THAIS AKEMI TADA
ARQUITETURA & DANÇA O Movimento do corpo no espaço
THAIS AKEMI TADA
ARQUITETURA & DANÇA O MOVIMENTO DO CORPO NO ESPAÇO
Trabalho Final de Graduação apresentado à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para aprovação no Curso Superior de Arquitetura e Urbanismo
ORIENTADOR: PROF. DR. CELSO LOMONTE MINOZZI
SÃO PAULO, DEZEMBRO/2017
Agradeço, Meu orientador Celso Minozzi pelo conhecimento e direcionamento. Minhas avós e avô pelas orações e torcida, minha tia Denise, arquiteta, por tirar as dúvidas técnicas, meu melhor amigo, Andrew, por me suportar nas madrugadas viradas de projeto, meu namorado André, meu querido estagiário de AutoCAD e Photoshop, minha mãe pelas revisões ABNT e, por fim, e mais importante de todos, meu pai, meu melhor maqueteiro, que virou noites e noites fazendo os projetos comigo. Além de me proporcionar essa formação.
MUITO OBRIGADA!
RESUMO
ABSTRACT
O propósito desse texto é explicar como a dança e a arquitetura se assemelham e até mesmo se relacionam. Para compreender essas relações, iniciaremos estudando a Teoria do Movimento desenvolvida por Laban e como ele propôs uma notação da dança, a Labonotação (Labanotation). Depois entenderemos a espacialidade na arquitetura e como ela é criada a partir dos movimentos dos corpos no espaço ou eventos. Também compreenderemos os percursos da arquitetura, como os corpos a percorrem numa certa direção e como tudo isso está profundamente relacionado às temporalidades. Por fim então, absorveremos todos esses conceitos no relacionamento da dança e arquitetura e como elas se complementam.
The main purpose of this text is to explain how dance and architecture are similar and even can relate do each other. To understand this relation, first we will study the Theory of Movement by Laban and how he proposes a dance notation, the Labanotation. After that we will understand the spatiality of architecture and how it is created from the movement of the bodies in the space, or the called events. We also comprehend the paths of architecture, the way bodies move through a certain direction and how this is all related to the temporality. Lastly, we gather all these concepts in the relationship between dance and architecture and how they complement each other. Keywords: Architecture, Dance, Space, Movement
Palavras-chave: Arquitetura, Dança, Espaço, Movimento, Corpo, Tempo.
LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Formas de Expressão Artísticas ...................................................................................... 17
LISTA DE TABELAS Tabela 1 – O Corpo .......................................................................................................................... 22 Tabela 2 – O Espaço .......................................................................................................................... 23 Tabela 3 – O Tempo .......................................................................................................................... 23 Tabela 4 – O Peso ............................................................................................................................. 24 Tabela 5 – Fluências .......................................................................................................................... 24 Tabela 6 – Análise dos Elementos do Esforço ................................................................................... 26 Tabela 7 – Oitos Ações Básicas de Laban ......................................................................................... 28 Tabela 8 – Esforços ........................................................................................................................... 30
LISTA DE FIGURAS Figura 1 - 8 Movimentos Básicos ...................................................................................................... 27 Figura 2 – Conectividades Centro-periferia ...................................................................................... 31 Figura 3 – Corêutica por Laban ......................................................................................................... 34 Figura 4 – Exemplos de Labonotação ................................................................................................ 36 Figura 5 – Visões Seriadas ................................................................................................................. 45 Figura 6 – Portrait of Dora Maar – Pablo Picasso ................................................................................ 51 Figura 7 – Barreiras e Percursos ......................................................................................................... 55 Figura 8 – Arranjos Espaciais ............................................................................................................. 56 Figura 9 – Proporções geométricas no Corpo da Bailarina ............................................................... xx
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
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TEORIA DO MOVIMENTO
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LABONOTAÇÃO (LABANOTATION) ESPACIALIDADE
09
29 35
QUARTA DIMENSÃO - TEMPO
51
PERCURSO
53
PRAZER NA VIOLÊNCIA
57
PERFORMANCE NA ARQUITETURA
63
ARQUITETURA DO ESPETÁCULO
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CORPOGRAFIAS
71
A DANÇA NO ESPAÇO
77
ARQUITETURA E DANÇA
81
CONCLUSÃO
89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
91 10
INTRODUÇão Dança, arte performática que envolve grande habilidade dos corpos, tanto de flexibilidade, agilidade e coordenação motora. Ela é usualmente criada por um coreógrafo para ser exibida em um palco. Arquitetura, arte estática, que possui estilos, estruturas e todo um planejamento para sua construção. Criada por um arquiteto, que distribui seus espaços internos, define sua materialidade entre muitos outros aspectos técnicos. Como podem se assemelhar uma arte baseada em movimentos e outra de estabilidade física? O objetivo desse texto é mostrar que ambos os campos possuem os mesmos conceitos, que são, espaço, corpo e tempo, ou seja, envolvem o movimento do corpo nos espaços. Devemos compreender que a arquitetura não é puramente estética, ela é definida pelo movimentos dos corpos em seu interior. Iniciaremos esse estudo entendendo de onde surgiu a racionalização dos movimentos, porque os homens se movem? E ao entendermos que eles se movem para suprir necessidades, começaremos a compreensão que a arquitetura é base da sobrevivência humana, uma vez que toda a nossa vida acontece no espaço, ou seja, na arquitetura, estudando então a espacialidade, como os corpos se relacionam com os espaços, e como ambos se modificam simultaneamente pela simples existência de um dentro do outro. 11
ARQUITETURA & DANÇA
Toda essa espacialidade depende de um tempo de vivência, sendo essa então a quarta dimensão do espaço, a vivência de um espaço depende do tempo que o experimentamos. Cada período de tempo é um evento, e esses nunca acontecem de forma igual, pelo fato que o homem nunca performará os mesmos movimentos de forma idêntica. Compreenderemos que a arquitetura é transformada a cada nova intrusão que se tem em sua ordem (violência na arquitetura), portanto, ela está em constante mudança, como os nossos corpos, cada nova experiência que temos na cidade nos dá uma nova corpografia. Entenderemos também que as corpografias são as experiências da cidade inscritas no corpo. Essas experiências ficam guardadas na nossa memória e, pelo fato delas sobreviverem nos nossos corpos, as cidades deixam de ser mero cenário urbano se tornando um espaço de vivência dos habitantes. Compreenderemos, por fim, que os movimentos no espaço, são coreografias urbanas, só que no caso, os coreógrafos somos nós mesmos, aqueles que habitam o ambiente, e essa coreografia é criada a partir da nossa rotina, a partir da nossa experiência na cidade, criamos um repertório de movimentos, e na nossa vivência repetimos esses movimentos diariamente e, mesmo que não percebamos, os ambientes se adaptam a partir desse cotidiano humano. INTRODUÇÃO
