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Cassie tinha um diário virtual onde escrevia tudo o que acontecia na sua vida e desabafava. E o que parecia uma forma de terapia se tornou uma enorme dor de cabeça quando seu diário vai parar com o cara mais popular do colégio. Que aliás, é o cara por quem ela é completamente apaixonada. E agora Cassie precisa dar um jeito nessa confusão antes que o coração de alguém saia ferido.


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Capítulo 1: Pedido de Socorro

Bem, vejamos, por onde devo começar? Pela parte em que roubaram meu diário? Ou da parte em que começo a procurá­lo? Não, melhor. Vou começar dizendo quem fez isso. Meu "ex" melhor amigo, e reparem na ênfase no ex. O garoto que esteve do meu lado desde que eu era pequena, o garoto que foi como um irmão pra mim. Era ne, já não é mais. Veja bem, eu tinha acabado de chegar na sala de aula. Ainda nem tinha batido o sinal, então peguei meu caderno de matemática e fiquei revizando o conteúdo. Então eu ouço um pigarreio, olho pra frente e vejo ele ali, de pé, me encarando. E com Ele, me refiro ao garoto mais lindo de todo o universo. A primeira e última bolacha do pacote. O anel, o precioso de Sauron. O cara que povoa meus sonhos. David, o meu namorado da fantasia, com aqueles olhos verdes que poderiam fazer qualquer um suspirar. Olhos que pareciam duas bolinhas de gude, sabe? Muito lindas. E ele tinha um cabelo loiro tão bonito, lisinho. Sempre tive vontade de passar as mãos nele. Mas voltando ao X da questão, ele estava lá parado e eu fiquei boquiaberta, o admirando. Porque convenhamos, ele era lindo. E nos meus sonhos, ele era meu. Ele era meu, só não sabia disso ainda. E enquanto eu olhava pra boca dele, pensando em como seria nosso primeiro beijo, ele disse alguma coisa que eu deveria ter escutado. Algo como :


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– Com licença, moça, mas você é uma tal de Kathe Lyn, não é? Porque, tipo assim, me mandaram uma coisa no meu email. E tipo assim, era o seu diário. Só que na hora eu não consegui absorver as palavras. Ele estava ali, parado, como uma visão. O que ele estaria fazendo ali? David finalmente tinha percebido que eu era a garota dos sonhos dele? Então ele se aproximou de mim e me tocou. Tudo bem, sacudiu, uma sacudida de leve. Mas foi a primeira vez que ele encostou em mim intensionalmente, e pra quem teve no máximo um roçar de mão e ombro pelos corredores, ele me chacoalhando era demais. Faíscas saíram pelo meu corpo. E foi nessa parte que eu forcei meu cérebro a trabalhar e voltei a ativa. Ele contiuou falando e falando e eu tentando encaixar as palavras no meu cérebro. Diário. Email. E quando eu finalmente entendi e compreendi a gravidade da situação, eu gritei. –AAAAHHH. Tipo isso. O que mais eu podia fazer? O pobre do David ficou super assustado, e correu pra fora pra pedir ajuda. Minutos depois ele voltou com uma das tias da limpeza. Fiquei sem entender o motivo dele ter ido buscar ajuda e da mulher me oferecer um copo d'água. Eu não estava em crise de histeria, estava? Não responda. Sei que não é muito maduro gritar e soluçar e chorar, mas o que você faria se soubesse que alguém teve acesso aos seus


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segredos mais obscuros e íntimos? É como terem a senha das suas redes sociais. O sinal então bateu, o celular dele apitou, ele fez uma cara estranha e se mandou, com um : – Hum... Então... A gente se fala depois. Só que o depois não aconteceu. Passei três horários roendo as unhas de ansiedade e medo. Talvez fosse uma piada, certo? Uma zoeira? Apesar de ninguém mais além de Bryan ­e agora David­ saber da Kathe Lyn, meu alter ego. O intervalo chegou, e entre me esconder e ter a chance de falar um pouquinho que fosse com ele, me vi o procurando. Tentei me aproximar, mas ele estava rodeado de pessoas igualmente populares e aquilo foi um pouco demais. Eu até tentei, sabe, com um ­ Oi, David­, só que ai me olharam como se eu fosse um extra terrestre, o que eu provavelmente era. Então ele, o cara dos meus sonhos, saiu de perto dos amigos com um ­ja volto­, me pegou pelo braço e me levou até uma parede num canto. Igualzinho uma cena de um sonho que tive antes, mas ao invés dele me beijar ele simplesmente disse : –Olha, eu li as primeiras páginas porque não sabia que era seu diário. Parecia um livro de comédia, se quer saber, até aparecer página atrás de página me descrevendo, o que foi bem estranho. Então li o corpo da mensagem, onde dizia que aqueles arquivos eram um diário seu. Não sei que brincadeira foi essa, mas prometo que não vou ler mais nada seu. E a propósito, espero que seu passarinho tenha sobrevivido. Então ele virou as costas e me deixou ali, plantada. Eu passei o resto do intervalo pensando naquilo. Ele leu as primeiras páginas do meu diário. Sabia que eu achava que tinha problemas psicológicos. Sabia que eu detestava


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bacon, que uma calça minha furou na rua uma vez e eu tive que tampar com fita isolante preta, que eu quase matei o passarinho de casa e que eu gostava dele pra caramba. E tudo que eu conseguia pensar era até onde ele leu. Porque se ele tivesse lido muito, saberia que eu o amava. Apaixonadamente e incondicionalmente. Que eu achava que ele era minha alma gêmea e coisa e tal. E saberia que eu tinha fotos dele preto e branco espalhadas pelo meu quarto. E foi só na educação física que pensei além. Afinal, como ele teve acesso a tudo isso? Então me lembrei do que David havia dito, de ter recebido aquele diário por email. Na saída, fiquei procurando por ele até que o achei, o que foi um mico. Ele estava do lado de uma garota loira lindíssima, e ela me olhou de cima a baixo como se eu fosse um inseto. E pra acabar logo com aquilo, fui direto ao ponto e perguntei quem enviou aquilo pra ele. Ao que ele respondeu : – Foi aquele seu amigo, Bryan. E agora estou aqui, sentada na cozinha, escrevendo tudo isso e tentando me acalmar. E claro, com uma faca na mão, esperando o desgraçado aparecer. Porque eu juro, matarei ele. Alguém pode, por favor, me ajudar? Um socorro?


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Capítulo 2 : Meu ex Melhor Amigo

Estava tão pensativa que não vi Bryan entrando na minha casa, e levei um susto ao vê­lo na minha cozinha. Ele provavelmente percebeu que tinha algo errado, e não foi só pelo fato de eu estar segurando tão firme o cabo de uma faca e olhando de forma acusadora pra ele. Bryan tinha passe livre para entrar sem nem tocar a campanhia. Tudo bem que ele faz isso desde... Bom, desde sempre, mas agora estávamos brigados. Ou seja, o infeliz não tinha mais esse direito. Então ele perguntou se eu estava bem, e a conversa foi tipo : – Não, eu não estou, seu traidor desgraçado. –Hum, certo. O que houve? – O que houve é que você é um completo idiota. Ta tudo acabado entre a gente. Como você pode fazer isso? – Por que você ta com essa faca na mão? Guarde isso antes que se machuque – Você não ouviu o que eu disse? Bryan, como pode? Você era o meu melhor amigo, meu irmão. – Vai me dizer o que ta pegando ou vou ter que adivinhar? – Você mandou meu diario virtual pro David!! Foi isso que aconteceu. – Ah. – Você nao vai negar? – Não. – Isso porque você não tem vergonha, não é? Olha pra essa sua cara, nem parece arrependido. Sabe como isso me machucou? E ele ficou lá, abrindo os armários à procura de doces. Como se não soubesse que o carregamento só chegava amanhã, quando a mamãe fosse fazer compras. Bryan pegou uma embalagem quase vazia de doce de abóbora e finalmente respondeu :


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– Foi pro seu bem. E foi aí que perdi os poucos neurônios que me restava. – Fora. Da minha... C ​ asa!– ​ gritei, furiosa. Bryan terminou de mastigar as sobras do meu doce, deu de ombros e se preparou pra sair. – Ok. Falo com você quando não estiver tão... ­ ele se virou pra me olhar e voltou a andar. ­ Bom, tchaw. A gente se fala depois. Simples assim. Bryan nem ao menos negou. E uma parte de mim queria que ele negasse, pra que eu pudesse acreditar nele. Porque, bem, ele não era só o meu melhor amigo, era o meu ÚNICO amigo. E amigos não fazem isso. Ele sabia o quanto eu amava o David, o quão desesperada eu estava por esse amor impossível. E isso foi... Sabe, surreal. Quem garantiria que o David nao leria ele todo? David leria o meu diário inteiro e me acharia a maior idiota de todos. Provavelmente tiraria sarro de mim. Ou quem sabe... Não, não posso deixar minha mente divagar. Quais as chances dele ler, descobrir meus sentimentos por ele e retribuir? Se bem que... Não, a vida não é como os livros que leio. Seria perfeito se ele por acaso me amasse durante esse tempo todo, e tivesse receio de confessar. Mas se isso acontecesse... Iríamos andar juntinhos, eu poderia encostar nele. Abraçá­lo, sentir o seu cheiro. Passar a mão no cabelo dele e ver se era tão macio quanto eu imaginava. Quem sabe numa realidade alternativa. Uma em que eu ainda teria meu melhor amigo. Uma em que eu não fosse a aberração do colégio, ou a invisível. Fala sério, quem olharia pra mim? Antes das férias e de uma consulta com um demartologista, estava com o rosto cheio de espinhas inflamadas.


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Por outro lado e pensando um pouco, talvez tudo isso não fosse tão grave assim. Tudo bem, era péssimo e horrível. E sei que falhei miseravelmente todas as vezes que tentei chegar no David e dizer : – Eu te acho incrível, você é lindo, o boy magia que quero ter do meu lado. Sou apaixonada por você e queria te contar. Mas e a coragem pra confessar? No ralo. E eu sei que me empolgava muito e ficava enchendo o saco do Bryan por causa disso. – Ele é tão lindo, Bry. Os olhos dele são como portas para o paraíso. E o sorriso dele? Passaporte para o céu. Eu o amo tanto, Bry. Não, isso não é passageiro nem apaixonite. Sabe quando você olha pra alguém e tem certeza de que aquela é a pessoa certa pra você? E você sente que deve se casar com ela? Imagina a cena. Eu, casada com ele. E nós teríamos lindos bebezinhos de olhos verdes, e você seria padrinho deles. Não, não me olhe com essa cara. E ah, os cachorrinhos. Nos teríamos lindos cachorrinhos bonitinhos e fofinhos. Voce acha que ele gosta de animais? Eu acho que sim. Pare de revirar os olhos. Tudo bem, eu irritava o Bryan além da conta com esse assunto. Porque pra ele ter feito isso é porque não estava mesmo me aguentando, deve ter sido uma espécie de vingança. Será que eu deveria pedir desculpas? Não. Se ele estava farto de mim e da minha voz, ele poderia ter dito. Me arrancaria umas lágrimas, claro, porque eu não teria mais ninguém pra falar do meu príncipe, mas doeria menos. Bryan pode ter arruinado todas as minhas chances com minha alma gêmea. Isso foi o pior ato que ele já fez pra mim em relação ao David. Seguido dos famosos : 1­ Fingir que não está me escutando quando falo do David. 2­ Fazer caretas quando falo do David. 3­ Dizer que é tudo bobagem minha. 4­ Mandar eu falar isso pro David. 5­ Comer os chocolates que eu comprava pro David.


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Mas isso é porque ele não sabe o que é amor. Esse sentimento que te faz pensar na pessoa amada o tempo inteiro. Se perguntar se ela ta bem, o que ta fazendo. Ele não sabe a dor que sinto. Porque amar dói. Não ver aquela pessoa, não ouvir a voz dela, dói. E saber que talvez vocês nunca fiquem juntos, porque voce é incapaz de dizer. Tudo bem, eu entendo o Bryan em algum sentido. Ele nunca se apaixonou por uma garota. Os únicos amores dele são seu console de videogame e seu computador. Se ele pensa em casamento, filhos? – Namoro nao dá Xp, Lyn. Pra ele as coisas são simples assim. Só espero que um dia ele sinta metade do que sinto. Não, espera, não desejo não. Porque o peito parece estar rasgado aqui dentro de mim. Por mais que Bryan tenha vacilado, a vida toda ele estave do meu lado e não posso desejar coisas ruins a ele. Desde aquele fatídico dia em que eu fui na cozinha pegar uma jarra de água para a professora, e sem querer eu me desequilibrei porque um garoto passou correndo e a jarra caiu em cima de mim e fiquei ensopada. E enquanto os alunos ficavam tirando sarro e rindo de mim e eu estava quase chorando, porque assim, quando você tem 8 anos e isso acontece você só quer chorar e chamar sua mamãe, Bryan apareceu, pegou na minha mão e me levou até a diretoria. Enquanto eu limpava minhas lágrimas com a mão e tentava parar de soluçar, eles pegaram outro uniforme e pediram pra eu vestir ele. Então eu saí do banheiro, depois de me trocar, e vi ele parado na porta, me esperando. – Oi ­ Eu disse. – Olá­ ele falou. – Obrigado por me ajudar. – Nao foi nada. Então a gente ficou se encarando, sem graça, até que ele perguntou se eu queria salgadinho. E eu disse que sim, porque eu amo salgadinho.


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Bryan comprou um pacote e comemos sentados num banquinho. E quando eu me senti melhor ele me levou pra minha sala. E daquele dia em diante eu não tive mais que passar os intervalos sozinha, olhando as outras crianças brincarem. Eu podia procurar alguém ali no meio da multidão, mas isso durou até ele terminar a 4° série e mudar de turno. E Bryan pode ter feito muita coisa que me deixou chateada, coisas que fazia com que a gente ficasse sem se falar por semanas. Mas dessa vez ele pegou pesado. Foi na ferida, no David. E ele sabia que isso era um TABU. E agora eu teria que arrumar um novo amigo. Alguém que me ajudasse na minha lição de casa, que fosse assistir a um filme comigo. Alguém com quem eu poderia falar .


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Capítulo 3 : Um Convite Inesperado

Se passou uma semana. Bryan me ligou apenas uma vez, e ao perceber que eu ainda estava irritada e magoada com o que ele fez, agiu como se eu estivesse fazendo birra e disse que quando eu quisesse falar com ele era só ligar. O que eu não fiz, obviamente, e definitivamente não vou fazer. Nem em sonhos. E não é só poque rola toda aquela coisa de princípios e orgulho, mas porque ele estragou a nossa confiança. E também meus objetivos. De me confessar ao David, quero dizer. Horas da minha vida fazendo esboços e mapas mentais pra nada. Porque agora não tem como eu começar do 0, já que graças a Ele, David agora sabe que eu o amo. Ou que tenho uma quedinha por ele. Depende muito do quanto ele leu do meu diário. E pode ser impressão minha, mas eu acho que ele vem me evitando. Tipo assim, quando ele me vê desvia o olhar. Quando estamos no mesmo ambiente ele dá um jeito de sair. E pode ser coisa da minha cabeça, claro, porque o cara nem sabia da minha existência até recentemente. Então porque ele estaria fazendo isso, fugindo de mim? Porque me acha louca? Tenho quase certeza de que ele continua lendo meu diário virtual, e que pensa que tenho problemas mentais e posso decidir sequestra­lo qualquer dia desses. Não que eu jâ tenha pensado em sequestrá­lo, claro. Juro que o máximo que fiz foi pedir pra arrancarem um fio de cabelo dele, mas nunca mais farei de novo. A garota pra quem eu pedi, Kyle, era da sala dele em algumas matérias e fazia dupla comigo em Biologia. Ela saiu de perto de mim e disse que eu era bruxa depois disso. E nem tinha sido pra fazer feitiço nem nada, só queria algo dele pra mim. Se eu quisesse fazer bruxaria ou algo do


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tipo, eu iria no macumbaonline.com, só precisa colocar o nome da vítima e voilá. *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­* Aqui em casa as coisas andam meio forçadas. Minha mãe vive me vigiando e fazendo perguntas. Coisas como : – Aconteceu algo com o Bryan? Ele vem sempre aqui. Voces não tinham uma maratona pra ver essa semana? Pensei que fossem estudar juntos. Ta tudo bem entre vocês? Não ta com bulimia não, ne? Ta se sentindo depressiva? Minha mãe vivia assistindo programas que falavam de adolescentes ruins e mal educados, e tudo que os apresentadores sabiam dizer era que "se seu filho anda diferente, ele está aprontando merda. Já foi checar se ele não está usando drogas ou com problemas de peso?". Francamente. Será que não passa pela cabeça deles que ás vezes só queremos pensar e refletir tudo e nada? Crises existenciais. Você só quer um tempo sozinho com a cara fechada, só isso. E bem que eu queria desabafar com minha mãe e dizer o que tava rolando, porém, era tanta coisa impedindo. Além do mais, caguetar ele pra minha mãe só faria com que ela se zangasse e fosse brigar com ele. Ou pior, com a mãe dele. Elas podem ter suas desavenças, mas já avançaram pro "coleguismo". Não quero estragar isso. E o David não me caguetou pra mãe dele quando eu quebrei aquele jarro caro. A questão é que enquanto fico me remoendo por dentro por não saber se o David realmente parou de ler aquilo e apagou do computador ­e da vida dele­ as provas finais estão chegando. Sinto o cheiro delas. E do meu desespero. Eu não estou preparada psicologicamente pra ver o desgosto que vai ser meu boletim. Nem minha mãe. Ela ja ameaçou 3 vezes meu tão amado Netflix, e só não cancelou ainda porque.. Bem... Bryan. Ele prometeu estudar comigo e me fazer tira notas altas. Agora que não estamos nos falando, tenho que me virar sozinha.


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(Top 5: Maneiras de colar nas avaliações da escola, por Bryan) *Coca­cola : Sabe aquele papel que vem enrolado na garrafinha? Aquele do meio, escrito Coca­Cola? Tem código de barra nele, ingredientes, etc. Tira um xerox dele com cor. Depois você pega o branquinho (também chamado de errorex em alguns estados) e passa por cima do que ta escrito lá, exceto da palavra Coca­Cola. Depois que você tiver feito isso, os espaços que antes estavam com escritos vão estar em branco. Nesse espaço em branco, coloque fórmulas matemáticas, de biologia, química ou física. Tira outro xerox com cor e coloca o papel em volta da garrafa. Na hora da prova, deixe a garrafa em cima da sua mesa com refrigerante e boa cola. *Sapato : Ideal pra se fazer em dupla. Você e seu parceiro colocam respostas num papel e grudam ele na sola do pé com fita adesiva. Na hora da prova, vocês sentam um do lado do outro e cruzam as pernas, fazendo com que o outro possa ver a sola do pé com as respostas. Quando o professor passar, basta colocar o pé no chão. *Borracha : Essa é clássica. Se as perguntas forem de múltipla escolha, coloque a opção de resposta que você acha que ta certo (A, B, C, D, E) na borracha. E você e seus colegas vão passando a borracha. Para o professor não ver nada na borracha, raspem ela na parede. *Apontador : Se alguém tiver um apontador com uma caixinha que não seja transparente, passem as respostas por ele. Se for multipla escolha, coloquem as opções em pontas de lápis. Se for dissertativa, coloquem um papelzinho dentro dele. *Estojo : Escreva algumas respostas em um lado do estojo. Quando o professor passar, vire o lado do estojo, pra que a parte com respostas fique escondida e as partes sem respostas a vista. Como se não bastasse o medo de tirar outro vermelho, minha irmã mais velha anunciou que vai passar um tempo aqui com a gente. O que é,


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tipo assim, o fim do mundo. Ela só deveria aparecer em feriados prolongados. Ela é tudo o que eu não fui nem serei capaz de ser. É bonita, metida a sabe­tudo, bem sucedida, sempre foi uma das mais populares. Alta, magra, estilosa. Ela realmente acha que sabe tudo, mas não sabe. Meu professor de filosofia falou que sábio mesmo é aquele que reconhece não saber nada. Eu reconheço isso em mim. E agora, quem é sábio? Enfim, nós duas brigamos muito. Tipo assim, muito mesmo. E eu não quero ela aqui, porque se ela ver que eu e o Bryan não estamos mais nos falando, ela vai dar em cima dele. Porque ela sempre teve uma quedinha por ele, eu sei que sim. E não me leve a mal, mas não quero os dois juntos. Não tem nada pior que sua irmã chata com quem você não tem nada em comum com seu ex melhor amigo. Exceto o fim do The BEP, mas isso seria uma catastrofe de nível global, e só estou falando de catastrofes nivel EU. Ah, espere, o telefone está tocando, ja venho. *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­* OMG, OMG, OMG. Eu sou a pessoa mais feliz do mundo. Depois de quem ganhou na loteria ou sobreviveu a morte, claro. Ou quem ganhou um Nobel e um Grammy. Mas depois disso, com certeza sou eu. Adivinhe quem acaba de me convidar para sair? Não, não é o Robert Pattinson nem o Robert Downey Junior, mas chega perto. Ele mesmo, o David ♥ ♥ ♥ . E se for um trote foi um bem feito, porque tinha a voz dele e tudo mais. Tive que controlar muito pra não gritar depois de ouvir um "oi, é a Cassie?", porque eu juro que meu coração parou. Eu tentei responder, mas minha lìngua grudou no céu da boca. "Ah, desculpe, eu li que você não gosta que te chamem de Cassie, prefere Kathe Lyn. Eu liguei pra saber se você queria..."


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E é claro que mais uma vez eu não prestei atenção no que ele dizia, estava mais concentrada na voz. E me beliscando pra ter certeza de que não tava sonhando de novo, porque pra começar eu nem e lembrava de ter ido dormir. E eu sô sei que eu vou sair com ele e mal posso esperar pra isso acontecer. Hoje é o melhor dia de todos!!!

Capítulo 4 : A Desolação do Meu Nome

Tudo começou quando o garoto pelo qual sou apaixonada finalmente chegou em mim e conversou comigo. Mas ele não veio se declarar e dizer coisas como "eu sempre estive apaixonado por você e não sabia se você retribuiria meu amor, por isso não vim antes". Não, ele veio me dizer que alguém mandou meu diário virtual pra ele por email e pediu desculpas por começar a ler, pois ele não sabia de início que era um diário. É, ele finalmente me notou. E fez de tudo pra me evitar e ficar o mais longe possível de mim. Eu sabia que ele tinha continuado a ler, eu sabia. Sabe como tive a confirmação? Ele me convidou pra sair. Isso mesmo. E eu simplesmente vibrei, porque sabe como é, se o cara que você gosta te chama pra sair, você surta e diz Sim!! Até que você para e pensa. Por que ele te convidaria mesmo? Quase liguei para o meu ex melhor amigo, quase. Porque eu precisava de conselhos. Como eu agiria nesse encontro? Era um encontro, ne? O que eu usaria? Como me comportaria? Porém, Bryan e eu brigamos. Isso porque foi ele que mandou meu diário para o David. Então eu fui pedir conselhos pra minha mãe, e foi vergonhoso. Principalmente depois que ela descobriu que eu não ia sair com o David.


