TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 79
MAIO/AGOSTO DE 2016
FESTAS DO ESPÍRITO SANTO E TOURADAS EM MEMÓRIA DE PAULO VARELA GOMES TOURADAS À CORDA E PIB O VEGETARIANISMO É UMA MODA? ÚLTIMOS COMUNICADOS
FESTAS DO ESPÍRITO SANTO E TOURADAS Os defensores das touradas à corda, nomeadamente
mencionado, o insuspeito historiador terceirense
aqueles que querem que aquela brutalidade seja
Frederico Lopes, no seu livro Notas Etnográficas,
considerada património imaterial da humanidade,
afirmou que as touradas à corda são o “remate certo de
pretendem fazer crer que não há festas do Espírito
todas as festas, quer religiosas quer profanas”.
Santo sem touradas à corda. Como
afirmou
Frederico
Lopes
a
indústria
tauromáquica também associou touradas às festas do Espírito Santo, mas como se verá a seguir nem sempre às de corda. Com efeito, uma consulta ao jornal “O Angrense”, que se publicou na ilha Terceira entre 1836 e 1910, verifica-se que se realizavam touradas de praça para apoiar impérios e claro os ganadeiros e outros.
A título de exemplo, abaixo transcrevemos as Se formos às origens das festas do Espírito Santo em
seguintes notícias:
Portugal Continental ou mesmo nas várias ilhas dos
“Realiza-se amanhã, 30, uma corrida de touros, na
Açores facilmente se concluirá que tal não corresponde
praça de São João em benefício do Espírito Santo de
à verdade. Com efeito, consulte-se os micaelenses
S. João de Deus” (O Angrense, 3 de agosto de 1874).
Armando Corte Rodrigues ou Aníbal Bicudo e não
“Deve realizar-se, no próximo domingo, a corrida de
verão qualquer referência a touradas nas festas do
touros, na praça de S. João, em benefício do Império
Espírito Santo. De igual modo, sendo a introdução das
dos Quatro Cantos” (O Angrense, 31 de outubro de
touradas em São Jorge e na Graciosa datadas do século
1875)
passado, a partir da Terceira, prova-se que só passou a haver associação entre as duas coisas a partir de então.
Embora desconheçamos mais pormenores, parece-nos que no passado há algo de diferente com o que se
Na ilha de São Miguel, sendo a reintrodução das
passa hoje. Assim, se no passado as touradas, embora
mesmas mais recente, também se confirma que só por
condenáveis, eram de beneficência, isto é, em princípio
oportunismo da indústria tauromáquica e falta de fé, de
destinavam-se a financiar os impérios, hoje, com a
compaixão, de educação e de escrúpulos, por parte dos
inclusão das touradas nos programas dos impérios o
mordomos de algumas irmandades é que se associam
objetivo é precisamente sacar dinheiro dos irmãos ou
impérios do Espírito Santo a touradas à corda que até,
da irmandade, que se devia destinar à solidariedade
em abono da verdade, não o são.
com os mais desfavorecidos, para o entregar a uma indústria anacrónica e imoral.
Se formos à ilha Terceira, onde as duas coisas parecem estar intimamente associadas, a verdade é que tal se
Face ao exposto, por que mantém um silêncio
deve ao oportunismo da indústria tauromáquica que se
cúmplice a hierarquia da Igreja Católica?
aproveita da ingenuidade, da deseducação e do vício das pessoas para sacar dinheiro. A confirmar o
José Ormonde, Açores, 26 de maio de 2016
EM MEMÓRIA DE PAULO VARELA GOMES “Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?” (Paulo Varela Gomes)
Num texto publicado no jornal Público intitulado “Morrer como um touro”. Paulo Varela Gomes manifesta-se contra a criação por parte do Ministério da Cultura de uma seção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, alegando que se tratava de uma tradição que devia ser mantida.
No passado sábado, dia 30 de abril, faleceu o historiador, escritor e jornalista Paulo Varela Gomes
De entre os argumentos dos defensores das touradas,
que nasceu em 1952. Era filho de João Varela Gomes e
Paulo Varela Gomes refere-se ao da tradição nos
Maria Eugénia Varela Gomes, dois combatentes pela
seguintes termos:
liberdade e opositores ao Estado Novo. “Mas a tradição é mais antiga, do tempo em Enquanto lutava contra um cancro, escreveu um
que humanos e animais lutavam na arena para
magnífico texto que merece uma reflexão de todos nós
excitar os nervos da multidão com o sangue e
que, transitoriamente, habitamos neste planeta, tão
a morte anunciada. A piedade, que é um valor
maltratado, intitulado “Morrer é mais difícil do que
mais antigo do que Cristo, veio, na sua
parece”.
interpretação cristã, salvar disto os humanos. Esqueceu-se, porém, dos animais”.
