Terra livre 78 janeiro abril de 2016

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 78

JANEIRO/ABRIL DE 2016

NO DIA MUNDIAL DA ÁRVORE E DA FLORESTA A ÁRVORE NA REVISTA “O VEGETARIANO” CIÊNCIA ETAUROMAQUIA PRAÇA DE TOUROS CONSTRUIDA COM DINHEIROS PÚBLICOS


NO DIA MUNDIAL DA ÁRVORE E DA FLORESTA Hoje, 21 de março, comemora-se mais um Dia

Com a entrada de Portugal na 1ª Grande Guerra

Mundial da Árvore e da Floresta.

Mundial, as comemorações entraram em declínio e em 1923 o ministro da instrução pública tentou reanimá-la,

O Dia da Árvore, segundo alguns autores, foi instituído

sem grande sucesso. De qualquer modo naquele ano

a 10 de abril de 1872, no Estado do Nebrasca, nos

realizou-se a Festa da Árvore em pelo menos duas

Estados Unidos da América.

escolas de Ponta Delgada, a Escola Normal Primária de Ponta Delgada e a Escola Primária de São José.

Em Portugal, o culto da árvore foi institucionalizado com a implantação da República, que entre outros

Segundo José Neiva Vieira, durante o Estado Novo e

valores defendia o culto da árvore. Assim, foi criada a

até 1970 a Festa da Árvore não tem significado”

Associação Protetora da Árvore e anualmente passou a realizar-se a Festa da Árvore. Esta teve lugar, pela

Em 1970, a Direção Geral dos Serviços Florestais e

primeira vez, a 26 de maio de 1907, no Seixal, por

Aquícolas e a Liga para a Proteção da Natureza

iniciativa da Liga Nacional da Educação. Mais tarde,

propuseram que no âmbito de um conjunto de

entre 1912 e 1915, a Festa da Árvore foi organizada

iniciativas que estavam a promover se celebrasse o Dia

pelo jornal “Século Agrícola”.

da Árvore. A proposta foi aceite pela Secretaria de Estado da Agricultura e desde então até aos nossos dias passou a celebrar-se anualmente.

Em 1974, o Dia Mundial da Floresta foi comemorado oficialmente pela primeira vez, depois de a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura ter fixado a data de 21 de Março e a nova designação mais abrangente que a anterior.

Ao longo da história dos Açores várias pessoas e organizações têm chamado a atenção para os perigos da desflorestação ou para as consequências nefastas em termos patrimoniais para a perda da biodiversidade. Neste texto, que não pretende aprofundar o tema, apenas faremos referência a algumas personalidades e organizações

que

contribuíram

para

o

melhor

conhecimento da flora dos Açores ou alertaram para a destruição da Floresta Primitiva dos Açores.

O botânico, nascido na ilha Terceira, Rui Teles Palhinha (1871-1957) foi um dos pioneiros dos estudos


da flora dos Açores. Como resultado de diversas excursões botânicas publicou vários textos na revista

De entre as incitavas daquelas associações destaca-se

“Açoriana”, bem como noutras revistas nacionais e

um

internacionais. Das obras da sua autoria destaca-se o

apresentava a situação preocupante em que se

“Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores”,

encontrava a flora autóctone dos Açores e propunha

publicado, em 1966, pela Sociedade de Estudos

aos órgãos de poder nacional e regional, a criação de

Açorianos Afonso Chaves.

um plano de emergência para a salvaguarda da

abaixo-assinado,

lançado

em

1990,

que

vegetação natural dos Açores, A 30 de setembro de 1903, o padre vila-franquense Manuel Ernesto Ferreira (1880-1943) alertou para o

Entre as medidas positivas que desde algum tempo têm

desaparecimento de algumas espécies da “flora

sido implementadas, destaca-se alguma aposta na

indígena”, “umas definhando-se progressivamente,

propagação e plantio de espécies da flora açoriana e a

outras exterminadas pela mão do homem”. No mesmo

criação do Jardim Botânico do Faial que foi

texto, publicado na revista “A Phenix”, o Padre

inaugurado, em 1990, precisamente no Dia Mundial da

Manuel Ernesto Ferreira sugeriu a criação de viveiros

Floresta.

