TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 80
SET/OUT DE 2016
ENERGIAS RENOVÁVEIS FERRO ALVES E OS TOUROS GOYA E A TAUROMAQUIA OS ESCUROS NEGÓCIOS DA INCINERAÇÃO DISPARATES
ENERGIAS RENOVÁVEIS Energias renováveis. Como os Estados se apropriam do sol e do vento
Por seu turno, a barragem em construção na foz do Tua irá inundar uma grande extensão de território e o seu enorme custo, favorecendo a indústria da obra
Reina pela Europa uma euforia resultante de se começarem a verificar dias em que todo o consumo energético tem origem em fontes
pública,
poderia
ser
evitado
pela
descentralização local com centrais de painéis solares ou captações eólicas, com muito menos danos na paisagem e custos inferiores.
renováveis, prescindindo-se, portanto, da queima de combustíveis fósseis. Regozijamo-nos como isso, naturalmente.
“Já destruir um dos vales mais bonitos do país, inundar o troço de linha mais espectacular da ferrovia nacional, cortar mais de 14 000 sobreiros
Porém, se o objetivo é virtuoso, a geminação entre grandes empresas e Estados preenche o caminho de poluição.
e azinheiras, permitir que se enterrem mais de 370 milhões de euros numa obra que vai produzir 0,5% de eletricidade é totalmente racional, bom para o ambiente e para a economia. ”[1]
Há uns 20 anos salvou-se por pouco o vale do Coa e as suas pinturas rupestres. A EDP, para desarmar os argumentos dos ambientalistas, encontrou quem apresentasse um “estudo” onde constava que as pinturas rupestres eram afinal, obra de pastores do século XIX; desconhecemos se houve sanções aos responsáveis pela tentativa de burla. As torres eólicas são colocadas por aí, sem
Mais azar coube às pinturas rupestres submergidas
respeito algum pela paisagem, mesmo em lugares
pela barragem do Fratel, no tempo do fascismo.
de procura turística. Quem conhecer a aldeia histórica de Sortelha deparará, a partir das suas muralhas a colocação destoante e impressiva de eólicas; o que não passará desapercebido aos turistas, que pensarão serem os responsáveis políticos em Portugal completamente dementes.
E, para terminar, no México, a procura de energias renováveis
impediu
uma
comunidade
de
pescadores de exercer a sua atividade porque a saída para o mar ficou bloqueada por uma instalação de produção de energia pela ação das marés. É o “pugresso” diria o impagável Cavaco,
esse símbolo máximo do regime cleptocrático
empresas que, para cúmulo, são pagos com o
vigente.
produto dos impostos, mesmo daqueles que recorreram a produção própria. A questão é que a
Todos os grandes empreendimentos energéticos são largamente subsidiados pelos estados que, assim, favorecem as grandes empresas produtoras; sem que se observem na fatura da eletricidade impactos
favoráveis
aos
consumidores.
As
competências no âmbito das renováveis e a carteira de adjudicações obtida nos EUA foram determinantes para que a chinesa Three Gorges
produção destas contribui para o PIB e a sua distribuição às
residências é onerada
com
impostos, para a alegria da classe política; inversamente, o aquecimento da água ou o consumo
elétrico
baseado
em
instalações
domésticas não paga IVA não contribui para o orçamento e não acrescenta nada no PIB, imaginese!
tenha comprado a parte pública na EDP e posto o Mexia a falar mandarim.