Do referido texto, publica-se, abaixo, um excerto: E acrescenta: «A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie de maré pacífica,
“…Por desespero, coragem ou raiva (não é o
um grande e largo rio. Na vida é sempre
mesmo?), o touro arremete pela última vez.
manhã e está um tempo esplêndido. Ao
Em Espanha morre. Aqui, neste país de
contrário da morte, o amor, que é o outro
maricas, é levado lá para fora para, como é
nome da vida, não me deixa morrer às
que se diz? ah sim: ser abatido. A multidão
primeiras: obriga-me a pensar nas pessoas,
retira-se humanamente, portuguesmente, de
nos animais e nas plantas de quem gosto e que
barriga cheia de cultura portuguesa, na
vou abandonar”.
tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou.”
De entre os vários combates que travou ao longo da vida, integrado em organizações estudantis, políticas,
Teófilo Braga
sindicais ou individualmente, não podemos esquecer a
(Correio dos Açores, 30925, 4 de maio de
defesa dos animais, sendo de destacar a sua
2016, p.13)
clarividente opinião relativa à tauromaquia.
TOURADAS A CORDA DA TERCEIRA E O PIB Este texto terá duas partes, na primeira faremos uma breve referência ao PIB que para alguns
avaliação de um País a um número, isso não faz nenhum sentido”.
autores é um indicador medíocre e ultrapassado, na segunda reagiremos a um estudo sobre o contributo das touradas para o PIB dos Açores e para a desgraça da sua economia.
A título de exemplo, enumeramos algumas atividades económicas que poderão contribuir para o aumento do PIB mas que em nada beneficiam a qualidade de vida das suas populações, como a indústria de armamento durante as guerras declaradas ou não que é responsável pela destruição de muito património e pela morte de milhares de vidas inocentes ou o crescimento da indústria mortuária associado à guerra ou a acidentes em larga escala, como o de Bophal ou outros.
As deficiências apontadas ao PIB fizeram com que a partir de 1993 o Programa das Nações 1- O PIB
Unidas para o Desenvolvimento passasse a usar
De acordo com alguns autores do PIB- Produto
outro indicador, também alvo de algumas críticas,
Interno Bruto, indicador que “reflete o valor total
o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
da produção de bens e serviços em um país em um
que é obtido a partir de informações sobre a
determinado período”, surgiu na década de 30 do
esperança de vida ao nascer, a educação e o PIB.
século passado nos Estados Unidos da América e depois da Segunda Guerra Mundial passou a ser
2- O PIB DAS TOURADAS
usado em todo o mundo. A abertura da época da tortura animal, que ocorre O Doutor Ladislau Dowbor numa entrevista que
anualmente a 1 de Maio, este ano teve a novidade
concedeu, em 2014, sobre o PIB disse o seguinte:
da divulgação de um estudo que apresentou o
“o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a
contributo das touradas para o PIB. Segundo o
medir a velocidade que a máquina gira, mas não
mesmo, as touradas à corda movimentam verbas
diz o que ela produz, com que custos ambientais e
que correspondem a 2,74% do PIB dos Açores e a
nem para quem. É ridículo tentar reduzir a
11,4% do PIB da ilha Terceira, no ano de 2015.
Olhando friamente para os números e comparando
que contribuem para melhorar a vida das pessoas
com outros, como é o caso do setor leiteiro que
os seguintes contributos para o PIB mencionados
diz-se que contribui com uma quota de 9% para o
no estudo: o dinheiro pago aos ganadeiros
PIB regional, facilmente se conclui que algo há de
(transferência de dinheiro para particulares), o
errado nestes números. Com efeito, para além de
pagamento de licenças (transferência de dinheiro
estarmos em presença de métodos diferentes de
para as autarquias), o consumo de comidas e
fazer os cálculos, parece-nos que os números
bebidas (na maioria a partir de produtos
apontados para as touradas são um perfeito
importados e que aconteceria na mesma se a
disparate que nenhum economista se deu ao
tourada fosse substituída por outra atividade
trabalho de contestar. Sem fazer cálculos, quem
festiva) ou o combustível e o desgaste de veículos
conhece a realidade da economia regional e o peso
de quem se desloca para as touradas (que estarão
das duas atividades, facilmente, chegará à
associados a um aumento da importação de
conclusão de que, se as touradas contribuem com
derivados do petróleo e de carros ou peças para os
2,74%, o setor leiteiro ultrapassará os 100%.
mesmos).
