Roteiro de alice moderno na cidade de ponta delgada versão um

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Roteiro de Alice Moderno na

Cidade de Ponta Delgada

Caderno Terra Livre nยบ 7 2014


Ficha Técnica: Texto: Teófilo Soares de Braga 1ª Versão Agosto de 2014

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Introdução

Dar a conhecer um pouco da vida e da obra da escritora, professora, benemérita e mulher de negócios e de causas, Alice Moderno (Paris, 11 de agosto de 1867 – Ponta Delgada, 20 de fevereiro de 1946), é o principal objetivo deste roteiro. Mulher com uma vida multifacetada, nesta primeira versão realça-se, sem descurar outras, a causa da proteção animal, uma das que convictamente abraçou.

Pico da Pedra, 11 de agosto de 2014 Teófilo José Soares de Braga

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Posto 1- Rua Manuel da Ponte

No edifício cujas portas possuem os números 34 e 36, situado na rua Manuel da Ponte, antiga rua da Fonte Velha, viveu e faleceu, em 1946, Alice Moderno. Neste mesmo edifício funcionou a redação e a administração do jornal “A Folha”, bem como a tipografia “Alice Moderno”. Foi nesta tipografia que foram impressos, em 1912, os Estatutos da SMPA- Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, bem como algumas obras de Alice Moderno. A título de exemplo, menciona-se a peça de teatro, em prosa, “Na véspera da Incursão”, dedicada ao Doutor António Joaquim de Sousa Júnior, o primeiro ministro da Instrução Pública, após a implantação da República, em 1910, e a peça de teatro, em verso, “A Voz do Dever”, dedicada ao Dr. Afonso Costa, um dos políticos mais influentes da Primeira República.

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Alice Moderno foi uma republicana convicta, tendo saudado a implantação da República com um soneto, datado de 20 de outubro e publicado n’A FOLHA a 23 de outubro de 1910, que abaixo se transcreve:

Saudação Ao povo de Lisboa Este país “à beira mal plantado”, De mal para pior andava dia-a-dia. - De um lado o cortesão, ao paço avassalado, E do outro a clericalha, a reverenda harpia.

El-Rei, triste fantoche, inerme, idiotizado, Curva-se à sugestão da mãe, que o ama e vigia, E cego, vê no altar, brilhante, iluminado, O mais firme alicerce à velha monarquia.

Era enorme a ignomínia, e a bancarrota certa, Mas o povo, ultrajado, um dia, enfim, desperta Aos tiros do canhão, ao som da Marselhesa

Ó povo de Lisboa, ó grande e novo povo, Mais uma vez achaste o rumo a um mundo novo, Mais uma vez salvaste a honra portuguesa!

Sobre os políticos, a propósito de José Bensaúde que ensinava as operárias da sua fábrica a ler, Alice Moderno escreveu: “alheio à bisca política de nacionalistas, regeneradores e progressistas, todos eles muito boas pessoas na oposição”. Embora não se conheça nenhum texto seu em que mencione a sua filiação num partido político, Carlos Melo Bento, refere a sua adesão, após a implantação da República, ao Partido Democrático.

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Posto 2- Rua do Castilho

No número 1 da rua do Castilho, funcionou, antes de se mudar para a rua da Fonte Velha, a redação e a administração do jornal “A Folha” e a tipografia “Alice Moderno”. Foi aqui que foram impressos o monólogo “Mater Dolorosa”, dedicado “à grande atriz Lucinda do Carmo”, e “A Apotheose”, peça de teatro escrita, por Alice Moderno, para homenagear João de Melo Abreu. Nesta tipografia da rua do Castilho foram compostos e impressos os primeiros números do jornal anarquista micaelense “Vida Nova”, de periodicidade quinzenal, que se apresentava como “Órgão do Operariado Micaelense” e viu a luz do dia entre 1 de maio de 1908 e 30 de setembro de 1912. O “Vida Nova” teve como proprietário e diretor Francisco Soares Silva, que foi um dos fundadores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais. Para além da proteção aos animais, Francisco Soares Silva e Alice Moderno tinham em comum uma profunda admiração por Antero de Quental que nasceu nesta rua a 18 de abril de 1842 e faleceu a 11 de setembro de 1891.