O amor da classe política pelas energias renováveis passa pelo mercado, pela concentração em grandes empresas, que se posicionam entre os consumidores, de um lado e o sol e o vento, do outro, para garantirem lucros e rendas; e não tem de ser assim. Com o custo financeiro da acima referida barragem no Tua seria possível instalar
Um dia inventarão que o sol ou o vento têm de ser
seis painéis solares em cada um de 123000
utilizados com contenção, como bens… perecíveis
telhados já contabilizando o santo IVA ou,
e aplicarão uma taxa por cada painel solar no
preencher o espaço de uns 40 campos de futebol
telhado e estabelecerão uma métrica qualquer para
com painéis, com uma potência total de 185 MW.
que cada família tenha de pagar pela energia autoproduzida. Basta para isso que Bruxelas aperte com o valor do deficit, que as elétricas
É fácil comprar e instalar painéis solares para aquecimento de águas e produção energética, mesmo com as limitações legais de um máximo de
vejam a procura estagnada ou que o capital financeiro exija maior recurso à dívida por parte do Estado português.
1500 W potenciais (cerca de seis painéis) para não prejudicar
os
distribuidores
de
eletricidade,
[1] vergonhanacional http://expresso.sapo.pt/economia/2016-08-30-A-debil-pouco-
coitados. A aquisição dos painéis é onerada com a
atrativa-e-insustentavel-linha-do-Tua-finalmente-desativada
taxa usurária de IVA (23%) como se de um bem
Texto completo aqui: http://graziatanta.blogspot.pt/2016/09/o-pib-o-imi-e-outrosmodos-de.html
supérfluo ou de luxo se tratasse, o que evidencia a consciência ambiental dos governos; em contraste evidente com os subsídios dados às grandes
FERRO ALVES E OS TOUROS O jornalista e advogado Ferro Alves que esteve
atitudes
simiescas,
nos Açores como deportado, onde participou na
encarrapitando-se nos últimos ramos, como se o
“Revolta dos Açores e da Madeira, em 1931, antes
toiro fosse um animal trepador. A praça fica
de aderir ao salazarismo, esteve na ilha Terceira
deserta
durante quinze dias, tendo assistido a uma tourada
dramatismo. Contraídos e anelantes, como nas
que descreveu no seu livro “A Mornaça”,
tardes famosas de Madrid, em que Belmonte
publicado em Lisboa em 1935.
alterna com Cagancho, aguardamos a aparição do
e
respira-se
trepam
um
ar
às
árvores,
pressago
de
toiro, fumegando cólera e bramindo vingança. Aqui vai um relato do que viu: “Na praça da terra reúnem-se todos os habitantes no meio de uma chinfrineira aguda empunhando
Afinal surge o cornúpeto, que não é toiro, mas
cacetes e com mais abundância guarda-chuvas,
simplesmente um novilho, e bastas vezes, uma
Esse instrumento antipático e avelhado disfruta
raquítica vaca, muito enfastiada por ver-se metida
aqui de irresistíveis simpatias. Nas janelas
em zaragatas. Pois, senhores, e aqui reside o
apinham-se cachos humanos chilreantes…”~
ineditismo do espetáculo, o tal novilho de poucas carnes e de insubsistente acometividade, vem amarrado por uma longa corda de quinze ou vinte metros. O pobre bicho de olhos chorosos, autenticamente bovinos, acossado pelo gritério, dá uma corridita até ao meio da praça, estaca de repente
assustado
soltando
uns
mugidos
lancinantes, em que bramam desejos insatisfeitos duma boa ração de favas. Aproveitando a “O cacique local com aspecto importante – as ilhas estão pejadas de odiosos caciques – dirige a função. Munido de uma corneta, ou búzio, o soba do povoado dá o sinal para começar a festa. As mulheres, que no mais recôndito das suas almas escondem a sua adoração pela tragédia, cerram os olhos, soltando uns ais terroríficos de parturientes. Os homens atacados dum pânico súbito fogem em todas as direcções. Alguns, com pronunciadas
indecisão do animalzito nostálgico duma verde campina, onde possa saciar a sua fome, os populares mais atrevidos lançam-se à praça com a chaqueta numa mão e o obcecante guarda-chuva na outra. Com estes singulares atavios, que substituem a muleta e as bandarilhas citam o pachorrento animal, que exala uns quantos gemidos a ver se não o metem em sarilhos.