Para rematar os seus cálculos com chave de ouro, o estudo também devia apresentar os custos com as despesas com as ambulâncias e com os tratamentos dos feridos, bem como com os funerais pois, como se sabe, também ocorrem mortes nas touradas.
Enfim, desgraçada a economia que se baseia em despesas e não em criação de riqueza. Mas,
não
perderemos
tempo
a
esgrimir
argumentos nem números, pois como se sabe a bota não bate com a perdigota. O que faremos de seguida é mostrar que a grande maioria das parcelas das touradas para o PIB são atividades improdutivas ou no máximo de transferência de dinheiros de uns para os outros, onde não é criada qualquer riqueza.
Antes de mais, importa mencionar que tal como acontece com qualquer tipo de espetáculo, as touradas não são uma atividade produtiva, não contribuindo em nada para a economia real. Será
José Ormonde, 9 de julho de 2016
O VEGETARIANISMO É UMA MODA “Embora eu tenha sido impedido pelas circunstâncias exteriores de observar uma dieta estritamente vegetariana, eu tenho sido desde há muito um adepto da causa, em princípio. Além de concordar com os objetivos do vegetarianismo por motivos estéticos e morais, é a minha opinião de que uma forma de vida vegetariana, pelo seu efeito puramente físico no temperamento humano, seria mais benéfica influência no destino da humanidade. (Albert Einstein)
vegetarianos, os vegetarianos puros, os veganos, os frugívoros e os crudívoros.
Como através da designação da maioria das diversas categorias é fácil identificarmos os alimentos que são “autorizados” para os seus seguidores, apresentamos, a seguir, apenas a diferença entre vegetarianos puros e veganos. Assim, enquanto os vegetarianos puros apenas excluem da sua alimentação todos os produtos de
Neste
texto
tento
explicar
o
que
é
o
origem animal, os adeptos do veganismo seguem
vegetarianismo e depois procuro demonstrar que
um filosofia e estilo de vida que busca excluir
tenho fortes razões para pensar que a opção por
todas as formas de exploração e crueldade contra
aquele regime alimentar não é uma moda dos
animais não só na alimentação, mas também no
tempos atuais.
vestuário, etc. Alem do referido, também não usam produtos testados em animais e condenam todos os espetáculos onde os animais são explorados (torturados) para divertimento (circos, touradas, delfinários, etc.)
De acordo com o Centro Vegetariano, associação
Relativamente ao facto da opção por uma dieta
cujo
vegetariana ser uma moda e como tal passageira,
fim
é
a
“divulgação
do vegetarianismo e
e
promoção
veganismo,
nas
suas
saúde,
ecológicas
recorda-se que, segundo alguns autores, o
e
vegetarianismo surgiu há cerca de 5 milhões de
económicas” um vegetariano é uma pessoa “que
anos atrás e ao longo da história tem sido seguido
se alimenta basicamente de grãos, sementes,
por muitas pessoas.
vertentes
éticas,
de
vegetais, cereais e frutas, com ou sem o uso de lacticínios e ovos. Os vegetarianos excluem o uso de todas as carnes animais, incluindo peixe”.
Entre
os
vegetarianos
existem
várias
subcategorias, como os ovo-lacto-vegetarianos, os lacto-vegetarianos, os lacto-vegetarianos, os ovo-
Tal como acontecia em Portugal continental onde,
vegetarianismo/veganismo está a aumentar pois
segundo Sílvia Ferreira e Nuno Metello, num
têm vindo a crescer o número de estabelecimentos
texto intitulado “O vegetarianismo ao longo da
comerciais que se dedicam a vender produtos para
história da humanidade”, os habitantes das aldeias
vegetarianos/veganos,
continuavam a ser principalmente vegetarianos,
restaurantes
consumindo produtos de origem animal apenas
vegetariana nos seus menus, a comunicação social
ocasionalmente
ocasiões
anunciou recentemente a intenção de uma empresa
especiais), entre nós tal também acontecia pelo
de refeições veganas, dos EUA, de instalar em
menos até meados do século passado, onde por
Santa Maria da Feira uma unidade industrial que
exemplo a carne de vaca só era comida aos
criará 600 postos de trabalho, onde haverá um
domingos ou por ocasião das festas religiosas.
investimento de 60 milhões de euros.
