Terra Livre 28

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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 28

JANEIRO DE 2011

Associações de Ambiente: campo de recrutamento ou trampolim? Caça ou “Birdwatching”? ZIZEK e o Consumo de Produtos Orgânicos


FERNANDO PEREIRA MORTO À BOMBA ESTADO FRANCÊS HÁ 25 A Associações de Ambiente: campo PELO de recrutamento ou trampolim?

Os movimentos sociais, quer os antigos,

Como

como os sindicatos, quer os novos,

associativismo nunca foi muito forte e a

como as associações ambientalistas têm

descompressão

sido pouco estudados nos Açores. No

continente português ao seguir ao 25 de

caso destas últimas, apenas conhecemos

Abril de 1974 quase não se fez sentir

uma tese de mestrado, da autoria de

por cá. Com efeito, os personagens que

Fátima Silva, intitulada “Participação

serviram o Estado Novo, viraram as

social

casacas e passaram de armas e bagagens

e

práticas

ambientais:

as

é

sabido,

defender

nos

Açores,

o

que se assistiu no

organizações não governamentais de

a

a

democracia,

uma

ambiente (ONGA) dos Açores”, que

democracia musculada,

apesar de algumas imprecisões, da

abono da verdade, que não deu espaço à

responsabilidade dos representantes das

auto-organização dos cidadãos.

diga-se em

diversas organização que, ao serem inquiridos,

deram

respostas

“politicamente correctas”, merecia uma maior divulgação.

Partindo do princípio de que a missão dos movimentos sociais é a alteração do statu quo que se caracteriza pela perpetuação de uma crise económica (1), por uma crise política, ecológica e energética e havendo as condições objectivas para que haja mudanças, a que se deverá a falta de respostas?

Os sindicatos, que tiveram alguma actividade na condução de algumas lutas, nos primeiros anos a seguir à instauração

da

democracia,

foram

integrados no estado social e desde cedo perderam a sua independência pois encontram-se

subjugados,

na

sua 2


maioria, aos interesses dos partidos

Organização

políticos ou aos interesses pessoais dos

ambiente, passando por outras que não

que

são mais do que “empresas” prestadoras

fazem

do

sindicalismo

uma

não-governamental

profissão. Basta conhecer a filiação

de

partidária dos seus principais dirigentes

associações, que embora formalmente

ou dos dirigentes regionais das centrais

sejam independentes, acabam reféns do

sindicais em que estão filiados. A título

estado

de exemplo, poderíamos mencionar

nomeadamente

alguns nomes de dirigentes sindicais

dependência financeira ou à ânsia de

que deixam de o ser para exercerem as

estarem

suas funções na Assembleia Legislativa

consultivos, para os quais os seus

Regional dos Açores ou no Governo

pareceres

Regional,

apenas para legitimar as decisões

outros

que

depois

de

requisitados pelo Governo ao voltarem

serviços

ao

ou

estado,

das

às

autarquias,

devido

representadas

pouco

até

de

à

em

contam,

sua

órgãos

servindo

previamente tomadas.

aos serviços de origem não se adaptam e encontram como saída a direcção de sindicatos e, por fim, outros que, como no caso dos professores, chegam às direcções sindicais depois de passarem pelos conselhos executivos das escolas. O relacionamento entre as ONGA dos Açores também merece ser estudado em profundidade pois, dada a reduzida dimensão das associações, penso que não terá havido qualquer estratégia por parte dos partidos políticos em as utilizar em proveito próprio, fazendo-as No caso dos chamados movimentos ambientalistas, a situação não difere muito. Com efeito, há de tudo um pouco, desde associações que pelas suas actividades dificilmente poderão ser enquadradas no conceito de ONGA-

suas correias de transmissão. O que tem acontecido é que, por excesso de zelo de alguns dirigentes associativos, filiados em partidos políticos ou aspirantes ao exercício de um cargo no aparelho de estado,

algumas

associações, 3


pontualmente, mais do que defenderem

Europeu, eleita pelo PSD, Maria do Céu

o bem comum aliam-se a interesses

Patrão Neves.

particulares. Tal como acontece com o movimento sindical, o movimento de defesa do ambiente é, não só entre nós, um campo onde o estado tem recrutado pessoal para o exercício de cargos aos mais Ainda no que aos partidos políticos diz respeito, os únicos casos dignos de relevo têm a ver com a sucessão de Veríssimo Borges, na Quercus - São Miguel. Ao que tudo indica, tratou-se de uma tomada de decisão pessoal de dois militantes socialistas (?), Alexandre

diversos níveis. Sabendo-se que os cargos não são eternos e que não abundam regressos às posições de origem,

poderemos

ser

levados

a

concluir que muitas pessoas usam as associações como trampolim para uma “ascensão na vida”.