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Ela segurava um vestidinho na mão, dizendo que estava esperando por esse momento a anos : o dia em que eu e o David finalmente sairíamos em um encontro. – O qué? ­ eu exclamei, alarmada. ­ Por que eu sairia com ele num encontro? ­ perguntei, totalmente discrente. – Não é com ele ? ­ ela perguntou, assustada. ­ Como assim não é com ele? É, não foi nem um pouco legal. Me lembro de ter ficado vermelha que nem tomate e de ter participado de uma conversa que foi mais ou menos assim : – É com o David, mãe, da minha escola. Não, você não conhece ele. Sim, mãe, eu já falei dele. Sim, mãe, o David sabe dele. Como ele se sente sobre isso? Por que o David deveria sentir algo sobre isso? É, ele não tem nada haver com isso. Ta bom, mãe. É. Pois é. ­ e isso durou por tipo, meia hora. Ela parecia até que ia chorar, e eu também. A conversa tava estranha demais, então eu me mandei. – Pois é, tenho que passar na biblioteca. Tchaw. Só que eu não fui pra biblioteca, porque eu queria limpar minha mente. E fiquei andando por um tempão, até que me acalmei e voltei pra casa. Eu sei, foi infantil. Mas como você se sentiria se sua mãe chamasse o garoto que você ama de "esses garotos idiotas de hoje em dia" e brigasse com você porque você não ia sair em um ­momento dramático­ encontro com seu melhor amigo? O cara era como um irmão pra mim. Não consigo nem imaginar uma cena de romance entre mim e ele. Por exemplo : Piratas do Caribe, no fim do mundo. William Turner virou capitão de uma tripulação amaldiçoada e só poderia ver sua amada a cada quatro anos. Como despedida, eles passam um dia todo juntos se beijando e conversando. Eu consigo me ver no lugar de Elizabeth Swan, mas Bryan no lugar do Will?


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Ele estaria mais pra Jack Sparrow (eu sei que está faltando um capitão). Ele é meu grande amigo de aventuras que me trai. Pra se ter um exemplo, quando pintei meu cabelo de laranja pra ficar ruiva, um monte de gente na escola me zuou. Chegaram a me chamar de molho de tomate podre, macarrão azedo e caldo de salsicha. Isso me magoou pra caramba, e contei tudo ao Bryan. A primeira reação dele foi ter dado uma enorme gargalhada, e ele ainda ri toda vez que vê salsichas. Continuando , então eu chego em casa e escuto minha mãe no telefone. – Eu não sei, David, como você deixa ela sair com outro assim? E eu fiquei com raiva, porque Bryan não manda em mim. Minha própria mãe estava insinuando que eu tinha que pedir permissão a ele? Por favor, ele tinha que deixar? Então subi para o meu quarto e liguei pra ele. – Eu odeio você e quero você o mais longe possível da minha vida. E é claro que me arrependi de dizer isso assim que desliguei a chamada na cara dele. Não sei o que deu em mim naquela hora, e ainda não sei o que houve. Minha mãe entrou no meu quarto minutos depois e perguntou se eu estava bem. Eu disse que sim, e ela começou a pedir desculpas, disse que se eu quisesse podia sim sair, com "aquele garoto da sua escola". E passei o resto do dia assim, entre triste e irritada, me segurando pra não chorar. Não me pergunte, eu não sei o que se passa comigo. Deveria ser o melhor dia de todos e ficou tão esquisito. A verdade é que, bom... Aquilo passava na minha mente toda hora. "Não é com o Bryan que você vai sair? Como ele se sente sobre isso?". Devo admitir, eu estava me sentindo culpada. Então mandei um sms pra ele. "David me convidou pra sair. Queria saber se vai ficar tudo bem se eu for". Eu esperei por quase uma hora a resposta, até que decidi tomar um banho e me arrumar. Coloquei o vestidinho rosa que minha mãe escolheu


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pra mim, e fazia um coque no cabelo quando me olhei no espelho. E digo olhei num sentido de examinar melhor. Deixei meu cabelo solto, coloquei uma calça jeans e uma camiseta de basquete. Bem melhor. Quando estava saindo de casa pra me encontrar com o David, meu celular finalmente apitou. "Divirta­se" E é claro que fiquei triste e magoada com essa simples mensagem. Divirta­se? Era só isso que o Bryan tinha pra dizer pra mim? Porque eu poderia mandar ele enfiar aquela diversão num lugar. Em resumo, quando cheguei no lugar onde marcamos de nos encontrar, eu já estava mais do que nervosa. Chateada, irritada, triste, querendo voltar pra minha cama ou qualquer coisa do tipo. Só que todos os problemas foram esquecidos quando vi ele sentado em uma mesa, olhando pra mim. David. Ele era perfeito. Aqueles olhos verdes incandescentes fazia com que meu coração batesse mais forte. Minhas mãos suavam, meu corpo todo estava ofegante. E confesso que fiquei com medo de transpirar tanto que minha camisa ficasse molhada debaixo do braço. Sabe como é, aquele círculo enorme de suor. Andei até ele, mas me pareceu uma caminhada até o inferno. Sabe quando você ta andando e parece que tem alguém olhando? Foi bem pior porque quem me via era o carinha que eu gostava. Juro, morri de medo de tropeçar ou fazer papel de idiota. Me sentei na cadeira em frente a ele e disse "oi". David também disse "oi" e eu fiquei tipo, caramba, o que eu falo com ele? Como eu iria conseguir comer algo na frente dele ou conversar com ele? Os primeiros dez minutos, tenho que dizer, foram horrìveis. Um olhava para o cardápio, como se estivesse se escondendo, outro batia os dedos na mesa. E não tinha assunto nenhum.


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Pedimos um suco de laranja natural e alguns salgados. Ver ele comendo me fez ter coragem de comer também. Afinal, sou só eu ou mais alguém tem vergonha de comer na frente de outros que não são seus amigos ou da famìlia? As coisas melhoraram depois, quando ele perguntou se eu queria andar com ele. A gente caminhou por algumas ruas e a conversa foi quase assim : – Então... Eu sei que disse que ia parar de ler o seu diário, só que eu não parei. – ... – E eu sinto muito, porque isso foi invasão de privacidade. Eu me forçava a para e até mandei mensagem pra'quele menino, Brandon... – Bryan. – É, esse mesmo, o que mandou seu diário. Perguntei o motivo dele ter me mandando aquilo, talvez tivesse sido sem querer. Mas ele só disse pra eu continuar lendo que eu iria entender. – Aquele desgraçado... ­ sussurrei, com raiva. – Perdão? ­ ele perguntou, e eu disse que não foi nada não.­ A questão, Cassi... Digo, Kathe, é que eu sou completamente apaixonado por você e percebi isso lendo tudo aquilo. Tudo bem, me pegaram. A última parte foi mentira. – A questão é que aquele diário mostrava mais do que o dia­a­dia de uma adolescente. Mostrava você, uma garota com seus dramas. E não vou negar, me assustei pra *#&@&@ com algumas coisas que eu li. Principalmente de algumas declarações suas pra mim. Você queria um fio de cabelo meu? Nessa altura do campeonato eu estava tão vermelha como camarão, torcendo pra ele calar a boca, encerrar logo aquele "encontro" e fingir que nada daquilo aconteceu. Contudo, ele me surpreendeu com isso :


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– Acho que agora entendo um pouco mais de você e me sinto ligado a você. Quero dizer, agora eu sei de coisas que nem sua mãe sabe. E eu queria saber se você quer tentar... Ser minha amiga. Tudo bem, tudo bem, eu sei. Não foi um pedido de namoro. Mas cara, isso foi a melhor coisa que eu ouvi em um longo, longo tempo. E apesar de ter ficado parada naquele momento e de ter apenas acenado com a cabeça, por dentro eu estava tipo AI MINHA NOSSA SENHORA DA BICICLETINHA SOCORR AI SEN ÔR ME SOCORRE VOU DESMAIAR. Ele me levou até a porta da minha casa e nessa volta, ele começou a dizer umas coisas sobre mim. Como o fato de eu mesma ter mudado meu nome de Cassidy pra Kathe Lyn. E pediu pra que eu contasse a história disso. No começo fiquei constrangida, mas no final, ele estava rindo tanto que até eu ri. – Quando eu era pequena, minha mãe disse que meu nome veio como homenagem a minha avó paterna. Só que eu mal via essa mulher na minha infância, e conforme fui crescendo ela sumiu de vez. Nunca mais tive contato nem nada. Fiquei com raiva disso e resolvi mudar meu nome. Eu devia ter uns oito, nove anos. Me nomeei Kathe. Dá pra parar de rir por um minuto? Minha mãe não levou a sério e disse que isso era coisa de criança. Só que ela foi chamada na escola, porque eu tinha feito todo mundo me chamar de Kathe e me recusava a responder a chamada na sala de aula se os professores chamavam Cassidy. Ela não mudou no cartório, mas pegou. Me sinto com três nomes. É que tipo, além de me chamarem de Kathe e Cassidy, meu amigo Bryan me apelidou de Lyn. É, eu sei, a história do meu nome é estranha. David, em certa altura, chegou a dizer que eu era fascinante, e que nunca tinha conhecido uma garota tão interessante quanto eu. Ele me deu um beijo na bochecha, disse que me veria amanhã na escola e saiu andando. E é claro que quando eu cheguei em casa, algo tinha


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que estragar minha felicidade. Parecia que a família estava toda ali, me vendo entrar suspirando de amor. Incluindo minha irmã e Bryan.


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Capítulo 5 : Mundo Injusto

Estou com tanta raiva e frustração que nem sei por onde começar. Vejamos... Veja bem, a minha prima, Rebeca, é uma doida de pedra. Ela tem problemas de tudo que é tipo, e minha mãe vive dizendo que agradece por eu não ser como ela. – Seus tios não sabem mais o que fazer com ela. Chegaram a pagar um psicólogo, mas parece que não deu em nada. Isso foi a última coisa que minha mãe me disse sobre ela. Mas ao que parece, Rebeca voltou a ter suas consultas e prometeu que mudaria. Largaria as drogas e as bebidas, aquelas roupas bregas. E pra comemorar, decidiram reunir a família toda pra fazer um churrasco, o que é ridículo. Primeiro porque em nenhum momento, eu vi a Rebeca dizendo que ia mudar. Quando eu entrei em casa e vi minha família toda ali na sala, conversando e rindo, vi ela sentada num sofá com a cara amarrada. – O que ta pegando aqui? ­ eu perguntei, estranhando aquela reunião. – Estamos comemorando as mudanças que Rebeca vai fazer na vida dela! ­ minha tia respondeu, animada. Eu olhei para o cabelo da Rebeca, cheio de mechas. Olhei para as roupas, aquelas que os rockeiros costumam usar. Tudo preto, uns símbolos estranhos na camisa. Calças com correntes. A única mudança que eu via era que as roupas dela não estavam rasgadas. Juro pravocês, toda vez que eu vejo ela, parece que uma manada de cachorro pulou nela. Resumindo, eu não vi mudança nenhuma. E meu outro primo, Ronald, irmão mais velho da Rebeca, me disse faz pouco tempo que na verdade, ela só voltou pro psicólogo porque "teve um surto". Ha. Segundo, mesmo que ela tivesse mudado (ou quisesse mudar), por que raios a festa tinha que ser na minha casa? Nada contra minha famìlia, mas


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sabe como é. Sou eu que vou ter que ajudar depois na limpeza. Quem tinha que dar esse churrasco eram meus tios Leopold e Jema, pais dela. E por fim, se a festa era pra Rebeca ou em comemoração a ela, alguém poderia me explicar o motivo do prato principal ser churrasco? Hellooow, a menina é vegetariana. Ta certo que ninguém iria querer fazer rodízio de salada, mas sei lá. Se ela só comia mato, deviam respeitar o gosto dela. Mas nem é isso que me deixou irritada e me fez sair da festinha comemorativa. Depois de eu ter cumprimentado as pessoas, de ter sido abraçada a força pela minha irmã Natasha e de ter que aguentar os olhares de Bryan sobre mim (porque eu sempre sinto quando ele ta me olhando), minha mãe pediu pra que eu fosse no açougue. Porque se você passa um dia maravilhoso fora de casa, sua família tem que dar um jeito de cortar seu barato. Fui no açougue, que por sinal ficava beeem lonhe de casa. Aliás, não dava lra um adulto levantar a bunda dl sofa e vir comprar de carro? Claro que não, a fofoca tava boa lá, ne? Tinham que mandar o burro de carga. Então eu estava lá na fila quando minha irmã aparece. Aparece entre aspas, ne. Eu to la na fila, olhando as carnes, quando eu viro pra tráse vejo ela lá. – Oi de novo ­ ela diz enquanto ajeita o cabelo. – Você quase me matou de susto! ­ eu exclamei, apavorada. – Foi mal. – Por que não disse que tava atrás de mim? ­ eu perguntei, indignada. ­ Veio atrás de mim esse tempo todo? – Claro que não, eu não viria a pé. Peguei um carro emprestado. Pediram pra te dizer que é pra comprar dois kilos a mais de picanha. E ver se você vai trazer tudo certo. Juro que naquele momento, eu poderia ter pegado o pescocinho dela. Um telefone bastava, apenas isso. Dentro do carro (porque ela me insistiu em me dar carona), ela disse que queria falar comigo.


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Claro que queria, ne. Ter uma conversinha a sôs. Aposto que esse foi o plano dela desde o início. Enquanto dirigia, ela começou a falar um monte de asneiras. Falou do produto novo de cabelo, da unha, de um tratamento eficaz pra perder uns quilinhos (senti uma indireta aqui), falou da faculdade. Ela disse que alguns professores entraram de greve, e ela resolveu ajudar entrando de greve também, e por isso estava em casa mais cedo. Quando a gente tava quase chegando em casa, ela começou a falar do Bryan. – Como vai a amizade entre vocês? – Bem. – O que fizeram juntos recentemente? – Não é da sua conta. – A mãe disse que vocês brigaram, então tomei a liberdade se convidar ele pra vim festejar de novo. Nem eu entendi isso, mas continuando... – Por que você chamou ele? ­ eu praticamente berrei, mas foi pela surpresa. – Ah, porque ele é quase da família. Se você não ia convidar e a mamãe não ia comprar briga, eu convido. Foi aí que ela começou a me dar uma lição de moral sobre um monte de coisas. Falou de amizades, relacionamentos. E eu fiquei tipo, DÁ PRA ISSO PARA POR FAVOR? Sem ofensas, eu não precisava de nenhum conselho dela. Foi com grande alívio que saltei do carro quando ela estacionou. Tentei me mandar e vim para o meu quarto, mas fui obrigada a ajudar a preparar as coisas. Aí chamaram a Rebeca pra cozinha, sabe­se lá o motivo de terem feito isso, e ela foi com todo o rancor nela. Passamos um bom tempo colocando carne no palito e espetando farpas uma na outra. Porque ao contrário da minha irmã, onde eu consigo me


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controlar pra ficar calma, Rebeca tira o pior de mim. Ela me provoca, eu fico retrucando. DUELO DE TITÃS REBECA X KATHE Round 1 : ela perguntou se eu ainda escrevia nesses diários que eu tinha. Eu disse que sim. Ela disse que no consultório dela, viu uma garota que precisava usar o diário pra desabafar. Fiquei em silêncio. Ela disse que diário era pra gente com problemas, e que eu devia me cuidar. Round 2 : eu perguntei qual tinha sido a última vez que ela foi em uma consulta, e ela respondeu dizendo que de manhã. Eu ri dizendo que ela era obrigada a ir em consultas, e depois eu que tinha problemas. Round 3 : Ela jogou vinagre em cima de mim. E só não joguei óleo nela porque minha mãe apareceu nesse momento. E aqui estou eu, no meu quarto, e todos estão se divertindo lá embaixo. Depois de eu ter tomado banho, minha mãe brigou comigo e disse que eu não devia brigar com a Rebeca. Dá pra acreditar nisso? Sério, qual é o problema dessa gente? Eu estou de castigo no meu quarto pra não irritar minha prima doida, mesmo tendo sido ela que me atacou? O. Mundo. É. Injusto. Demais.


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Capítulo 6 : Crises de Histeria

Minha mãe veio conversar comigo. Ela disse que a Rebeca era um caso muito preocupante, e que só tinha pegado no meu pé porque tinha juìzo. Rebeca não tinha, então ela só queria que eu ficasse o mais longe possível dela. Quando o pessoal estava pra ir embora, mamãe disse que eu podia sair do quarto me despedir deles. Fui de muita mâ vontade, devo admitir. Eles estavam indo embora, mas a sujeira ficou. Fui encarregada de lavar a louça, o que não foi tarefa fácil. Tinha tanta coisa suja que se eu pudesse, jogava tudo fora e iria repor com coisas de plástico. Talheres, copos, pratos. Iria economizar água e esforço. Tudo ia mais ou menos bem, até que Bryan apareceu. E eu fiquei tipo : – Você ainda não foi embora? E ele ficou tipo : – Vou ajudar na bagunça. O que foi uma coisa boa, o mundo precisava de mais gente assim. E também foi ruim, porque eu ia lavando, ele secando e minha irmã apareceu pra guardar. E tudo foi muuuito constrangedor. Os dois ficaram conversando, rindo. Parecia até que eu não estava ali. Sempre que dava, eu olhava com raiva pra eles e fuzilava minha irmã com o olhar. Ela deve ter percebido a deixa, porque minutos depois disse que precisava arrumar uma "coisa lâ". Bryan ficou me encarando, e eu perguntei qual era a dele. E ele ficou na defensiva, como se eu tivesse feito algo errado. E então a gente meio que discutiu. Eu : Por que ta me olhando com essa cara? Bryan : Você que ta me olhando estranho. Eu : Eu não to nada.


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Bryan : Você ta sim. Eu : Você que ta. Bryan : Não to não. Eu : Ta sim. Bryan : To o que? Eu : An? Bryan : Você disse que eu to alguma coisa. Do que está me acusando mesmo? Eu : Para de distorcer os fatos. Bryan : Que fatos? Eu : É por isso que não dá pra conversar com você. Bryan : Até porque sou eu que sou imaturo demais pra conversar. Eu : Isso foi uma indireta? Bryan : Nããão. Eu : Eu acho que foi sim. (Minha irmã do outro lado da parede) : Eu tenho certeza que foi. Mandei minha irmã ir cuidar sa vida dela e parar de se intrometer nos assuntos dos outros, continuei lavando aquela louça que parecia não acabar e o Bryan ficou secando, como se nada demais estivesse acontecendo. Falando em louça, como que essa merda multiplica, hein? Quanto mais eu lavava, mais ela aumentava. Passou uns minutos, coisa e tal, e eu sentindo o Bryan me olhando. Eu já estava bem nervosa ne, porque tipo, caramba. Que momenro embaraçoso. E eu com aquele caroço enoooorme, querendo falar um monte. Não resisti. Eu : Por que você tem que ser assim? Bryan : Assim como? Eu : Você é um idiota. Bryan : Sei. Eu : Como você teve coragem de me trair?


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Bryan : A frase é ao contrário. Eu : Para de mudar de assunto. Você teve a capacidade de não só chegar no garoto que eu gosto e dizer que eu gosto dele. Bryan : Você sabe que essa frase ta confusa, ne? Eu : Não interrompe. Você deu o meu diário, a coisa mais íntima que alguém pode ter no mundo pra outra pessoa. E nem pediu desculpas. Bryan : Desculpas. Eu : Vá a merda. Nesse momento, eu ia pisando duro e saindo da cozinha. Ele ter dito "sua mão ainda ta com sabão" me fez voltar. Enxaguei minha mão na pia enquanto ouvia ele rindo e vim para o meu quarto de novo. O que mais eu poderia fazer? Ninguém veio falar comigo ainda, nem exigir que eu voltasse pra terminar de arrumar. Eu ouço eles conversando baixinho, e eu sei que é de mim que estão falando. Eu sinto isso. Tem alguém batendo na porta, perai. *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­* Eu não sei o motivo de me sentir tão frustrada. Parece que tudo ta dando errado, sabe? Bom, não tudo tudo, mas mesmo assim. Quando me acontece uma coisa boa, vem umas cinco ruins. Como se o destino chegasse e dissesse : "essa aí ta feliz demais, temos que cortar o barato dela. Já sei, vou consultar minha lista de Maneiras de Ferrar com a Kathe". Apesar do meu nome verdadeiro não ser Kathe, ser Cassidy. Mas eu não sou a única a ter um codinome. Eu acho que todo mundo deveria ter um nome reserva. Porque apesar do nome ser seu, não foi você que escolheu. Sinceramente, alguém jâ parou pra pensar em como escolheram o seu nome? Qual a história dele? A minha história é lastimável. Cassidy em homenagem a uma pessoa que me deve mais de dez presentes de aniversário. E se ela aparecer, eu vou cobrar dela e em juros.


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Alguém já pesquisou o significado do próprio nome? Qual a origem dele? Veuo da onde, do latim, do grego? Eu acho isso muito importante porque eu sou desses que acreditam que o nome de uma pessoa, resume quem ela é. Mas se você nem nasceu ainda e nen você mesmo sabe quem vai ser, como escolhem teu nome? Por isso sou sim a favor dos dois nomes. O dos pais e o que te der na telha de colocar. Tipo "canoa furada". Caramba, jâ saí do foco que eu estava. Saindo do momento revolta para o dramático, o Bryan bateu na porta do meu quarto e disse que sentia muito pelo que fez. Que não queria me magoar nem nada disso, ele disse que queria me ajudar. Só que eu perguntei se ele se arrependia, e eu vi nos olhos dele que a resposta era não. – Em partes, porque eu faria de novo. ­ ele disse. E é por isso que estou colocando nova senha nesse diário. Sabe como é, se prevenir. Bryan mexe com essas coisas de hacker e é desconfortável. Tem vezes que to na internet e fico imaginando se não tem alguém seguindo meus passos online. Eu li numa revista que as empresas guardam tudo que você pesquisa na internet, pra te oferecer produto. Não entendi bem, mas tava escrito que eles guardam todos os seus dados e podem saber tudo sobre você só olhando as páginas que você curre no face. Tipo, bizarro. Voltando aqui ao Bryan, ele disse que faria de novo e que era pro meu bem. Mas espera aí, e se o David não fosse esse cara incrível que ele é? E se ele fosse um mané e divulgasse pra escola toda coisas sobre mim? Eu falei mal de um monte de gente, se as pessoas ali lessem, eu apanharia tanto que mudaria a cor da pele. Não foi só detalhes íntimos, eu estaria encrencada. E as coisas que eu falei de professores, da diretora? Gente do céu, e sobre a minha mãe? Não que eu tenha ofendido ela, mas nos momebtos de revolta a gente solta uns desabafos que podem não ser bem­vindos.


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O Bryan pediu pra que a gente voltasse a ser amigo, e eu disse que iria pensar. Eu realmente queria desculpar ele, mas eu precisava de um pouco mais de tempo. Ele me perguntou se eu odiava ele de verdade, e bom, eu tive que dizer que não, ne. Não odiava. Bryan sacudiu minha cabeça com a mão, disse que me daria um tempo e saiu. E eu quase, quase fui atrás dele pedir desculpas. Mas hellooow, pedir desculpas pelo que mesmo? Eu sei que ele invadiu o site do prefeito e fez um tal de deface nele, eu caguetei ele pra alguém ou pra polícia? Não. Dedo duro X­9. De qualquer forma, eu não vou mais... AI MINHA NOSSA SENHORA DA PAÇOCA DOCE E DA GOIABA DE 3 CONTO, O DAVID ACABOU DE ME MANDAR UMA MENSAGEM *­* "Oi, quer ir na sorveteria comigo depois da escola?" AI MEU DEUS EU QUERO SIM, VOU ATÉ NUM CEMITÉRIO COM VOCÊ, PEGO FILA E PAGO TUDO SE VOCÊ QUISER, EU VOU ATÉ NO INFERNO!! "Sim, eu gostaria de ir sim" EU AMARIA IR, EU ACHARIA BOM, EU ACHARIA MAIS QUE BOM, EU VENDERIA UM RIM PRA ISSO. "Okay, combinado. Na Florean&Flour blz?" OMG OMG OMG OMG ELE ME RESPONDEU NO MESMO MINUTO, ELE TA TÃO NA MINHA *­*. " Blz, é a minha sorveteria favorita". "Eu sei, li o seu diário, lembra?". É, lembro. Eu lembro...


