Entrevista a Luís capoulas santos_Revista da Agrotejo

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“Queremos o setor agrícola a crescer a um ritmo duas vezes superior ao ritmo de crescimento da economia nacional”

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O ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, deixou os corredores de Bruxelas há cerca de um ano para assumir os destinos de um setor que conhece bem. Em entrevista, Capoulas Santos garante que o setor agrícola é considerado pelo Governo como estratégico, sendo que foi definida uma agenda específica. De entre as prioridades está o investimento na exploração agrícola e na agro-indústria. O governante salienta que a atividade agrícola nacional é competitiva tanto a nível europeu como mundial e a prová-lo está o crescimento de 42% das exportações ao longo dos últimos cinco anos. Para apoiar o investimento está no terreno o PDR2020 que o governante prevê atingir em 2016 nove mil processos contratados ou em contratação. Apesar de admitir o contributo de todas as regiões, Capoulas Santos não esquece o contributo do Ribatejo e da Golegã no desenvolvimento do setor. Neste âmbito, destaca que o projeto de emparcelamento rural de Azinhaga, Golegã e Riachos merece a prioridade que lhe foi atribuída e constitui um bom exemplo de um processo bem conduzido. Maria Lopes jornalista

| O sector agrícola hoje é competitivo face aos congéneres europeus? O que falta para estar em pé de igualdade? Luis Capoulas Santos - O setor agrícola tem vindo a ganhar competitividade e é hoje, sem dúvida, um setor muito competitivo a nível europeu, e mesmo mundial, em áreas de produção como a vinha e o vinho, a fruticultura, a horticultura e outras, facto bem patente na evolução das exportações nacionais e na evolução do saldo da balança com o exterior. Nos últimos cinco anos as exportações agrícolas cresceram cerca de 42%, tendo ultrapassado os 952 milhões de euros em 2015. Se considerarmos o conjunto do complexo agroalimentar, essa evolução foi de 44%, tendo atingido os 6.175 milhões de euros AGROTEJO união agrícola do norte do vale do tejo

no final do ano passado. Esta evolução é o melhor espelho do ganho de competitividade do setor no quadro internacional, produto da melhoria da sua produtividade mas, acima de tudo, da qualidade comercial dos nossos produtos. Os agricultores portugueses estão mais orientados para o mercado, tiram melhor partido das vantagens comparativas do País, tendo em conta as nossas especificidades edafoclimáticas. Isto não significa que não tenhamos ainda um longo caminho a percorrer e, por isso mesmo, as nossas prioridades de atuação continuam a centrar-se na criação de um ambiente cada vez mais favorável à atividade produtiva, nomeadamente através da redução dos custos de contexto para a produção, da desburocratização, do desmantelamento das barreiras externas e internas ao desenvolvimento da atividade e da otimização da utilização dos recursos financeiros e dos instrumentos de política nacionais e comunitários.

Neste mandato à frente do Ministério da Agricultura, quais as prioridades que estão delineadas? LCS - Este Governo tem uma agenda muito concreta relativamente ao setor agrícola, que considera estratégico. Desde logo, queremos manter o setor a crescer a um ritmo duas vezes superior ao ritmo de crescimento da economia nacional. Isto significa também manter o ritmo de crescimento das exportações, tendo sido definida uma meta em 2020 para o setor das frutas e legumes: atingir os dois mil milhões em valor de exportações. Estabelecemos também como prioridade o investimento na exploração agrícola e na agro-indústria. Para isso contamos com o Programa de Desenvolvimento Rural, que desbloqueámos e estamos a dinamizar, por forma a canalizar para a agricultura nacional o máximo de fundos comunitários e nacionais. No domínio da floresta, queremos recuperar os 150 mil hectares de floresta perdidos nos últimos


