Os preços bateram no fundo

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«Os preços bateram no fundo»

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Jorge Neves, diretor-geral da Agromais, está otimista quanto ao aumento dos preços do milho na próxima campanha, considerando que se chegou ao fim de um ciclo de desvalorização. Nesta entrevista sobre “As novas realidades da formação do preço do milho”, antevê reduções da área mundial e aponta o “fator China” como decisivo na evolução da procura.

Nélia Silva geral@comunicland.pt

| Verifica-se uma maior volatilidade nos preços mundiais do milho desde 2007. A que fatores se deve? JORGE NEVES – Sobretudo a dois fatores: à pressão do consumo, nomeadamente por parte da China, e à financeirização deste negócio, ou seja, à entrada dos fundos de investimento nas commodities agrícolas. Hoje em dia o mercado e a formação do preço evoluiu mais em função das transações em papel, do que por ação das transações físicas. Os preços dos futuros do milho para Dezembro 2015 nos EUA aumentaram ($3.83-$3.92 ¾ /bu), mas a possibilidade de atingirem os $4.50-$5.00+ nos próximos meses é limitada a não ser que a campanha nos EUA se revele menos produtiva do que o esperado. Que im-

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pacto tem este mercado de futuros nos preços mundiais? JN – O mercado de futuros dos EUA normalmente tem mais impacto quando os preços descem, do que quando sobem. No entanto, na Europa o fator crucial na formação do preço prende-se mais com a influência da oferta dos mercados da América do Sul e da Europa de Leste. Os preços FOB Argentina, Brasil ou Ucrânia são mais baixos do que os preços FOB USA, o que, na prática, implica que o milho com origem nestes países seja mais barato em Portugal do que o milho dos EUA. Os conflitos geopolíticos NATO-Rússia- Síria estão a ter influência nos preços do milho? JN – Até agora não afetaram. Mesmo a instabilidade política e militar na Ucrânia não afetou


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significativamente a produção agrícola do país, e por outro lado, as grandes zonas produtoras de milho situam-se a Ocidente da zona de conflito. A desvalorização da moeda na Ucrânia torna o país mais competitivo do ponto de vista das exportações, embora dificulte a aquisição de inputs (sementes e adubos) ao exterior, levando os agricultores a usar sementes autóctones e a reduzir a quantidade de adubo aplicado, o que se reflete numa baixa da produtividade, como aconteceu este ano. Em 2015, com preços relativamente mais baixos mas mais estáveis, estaremos a regressar a padrões de variação menos intensos? JN – É um sinal de que os preços bateram no fundo, é o fim de um ciclo, porque ao atual nível de preços, dificilmente as áreas de milho poderão manter-se. As expectativas para a próxima campanha são de redução da área mundial de milho. Por exemplo, a Argentina, que é o 4º maior exportador mundial, está a iniciar a sementeira e deverá reduzir a área em 20%. A produção mundial de milho na campanha 2015/2016 está estimada em 967M ton, cerca de 4% abaixo da campanha passada. Atendendo à elevada procura mundial de carne e de amido, poderá isto representar uma perspetiva de melhores preços? JN – O fator mais importante na formação do preço é o stock final da campanha, que está muito equiparado ao da campanha passada. De acordo com dados da USDA (de meados de Setembro), o stock de milho baixou de 197 milhões toneladas, em 2014-2015, para 189 milhões de toneladas, em 2015-2016. O Conselho Internacional de Cereais tem números um pouco diferentes – variação de 203 milhões para 199 milhões –, mas de qualquer modo a redução é muito pouco significativa para fazer subir os preços. Se o stock diminuir, mas o consumo também diminuir, o preço não sobe. A crise económica que se vive em algumas parte do globo pode afetar o consumo de milho (carne)? JN – Por um lado, a população está a aumentar e a consumir mais carne nos países com economias emergentes, mas verifica-se a redução do crescimento económico em alguns países, como a China, que é um mercado determinante. Se a economia chinesa crescer menos do que o previsto pode ser uma fator limitativo do consumo.

Qual a influência do “Fator China” nos mercados mundiais, atendendo aos seus elevados stocks de milho e ao facto de as ajudas estatais à produção se manterem a níveis idênticos? JN – Vivemos num mundo de batotas, onde a Europa é sempre a mais certinha, em prejuízo da sua própria competitividade. Os EUA, o Brasil, a China ou a India mantêm os níveis de ajudas à produção, enquanto na Europa andamos a reduzi-las e a achar que tem de haver uma autorregulação do mercado. A China é uma incógnita, as informações sobre o mercado chinês são sempre escassas. No entanto, percebe-se que a China tem feito um esforço enorme para aumentar a produção nacional de milho e garantir um stock de segurança – terá 90 milhões de toneladas dos atuais 189 milhões de stock mundial-, o que tem uma enorme influência nos mercados mundiais. A Europa tem aumentado as importações de milho do Brasil, beneficiando dos baixos preços proporcionados pela desvalorização do Real. Significado para Portugal? JN – Neste último ano o Brasil tem sido um destino de importação extremamente importante para a Europa, incluindo Portugal, que importou muitíssimo milho do Brasil devido ao preço baixo. Felizmente é milho de melhor qualidade do que o milho importado da Europa do Leste. No caso de os preços serem mais baixos do que o esperado, a área mundial de milho pode reduzir-se em 2016. O mesmo comportamento se espera em Portugal? JN – Gosto de ser realista, mas otimista. Uma coisa é o que está a acontecer nesta campanha, e as negociações de abastecimento de milho para futuros aos preços atuais. Em Portugal vamos ter milho (em futuros) entregue à indústria a preços muito competitivos. Esse milho para todos os efeitos está colocado no mercado, embora não fisicamente, e não vai influenciar a formação futura das cotações. A próxima campanha vai ser de fim de ciclo e muito provavelmente com alguma evolução positiva de preços, há boas perspetivas nesse sentido. Descontando o que possa vir a acontecer por influência do clima, nomeadamente do fenómeno El Niño, que poderá causar estragos no sudoeste asiático e na Austrália, onde já está a afetar a produção de trigo. Menos trigo no mercado pode gerar aumento da procura do milho.

