A relação da produção nacional com a distribuição e com os consumidores

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Pedro Miguel Santos DIRETOR GERAL DA Consulai

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| É sempre importante recordar que este contexto temporal coincide com um período de reforma da PAC que conduziu a uma redução dos apoios em muitas das explorações mais produtivas. Mas este comportamento volátil dos preços e a perceção de grandes diferenciais de preços, entre o que é pago aos produtores e o que os consumidores pagam, tem conduzido a que as instâncias, nacionais e europeias, tenham diversificado o tipo de mecanismos de controlo sobre as cadeias de abastecimento agroalimentares. Exemplo disso mesmo foi a necessidade sentida pelo Estado Português para fomentar a equidade e o equilíbrio da cadeia alimentar, promovendo o diálogo para permitir o aumento da transparência do mercado e o equilíbrio na distribuição de valor entre os diferentes setores da produção, da transformação e da distribuição de produtos agrícolas e agroalimentares, o que levou à criação, em 2011, da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia AgroalimenAGROTEJO união agrícola do norte do vale do tejo

A volatilidade dos preços agrícolas nos anos recentes, associado a um crescimento do peso da distribuição moderna no consumo, conduziram a um aumento da pressão regulatória sobre o desequilíbrio negocial que caracteriza as relações comerciais entre os grandes grupos retalhistas da distribuição alimentar e os seus fornecedores.

tar (PARCA). De facto, nos últimos anos têm sido várias as notícias sobre práticas comerciais abusivas, impostas por parte de alguns grupos retalhistas da distribuição moderna sobre os seus fornecedores no setor agroalimentar que tende a pôr em causa a sustentabilidade económico-financeira de muitos operadores. A racionalidade destes operadores é “natural” face à sua posição na cadeia de valor e tem contribuído de forma muito decisiva para uma evolução moderada dos preços ao consumidor, fazendo com que estes – os consumidores – sejam aparentemente os grandes beneficiários destas práticas. No entanto, é evidente que um desequilíbrio permanente das margens de negócio dos diferentes agentes da cadeia conduzirá a problemas (ambientais, sociais, económicos) que chegarão aos consumidores. A própria distribuição alimentar ainda está num processo de ajustamento decorrente das alterações que se têm verificado nas últimas décadas. Esta “indústria” ainda é relativamente nova em


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Portugal (a expansão dos supermercados e hipermercados só se iniciou na década de 80), e tem evoluído, quer em formatos quer em estratégias comerciais, que têm conduzido a um reforço muito significativo do peso dos grandes grupos retalhistas nas escolhas do consumidor, representando hoje, no conjunto das categorias, uma importância superior a 2/3 do mercado. Esse fenómeno de concentração da compra, conduziu a que estes grupos passassem a gerir o aprovisionamento de uma forma completamente diferente e conduziram, e conduzirão necessariamente, ao reforço da concentração dos seus fornecedores. Estas alterações na “indústria da distribuição” foram feitas para responder à evolução dos hábitos de consumo. Nos últimos anos, e por inúmeras razões, o consumidor tem-se tornado mais exigente, mais informado e mais complexo. A forma de decidir a compra varia consoante o tipo de loja, o tipo de produto e a ocasião de compra. Hoje em dia, e segundo dados da Nielsen, 67% das decisões de compras são feitas no ponto de venda e, de acordo com estudos de neurociência, os compradores passam os olhos apenas 15 segundos por uma prateleira de uma categoria (o que conduz a que possam reparar apenas em 40% dos produtos presentes nessa prateleira) e estão sujeitos a 11 milhões de bits de informação por segundo (quando a nossa capacidade de “processamento consciente” é de apenas 40!). A aposta em novas tecnologias por parte dos retalhistas tem-lhes permitido um conhecimento muito detalhado dos hábitos de compra dos consumidores. O papel destes grupos retalhistas deixou de ser apenas o de serem “porteiros” dos consumidores, para passarem a ser um prestador de serviço que pode acrescentar muito valor na venda dos produtos dos produtores, pois possuem informação preciosa que aplicam em estratégias de marketing assentes em estratégias de preços, de promoções e de exposição no ponto de venda. Essa informação contribuiu também para o reforço do peso negocial destes grupos retalhistas, porque diminui o poder de argumentação dos fornecedores. Não tendo um conhecimento fino do comportamento do consumidor, a produção tem de ser capaz de olhar para as tendências de consumo e influenciar as decisões dos consumidores pela capacidade de despertar-lhes as adequadas necessidades. Recentemente, o projeto “Future Value Chain” (www.futurevaluechain.

