da necessidade de vender. As
Chicago; e para ver e ouvir não é
coisas envelhecem num piscar de olhos,
preciso pagar passagem. Os turistas
para serem substituídas por outras
vindos das cidades do interior, ou das
coisas de vida fugaz. Hoje, quando o
cidades que ainda não mereceram estas
único que permanece é a insegurança,
benesses da felicidade moderna, posam
as mercadorias, fabricadas para não
para a foto, aos pés das marcas
durar, são tão voláteis quanto o capital
internacionais mais famosas, tal e como
que as financia e o trabalho que as gera.
antes posavam aos pés da estátua do
O dinheiro voa na velocidade da luz:
prócer
Solano
ontem estava lá, hoje está aqui, amanhã
observou que os habitantes dos bairros
quem sabe onde, e todo trabalhador é
suburbanos vão ao center, ao shopping
um
center, como antes iam até o centro. O
Paradoxalmente, os shoppings centers,
tradicional passeio do fim-de-semana
reinos da fugacidade, oferecem a mais
até o centro da cidade tende a ser
bem-sucedida ilusão de segurança. Eles
substituído pela excursão até esses
resistem fora do tempo, sem idade e
centros urbanos. De banho tomado,
sem raiz, sem noite e sem dia e sem
arrumados e penteados, vestidos com
memória, e existem fora do espaço,
na
praça.
Beatriz
condena
desempregado
tudo
em
à
potencial.
suas melhores galas, os visitantes vêm Terra Livre nº 74 Junho de 2015
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além das turbulências da perigosa
existência da pouca natureza que nos
realidade do mundo.
resta. A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta."
O Império do Consumo, por Eduardo Galeano (1940-2015) Os donos do mundo usam o mundo
Fonte
como
adaptações): Carta
se
fosse
descartável:
uma
em
português (com
algumas
Maior (Blog
do
mercadoria de vida efémera, que se
Emir), 17/01/2007
esgota assim como se esgotam, pouco
Fonte
depois de nascer, as imagens disparadas
(2005): http://latinoamericana.org/2005/
pela metralhadora da televisão e as
textos/castellano/Galeano.htm
modas e os ídolos que a publicidade
Extraído
lança, sem pausa, no mercado. Mas,
Acção
para qual outro mundo vamos nos
http://sustentabilidadenaoepalavraeacca
mudar? Estamos todos obrigados a
o.blogspot.com/
em
daqui:
espanhol
Sustentabilidade
é -
acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para
pegar
bobos.
Aqueles
que
comandam o jogo fazem de conta que não sabem disso, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco,
pouquinho
e
nada, necessariamente, para garantir a Terra Livre nº 74 Junho de 2015
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Com o nome de Alice Moderno
No passado dia 6 de Maio, o diretor
Em primeiro lugar queria felicitar todos
Regional
Fernando
os que, a nível oficial, contribuíram para
Sousa apresentou, na Escola Básica
que este primeiro passo tenha sido dado,
Integrada dos Arrifes, o projeto “Alice
mas
Moderno” que tem por objetivo a luta
despercebido que para se chegar aqui
“contra o abandono e maus tratos a
houve o empenho de muitos cidadãos,
animais”.
através de petições à ALRA, artigos de
da
Agricultura,
não
queria
que
passasse
opinião e de muito trabalho, no dia-adia, em defesa de uma sociedade melhor para todos, humanos e não humanos.
A notícia oficial da apresentação do projeto refere “a presença de cães da Associação Animais de Rua” que é uma entidade que me merece todo o respeito pelo notável trabalho que está a fazer na ilha de São Miguel em prol dos cães e sobretudo dos gatos maltratados e abandonados por seres que se dizem De acordo com as notícias publicadas o projeto
limita-se
à
“colocação
humanos.