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15 anos no espaço de uma década, investindo numa profunda reforma da floresta. Temos igualmente prioridades no âmbito do Desenvolvimento rural, que passam pelo rejuvenescimento do setor agrícola e pela discriminação positiva dos pequenos agricultores, fixando populações nos territórios de baixa densidade. A exportação tem sido uma aposta estratégica nos últimos anos. Nesta aposta no exterior quais os mercados que devem ser prioritários? LCS - Não cumpre ao Governo definir mercados ou produções. Isso deve, em nossa perspetiva, permanecer como uma opção empresarial e, nessa medida, os mercados prioritários serão para nós aqueles em que as empresas exportadoras portuguesas estejam apostadas em penetrar. Cumpre-nos, nesse contexto, negociar a abertura dos mercados externos em que se verifique existirem barreiras não tarifárias para as nossas exportações e é isso que estamos a

fazer a nível global. Estamos a fazê-lo com a América Latina, com os EUA e o Canadá, com o Médio e o Extremo Oriente (Irão, China, Japão, Vietname, etc.) para os setores com maior potencial exportador, através da negociação de acordos bilaterais e processos de habilitação nos domínios da sanidade animal e da fitossanidade. Temos um objetivo muito claro de conseguir anular o défice externo agroalimentar num horizonte de cinco anos, principalmente através do crescimento das exportações e isso só será conseguido se tivermos a capacidade para conquistar novos mercados e para diversificar a nossa oferta. O programa PDR2020 é um dos instrumentos chave para o setor. Quais as metas que foram definidas no que se refere à contratação e execução para 2016 e até 2020? LCS - Em matéria de PDR2020, o objetivo global passa por assegurar a execução inte-

gral do Programa até ao final do período regulamentar. Para isso é necessário assegurar um nível anual de execução de cerca de 600 milhões de euros por ano, bem como a recuperação da não execução de 2014 e dos escassos 12% de 2015. Em matéria de contratação, o grande objetivo de 2016, que começou sem que nenhum contrato/termo de aceitação na área do apoio ao investimento estivesse emitido, é atingir os nove mil processos contratados ou em contratação. Este objetivo implica que, no final de 2016, estejam analisadas mais de 85% das quase 30 mil candidaturas submetidas, processo que deverá estar concluído no final do primeiro trimestre de 2017. A região da Golegã tem vindo a ganhar fôlego no que se refere à competitividade do setor agrícola. Como avalia este contributo? LCS - É sem dúvida um excelente contributo, que ajuda a fortalecer a competitividade AGROTEJO união agrícola do norte do vale do tejo


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limítrofes do perímetro já instalado, com a vantagem de os custos unitários serem relativamente moderados, por potenciarem investimentos anteriores nas redes primárias de rega. Os estudos elaborados pela EDIA permitem perspetivar a criação de quase 50 mil hectares de regadio até 2020, através de um projeto financiado pelo Banco Europeu de Investimento (BEI), integrado no chamado Plano Junker, cuja negociação está em curso.

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da região do Ribatejo e, por conseguinte, de todo o País, tendo em conta o contexto da área das exportações, para as quais a agricultura portuguesa tem vindo a contribuir cada vez mais. Como é sabido, o regadio constitui hoje um dos fatores mais relevantes para a melhoria dos rendimentos dos agricultores através do aumento da produtividade. Sem desmerecer da contribuição de outras regiões, é notório o aumento do dinamismo económico do setor agrícola do Ribatejo, importando realçar o esforço dos agricultores, em termos de modernização e de capacidade técnica, e de organização, da qual a Agrotejo constitui um bom exemplo, que cumpre enaltecer. Como avalia o contributo de Alqueva na dinamização da agricultura e da aposta em culturas de regadio? Quais os investimentos e metas previstas para Alqueva? LCS - Desde que o XII Governo Constitucional, chefiado por António Guterres, resolveu desbloquear a construção da barragem do Alqueva, o Empreendimento de Fins Múl-

tiplos de Alqueva (EFMA) tem-se revelado uma aposta ganha, não só em termos do ritmo de construção da obra hidroagrícola, mas também, e sobretudo, em termos da adesão ao regadio. Nos últimos 15 anos, com a progressiva entrada em exploração das áreas regadas, a paisagem física, económica e social do Alentejo alterou-se. A região ganhou um dinamismo económico evidente, criando condições para a fixação das populações e empresas. Os sucessos evidentes no setor do azeite, do vinho e dos cereais abriram novas perspetivas à exportação. A ocupação do perímetro de rega com culturas agrícolas menos exigentes em água permite que a albufeira do Alqueva mantenha um volume armazenado superavitário relativamente ao que tinha sido previsto nos estudos e projetos elaborados na década de 90. Qual a solução encontrada? LCS - Ciente desta nova potencialidade, o Governo tem como prioridade desenvolver novos blocos de rega, beneficiando áreas