«Portugal é altamente deficitário em milho e não se pode dar ao luxo de deixar de produzir para importar mais milho»

MILHO / VALORES (TON)*

978.1 M ton

produção mundial 2015-2016

978.1 M ton

produção mundial 2014-2015

189 M ton

stocks mundiais 2015-2016

197 M ton

stocks mundiais 2014-2015 * United States Department of Agriculture (USDA)

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E qual a influência desta conjuntura na área de milho em Portugal na próxima campanha? JN – Vai haver nova redução de área, sobretudo nas regiões onde o break even é mais elevado, nomeadamente o Alentejo. Nesta região os agricultores, em geral, tomam as decisões face ao preço da última campanha. No Ribatejo é diferente, porque são tidos em conta os custos e resultados da exploração ao longo de uma série de pelo menos 5 anos. Na campanha que agora termina verificou-se uma redução de 10% da área de produção no Ribatejo, enquanto no Alentejo foi de 30%.

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PRODUÇÃO MUNDIAL MILHO 2014-2015 pub.

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Qual a influência das crises do setor leiteiro e da suinicultura na próxima campanha? JN – Produz-se milho em Portugal maioritariamente para alimentação animal. Se a produção de carne e leite não for rentável, diminui o consumo de milho e as áreas de produção podem descer, mas as importações também têm muita influência nesta matéria e pode dar-se o caso de serem estas a reduzir. A crise do leite influencia-


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rá certamente a produção de milho para silagem do Mondego para cima. Portugal é um pequeno player mundial do milho, qual deve ser o seu posicionamento perante os mercados global e nacional? JN – Tem que ser um posicionamento de resiliência, porque os investimentos nas explorações agrícolas e nas organizações são elevados. Tem que haver um esforço muito grande de otimização de custos e de aumento de produção, ainda há muito trabalho a fazer nesse aspeto. Temos excelentes produtores que têm a vida mais dificultada pelos preços atuais, mas continuam a fazer um esforço contínuo de melhoria das condições das suas explorações. Aos preços atuais só os bons produtores conseguem sobreviver. 107

Vai nesse sentido a estratégia de aconselhamento técnico aos agricultores da Agromais… JN – Nos últimos dois a três anos temos insistido muitíssimo com os nossos associados na questão da redução de custos de produção

CONSUMO MUNDIAL MILHO 2014-2015 pub.

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e aumento da produtividade, porque muitos deles são especializados na cultura do milho e não transitarão facilmente para outras culturas.

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«Finalmente foi aprovado (em Conselho de Ministros) o emparcelamento rural do campo da Golegã, Azinhaga e Riachos»

Oportunidades para a Fileira do milho no atual PDR2020? JN – Finalmente foi aprovado (em Conselho de Ministros) o emparcelamento rural do campo da Golegã, Azinhaga e Riachos. Era uma batalha que a Agrotejo e a Agromais travavam há muitos anos. Aguardamos a publicação da portaria que regulamenta a medida, para elaborarmos a candidatura (ao PDR2020) e entrar imediatamente em obras. O emparcelamento vai permitir condições muitíssimo melhores para os agricultores desenvolverem quaisquer das culturas, nomeadamente o milho. As medidas agroambientais são importantes para compensar a redução do RPU que Portugal teve de aceitar. Resta agora que haja a dotação orçamental suficiente para dar suporte financeiro à elevada adesão aos apoios à Produção Integrada e ao Uso Eficiente da Água.

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Assunção Cristas deu como certa a aprovação das medidas alternativas ao Greening para o milho e tomate indústria. Bruxelas já se pronunciou? JN – Infelizmente à data de hoje (10 de Outubro) ainda não temos notícias e já está na altura de implementar a cultura de Inverno que as medidas alternativas indicam, ou seja, a partir de 31 de Outubro, e num prazo de 15 dias após a colheita da cultura anterior. Bruxelas ainda não se pronunciou. Acho que é uma medida importante sobretudo nas áreas onde o milho tem mais expressão como monocultura. Parte da redução de área este ano, diria cerca de 10%, deveu-se às medidas do Greening. Portugal é altamente deficitário em milho e não se pode dar ao luxo de deixar de produzir para importar mais milho. Qual a produção de milho esperada pela Agromais esta campanha? JN – Temos uma redução de cerca de 20% face à campanha anterior(130.000 ton), deveremos ficar pouco acima das 100.000 toneladas.


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