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teoria do movimento
Sempre que pretende-se explicar a racionalização, conta-se primeiro a história chinesa da centopeia, que deveria começar a se locomover pela 78º perna e então seguir uma ordem para se movimentar. Devido as demasiadas regras ela acabou morrendo de inanição. Esse conto mostra que a racionalização do movimento vai contra a real natureza da movimentação: o livre fluir. O movimento se origina no interior do homem, a partir de suas experiências de vida, portanto, o domínio perfeito do movimento vem dessas experiências que, inconsequentemente, fazem o homem se expressar a partir de suas vivências, sendo esse o livre fluir do movimento. O homem adquire habilidades externas, as assimila e então as utiliza como se fossem dele próprio. O homem se movimenta porque precisa satisfazer uma necessidade. A motivação interior para se movimentar vem associada às funções do corpo, a espontaneidade do movimento vem da ideia que a pessoa já domina a direção e o impulso necessário para exercê-lo, tendo-se assim movimentação sem pensamento prévio, já estão inscritas no corpo daquele que as pratica. As definições de movimento explicam apenas o que é visto, fisicamente, não o que é sentido, percebido. Pode se observar um levantar de braço, a definição é, braço esquerdo apontando para cima, rosto observando a mão, porém o que se percebe do movimento tem a ver com o que o artista quer passar com esse levantar de braço, ele pode estar querendo alcançar algo, de forma depressiva, ou olhar para sua mão de forma sensual, querendo seduzir quem o observa. 15
ARQUITETURA & DANÇA
Com isso, se compreende que os movimentos podem revelar muitas coisas diferentes, e o entendimento do que ele deseja passar depende de suas formas e seus ritmos, que mostram como a pessoa se sente no momento, seu estado de espírito. Rudolf Von Laban, nascido na Hungria, Bratislava, em 1897, não aceitava o vazio que existia nas peças de teatro daquela época, então colocou em seu trabalho suas próprias paixões e lutas interiores, para trazer sentimento e provocação às performances artísticas. Encontrou a resposta para o seu estudo na relação corpo-espírito dos bailarinos. A origem dos movimentos estudadas por ele são as artes marciais, as danças africanas e indígenas e algumas expressões folclóricas. Laban discorre sobre o palco ser um espelho da existência do homem, porém com uma intensificação artística, sendo essa, um incremento à arte de viver. No palco, é necessário ter uma totalidade das expressões corporais, fala, gestos, dança e até mesmo música. Ele explica melhor isso na seguinte citação: “Um caráter, uma atmosfera, um estado de espírito, ou uma situação não podem ser eficientemente representados no palco sem o movimento e sua inerente expressividade. Os movimentos do corpo, incluindo movimentos das cordas vocais, são indispensáveis à atuação no palco.” (LABAN, 1958)
teoria do movimento
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Um drama necessita duas ou mais pessoas para que se possa ter um diálogo entre pólos, porém esse diálogo é possível com uma única pessoa, a partir de suas alterações de humor, e essa conversa não necessariamente acontece só no palco, ou só na plateia. Existe uma corrente magnética entre o palco e a audiência, na qual os atores são o pólo ativo, que propõe o que será discutido, e dependendo da intensidade com que eles passam a informação, o público responde aos estímulos artísticos, fazendo a corrente funcionar. Um artista que apenas executa os movimentos, faz a peça se tornar puro entretenimento, aonde a audiência pode encontrar uma fuga de seu cotidiano estressante, já o artista que além de executar habilidosamente os movimentos, sendo esses movimentos do corpo e das cordas vocais, provoca a plateia, no sentido que esses movimentos vem de impulsos internos, carregados de significados que podem ser interpretados de forma diferenciadas por quem os observa. O homem contemporâneo tem essa necessidade de penetração nas pequenas partes da existência humana que estão resguardadas dentro deles, uma Gráfico 1 - 4 formas de expressão artísticas (palavra, música, ritual, liturgia) e como elas vez alcançados pode-se recuperar algumas de tomam forma para serem 17
ARQUITETURA & DANÇA
suas qualidades essenciais, uma vez perdidos. Laban discorre então sobre o conceito de esforço, no qual sua definição é que esse é uma atitude interior, inconsciente ou não, relativa aos fatores de peso, espaço, tempo e fluência. No palco, o homem escolhe com cuidado as configurações de esforço adequadas para expressar os conflitos que ocorrem em seu interior. Existem certos movimentos básicos como a respiração, repousar, entre outros que são automáticos, porém podemos tomar consciência deles e alterar o esforço exercido para passar alguma outra sensação, que é o que os artistas fazem para expressar seus sentimentos internos. (FERNANDES, 2002) Esses esforços se aprimoram a partir do treinamento de nosso corpo e mente de como reagir em cada situação, automatizando as decisões de nossa mente, para que os esforços sejam aplicados de imediato. A brincadeira que filhotes e crianças exercem nada mais é que um treinamento da adequação e entendimentos dos esforços. E essas brincadeiras se aproximam da dança, uma vez que elas são feitas pelo prazer próprio, e não para um espectador. A dança pode ser considerada o exercício mais genuíno de esforço, uma vez que nela é preciso entender bem os quatro fatores de esforços, e a forma com que eles são aplicados altera a sensação dela. Essa sensação passada pela dança explicita os conflitos da vida, porém não de forma tão clara, é necessária uma melhor interpretação de todos os movimentos para entender o que está sendo passado pelo bailarino. O ato de pensar os movimentos se resume num conjunto de impressões e teoria do movimento
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acontecimentos, que a pessoa absorve durante sua vida, que se passam em sua mente. Esses pensamentos aperfeiçoam a orientação do ser em seu mundo interior, que é onde se originam os impulsos para se movimentar, e então esses impulsos “saem” do pensamento no fazer, representar e dançar. O homem almeja se orientar no labirinto mental de seus impulsos, e quando isso é alcançado, resulta em esforços bem definidos. A ordem com que as partes do corpo são acionadas ao se movimentar definem sua fluência. Os movimentos que se originam no centro do corpo e vão para suas extremidades, ou seja, do tronco aos membros, normalmente são mais livres e fluídos do que aqueles que começam do seu oposto, onde o tronco fica estático enquanto os membros começam a se movimentar. Pode se considerar a estrutura do corpo e as ações que ela é capaz de executar como um dos maiores milagres da existência, e o controle da fluência está diretamente ligado ao controle dos movimentos das partes do corpo, sendo esses movimentos divididos em passos, gestos de mãos e até mesmo expressões faciais. O controle das fluências é dado pelos centros nervosos que reagem a estímulos internos e externos, isso significa que a forma com que o movimento é executado, depende do que acontece ao redor do ser humano, ou de como está o estado de espírito dele em dado momento.