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Capítulo 7 : Trabalho de Toco

É estranho quando você, que sempre pegou a primeira roupa que via pela frente, começa a revirar o guarda­roupa inteira procurando algo decente. E só porque você procura, você não acha. Agora, se eu resolvo ir de pijama pra escola e colocar só uma blusa de frio por cima, nossa, aparece roupa bonita. Vou ser sincera, não uso mesmo por descaso. Tem dias que só acordo, escovo os dentes, pego a mochila e subo daquele jeito, com a meia na pantufa e tudo. Como não achei nada legal ali, peguei da minha irmã. Ela me devia, porque quando ela morava aqui, ela usava tudo o que era meu. Até minhas blusas curtinhas, que mal cabiam nela, ela colocava. "Valoriza o meu busto", ela dizia. Peguei uma blusa de gatinho dela, minha melhor calça­jeans e fui pra escola. Chegando lá, achei que o David viria falar comigo ou algo do tipo, mas quando ele me viu, só acenou pra mim e continuou conversando com os amigos. Claro que eu não deixaria isso me aborrecer. Enquanto os professores enchiam o quadro de textos, passavam trabalho atrás de trabalho e marcavam datas pra provas, me perguntei que conto de fadas era aquele. Porque até onde eu sabia, quando a garota começa a ter um lance com o garoto, não existe mais professores dando aula, não tem mais trabalhos, não tem nada. A escola vira o palco pra um reality show, é onde vai rolar os pontos altos da minha vida amorosa. As cenas de ciúme, briguinhas com a oposição (tipo as garotas que ficam com inveja porque eu to com o cara cobiçado). Cadê isso, gente? Minha vida ta tão errada que nem isso eu vou ter? No intervalo, ainda fiquei na esperança dele vim falar comigo. Gente, eu estava de maquiagem e com o cabelo penteado. Sabe o que isso significa?


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Era o amor na sua mais crua personificação. Eu odiava maquiagem, pra mim era a mesma coisa que colocar pó na cara. Cabelo arrumado antes das 11? Nem no domingo na igreja. E ele não veio falar comigo, mas outra pessoa veio. — Ei, quanto 'cê cobra pra fazer meu trabalho de compensação de falta? Porque na escola é assim, se você falta o ano todo, eles te dão uma lista de um moonte de exercício pra fazer, pra compensar essas faltas. O que eles fazem? Procuram os nerds pra fazer por eles. Eu ia recusar, como todo ano, mas ai, sei lá. Eu fiquei pensando naquilo, sabe? Adivinha o que eu fiz? — Me encontra no fim da aula que eu te dou a resposta. Sim, eu fui pensar nisso. E fui contar pra coordenadora da escola. — Ele disse que me pagava cinquenta se eu fizesse o trabalho dele, e eu meio que to pensando em aceitar. Sheila, era o nome da coordenadora, passou um bom tempo me olhando. Acho que ela não tava acreditando naquilo. Mas quem ficou surpresa no final foi eu. — Ah, faz então. A gente sabe que eles não vão fazer. Pega o dinheiro, vai estar ajudando elea mesmo. E foi assim que, antes da aula, eu tinha a seguinte tabela : X­Tudo : Todos os trabalhos feitos por 50,00 Combo : 4 trabalhos feitos por 20,00 [ Trabalhos disponíveis pra escolha no combo : geografia, história, química, sociologia, artes, inglês] Duplex : Trabalho de matemática e física por 10,00 Individual : Um trabalho por 8,00 Então, no fim da aula eu tava lá, recebendo um monte de trabalho e pensando na grana. Só agora que caiu a ficha. Se eu nem dou conta de fazer


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os meus, pego resumo de resumo, como vou faser aquilo tudo? Mas acho que pensar em toda a grana que vou receber, vai compensar. Quando eu vi o David, na saìda, ele parecia estar procurando alguém. O engraçado foi que quando ele andou até mim, meu coração acelerou e só depois que ele perguntou "pronta pra ir?" é que lembrei que agora eu e ele éramos... Na melhor definição, amigos. E tudo bem que ele não elogiou minha blusa, cabelo ou maquiagem, mas ele perguntou o motivo de ter tanta gente ao meu redor minutos antes. "Ah, nada não", eu disse, me perguntando o que ele acharia de mim se soubesse que eu sou da máfia agora e comando esquemas de trabalhos falsos. A gente foi junto até a sorveteria, mal nos falamos e pensei se iria rolar aquele climão de novo, como no nosso primeiro encontro. Assim que a gente chegou aqui (na sorveteria), ele escolheu uma mesa, pediu pra mim sentar e disse que já voltava. Só que vai fazer uns 30 minutos que ele não volta, e eu to tipo, angustiada e ansiosa. E estou digitando no celular pra parecer distraída, e não uma otária que levou um toco. Será que ele iria chamar os amigos pra me zoar? Alguém me filmava do lado de fora, tirando sarros do toco? Se bem que o David não era assim, ele era perfeito. Mas o medo da minha comédia romântica virar terror, é horrível...


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Capítulo 8 : Língua nos dentes

David apareceu depois de um tempinho. Quero dizer, nem demorou tanto assim. Me distraí com a televisão, estava passando reprise dos Dez Mandamentos, era aquele episódio em que Moisés abria o mar vermelho. Então, David apareceu e eu perguntei pra ele onde raios tinha ido e feito o qué. Não desse jeito, claro, porque não dá pra falar com seu futuro marido de qualquer jeito. Eu fiquei dizendo que não tinha problema nenhum, que nem notei a falta dele. O que pra mim foi um belo de um pisão na jaca. E adivinha só o que ele me disse? Ele disse que sabia que eu amava um sabor de sorvete exclusivo daquela sorveteria, o Flash. Era uma mistura de coco com baunilha com não sei o que mais, mas até onde eu sabia, só vendiam nos sâbados. E tipo, hoje não era sábado. Então ele disse que foi lá nos fundos, onde eles preparavam a massa do sorvete e conversou com um cara lá pra que eles fizessem aquele sabor pra mim. E depois de tanto implorar ­ e de um suborno básico ­ eles aceitaram fazer o sabor que eu queria, só que não tinha todos os ingredientes. Então o David, pra não estragar minha surpresa, foi lá comprar. Sabe, talvez não tenha sido tão ruim, no fim das contas, David ter lido meu diário. Porque ele agora pode fazer várias coisas que vão me agradar, porque ele leu a respeito. Teve uma parte do meu diário onde eu escrevi o quanto amaria que David me levasse na sorveteria, no meio da semana, e desse um jeito de me arrumar o sorvete que eu queria. E isso se realizou. Não sei como tive a capacidade de duvidar dele por um segundo. Ele é tão perfeito, um completo príncipe encantado. Eu só não sei o que fiz pra merecê­lo. *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­*


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Suborno : dinheiro ou algum bem que se oferece pra alguém em troca de um favor. Na sorveteria, eu não tinha parado pra pensar direito, mas depois, refletindo no conforto de casa... O DAVID É CORRUPTO??? Eu sei, eu sei, ele fez isso por mim. Só que, de qualquer forma, foi errado, não foi? Quero dizer, eu sei que ninguém se feriu ou algo parecido, ele só pediu pro carinha fazer a massa do sorvete que eu queria. Devo estar sob algum tipo de estresse pós­encontro. Durou poucos minutos, porém, aquele encontro com ele mexeu comigo e estou elétrica faz horas. Acho melhor tentar ir dormir. *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­* Alguma coisa estranha está acontecendo. Enquanto eu ia pra escola, fui topando com algumas pessoas da minha escola. Quero dizer, super normal isso. Quando se vai pra escola, você vê outros alunos indo também. O estranho foi ver eles olhando pra mim. Sabe, apontando, como se soubessem quem eu era. Quando eu cheguei na porta da escola, até ouvi um "é ela!". As pessoas apontavam pra mim, me olhavam de cima a baixo, sussurravam e davam risadinhas. Haha. Foi assim enquanto eu andava pelos corredores, foi assim quando cheguei na minha sala. Tipo assim, eu sei que na maior parte do tempo eu nem penteio o cabelo, e posso ter arrumado meu cabelo numa linda trança. Mas tava tão estranho assim? Pedi lra professora pra vim para o banheiro. Me olhei no espelho, olhei minha roupa, até chequei se minha calça estava limpa e seca. Nadinha fora do normal. Então me diz, qual o motivo de tanta gente que nem conheço estar tirando sarro com a minha cara? O que foi que eu fiz de errado? A vontade era de não sair mais do banheiro. *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­*


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É, nâo pude ficar lá por muito tempo. Uma inspetora me pegou no banheiro e brigou comigo, porque segundo ela, eu estava "cabulando aula". O que era um ultraje, faça mil favores. Primeiro porque se eu fosse matar aula, não ficaria dentro do banheiro. Sem qierer ofender, esses banheiros aqui fedem. Se eu fosse querer fugor da aula, iria pra quadra ou pra biblioteca. Aliás, eu realmente devia ter ido pra lá. Bom, acontece que ela me escoltou até minha sala, e nâo tive escolha senão entrar. E por incrível que pareça, ainda tinha gente rindo de mim. Teve um momento que perdi a paciência, e perguntei pro garoto atrás de mim qual era a graça. – Um menino espalhou pra escola toda que você gosta de um tal de David, e que ele só pediu pra sair com você por piedade. Eu iria perguntar mais a respeito, mas o " cala a boca ai atrás", da minha professora me fez ficar quieta. Só não me impediu de ficae toda vermelha de vergonha. Porque assim, eu sei que eu gosto do David. Na verdade eu o amo, mas alguém sair por aí espalhando isso? Eu não queria nem ver. Assim que bateu o sinal para o intervalo, fui na diretoria com toda a minha "dor de barriga" possível. Sabe como é, eu não queria ser zoada com o David por perto. E francamente, mesmo qie alguém tivesse espalhado o boato de que eu gosto do David ­ me surpreende ninguém aqui ter percebido antes, porque não acho que eu escondia muito bem ­ ainda inventaram que ele tinha pena de mim. Sem chances. David não era esse tipo, não era mesmo. E eu só não fui até ele porque... Porque eu era covarde demais pra encarar tudo aquilo. Mas adivinha só quem eu encontrei lá na diretoria? Isso mesmo, o David. – Escuta, Cass.. Kathe. Olha só, eu fiquei sabendo sobre esse boato que espalharam. ­ ele disse enquanto eu só queria vomitar. ­ Eu contei pra um amigo meu sobre seu diário. Não tudo, eu juro. Só disse a ele que eu li que


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você gostava muito de mim, e eu não sabia bem o que fazer a respeito. E ele, bocudo, saiu imventando merda por aí. – Aham. ­ foi só o que eu disse, porque mais uma vez eu estava sem reação. – Me desculpa mesmo por tudo isso, você não tem noçâo do quanto to me sentindo mal com isso. – Sei. – Você me desculpa mesmo? E você ta bem? Parece com uma cara estranha. Nesse momento, a muljer que tinha ligado pra minha irmã vir me buscar apareceu, e teve que ACABAR com a minha vida – Ela está bem sim, só com dor de barriga. Eu juro, se naquele momento eu visse um poça, me jogava nele. Tipo aquele poço que aparece em Coraline, um bem fundo e assustador, pra que eu nunca mais subisse pra superfície. Precisa ter visto a cara que o David fez, foi impagável. E aposto que a minha também foi. Ele disse : – Okay, melhoras. Te vejo amanhã. E foi embora. E tudo que eu queria fazer era gritar atrás dele : – Espera, eu não to com dor de barriga nem vontade de ir no banheiro, eu só inventei isso pra não ter que ser zuada por ninguém no intervalo por causa do que você disse ao seu amigo! Merda. Merda mesmo. E sabe qual foi a pior merda? Quando a minha irmã chegou pra me buscar, ela tava com uma sacolinha com uma roupa reserva. Ela achou que eu poderia ter "melado" minhas calças. E eu comecei a chorar na frente dela, e ela só me abraçou e disse que aquilo já tinha acontecido com ela também. As coisas podem não estar indo bem, a previsão era de chuva de canivete pelos próximos dias. Mas eu tinha algo pra zoar com a minha irritante irmã sabe tudo.


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Capítulo 9 : Um Gostar a mais Eu não quis ir pra escola no dia seguinte. Nem no dia seguinte ao seguinte. Nem no posterior a ele. Eu sei, eu sei. Eu estava perdendo aula, trabalhos e apresentações, prova. Só que eu tinha duas alternativas. Alternativa A : ir pra escola com algo na cabeça, tipo uma máscara ou um pano mesmo. Alternativa B : Me esconder em casa. Quero dizer, qual seria a sua reação se o garoto que você gostasse ouvisse que você ta com dor de barriga? Mesmo que na verdade você não estivesse. E a escola toda soubesse que você gosta do garoto mais popular de lá? Apesar de a maioria das garotas ali também gostar dele que eu sei. Mico total. Minha mãe, ao invés de ajudar, fica naqueles discursos de "eu não sei o que acontece com esses jovens de hoje em dia", como se ela nunca tivesse sido jovem. Como se os jovens de ontem tivessem sido diferentes. Com licença, sei muito bem que não sou a primeira, nem a última, nem a única aborrecente desse mundo. Eu lembro de um texto do Sócrates, que meu professor passou uma vez. Não me recordo bem como era, mas ele escreveu isso a sei lá, zilhões de anos atrás. "Nunca se viu geração tão perdida quanto essa. Os mais novos não respeitam os mais velhos, e suas ações assustam a todos. Esses jovens estão perdidos" Verdade seja dita, não são os jovens que pioraram. São os meios de comunicação que melhoraram. Veja bem, antes, era difícil saber o que se acontecia do outro lado do país. Tudo era escondido, mal divulgado. Hoje, a gente sabe o que se passa do outro lado do mundo em questão de segundos.


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Pode ser o filho do presidente, se ele fizer algo errado, uma hora alguém fica sabendo e posta na internet. Merda, enrolei de novo. Onde eu estava? Ah, sim. Então, todos esses dias em casa e minha mãe só soube falr de como minha geração é horrível e tudo que existe de ruim, e me fazer de elfo doméstico. Meu guarda­roupa, por exemplo, está tão arrumado que acho que só vou arrumar de novo ano que vem. Mas saindo disso tudo, minha mãe disse que hoje eu vou pra escola de um jeito ou de outro. Desanimo me define, os minutos do relógio estão voando. Contagem regressiva para minha ida ao inferno. X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Eu tentei pensar positivo, juro que tentei. Ter aquelas vibrações boas, sabe? Porque eu ouvi dizer que muita coisa acontece pela força do pensamento. Pense positivo, vai dar tudo certo. Mas não rolou. É, pois é. Acontece que as coisas pioraram. E aí eu te pergunto, COMO ISSO É POSSÍVEL? Antes, eu só era a garota invisível que quase ninguém olhava. Agora, eu sou chamada de A Garota do Toco, A Garota do Diário e Aquela Esquisita Bem Ali. E sabe por quê? Porque aquele amigo do David, o Miguel, espalhou pra todo mundo que eu gosto do David. Até aí tudo bem ne (mentira, tudo bem é o c@r@l#°). Não contente com isso, esse Miguel saiu falando que eu mandei meu diário para o David, e foi assim que o David ficou sabendo que eu gosto dele. E agora eu sou zuada por : A) Gostar do garoto popular. B) Não ser correspondida. C) Nessa idade, ter um diário. D) Ter mandado meu diário pro David, pra que ele tivesse pena de mim ou porque eu estava desesperada. Eu estou com tanta raiva dessa tremenda injustiça. E arrasada. Meus dedos estão tremendo aqui, nem sei como ainda consigo digitar. E eu não


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tenho diário, não escrevo mais um. Eu só... Digito no meu notebook ou no meu celular as coisas que eu penso, não é um diário. São só lembranças pra que no futuro, quando eu for uma velha sem memória, ter algo pra ler sobre mim mesma. Exceto se eu estiver cega, porque aí algum neto meu vai ter que ler pra mim. Ah, dane­se, eu tenho um diário virtual. É crime ou pecado ter um? Onde está a lei que me proíbe escrever sobre meus sentimentos? Coitado do David. Coitada de mim. Eu estou sendo forte, é o que eu penso. Eu aguentei aquelas piadinhas, eu aguentei as bolinhas de papel e os apelidos. Porém, eu acho que vou estar bem melhor quando eu perguntar umas coisinhas ao Bryan. X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Eu estou tão, tão fula da minha vida. Acho que estou tendo um ADP. Por que raios, ao invés de sair da escola e ir direto pra casa, eu tive que ir na casa do Bryan? Por que raios eu tive que bater na porta dele como uma maníaca desesperada, e perguntado : – Por que você mandou meu diário pra ele? Quero dizer, ele mal abriu a porta e eu já disparei isso nele. Talvez ele tenha se assustado e um pane aconteceu no cérebro dele. Quero dizer, eu berrei as palavras EU ESTOU PASSANDO POR UM INFERNO E A CULPA É SUA!!! E ele ficou lá, me encarando, como se não estivesse acreditando naquilo. Talvez isso nem tenha acontecido mesmo, pode ter sido um sonho. Em que mundo ele... Ele... Nem consigo pensar nisso. Preciso voltar a fita e recapitular. Eu fui cobrar satisfações dele, acusei ele de um monte de coisa, perguntei o real motivo dele ter mandado meu diário para o David. Eu não devia ter dito tanta coisa, mas veja bem, aconteceu. Eu disse tudo o que passou pela minha cabeça, e recebo aquilo. AQUILO.


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Então eu comecei a chorar e a soluçar, porque eu não estava entendendo. Bryan estava dizendo... Estava dizendo que gostava de mim? Gostava de gostar mesmo? Nem sei porque na hora eu comecei a chorar. Quero dizer, não é como se ele tivesse se declarado pra mim, ne? Poxa, ele ficou pedindo desculpas, e eu fiquei tipo, "diz que isso é brincadeira", mas lâ no fundo eu sabia que não era. Eu sei, assustador. O mais bizarro foi que na hora que ele disse que gostava de mim mais do que como amigo e irmão, eu meio que sabia do que ele estava falando. Bryan estava tão sério. E ele disse : – Eu gosto muito de você, blá blá blá, eu só não queria te ver sofrendo pelo David, blá blá blâ, já faz um tempo que eu estou sofrendo por você. E tudo isso foi fazendo sentido pra mim. De o Bryan gostava de mim como ele estava dizendo (o que, pra ser sincera, foge da realidade. Quando ele deu sinais de que gostava de mim?), então ele teria mandado meu diário para o David só pra me prejudicar? Porque agora, veja bem, o David nem olha mais pra mim. Bryan queria arruinar minhas chances com o amor da minha vida só pra ficar comigo? Quanto egoísmo. David está assustado, mas quem não estaria? Tentei ligar pra ele, mas o número estava "indisponível". E eu só sei que talvez eu não me case com minha alma gêmea porque um amigo invejoso tentou arruinar tudo. Dessa vez, tenho que dizer, não me sinto nem um pouco culpada por dizer que odeio o Bryan. Se ele gostasse de mim, mais do que como um "amigo" que gosta da amizade da sua "amiga", o que custava ele ter dito antes? Quanta merda.


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Capítulo 10 : Meu Vício Eu tenho uma bonequinha que até hoje eu guardo. É uma fadinha, eu amo fadas. Amava assistir Winx, não perdia um episódio. Teve uma gincana na escola, uma vez, e quem cumpria as provas ia acumulando pontos. O Bryan ganhou vários pontos, e no final, pôde escolher um dos bonecos que tinha lá. Ele escolheu a Estelar e me deu ela. Nunca esqueci isso. Nem um monte de outras coisas. Bryan era aquele cara que estava sempre do meu lado, uma constante. O meu amigão, o irmão que eu nunca tive. Era fácil conversar com ele, falar com ele. Às vezes a gente brigava, se afastava, isso é normal. Mas eu vejo um buraco entre nós que nunca esteve ali antes, e esse buraco vem aumentando. Daqui a pouco, vou ter que usar uma vara daquelas enormes pra saltar e chegar até ele. Eu pensei melhor em tudo aquilo. Aquilo, tipo, o que ele disse. Eu tentei rebobinar a fita e ver sinais. Juro que não vejo. Estive tão cega assim o tempo todo? Sério isso, de verdade? Eu não conheço mais meu melhor amigo, não sei quem é ele. Se bem que, se parar pra pensar, dizem que se você tem um melhor amigl e ele não te conta das pessoas que ele ou ela ta afim, é porque ele ou ela está afim de você. E analisando com cuidado, não me lembro do Bryan falando de alguma garota que ele gostasse. Nenhuma. Ele mesmo dizia que a mulher da vida dele era a mãe e sua amante era seu videogame. Eu devia escrever um livro contando a história da minha vida, porque senhor, não é possível. Então, recapitulando, estou deixando meu melhor amigo na friendzone? Isso me deu uma ideia. Minha professora de sociologia pediu pra que, na próxima aula dela, os alunos apresentassem qualquer coisa de qualquer tema lá na frente. E por que nâo friendzone? Se eu estudei a guerra dos


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farrapos e dos canudos, não vejo mal nenhum nisso. Vou começar minhas pesquisas. X X x x X X Friend Zone, ou Zona da Amizade, se refere ao caso onde um dos laços quer entrar num relacionamento romântico, enquanto a outra não quer. X X x x X X Totalmente eu. Não quero nada romântico com o Bryan. Arg. Quero dizer, eu + Bryan + romântico? Isso não tem resultado. Que maluquice. Que coisa sem pé nem cabeça. Visualiza agora você e seu melhor amigo (ou sua melhor amiga) namorando. E se beijando. E se pegando. Arg. X X x x X X O termo ficou conhecido num episódio de Friends (amo essa série socorr), mas ganhou nororiedase em algum filme que aquele ator que vai ser o Deadpool fez. Ele contou pra uma garota que a amava, e ela disse que o amava de volta. Como irmão. X X x x X X Poxa, eu acho que realmente coloquei o Bryan nisso. Porque eu o amo, de verdade. Quero dizer, por trás de toda essa frustração e maluquice toda, eu amo ele. Como um irmão de uma outra mãe. Ele é meu camarada, o cara que eu achei que seria meu padrinho de casamento. Não noivo. X X x x X X Existem vários tipos de friendzone. Segundo o site humorístico que acabei de consultar, o primeiro tipo é marcado pela escola que a garota geralmente faz : o magrelo de óculos ou o bad boy descolado? X X x x X X E os garotos, acha que a maioria não quer uma modelo super seca? Quem eu sou nesse ringue? A garota com gordurinhas e pneuzinhos? Achei ofensivo, apaga. X X x x X X O segundo caso é o amor não correspondido. De acordo com esse site, se a pessoa diz "te amo como irmão", você deve desistir dela na hora. Mas também pede pra correr atrás dos seus sonhos. X X x x X X Eu acho que tem casos e casos. Para o Bryan, é desistir mesmo. Nem começar. X X x x X X O terceiro caso é daqueles que viram amiguinhos de alguém com outras intenções. Só se aproximou pra tentar "pegar" o outro. X X x x X


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X Não me lembro de ninguém tentando se aproximar de mim só pra me pegar. Mas se aproximam de mim pra pegar respostas de provas. Eu acho tão triste isso, amar alguém e não ser correspondido. Como meu caso com o David. Eu amo ele, mas ele já me disse que me ama? Não. E agora, o Bryan diz que me ama. Bem, ele não disse que ama, só disse que gosta. – Gosto de você. Só que um gosto acima da amizade e não é como irmão. Gosto mesmo. De verdade. Mas se ele não me ama, o que seria? Como namorada? Amizade colorida? Eu devia ligar pra ele e perguntar. Ou mandar um email. Mas a vergonha é enorme, o medo da resposta então nem se fala. Ah, já ia esquecendo, eu disse que odiava ele. De novo. É, não dá pra ligar. X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X David me mandou uma mensagem faz algumas horas. Engraçado, o número dele agora existe. Na hora que vi "uma mensagem de David Amorzinho", eu surtei aqui no meu quarto. Fiquei dando gritinhos, ouvindo minha mãe me mandando aquietar o fogo, sentindo aquela coisa estranha que ao mesmo tempo te faz querer ler a mensagem, faz com que você não queira. Mas aí passou alguns minutos, e eu pensei, poxa, ta tudo errado. Ta tudo estranho e bugado. O David me ignorou na escola, não foi? Eu realmente gosto dele, só que eu realmente to mal com tudo isso. As pessoas dizendo que ele saiu comigo por pena, os amigos dele tirando a maior onda comigo. – Olha lá, lá vem aquela garota que gosta de você, cara. Foi horrível ouvir todas as piadinhas e fingir que estava tudo bem. Três dias ouvindo essa tiração de sarro, que eu pensei que estaria esquecida. E o que o David fez mesmo? Nada.