Pascoal e Pedro Arruda, deputado regional e deputado municipal pelo Partido Socialista, respectivamente, que a título individual decidiram integrar a lista candidata à direcção do núcleo de São Miguel daquela associação, que acabou por ser eleita a 26 de Fevereiro de 2009. Detectada, por parte da Direcção

Nacional

da

Quercus,

a

incompatibilidade entre os cargos de

De seguida, apresentaremos o resultado

cariz político que ocupavam e a

de uma investigação, não exaustiva e

direcção do Núcleo de São Miguel,

sujeita a futuras correcções, que regista

acabaram por optar pela “carreira"

alguns

político-partidária.

a

movimento ambientalista dos Açores,

direcção seguinte e actual, tem como

ilustrando, sempre que possível, o que

Presidente um ex-dirigente do PSD,

foi afirmado anteriormente, isto é, as

Paulo Nascimento Cabral, assistente

associações tanto constituem campo de

local

recrutamento como trampolim.

da

Curiosamente,

Deputada

ao

Parlamento

marcos

da

história

do

4


Em 1982, foi criado o Circulo de

Regional do Ambiente e do Mar, Álamo

Amigos das Furnas, tendo sido um dos

Menezes,

principais dirigentes o militante do

CDS/PP, foi também fundador desta

Partido

Hermenegildo

associação. Frederico Cardigos, actual

Galante, hoje, Chefe de Gabinete do

director Regional dos Assuntos do Mar,

Secretário Regional da Presidência.

também passou pela Gê-Questa, tendo

Socialista,

que

foi

deputado

pelo

dado o seu contributo à página Web Em 1991, foi fundada a Azórica, tendo

desta associação.

ocupado a sua presidência, durante alguns anos, Maria Eduarda Goulart que

Ricardo Rodrigues que foi Secretario

mais tarde viria a ser Directora Regional

Regional

do Ambiente e actualmente é Directora

deputado na Assembleia da República

dos Serviços Florestais do Pico. Da

foi durante algum tempo animador da

comissão de gestão daquela associação,

segunda fase do movimento SOS-

fez parte Fernando Menezes que depois

Lagoas e passou pela Direcção do

foi presidente da Assembleia Geral e

Núcleo de São Miguel da Quercus.

do

Ambiente

e

hoje

é

mais tarde, c Socialista chegou a Presidente da Assembleia Legislativa

A 9 de Junho de 2006, foi eleita a

Regional dos Açores.

última direcção do Núcleo de São Miguel

da

Quercus

presidida

por

Veríssimo Borges. Também, fazia parte da direcção Rui Moreira da Silva Coutinho, que viria a ser Director Regional do Ordenamento do Território A Gê-Questa, fundada em 1994, teve

e dos Recursos Hídricos.

como presidente da direcção Manuel Loureiro que saiu para ocupar o cargo de Director Regional dos Recursos Florestais. Na lista para os Corpos Directivos da Gê Questa para 1997/99, fazia parte do Conselho Fiscal, Félix Rodrigues. Hoje, é dirigente regional do CDS/PP e deputado municipal em Angra do Heroísmo. O actual Secretário 5


José

Contente,,

actual

Secretário

Regional egional da Ciência, Tecnolo Tecnologia e

hoje é presidente da Assembleia Geral dos Amigos do Calhau.

Equipamentos, foi, entre 1989 e 1994, Presidente da Assembleia Assembleia-geral dos Amigos dos Açores.

Teófilo Braga, fundador e ex ex-presidente da Direcção e da Assembleia Assembleia-Geral dos Amigos dos Açores, também esteve

“a lógica da economia dominante que visa o

requisitado pelo Governo Regional dos

crescimento e o aumento do PIB implica na

Açores a exercer funções de Director da ARENA - Agência Regional da Energia

dominação da natureza, na desconsideração da equidade social al (dai a crescente concentração de riqueza e a célere apropriação de bens comuns)

e Ambiente da Região Autónoma dos

e da falta de solidariedade para com as futuras

Açores, continuando hoje ligado a

gerações” (Leonardo Boff)

movimentos ecologistas e de defesa dos

Mariano Soares 22 de Dezembro de 2011

animais.

Já este ano, o Presidente da Azórica, Roberto Terra, transferiu transferiu-se para a empresa criada pelo Governo Regional dos Açores, Azorina.

Fernando Lopes seguiu o caminho inverso à da grande maioria dos ambientalistas

mencionados.