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“Cada fase do movimento, cada mínima transferência de peso, cada simples gesto de qualquer parte do corpo revela um aspecto de nossa vida interior. Cada um dos movimentos se origina de uma excitação interna dos nervos, provocada tanto por uma impressão sensorial imediata quanto por uma complexa cadeia de impressões sensoriais previamente experimentadas e arquivadas na memória. Essa excitação tem por resultado o esforço interno, voluntário ou involuntário, ou impulso para o movimento.” (LABAN, 1958)
Nessa citação, Laban explica como cada pessoa vai responder ao mundo de uma forma diferente, cada pessoa tem uma absorção das experiências de forma diferenciada, portanto os impulsos de cada ser humano resultam em uma movimentação que reflete o interior dele, com vivências e experiências únicas. Os racionalistas tentam explicar os movimentos do corpo a partir das leis da física, dos movimentos inanimados, como por exemplo: o fator peso segue a lei da gravidade. Porém o corpo não é um ser inanimado, então, se soltarmos uma pedra, ela obviamente seguirá a lei da gravidade, e vai apenas parar seu movimento ao encontrar o chão ou outro objeto em seu caminho, já o corpo humano, ao soltarmos o braço erguido, se ele não possui resistência, vai seguir a lei da gravidade até ficar na posição relaxada, mas, se no meio de seu caminho esse braço perceber que terá teoria do movimento
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algum encontro que possa ser considerado doloroso, a mente daquele que controla aquele corpo manda um estímulo avisando que tem um objeto perigoso em seu caminho, assim o braço para de seguir a lei da gravidade, respondendo aos impulsos gerados em seu interior. Essas resistências do corpo podem ser explicadas a partir da ideia de que o esqueleto humano pode ser comparado a um sistema de alavancas, na qual, os nervos e músculos acionam essas alavancas, dando a elas a força necessária para vencer o peso das partes do corpo, e então alcançar as distâncias no espaço e seguir as direções desejadas. Pode se explicar o fato mecânico do movimento a partir da ideia que, o peso do corpo, ou de qualquer outro membro, pode ser erguido seguindo uma direção do espaço durante um certo tempo. Sendo esses então os “fatores do movimento”: peso, espaço e tempo. Retomamos então o conceito de esforço, no qual, todos os movimentos humanos então associados a ele. Na realidade, o esforço é o ponto de origem dos movimentos, sendo que esse e sua ação resultante podem ser involuntários e inconscientes, mas estão presentes em todo e qualquer movimento corporal. No teatro, os movimentos tem uma precisa dimensão de tempo e uma precisa colocação dos detalhes gestuais, fazendo assim os movimentos de corpo serem harmoniosos, e então, os espectadores, ao observarem os momentos dos corpos dos bailarinos, recebem a dança em sua mente, originando sensações nela. 21
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Nas tabelas a seguir entende-se quais são as partes do corpo, as direções que o corpo pode seguir no espaço, as velocidades e as forças que os movimentos podem ter, e quais são os tipos de fluência e como elas são expostas pelo corpo.
O CORPO Articulações do lado esquerdo
Articulações do lado direito
CABEÇA OMBRO COTOVELO
OMBRO COTOVELO
PULSO MÃO (DEDOS)
PULSO TRONCO PARTE SUPERIOR (CENTRO DE LEVEZA)
MÃO (DEDOS)
TRONCO PARTE INFERIOR (CENTRO DE GRAVIDADE) QUADRIL JOELHO TORNOZELO PÉ (ARTELHOS)
QUADRIL JOELHO TORNOZELO PÉ (ARTELHOS) Tabela 1 – O corpo (LABAN, 1958 pg. 57)
teoria do movimento
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O ESPAÇO DIREÇÕES
O PESO ENERGIA OU FORÇA MUSCULAR USADA NA RESISTÊNCIA AO PESO
FRENTE DIREITA FRENTE
ESQUERDA FRENTE
DIREITA DIREITA TRÁS
ESQUERDA ESQUERDA TRÁS TRÁS PLANOS
EXTENSÕES
PERTO - NORMAL - LONGE PEQUENA - NORMAL - GRANDE
TENSÃO A RELAXADO
DIRETO - ANGULAR - CURVO
RÁPIDA
PRESTO
CONTROLE CORPO
NORMAL
MODERATO
INDO
INTERROMPENDO
DETENDO
CONTÍNUA
AOS TRANCOS
PARADA
NORMAL
INTERMITENTE
COMPLETO
MOVIMENTO
SÉRIES DE POSIÇÕES
POSIÇÃO
LENTA
Tabela 5 – Fluência (LABAN, 1958 pg.86)
LENTO
Juntando a análise de todas as tabelas, entende-se ação por um impulso que exerce uma função em um certo espaço, durante um certo tempo com uma certa energia e força. As ações são expressivas, normalmente sem um pensamento prévio, elas respondem rapidamente aos estímulos externos e não são determinadas por raciocínio lógico.