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Ele não me defendeu, ele não negou, não disse nada. Quando os amigos dele falavam algo perto de mim, ele esboçava um sorriso do tipo FAIL e se mandava. Ele me ignorava abertamente. E depois ele queria mandar mensagem? Queria conversar comigo na quadra da escola no 4° horário? Se ele estava achando que eu ia responder sim, ele estava... Certo. Mas só porque eu estava curiosa. Caramba, o que eu posso fazer? Será que seria mais fácil se eu amasse o Bryan? Essas coisas de amor são tão complicadas. X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X O sinal anunciando o fim do intervalo bateu, ne, daí eu fui pra quadra. E que fique registrado que não sou desses que matam aula, eu juro. Uma rara excessão essa. Fiquei esperando o David aparecer, e quando ele veio, o que posso dizer? Meu coração se acelerou, bateu tão depressa e tão forte que parecia que a qualquer momento sairia pela boca. Ele passou a mão pelo cabelo, claramente nervoso. Era um gesto típico dele, tão fofo. Ele veio andando na minha direção, e eu estava tão nervosa que peguei meu celular e comecei a digitar no meu bloco de notas. E ele chegou, se sentou do meu lado e disse oi. E eu disse oi de volta. E pensei comigo, cara, esse clima estranho mais uma vez? E ele disse : – Precisamos conversar. E eu disse : – Pode falar. E ele disse : – Pode largar o celular um pouquinho? E eu fiquei sem responder por algums segundos, mas não parei de digitar. E eu disse, surpreendendo a mim mesma : – Não. E isso me soou tão rude que depois eu acrescentei : – Me acalma digitar. Preciso digitar. Mas vai falando.


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E ele começou a falar do amigo dele, o Miguel, que era um linguarudo, e dos outros amigos dele, que eram uns idiotas. E pediu desculpas de novo, e fez um discurso de mil voltas. E ficava olhando pra mim e pro meu celukar toda hora, como se isso incomodasse ele. Mas ele não parou de falar e por mim tudo bem, porque eu gostava de ouvir a voz dele. E do cheiro dele. E de saber que ele estava do meu lado, conversando comigo. COMIGO. Então ele disse umas coisas que me surpreenderam. Foi mais ou menos assim : – Você é a garota mais estranha que eu conheço, um estranho bom. Você é diferente. Pensa diferente, age de forma diferente. E quando eu disse, naquela vez que a gente saiu, que eu queria ser seu amigo, não foi da boca pra fora. Acontece, Cassi... Kathe, que eu gostei de conhecer você. Eu gostei de ler sobre aquela garota do diário. Eu me diverti lendo aquilo, apesar dos sustos. E não sei bem como reagir a tudo isso, porque é muito novo pra mim. Quero dizer, de noite eu nem sei da sua existência. Sem ofensas. E de sia eu sei tudo sobre você. Ei, você ta digitando o que eu to falando? Merda, ele olhou por cima da tela, mas já me afastei. Que droga, ele está olhando pra mim com uma cara estranha. E voltou a olhar para o meu celular. Será que ele está assustado porque nesse momento eu estou digitando sem olhar pro teclado? Droga, meu rosto está pegando fogo, posso sentir isso. Aposto que até ele sente. O que será que... Ai Minha Nossa Ele está rindo? O que? X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Naquela hora não deu pra eu continuar escrevendo, porque depois que aquela crise de riso dele passou, ele pegou o meu celular e saiu correndo. E eu fui atrás, feito doida, não querendo que ele visse nada daquilo. E não é


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que acabei rindo muito? Me diverti tanto. Isso quase compensou o fato de que a inspetora apareceu e levou nós dois pra diretoria. Imagina a cena, eu morrendo de medo da minha mãe e ele rindo, me fazendo rir também. Eu acho que isso pode dar certo. Eu realmente acho isso.

Capítulo 11 : Paraíso ­quase­ perfeito

Querido Diário, é uma coisa muito estranha quando você se torna amiga daquele cara que você gosta. Quero dizer, ele nem sabia da minha existência até um tempo atrás, eu o amava e sonhava com ele em segredo. Segredo entre aspas ne, quando estamos apaixonados, a gente sempre tem um amigo que servr de ouvido, contamos todos os detalhes da paixão pra eles. Eu tenho esse amigo que que vivia tendo que ouvir eu falar do cara que eu gosto. O cara que eu gosto se chama David, e nâo sei dizer como minha paixão por ele começou. Pode ter sido quando eu o vi pela primeira vez. Ou quando nossos olhos se encontraram. Olhos tão verdes, e um sorriso que fez com que meu coração ganhasse mais uma função, além de ter que bombiar sangue pelo meu corpo. E eu contei cada detalhe ao Bryan, meu melhor amigo e irmão de uma outra mãe. E sabe qual foi a ironia do destino? Nunca dá pra conseguir tudo. Não importa o que ou o quanto você tenha, sempre vai faltar algo, como se fizesse parte da natureza humana. Se perde algo, ganha algo. Se ganha, perde. E eu meio que posso ter perdido o Bryan, mas por favor, veja só o que ele fez. Eu sinto como se nem o conhecesse mais, ele me diz coisas que nem em sonhos eu pensaria em ouvir, e fez coisas que eu jamais acreditaria ser possível.


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E por incrível que pareça, foi graças ao erro dele que as coisas começaram a funcionar entre o David e eu. Ou quase isso. Sô que eu não queria que tivesse sido desse jeito, pela traição do Bryan. Enfim, David agora é oficialmente meu mais novo amigo, e isso tem sido surreal. É quase como se aquele artista famoso que vocé tanto ama te notasse, quissesse te conhecer e acabasse se apaixonando. Ou melhor, que aquele personagem ganhasse vida e te pedisse pra entrar naquela história de romance com ele. Quase isso. Quando fomos pegos e levados pra diretoria, eu estava quase chorando. Tinha sido super legal me divertir com o David e coisa e tal no pátio da escola, mas minha mãe precisava sabrr disso? O que ela diria se soubesse? Ela me deserdaria. Depois de me dar uma surra, claro, uma surra bem dada, uma que faria eu mudar a cor da minha pele. O David, naquela hora, deve ter percebido que eu estava aflita e desesperada, porque ele ficou do meu lado e em certo altura, pegou minha mão e disse que tudo ficaria bem. O que não é inteiramente verdade, por mais fofo que tenha sido. Veja bem, nunca que as coisas ficam bem de se dizer que vai ficar bem. Aprendi isso com os livros que li e os filmes que assisti. Quando alguém diz isso, é porque vai vir uma merda atrâs da outra. Pra minha surpresa, não é que tudo ficou bem? David foi conversar com a inspetora, ele dosse que ia passar um chaveco nela, seja lâ o que isso significa. E ele voltou depois de um tempinho, carregando um monte de papéis. – Ao invés de ligar para os nossos responsáveis, ela deu essas tarefas pra gente fazer. ­ ele disse, me entregando algumas folhas. ­ sei que você não gosta nem de pensar em levar uma advertência, e isso foi o melhor que eu consegui.


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E é claro que meus olhinhos brilharam, porque se o cara que você gosta te diz algo assim, algo sobre você e seus gostos e suas manias, algo faz com que você queira flutuar. E o David me olhava daquele jeito fofinho, e eu só só queria abraça­lo bem forte e passar a mão no cabelo dele. A gente sentou junto, fizemos as lições. Não era muito difícil, até porque eu só tinha que fazer cruzadinhas, caça­palavras e SUDOKU. Ficamos competindo pra ver quem fazia em menor tempo, e ver e ouvir o sorriso dele, quase fez o fato de ter parado na diretoria valer a pena. E ver ele me defendendo, isso foi impagâvel. Desde aquele dia, ele começou a discutir e brigar com qualquer um que ousasse falar um A sobre mim, e sei que vai parecer totalmente irreal e que ninguém vai acreditar em mim, mas eu juro, ele está me tratando como se eu fosse a namorada dele. Eu sei o que qualquer um diria, quase posso ouvir a voz do Bryan na minha mente. – Vocé está vendo tudo nublado porque está apaixonada, e estar apaixonado significa ver as coisas distorcidas. É, ele sempre tinha uma dessas frases na manga, pronto pra me disser. Mas vamos aos sinais : 1) Quando eu chego na escola, David me olha, como se estivesse procurando por mim, e abre o maior sorriso do mundo. E nos primeiros dias em que ele fez isso, eu super estranhei porque veja bem, às vezes, parece que ainda tem um buraco imenso que me separa do David. 2) Ele me chama pra perto dele. Na entrada, na saída, no intervalo. Até quando ele vai cabular aula, ele me chama pra ir junto. Mas aposto que ele pede só pra me sacanear, porque sabe que vou recusar. Tipo, sempre. 3) Ele faz de tudo pra me incluir nos assuntos dele e dos amigos. E tenho quase certeza de que ele brigou com o Miguel, porque por mais que ele faça cara feia pra mim, ele não abre mais a boca pra fazer uma piadinha comigo.


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4) Ele foca pegando na minha mão. Já tem sido estranho ele me chamar pra sentar com ele no refeitório. Digo, na mesa dele, cercada pela galera popular. Na primeira vez que sentei ali, geral ficou em silêncio. Só que o David é o David, e foi uma questão de minutos pra ele quebrar aquele climão e as conversas voltarem ao normal. 5) Ele fica me mensando SMS. Nem que seja pra perguntar que horas vai começar C programa, ou seu já fiz o trabalho Y. Isso sem falar dos "com quem você sonhou?" ou " vi horas iguais, ta pensando em mim?". E acontece que tipo, isso é muito legal. Eu acordo e durmo trocando mensagens com ele. 6) Ele sabe sobre as coisas que eu gosto e não gosto. E eu nem precisei dizer nada a ele, é quase como se ele lesse minha mente. E tudo bem que ele só sabe dessas coisas porque leu meu diário, mas quem não usa HACK hoje em dia? É do jogo, minha gente, é do jogo. Meu coração se derrete com essas cenas. Como quando o amigo dele perguntou se eu queria salgadinho, e o David respondeu por mim que eu não queria, o que me poupou de um constrangimento enorme. Seria horrível ter que explicar. Talvez o Bryan ­ou o subconsciente dele em mim­ tenha razão. Estou vendo sinais onde não existem, e esyou exagerando como sempre. Preciso ver tudo com atenção, porque nada acontece da forma exata que eu queria. Sempre tem uma pegadinha no meio, umas lettas miúdas que deixei de ler.

Capítulo 12 : Uma sessão de críticas

Eu sei que podia ter colocado tudo a perder, só que eu realmente precisava fazer algumas perguntas. Qual era a dele? Sim, eu fui dizer isso a


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ele. Não pessoalmente, claro, até porque quando eu estava perto do David, olhando aqueles lindos olhos, eu meio que adormecia acordada. Fiz melhor, mandei um sms. Eu : Qual é sua, David? Ele : O quê? Eu : Por que do nada você decidiu ser meu amigo? Ele : Não foi do nada. Eu : Me explica então. Ele : Pensei que tivéssemos deixado isso bem claro. Eu : Não deixamos não. Esclareça. Ele : Lá vai você com essas suas manias de desconfiança. Eu : Como foi que disse? Eu? Mania de desconfiança? Nunca desconfiei de você. Peo menos, não abertamente. Ele : Toda vez que as coisas dão certo pra você, você dâ um jeito de procurar uma falha. Típica característica sua. Nesse momento da conversa, eu fiquei bem p da vida, porque assim, ninguém nunca tinha me dito isso. Eu tinha esse traço de personalidade? Eu : Você não sabe disso, mal me conhece. Ele : Olha só, eu realmente não quero discutir com você. Não no dia em que a gente combinou de ver um filme. O que foi uma surpresa pra mim, porque eu não lembrava de nenhum filme. E se eu tivesse marcado algo com ele, eu com certeza me lembraria. Eu : Que filme? Ele : Aquele que você pediu pra eu levar na sua casa. Eu : Não me lembro disso. Ele : Você viu aquele trailer daquele filme, disse que queria ver e então eu te prometi levar na sua casa. Eu : Ah, aquele filme. Mas você não disse que viria aqui hoje. Ele : To dizendo agora.


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E eu sorri por dentro, porque eu super queria que ele viesse aqui em casa. Porém, eu sabia que ele estava me distraindo. Como foi que mudamos mesmo de assunto? Eu : Não quero assistir filme com vocé, quero saber qual é a sua. Ele : Vou levar mais de uma opção de filme, okay? Tem pipoca na sua casa ou eu levo? Eu : Qual. É. A. SUA?? Ele : Eu levo então. Eu : David, estou falando sério. E a minha mãe nem ta aqui, não venha. Ele : Melhor ainda. "" E eu passei uns bons minutos pensando o que era esse "melhor ainda" e essa piscadinha, mas mais uma vez, ele mudou o rumo da conversa. Eu : Só quero entender isso. Está sendo meu amigo por pena? Vinte minutos se passaram, e eu tinha até desistido de esperar uma resposta dele. O que não significa que eu tenha deixado de vibrar quando o celular anunciou uma nova mensagem. Ele : É porque nós temos mais em comum do que você imagina. É por isso. "" ­­­­­­­­­ "" ­­­­­­­­­­ "" O David trouxe um filme que na verdade é uma série, da pra acreditar? M. R. Robots ou algo assim. Eu tinha visto o trailer e gostado pra caramba dele, porque falava dessas paradas de hackers, iluminats e anonymous. Esses assuntos me interessam muito. Foi meio estranho quando o David chegou. Digo, ele estava sério, quieto. E a gente ficou naquele clima estranho sabe, sem saber o que fazer ou dizer. Depois de alguns minutos que a gente se soltou mais, e na metade do filme, a gente já tava rindo e comentando as cenas. A única cena que deixou un clima estranho foi uma de quase *sexo*. Eu não sabia pra onde olhar, nem ele. Super vergonhoso. Só seria pior se a minha mãe chegasse naquele momento.


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O filme/série acabou, só veio com 13 episódios. E o David disse que ia lâ na locadora, ver se arranjava a continuação porque parou num momento incrível, e eu fiquei aqui, sentada no sofá, pensando. Tem coisas que os amigos dizem que machucam. Coisas que irritam, que dâ vontade de sair xingando eles de tudo quanto é nome. Às vezes, eles só falam coisas sem sentido algum, e de vez em quando, sai uma frase inteligente da boca ­ou dos dedos­ deles. Uma coisa que eu não conseguia suportar no Bryan era a mania dele de me criticar e de botar defeito em tudo que eu fazia. Só não me irritava mais do que quando era a minha irmã falando, porque aquela ali é um caso perdido. O meu novo amigo, David, na verdade é o cara que eu gosto, e ele sabe disso. E antes dele sair pra trazer o restante dos episódios da série, ele me disse coisas que, segundo ele, um amigo tem que dizer. Ou seja, críticas. E isso : 1) Me fez chorar 2) Me fez pensar. 3) Me fez chorar mais um pouquinho. 4) Me fez escrever. E eu nem deveria estar escrevendo, porque isso foi um dos conselhos dele : pare de escrever tanto. O que foi quase como me pedir pra diminuir a quantidade de oxigênio que eu uso pra respirar. E se fosse qualquer pessoa, ppde ter certeza de que entraria num ouvido e sairia do outro, mas poxa vida, era o David. Ele basicamente disse : – É muito perigoso ficar escrevendo sobre sua vida, Cassid... Kathe. Online ou no papel, e se alguém pega e lê? Eu li. E se cai em mãos erradas? E se alguém tirasse cópias e saísse distribuindo para as pessoas? E se alguém te ameaça com isso? É sério, pode não parecer, mas é muito perigoso.


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É, ele tinha razão. Em partes. Eu tenho essa mania de sair escrevendo sobre mim, mas o que posso fazer? E isso nem foi o pior que ele disse. – Você passa tanto tempo escrevendo, e deixa de aproveitar momentos da sua vida. Lembra daquele filme, O Hobbit? Sei que você gosta dele. Tem uma parte que um dos personagens dizem que a aventura não está em pâginas ou em textos, está em todo lugar. Basta olhar pra frente. O que eu discordo em partes. A maior aventura da minha vida é ir pra escola e no supermercado. E era fácil o Gandalf dizer aquilo para o Bilbo, ele era um PERSONAGEM de um LIVRO. E eu tentei, juro que tentei parar. Mas escrever faz parte da minha vida, é o que me define. E eu não o culpo por tentar me ajudar, foi fofo esse gesto vindo dele. David, mesmo sem intenção, me fez chorar. Foi só ele passar pela porta que as comportas dos meus olhos se abriram. E agora que a crise de choro passou, ta na hora de agir como uma menina madura. Droga, o portão da frente ta sendo aberto. Será aue o David voltou? Ou é a minha mãe? Eu devia parar de escrever, porque eu prometi ao David que tentaria parar ou diminuir esse vício, e ele mal deu as costas e eu voltei. Merda, tarde demais.

Capítulo 13 : Peso na Boca

É, o David me pegou no flagra. E eu sei que tinha prometido tentar nâo escrever tudo tuuuuudo o que acontece comigo, mas eu resisti por 15 minutos, é um progresso. Isso deveria contar pra alguma coisa. O bom é que ao invés de brigar comigo, ele ficou olhando pra mim e perguntou : – Você tava chorando?


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E eu disse que não, porque eu não queria dar uma imagem de garotinha chorona, e ele me abraçou *­*. Eu juro, dessa vez, meu coração saiu pela boca. Eu sentia o coração dele no meu, e o corpo dele estava tão quentinho, e o pescoço cheirava muito bem. Eu podia ter morrido ali, nos braços dele. Ele me soltou rápido demais para o meu gosto, mas foi porque ele foi me dar um doce de abóbora, que ele tinha comprado. – Eu sei que é o seu favorito, então decidi te trazer. ­ ele disse, me dando um saquinho cheio deles. E ele estava coberto de razão, eu AMAVA aquele doce. Foi um gesto que me tocou, porque mostrava que ele tinha sido bem atencioso ao prestar atenção nos meus gostos enquanto lia meu diário. Mas a coisa mais linda foi quando ele pegou um pedaço do meu cabelo, que estava na frente do meu rosto e colocou atrás da minha orelha. Isso foi de SURTAR, porque foi igualzinho ao que eu imaginei, sempre que eu via alguém fazendo isso em algum filme, eu queria que fosse comigo ♥ . Ah, e o que foi que ele falou depois disso? – Cassidy é um nome incrìvel, o nome mais lindo que eu conheço. E por mais que Kathe Lyn seja bonito, você não deveria fingir ser o que não é. Por que criar uma nova personalidade, se a sua já é perfeita do jeito que é? E eu quero um minuto de silêncio, pra que eu possa escrever o que veio depois. Meus dedos tremem, assim como todo o resto, porque tipo, foi surreal. E eu ainda estou me beliscando, porque acreditar não dâ. Respira. Inspira. Okay, lá vai. Eleencostouabocanaminha Entendeu? AI MEU DEUS DAVID ME BEIJOU!! Tudo bem, não foi bem um beijo. Não aqueles beijos que se digam : "nossa, que beijo incrível hein, digno de um troféu. Pô cara, me beija aí também hein, na moral".


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Ele encostou a boca dele na MINHA boca, e eu juro juradinho, por todos os semideuses dessa terra que é verdade e não estou mentindo nem inventando, e foi de propósito. Acho que não durou nem dois segundos, e depois ele agiu como se não tivesse acontecido nada, mas eu passei o resto da nossa sessão de filminhos suando frio. O que tinha acontecido? E aconteceria de novo? Até agora eu fico tocando na minha boca, porque a boca dele esteve aqui. Foi uma pena o David ter ido embora, eu queria que ele morasse comigo, mas pelo menos minha mãe não viu ele aqui. Nova mensagem no celular, deve ser do David. Alarme falso, foi só algum presidiário dizendo que eu ganhei uma moto, um carro e uma moto. Será que eu devo mandar uma mensagem? Se bem que iria parecer que sou uma desesperada, ne? Quero dizer, não faz nem duas horas que a gente se viu. E sobre esse quase beijo, eu deveria mencionar? Por que será que ele não comentou nada disso? Ser uma garota apaixonada é tão difícil. *­­­* *­­­* *­­­* *­­­* *­­­* *­­­* Mais uma vez, David estava me procurando na porta da escola, e deu um beijinho na minha bochecha, pegou na minha mão e entrou comigo. Ele ficou perguntando se eu estava bem, como eu tinha dormido, e se eu tinha conseguido evitar escrever alguma coisa. E é claro que eu disse a verdade. – Você sabe, estou me esforçando ao máximo por você. Aliás, onde comprou aquele saquinho de doce de abóbora? No intervalo, ele veio com um plano louco : toda vez que eu tivesse vontade de escrever algo sobre mim ou alguém, era pra eu mandar mensagem ou ligar pra ele, David queria ser meu novo diário. Eu sei, loucura.


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Como eu poderia mandar pra ele um relatório sobre os motivos dos amigos deles (ou boa parte) serem uns completos idiotas? E sobre aquelas garotas fúteis, como uma certa loira que vive dando em cima dele? Ou pior, falar do David... Pra ele. Que vergonha, eu nunca poderia fazer isso. Eu amo ele, amo mesmo, só que... Tem coisas que não dá pra dizer para o seu amigo­quase­namorado. Deve ser normal pra um casal dizer coisas como : "amor, estou indo cagar". Depois de anos junto com a pessoa, imagino que se perca a timidez com tudo. Mas no começo, quando tudo é novo, tem certas coisas que não dá, ne? É cada coisa... *­­­*­­­*­­­*­­­*­­­* *­­­*­­­*­­­* Okay, eu comecei a fazer o que o David pediu pra que eu fizesse. Sabe, ficar mandando sms ou ligando toda vez que eu sentisse vontade de escrever. O problema, como eu havia deduzido, é que não é a mesma coisa. Digo, quando eu escrevo em um diário PARA o diário, me sinto bem mais à vontade porque sei que ninguém vai ler. E quando tento falar o que penso pra alguma pessoa, parece que meu pensamento passa por um filtro, e nem tudo é cuado. É T­O­T­A­L­M­E­N­T­E estranho. E como eu poderia falar pra ele que a ideia dele é estranha e sem cabimento? David só quer me ajudar, não posso destruir os sonhos de alguém como ele. Sem falar que fico com esse peso horrível na consciência. Com as poucas mensagens aue mandei, fiquei me perguntando se isso não era incomodar. Quero dizer, uma mensagem foi mandada às três da manhã. Forcei a barra. E quando perguntei a ele sobre o que estava achando disso tudo, ele só riu e disse que achava divertido, que falar comigo de madrugada era bom.


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Só que eu vi ele com sono hoje, passei na frente da sala dele e o vi dormindo, com a cabeça na mesa. Pelo menos, é o que eu acho que ele estava fazendo. E depois, aquele amigo dele, o Miguel, passou do meu lado e sussurrou : – Dá pra fazer o celular dele parar de apitar toda maldita hora, sua nerd? É, eu sou uma garota carregada pela culpa.

Capítulo 14 : Mentirinh

David costumava ser cercado por garotas, garotas essas que tenho quase certeza de que me odeiam. Sabe, um olhar pode dizer muita coisa. Olhar de ódio, raiva, nojo, repugnância, inveja. É, eu estava no banheiro feminino da escola, dentro de um box, quando ouvi algumas garotas do lado de fora falando de mim. De mim cara. Quem perderia seu precioso tempo pra falar de mim? Finalmente, sei o que é ter haters. E vi pichaços no banheiro : Morra vadia Cassidy, morra Ninguém nunca tinha escrito algo no banheiro da escola pra mim, mal sabiam o meu nome. Antes, elas cercavam o David, e agora, ele que me cerca. O que posso fazer? Começou um boato de que estou namorando ele, e ele não nega. Então, naturalmente, eu também não nego. Ou seja, somos namorados, tenho 75% de certeza. E estou me doendo pra saber o que nós temos em comum. Porque, por favor, o que eu e ele temos em comum? O que Cassidy Kathe Lyn tem em comum com David Astin?