A Agrotejo comemora em 2016 o seu 30º aniversário. Que papel preconiza para associações como a Agrotejo? LCS - Este tipo de associações/organizações, que vão além dos aspetos relacionados com a comercialização, ou da defesa de interesses negociais conjunturais, abrem uma porta muito interessante para os agricultores porque lhes permite obter ganhos de escala na sua plenitude, tendo em conta que os associados são integrados no projeto comum, com infraestruturas comuns. O futuro dos agricultores, grandes e pequenos, passa seguramente pela adoção deste modelo. O projeto de emparcelamento rural promovido pela Agrotejo está em fase de submissão de candidatura a Obra através do PDR. É uma obra importante para a região. Como avalia a importância desta candidatura? LCS - O emparcelamento traduz-se numa intervenção profunda sobre a estrutura da propriedade, permitindo aumentar a área média das parcelas, melhorar os acessos e racionalizar a rede viária e de drenagem. Tudo isto tem óbvios efeitos no aumento da


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produtividade do trabalho. Os custos do emparcelamento obrigam a grandes cautelas na escolha dos projetos mais promissores, nomeadamente aqueles que garantem o envolvimento dos agricultores e asseguram a maximização dos benefícios. Nesse sentido, o projeto de emparcelamento rural de Azinhaga, Golegã e Riachos merece a prioridade que lhe foi atribuída e constitui um bom exemplo de um processo bem conduzido, ao qual desejo o maior sucesso.

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A utilização da água na agricultura tende a ter cada vez mais limitações. O Ministério está sensível a esta questão? Que medidas estão previstas para a melhoria do regadio? LCS - O Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural está naturalmente muito sensível à questão dos impactes ambientais do regadio mal conduzido. A utilização de dotações de rega excessivas, além dos sobrecustos que acarretam para os regantes, provocam escorrimento superficial ou infiltração profunda, implicando no pub.

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primeiro caso fenómenos erosivos (mesmo se incipientes) e, no segundo, poluição dos lençóis freáticos provocada pelo arrastamento de nutrientes e de fitofármacos. Importa assim combater o desperdício de água por parte dos regantes. Eficiência é a palavra-chave. Está atualmente em curso um importante esforço financeiro de apoio aos agricultores que aderirem a comportamentos indutores do uso eficiente da água de rega. A adesão à Ação 7.5 «Uso Eficiente da Água», inserida nas chamadas medidas agroambientais do PDR2020, ilustra bem a importância atribuída a esta questão, tanto por parte da Administração como dos agentes do subsetor do regadio.

que lhes permitam competir em igualdade de circunstâncias com os seus congéneres e principais concorrentes europeus e mundiais. Temos por isso como objetivo reduzir os custos de contexto para o setor, mas também não hesitaremos em recorrer, dentro do contexto regulamentar europeu em que nos movemos, aos apoios disponíveis para intervir e fazer face a situações que excecionalmente o justifiquem, como recentemente foi o caso do setor da suinicultura e é atualmente o caso do setor leiteiro ou, num contexto mais global, criando mecanismos de descriminação positiva (exemplo do Gasóleo Verde) necessários para assegurar a competitividade do setor.