Tabela 3 – O Tempo (LABAN, 1958 pg.76)
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GRAUS DE TENSÃO
AÇÃO
UNIDADE DE TEMPO
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ÊNFASE OU NEUTRO
FLUXO
O TEMPO
TEMPO (RELATIVO ÀS SEQUENCIAS DE MOVIMENTOS)
ACENTOS
FRACA 1/2:1
A FLUÊNCIA
Tabela 2 – O Espaço (LABAN, 1958 pg.73)
VELOCIDADE
NORMAL 1:1
Tabela 4 – O Peso (LABAN, 1958 pg.79)
ALTO MÉDIO BAIXO
CAMINHO
FORTE 2:1
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Apesar de serem instintivas, as ações dos homens, diferente da dos animais, que não tem faculdade de entender as consequências de seus impulsos, são analisadas, desenvolvidas e remodeladas para só depois serem utilizadas. Isso acontece, porque o homem tem a consciência de perceber o que ele pode ou não fazer ou expor. Laban propõe então oito ações básicas de movimento. Essas ações podem ser relaxadas ou energéticas (peso da ação), linear ou flexível (espaço que ação ocupa), curta ou prolongada (tempo de duração da ação) e liberada ou controlada (fluência da ação). Inicialmente para compreender os conceitos principais de esforço, peso, tempo e espaço, foi criada a seguinte tabela:
PESO
O elemento “firme” do esforço consiste de uma resistência forte ao peso e de uma sensação de movimento, pesada, ou sensação de peso O elemento “toque suave”ou “leve” do esforço consiste de uma resistência fraca ao peso e de uma sensação de movimento leve, ou ausência de peso
TEMPO
O elemento de esforço “súbito” consiste de uma velocidade rápida e de uma sensação de movimento, de um espaço curto de tempo, ou sensação de instantaneidade O elemento de esforço “sustentado” consiste de uma velocidade lenta e de uma sensação de movimento de longa duração, ou sensação sem fim
ESPAÇO
O elemento de esforço “direto” consiste de uma linha reta quanto à direção e da sensação do movimento como linha estendida no espaço, ou sentimento de estreiteza O elemento de esforço “flexível” consiste de uma linha ondulante quanto à direção e da sensação de movimento de uma extensão flexível no espaço, ou sensação de estar em toda parte Tabela 6 - análise dos elementos do esforço (LABAN, 1958 pg.120)
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A partir dos conceitos explicados anteriormente, é possível entender as oito ações básicas de movimento e quais são suas derivações, como mostra o quadro ao lado:
Pronta reação ao estímulo externo (Liberto)
Existência de uma resistência externa ou hesitação
AÇÃO BÁSICA SOCO (Punching/ Thrusting)*
AÇÃO DERIVADA
CARACTERÍSTICAS
Empurrar, chutar, cutucar
Forte e direto
TALHAR (Slashing)*
Bater, atirar, chicotear, açoitar
Forte e flexível
PONTUAR (Dabbing)*
Palmadinha, pancadinha, abanar
Leve e direto
Sacudir (Flicking)*
Roçar, agitar, tranco
Leve e flexível
Pressão (Pressing)*
Prensar, partir, apertar
Forte e direto
Torcer (Wringing)*
Arrancar, colher, esticar
Forte e flexível
Deslizar (Gliding)*
Alisar, lambuzar, borrar
Leve e direto
Flutuar (Floating)*
Espalhar, mexer, braçada (remada)
Leve e flexível
Tabela 7 – oito ações básicas de Laban // *”[...] Todos os termos referentes às 8 dinâmicas ou esforços básicos foram trazidos por palavras aproximadas em português. Não existe, contudo, em nenhuma língua uma palavra que traduza o sentido exato do movimento, pois, para cada pessoa a palavra que traduz a ação vai ter um sentido diverso. [...]” (LABAN, 1958 pg.114) Figura 1 – 8 movimentos básicos
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O fluxo do movimento (conforme observado anteriormente na Tabela de Fluências) é um aspecto essencial na ideia de movimento-fluência. Inicialmente, fluxo é a continuidade que o movimento tem, podendo ele ser mais ou menos controlado, se o fluxo para completamente, o resultado é uma única posição, estática. Porém, se ele é interrompido diversas vezes, num curto espaço de tempo, pode resultar num movimento trêmulo. O movimento-fluência comunica a corrente interna da externa do movimento. O fluxo pode ser considerado o grau de liberação produzido no movimento, quando maior o fluxo de movimento, maior sua fluência, liberdade de movimentação. O oposto disso seria uma fluência controlada, e nesse caso, a fluência parece fluir para trás, indo em direção contrária da ação. Podemos resumir a compreensão de esforço na seguinte tabela, que explicita os seus aspectos e o como o corpo se manifesta dependendo da intensidade de cada um.
ESFORÇOS FATORES DE MOVIMENTO
ASPECTOS MENSURÁVEIS (FUNÇÕES OBJETIVAS)
ASPECTOS CLASSIFICÁVEIS (SENSAÇÃO DO MOVIMENTO)
SUAVE
Resistência forte (ou graus menores até fraco)
Leveza leve (ou graus menores até pesado)
SUSTENTADO
Velocidade rápida (ou graus menores até lento)
Duração (longo ou graus menores até curto)
FLEXÍVEL
Direção direta (ou graus menores até ondulante)
Expansão flexível (ou graus menores até filiforme)
Controle parado (ou graus menores até libertado)
Fluência fluída (ou graus menores até parando)
ELEMENTOS DE ESFORÇO (LUTANTES)
(COMPLACENTES)
PESO FIRME
TEMPO SÚBITO ESPAÇO DIRETO
FLUÊNCIA CONTROLADA
LIVRE
Tabela 8 – Esforços (LABAN, 1958 pg.126)
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Durante o movimento, as atitudes corporais terão duas direcionalidades, uma o movimento flui do centro do corpo, tronco, para fora, e a outra vem da periferia do espaço, membros em direção ao tronco. Esses movimentos são, sucessivamente, ações de recolher e espalhar, sendo que o movimento de recolher é flexível e do espalhar é direto. Há também a possibilidade de um mesmo corpo ou membro executar as duas ações simultaneamente, por exemplo, um braço recolhe e o outro espalha, ou, a mão recolhe e o antebraço espalha. Porém, independentemente da origem do movimento, todos os movimentos são conectados pelo centro, um membro se relaciona com o outro através do tronco (FERNANDES, 2002), como pode ser observado na imagem a seguir:
Outro conceito que se deve levar em conta é o ritmo, sendo que ele pode ser dividido em três categorias: ritmo-espaço, ritmo-tempo e ritmo-peso. No ritmo-espaço se utiliza direções relacionadas para criar formas ou configurações espaciais. Em seu trabalho cotidiano, o homem aprende que existe uma melhor forma de manipular os objetos, ter posições melhores e mais práticas, assim então, ele mobiliza seu corpo até que o objeto atinja a melhor posição para ser utilizado. A experiência humana no ambiente permite que o homem mapeie minuciosamente todo o espaço ao seu redor, e esse mapa auxilia o percurso diário que ele irá percorrer, porque, uma vez tendo os espaços conhecidos e mapeados, o ser humano consegue traçar a melhor rota e quais esforços serão necessários nela. Nesses ambientes o homem se sente mais confortável, por conta de dominá-los e saber exatamente quais esforços irá exercer, esses locais podem ser chamados de seus habitats. Já no ritmo-tempo, o homem luta contra o tempo exercendo movimentos rápidos e súbitos, e concorda com ele através de movimentos lentos e sustentados. Os ritmos produzidos pelo corpo são classificados por uma divisão do fluxo do movimento em partes, cada uma possui seu tempo definido. Cada parte pode ter um comprimento de tempo igual ou desigual (como vimos a medida de comprimento de tempo na Tabela – Tempo), quando essas são desiguais, podem ser movimentos relativamente rápidos ou relativamente lentos.