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1) David é um cara super gente boa, que consegue quebrar o clima de qualquer conversa mudando de assunto ou contando algo engraçado. Kathe, em um momento de tensão, fica quieto tentando fugir o mais rápido da situação. 2) David tem um monte de amigos na escola, e pode conversar com qualquer um. Kathe... 3) David é extremamente popular. Até recentemente, ninguém nem sabia que existia uma ~vulgo~ Kathe na escola. Eu poderia continuar, mas acho que já basta. Ou David tem um irmão mais velho que ele detesta, ou não temos nada em comum, então aquela declaração dele foi só por falar. E quem se importa com isso? David é um cara incrível, um cara maneiro. Quem se importa se eu sou a tampa certa da panela dele? Ou seria a panela certa pra tampa dele? A questão é que no mundo real, eu + ele não existe, então eu quero fantasiar o máximo que puder. Droga, eu devia ter mandando mensagem pra ele. Ou não devia? Ele pediu pra que eu mandasse mensagem pra ele toda vez que eu quissesse escrever aqui, só que isso pode incomodar ele, e não decidi exatamente como proceder. Vou mandar uma mensagem por via das dúvidas. Eu : Estou pensando em escrever. Mandei. E acho que vou me distrair um pouco. *­­­­**­­­­**­­­­* A minha irmã é uma pessoa totalmente descentralizada, sem noção e desnaturada. Sério, tirando DNA e sangue e os pais, não temos NADA em comum. E eu tento colaborar, respeitando nosso acordo mútuo de "finja que não existo". E eu finjo mesmo que ela não está aqui, só que é difícil quando ela quebra a parte dela, e pior, invadindo meu cafofo.


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A dita entrou no meu quarto, sentou na minha cama e começou a lixar as unhas. Dá pra acreditar? Como se fosse a coisa mais normal do mundo. E eu fiquei encarando ela, porque tipo, dá licença, o que a senhora faz aqui? E eu perguntei pra ela : – Errou de quarto? E ela dá de ombros, sem tirar os olhos do dedão do pé, e responde : – Errei não. Fiquei encarando ela, querendo que ela se tocasse e tipo assim, saísse. E só o que ganhei em troca foi um : – Você joga amor doce? Que coisa mais brega. E tudo bem, eu estava jogando Amor Doce, e foi meio vergonhoso ela ter visto isso. Assim, na moral, já tentou explicar sobre o jogo pra alguém da sua famìlia? É vergonhoso. E claro que entrei numa discussão. – Como assim é brega? ­ perguntei, com raiva. – Convenhamos. ­ ela respondeu, se levantando. ­ Sô menininha desesperada por um namorado joga isso. Vai mentir? E eu fiquei vermelha de fúria. Em partes porque pra mim, era verdade. E daí se eu queria o David desesperadamente? Eu paquerar um garoto virtual não tinha relação. E foi nesse momento de frustração que abri minha bocona pra dizer merda. – Isso é mentira. Pra sua informação, eu tenho namorado. E ela arregalou os olhos, toda surpresa, e por um momento, senti orgulho de ter deixado ela com essa cara. Até a ficha cair. – Você? Namorando? ­ ela perguntou, com aquela cara de "você só pode estar brincando. – Sim, eu to. ­ Falei, mais por orgulho do que qualquer coisa. Minha irmãzinha me olhou por alguns segundos, como se tentando saber se eu estava mentindo. O que, por sinal, eu tava. – Mentirosa. ­ ela me acusou, apontando o dedo dela pra mim. ­ Mamãe disse que você não tem namorado.


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– É um menino da minha escola, você não conhece. ­ Me gabei. E me ferrei. – Manhéeee. ­ ela saiu do meu quarto, berrando. ­ A Cassidy ta dizendo que tem namorado! E quase pensei em ir atrás dela pra negar, mas pensei, que satisfação eu devia pra ela? Tranquei a porta do quarto com chave e me joguei na minha cama. Por que nos tornamos um bando de otários quando estamos apaixonados? Eu sei que tinha contado um fato falso, porém, quem liga? Meu celular tocou, anunciando uma mensagem nova. Ou era a operadora, ou era o David.

Capítulo 15 : A Inquisição a Minha Mãe

Sabe, quando a minha querida e odiada irmã aparece dizendo que está com um namorado novo, ninguém se surpreende. Na verdade, nem fazem questão de conhecer o cara. Porque sabem que é um caso passageiro, como tantos outros. Agora, quando é comigo, pelo que parece... Todo mundo nessa porcaria de família entra em comoção. E pela primeira vez, eu tive que ter aquela conversa com meus pais. Calma, não aquela de aquela conversa, mas ter que falar de relacionamentos. Primeiro, a minha mãe gritou meu nome e pediu pra que eu fosse até lá. Cheguei na cozinha, com aquela minha cara de cachorro novo, só querendo sumir da face da terra ou despertar a compaixão de alguém.


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– Eu não sei o que ela disse, mãe, mas é mentira !­ eu disse, começando na defensiva. Ao que a minha mãe disse: – Senta aí. Me sentei em uma das cadeiras da mesa, e tive que ver aquela idiota dedo duro sorrindo pra mim. – Você vai me explicar direitinho que história é essa, mocinha, senão... ­ ela me ameaçou. Achei tudo muito injusto, mas okay, fiquei em silêncio. – Agora começa a falar desse namoradinho. ­ ela pediu. E eu tentei explicar, falando que era o David, aquele garoto que tinha me chamado pra tomar sorvete e tudo mais, que ele era da minha escola. O que amenizou aquela cara dela de brava, porque poxa, ela conhecia o David. Indiretamente, mas conhecia. – Viu, mãe? Não é nada demais, essa cagueta aqui que fala muito. ­ eu concluí, irritada. – Olha ela, mãe, olha o jeito que ela fala de mim. ­ o demônio retrucou. – Deixa a sua irmã fora disso, Cassidy. Eu queria conversar com você sobre isso faz uns dias. Uns vizinhos andaran comentando que um garoto veio aqui em casa e não era o Bryan. Não falei nada, mas isso vinha me incomodando faz uns dias. Ah, o dia em que o David veio ver uns filmes em casa, e o dia em que ele me deu um selinho. Mamãe começou a dar aqueles discursos moralistas que me dão dor de barriga, e mais uma vez vi a injustiça no quadro todo. Bryan podia entrar quando e como quissesse em casa, e ela nunca pegou no meu pé por isso. E quando eu pensei que finalmente estava livre pra voltar pro meu quarto, porque bem, digamos que eu tinha assuntos pendentes por lá, um verdadeiro interrogatório começou. Interrogatório


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Qual é o nome completo dele? David... Da Silva, eu acho... Hum... Ullrich? Como eu vou saber o nome completo dele, mãe? Quero dizer, eu não sou uma stalker. Qual é a data de nascimento dele? Essa eu sei, ele faz aniversário em 22 de janeiro. O que eu quis perguntar é, quantos anos ele tem? 16, mãe, ele faz 17 daqui a uns meses. Não acha que ele é muito velho pra você? An? O Bryan tem 19 e você nunca implicou com ele por causa de idade. Acontece que você namora esse tal de David, não o Bryan. Ta bom, mãe. Como conheceu esse garoto? Ele... É... Eu já tinha visto ele pela escola. E aí, um dia... Na educação física, sabe, a gente conversou e... Ela ta demorando muito pra arrumar e ta gaguejando. Acho que ela ta inventando coisa, mãe. Mãe, pode por favor tirar ela daqui? (Nesse momento mágico, minha mãe expulsa a coisa da cozinha) O que ele faz da vida? Ele joga no time da escola. E... Faz curso de línguas. Quais são os planos dele para o futuro? Mãe... Por favor, chega. Ta bom, mas quando vamos conhecê­lo? Eu vou conversar com ele, okay? Fim da Interrogação Depois de algumas perguntas, fui dispensada com a ficha limpa, e voltei para o meu quarto saltitante. Antes de ter sido chamada, eu estava em uma conversa un tanto quanto interessante com o David ♥ .


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Primeiro ele mandou uma mensagem perguntando se eu estava bem, e o que estava acontecendo. Eu : Posso ter contado una mentirinha pra minha irmã. David : Falou pra ela que a odeia? Eu : Haha. Pior. David : O que você disse? Eu : É constrangedor demais. David : É mais constrangedor do que aquela vez em que você viu seu professor coçando o... ? Eu : Às vezes, você é bem inconveniente. David : Você tem que admitir, é engraçado. Eu : Haha. David : Tem haver com a sua irmã, não é? Eu : Eu disse pra ela que tinha namorado. David : E você, por acaso, não tem um? – CASSIDY VEM AQUI AGOOORAA! Deu pra entender o motivo para eu estar tão ansiosa pra voltar pro quarto e pegar meu celular? Como assim, já tenho namorado? Ele quis dizer que era meu namorado? Ou me perguntou se eu tinha um namorado? O que aquilo quis dizer? Abri a porta do meu quarto e pulei para a minha cama, pegando no celular. Três mensagens novas. David : Ta aí? David : Ei, foi brincadeida. Ah não ser que você queira que seja sério. David : Ta tudo bem? Olha, eu vou passar aí na sua casa, okay? Fiquei digitando várias respostas, como "Não precisa vir aqui, eu estou bem" e "O que você quis dizer com aquela pergunta? Sobre eu ter namorado?". Nenhuma mensagem de volta. E eu fico sem saber se ele vai vim na minha casa ou sei lá. ♥ ♥ ♥


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É, a campanhia de casa tocou. E eu desci correndo as escadas, pra abrir a porta e dar de cara com... O Bryan. Nem deu pra esconder minha cara de frustração e decepção. – Ah, é você. ­ eu disse, contrariada. – É, sou eu. ­ ele respondeu. A gente ficou se encarando por uns segundos, até eu sair da frente dele. – Quer entrar? ­ perguntei, sem jeito. – Sim, claro. Ele entrou, se sentou no sofá da sala e não demorou muito pra minha mãe aparecer, pra puxar o saco dele. – Oh, querido, quanto tempo! Como vai? Como tem passado? Estava com saudades. E aquele acampamento de ciências, ainda ta de pé? Quer uns biscoitinhos? E então apareceu o demônio, pra completar a cena. – Ah, Bryan, quanto tempo! Recebeu minhas mensagens? Quanto tempo, hein. E as duas ficaram ali, em cima dele, enquanto eu fiquei sentada no canto, bocejando e olhando pra tela do meu celular. – Mas eu queria mesmo era falar com a Cassidy. ­ Bryan disse, e foi uma das poucas palavras que eu prestei atenção. As duas saíram, pedindo licença, e meu celular tocou, anunciando uma chamada do David. Que merda, hein.

Capítulo 16 : 1… 2… 3… surtandooo


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Querido Diário, o que vou relatar a você nesse momento é algo que mudou a minha vida. E quando digo isso, quero dizer que mudou mesmo, da água para o refrigerante. Não só minha vida, acho que em algum lugar, um planeta estourou. Uma estrela explodiu, alguém surtou. Porque na real, foi muito... Muito errado. Assim, comigo esse tipo de coisa não deveria acontecer, porque nossa... Por onde eu começo? Puxa, tem tanta coisa na minha cabeça nesse momento, meus pensamentos estão a mil. Ok, do início. Bryan tinha vindo aqui em casa. É, isso mesmo. Ele pediu pra ficar a sós comigo, e minha mãe e minha irmã sumiram para o outro lado da parede. Não se engane, elas podem ter dito que "iriam dar privacidade", mas devem ter ouvido tudo o que aconteceu. Eu estava super nervosa, porque não fazia ideia do que dizer a ele. Ao meu melhor amigo nem tão melhor assim. Que, você sabe, tinha se declarado pra mim. Mais ou menos, que confuso. O que você teria que dizer a um cara que disse que gostava de você, e você gostasse dele só que não tanto assim, ao nível de chegar em namoro? Então, eu sentada na sala, travada, e meu celular começou a tocar, e tipo assim, eu sabia quem era sem nem olhar para o visor. A música que tocava era "Cansei de Te Amar em Segredo", de uma das minhas cantoras favoritas, a Fane. Era o que eu tinha posto para tocar quando o David me ligava. Eu encarava o Bryan. O coração apertado, os dedos das mãos suando. Na verdade, suor escorria pelo meu corpo todo. E eu fiquei tipo, atendo ou não atendo? Ignoro? Mas não dava pra ignorar o David. Só que eu queria saber o que o Bryan queria comigo. Até que ele disse : – Não vai atender? ­ Bryan perguntou num tom divertido. Ah, se ele soubesse quem me ligava... Duvido que sorriria assim.


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Se bem que, Bryan era um cara descontraído. Contanto que eu não o interrompesse enquanto ele jogava online ou enquanto estava concentrado fazendo SUDOKU, ele ficava de boa com qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. E eu disse : – Eu, hum... Vou atender lá fora. ­ eu disse, me levantando. E nem esperei por uma resposta dele, passei pela porta da sala e fui direto pra fora. E enquanto atendia o celular, quase trombei com o David ali, em carne e osso. Não sei nem como colocar em palavras aquele momento. Quero dizer, parecia até que eu tinha feito algo errado e a polícia estava na minha porta. Porém, o que fiz de errado pra ter me sentido tão culpada daquele jeito? Nada. Ta, eu posso ter dito que o David era meu namorado pra minha irmã, mas ele não era? Meu namorado, quero dizer. Pelo menos pra mim era. Se na minha cabeça a gente tava namorando, então a gente tava. E ele estava ali, na minha frente, e eu me sentindo culpada pra caramba, e o David colocou as mãos no meu ombro, e ficou tipo : – Nossa, você ta pálida. Até parece que viu um fantasma. E ali ele me deu um selinho na boca, juro por todos os meus livros aqui em casa. Na BOCA E pode ter durado menos que alguns segundos, mas foi o suficiente pra fazer meus olhos saltarem das órbitas. Foi algo mágico e incrível. Senti que flutuava, que eu tinha achado as sete esferas do dragão e meu desejo tinha sido realizado. E em algum momento, eu deixei sair um : – Precisamos conversar.


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Porque claro, eu tinha que cortar o clima de alguma forma. Então estavamos sentados na frente da casa, e eu chorando tentando contar tudo pra ele, tudo tudinho mesmo, e então o David me abraçou. Nem me lembro direito o que foi que eu disse, mas tenho certeza de que tinha saído da minha boca coisas como : 1) Um melhor amigo que gostava de mim. 2) Uma irmã horrorosa. 3) Um namoro falso. Eu gaguejava e soluçava, e por incrível que pareça, o David não saiu correndo ou fugiu de mim. E lembro do David me dizendo que tudo ia ficar bem, e ele ter dito isso realmente fez as coisas melhorarem. David disse que eu devia entrar em casa e conversar com o Bryan, e que se eu ainda quissesse, depois da conversa com o Bryan, ele seria meu namorado. O David, não o Bryan. Dá pra acreditar? O David se oferecendo pra fingir que era meu namorado ♥ E ele disse : – Vou dar umas voltas pelo bairro, me manda uma mensagem quando terminar de conversar com ele. E pensei em dar um selinho nele ne, porque sabe como é, ele tinha feito o mesmo comigo. Duas vezes até então. Mas não tive coragem. Me despedi temporariamente e entrei em casa. O Bryan estava na janela, pensativo. – É ele? ­ Bryan tinha perguntado. Fiz que sim com a cabeça, constrangida. ­ Então, deu certo. Não falei nada, até porque eu não tinha nada pra dizer. O que deu certo? Eu e o David? Vai saber. Pensei, naqueles instantes enquanto ele me olhava, que brigaria comigo. Então ele disse as palavras que acabaram comigo. – Você trocaria o seu melhor amigo, por um garoto bonitinho qualquer?


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Não tinha sido uma acusação, não diretamente. Parecia uma pergunta qualquer, como que por curiosidade, e senti meus olhos se inundarem de lágrimas. Antes que eu chorasse de novo, Bryan me olhou com pena. – Só volte a ser minha amiga, ta bom, cabecinha de vento? Sinto falta dessa sua voizinha irritante nos meus ouvidos. Então ele me deu um abraço, disse que voltava outro dia e saiu de casa. Fui para o meu quarto, e mandei uma mensagem para o David, pedindo pra que ele viesse me ver. Ele mandou um "então estamos namorando?" e eu disse "estamos?". E ele demorou tanto pra responder, que eu resolvi mandar outra mensagem, já que estava surtando. Recebi a mensagem a poucos minutos atrás, e ainda não estou acreditando. "Sim, estamos. Escuta, estou meio ocupado aqui, to conversando com aquele seu amigo. Depois a gente se fala"

Capítulo 17 : Cara de Bobo

Faz alguns dias que tenho estado desanimada, diário, e uma parte de mim insiste em dizer que não tenho motivos pra isso. Consegui realizar o meu grande sonho, algo que era tido cmo impossível. Estou oficialmente namorando o cara dos meus sonhos, e voltei a falar com meu melhor amigo. Mais ou menos. David me mandou uma mensagem, dizendo que estávamos sim comprometidos. Eu surtei, experimentando na pele aquele ditado que diz que simples palavras podem mudar todo o seu mundo. O meu virou de cabeça pra baixo, e fui do céu ao inferno quando parei pra pensar em uma das


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mensagens dele, onde David dizia estar tendo uma 'conversinha' com o Bryan. Saí do meu quarto feito um flash, e desci as escadas pulando um monte de degraus ­ motivo pelo qual ganhei um arranhão no joelho quando caí. Estava prestes a atravessar a porta e ir atrás daqueles dois, até que minha querida mãe me puxou pela camiseta e disse : – Não tão rápido, mocinha. Tentei explicar a ela minha situação, só que não resultou em nada. Fui obrigada a ouvir um sermão sobre "você e esses seus rolos com garotos", como se fosse EU e não minha IRMÃ que trazia um cara diferente toda semana, e tive que ficar caladinha, sem dizer um A. – Você tem uma penca de deveres de casa, até onde eu sei. ­ foi a última frase dela antes de me mandar de volta pra cima. ­ Já devia ter começado a fazer, não acha? Por uma pequena fração de segundos, cheguei a achar que ela estivesse inventando uma desculpa pra não me deixar sair, até que me lembrei da quantidade de trabalhos que eu trouxe. Não meus, claro, dos outros. Trabalho de Compensação de Notas e Faltas. Mamãe nem teve que pedir duas vezes, corri de novo escada acima, e abri a gaveta onde tinha guardado as folhas com as atividades. Deu até um certo desgosto, sabe. Já fazia a minha cota de lição custando, mais isso ainda? Pensei em todo o dinheiro que iria ganhar, e essa foi a minha motivação. Quero dizer, não é como se fosse dar pra voltar atrás e cancelar com toda aquela galera em cima da hora. Bem provável que eles se juntassem pra me surrar. Fiz um monte de coisa que nem condenada, minhas mãos ainda doem de tanto que escrevi. Por que tinha que ser manuscrito? Meus dedos parecem esfolados, o dedo de mandar a pessoa pra certo lugar parecia ter calos. E adivinha? Três horas depois, eu tinha concluido os exercícios, mas apenas os


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de história, geografia e sociologia. Nem quero pensar em como vou fazer aquela penca de exercícios de física e matemática. Tomei um banho, pra tentar relaxar um pouco, e me joguei na minha cama, tentando absorver tudo, essa minha nova realidade. E tive que vim atualizar meu diário. É, não ta fácil tirar esse sorriao bobo da minha cara. Então, eu estou namorando o cara dos meus sonhos, o David. O garoto mais bonito que conheço, dono dos olhos tão verdes quanto esmeralda. Ps : pesquisar se esmeraldas são verdes mesmo. Sou mesmo namorada dele? Do David, o dono daqueles cabelos que me faziam coçar de tanta vontade de tocá­los? O David, dono do meu coração e daquele sorriso que chegava no fundo da minha alma? E quando eu peguei meu celular, e vi a quantidade de mensagens que ele me mandou? Sem falar das ligações perdidas. Algo dentro de mim continua fazendo um TUUUM. Ou seria um TIC TAC? Só o fato dele ter mandando uma mensagem que fosse, significa muito pra mim. Quantas vezes sonhei com isso? Incontáveis. Mesmo antes de visualizar, sabia que era especial. Teve uma que deu destaque sobre as demais, e não foi só por causa do tamanho dela. Vou fazer uma cópia aqui. " Você não está atendendo minhas ligações, nem respondendo minhas mensagens. Ta tudo bem? O que houve? Cheguei a pensar que você podia estar encrencada com sua mãe, ou que tivesse tido um ataque e desmaiado. Bryan disse que você devia estar bem e como ele te conhece a mais tempo, não discuti. Eu ia voltar pra sua casa, mas aquele seu amigo disse que precisava falar comigo. A gente se entendeu sobre algumas coisas, pelo menos é o que eu acho. Ele é meio hostil, sem querer ofender. Disse que quebraria meus dentes se te fizesse mal ­ não diga a ele que te contei isso.


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Quando puder, me liga. Acho que precisamos conversar a respeito de algumas coisas. Agora que eu sou seu namorado, o que vai fazer? Cumprir aquelas promessas que fez para o cupido? Cara, ri tanto nessa parte. Você dizendo que me amava tanto que seria capaz de doar todos os seus livros. Foi a declaração de amor mais fofa que já li, tendo em vista o quanto ler é importante na sua vida. Sei que te prometi não ficar falando das coisas que li naquele seu diário, mas até você tem que admitir. Cassie, você é a garota mais romântica de todas. Quando vai ter coragem pra me encher de beijos e tocar no meu cabelo? Não querendo te cobrar já cobrando, por que não faz aquilo que tem vontade? Sabe que não precisa se conter comigo. Comigo, você pode ser você mesma. Com amor, seu D" Eu sei, isso foi tão, foi tão... ♥ Mas não é isso que tem feito com que eu estivesse pra baixo, seria até ingratidão nessa altura do campeonato. Consegui o que eu queria, só não sei o que fazer com isso. Digo, nunca namorei antes, exceto personagens, e eles não contam. O que, exatamente, namorados fazem? Além da coisa dos beijos, abraços, andar de mãos dadas e tudo mais. E é fácil o David dizer que posso beijá­lo e essas outras coisas. Caramba, é realmente vergonhoso escrever isso, sinto meu rosto todo em chamas. É como se ele tivesse lido minha mente, e nem tudo que tem lá presta. Assim, eu e o David devíamos mudar nosso status nas redes sociais, ou é muito cedo pra isso? Tenho que conversar com os pais dele, ou vice­versa? Como funciona um relacionamento? O sorriso na cara não some, mas as preocupações que jogo pra escanteio insistem em voltar.