Animados pela mansidão do cornúpeto, los diestros, puxam-lhes o rabo, espicaçam-no com a
Felizmente a mornaça contamina não só os
ponta das malditas sombrinhas, provocam-no com
homens como os animais. O novilho a breve
lenços escarlates.
trecho se fatiga, para tristonho e rendido entregando-se sem combate à fúria vencedora dos
O animal resolve-se finalmente a investir depois
seus inimigos. Docilmente deixa-se conduzir ao
de laboriosa deliberação. Os artistas abandonam a
curral, com um olhar resignado, de quem pede
presa e os instrumentos de combate. Se porventura
perdão por ter magoado o traseiro de algum
o triste novilho consegue alcançar algum dos seus
diestro menos veloz. Creio que nestas touradas,
algozes, rasgando-lhe com uma cornada o
apesar de frequentes, nunca houve colhidas que
fundilho das calças, o gentio delira. Há palmas e
demandassem mais do que um pouco de álcool
vivas, desmaios e chiliques. Os marmanjões que
para friccionar as nádegas dos campónios.
sustentam a corda que prende o bicho puxam dela desesperadamente
imobilizam
Nestas touradas somente tomam parte como
este
num
aficionados elementos populares. Os filhos dos
movimento ocasional se volta, enfrentando-se com
sobas e régulos, classifico assim os personagens
os moços de corda, então o pânico é indescritível.
locais, abstêm-se de participar nestes folguedos. A
completamente
o
até
que
bicharoco.
Se
sua seriedade de jarrões impede-os de se misturarem a tudo o que seja dinamismo.
O espetáculo termina com a lide de alguma vaca, mãe respeitada de numerosa prole. Insensível aos guarda-chuvas e às chaquetas permanece estática no meio da praça entre as chufas da multidão. Para arrancá-la à sua passividade chegam a picá-la com sovelas. Eu vi uma tão pachorrenta, que um indígena no meio do entusiasmo da assistência, puxava-lhe cinicamente as orelhas. Com a descrição das célebres touradas à corda, cremos dar uma ideia nítida da maneira como a mornaça transforma em insipidez, os mais emocionantes espetáculos. Um autêntico salve-se quem puder. Os muros e as
Açores, 12 de setembro de 2016
árvores são impotentes para conter a correria vertiginosa, alucinada, dos pretensos campinos. Chiam como ratazanas aprisionadas na ratoeira.
José Ormonde
GOYA E A TAUROMAQUIA
Muito recentemente adquiri a publicação “A Vida
aquele
e a Arte de Goya”, inserida na publicação
tauromáquica.
terá
sido
um
crítico
da
violência
quinzenal “Iniciação – Cadernos de Informação Cultural”, editada, em 1943, pelo Professor
José Manuel Matilla, conservador do Museu do
Agostinho da Silva.
Prado, referindo-se a uma exposição sobre Goya que esteve patente naquele museu escreveu:
Francisco José de Goya y Lucientes (1746 - 1828) foi um pintor e gravador espanhol que, segundo
"A crítica romântica apresenta um Goya
Agostinho da Silva, embora mantendo relações
taurino, que inclusive na juventude chegou
com gente da corte não perdeu a independência e
a tourear, mas essas gravuras são uma
o “gosto de livre crítica”, continuando a ser um
grande
“homem do povo do nascimento à morte”.
especialmente pela enorme violência para
crítica
à
tauromaquia,
toureiros e cavalos. A série termina com a Nos últimos anos da sua vida, “apesar da velhice e
morte de Pepe Hillo na Praça de Madrid,
da doença, a sua capacidade de trabalho não
o mais famoso toureiro, que levou à
diminui” tendo gravado “os Provérbios e a
proibição de touradas. Para Goya, as
Tauromaquia”
touradas não são ações heroicas, mas sim o medo e o terror, a morte, a violência e a
Talvez pelo simples facto de ter obras sobre a
irracionalidade”.
