Cavalo Louco nº 18 - Revista de Teatro da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz

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Causava certo estranhamento uma cena de A Missão (2006) em que o público parecia ter sido simplesmente esquecido. Estranhamento de curiosidade. No teatro de vivência do Ói Nóis Aqui Traveiz, os atuadores conduzem os espectadores entre os ambientes nos quais ocorre a ação teatral, compartilhando o espaço cênico, mas naquela sequência a audiência ficava à mercê de si mesma. Era uma espécie de sala de jantar onde figurava uma mesa com farta e vistosa seleção de frutas ao alcance das mãos. Será que se tratava de um experimento? Será que os espectadores estavam sendo observados? O que era certo e o que era errado fazer naquele momento? Deveriam aguardar os atuadores ou procurá-los? E seria permitido se servir das iguarias? Não havia qualquer resposta pronta. Tempos depois, durante uma conversa com o atuador Paulo Flores, perguntei, ainda intrigado, sobre “aquela cena de A Missão em que nada ocorria”. Em tom professoral mas de forma alguma soberbo, Paulo devolveu a questão: “Nada ocorria mesmo?”. Foi quando me dei por conta do que hoje é obvio: o fenômeno teatral estava acontecendo naquela cena em sua plena intensidade. A ausência dos atuadores – ou, melhor dito, sua não presença – era também uma forma de intervenção. E se mostrou singularmente potente. Pensar na função dos atuadores a partir de uma cena em que eles não estão lá me parece estimulante porque não havia como negar que os espectadores de A Missão sentiam falta deles naquela sequência. Apesar do breve experimento do Ói Nóis, é impossível pensar no teatro de vivência sem a presença do atuador – tampouco sem o espectador. É uma lição aprendida de Grotowski. Em seu teatro pobre (que se opunha ao teatro rico, cheio de recursos técnicos, mas que não soube se reinventar na modernidade), tudo poderia ser sacrificado, como aponta Roubine (2003): cenários, figurinos, música, iluminação e texto. Menos a relação ator-espectador.

Suprima-se um desses dois termos, e estará se aniquilando, ao mesmo tempo, o fenômeno teatral. Um espectador diante de um espaço vazio de atores sentirá talvez uma emoção estética. Esta não será, por isso, uma experiência teatral. E um ator privado desse face a face que o contempla não pode senão se dissolver no narcisismo, já que se torna, em suma, seu único espectador (ROUBINE, 2003, p. 176).

O

Atuador como Artista em

Processo Fábio Prikladnicki*

Embora ninguém duvide hoje que uma cena sem atores possa ser profundamente teatral, como acabei de descrever a experiência de A Missão, o atuador do Ói Nóis tem o indelegável papel de agente de transformação. Essa transformação afeta o espectador assim como afeta o atuador. Grotowski ensina que a atuação é um ato de desvelamento por meio do qual o artista busca a

Paulo Flores, atuador e fundador do Ói Nóis Aqui Traveiz, em cena de Medeia Vozes (2013)

Revista Cavalo Louco

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