Contudo,
estranhei
a
de
referência aos cães e nenhuma menção
'outdoors' nas ruas, distribuição de
às pessoas que são quem implementa as
cartazes e folhetos informativos nas
atividades, bem como a não alusão às
escolas e postos da RIAC”. Não percebi
demais associações de proteção das
se no âmbito do mesmo será instalado
animais sedeadas na ilha de São Miguel
no chamado Hospital Alice Moderno o
e
tão reclamado, pelos ecologistas, Centro
possibilidades, trabalham para a mesma
de Recuperação de Aves Selvagens do
causa.
Grupo Oriental.
esquecimento do redator da notícia ou a
Terra Livre nº 74 Junho de 2015
que,
na
Será
medida
que
das
foi
suas
apenas
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APA- Associação de Proteção dos
“pedindo-lhes para que, mensalmente,
Animais dos Açores, a Cantinho dos
façam uma prelecção aos seus alunos,
Animais dos Açores e a AVIPAA-
incutindo no espírito dos mesmos a
Associação Vilafranquense de Proteção
bondade para com os animais, que não é
dos Animais e do Ambiente foram
mais do que um coeficiente da bondade
esquecidas?
universal”.
Outra iniciativa no âmbito do referido projeto é a criação, em parceria com a Delegação dos Açores da Ordem dos Médicos Veterinários, do “Voucher Alice Moderno” que não sabemos se será a adaptação de uma iniciativa que já existe a nível nacional ou se se trata de algo novo. Sobre este, pouco temos a Um projeto como o que vimos referindo não terá o sucesso que é exigido se se
dizer, mas tudo o que vier por bem é bem-vindo.
ficar pelos cartazes e “outdoors” e pelos
Por último, é preciso não esquecer que,
gabinetes do RIAC e ignorar os
em 2012, os subscritores da petição “
principais agentes da defesa animal que
Por uma nova política para com os
são os cidadãos sensíveis e as diversas
animais de companhia” reivindicavam
associações existentes, bem como os
mais, muito mais, do que foi agora
educadores e professores que trabalham
anunciado.
nas escolas açorianas.
A propósito do parágrafo anterior, já que se está a invocar o nome de Alice Moderno, é importante não esquecer que, logo que assumiu a presidência da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, em 1914, uma das primeiras medidas por ela tomada foi o envio de uma
comunicação
aos
professores
Terra Livre nº 74 Junho de 2015
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Para que não caia no esquecimento aqui
Divulgação de Apelo:
vai o pretendido:
ENTRE EM AÇÂO, ADIRA AO MATPAÇORES
“Solicitamos que a Região Autónoma
Como é do vosso conhecimento, tem havido uma evolução constante no modo como os animais são tratados pelo homem, incluso através da criação de alguma nova legislação nos últimos anos. Muito recentemente, com o anunciado projeto Alice Moderno, criado pelo Governo Regional dos Açores contra os maus tratos e o abandono dos animais de companhia parece que vamos caminhar no rumo certo.
dos Açores tome as devidas medidas legislativas no sentido da promoção, por um lado, da esterilização dos animais errantes,
como
método
eficaz
do
controlo das populações, e, por outro lado,
do
incentivo
à
adoção
responsável.
Solicitamos ainda que, seja respeitada a memória de Alice Moderno, pioneira da proteção dos animais nos Açores, transformando
o
atual
Hospital
Veterinário Alice Moderno, em São Miguel, em hospital público, onde os animais temporariamente a cargo de associações
de
detentores
com
proteção
ou
dificuldade
de ou
incapacidade económica possam ter acesso
a
tratamentos
a
preços
simbólicos. Nas restantes ilhas, a função do Hospital Alice Moderno poderia ficar a cargo de um Centro de Recolha Oficial.”