tauromaquia, Goya foi, durante muitos anos, considerado um defensor das touradas, tendo sido um dos grandes vultos da cultura citado pelos adeptos
das
mesmas
em
defesa
da
sua
continuação. A título de exemplo, ainda em 2010, Ignacio Gonzalez, vice presidente da Comunidade de Madrid socorria-se do “interesse de grandes artistas pelo espetáculo taurino”, entre eles Goya, para anunciar que o seu governo iria declarar as touradas como “bem de interesse cultural”.
Através de uma leitura mais recente da obra de Goya, os especialistas chegaram à conclusão de que ao contrário de ser defensor das touradas
Segundo Sabela Rodríguez Álvarez, aquando da inauguração da referida exposição o escultor, Juan Bordes, destacou “quatro pinturas batizadas como Los toros de Burdeos, que mostram “o touro como o único inocente”, frente aos rostos do público e dos toureiros, que são representados de forma "monstruosa", como a personificação de "quem quer se alimentar de sangue”. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 31058,18 de outubro de 2016, p. 14)
OS ESCUROS NEGÓCIOS DA INCINERAÇÃO
A incineração é sem dúvida a pior opção para a gestão dos resíduos sólidos urbanos. Mas se a incineradora da ilha Terceira, recentemente inaugurada, para ser rentável vai ter de importar
“negócio” que está por trás desta opção absurda? Quantos programas sociais poderiam ser feitos com os 65 milhões de euros que vão ser incinerados
nestes
escuros
negócios?
lixo da Madeira, então por que é que agora o governo regional do PS e a AMISM pretendem gastar 65 milhões de euros para construir outra incineradora mesmo ao lado, na ilha de São Miguel? Não seria muito mais lógico e muito mais barato encaminhar o lixo desta ilha para a incineradora da ilha Terceira, que precisa de mais lixo?
E ainda não sabemos onde é que estão as centrais hídricas reversíveis nas ilhas da Terceira e de São Miguel que supostamente iam rentabilizar as incineradoras durante o período nocturno, sem as quais a pouca energia obtida por estas centrais não serve para nada. Também não sabemos quanta é a madeira (supostamente cerca de um terço do volume total), quanto o fuelóleo ou talvez quanto o lixo reciclável (?) que vai servir de combustível para poder queimar o lixo indiferenciado nestas incineradoras.
A incineração dos resíduos sólidos urbanos é um atentado à saúde pública e ao ambiente, não cria emprego,
impede
a
reciclagem,
que
é
energeticamente muito mais rentável, boicota o turismo e afunda mais a dívida pública da região. Se a recolha diferenciada de lixo orgânico, com um eventual tratamento por vermicompostagem
Qual será então o interesse em insistir nesta opção errada? Os Açores sem dúvida merecem melhor.
(como no Nordeste), é uma opção mais barata; se o Tratamento Mecânico e Biológico proposto pela Quercus é uma opção mais barata; se o encaminhamento do lixo para a incineradora da ilha Terceira é uma opção mais barata (a Madeira está disposta a pagar 25 euros por tonelada de lixo), por que é que se pretende cair no despesismo e criar um novo “elefante branco” na ilha de São Miguel? Qual é o verdadeiro
David M. Santos Fonte: http://osverdesacores.blogspot.pt/
DISPARATE
ENTRE EM AÇÃO
Assine e divulgue a petição para impedir a presença de crianças em touradas nos Açores: https://www.change.org/p/presidente-da-assembleia-legislativa-daregi%C3%A3o-aut%C3%B3noma-dos-a%C3%A7ores-acabar-com-apresen%C3%A7a-de-crian%C3%A7as-nas-touradas
Assine e divulgue a petição para impedir o uso de herbicidas (glifosato) nos espaços públicos nos Açores: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT75835