(geralmente
em
com
há
pelo
cada
vez
mais
menos
uma
opção
Para além do referido, entre nós, já está legalizada e em fase de instalação uma associação vegana, a Vegaçores – Associação Vegana dos Açores, que no passado dia 9 de julho conseguiu a proeza de juntar num jantar, em São Miguel, 80 pessoas. Como movimento cívico organizado, em Portugal, o vegetarianismo teve alguma divulgação através da Sociedade Vegetariana de Portugal, fundada em 1911, que tinha sede na cidade do Porto. A sua revista mensal, de excelente qualidade para a época, intitulada “O vegetariano”, chegava aos Açores onde viviam meia dúzia de assinantes em várias ilhas.
Alguns autores referem que não há, a nível mundial, estatísticas confiáveis que permitam
Face ao exposto, penso que, sendo uma moda
afirmar
“uma maneira
com
alguma
segurança
quantos
ou
costume
mais
vegetarianos existem. No nosso país apenas
predominante em um determinado grupo em um
conhecemos
estudo
determinado momento”, quando se fala em
Centro Vegetariano que
vegetarianismo/veganismo está-se a falar num
os
resultados
encomendado pelo
de
um
apontava para a existência, em 2007, de 30 000
regime alimentar/filosofia de vida em expansão.
vegetarianos. Teófilo Braga Não havendo dados atualizados, acreditamos que o
número
de
pessoas
que
optam
pelo
ÚLTIMOS COMUNICADOS NEM MAIS UM EURO PARA O NÚCLEO REGIONAL DOS AÇORES DA LIGA PORTUGUESA CONTRA O CANCRO
A BENEFICÊNCIA COMO PRETEXTO PARA A TORTURA
Está prevista a realização de uma tourada de praça, no próximo dia 29 de maio, organizada pelo Núcleo
O CAES- Coletivo Açoriano de Ecologia Social é
dos Açores da Liga Portuguesa Contra o Cancro
uma organização não formal que defende que é
com a colaboração da Tertúlia Tauromáquica
fundamental o respeito do homem para com os
Terceirense e respetivos forcados.
restantes animais domésticos e selvagens, sendo para tal imprescindível promover uma educação,
De acordo com a organização a receita reverterá
cultura e legislação que garantam os direitos dos
para a criação de uma bolsa de investigação em
animais. Na sociedade que defende não são
oncologia.
aceitáveis pretensos espetáculos onde se torturem animais, como as touradas.
Tendo em conta que há mil um processo de angariar fundos para as pessoas que sofrem com
O CAES repudia e condena veemente a aceitação
doenças oncológicas sem o recurso à tortura de
por parte do Governo Regional dos Açores da
animais, a iniciativa do Núcleo dos Açores da Liga Portuguesa contra o Cancro, para além de mostrar a falta de sensibilidade dos seus dirigentes da ilha Terceira, descredibiliza aquela organização.
verba resultante dos lucros obtidos através da realização
de
uma
tourada
sangrenta,
não
compreendendo como em pleno século XXI ainda há pessoas que se deliciam com práticas
O CAES – Coletivo Açoriano de Ecologia Social
retrógradas e antieducativas
desenvolverá esforços para dar a conhecer, a todos os humanos de bom coração, esta iniciativa repugnante e apelará a que os açorianos não
O CAES continuará a sua luta contra o atual modelo de produção e consumo que é responsável
contribuem com as suas economias para alimentar
pela violação dos direitos humanos e ambientais
uma instituição que não tem quaisquer escrúpulos
da maior parte da humanidade, sendo também
em maltratar animais com o pretexto de estar a
responsável pelo sofrimento infligido aos animais.
apoiar humanos que para além dos seus problemas de saúde também sofrem ao verem animais a serem torturados. Açores, 3 de maio de 2016
Açores, 26 de maio de 2016