Figura 2 - Tradução: Conectividade centro-periferia: cada membro se relaciona com o centro e através do centro para cada um dos outros membros.
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lABONOTAÇÃO (LABANOTATION) Para um melhor estudo dos movimentos, Laban desenvolveu uma gramática da linguagem dos movimentos chamada Coreologia, sendo essa uma ciência dos círculos. Nela não se tem apenas um estudo geométrico, como também da gramática e da sintaxe da linguagem do movimento. Ao estudá-la, compreende-se além da forma externa do corpo, o conteúdo mental e emocional daquele ser. A Coreologia foi dividida em três: Eucinética, Corêutica e Kinetographie (DOS SANTOS, X apud MOMMENSOHN e PETRELLA, 2006**). A primeira delas é um estudo aprofundado das dinâmicas de ritmo e movimento, onde se compreende as diferenças e semelhanças rítmicas entre a dança e a música. Os passos de dança possuem uma contagem musical, dentro dos oito tempos, ou oitavas da música, enquanto os gestos não possuem contagem, não seguem nenhum ritmo métrico. Como visto antes, o movimento pode ter várias direções e planos, e o corpo é um objeto tridimensional com muitas articulações, então quando ele se movimenta, nunca cria uma única figura. Dependendo do ritmo em que o esforço é feito e da maneira que as articulações se colocam no espaço, definem-se os significados dessas figuras criadas pelo movimento. O segundo conceito da Coreologia, a Corêutica, estuda o movimento do corpo no espaço, e a ferramenta utilizada para explorá-la é a Cinesfera, uma esfera que delimita o espaço pessoal de cada pessoa. Utiliza-se cinco formas geométricas de Cinesfera para estudar as formas do corpo no espaço: o tetraedro, octaedro, cubo, icosaedro e dodecaedro. 33
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Figura 3 - Corêutica por Laban
E por fim, temos a Kinetographie ou Labonotação (Labanotation), no qual se tem a fundamentação das leis da dança por meio do estudo do movimento, principal elemento na dança. Esse registro conta com a utilização de símbolos posteriores com todas as suas possibilidades de flexão, rotação, extensão, contatos e relações. “Descreve padrões de colocação de peso, mudanças em nível e direção no espaço, duração do movimento (tempo e ritmo), padrões de toque, orientação e padrões desenhados no chão [...].” (COHEN apud FERNANDES, 2006)
Nessa citação, Fernandes quer dizer que, a Labonotação registra a forma que o humano coloca certo membro em uma certa posição e o modo que ele transfere o peso de um membro ao outro, ou centro do corpo aos membros e vice-versa. Portanto, pode se dizer que ela registra as direções espaciais exatas e a duração de seus movimentos. teoria do movimento
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“Expressividade/Forma é um método sistemático de observação, registro e análise dos aspectos qualitativos do movimento corporal. A qualidade do movimento pode ser pensada em termos de “como” um movimento é realizado.” (COHEN apud FERNANDES, 2006)
Nessa segunda citação de Fernandes, se explica outro estudo do Laban, que é a Labanálise, na qual se busca respostas sobre o movimento, por exemplo: Como o movimento foi realizado? Qual foi a força aplicada? Qual foi a origem do movimento? Central ou periférica? Todos esses estudos são baseados nos gestos, nos movimentos cotidianos exercidos pelos homens, e então, questiona-se essa movimentação diária. A partir desses estudos, chegou-se à conclusão que todos os indivíduos possuem uma habilidade em dança, e não apenas aqueles treinados (FERNANDES, 2002). Isso pode ser explicado pelo fato que todo ser humano tem um registro de movimentos e esforços, e tem consciência da força e das direções necessárias para exercê-los, portanto, todos tem a capacidade de dançar, uma vez que esses movimentos se tornem também parte desse registro pessoal de cada homem.
Figura 4 – Exemplos da Labonotação (Labanotation)
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O principal aspecto da arquitetura é o fato dela possuir um vocabulário tridimensional, no qual o homem está inserido. Se formos comparar com as outras artes, a pintura é bidimensional, a escultura é tridimensional, porém o homem fica de fora, as observando, já na arquitetura o homem a penetra e caminha dentro dela. A arquitetura é pensada por plantas, cortes e elevações, porém esses desenhos são abstratos, ninguém vivência uma planta na realidade, ninguém vai ver a planta a não ser no papel. Esses desenhos são utilizados para construir a arquitetura, no qual se tem as medidas para que seja possível executar o trabalho. Porém, a arquitetura não deve ser reduzida a meras medidas, ela é, na verdade, definida pelos vazios criados nas plantas, o espaço interno, o local que o homem penetra, anda e vive. Então, por conta disso, a planta pode ser bela, bem estudada, ser equilibrada, porém o edifício ainda pode ser pobre, devido ao fato que, não necessariamente um belo desenho resultará numa boa vivência dos homens nos espaços internos dessa arquitetura. A arquitetura não é mais visual, ela se torna um mecanismo de interação humana e sua principal função é favorecer a comunidade nas suas relações sociais. Esse espaço não pode ser representado perfeitamente de nenhuma forma,
espaços internos, vamos criticar a arquitetura como mera obra de arte, podendo ela ser comparada a uma pintura ou escultura, avaliando apenas sua construção física. Mas, não se pode negligenciar os estilos e decorações, eles são bastantes úteis, porém eles são ineficazes para se ter um completo entendimento do valor da arquitetura. Chegamos então a conclusão que o substantivo da arquitetura é o espaço, e o edifício é um continente, um invólucro mural, com um conteúdo, um espaço interior. Durante toda a história da arquitetura, o seu conteúdo foi deixado de lado, sendo estudado apenas o seu continente. A partir disso, pode-se concluir o que é arquitetura e o que é a não-arquitetura. Arquitetura é tudo que possui um espaço interior, onde o homem possa caminhar e viver, já tudo que não possui espaço interior é uma nãoarquitetura. Por muito tempo se estudou arcos e pontes como arquitetura, porém eles são meras esculturas por não possuírem o espaço interno. Também se discutiu o que é belo e feio na arquitetura. Inicialmente, a beleza é relativa, o que é bonito para uma pessoa pode não ser para outra, mas, uma arquitetura bela, não é necessariamente aquela com estilos bem definidos, belas proporções e materialidade, e sim uma que o espaço interior te acolhe, te convida a conhecê-lo, ele é agradável. Porque, o edifício pode ser esteticamente lindo, mas, ao adentrá-lo,
ele só pode ser entendido e vivido por experiência direta. Os arquitetos então, acima de técnicas construtivas e estilos, devem compreender o espaço interno e serem capazes de aplicá-lo ao construir a arquitetura no papel. Enquanto, não apenas os arquitetos, como qualquer pessoa que vivência o edifício, não compreender os
o homem pode sentir uma repulsa do espaço. Apesar de ser o substantivo da arquitetura, é errôneo dizer que o espaço é suficiente e não tem necessidade de estilos e decoração na arquitetura. O espaço dá à construção seu valor arquitetônico, porém a estética dele como um todo depende