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Posto 3 – Rua Pedro Homem

Depois de elaborados os estatutos, por Maria Evelina de Sousa, diretora da Revista Pedagógica, que tiveram como modelo os da Sociedade Protetora dos Animais de Lisboa, realizou-se a primeira reunião a que assistiram um representante de cada uma das seguintes publicações: Diário dos Açores, O Correio Micaelense, Revista Pedagógica, A Persuasão e A Folha, bem como Amâncio Rocha, Fernando de Alcântara, Henrique Xavier de Sousa e Manuel Botelho de Sousa. Legalizada a SMPA, a 13 de Setembro de 1911 pelo Governador Civil do Distrito Administrativo de Ponta Delgada, foram seus fundadores: Caetano Moniz de Vasconcelos (governador civil), Alfredo da Câmara, Amâncio Rocha, Augusto da Silva Moreira, Fernando de Alcântara, Francisco Soares Silva, José Inácio de Sousa, Joviano Lopes, Manuel Botelho de Sousa, Manuel Resende Carreiro, Marquês de Jácome Correia, Miguel de Sousa Alvim, Alice Moderno e Maria Evelina de Sousa. De entre estes, destacaram-se pelo seu empenho na criação da sociedade, Maria Evelina de Sousa que se responsabilizou 6


por toda a parte burocrática e Augusto da Silva Moreira que adiantou a verba necessária para o arranque. Os primeiros três anos de vida da SMPA foram de quase apatia. De acordo com Maria da Conceição Vilhena, no seu livro “Alice Moderno, a Mulher e a Obra”, muito pouco foi feito e tanto o primeiro presidente, António José de Vasconcelos, como o segundo, Tibúrcio Carreiro da Câmara, terão manifestado falta de iniciativa e entusiasmo. Com a presidência de Alice Moderno, a partir de 1914, a vida da SMPA alterou-se por completo, tanto no que diz respeito à tomada de medidas conducentes a acabar com os maus tratos que eram alvo os animais usados no transporte de cargas diversas, nomeadamente os que transportavam beterraba para a fábrica do açúcar, à educação dos mais novos através do envio de uma comunicação aos professores “pedindo-lhes para que, mensalmente, façam uma preleção aos seus alunos, incutindo no espírito dos mesmos a bondade para com os animais, que não é mais do que um coeficiente da bondade universal “e à criação de condições para o seu funcionamento, como foi a aquisição de uma sede e mobiliário. No ano de 1914, a SMPA que desde o início reunia-se nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada, começou a funcionar em sede própria, localizada na rua Pedro Homem, nº 15, rés-do-chão. Também em 1914, Alice Moderno, presidente da SMPA, foi a autora da introdução ao Regulamento Policial que foi elaborado pelo chefe do distrito, Dr. José Francisco de Sousa. No final da década de oitenta do século passado, a SMPA possuía cerca de 600 sócios com as quotas em dia. A última aparição pública da SMPA foi em maio de 2009, através de um comunicado a condenar “a iniciativa de alguns deputados regionais no sentido de introduzirem nos Açores as chamadas “corridas picadas”, uma vez que tal espetáculo, degradante e medieval, nada tem a ver com a nossa cultura e tradições, para além de constituir um péssimo cartaz turístico para a região”. No mesmo texto a SMPA apelava “aos senhores deputados para não aprovarem uma tal legislação, utilizando o seu tempo e energias na resolução de assuntos mais prementes para a maioria dos Açorianos”.

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Posto 4 – Rua do Valverde

Numa casa que pertenceu ao Sr. João Luís da Câmara viveu o advogado, Dr. Henrique de Paula Medeiros, que segundo Alice Moderno terá sido quem pela primeira vez falou na necessidade da criação de uma sociedade protetora de animais. Alice Moderno, que frequentava a casa, escreveu que o Dr. Henrique Medeiros, era um “extremoso defensor” dos cães, possuindo “alguns felizardos” e que o quintal da casa “ era um verdadeiro asilo para os felinos, que lá cresciam e se multiplicavam, conforme o preceito evangélico”.

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Posto 5 – Largo de Camões

Em dependências do Convento da Graça, concluído em 1680, o Governador Civil de Ponta Delgada, Dr. Félix Borges de Medeiros, por edital de 21 de fevereiro de 1852, mandou instalar o Liceu Antero de Quental (o Liceu da Graça). Frequentado apenas por rapazes, só em 1887 surgiu a primeira estudante, Alice Moderno, que “escândalo dos escândalos” usava cabelo cortado. Alice Moderno, no seu testamento não se esqueceu da escola que frequentou, tendo legado à Biblioteca do Liceu Antero de Quental parte da sua biblioteca.