Teófilo Braga (Correio dos Açores, 30634, 20 de maio de 2015, p.14)
Terra Livre nº 74 Junho de 2015
Infelizmente ou propositadamente, há alguns animais que ficam sempre de fora. Estamos a falar dos touros e dos cavalos utilizados nas touradas. Assim, depois da recente tentativa de legalizar nos Açores as touradas picadas e do projeto de classificar a tourada à corda como património imaterial da humanidade, é quase diário o fomento das touradas à corda em ilhas onde elas nem são tradição. Até aqui o trabalho de um grupo de natureza informal, o Movimento Cívico Abolicionista da Tauromaquia nos Açores, tem tratado, na medida das suas possibilidades, de impedir o avanço da tauromaquia e o agravamento da tortura a touros e cavalos nos Açores. Alguns membros do referido grupo acharam por bem dar agora um passo em frente na sua organização. Decidindo evitar os custos e burocracias envolvidos na criação duma associação regional, decidiram criar nos Açores uma delegação completamente autónoma do MATP Movimento Abolicionista da Tauromaquia de Portugal, associação legalizada no ano 2000 com sede na cidade do Porto. Para podermos continuar o trabalho iniciado de uma forma mais eficaz precisamos, com urgência, de aumentar o número de associados, podendo assim dividir algumas tarefas e/ou custear as despesas através do pagamento de quotas anuais (10 euros por ano). O nosso apelo, neste momento, é para que ADIRA AO MATP e à sua DELEGAÇÃO NOS AÇORES. Solicite a ficha de inscrição através do e-mail: mcatacores@gmail.com
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Espécies protegidas ou cinegéticas Num acto surpreendente e descabido, o
legislação, como uma espécie prioritária
Governo Regional dos Açores declarou
para a conservação.
recentemente como espécies cinegéticas duas espécies de aves protegidas dos
No entanto, o Governo Regional resolveu
Açores: o Melro-preto (Turdus merula
agora remeter tudo isto para o esquecimento
azorensis) e o Pombo-torcaz (Columba
e entendeu que a melhor forma de resolver
palumbus azorica), naquilo que constitui
os possíveis danos criados por estas
mais um novo atentado contra o ambiente
espécies nas culturas das vinhas era a tiro
realizado
de espingarda. Assim, vai ser possível caçar
pelas
instituições
públicas
açorianas.
ou matar de outras formas (Despacho n.º 378/2015 da S. R. da Agricultura e Ambiente) estas duas espécies protegidas nas zonas das culturas de vinha da ilha do Pico (Paisagem Protegida da Cultura da Vinha da Ilha do Pico) e da Terceira (Paisagem Protegida das Vinhas dos Biscoitos) entre 15 de Junho e 15 de Setembro.
Estas duas espécies de aves são endémicas dos Açores e têm uma grande importância na estruturação e na manutenção dos nossos ecossistemas
insulares,
por
exemplo,
permitindo a dispersão de sementes e o desenvolvimento da floresta laurissilva açoriana. Por esta razão, segundo a
Este período coincide ainda com a época reprodutora das duas espécies, que vai aproximadamente de Abril a Julho para o Melro-preto, e de Abril a Setembro para o Pombo-torcaz, o que aumenta a gravidade desta irresponsável medida.
legislação regional vigente, estas espécies eram até agora consideradas como espécies protegidas (Decreto Legislativo Regional 15/2012/A, Regime jurídico da conservação da
natureza
e
da
protecção
da
biodiversidade). O Pombo-torcaz era ainda considerado, segundo esta mesma
Mediante esta autorização governamental, aumentou a lista das espécies que, por estar classificadas como “cinegéticas”, vêem assim despromovido o seu valor ecológico e perdido o seu merecido carácter de espécie protegida. E o Governo Regional fez agora isto da forma mais cobarde
Terra Livre nº 74 Junho de 2015
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possível: mediante um simples despacho de
qual o Governo Regional diz apostar, ficará
governo. Fez isto pela porta de trás, sem
logicamente prejudicado por esta medida de
discussão pública, sem debate político e
grande
sem nenhuma consulta científica ou técnica
provocando o repúdio dos nossos visitantes.
independente.
a
Na realidade, alguns deles até poderão levar
aproveitar um “alçapão” legal existente no
com um tiro de espingarda ao tentar visitar
Decreto Legislativo Regional e que permite
estas zonas até agora emblemáticas das
um procedimento excepcional, chamado
nossas ilhas.