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de todos os fatores acessórios. E outro argumento errado é a ideia de a experiência espacial só poder ser vivida no interior de um edifício, portanto o espaço urbanístico não existe ou não possui valor arquitetônico. Muito pelo contrário, a experiência arquitetônica do espaço se prolonga por toda cidade, ruas, praças, entre outros. Ela acontece em qualquer lugar que o homem tenha delimitado um vazio, sendo que esse não precisa ser fechado por seis paredes, sendo a sexta o teto, esse pode muito bem ser delimitado por cinco barreiras, sendo que uma delas pode ser inclusive árvores. Nesse estudo, os arcos e pontes voltam a serem chamados de arquitetura, não no sentido estético, e sim como barreiras urbanísticas, eles delimitam os espaços das cidades. Bruno Zevi então resume esses conceitos na seguinte citação: “Se pensarmos um pouco a respeito, o fato de o espaço, o vazio, ser o protagonista da arquitetura é, no fundo, natural, porque a arquitetura não é apenas arte nem só imagem de vida histórica ou de vida vivida por nós e pelos outros; é também, e sobretudo, o ambiente, a cena onde vivemos a nossa vida.” (ZEVI, 1996)
Douglas Aguiar em seu livro, Alma Espacial, inicialmente comenta os estudos de espacialidade feitos pelos arquitetos, tentando entender o papel do espaço na arquitetura. O conceito de espacialidade é definido naturalmente pelo modo que o 39
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corpo se acomoda no espaço, o grau de encadeamento entre corpo e espaço. Sendo o movimento do corpo de ordem topológica, invisível aos olhos, e a forma do espaço da ordem geométrica. A espacialidade é uma propriedade do vazio, sendo esse o cenário onde o movimento acontece. O fundo torna-se mais importante que a figura, isso significa que no desenho arquitetônico feito pelos arquitetos, mais importante que as paredes, o desenho delas, é o espaço vazio criado por elas. “O estudo da espacialidade, portanto, é essencial no âmbito da arquitetura ao propiciar uma avaliação da performance dos espaços a partir das demandas do corpo, ou, se quisermos, das demandas da(s) pessoa(s), individual e coletivamente.” (AGUIAR, 2010)
Nessa citação, Aguiar quer dizer que, o arquiteto, ao projetar, dá uma função a um determinado ambiente, e apenas a partir da vivência desse local, pode-se chegar à conclusão se ele funciona da forma planejada ou não. Voltemos então a antiguidade, onde Newton define espaço absoluto e espaço relativo. O espaço absoluto, é o espaço físico, em sua própria natureza, eternamente igual e imóvel, já o espaço relativo tem sua origem no espaço absoluto, porém é determinado a partir dos nossos sentidos e da posição dos nossos corpos dentro dele, podendo ser chamado também de espaço da experiência. Newton também estuda espacialidade
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o espaço absoluto junto do tempo absoluto, no qual os dois são homogêneos e uniformes, portanto um está sempre seguindo o outro na mesma intensidade. No final do século XIX começa a se entender a dimensão cinestética do espaço, no qual o espaço é definido pelo corpo em movimento, sendo esse corpo a base da experimentação e recepção dos espaços construídos. Schmarow propõe então que o cerne do espaço está no observador, sendo que esse cerne explica a relação do todo com suas partes. Ele propõe então uma visão da arquitetura que parte de seu interior, e que o edifício só pode ser vivido por esse observador, no centro da arquitetura, em movimento, sendo essa a essência experiencial da arquitetura. Schmarow explica melhor isso na seguinte frase: “Tão logo tenhamos aprendido a experienciar a nós mesmos, solitários, como centros do espaço – um espaço cujas coordenadas se interceptam sobre nós – teremos então achado o precioso cerne, o investimento inicial pode-se dizer, no qual toda a criação arquitetônica está baseada. Uma vez que uma imaginação ativa captura esse cerne e o desenvolve de acordo com as leis dos eixos direcionais – leis essas inerentes mesmo ao menor núcleo de toda e qualquer idéia espacial – a semente da mostarda se tornará então uma árvore e todo um mundo nos envolverá. Nosso senso de
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espaço (raumgefühl) e nossa imaginação espacial (raumphantasie) pressionam na direção da criação espacial (raumgestaltung); numa busca de satisfação através da arte. Chamamos essa arte arquitetura; de um modo direto, ela é a criadora do espaço (raumgestalterin).” (AGUIAR, 2010 apud Schmarsow, 1994)
Nessa citação ele também comenta a direcionalidade, que está intimamente ligada ao movimento do corpo. A leis dos eixos direcionais seriam a base para o primeiro movimento desse ato de criador de arquitetura, no qual a direção mais importante a se seguir é a direção do livre movimento. Sendo assim, ao adentrarmos a arquitetura, a partir das nossas vontades, seguimos uma certa direção, que é a base para a criação dos espaços arquitetônicos. Enquanto isso, Hildebrand discorre sobre as formas do espaço, eles possuem uma forma efetiva, que é sua forma física permanente, e uma forma inerente, que decorre do corpo em movimento. Ele sugere que o ver deixa de resultar numa mera visão, ele se transforma em um rastrear (scanning) e seu resultado é cinestético, ou seja, esse escaneamento resulta em uma visão abstrata que é a soma de uma sequência temporal de imagens (framings). Essa apreensão do espaço é dada pela máxima extensão do nosso campo visual. Ele também explica que a configuração do vazio é um resultado do arranjo dos objetos no espaço, e esses não definem apenas os seus limites, como o limite de corpo de ar que o cerca, sendo esse corpo de ar o espacialidade
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vazio arquitetônico. E isso é explicado nas seguintes palavras dele: “Objetos devem ser utilizados para construir um espaço total e criar o que poderia ser denominado como uma malha cinestética a qual, embora descontínua, sugere um volume total contínuo. Nesse sentido o objeto individual se torna um componente estrutural; sua posição dentro do vazio é definida pelo desenvolvimento espacial mais geral e pela sua própria capacidade de evocar e estimular a nossa ideia de espaço.” (AGUIAR, 2010 apud HILDEBRAND, 1994)
Já Paul Frankl entende que a espacialidade possui quatro subdivisões que a compõe: forma espacial, forma corporal, forma visível e intenção utilitária, sendo que essa última é definida pelas características culturais e processos sociais que ajudam a compor a configuração espacial. A intenção utilitária espacializa a função no edifício e ajuda a distinguir o cenário, o pano de fundo, que é o edifício em si, dos movimentos dos corpos, que ele chama de Eventos, considerando Evento a espacialização do programa, como o programa sugerido pelo arquiteto toma forma no espaço e como ocorre o deslocamento dos corpos no espaço. Porém podemos concluir que a intenção utilitária se baseia na descrição dos movimentos. Frankl também introduz a ideia de rede de movimentos, que seria a descrição de todos os movimentos possíveis em dada situação, e junto disso, introduz a axialidade, que é a ideia que os corpos se movimentam através de eixos. 43