ou a sua colocação em jardins, pois segundo ele “a representação dos exemplares da flora indígena, ao

As comemorações anuais do Dia da Floresta só fazem

mesmo tempo que seria um ótimo serviço à ciência,

sentido se, a par das plantações que devem ser bem

mostraria o bom gosto de quem a fizesse e significaria

pensadas para que as árvores não tenham que ser

também um ato de veneração e respeito pelo passado”.

decepadas poucos anos depois por não serem adequadas aos espaços, se entretanto não tiverem

Hoje, fruto dos estudos desenvolvidos na Universidade

morrido de sede no verão seguinte, no referido dia ou

dos Açores e da pressão exercida pelas associações

nos

não-governamentais de ambiente, com destaque para a

importância das árvores que não se esgota na produção

Quercus e para os Amigos dos Açores, existe uma

de madeira e de outras matérias-primas.

anteriores

houver

uma

reflexão

sobre

a

maior consciência ambiental por parte de um setor, infelizmente restrito, da população e alguma, menos do

Termino com uma citação de Ernesto Bono: “Plante

que a desejada, dinâmica conservacionista por parte de

uma árvore sim, mas não para garantir isto e aquilo;

algumas entidades oficiais.

plante uma árvore, ou mais de uma, plante todas as árvores do mundo, mas simplesmente por carinho à árvore e por amor à natureza. E se não plantar, deixe então que a natureza se plante a si mesma”.

T. B. 21 de março de 2016


A ÁRVORE NA REVISTA “O VEGETARIANO” “O naturismo tem por base o culto da árvore” (Celso Xavier)

Coimbra, tinha como lema “Integrai-vos nas práticas salutares da Higiene Natural e gozareis

Na passada segunda-feira, a Fundação do Jardim José do Canto organizou uma Festa da Árvore e na próxima semana teremos um dia a ela

cem anos de vida sã” e a Sociedade Vegetariana de Portugal tinha como fins “criar cursos de instrução popular e educação cívica, diurnos e

dedicado, o Dia Mundial da Floresta.

noturnos, onde por meio de preleções se espalhem No texto de hoje vou socorrer-me da revista “O

e vulgarizem os princípios da alimentação vegetal,

Vegetariano”, publicada em 1914, por parte da

suprimindo

Sociedade Vegetariana de Portugal, para dar a conhecer a importância da árvore para os

o

desnecessário enaltecendo

de a

morticínio

antilógico

e

animais,

favorecendo

e

abnegação

por

amor

da

humanidade, da pátria, da família, do próximo e

seguidores daquele regime alimentar.

caridade para com os animais, combatendo o alcoolismo, o tabaco, os vícios e os erros, em geral, espelhando temperança nos hábitos e a morigeração dos costumes”. Em janeiro, a revista “O Vegetariano”, através de um texto assinado por C. Brandão, saúda o surgimento, em Lisboa, da Associação do culto da árvore” que visava “tanto proteger a floresta como o pomar” e incita “ os naturistas a se inscreverem na associação, apresentando entre outros os seguintes argumentos: “É fora de dúvida que a árvore, pelas suas raízes, pela sua madeira, pelas suas folhas, exerce uma ação benéfica nas terras, nas indústrias, no clima. Porém, acima de tudo – para nós, naturistas- há o fruto que nos garante a saúde do corpo e da alma, a depuração do indivíduo e da raça.” A revista “O Vegetariano”, dirigida pelo Dr. Amílcar

de

Sousa

(1876-1940),

médico

especialista em doenças de nutrição, licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de

No mês de março, José Fontana da Silveira (18911974), escritor que se distinguiu pelos livros para crianças que publicou, traduziu um texto de André Fleuriet, onde este sobre a árvore escreveu o


seguinte: “ Uma árvore bonita é um prazer para os

Através do mesmo texto ficamos as saber que o

olhos, e milhares de árvores constituem o bosque,

autor não se ficava pelas palavras, como se pode

manto de terra e riqueza dum país! Um país que

confirmar através do texto seguinte: “Ainda ontem

não tem árvores é um país morto!...Quem planta

estive a comer figos numa figueira empoleirado.