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Posto 6 - Rua da Mãe de Deus

Alice Moderno viveu numa época em que havia fome e miséria nos Açores (hoje apenas se modernizaram) e achava que a solução deveria partir dos órgãos do governo mas nunca excluiu a prática da caridade. Ao longo da sua vida, através do seu jornal procurava sensibilizar a comunidade e colaborava quer monetariamente quer compondo poesias expressamente para serem recitadas em festas de beneficência. Na esquina da rua da Mãe de Deus com a Rua Padre César Augusto Ferreira Cabido existiu o “Asilo da Infância Desvalida”, fundado em 15 de dezembro de 1855, que já foi “Internato Feminino da Mãe de Deus” e hoje designa-se “Mãe de Deus, Associação de Solidariedade Social” Alice Moderno, no seu testamento, deixou ao “Asilo da Infância Desvalida” uma cruz de brilhantes com o objetivo de que com o valor da sua venda fosse instituído um “prémio anual, a atribuir à aluna que mais se distinguisse pelas suas qualidades de inteligência e trabalho”.

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Ponto 7 – Serviços de Desenvolvimento Agrário

Em data que não nos foi possível apurar, a Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada construiu um edifício na Estação Agrária, em São Gonçalo, com um pouco mais de espaço do que o anterior Hospital Alice Moderno. O mesmo foi dotado do material e da aparelhagem necessária, tendo a sua manutenção ficado a cargo dos rendimentos obtidos através do legado da benemérita Alice Moderno. Nos primeiros anos, sob a administração da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, presidida pela Dona Fedora Serpa Miranda, com a colaboração da Junta Geral, foi assegurada a enfermagem permanente aos pequenos animais e a consulta diária a animais de todas as espécies, através do veterinário municipal de Ponta Delgada.

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Das atuais instalações fazem parte uma sala de espera, uma sala de consultas, uma sala de cirurgias, sala de lavagem e preparatório, zona de arrumos, instalações sanitárias, um canil e um gatil.

Até ao ano de 1988, data em que abriu a Clínica Veterinária de São Miguel, na rua de São Miguel, foi o único centro de atendimento a animais em toda a ilha.

Em dezembro de 2000, ano em que passou a ser obrigatório o registo de todos os centros na de atendimento na Ordem dos Veterinários, foi classificado como Consultório Veterinário.

Em 2010, funcionava de 2ª a 6ª feira das 17 h 30 min às 19 horas e aos sábados das 10 h às 12 horas para consultas, profilaxia, terapêutica, clínica, pequenas cirurgias, colheita de amostras para análise, identificação animal e assistência a casos de urgência.

No referido ano era diretor clínico a médica-veterinária Dolores Botelho e o corpo clínico era constituído pelos médicos-veterinários Joaquim Fernandes, Duarte Amorim, Frank Aguiar, Rui Pedroso e Ana Melo. Na sequência de uma petição intitulada “Por uma nova política para com os animais de companhia” que deu entrada a 24 de dezembro de 2012 na ALRAA e que reuniu 1258 assinaturas, a ALRAA aprovou a 10 de dezembro de 2013 uma resolução onde recomendava, entre outras medidas, que o Governo Regional dos Açores, promovesse uma parceria com uma Associação de Proteção de Animais no sentido da exploração do Hospital Alice Moderno através de protocolo que assegurasse tratamentos médicoveterinários a preços simbólicos para detentores de animais que apresentem carências económicas comprovadas e que desenvolvesse esforços no sentido da melhoria das instalações deste Hospital, de modo a honrar a memória da sua mentora, pioneira na defesa dos animais nos Açores.

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Posto 8 – Rua Coronel Chaves

Em 1941, segundo o “Correio dos Açores” de 8 de março, com a devida autorização da Junta Geral e a solicitação da SMPA, o Posto Zootécnico de Ponta Delgada, passou a receber todos os animais feridos ou doentes encontrados na via pública que podiam ser entregues a qualquer hora do dia, pois no mesmo pernoitava um guarda. A 14 de maio de 1941, o Correio dos Açores, noticiava a abertura para breve de um Posto Veterinário que passaria a funcionar no Posto Zootécnico, dirigido pelo Dr. Vitor Machado Faria e Maia. A SMPA colaborou com o referido posto através da oferta de medicamentos e da cedência de algum mobiliário. Ainda de acordo com o que se pode ler na notícia referida, os tratamentos eram pagos, mas os sócios da SMPA tinham direito a desconto.