A evolução recente do preço das matérias-primas condiciona a sustentabilidade de muitas explorações agrícolas. Quais as medidas que o Ministério pode desenvolver para inverter esta situação? LCS - O principal objetivo neste domínio é garantir que os agricultores e as empresas portuguesas tenham custos de produção

O ‘greening’ na actual PAC condiciona a produção direcionada para o mercado. Estão previstas algumas alterações às regras do ‘greening’? LCS - A relevância deste novo regime é traduzido pela obrigatoriedade decidida a nível comunitário de utilizar, obrigatoriamente, 30% do envelope nacional de pagamen-


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tos diretos para este efeito. Refira-se que, no caso de Portugal, 180 milhões de euros são anualmente atribuídos aos agricultores e legitimados pelo cumprimento das regras do ‘greening’, constituindo o regime um importante reforço da legitimação do apoio direto às explorações agrícolas. Assim, e embora as regras tenham sido estabelecidas a nível comunitário, através de um conjunto de três práticas obrigatórias para os agricultores (prática da diversificação de culturas, manutenção do rácio nacional de prados permanentes e superfícies de interesse ecológico) o resultado da negociação permitiu alcançar um conjunto muito relevante de situações em que se aplicam isenções tendo em conta os contributos que têm para o desempenho ambiental. Quais são as situações de isenção? LCS - Salienta a isenção de aplicação às culturas permanentes; a isenção de aplicação às explorações com menos de 10 hectares de terra arável no caso da prática da diversificação de culturas, e com menos de 15 hectares de terra arável no caso da prática das superfícies de interesse ecológico. A isenção da aplicação das obrigações do ‘greening’ às explorações de agricultura biológica, às explorações que participam no regime da pequena agricultura. Utilizando a flexibilidade que a regulamentação comunitária permite, Portugal estabeleceu para as explorações especializadas na cultura do milho e do tomate para indústria, com efeitos a partir de 2016, uma obrigação equivalente à prática de diversificação de culturas, o chamado regime nacional de certificação ambiental do ‘greening’, baseada na exigência de cobertura do solo no período outono-invernal. Este regime equi-

valente permitiu que, mantendo os benefícios ambientais e climáticos, minimizar ou mesmo anular o impacto económico que as explorações com forte especialização nestas culturas tinham se fossem obrigadas a introduzir outro tipo de culturas no sistema produtivo para cumprir o número mínimo de culturas diferentes exigido pela prática de diversificação de culturas. Acresce ainda referir um conjunto de isenções para a prática de diversificação de culturas que muitas explorações beneficiam em resultado de estarem cobertas, numa extensão significativa, por prados ou por terras em pousio. No que se refere à prática das superfície de interesse ecológico Portugal, de acordo com a flexibilidade regulamentar existente, tomou a decisão de escolher uma tipologia de superfícies de interesse ecológico que permitiu aos agricultores um menor impacto sobre os seus sistemas de produção, e consequentemente uma maior facilidade no cumprimento do mínimo de 5% da sua terra arável tenha de ser constituída por aquele tipo de superfícies (pousio, galerias ripícolas em Rede Natura 2000, elementos lineares dos arrozais, hectares agroflorestais beneficiários de apoio de programas do desenvolvimento rural, culturas fixadoras de azoto). Existe então ajustamentos nas regras? LCS - Em termos de alterações ao ‘greening’ posso confirmar que existirão alguns ajustamentos favoráveis no regime nacional de certificação ambiental do ‘greening’ para os produtores de tomate para indústria, que vêm permitir uma maior adequação aos sistemas produtivos existentes. No âmbito do processo de simplificação em curso existirão

outros ajustamentos que neste momento não posso garantir se entrarão em vigor em 2017 ou em 2018, dado ainda o processo de adoção dos mesmos estar a decorrer a nível da UE. As medidas agroambientais estão neste momento fechadas. Está prevista a sua reabertura neste QCA? LCS - A situação das medidas agroambientais é do conhecimento de todos: em 2015, primeiro ano de candidatura, foram assumidos compromissos num montante que ultrapassa em quase 300 milhões de euros a dotação destas medidas para todo o período 2014/2020. Para além de condicionar de forma decisiva toda a gestão do programa, esta situação não permite que seja equacionado novo período de candidatura para estas medidas. No entanto, não excluímos liminarmente a possibilidade de novas candidaturas até 2020, em função dos ajustes que forem sendo possíveis ao longo do Programa. Mas, neste momento, tal não se afigura fácil de concretizar.

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