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Gordon Cullen também aborda as sequências espaciais no conceito de visão serial, que é uma visão simultânea da planta mostrando a posição do observador, ou seja, uma sucessão de pontos de vista. Ele dá um exemplo na seguinte citação: “Imagine-se o percurso de um transeunte a atravessar a cidade. Uma rua em linha recta desembocando num pátio e saindo deste outra rua que a seguir a uma curva, desemboca num monumento. Até aqui, i.é – no que respeita à descrição nada de invulgar. Mas siga-se o percurso: o primeiro ponto de vista é a rua; a seguir, ao entrar no pátio, surge um novo ponto de vista, que se mantém durante a travessia na segunda rua, porém depara-se uma imagem completamente diferente; e, finalmente, a seguir à curva, surge bruscamente o monumento. Por outras palavras, embora o transeunte possa atravessar a cidade a passo uniforme, a paisagem urbana surge na maioria das vezes como uma sucessão de surpresas ou revelações súbitas. É o que se entende por VISÃO SERIAL.” (CULLEN, 1971)
Isso também pode ser exemplificado na seguinte sequência de imagem, na qual cada seta representada na planta corresponde a uma perspectiva, um ponto de vista. espacialidade
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Para entender a arquitetura, é necessário entender que a presença do corpo é natural, e ele é um elemento central na planta arquitetônica, porque devemos pensar arquitetura a partir da rotina de seus habitantes. Sobre esse assunto Tadao Ando diz o seguinte: 01
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Figura 5 – Visões seriais (CULLEN, 1971 pg.19)
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“Um lugar não é o espaço absoluto da física newtoniana, ou seja, um espaço universal, mas sim um espaço com direcionalidade significante e com uma densidade heterogênea que nasce de uma relação que denomino shintai [...] o corpo em sua relação dinâmica com o mundo torna-se shintai1.” (AGUIAR, 2010 apud ANDO, 1988) 1 – shintai – ponto central de adoração dos fiéis / tesouro religiosamente guardado no altar, podendo ser uma espada, uma jóia, um espelho, ou, ter origem natural, uma montanha, quedas d’água ou árvores.
Silva explica que a arquitetura é uma manifestação cultural, na qual se produz formas concretas habitáveis já pensando que essas serão adequadas ao uso humano, portanto sofrerá modificações intencionais. Lúcio Costa concorda com isso dizendo o seguinte: espacialidade
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“Arquitetura é, antes de mais nada, construção, mas construção concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para determinada finalidade e visando determinada intenção.” (COSTA, 1995)
Apesar de possuir essência material, a arquitetura possui uma complexidade conceitual, que inicialmente não era levada em conta. No começo, havia uma ênfase no sentido da visão, tendo uma supervalorização da matéria no lugar da experiência sensorial. Pallasmaa considera isso um empobrecimento da arquitetura, independente de toda complexidade social das cidades e seus largos percursos temporais, ainda se valoriza mais a visão: “Em vez de experimentar nossa existência no mundo, a contemplamos do lado de fora como espectadores de imagens projetadas na superfície da retina.” (PALLASMAA, 2011)
Buscando um retorno a preocupação com a experiência existencial da arquitetura vários teóricos voltaram a discutir para além da materialidade chegando à seguinte conclusão: “[a] arquitetura, como todas as artes, está intrinsecamente envolvida com questões da existência humana no espaço e no tempo; ela expressa e
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relaciona a condição humana no mundo. A arquitetura está profundamente envolvida com as questões metafísicas da individualidade e do mundo, interioridade e exterioridade, tempo e duração, vida e morte. [...] A arquitetura é nosso principal instrumento de relação com o espaço e o tempo, e para dar uma medida humana a essas dimensões, ela domestica o espaço ilimitado e o tempo infinito, tornando-o tolerável, habitável e compreensível para a humanidade.” (PALLASMAA, 2011)
Pallasmaa tem um estudo compatível com os analisados anteriormente, ao dizer que a essência da arquitetura está na espacialidade, que o corpo no espaço gera interações e essa relação entre os dois criam o lugar. O gerar arquitetura pode ser explicado como uma forma de ordenar e organizar o espaço, e essa organização resulta em experiências sensoriais possibilitadas pelo corpo. O lugar éresultadodas relações corpoeespaçomais avivênciaquesetem ali, porque os corpos criam um significado, possuem significado, passando esse para seu ambiente, dando então sentido ao lugar. O lugar é criado a partir da experiência do espaço, que possui características temporais, portanto o significado do espaço é definido pela cultura do local, que é capturada durante o tempo. Pallasmaa explica isso na seguinte citação:
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“Tempo e espaço são eternamente intertravados nos espaços silenciosos entre suas colunas gigantescas; matéria, espaço e tempo se fundem em uma experiência elementar e singular: a sensação de existir.” (PALLASMAA, 2011)
Segundo Pallasmaa, a definição da arquitetura é que os corpos indicam caminhos e esses revelam a dimensão simbólica dela. Os homens consideram o significado dado aos objetos no espaço e analisam seus arranjos espaciais, e que isso também explica o seus significados e usos. A interação com a arquitetura se dá num confronto, como dito antes, porém essa fica guardada em nossa memória:
“[...] Tudo é movimento, próprio pensamento é um movimento e é no movimento que toda natureza acontece [...] o movimento, [...] é inexplicável, imensurável, ilimitado, incompreensível, intangível [...] [movimento] requer espaço, assim como nós. E o que é então o espaço? Sem o movimento, o espaço é apenas uma palavra vazia, sem sentido. [...]” (AGUIAR, 2010 apud BALZAC, 1977)
“Uma edificação é encontrada: ela é abordada, confrontada, relacionada com o corpo de uma pessoa, explorada por movimentos corporais utilizada como condição para outras coisas. A arquitetura inicia, direciona e organiza o comportamento e o movimento.” (PALLASMAA, 2011)
Apesar de todos esses estudos, a maior preocupação arquitetônica ainda acaba sendo seus estilos e características geométricas. Apesar de ser estática, a arquitetura tem sua essência no movimento, como pode ser explicado na frase seguinte:
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QUARTA DIMENSÃO - TEMPO As perspectivas davam representações mais adequadas dos ambientes externos e vistas externas, e com o desenvolver da tecnologia, ela foi aos poucos sendo substituída pela fotografia. Porém, com o passar do tempo, foi percebido que, podemos tirar uma foto de uma caixa, mas a leve mudança de ângulo, já faz com que ela seja diferente, portanto, cada passo em torno no objeto muda a percepção que temos deles. Chegando assim a conclusão de que a realidade do objeto não se esgota em três dimensões e que a quarta dimensão é o tempo. O tempo pode ser traduzido para o deslocamento sucessivo que se faz, alterando o ângulo visual. As obras cubistas resumem bem essa ideia, uma vez que elas mostram diversos ângulos numa mesma pintura bidimensional, como por exemplo as obras de Picasso, onde ele mostra, por exemplo, o rosto de uma mulher visto de frente e de lado simultaneamente, como podemos observar na obra ao lado:
Voltando a arquitetura, o tempo é indispensável na construção dela, uma vez que é necessário um tempo de caminhada dentro dela para se ter total compreensão e vivência. Esse tempo é suficiente para explicar o continente da arquitetura, seu invólucro mural, que limita seu espaço.