Para
tal
limitou-se
insensibilidade
ambiental,
“correcção da densidade populacional”, que
não
mínimo
tem
evidentemente
fundamento
nenhum
científico
ou
ecológico.
Esta
medida
unicamente
a
descabida, agradar
os
destinada pedidos,
compreensíveis mas de todo irreflectidos, de
alguns
agricultores,
constitui
um
Falta ainda saber como é que o abate
atentando contra a fauna, contra a natureza
generalizado dos exemplares destas duas
insular, contra os interesses económicos e
espécies protegidas poderá alguma vez ser
contra a própria imagem da região. Está
justificado
nenhuma
ainda nas nossas mãos parar esta vergonha.
“alternativa satisfatória”, condição exigida
Mas também lutar para resgatar outras
na lei para autorizar este procedimento
espécies nativas injustamente classificadas
excepcional. E também como é que poderão
como cinegéticas, como são os patos
estes
silvestres migradores e a narceja, que nos
por
animais
evidentemente
não
ser
existir
mortos,
cruel,
sem
de
forma utilizar
procedimentos “cruéis ou passíveis de
Açores
apresenta
umas
populações
reprodutoras em grave perigo de extinção.
infligir sofrimento desnecessário”, o que é um completo absurdo.
Mediante este atentado contra a fauna açoriana,
as
Paisagens
Protegidas
da
Cultura da Vinha ficarão agora tristemente manchadas de sangue. A paisagem da vinha, uma paisagem cultural e ambiental que é única no mundo e que era motivo de orgulho para todos os açorianos, ficará assim convertida em mais uma vergonha regional para ocultar ao mundo e aos
Publicado por D.M. Santos Extraído daqui: http://avifaunadosacores.blogspot.pt/20 15/05/especies-protegidasdeclaradas.html
turistas. Aliás, o turismo de natureza, no
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O que eles escondem sobre as touradas à corda Não
O REVERSO DA MEDALHA
esperava,
porém,
desagradavelmente
ser
tao
impressionado
ao
espetáculo
que
A história e feita de “ sins” e de nãos”, de
presenciar
claridades e de sombras, de nuvens e de
antecipadamente julgava improprio de um
diáfano, de pros e de contras, de apologias e
povo de heroicas tradições, e geralmente
oposições.
face
considerado como civilizado, ordeiro, e
lisonjeira e omitir os senões, além de
caminhando a par do progresso de outros
parcialismo nocivo, afigura-se-nos critério
povos.
Apenas
relembrar
a
este
insalubre e desvirtuoso da verdade real. E adversos que somos a esse género evocativo
Foi no dia 15 do corrente, que presenciei no
-isto é, o de realçar o agradável e
pitoresco sítio do Pico da Urze o mais
obscurecer o indevido -, reproduzimos este
repugnante espetáculo que tenho visto e que
vivo reparo e condenação da tourada a
me fez recordar o tempo dos Neros e dos
corda, em uso nesta ilha, no último quartel
Tibérios da antiga Roma!
do seculo findo: Imagine-se um boi preso pela cabeça por “Tinha ouvido falar com aplauso de alguns
uma grossa e pesada corda, a cuja
terceirenses com quem me encontrei na
extremidade
capital do reino dos afamados touros de
homens, que, na ocasião do animal ir
corda
um
esticando a corda, a puxam com tal
e
violência que o animal cai, algumas vezes
e
pareceu-me
divertimento
selvagem,
sempre bárbaro
anticivilizador.
pegam
quatro
valentes
embrulhado na corda pelos pés e mãos!
Chama-se a isto dar a pancada.
Para cúmulo de barbaridade e selvageria, o povo, que acompanha o animal, adiante e atras, dá-lhe amiudados pontaletes, com enormes varapaus, de que todos andam munidos.
Há, porventura, barbaridade maior ?