Foi

Secretário Regional da Agri Agricultura, Florestas e Ambiente, de 1997 a 2000, e 6


Caça ou “Birdwatching”? Regional da Economia, através da Direcção Regional do Turismo. A caça em todo o mundo está a sofrer uma enorme pressão por parte de uma nova geração mais sensibilizada para a defesa do património natural, sendo substituída por outras actividades como o pedestrianismo, com mais de 15 Como já por várias vezes escrevi, não

milhões

temos

nos

Birdwatching ou Observação de Aves,

Açores, mas sim vários. Uns mais

praticada por mais de 80 milhões de

ambientalistas,

pessoas.

um

Governo

outros

Regional

mais

anti-

de

participantes,

Mesmo

alguns

e

o

caçadores

ambientalistas, sendo que, de uma

desportivos têm diminuído a sua prática

maneira geral os meios e os montantes

ou mesmo abandonado o seu “hobby”,

usados na protecção do ambiente são

trocando-o pela observação de aves,

menores do que os usados na destruição

pela

da natureza, que é, diria eu, lenta mas

realização de filmagens.

“caça”

fotográfica

ou

pela

“sustentável. Vem esta introdução a propósito de uma proposta que mantém como espécies cinegéticas várias espécies de patos, alguns deles com ocorrência muito rara nos Açores, o que a ser aprovada entrará em contradição com o investimento que a região tem feito no turismo de natureza. . No caso presente, temos a Secretaria

Por seu lado, a observação de aves,

Regional do Ambiente e do Mar a

embora seja uma actividade com alguns

inviabilizar o trabalho da Secretaria

impactos ambientais negativos, sempre muito menores do que, por exemplo a 7


caça ou a pecuária intensiva, para além

acidentes e mortes) derivada do uso de

de trazer riqueza para as populações das

armas, pensamos que os mesmos são

várias localidades onde aquela é feita,

mais do que suficientes para que o

pode contribuir para a conservação do

Governo

ambiente, a longo prazo, pois os

espécies de patos na lista de aves

praticantes, normalmente pessoas com

cinegéticas.

Regional

retire

todas

as

algum poder económico e elevado grau de instrução, para além de estarem dispostos a pagar para a conservação dos lugares que visitam, poderão ser preciosos auxiliares na fiscalização das

Por último, pensamos que caberá a todos

nós

-

ambientalistas ecologistas

não

caçadores, consequentes,

de

vários

matizes,

birdwatchers, defensores do património

zonas visitadas.

natural ou simples amantes da natureza – manifestar o nosso repúdio pela aprovação de uma legislação que vai contribuir para o empobrecimento da biodiversidade dos Açores e impedir o próprio desenvolvimento de toda uma região para benefício de uns poucos. Pico da Pedra, 26 de Dezembro de 2010 Teófilo Braga

Embora não tenha sido nossa intenção esgotar os argumentos para justificar a necessidade da promoção de actividades mais saudáveis e mais respeitadoras do ambiente e dos animais, como são o pedestrianismo e a observação de aves, em detrimento de uma outra actividade, a

caça,

com

maiores

impactos

ambientais e que provoca alguma insegurança (para não mencionar os 8


ZIZEK e o Consumo de Produtos Orgânicos Slavoj Zizek: se você compra produtos orgânicos, você é um cínico por Marcos Guterman

O filósofo esloveno Slavoj Zizek considera que o momento atual do capitalismo pode ser chamado de “capitalismo cultural”. Desde os movimentos contestatórios de 1968, diz ele, agregou-se ao pensamento capitalista o problema dos danos ambientais que o consumo provoca. O discurso da preservação foi incorporado como valor de mercado. Assim, quando um consumidor compra algo hoje, ele não compra um produto, mas uma ideia vinculada ao ambiente e à sustentação da vida em lugares remotos. “Quando você compra um café no Starbucks, compra-se algo mais do que um café. Compra-se um café ético”, diz Zizek. Os produtores desse café são remunerados de modo “justo”, segundo a companhia, de modo que um cliente do Starbucks sabe que seu café não matou ninguém de fome. Desse modo, o consumidor se “redime” de sua condição de consumidor.

se restaurar o sentido de “comunidade”. Consumir torna-se, assim, quase uma obrigação, de modo a atender essas necessidades envolvidas na venda dos produtos “do bem”. Zizek pergunta: quem compra frutas e verduras orgânicas realmente prefere esses vegetais aos produtos transgênicos ou que receberam tratamento químico? Esses produtos são mais gostosos? Nada disso importa. O que interessa é que os produtos orgânicos fazem bem à consciência do consumidor, que sente estar “fazendo algo” pelo meio ambiente. Para Zizek, isso é cinismo. O filósofo argumenta que a caridade e o “consumo ético” não modificam essencialmente o capitalismo. Pelo contrário: ajudam a perpetuá-lo, porque, segundo Zizek, a única forma de realmente ajudar os miseráveis no mundo seria proporcionar-lhes a capacidade de criar sociedades em que a pobreza seja impossível, e o “altruísmo” impede isso. Fonte: http://centrodeestudosambientais.wordp ress.com/2010/12/24/slavoj-zizek-sevoce-compra-produtos-organicos-vocee-um-cinico/

Há várias outras coisas que “redimem” o consumidor, afirma Zizek: pode-se fazer bem ao meio ambiente, pode-se ajudar as crianças na Guatemala, pode9


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