com), que englobou um conjunto de mais de 2.000 pessoas a pensar nos desafios futuros que se colocam à cadeia de valor alimentar, procurou, à escala global, debater e preparar estratégias e táticas de adaptação a tendências globais associadas a mudanças sociais, comportamentais, ambientais e tecnológicas. Nesse estudo foram apontadas 12 “macro tendências”, das quais destaco 4 que podem ser potenciadas, a curto prazo, pelos produtores nacionais: Crescente importância da saúde, segurança e bem-estar, que são cada vez mais importantes para os consumidores e, consequentemente, para os retalhistas. Os produtos frescos, saborosos e com aromas mais intensos são percebidos como saudáveis e, nesse segmento, temos condições de excelência para os produzir. É expectável que o consumo de produtos e serviços “saudáveis” possa quadruplicar nos próximos anos.

“... é evidente que um desequilíbrio permanente das margens de negócio dos diferentes agentes da cadeia conduzirá a problemas que chegarão aos consumidores.”

• Crescente

preocupação dos consumidores sobre sustentabilidade. A perceção dos consumidores face às empresas e o seu papel nas alterações climáticas e na redução dos desperdícios será um fator decisivo. Na indústria alimentar, em particular, há perdas significativas de resíduos devido aos processos ineficientes em toda a cadeia de valor. A comunicação dos aspetos positivos ligados ao ambiente e à componente social da produção agrícola são trunfos que podem e devem ser devidamente trabalhados

• Aumento da pressão regulatória, sobretu-

do nas áreas da segurança alimentar e da

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sustentabilidade ambiental das atividades. A produção agrícola obtida através de esquemas de produção/proteção integrada ou com a garantia de resíduos bastante abaixo do permitido são fatores críticos na valorização da nossa produção.

• Aumento da adoção de tecnologia pelo con-

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sumidor. Em 2013, mais de 2.000 milhões de utilizadores móveis a nível mundial terá feito uma compra através dos seus aparelhos. Esta tendência terá um reflexo direto no comportamento individual dos consumidores mas também na sua capacidade de influenciar o comportamento de compra de outros consumidores como o uso de ferramentas de media digital e social. A presença das organizações na web é fundamental para que se possa dar notoriedade às produções e se possa interagir com consumidores que, à primeira necessidade, procuram informação no google ou no youtube.

O impacto global dessas tendências pode ser significativo, e nalguns casos até fraturante pub.

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“ É importante, também por isso, que a produção procure aprofundar o grau de integração com a distribuição...”

face ao status-quo, e exigirá uma grande mudança na forma como as fileiras se organizam e como servem os consumidores. É importante, também por isso, que a produção procure aprofundar o grau de integração com a distribuição, assumindo que estes procuram esse caminho e os sinais mais recentes assim o confirmam. Ao nível da produção é essencial ter capacidade de criar dimensão e apostar na notoriedade das organizações/empresas, pois só desta forma será possível intensificar relações de confiança com a distribuição. Nos últimos tempos, a “portugalidade” dos produtos agrícolas tem sido largamente discutida nos media, o que se traduz numa oportunidade clara para os produtores nacionais. No limite, pode conquistar-se uma vantagem sustentável que nunca foi alcançada, pelo menos de forma generalizada: conseguir que o consumidor prefira comprar produtos nacionais e possa valorizar a prestação de serviços ambientais, sobretudo prestado pelos agricultores que optaram por modos de produção extensivos. E este é o tempo certo para o fazer.


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