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É prazer que todos experimentam em dar
aquela protestando solenemente, e esta
bordoada e pontaletes no pobre touro!
negando licença, tais cenas não se dariam em descredito dos filhos da nobre ilha
Se me não dissessem que o povo terceirense
Terceira.
e ordeiro, pacifico, de bons sentimentos, e se eu o avaliasse naquela ocasião de
Os touros de praça, que ainda assim com
febricitante delírio, diria que é o povo de
justiça muita gente condena, podem-se
instintos mais ferozes que tenho conhecido,
admitir, porque em Portugal não tem a
pois estou certo que nenhum homem de
selvageria da Espanha, mas à corda, o
alma
horror!
bem
formada
pode
presenciar
impassível tao repugnante espetáculo.
Vi aqueles animais, vítimas da ferocidade do delirante momento, espumando sangue pela
boca
e
pelas
ventas,
arfando
continuamente do cansaço, moídos de pancadas e de mil torturas!
Quando o animal enfraquece, e que todos podem impunemente espicaça-lo com os
Há diferentes passatempos para o povo,
varapaus, ficando como o leão da fábula, o
mais inocentes, mais civilizadores, menos
entusiasmo sobe de ponto, redobram as
repugnantes,
torturas, e estou certo que os corações dos
selvagens.
menos
bárbaros,
menos
espectadores se expandiriam em alegria se porventura o vissem sucumbir.
São privativas da ilha Terceira as corridas de touros a corda; mas custa a crer que
Pela minha parte, protestei nunca mais
tantos cavalheiros que tem presidido a
presenciar semelhantes espetáculos, que
administração deste distrito, filhos de países
lamento sirvam de passatempo a um povo
onde não há semelhante selvageria, tenham
que se diz civilizado e que realmente o é.
com ela transigido e nenhum tratasse de lhe por cobro.
Se a imprensa local, para honra desta terra nobremente brasonada, se a autoridade
Não falaremos ainda no perigo que correm
superior do distrito, pelos seus sentimentos
os espectadores e de que as crónicas das
humanitários, se opusessem à repetição
touradas rezam: - muita cabeça quebrada,
destas cenas de selvageria e de barbaridade,
muito braço e perna partida, quando não
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achaques permanentes, que inutilizam para
um ato meritório e digno, os aplausos de
toda a vida os amadores!
todos os homens de sentimentos elevados e nobres.
Não sei descrever o horror que me causou aquele divertimento (?) a que concorreram
Agosto de 1883.
milhares e milhares de pessoas. Um continental 2
A antiga tourada a corda, pelo que se acaba de ler, revestia-se de aspetos que em nada abonavam, com efeito, a boa índole da gente terceirense. Ignoramos por quanto tempo ainda assim se maltratou o gado3. 1 Casa de empréstimos sobre penhores, vulgares nas cidades do Continente e que também no expirar do último seculo existiam em Angra. 2 Publicado, em rodapé, no semanário A Terceira, de 1 de Setembro de 1883.
Em se falando em touros é, um delírio, perdem-se interesses, larga-se o trabalho, vai para o prego
1
algum objeto de
3 O Dicionário Tauromáquico, editado em Lisboa, na última década do seculo findo, insere relato de uma “corrida a corda” na Fonte do Bastardo, já não castigando tanto o curro, mas ainda com acentuadas reminiscências do antigo costume.
indispensável uso domestico, porque o divertimento (?) tem uns certos acessórios, para cuja satisfação tudo e preterido.
Fonte: Merelim, Pedro (1986). Tauromaquia Terceirense. Angra do
Atribui-se ao tempo da dominação de Castela o costume de correr touros por tal
Heroísmo:
Delegação
de
Turismo de Angra do Heroísmo, pp 125-127
forma, costume que ficou inveterado nos hábitos do bom povo terceirense, e terá de lutar com a indisposição geral quem tentar acabá-lo.
Mas haja quem o consiga, que bem terá da civilização e de Deus, ligando o seu nome a
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