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Capítulo 18 : Coisas de Início de Relacionamento

Pensei que as coisas seriam mais fáceis depois que eu me tornasse a namorada do David, mas caramba, como eu estava errada. Faz alguns dias que tenho evitado ele, e isso está se tornando ridículo. Eu cheguei tarde na escola, pra não ter que topar com ele. No intervalo, ou me tranco no banheiro feminino ou me escondo na biblioteca, e sei que isso só ta piorando. Ele ficava me mandando um monte de mensagens, mas diminuiu agora. O que isso quer dizer? Pra se ter noção do quanto estou no fundo do poço e banhada de dúvidas, cheguei a pedir conselhos para a minha irmã. Sim, é isso mesmo, fui falar com ela. Minha primeira opção foi a mamãe, mas ela não é muito receptiva quando falo do David, então achei melhor não cutucar a fera. Como me arrependi de ter dito a minha irmã que estava em dúvida sobre "início de namoro".... o discurso dela foi basicamente um "não faça sexo, de jeito nenhum. Mas se for fazer, não esqueça dos preservativos. Aliás, sabe o que é sexo, não é? E sobre camisinha? Se quiser, posso te explicar". Horrível. Arggh, dá arrepios até de pensar nisso, porque ela realmente começou a falar dessas coisas, e tive que sair correndo pra não ouvir o resto. Pensei que ser a namorada do David seria o desfecho da minha história em busca do meu destino. Eu não podia estar mais errada. Lógico que pensei no depois, como noivado, casamento, filhos. Só me faltou detalhes. Era pra eu me sentir no "felizes para sempre", e sinto que estou só no início e que tudo o que passei foi a introdução. Correr em direção ao mar me requeriu uma coragem imensa, e tinha certeza que assim que chegasse na


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água, poderia desfrutar das ondas. Mas a parte difícil mesmo é nadar pra não se afogar, e ter cuidado com os tubarões. Estraguei tudo mais uma vez, não foi? David praticamente me pediu pra que eu fosse beijá­lo, e olha a merda que faço, me escondo. Preciso de um amigo, alguém que possa... Okay, eu devia mesmo ligar para o Bryan. Afinal, ele voltou a ser meu amigo, e é a única opção que me resta. Preciso mesmo de alguém ou vou enlouquecer. E Bryan é um garoto, mesmo que diferente dos outros. Como o fato dele achar que jogos de RPG são um esporte tanto quanto qualquer outro, mas isso são só detalhes. É, a ideia ta crescendo cada vez mais em mim, e sinto que isso é o certo. Estou presa num dilema e não vejo saída, não importa pra onde eu olhe. Preciso do meu melhor amigo, e vou ligar pra ele agora. ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ Consegui ligar para o Bryan! Foi a coisa mais certa que eu poderia ter feito, sem sombra de dúvidas. Pensei que ficaria inibida ou envergonhada, mas quando dei por mim já estava desabafando sobre tudo aquilo que eu precisava. Nem deixei ele dizer um "oi" ou perguntar quem era, fui disparando as palavras e me empolguei tanto que quando finalmente calei a boca, perguntei se tinha alguém na linha, porque não estava ouvindo nada do outro lado. – Ei, tem alguém aí? ­ perguntei, irritada. Por um momento, achei que o infeliz tivesse tido a audácia de desligar na minha cara, mas Bryan do nada começou a rir. Aquela risada significou tanto pra mim, aqueceu meu coração, e um peso que nem sabia carregar saiu das minhas costas. Isso foi uma prova de que as coisas estavam bem entre nós dois. – Sério, Lyn? Você me ligou pra isso?


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E ouvir o meu velho apelido de infância que ele mesmo me deu, no minuto que ouvi senti lágrimas nos meus olhos, e fiquei uns poucos segundos sem voz. Mas a sensação durou pouco, até eu me tocar de que ele estava caçoando de mim e dos meus problemas, e meu sangue ferveu. Devo ter gritado um monte de disparate, chamado ele de insensível e em como ele fazia tão pouco dos outros. Nem lembro bem de todas as palavras, me empolgo bastante nesses momentos de fúria incontrolável. Quando me acalmei, perguntei se ele tinha algum conselho ou se eu já podia encerrar a chamada, e então ele me veio com uma resposta : – Você não percebe nem o que está na sua cara, hein? Só o fato de ter me ligado responde a muitas das suas perguntas. Mandei ele pra um certo lugar, e eis que Bryan surge com a melhor ideia de todas : – Por que não faz uma daquelas suas listinhas? Algo como... "coisas que não se deve fazer nem falar num início de um relacionamento'. Se me lembro bem, você fez uma dessas antes, no seu outro.... bom, aposto que vai se sentir mais confiante. E sobre ele ter diminuido a quantidade de mensagens, aposto que ele só ta te dando um tempo, não querendo forçar a barra com você. Agora, você que tem que ir atrás dele. A conversa se encerrou ali, mas eu percebi o que ele tinha feito. Mencionou meu antigo diário indiretamente, aquele que foi mandado para o David, e tentou disfarçar. Uma coisa que eu devia fazer é reler aquele diário qualquer dia desses. Bryan escapou dessa vez, mas só porque ele foi realmente um gênio. Como eu não pensei nisso antes? Pesquisei em alguns sites algumas coisas, e me lembrei de uma outra listinha que já fiz antes. TOP 10 : Coisas Para Não Fazer Nem Dizer Num Início De Um Relacionamento (ou Cpnfndnid1r) 10) Não ficar perguntando sobre a agenda dele.


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*No meu outro diário, eu comentei : Ficar perguntando a todo instante o que o garoto vai fazer em tal dia e horário, querer saber sobre a onde ele vai e o que ele vai fazer é fail. Ele pode se sentir pressionado, achando que você quer saber tudo dele e quer estar com ele TODO o tempo. Um relacionamento é confiança, e ficar perguntando a onde o boy está toda hora mostra o quanto você é insegura e que não confia nele como devia. *Comentário de agora : eu não me lembrava mesmo disso. Pra que foi que eu fiz essa lista antes mesmo, se nem namorado eu tinha? Enfim, nunca fiz isso, de jeito nenhum. Nunca cobrei que o David me levasse pra algum lugar, inclusive nunca fui nos treinos dele nem nada. Pensando bem, isso é saudável? Quero dizer, sei que faz só uns dias que to namorando com ele, mas eu não devia estar mais próxima? 9) Não diga que nunca está disponível. * Comentário de antes : Se ele quer te agradar, custa aceitar e não fazer cu doce? * Comentário de agora : Eu nunca disse "não" para o David. Toda vez que ele me convida pra sair ou propõe uma atividade a dois, eu aceito. Mesmo que tenha sido só umas poucas vezes. Espera, ele ter me convidado pra ir na casa dele ontem conta? Porque eu disse que estava ocupada com umas lições pra fazer, e era verdade. E sobre ele ter pedido pra eu passar o intervalo com ele hoje, e eu ter dito que precisava resolver um lance com a bibliotecária ? 8) Não falar de ex namorados ou pior, ficar comparando o atual com outros. * Comentário de antes : Não tenho namorado, mas detesto quando minha mãe me compara com a minha irmã. * Comentário de agora : Oficialmente, David é meu primeiro namorado, então nem tem como fazer isso. 7) Nunca diga que "nenhum homem presta".


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* Comentário de antes : Se é pra viver num estereótipo idiota por conta de uma desilusão amorosa, nunca vai ser feliz de verdade com um cara. * Comentário de agora : Posso ter dito isso de outros caras, mas nunca falei do David. Nun­quinha. 6) Não mande mensagens com tanta frequência. * Comentário de antes : Pra fazer isso, tem que passar do estágio "namorada" pra chegar no estágio "mãe". * Comentário de agora : O David vive me incentivando a fazer isso, mas poxa, não é pegar no pé do rapaz? Eu realmente não quero ser uma espécie de mãe dele. 5) Não seja pega fuçando nas redes sociais dele, por ele. * Comentário de antes : Essa pessoa, não seja essa pessoa, nunca. Se confia, por que faz isso? Desnecessário, não é porque são namorados que não mereçam privacidade. * Comentário de agora : Tudo bem, eu confesso, stalkeio o David todo santo dia. Mas ele nunca me viu no flagra, então tudo bem. 4) Não seja tímida ou retraída. Comentário de antes : isso provavelmente causaria um distanciamento entre os dois. Comentário de agora : concordo com o que eu disse antes, e vou ligar para o David daqui a pouco. 3) Não tenha inimizade com os amigos dele. *Comentário de antes : Você não tem obrigação nenhuma de gostar dos amigos dele, mas não pode fazer nada querendo que ele se afaste dos amigos. 2) Não peça pra ele contar todo o passado pra você. * Comentário de agora : nunca pedi para o David contar algo do passado ou da família dele. Pensando bem, nunca perguntei nada sobre a vida íntima e pessoal dele.


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1) Nunca, jamais, em hipótess nenhuma, fale em casamento e em futuros filhos. * Comentário de agora : Tarde demais. Pelo menos não falei, só escrevi. ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ Bryan tinha mesmo razão, me sinto mais capaz e confiante. Ta na hora de ligar mesmo para o Davis e conversar a respeito de um monte de coisas. Mas não hoje, não agora. Tenho mais trabalhos de compensação de faltas e de notas pra fazer.

Capítulo 19 : Desencontro do mal interpretado

Querido Diário, pensei que as coisas não poderiam piorar, e mais uma vez vejo o quanto estava errada. Se bem que, dessa vez, a culpa não é inteiramente minha. Passei a noite me revirando na cama, pensando no discurso que faria para o David. Assim que julguei apropriado, me levantei da cama e fui me arrumar, mas ainda era muito cedo. Assisti um pouco de televisão, atualizei minha docete em Amor Doce, até ensaiei na frente do espelho, e foi mais vergonhoso do que parece. "Eu sinto muito pelo meu comportamente, David, vamos voltar um pouquinho no tempo? " "David, eu tenho sido uma grande idiota. Quer recomeçar?" Fiquei com pena de mim mesma e resolvi ir pra escola. Andei o mais devagar que conseguia mas mesmo assim, cheguei uma hora adiantada. Por sorte, não tive que passar muito tempo congelando no frio; a garota responsável por abrir os portões me viu e me chamou pra entrar. A Thawane, esse é o nome dela, é uma garota bem magricela. Ouvi boatos de que ela tem bulimia e depressão, mas nunca dei muito crédito a


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isso. Quero dizer, agora eu também era alvo de fofoca de certos alunos, e nem tudo o que diziam de mim era verdade. Thawane devia ter uns vinte e pouquinhos, e fazia faculdade. Nunca conversei com ela, pra ser sincera, então não sei de muitos detalhes. Vi ela colando uns cartazes na parede e resolvi ajudar, até porque ela tinha me feito um favor enorme ao abrir o portão. E adivinha só o que tinha naqueles cartazes? Um anúncio oficial de que haveria um baile no fim do ano letivo, e o aviso dizia que todos deviam ir em pares. E ali começou minha primeira aflição do dia. Tipo assim, o David me convidaria? E se ele convidasse outra? E se ele não me convidasse? E se outro garoto me convidasse? Sei que a última opção era no mínimo cômica, mas deu pra entender. Fiquei pensando tanto nisso e no vestido que usaria, enquanto colava cartazes por toda a escola, e logo o sinal bateu. Fui para a entrada, esperando o David aparecer, e não vi sinal dele. Tive o desprazer de ver os amigos, e olhar pra eles me dava uma agonia danada. E pode parecer implicância minha ou imaginação, como sempre, mas juro que um a um, os amigos dele iam passando e me fuzilando com os olhares. Miguel foi o pior deles, nem disfarçou o ódio latente, e tenho certeza que o movimento da boca dele significava um "IDIOTA". Sério, o que fiz pra ganhar tanto desprezo? Quando o sinal tocou de novo, e a Thawane foi fechar os portões, me recusei a ir para a sala. Não durou muito a minha espera por ele na secretaria, a inspetora veio e me expulsou dali. E essa foi minha segunda aflição do dia; o David tinha faltado e os amigos dele pareciam até que me culpavam. Ele estava doente? Tinha se dado conta da besteira que fez ao se oferecer pra ser meu namorado, se jogado de uma ponte ou se enforcado com uma corda como um protesto suicida?


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No caminho pra minha sala, topei com o Miguel. Ele, como sempre, estava dando em cima de alguma garota, e pensei se seria uma boa perguntar a ele o que tinha acontecido. Estava bem dividida sobre fazer isso, mas ele acabou escolhendo por mim quando perguntou : — O que você quer? ­ como se eu fosse uma criatura repugnante que não merecia estar respirando o mesmo ar que ele. — O David... ele... só queria saber... ­ eu gaguejei tanto que a menina começou a rir. Ela deu um beijinho no queixo dele, sussurrou um "até depois" com a voz mais fingida e afinada que alguém poderia fazer e foi embora. E é claro, Miguel me olhou com raiva de novo, me culpando por ter feito a mina dele sair. — O que... Você... Quer? ­ ele perguntou pausadamente, e realmente cheguei a ficar com medo. — Ta tudo bem com o David? ­ perguntei por fim. Ele me olhou de cima a baixo por uns bons segundos, e suspirou, talvez percebendo que eu não fosse uma ameaça nem nada. — Ele foi te esperar na rua Alameda, aquela que você sempre usa pra vim. ­ ele respondeu. — Por que ele faria isso? ­ perguntei, não acreditando. — Ele não te encontra na entrada nem na saída. Deve ter achado que, se te esperasse, você não poderia fugir. ­ Miguel disse, dando de ombros. ­ Mas pelo que parece, não funcionou. Você está aqui e ele, idiota como é, deve estar te esperando até agora lá. Me senti muito culpada, porque se eu não tivesse saído tão cedo, teria visto o David. Miguel se afastou, indo pra sala dele, e decidi ir pra minha. E assim começou minha 3° aflição. O professor Jean era o mais chato em se tratando de horários e regras, e tive a infelicidade de dar de cara com ele ao abrir a porta. Descolei aquela velha desculpa do "eu estava na diretoria resolvendo uns problemas lá", mas


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nem isso evitou que ele anotasse meu nome no caderninho dos "Descarregos", o que me garantia um intervalo inteiro de castigo fazendo cópias. Ele me mandou sentar, mas a única cadeira vazia estava bem no meio da panelinha dos populares metidos e esnobes. Fui pra ela, morrendo de vergonha, e coloquei minha mochila em cima da mesa. Tentei me sentar na cadeira, só que o espaço era muito pequeno, e pedi pra garota da frente me dar um espacinho. — Vê se pode. ­ ela perguntou, arrastando a carteira pra frente. ­ Ela acha que pode se sentar com a gente, e ainda pede espaço. A garota, Ana Paula, me encarou cheia de desdém, mas eu já estava me acostumando com esses olhares. Aliás, qual é o problema dessa gente? Voltamos ao período em que um príncipe não podia ser visto com uma empregada? Me sentei na cadeira, tendo que encolher a barriga. Pensei em pedir pra que ela fosse um tiquinho mais pra frente, mas ouvi ela me chamando de IDIOTA e decidi ficar quieta. Passei a primeira aula inteirinha ouvindo eles rindo, fofocando, brincando e falando mal de mim como se eu não estivesse ali. Quando pedi pra pararem, só mandaram que eu deixasse de ouvir a conversa dos outros, como se fosse possível. Na segunda aula, eram duas seguidas, Jean deixou de passar lição na lousa e passou a explicar a matéria, mas eu mal o ouvia. Teve um momento em que implorei pra que falassem mais baixo, mas fui duplamente ignorada. Suportei imitarem minha voz, falarem da minha roupa, do meu jeito de falar. E minha paciência durou até a Ana Paula pronunciar umas palavras que quase me fizeram dar um tapa na cara dela. Mandei ela calar a boca, e de repente a sala toda ficou em silêncio. O professor me olhou pasmo, por cima daqueles óculos dele, e perguntou se eu estava bem.


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Eu sei, eu sei, devia ter calado a boca e encerrado a discussão. Mas sei lá... aquelas risadinhas de deboche, as zueiras, e AQUILO que ela disse foram a gota d'água. Era tão melhor quando eu era a invisível, ninguém me via e ninguém me perturbava. Então eu era a namorada do David e de repente todos olhavam pra mim. "Ela se acha só porque agora é a namoradinha do David, quando todo mundo sabe que que ele só ta com ela por pena" Acha que não sei disso? As pessoas se perguntavam isso e merda, eu também. O que o David viu em mim? Me levantei e disse em alto e bom som : — Não, professor, não está nada bem. ­ respondi, furiosa. ­ Essa garota acha que sabe alguma coisa sobre mim ou sobre o meu namorado, e está me provocando! A sala inteira reagiu em coro, com uns "Oohs", "Orra, "Ahhs" e " não deixava". Ana Paula fez cara de paisagem, provavelmente surpresa com a minha reação. O que ela tinha dito antes, sobre o David ficar comigo por piedade, continua rodopiando pela minha cabeça. Me lembro que na hora eu fechei as mãos e punho, não com raiva mas pra controlar a vontade de chorar. A verdade é que talvez ela tenha razão, e isso me machuca. Claro que não foi nada comparado ao que ela disse depois de se recompor. — Acha mesmo que não sei de nada? Deixe­me dizer uma coisa, sua nerd estúpida. Onde acha que o seu querido David foi no primeiro encontro dos dois? Você ficou uns bons minutos sozinha, não foi? Aposto que nem sabe o que ele foi fazer, deve ter acreditado na primeira mentira que ele contou. Mas eu sei, ta, eu sei! Nessa altura, a gritaria era tanta que chamou a atenção da vice­diretora, que quis saber o que estava acontecendo. O professor Jean parecia prestes a desmaiar de tanto pavor, e disse a ela que "essas duas


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estão quase se estapiando por causa de macho". E nós duas fomos levadas pra diretoria. Ana Paula mexia no celular, digitando freneticamente, e pensei em como ela podia parecer tão relaxada quando estavam ligando para os nossos pais. Levei a primeira suspensão da minha vida e pra fechar com chave de ouro, minha mãe gritou tanto comigo que achei que ficaria surda. — Em TODA A MINHA VIDA, jamais acreditei que JUSTO VOCÊ, eu esperaria qualquer coisa da sua irmã, ah, mas VOCÊ, a ÚNICA que pensei que tivesse um pouco de juízo... É, essas palavras entraram pelos meus ouvidos e foram parar no coração. Passei a tarde toda trancada no quarto, jogada de qualquer jeito em cima da minha cama. O mais interessante é que até agora, ninguém perguntou minha versão dos fatos, o meu lado da história. Mas não sei se eu diria mesmo que perguntassem. Definitivamente, não foi assim que imaginei meu dia, e olha que pensei que acabaria em cada merda...

Capítulo 20 : O beijo que me parou Não sei pra quem mais eu poderia contar isso, então vou desabafar em você, diário. Espero que compreenda que estou mais do que aflita, e perdoe­me se minha letra já bastante feia estiver ilegível dessa vez. E que eu não me desfaça em mil pedacinhos antes de chegar ao fim, porque do jeito que estou agora, tudo é possível. Menos eu ganhar super poderes, aí já é pedir muito. Lá estava eu sentada na minha cama depois de um dia cheio de desilusões, terminando aquele monte de trabalhos dos outros que peguei pra


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fazer. Sei que devia ter muitas coisas mais legais pra fazer, mas depois de passar tanto tempo chorando eu já tinha desabafado, precisava de algo produtivo pra me distrair. Umas horinhas depois, minha mãe bateu na minha porta, e isso quer dizer que ela deu um tapinha nela e simplesmente a abriu e entrou. Então, e só então, ela realmente me pergunta o que aconteceu. Não aquele tipo de pergunta retórica onde ela nem espera eu abrir a boca e ela mesma responde, mas uma pergunta onde eu pudesse de fato falar. O engraçado é que é sempre assim, quer saber meu lado depois de já ter me esculachado até ficar rouca. Não contei tudo exatamente como aconteceu, dei uma encurtada e omiti certas coisas. Quero dizer, minha mãe não tem necessidade de saber que eu me senti insegura sobre certas coisas ou algo assim, mas falei de todas aquelas zoações que fizeram sobre mim e sobre como perdi a paciência. Mamãe me liberou do castigo do quarto, castigo esse que nem sabia que estava, e ela disse que amanhã mesmo vai lá na escola resolver isso. Desci pra lanchar, e mamãe pediu pra que eu fosse dar uma passadinha na casa do Bryan. Ao que parece, ele ficou sabendo ­cof cof minha irmã­ sobre o que aconteceu e ficava ligando, preocupado. Tomei um banho, belisquei uns doces de abóbora no armário, vi que não era nem 19:00 e resolvi passar na casa do Bryan. Por que não, ne? Foi o que pensei naquela merda de hora. Ah, se eu tivesse simplesmente subido de volta pra minha cama e me refugiado na minha bad. Falei pra mamãe a onde ia, peguei um casaco e andei até lá. Apertei a campanhia e a mãe dele atendeu a porta, o que já foi um sinal de que algo bom não viria. Aquela mulher me detesta, nada vai fazer com que isso mude. Ela sempre tem uma desculpa pra me odiar, e a última dela é que "o Bryan resolveu fazer faculdade aqui ao invés de pegar uma ótima oportunidade na


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capital por causa da amiguinha que ele não queria deixar pra trás". É, até parece. Ela suspirou, chamou pelo nome do Bryan e foi pra cozinha, sem nem ao menos me dizer um "oi" ou um "pode entrar". Bryan ficou surpreso por me ver ali, e eu disse que não tinha motivo pra isso afinal, éramos melhores amigos e melhores amigos se visitam. Mesmo que as coisas estejam um tanto complicadas. Adivinha o que ele respondeu? — Você é namorada do David agora. ­ ele disse, como se fosse uma coisa tão óbvia como dizer que as nuvens são brancas. ­ Nossa amizade não pode ser como antes, cabecinha de vento. Me irritava pra caramba aquele tom dele de "eu sei de tudo", digo de um Percy Wesley da vida, mas foi aquela última frase que quase me fez ir embora. Só que o Bryan pareceu se tocar da merda que fez, porque ficou todo assustado e me implorou pra ficar, e prometeu se comportar. Fiquei ne, porque acreditei que ele fosse cumprir o que prometeu. Contei cada detalhe do meu dia, sem tirar nem por, e Bryan percebeu o quanto era sério porque ficou caladinha, sem dar risada em momento algum. Durante esse meu discurso, com direito a uma leve imitação do jeito esnobe da Ana Paula, Bryan ficou todo pensativo e quando terminei, me olhou tão atentamente que cheguei a ficar constrangida. — Por que ta me olhando assim? ­ perguntei, na defensiva. Bryan revirou os olhos, se sentou mais perto de mim e me perguntou o que eu vi no David. Pensei, a princípio, que fosse uma pergunta retórica, então não disse nada. O silêncio durou alguns segundos, até ele dizer que "isso é tão óbvio", e enquanto eu tentei pensar nesse óbvio que não entendi... Bom, não deu pra pensar nisso naquele momento. Foi muito de repente, Bryan estava cada vez mais perto, e me olhava esquisito. Então ele estava encostando a boca dele na minha, e minha nossa, o meu melhor amigo me beijava.


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É, o meu melhor amigo me beijou e o pior, como se desse pra ter pior, é que eu meio que retribuí. Mais ou menos. A boca dele ficou na minha, e não fiz nada, tamanho o meu estado de perplexidade. Apenas quando o Bryan se afastou que eu me levantei, empurrei o Bryan no sofá e fui embora, ignorando o "já vai, é?" da mãe dele. Antes de atravessar a porta, dei uma última olhada no Bryan, e ele me encarava. Pela cara dele, acho que nem ele acreditava no que tinha feito e naqueles segundos, nossos olhares disseram mais do que palavras. No caminho de volta pra minha casa, meu celular tocou no meu bolso, e eu sabia que era o David por causa do toque. Ele me ligou tantas vezes, que acabei sentando na calçada pra atender. — Oi, Cassie. O que aconteceu com você? Fiquei sabendo do que rolou na escola, tão dizendo que você saiu no tapa por minha causa. Não to acreditando nessas coisas, mas você foi suspensa? Fiquei te esperando na rua Alameda até as 7:30, depois fui na sua casa e sua irmã disse que você já tinha ido pra escola. David falava muito rápido e comecei a chorar, porque eu sou chorona mesmo e é isso que faço nessas situações. Ele disse que as coisas entre nós estava estranha, mas que resolveríamos tudo na base da conversa. Disse que estava tentando dar o seu melhor, que consertaria o que é que tivesse feito de errado e que passaria na minha casa amanhã de tarde. E tive que encerrar a ligação e desligar o celular, o que mais eu poderia fazer? Eu estou mais bagunçada que meu guarda­roupa. Enrolei o máximo pra chegar em casa, jantei em silêncio e subi pro meu quarto. Me revirei na cama, sem sono, sentindo como se estivesse acabada. O que está acontecendo comigo? Por que tudo tem que se complicar tanto? Agora eu não consigo dormir, e meu colchão parece ter espinhos. Tentei ler um livro, mas a história parecia muito fraca. Liguei meu computador e depois que o dito levou uns dez minutos pra ligar, fui ver um filme, mas


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quando cheguei na metade dele não estava entendendo nada, não conseguia prestar atenção. Naveguei pela internet, entrei em cada site esquisito, e isso também não funcionou. Cheguei a pesquisar sobre o tédio e a depressão, e vi que posso estar no começo de uma. Talvez eu esteja com um carma. Vi em uns artigos sobre espiritismo que isso pode ser macumba, estou magiada porque me enfeitiçaram. Achei a maior viagem isso, não me convenceu. A cura, segundo esses artigos, era tomar banho de sal grosso. Ta bom que vou fazer isso. E mais uma vez, só me sobra você, diário. O que eu faço?