uma árvore é um benfeitor da humanidade; quem

Que deliciosos eram…Com os pés sem sandálias,

as destrói inutilmente é um criminoso”.

não escorregava dos ramos, com uma mão agarrava-me, com a outra levava os figos…à

No mês de outubro, a revista dedica um curto

boca.”

texto a elogiar o livro “O Culto da Árvore” da autoria de Manuel Vieira Natividade (1860-1918), historiador, arqueólogo, etnólogo e poeta de Alcobaça. Segundo o Dr. Amílcar de Sousa, o livro, “escrito para a festa das crianças da sua terra, é um dos mais perfeitos e úteis elogios à árvore que tenho lido”, onde o autor “esgotou o assunto sobre o valor comercial e cósmico, da árvore e do seu culto, felizmente posto em voga nos tempos de hoje como símbolo da alegria e fartura, de bondade e de bênçãos”.

Por último, no mês de novembro, o Dr., Amílcar de Sousa escreve um curioso texto intitulado “A única ginástica que convém aos homens é trepar às árvores”, onde confessa o seguinte: “Sei andar a pé, subir a árvores, encarrapitar-me nelas quando têm frutos e trepar cerros e penhascos abruptos. Sei qualquer coisa de ginástica natural e

Termino desejando boas plantações, a quem nunca

com ela tenho conseguido mais força e vigor que

o fez que experimente visitar um pomar e comer

alguns sábios de afamados métodos.

os frutos apanhados das árvores e, por último, que tenham muito cuidado com os trambolhões que

Segundo o Dr. Amílcar de Sousa a “única

poderão ocorrer com subidas às árvores.

ginástica valiosa e proveitosa é trepar ou subir às árvores” pois não fica nenhum músculo por ser

Teófilo Braga

exercitado, mas “para isso é preciso ter força e

(Correio dos Açores, 30886, 16 de março de 2016,

jeito, equilíbrio e mesmo ainda não ter perdido o

p. 12)

feitio arborícola”.


CARTA ABERTA- CIÊNCIA E TAUROMAQUIA VEGETARIANO” Exma. Senhora

estranheza e indignação pela presença de uma conhecida ganadeira que como todos sabemos

Dr.ª Nélia Rebelo

aluga e vende touros para touradas à corda e de

Presidente do Conselho Executivo

praça.

da Escola Básica e Integrada de Angra do Heroísmo

O conhecido pedagogo francês Freinet, sobre a educação escreveu que o principal fim “é o crescimento pessoal e social do indivíduo, elevar a criança a um máximo de humanidade preparandoa a não apenas para a sociedade atual, mas para uma sociedade melhor, fazendo-a avançar o mais possível

em

conhecimento

num

constante

desabrochar”.

Pode Vossa excelência não concordar com as ideias e com a pedagogia de Freinet, mas acho que qualquer pessoa de bom senso pode rever-se no fim enunciado. Assim sendo, gostaria que Vossa Exª refletisse sobre que contributo poderá dar a Recebi na minha caixa de correio um apelo para

referida

conferência

para

o

conhecimento

que enviasse, a V. Exª, um e-mail a contestar a

científico das crianças, como pode a divulgação e

integração de uma conferência intitulada a “A

banalização da tortura mais ou menos suave

importância da festa Brava na ilha Terceira” no

contribuir para a formação pessoal de uma criança

programa da XIV Semana da Ciência, promovida

e, por último, como pode a mesma contribuir para

pelo Departamento de Ciências da EBI de Angra

a formação de pessoas mais humanas numa

do Heroísmo.

sociedade futura que queremos melhor, isto é onde haja respeito por todos os seres vivos que com os

Embora esteja convencido de que se tratará de

humanos partilham a vida na terra.

uma perda de tempo da minha parte já que a mesma terá tido a concordância do Conselho

Com os melhores cumprimentos

Pedagógico da Escola e da própria Secretaria Regional da Educação que era uma das entidades que terá estado presente na sessão de abertura da referida semana, venho manifestar a minha

Teófilo José Soares de Braga


PRAÇA DE TOUROS CONSTRUÍDA COM DINHEIROS PÚBLICOS

Em 1983, começou a construção da atual praça de

Com a “mania” das grandezas, os promotores

touros da ilha Terceira, cujo projeto foi da autoria

fizeram uma praça maior do que a do Campo

do Eng.º Fernando Ávila e a primeira fase foi

Pequeno, mais dois metros de diâmetro, com 28

adjudicada por 25 mil contos à firma Matos &

camarotes e com uma lotação de 5.028 lugares,

Santos.

destes 4720 destinam-se a venda e 308 destinados às autoridades. Mas a cereja no topo do bolo ou o cúmulo da hipocrisia está na presença de uma capela que tinha como orago Nossa Senhora do Pilar.