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De acordo com notícia publicada no Correio dos Açores de 24 de janeiro de 1945, no ano anterior, 1944, o Posto Veterinário, que funcionava numa dependência do Posto Zootécnico, tratou 685 (seiscentos e oitenta e cinco) animais. Ainda de acordo com a mesma notícia, a direção da SMPA encontrava-se a “reunir fundos suficientes para a construção de um Hospital Veterinário, e das quotas pagas pelos sócios fornecia os medicamentos solicitados pelo Dr. Vitor Faria e Maia para colmatar as necessidades do Posto Veterinário, para além de subsidiar o enfermeiro-veterinário em serviço no Posto, o sr. Moniz Berenguer. Estava, também, a cargo da SMPA a recolha e o envio ao posto dos animais doentes ou feridos encontrados na via pública. No dia 31 de janeiro de 1946, vinte dias antes de falecer Alice Moderno, em testamento, deixou em testamento alguns bens, à Junta Geral Autónoma do Distrito de Ponta Delgada, com a condição desta, no prazo de dois anos, criar um hospital para animais. Um arremedo de hospital, começou a funcionar, em janeiro de 1948, num pequeno pavilhão pouco espaçoso no canto norte da rua Coronel Chaves, onde até há alguns anos funcionou o CATE.

As suas minúsculas dimensões e por se assemelhar mais a um canil do que a um hospital fizeram com que o intendente de pecuária, Dr. Vítor Machado de Faria e Maia, não o tenha considerado digno de ser oficialmente inaugurado.

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Ponto 9 – Cemitério de São Joaquim

Alice Moderno faleceu a 20 de fevereiro de 1946 e está sepultada no Cemitério de S. Joaquim de Ponta Delgada, num jazigo mandado construir por ela. A sua morte foi noticiada a 21 de fevereiro pelo Correio dos Açores que destacou a sua ação como jornalista, o seu destaque entre as poetisas de maior vulto, os vários prémios literários e condecorações recebidas e a sua dedicação à defesa dos animais. Ao seu funeral compareceu uma “seleta assistência”, tendo a chave da urna sido levada pelo governador do distrito, Dr. Mendes Moreira.

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Junto ao jazigo usaram da palavra o reitor do Liceu Antero de Quental, Dr. João Anglin, que revelou a sua admiração pelo talento literário e pelas qualidades morais de Alice Moderno e o Presidente do Instituto Cultural de Ponta Delgada, Dr. Humberto de Bettencourt, de que Alice Moderno fora um dos 50 sócios fundadores que enalteceu “os predicados e excelência do talento e caráter”. No mesmo jazigo encontra-se sepultada Maria Evelina de Sousa, outra mulher que como vimos teve um papel de destaque na criação da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais. Professora oficial da instrução primária, durante a sua regência na escola de Santa Clara fundou uma biblioteca que infelizmente foi devorada pelas chamas. Foi fundadora e diretora da Revista Pedagógica e fez parte da Comissão Organizadora da Escola Industrial de Rendas de Bilros.

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Ponto 10 – Clube Micaelense

Alice Moderno frequentou o Clube Micaelense, onde ia a bailes, embora não gostasse muito de dançar. Sobre esse assunto ela escreveu: “Tenho ido a muitos bailes, e, ali, prefiro dançar a estar num círculo de senhoras que não sabem dizer coisa que nos não enfastie. É verdade que os homens que nos tiram para par também não dizem senão dislates, mas, ao menos, há a diversão do movimento, da música, desse não sei quê que nos entusiasma, e nos faz dançar uma noite inteira, sem todavia gostar de dançar”.

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MAPA

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Figura 1: Mapa com a localização dos postos (Base: Google Maps)

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Bibliografia

Bento, C. (2008). História dos Açores da descoberta a 1934. Ponta Delgada. Moderno, A. (1909). Mater dolorosa. Ponta Delgada: Tipografia da autora. Moderno, A. (1910). A apoteose. Ponta Delgada: Tipografia Alice Moderno. Moderno, A. (1913). Na véspera da incursão. Ponta Delgada: Tipografia Editora Alice Moderno. Moderno, A. (1915). A Voz do dever. Ponta Delgada: Tipografia Alice Moderno. Vilhena, M. (2001). Uma mulher pioneira. Ideias, intervenção e ação de Alice Moderno. Lisboa: Salamandra.

Jornais A Folha, Ponta Delgada, 1902-1917 Correio dos Açores, 21 e 22 de Fevereiro de 1946 Vida Nova, Ponta Delgada, 1908-1912

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