Capítulo 21 : Pensando em Mim

Não consegui dormir noite passa, e passei a madrugada toda bem dizer terminando aqueles malditos trabalhos. O que consola esses meus dedos esfolados é a grana que receberei. Pensei em muita coisa, e com isso quero dizer que não pensei em nada. Não chego a lugar nenhum, estou mais perdido que gente honesta em Brasília, e essa parede enorme e sem fim não sai da minha frente. Talvez eu devesse para de tentar derrubar esse muro na base do tapa, e ao invés se usar a força que não tenho usar a mente. Por que não contornar ela? Tem que ter um fim, tem que ter como rodeá­la. Ou eu tenho mesmo que parar de esperar que uma porta se abra e quebrar ela na voadora. Porque apesar da paciência ser uma virtude, ela está em falta comigo. Me sinto quase melhor, essa é a verdade. Quero dizer, não é como se eu tivesse resolvido todas as questões pendentes, exceto a dos trabalhos que eu precisava terminar. Mas será que eu devo mesmo ficar pensando nessas


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coisas por tanto tempo? Não seria mais prudente esquecer isso por alguns momentos, pra dor de cabeça sumir? Eu to quase deixando de mão, largar um pouco essas preocupações. Fiz uma maratona e me sinto revigorada. De série ta, não de corrida. Sou da geração saúde que está criando raízes na bunda. Assisti a primeira temporada todinha de MR. Robot, e acompanhei um documentário que passou na tv sobre a AIDS. Era uma estudante, chamada Melanie, que ia falando sobre a vida dela e a superação que teve. A coitada nasceu com hiv, e me senti tão triste por ela. São nesses momentos que vemos que, por mais que nossa situação esteja ruim, sempre tem alguém pior. Eu estava chorando no fim do documentário, chamado Recomeço, quando minha mãe entrou no quarto. Foi meio constrangedor ter que explicar que eu chorava por causa de uma pessoa na tv, mas pelo menos dessa vez a pessoa existia de verdade, mamãe detestava quando eu chorava por personagem. Ela entendeu que foi por causa da aids e que me comovi com o lance, e não pediu mais explicações. E ainda ficou surpresa por eu ter "acordado cedo". Mal sabe ela dos esquemas. Senti cheiro de pão de queijo e desci pra cozinha pra tomar café da manhã. Depois disso fomos pra escola, pra "resolvermos a situação". Claro que tive que trocar de roupa antes, mamãe não ia me levar comigo parecendo um mendigo ­palavras dela. Até parece que não vou toda esculhambada pra escola com a primeira roupa que vi todos os dias. Fiquei sentada enquanto a mamãe resolvia tudo, e com isso quero dizer que ela gritava : — É bom vocês darem um jeito ou vou chamar a polícia! Disseram que eu poderia ir pra escola amanhã, e que iam dar um jeito nesse lance do bullyng. Não sei bem o que pensar, e não sei se vai vim coisa boa. Não fiquei tão empolgada com a notícia, e não me levem a mal. Só que,


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e se piorar? Até agora não fizeram nada de muito grave, não como nesses filmes americanos. Passei o resto do dia pensando, analisando, refletindo, e acho que nada mais importa. Preciso pensar mais em mim do que em garotos nesse momento, e não quero bancar a egoísta. Porém, estou numa confusão sem tamanho, nem sabendo quem sou eu. O que eu quero, o que vou estar fazendo daqui a uns anos? Eu sei, crise existencial é uma merda. Minha irmã disse que estou na bad, e que seria interessante se eu escrevesse sobre como me sinto. Eu e a Bad, ia dar uma história fantástica haha. Só que não. Ei, quem sabe eu não faça isso mesmo. A bad é a única que me restou, a que está comigo nesse momento difícil. E você, diário, não posso me esquecer de você. E adivinha pra quem mandei mensagem hoje? Não me julgue, mas eu estava me definhando no tédio, e fiquei passeando pelo meu email. Sabe, dando aquela limpeza básica. Pensei em tentar conversar com alguém por ali e quando dei por mim, tinha mandado uma mensagem pra Rebecca. "Como vai sua condicional? ", perguntei, só pra tirar sarro. E e questão de minutos, ela respondeu que ia me surrar ao ponto de realmente ter que entrar numa condicional, como se ela pudesse fazer isso. Eu sou da família, não se bate em família. Então fiz a loucura de pedir um conselho pra ela e além do "vá para o diabo que te carregue", ganhei um "seja você mesmo, otária, ou seja eu". Por incrível que pareça, o "seja você mesma" me ajudou a levantar meu ânimo, e me sinto, como eu te disse lá no início, quase melhor. E uma coisa que me resume é escrever nesse diário, então tive que vim aqui, colocar por escrito ajuda a organizar meus pensamentos. 1) Se esse diário é quem eu sou, Bryan vendeu minha alma. Na verdade nem chegou a vender, deu de graça. Não interessa se foi para o


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garoto que eu gostava, se foi pro Papa, pra presidente. Isso é meu e total invasão de privacidade. Confiei nele, e apenas nele. Só o Bryan sabia meu login, ele podia vasculhar o que quissesse, apesar de que a maior parte eu falava pra ele mesmo, não tinha tanta novidade. Ele não tinha esse direito, o de me expor. E tudo bem, talvez isso seja birra minha. Mas se ele gostasse de mim de verdade, mesmo que levasse anos pra dizer ­porque eu sei como é difícil se declarar, custava me dizer cara a cara, ou me escrever um bilhetinho? Eu nunca fiz algo assim com o David e nunca faria. Isso foi ajudar? Okay, ajudou. Mas não foi do jeito certo. Adianta trazer comida pra mesa se o dinheiro foi roubado? A gente mata a fome, mas se consome por dentro. Aquele dinheiro não é nosso, portanto, a comida também. Cadê o prazer de uma boa refeição, a honra? E aquele beijo de ontem? Como ele me dá um beijo se sabe que estou comprometida? Eu traí o David, indiretamente ou não, e isso não se faz. Mesmo que as coisas estejam ruins ou estranhas com o David, isso jamais me daria o direito de abusar da confiança dele. Eu sou uma pessoa honesta, mesmo que com linhas tortas. Posso ter feito trabalho para os outros, mas caramba, cheguei a pedir autorização da coordenadora. Nunca, jamais iria machucar alguém intensionalmente. Da mesma forma que eu não ia gostar de saber que o David deu um selinho em outra, talvez ele não goste do que fiz. Ou não se importe, vai saber. Mas não se faz com os outros o que não faria com você mesmo. 2) David já me pediu pra parar, ou pelo menos diminuir a frequência com esse diário. E por mais que as razões dele sejam sensatas, como : A­ Preciso me comunicar com as pessoas cara a cara. Do que adianta escrever sem inibições se mal consigo dizer um "oi" pra alguém? B­ Total falta de segurança, alguém pode hackear se for online, podem roubar se for físico. E isso já aconteceu comigo, das duas formas, tive minha privacidade invadida.


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Mas isso é quem eu sou, e não vou mudar do dia pra noite por ninguém. Como vou tirar de mim minha essência? Não vai ser a força. Por que ele iria querer que eu mudasse, se me apoia 100% da forma que sou?

Capítulo 22 : dane­se todos eles

Querido Diário, tenho uma adivinha pra propor a você. Quero que diga o nome de uma pessoa que dá conselhos pra geral mas não segue nem um terço do que está falando. Melhor, diga o nome de um ser que dá conselhos a si mesmo e não cumpre com o que promete. Claro que você sabe quem é, sou eu. Eu que faço prometas, que estipulo metas e acabo riscando os itens porque desisti deles. O que me anima é que foi por uma boa causa. Hoje tive que acordar com um grande empurrão da minha mãe, que me empurrou da cama para o chão. Não estava muito afim de ir pra escola não. Queria ficar na minha cama o resto do dia, desfrutando do meu tédio. Infelizmente, acabei tendo que jogar a água fria no rosto e saindo de casa com a mochila nas costas. E adivinha quem estava me esperando na rua da minha casa? Não, não era o Jhonny Deep nem o Robert Downey Junior, porém, quase tão bom quanto. E eu poderia ter surtado ou dado gritinhos se não fosse pelo fato de, sabe como é, eu ter desligado o celular na cara dele e ignorado suas mensagens. Evitado olhar pra ele ou falar com ele pessoalmente. E indiretamente ter feito com que ele faltasse na escola. É, eu sou um monstro horrível e insensível. Fui andando até o David de cabeça baixa, me chutando por dentro. Por que eu não tinha passado um mísero batom? Ah, sim, porque não queria


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parecer a minha irmã de jeito nenhum. Espera, por que eu tinha sido tão idiota com ele? Parei quando cheguei perto dele, e finalmente olhei pra ele. Davia fazia uma cara tão engraçada, como se tivesse visto algo engraçado. Talvez tivesse. Seus lindos olhos verdes brilhavam daquele jeito que fazia meu coração se derreter, e senti meu rosto esquentando numa velocidade impressionante. — O que está fazendo aqui? ­ perguntei, ciscando pedrinhas no chão. — Te esperando. Agora não vai ter como você fugir. Juro, senti borboletas no estômago, e senti vontade de abraça­lo e de sair correndo. A segunda opção por conta do medo porque eu queria fugir, ainda mais com aquela situação. A primeira porque as borboletas pareciam sobrevoar minha barriga, foi tão fofo o que ele disse. Ou talvez fosse fome o que senti. Se bem que fome era dava uma sensação ruim, não boa. David então pegou na minha mão, e começou a andar comigo, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Fiquei calada, esperando pelo momento em que ele diria algo, mas não saiu uma palavra da boca dele por livre e espontânea vontade, tive que tomar uma iniciativa. —David? ­ perguntei, toda cheia das timidezes da vida. ­ Tem alguma coisa... pra falar comigo? — Eu não. ­ ele respondeu. ­ Você que precisa falar algo. Na primeira parte do trajeto, tentei puxar minha mão algumas vezes, ela suava muito e não queria que ele percebesse. Mas David não deixou eu soltar, e acabei me acostumando com aquele contato. — O Bryan me beijou. ­ falei, por fim, tirando o peso das minhas costas. David soltou um looongo suspiro, mas só respondeu com uma outra pergunta : — É só isso? ­ e eu fiz que que sim com a cabeça, mesmo sabendo que não era só isso coisísima nenhum. ­ Espera aí.


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Então ele encostou a boca dele na minha e tentou enfiar a língua dele pela minha, elas se encostaram e foi super... não quero nem descrever aquilo, só posso dizer que passei o beijo todo de olhos abertos. O meu PRIMEIRO beijo de língua, eu acho, e mal proveitei o momento. Tudo o que eu podia pensar era que a saliva dele encostava na minha. Parecia tão simples, sabe? Só que o significado por trás daquilo foi imenso pra mim, sentia algo quente dentro de mim. Queria que durasse pra sempre, queria que o David nunca tivesse parado. Ele queria me dar um beijo melhor que o do Bryan? Bom, foi diferente, sem dúvida nenhuma. E não aproveitei como deveria ter aproveitado, e foi nojento. Mas e daí? Amadurecer talvez fosse isso, apreciar coisas estranhas. Os adultos veneram o café, então o famoso BDL seja isso mesmo. Preciso consultar na internet. Foi bonitinho o beijo dele. Rápido, mas disparou algo dentro de mim. Voltamos a andar de mãos dadas com um sorriso no rosto. Alguns alunos que estavam por perto ficaram apontando pra gente e olhando, o que foi desconfortável pra nós dois. Sei disso porque vi as bochechas dele corada, ou posso ter errado de novo e era só o frio. Assim que chegamos na escola, dei um beijinho na bochecha dele, o que o fez ficar mais vermelho ainda, e fui pra minha sala. Sentei no meu lugar habitual, na frente, e esperei que a sala fosse se enxendo. Dei graças a Deus por não ter visto sequer um sinal da Ana Paula, mas alegria de pobre dura pouco. Tivemos que descer para a sala de vídeo, e tinha um moooonte de gente lá. Vi o David sentado com os amigos dele, no fundo, e pensei em me sentar do lado dele. Mas o Miguel ocupou o lugar e me olhou daquele jeito debochado dele, como se estivesse me desafiando a algo, e me sentei num canto. O que podia ser pior do que sentir seu namorado te olhando lá do fundo com os amigos dele, e saber que provavelmente o assunto da rodinha era


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você? Uma especialista sobre bullyng aparecer e fazer um longo discurso sobre o tema. Eu queria morrer naquele momento, sumir pra bem longe. A mulher ainda teve a capacidade de chamar meu nome e pedir pra que eu desse meu depoimento lá na frente, quem tinha dúvidas sobre se o simpósio era pra mim não teve mais. Eu fiz que não, claro, e me afundei o máximo que pude na cadeira. Mas quer saber? Dane­se. É, eu estava sendo falada por um monte de gente, que cochichavam sem disfarçar. — Aquela garota sofre bullyng? — Quem fez bullyng com ela? — O que ela falou pra chamarem um especista aqui? — Ouvi dizer que ela chamou a polícia. — Aposto que é tudo fingimento, pra pagar de boa moça. Quando o sinal do intervalo bateu, tentei sair nas carreiras dali, querendo ir para o mais longe possível. Então senti alguém segurando no meu braço e quando me virei, David estava ali, me segurando pela cintura. E sussurrou no meu ouvido : — Quer ir ao baile comigo? E eu disse sim, porque naquele momento eu queria mesmo que tudo fosse pelos ares. E sim, descumpri o que eu prometi sobre dar um tempo de garotos. O que importa mesmo é que tenho um namorado incrível me esperando na porta do banheiro feminino, porque ele com certeza sabe que estou demorando por conta de você, diário. Quem se importa se eu estou do lado do David na mesa do refeitório, e que o Miguel não para de me fuzilar com um olhar. Quem se importa se continuam olhando pra mim e comentando um monte de besteiras? Eles não sabem da minha vida, e não devo satisfação a ninguém.


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Capítulo 23 : Papéis da Minha Vida

Depois do intervalo da escola, voltei pra sala e quase todos aqueles meus clientes estavam lá na porta, com dinheiro na mão, prontos pra me pagar pelos trabalhos que fiz pra eles. Foi bem engraçado as negociações, a contagem pelo troco, a conferência

do

trabalho.

Nessa

parte eu gelei,

enquanto eles

supervisionavam os trabalhos. Por sorte, fui salva pelo Jordan, da outra sala, que disse : — Estudei com ela ano passado, mô nerd essa menina aí. Ela só tira dez, pode fica tranquilo. Aí eles começaram a cantar um trecho de uma música chamada "Ta tranquilo, ta favorável", e até eu dei risada. Fui na sala de aula dos que faltavam e acertei tudo, anotando o nome de quem ainda me devia, alguns só pagaram a metade. Faturei quase trezentos contos e juro, NUNCA na minha vida toquei em tanto dinheiro assim, e fiquei gelada de medo. Escondi a grana na mochila, não querendo chamar atenção, e tentei ficar quieta na minha. Só que alguns alunos ficaram tirando sarro o resto das demais aulas por conta disso. Quando a professora de sociologia perguntou, por exemplo, que nenhum jovem de classe média teria dinheiro o suficiente pra comprar esses aparelhos tecnológicos de última geração que saíam todo ano, Wesley apontou pra mim e disse : — A Cassie teria, essa mina tem a maior grana. No começo, achei chatinho esse tipo de comentário, que fazia geral rir e a professora tentar entender o que estava acontecendo. Mas percebi que eles não estavam fazendo daquelas zoeiras pra me magoar nem nada, eles estavam brincando comigo. Não rindo de mim, rindo comigo.


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Quando minha caneta caiu no chão, duas garotas se abaixaram pra procurar ela. Quando eu disse a professora que não tinha a parte inicial do texto porque faltei ontem, me emprestaram o caderno sem eu nem pedir. Pela primeir vez, as pessoas me chamavam e falavam comigo, como se eu realmente estivesse ali e fosse como todos eles. Não uma garota invisível, uma garota normal. E quando tivemos que fazer um trabalho em dupla, e vários alunos se ofereceram pra fazer comigo? Escolhi ficar com a Beatriz, uma garota que sentava.nos fundos que vivia calada, ela só conversava com os amigos dela. Bia, assim que ela me pediu pra chamá­la, disse que sempre tentou falar comigo, porém, tinha receio de se aproximar e eu não gostar. Eu era muito na minha e ela não gostava de invadir a privacidade dos outros. Esse podia ter sido um dia que começou com o pé esquerdo, mas estava indo por um bom caminho. Falta apenas uns cinco minutos pra bater o sinal, e não via a hora de poder ir embora e me encontrar com o David. Os alunos estão guardando os materiais deles, e alguns estão se levantando. Estou prestando mais atenção aos meus colrgas de classe, e tenho achado fascinante seus hábitos, como o fato de em toda troca de aula eles irem para a porta. O professor Jean acabou de entrar na sala, boa coisa não é. Ele só costuma visitar salas que não tem aula dele pra cobrar trabalhos ou entregar detenções. Merda, ele está me chamando, vou lá ver o que ele quer. Talvez queira pedir desculpas pela forma com que me tratou na última aula, eu não teria levado uma advertência se não fosse por ele. ♥ ♥ ♥ ♥ Detenção? Como um professor ousava me dar um papelzinho por escrito dizendo que eu teria que cumprir uma detenção? Pensei que minha mãe tivesse resolvido isso, mas ao que parece, ninguém escapa do "regras são regras" desse professor chato


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— Uma lástima o que aconteceu naquele dia, realmente... Mas anotei seu nome no meu caderninho, e é inevitável... A detenção continua valendo. Não pra hoje, claro, você deve estar passando por um momento difícil... Quarta­feira que vem você cumpre. Quanta baboseira em um período de tempo tão pequeno, e mais uma mancha na minha reputação. Nunca, em todos esses anos escolares recebi tamanha afronta dessas, totalmente injusto. Só não vou contar pra minha mãe porque não quero ter que ver outro debate na escola por minha causa ou arranjar outra confusão. Mas caramba, como vou fazer pra inventar uma desculpa e ir nessa merda de detenção? Não é como se todo dia eu chegasse na minha mãe e dissesse : — Posso passar a tarde toda na escola? Eu vou ter que pensar em algo bem criativo pra isso. Ah, o sinal tocou. Se tivesse batido mais cedo, talvez tivesse fugido do professor Jean. Poxa vida, é só eu falar que está tudo bem que algo ruim acontece. ♥ ♥ ♥ ♥ Assim que pisei os pés em casa, minha mãe me atropelou com os mais variados tipos de pergunta, querendo saber como tinha sido minha aula. Mencionei de relance o debate sobre o bullyng, que eu sabia ser o assunto que ela estava interessada, mas mudei o foco rapidamente. Não foi tão fácil assim, mamãe pareceu não se tocar sobre o quanto falar desse assunto me deixava desconfortável. Aí lembrei que eu tinha uma novidade, e quando disse que tinha sido convidada pra ir um baile, ela simplesmente surtou e se esqueceu do que dizia. — Você foi convidada?? Pensei que ninguém fosse te convidar... digo, estou tão feliz por você! É nesses momentos que lembro a quem puxei. Mamãe é da época em que bailes, vestidinhos e passeios de mãos dadas com um cartãozinho de


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romance valia mais que muita coisa. Ela com certeza tinha visto cartazes pela escola ontem, mas não comentou nada com medo de que eu ficasse pra escanteio e acabasse não indo. Como naquela vez, quando eu estava na sétima série, que teve uma festinha de despedida e os pais puderam ir. Começou a tocar uma música e os alunos foram indo aos pares para o centro, pra dançar. Adivinha quem foi a única que ficou em pé no canto, esperando alguém que não veio? Mamãe morreu de vergonha, e ficou muito sentida com isso. Quero dizer, até parece que eu ia ficar chateada se não fosse convidada por ninguém nesse baile. Puff, fala sério. Não me sentiria nenhum pouco constrangida, e se um dia chorei por não ter sido convidada pra uma mísera dança no centro do salão, foi porque um cisco caiu no meu olho. Ou dois. Mas ficar sentida por isso é ridículo. Ta que eu sonho com um baile desde que assisti A Princesa de Rosa Shocking, mas fora isso, tudo certo. Fiquei tão contente comigo mesma por ter desviado o assunto do bullyng que nem me importei quando ela torceu a cara quando eu disse que iria com o David. Se bem que, qual é, se meu namorado não me convidasse, quem me convidaria? Depois disso o assunto girou em torno dos bailes que a mamãe foi na adolescência dela, que eram mais frequentes que os hoje em dia. Antes dela chegar no ensino médio, sua escola tinha oferecido mais bailes do que ela poderia contar, enquanto eu estava a caminho do meu primeiro. Ela falou que por mais simples que tivesse sido essas festinhas, ela tinha se divertido pra caramba. Não, ela não usou o termo "caramba", mas seria legal se ela tivesse usado. — Nós vamos te deixar tão arrumada, querida, vai parecer uma verdadeira princesa! Assim que sair o tema do baile, me avisa que vou avisar a costureira, ela me conhece e pode fazer um precinho camarada.


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O "nós vamos" me assustou um pouco, porque imaginei que a parceira dela nos experimentos em mim seria minha irmã. Que, aliás, entrou na sala nesse momento e me entregou umas folhas de papel, tudo bagunçado. — Isso aqui é um guia completo para fracassadas como você. ­ explicou. ­ Achei na internet e imprimi, pensei que fosse gostar. Uma irmã minha sofrendo bullyng na escola, era só o que faltava. Eu te disse pra tomar cuidado na hora de escolher a tinta, eu te avisei. Pra ela, a culpa de grande parte do meu fracasso como pessoa era por não seguir pequenos conselhos dela, como esse da tinta de cabelo. Até porque meus problemas escolares começa por uma coloração diferente de cabelo, fala sério. Olhei pra mamãe, pra ver se ela ia dizer algo ou me defender, mas ela estava ocupada no telefone. — É, ela vai pra um baile e tudo. ­ dizia pra alguém do outro lado da linha. Aproveitei essa oportunidade pra subir para o meu quarto, e mandei uma mensagem para o David, perguntando se ele já tinha saído. Depois do intervalo o treinador tinha chamado os jogadores do time para a quadra, e quando bateu o sinal pra ir embora David ainda estava treinando. Como ele até agora não me respondeu, pressumo que ainda está lá. Agora estou aqui, me definhando no tédio, sem saber ao certo o que fazer. Se eu descer lá pra baixo, vou ter que ouvir minha mãe falando de bailes e minha irmã sobre "bullyng você leva na esportiva". Meu namorado não me responde, e mesmo eu sabendo que ele está no treino essa demora vem me irritando. Não sou o tipo dr namorada ciumenta. Não sou o tipo de namorada desesperada por falar com ele. Não sou o tipo de namorada que... Pelo menos eu tenho quase trezentos reais na mochila. Papel de dinheiro, papel de algo que minha irmã imprimiu de algum lugar e um papel de detenção.


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E tudo que eu queria era uma mensagem do Bryan. Digo, do David.