A praça da tortura era (é) pertença da Sociedade Tauromáquica Progresso Angrense- promotora de espetáculos taurinos, SARL, sendo a Tertúlia Tauromáquica

Terceirense

um

dos

sócios

fundadores.

De acordo com o historiador Pedro de Merelim, “o redondel custou 50 milhões de escudos. O Executivo Regional comparticipou com 17.500 contos e o industrial Manuel de Sousa Mancebo, radicado em Tulare desde 1922, comprou ações no No ano seguinte, em 1994, o centro de tortura de Angra do Heroísmo, foi inaugurado no dia 21 de junho, tendo assistido à cerimónia pessoas sem coração, como o ministro da República, general

valor de 16.500.000$” e como se não bastasse o dinheiro de todos nós dado pelo governo “a Camara Municipal, por si, cedeu o terreno necessário a construção”.

Conceição e Silva; o presidente do Governo Regional dos Açores, Dr. Mota Amaral e Manuel de Sousa Mancebo, o maior acionista da Praça, emigrante nos Estados Unidos.

De acordo com a ata nº 5/2015, da Reunião da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, realizada no dia 6 de março de 2015, ficou decidido, por unanimidade, “Doar à Sociedade Progresso Tauromáquica Terceirense, com o NIPC 512009481 e sede na Avenida Jácome de


Bruges,

o

direito

de

propriedade

plena

outras

atividades

que

visem

a

respetiva

relativamente ao prédio onde se encontra edificada

sustentabilidade económico financeira, sob pena

a Praça de Toiros da Ilha Terceira, correspondente

da respetiva resolução caso se verifique o

ao lote n.º 1, inscrito na matriz sob o artigo 1381

incumprimento

provisório, sito na Avenida Jácome de Bruges,

consequência a reversão do prédio objeto de

referente ao loteamento titulado pela Certidão

doação para a esfera jurídica do Município, nos

emitida pelos serviços municipais, no dia 1 de

termos do artigo 960.º do Código Civil”.

desta

obrigação,

tendo

por

outubro de 2014, atribuindo para efeitos do mesmo contrato o valor de € 200.000,00 (duzentos

5 de abril de 2016

mil euros). José Ormonde

O que é a Ecologia Social?

Para além da deliberação anterior a Câmara “exige” que o fim principal seja a tortura de animais, como se poderá ver pelo ponto dois da referida deliberação: “ Incluir no contrato de doação uma cláusula que limite o fim de utilização do mesmo lote à manutenção e funcionamento em pleno da Praça de Toiros da Ilha Terceira para o exercício de atividades taurinas, sem prejuízo de

Tenho afirmado com muito cuidado o uso que faço do termo social, quando trato de questões ecológicas, para introduzir outro conceito fundamental: nenhum dos principais problemas ecológicos que enfrentamos hoje pode ser resolvido sem uma profunda mudança social. Esta é uma ideia cujas implicações não foram plenamente assimiladas pelo movimento ecológico. Levada a conclusão lógica, significa que não se pode pensar em transformar a sociedade presente gradativamente com pequenas mudanças. Estas são freadas que podem apenas reduzir a louca velocidade com a qual a biosfera é destruída. Certamente, devemos ganhar o maior tempo que pudermos para evitar a destruição, entretanto o biocídio prosseguira a não ser que possamos convencer as pessoas de que é necessária uma mudança radical e que nos organizemos para tal fim. Deve-se aceitar que a atual sociedade capitalista precisa ser substituída pôr aquela que chamamos de sociedade ecológica, isto é, uma sociedade que implique nas radicais mudanças sociais indispensáveis para eliminar os abusos ecológicos.

Murray Bookchin


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