Capítulo 24 : Ferimentos

"Garota Imperfeita, o guia perfeito de sobrevivência para uma adolescente em crise. Problemas com garotos? Ou garotas? Intrigas de família, bullyng na escola, conflitos entre amigos? Sabemos que cada um é único, mas sempre temos algo em comum. Não se preocupe, amiga, estamos no mesmo barco e eu vou te ajudar" Até que era interessante algumas daquelas folhas espalhadas na minha cama, e vindo da minha irmã eu não teria esperado menos que merda. Algumas pareciam ser um sumário dividido em tópicos, mas eu não conseguia

achar

tudo naquela bagunça. Estava desorganizado e

provavelmente incompleto, já que eu não achava todos itens. O que mais me chamou atenção ­além da folha com dicas pra descolorir o cabelo­ foi uma sobre crushs. CRUSH : A APAIXONITE QUE NINGUÉM MERECE A) Tendo um crush pela pessoa errada. B) Dividida entre dois (ou mais) garotos. C) Aquele amigo que gosta de você. D) Apaixonada por uma garota. E) Fiz merda na frente dele. F) Como conquistá­lo. G) Ele vale mesmo ser crushado? H) Maneiras de abrir o jogo. I) Lidando com um fora. J) Parando de stalkear. K) Alguém descobriu, e agora?


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L) Sabendo descrunshar. M) Como saber se é amor, paixão, amizade ou um lance. N) Parando de ser trouxa. Não achei nenhuma folha que relacionada a essa lista, mas pelo menos tinha o site da onde foi tirado, vou anotar aqui pra depois ir lá. Eu já sabia algumas respostas e não precisava de dica nenhuma, mas mesmo assim, era uma boa maneira de passar o tempo. Claro que valia a pena ter tido um crush pelo David, e ele era meu atual namorado. Era mais que óbvio que meus sentimentos por ele eram o mais profundo e sincero amor, e nada nem ninguém me faria mudar isso. "A Garota Imperfeita recomenda que você analise seus sentimentos pela pessoa em questão, e se faça as seguintes perguntas : " Rasguei a folha, fazendo uma bolinha de papel e jogando no lixo. Eu revidaria isso depois, irmãzinha, ela iria ver só uma coisa. XXX Querido Diário, já passou da hora de ir dormir e o David ainda não ligou nem retornou minhas mensagens. Não que eu tenha estado agoniada com isso, às vezes a pessoa pode estar muito ocupada pra checar notificações, e tem dias em que ela precisa de um tempo sozinho, pra refletir ou tomar um ar. Mas assim, se ele está refletindo, significa que está pensando em mim? E se foi tomar um ar, queria um tempo longe? Por quê? Admito que fiquei meio na bad, toda ansiosa esperando meu celular tocar. Em certo momento, pensei nessa minha agonia e tipo, pra que me estressar? Fiquei vagueando na net como sempre, e uma pesquisa foi levando a outra e de repente eu estava ouvindo RBD, relembrando momentos ícones da minha infância e cantando aquelas músicas que fizeram parte de mim em algum momento. Não me lembro das minhas músicas favoritas naquela época, mas se fosse escolher uma agora, seria Un Poco De Tu Amor. David era aquele garoto que eu observava de longe, que fazia meu coração palpitar com um


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sorriso que nem era pra mim. Eu sabia que era só mais uma a gostar do garoto popular, e ficava triste ao pensar que nossa história se resumiria aos meus sonhos juvenis. Mas eu não desisti, mesmo que as probabilidades estivessem contra mim. Esperava pelo momento em que uma luz me faria brilhar, e David finalmente me perceberia. Uma pena ter sido o meu melhor amigo o responsável por me ofuscar. David me viu na multidão, e ainda é estranho pensar que ele é meu namorado. Quero dizer, tudo isso não foi rápido demais? O que eu fiz pra ganhar o coração dele? Não faço a mínima ideia da resposta. Mas eu não devo ficar pensando isso, ele já me deu provas do amor dele. Eu acho. Ele deu, não foi? Por que estou falando dele? Prometi a mim mesma que não ia nem tocar no seu nomezinho. Tenho que parar com isso. Vejamos uma outra coisa... Ah, a Bia me adicionou no facebook *­* . Fiquei bem surpresa com o convite, e mais ainda por ver que ela é directioner (acho que esse é o nome dos fãs da banda). Não que eu tenha algo contra, só achei estranho mesmo. Pensei que pessoas fãs de um artista assim fossem loucas ou agitadas, não uma tímida sentada no fundo que mal abre a boca, nunca desconfiaria nem adivinharia isso. Esperei ela ficar offline pra aceitar o convite de amizade, não queria ter que conversar com ela. Sabe como é, sou uma pessoa totalmente sem assunto. Ela veria que a aceitei e diria oi, e eu teria que responder porque ela saberia que eu estava onlinr, e minha resposta se resumiria a um "oi, tudo bem?", e a Bia diria que sim e depois perguntaria das novidades, mas eu não teria nada a dizer a ela. E quando a conversa chegasse nesse ponto, o que tenho certeza que chegaria, do jeito que sou eu falaria do fato dela gostar de One Direction e sem querer a ofenderia, porque sou dessas que são indelicadas com as palavras mesmo quando não tem intenção.


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Acho que vou dormir, cansei de esperar meu celular tocar. E cansei de escrever. Por que o David sumiu? XXX Eu realmente preciso registrar isso, até porque não tenho mais com quem dividir. Quero dizer, talvez até tenha, só que não quero me abrir com uma pessoa real. Quando saí de casa pra ir pra escola, pensei que toparia com o David em algum lugar, me esperando. Como eu estava errada. Entrei na escola depois de ter procurado por ele na entrada, sem nenhum sinal da cara dele. Pensei em passar no corredor da sala dele antes de ir pra aula, mas não queria ter o azar de topar com um dos amigos dele, que ficavam em bandos por ali. Cheguei na minha sala, cabisbaixa, e adivinha quem eu vejo logo na porta? Ana Paula. Ouvi boatos de que ela teria levado uma surra do pai por causa da suspensão, mas como não sou de fofoca... e não estou dizendo que fiquei olhando para o braço dela, procurando hematomas... sentei no meu lugar de sempre, na frente, e ativei meu modo copista : nem prestava atenção no que estava fazendo, mas as folhas do caderno iam se acumulando de palavras. Quando bateu o sinal para o intervalo, entrei no refeitório e adivinha? Eu vi o David. Só que, ao invés de sentir meu coração acelerar de amor, senti de medo e susto porque o rosto estava machucado, como se tivesse saído no tapa com alguém. Me aproximei da mesa dele, relutando, e vi quando Miguel apontou pra mim, fazendo o David me olhar, e os dois cochicharam alguma coisa. Miguel tinha um hematoma também e antes que eu pudesse segurar a minha língua, perguntei a primeira coisa que apareceu na minha mente : — Vocês brigaram?


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Eles não disseram nada, e a cena não fez sentido. David me puxou pra perto dele, me fazendo sentar praticamente em seu colo, mas não falava nada. A mesa ficou em completo silêncio, sendo interrompida por uma piadinha ou outra sobre alguma garota. Tentei perguntar a ele o que tinha acontecido, só que ele se negava a responder. Algumas pessoas apontavam para o rosto do David, mas a maioria era muito discreta pra falar algo alto. O que diabos tinha acontecido? Quando bateu o sinal anunciando o fim do intervalo, David pediu pra que eu fosse na frente, pois tinha algo a dizer aos amigos. Me senti super excluída, mas fiz o que ele pediu. Assim que atravessei a porta pra fora do refeitório Miguel me alcançou, e me fez parar. — Cassie ­ ele disse meu nome, relutante. ­ O que você disse ao David? Eu não soube o que responder, porque não fazia ideia do que ele estava perguntando. David foi saindo do refeitório e Miguel me deu as costas, com um "esquece". Não sei o que está acontecendo, se o Miguel e o David brigaram ou se aconteceu algo pior, como David ter brigado com o Bryan. David não me conta nada, mal me olha nos olhos, e eu realmente queria ajudar. O que eu disse a ele? Foi sobre o beijo com o Bryan? E o pior nem é isso, um cartaz com os nomes de quem ficaram em recuperação foi colocado no Quadro de Avisos. É, eu estou em recuperação em matemática. Muito obrigado, Bryan, por ter furado comigo. Ele prometeu que me ajudaria a estudar, e foi só eu dar um fora nele que me virou as costas. Agora me questiono se nossa amizade já foi verdadeira.


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Capítulo 25 : Garota de 15 anos

—Como foi que você foi ficar de recuperação em MATEMÁTICA? ­minha mãe me acusava, dando ênfase na voz em matemática como se fosse a matéria mais fácil da escola. ­Como foi que isso ACONTECEU? Olha, eu poderia ter respondido ou perguntado muita coisa naquele momento. O dedo indicador da minha mãe seguia erguido na minha direção, e eu não sabia se era pra continuar em silêncio ou falar algo. Não que eu fosse ter coragem de dizer algo, sentia um frio horrível pelo corpo. Naquele momento, eu fiquei pensando o que de fato acontecia, mamãe parecia querer satisfações e eu nem tinha a menor noção de por onde começar. Como ela sabia daquilo? E eu podia entender boa parte da frustração porque não era aquela recuperação bimestral, era aquela anual mesmo, que se você não passar reprova. O que era não era tão grave assim afinal, pelo menos no meu caso. Todo mundo sabe que se você não reprovar em mais de três matérias consegue passar de ano, só algumas escolas mais rígidas que cobrava do aluno pra ele compensar no ano seguinte. Mas até essas escolas rígidas te passam, tirando a minha mãe geral sabia. Ta, não é como se fosse legal ficar de recuperação, nunca na vida que eu fiquei. Nos últimos dias fiquei me consolando, tentando ver o lado bom dessa situação. E quando eu finalmente vou por esse lado, de que ainda tem uma prova pra fazer e que mesmo que eu reprove nela irei passar de ano, mamãe vem com essa. —Pode ESQUECER netflix! ­ela ia dizendo, furiosa. ­ A tv a cabo já era pra você também, e nada de internet, está me ouvindo? De agora em diante, quero te ver com um livro na mão.


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E esse é o motivo de eu estar eacrevendo isso dentro de um livro de matemática. Digo, pegueu uma folha, abri o livro e apoiei a folha no meio, só pro caso dela aparecer. Daí tem tempo de eu disfarçar e fingir que estou fazendo algo de útil­apesar de eu achar que isso aqui é último, mas cada um com sua opinião. Sabe, o pior de ser obrigado a estudar em casa é você estudar sabendo que vai perder os episódios novos da sua série. E a estréia daquela outra série que você esperou estrear por meses. Da pra entender minha situação. Você não chega pra um funcionário e diz : "O seu cachorro que te seguiu até aqui acabou de ser atropelado pelo meu carro e está se regojizando de dor ali na rua. Vá trabalhar!". Totalmente, não dá. Depois que a mamãe pediu pra que eu fosse para o meu quarto, ou melhor, exigiu pra eu pegar um livro e enfiar minha cabeça nele. E eu faria isso com muito gosto se fosse um Desaparecidos de Meg Cabot ou um Percy Jackson da vida, mas um de matemática? Enquanto eu divagava sobre isso, me perguntando quem teria me caguetado, minha irmã entrou no quarto sem bater e se sentou na minha cadeira, como se fosse mais que bem­vinda ali. —Ouvi a mamãe brigando com você ­ela falou, cruzando as pernas e mexendo no cabelo, como se tivesse algum garoto ali.­ , tem uma primeira vez pra tudo, hein? Minha irmã é perita nesses assuntos, raridade era ela passar direto. Então achei que seria bom perguntar pra ela como foi que a mamãe ficou sabendo de mim porque eu não tinha contado, tinha sido algum vizinho fofoqueiro? E ela deu risada, como se a pergunta fosse óbvia demais. —Eles ligam pra casa, sua tonta, pra avisar o responsável que o filho deles ta de recuperação, ninguém acredita que um aluno vai se dedurar assim. Por isso, sempre que eles mandavam a gente passar o número de telefone de casa e anotavam no sistema eu passava um número errado. Mas tudo bem, você ainda não tem o costume. Logo, logo você vai pegando a


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mania e aprendendo os truques. Quando quiser conselhos pra matar um dia de aula me chame hein, não vai querer ser pega como eu fui. Enquanto ela falava e falava do dia que tinha sido pega, que na verdade era uma versão bem mentirosa da história, já que na vida real não tinha sido tão engraçado assim e a polícia estava no meio, fiquei olhando para os ponteiros do relógio imaginando como ia sair daquele quarto. Porque assim, eu tinha a leve impressão de que estava de castigo. E tipo assim, eu tinha uns quarenta minutos pra chegar na escola e cumprir minha detenção, caso contrário eles notariam minha falta e ligariam pra casa ­palavras do David. A Natasha continuava falando, nem me dei ao trabalho de me inteirar no assunto, e então ela deu pra fuçar minha mochila. Simplesmente surtei porque a dita vasculhava meus bolsinhos, dei um berro tão alto mandando ela largar que a Natasha jogou a bolsa no chão, toda assustada. E se ela achasse aquela grana toda, como eu iria me explicar? —Qual é o seu problema? ­ela se levantou, dramatizando no papel de um personagem que acabou de ver alguém morto. ­Sua esquisita, quase me mata do coração, isso que dá tentar agir como uma boa irmã mais velha. Acha que não sei que está escrevendo nessa porcaria de... nesse diárinho seu ao invés de estudar? Pior, vai cuidar dessas espinhas nojentas, maluca. Revirei os olhos, fingindo que não dava a mínima para o que ela disse, mas assim que ela saiu pisando duro do meu quarto pude sentir lágrimas nos meus olhos. Tasha estava falando sério? Eu não tinha espinhas, não desde que mamãe me levou a um dermatologista. Tive que ir para o espelho conferir, mesmo que fosse improvável. Minha irmã podia ser uma mentirosa, mas nunca se pode duvidar de uma pele oleosa como a minha. Você passava um dedo pela minha testa e saía um litro de suor. E na frente do espelho, adivinha o que vejo? Mini­espinhas. Toda essa minha preocupação com garotos e auto estima me fez esquecer de um problema mais sério, a acne.


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Vai em frente, me julgue. Sei que isso soa como se eu fosse uma dessas patricinhas vaidosas que fazem tudo por beleza cof cof minha irmã, mas se você conviveu durante anos com aquelas bolinhas inflamadas no rosto você pode sim pirar. Já tive tanta espinha na vida, tanta, que pensei que tivesse pagado tudo de uma vez. Longos meses sem elas, imaginando que nunca mais teria pra isso. Pra ir pra frente de um espelho encontrar um monte delas no nariz. Sabe, quando a vida me empurra ela não se contenta em só me derrubar, ela tem que chutar até os restos que me sobram. Quando vem problema é um atrás do outro. Mini espinhas no nariz, sinal de que meu problema pode voltar e se eu não cuidar delas, as malditas vão crescer e inflar. Minha prima Rebecca e minha avó por lado materno estão vindo pra passar o fim do ano, o que é outra pancada. É, pois é, nem mencionei isso. Um pouco depois da Tasha sair do meu quarto minha mãe entrou, querendo conversar comigo e dar uns conselhos, pedir minha versão dos fatos. Como se eu fosse falar que esqueci de estudar porque o Bryan e eu brigamos. Fiquei só no "aham", "sim" e "compreendo até ela soltar o "sua prima Rebecca e a sua vovó preferido estão vindo". Que ótimo, perfeito. Mas não pense que já cheguei no fundo do posso, nem pensar. Porque depois que a mamãe saiu do meu quarto, me empolguei demais e passei mais máscara facial do que devia. Qual é, eu precisava limpar a pele das impurezas. Só que o meu rosto ficou metade melecado e metade duro, e o duro era duro como pedra. Desci as escadas pra pedir ajuda e tirar aquilo e adivinha, adivinha quem eu encontro na sala comendo biscoitinhos? Dane­se a adivinha, era o Bryan. A última pessoa que eu ia querer ver em todo mundo, tirando é claro os estupradores, terroristas e tudo mais. Porque esse povo era realmente da pesada, mas enfim, eu não queria mesmo ver o Bryan. Como ele tinha entrado? Ta, eu sei, pela porta. Porém,


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quem iria deixar o infeliz entrar e fazer com que ele se sentisse em casa? Nem precisei pensar muito na resposta. E eu estava prestes insultá­lo de todas as formas, exceto que minha boca não se mechia. A parte dura fez ele trincar e a parte melequenta escorregou um tequinho pra dentro, foi um nojo. E o que o Bryan diz? —Tem uma coisa estranha no seu rosto, isso aí é lodo? Sua irmã te convenceu a ser cobaia nos experimentos dela? Veja bem, eu não corri para o banheiro por vergonha, de jeito nenhum. Se eu taquei tanta água no rosto pra limpar aquilo, tanta água que chegou a me molhar toda, foi porque eu estava furiosa e se estou prestes a gritar de fazer careta, o melhor era estar com o rosto limpo. Ta, é uma desculpinha das piores. E quando eu ia brigar com o Bryan eu vi ele com machucados pelo rosto e pelo braço, machucados parecidos com o David. David, que aliás, ainda se recusava veemente a me contar o que houve, mas se ele ia continuar me dando selinhos no intervalo, pra mim tudo bem, eu comprava o silêncio dele. E posso ser a pessoa mais idiota do mundo, contudo, não sou tão retardada assim. Quais as chances deles dois terem se machucado em períodos parecidos em lugares diferentes? —Bryan ­eu falei, determinada a conseguir uma resposta. ­ , me diz que você NÃO brigou com o David. —Não briguei com o David. ­ ele respondeu, me fazendo suspirar de alívio por alguns segundos. ­ ele que veio brigar comigo, só me defendi. Senti meu rosto esquentando todo de raiva. Pode não parecer, mas apesar de eu ser tímida quando entro numa briga eu vou pra valer. E Bryan sabe disse, e provavelmente suas próximas palavras deviam ser pra me acalmar. Não funcionou. —Olha, Lyn, se toda vez que eu te beijar você contar pra ele, as coisas vão ficar complicadas. Mas se quer saber, um garoto que precisa de outro garoto pra tomar atitude não devia valer seu coração


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Foi nessa parte que dei um soco no nariz dele. Toda vez que me beijasse? Que tipo de garota ele achava que eu era? E tudo bem, estou definitivamente de castigo no quarto. E daí se quando perguntei quem chamou ele pra minha casa, ele colocou uma mão sobre o nariz que estava ficando roxo e respondeu : —Sua mãe, caramba, ela quer que eu volte com as aulas de matemática! Mas eu não considero que estou de castigo no quarto, considero que EU que tranquei a porta e que EU estou privando todos eles da minha presença. E posso estar agindo como uma garota birrenta, palavras da minha mãe, mas eu não vou sair do quarto nem pra jantar. Pelo menos o pessoal da detenção não ligou aqui pra casa, mas o David disse que o Miguel disse, já que o Miguel foi pra detenção, que o fato de eu não ter comparecido hoje vai dobrar. Ou seja, terei que ir duas tardea seguidas pra detenção. Ainda acho que estou calma demais pra uma garota de 15 anos passando por tudo isso.

Capítulo 26 : Detenção não é tão ruim

Querido Diário, nunca pensei que um dia iria dizer ­ou nesse caso escrever­ as próximas palavras, mas é como dizem : coisas horríveis superam as indesejadaa. Então, aqui estou eu, prestes a confessar o que nenhuma garota que lutava pra ter notas altas e ser respeitada pelos professores deveria sequer pensar. Estou agradecida por estar de detenção. É, sério mesmo. Quero dizer, é como se um mundo novo tivesse se abrido pra mim. Sabia que as detenções eram aplicadas durante a tarde na escola e em alguns fins de semana? Eu


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nunca saberia disso, até porque não sou do tipo que faz detenção. Pelo menos antes ne, agora já não sei. E não estou dizendo que ficar de detenção é uma maravilha, porque convenhamos, quem está aplicando essa detenção é o professor Jean, e ele é um completo lunático chato do caramba que deve ter vindo de outro planeta e veio pra cá infernizar os jovens. Só que entre estar aqui sentada e em casa... Porque, veja bem, a minha avó materna chegou um pouco mais cedo do que o esperado. E ela é simplesmente um asno. ASNO. Só não é tão ruim agora porque não tenho mais que dividir meu quarto com ela, mas mesmo assim, um pesadelo. Ela mal chegou e já começou a falar de mim. —Essa menina tem ido pra igreja, Tori? Essas meninas de hoje em dia que não frequentam a casa do senhor não valem de nada. Veja só a Rebeca, está possuída por algum demônio. O caso dela não resolve com psicólogo não, é com um bom exorcista. Cassidy parou de dizer que o nome dela é Kathe? Estou te dizendo, Kathe é o nome da demônia que quer possuir o corpo dessa menina, Tori, vigie sua filha. E veja bem a alimentação dela, essas meninas estão tudo anorexas hoje em dia. E cuidado com os sinais da rebeldia hein, um filho rebelde mostra pais sem pulso firme. E quando ela começou a falar da Rebeca? Rebeca só entrou dentro de casa uns bons minutos depois, alegando que precisou de um tempo do lado de fora para "respirar um ar", ou um cigarrinho em outras línguas. Rosa, minha avó, amava falar da Rebeca porque Rebeca fazia o que a velha queria : retrucava. E quando Rosa disse que Rebeca não merecia os pais que tinha, minha prima retrucou falando das brigas e discussões que meus tios vinham tendo. — Do que adianta ser um santo na igreja se dentro da sua própria casa o diabo reina? ­ Rebeca continuou. ­ Você não passa de uma velha hipócrita que não tem nada melhor pra fazer do que criticar os outros.


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— Seus pais não estariam quase se divorciando se não fosse por você, sua diabinha. ­ vó Rosa ia treplicando. ­ Você fica pegando espírito ruim e passando para os outros! Assim que o almoço acabou, saí correndo de casa alegando ter que ir pra escola ajudar na preparação do baile. Perto disso, o professor Jean ter brigado por eu ter faltado o dia combinado de uma detenção e duplicado ela foi música para os meus ouvidos. Mas talvez Rebeca tenha suas razões pra se defender. Quero dizer, Rosa mora do lado da casa dela. Se já é difícil pra mim conviver com ela por míseras semanas por ano, imagine o que é ter que olhar pra ela todo santo dia? Talvez seja por isso que a Rebeca use drogas. Ou eu acho que usa porque : 1) Ela dorme tarde 2) Usa roupa de drogados 3) Ela acorda tarde 4) É mau­humorada Ai minha nossa, eu tenho os sintomas de uma drogada!! Mas voltando ao fato de eu estar aqui detenção, pensei que teria que fazer lições ou alguma chatice desse nível, mas com tanto que você cale a boca e fique na sua, você faz o que quiser. E não estou dizendo que não levei um susto quando, ao entrar aqui, Jean me fez assinar um prontuário, assinar uma folha comprovando que estive ali na detenção e colocou os papéis dentro de um envelope amarelo novinho com o meu nome. Haha. Eu oficialmente tinha um envelope com meu nome na detenção. Mas isso nem foi o mais bizarro. E quando o Miguel chegou e assinou a folha dele? O professor pegou um envelope com o nome do Miguel e o envelope estava lotado, gasto de tanto papel que tinha ali.


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— É isso que dá tumultuar aulas, Cassidy. ­ o professor disse pra mim enquanto Miguel se sentava no fundo. ­ É isso que quer pra sua vida? Uma enorme ficha criminal? — É só detenção do ensino médio, Jean. ­ debochou Miguel lá do fundo. — Mas é isso que você quer, Cassidy? Porque se é isso que quer, avise­me. Está vendo esse arruaceiro? ­ ele disse apontando para o Miguel. ­ Toda semana ele está aqui. Brigas, discussões, gracinhas fora de hora. Que tipo de sujeito acha que ele é? Quero que repense nos seus atos, Cassidy. E então ele me deixou aqui e fui escrever. E é isso. Essa é a detenção da minha escola, o lugar pra onde você vai pra não fazer nada. E até que dá pra pensar em bastante coisa, sabe, e eu pensei bem numa coisa até agora. Eu realmente gostei do beijo do Bryan.


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