Figura 6 – Portrait of Dora Maar – Pablo Picasso (1937)
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percurso Aguiar explica que o deslocamento dos corpos pelo espaço por um período de tempo é o seu percurso, ou passeio arquitetônico. Schmarsow antecipa essa ideia ao definir as direcionalidades que o corpo pode tomar no espaço e que as situações espaciais são analisadas a partir dela, sendo esse o sistema espacial. Na Bauhaus, Klein estuda os diagramas de linhas, no qual, a partir de linhas de movimento se consegue a descrição de como as atividades acontecem. Essas linhas também conseguem evitar encontros acidentais, definindo rotas mais práticas e diretas dependendo da necessidade do homem. Le Corbusier então define a planta como um sumário das rotas de movimentos possíveis no edifício. Já Zevi aborda uma nova forma de tratar função, a partir do Suporte, que relaciona as noções de atividade e interação e, a partir disso, determina um modo de distribuir os espaços, de uma forma topológica, que proporcionaria os encontros das pessoas e criação de imprevistos. Entende-se então que a espacialidade não se trata unicamente de espaços, e sim da mobilidade humana dentro dos espaços. Hiller e Hanson complementam a ideia do Mapa Axial de Frankl dizendo que cada linha tem uma identidade, e um conjunto de linhas compõe uma situação arquitetônica, cada linha complementa a outra, cada uma tem uma característica e funcionalidade, assim o conjunto delas possui um DNA, que define a arquitetura como um todo. Robin Evans continua a explicar a importância das linhas de movimentos na seguinte fala: 53
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“Se algo há sendo descrito numa planta arquitetônica, esse algo é a natureza das relações humanas, pois os elementos cujas linhas ela registra – paredes, portas, janelas e escadas – são empregadas primeiramente para dividir e num segundo momento para seletivamente reagrupar os espaços habitados.” (AGUIAR, 2010 apud EVANS, 1978)
Aguiar explica que a planta arquitetônica é um identificador de barreiras e passagens, que a posição das barreiras define as passagens, ou seja, seu sistema de rotas. Tschumi comenta que “os corpos não apenas se movem mas, geram espaços através desses mesmos movimentos” (TSCHUMI, 1995 p. 123). Ele ainda complementa que a rota é uma porção dinâmica do espaço, ou seja, uma pequena parte do espaço onde os corpos se movimentam e, a rota, representa a vida espacial das pessoas, a sua essência. A planta dá uma ordem de importâncias no espaço, ela define a maneira com que ele será utilizado, ela é uma geradora de percursos. Aguiar resume isso na citação abaixo: “Todo percurso acontece no espaço. Um percurso ou rota é um espaço, desde que esse espaço tenha direcionalidade. No entanto, nem todo espaço pode ser lido como percurso – muito embora, em
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última instância, todo e qualquer espaço possa, em uma determinada situação, vir a assumir a condição de percurso.” (AGUIAR, 2010)
percursos, sendo esses os arranjos em árvore, anéis e misto, como mostram as imagens a seguir: Chegando assim a conclusão que uma boa arquitetura é aquela que possui uma boa marcha, um percorrer prazeroso do espaço, e que a arquitetura possui uma alma espacial nas suas linhas de movimentos, sig-
E para complementar essa situação ele coloca a imagem abaixo que primeiramente mostra todas as barreiras, separando as barreiras móveis das permanentes, em seguida as linhas de movimento e por fim os dois juntos, e como se relacionam:
nificando que, os ventos acontecem nos percursos e esses são carregados de significados, então, a junção dessas linhas de movimento, desses percursos, define a alma espacial da arquitetura. Figura 7 – Barreiras e Percursos (AGUIAR, 2010 pg. 162)
Essas plantas, além de mostrar as rotas, mostram a acessibilidade de cada rota. A gradação de acessibilidades mostra a hierarquia delas, qual rota é mais utilizada, dando origem então a um núcleo de integração espacial, sendo essa a área mais utilizada da planta. Existem diferentes tipos de arranjos espaciais que podem definir os 55
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Figura 8 – arranjos espaciais: (da esquerda pra direita) barreiras fixas, barreiras móveis, percursos e a composição completa (AGUIAR, 2010 pg.196)
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prazer na violência Tschumi em seu livro “Architecture and Disjunction”, (Arquitetura e Disjunção) sendo disjunção o ato de separar, desunir, desassociar, inicialmente explica que não existe arquitetura sem ação, sem programa, sem evento, e que ela não é autônoma, não é uma forma pura, nem também pode ser unicamente definida por uma questão de estilo. Ele concorda com todos os outros teóricos já citados aqui, que é necessário ter um movimento, e uma relação do corpo com o espaço no interior da arquitetura, e que essa relação é o que efetivamente cria a arquitetura. O arquiteto define espaços ao determinar limites, barreiras, e seus habitantes vão dar uma nova definição para a arquitetura, a partir de seu cotidiano, suas ações e seus movimentos. A arquitetura não existe sem cotidiano, isso porque o espaço é o plano de fundo de todas as atividades humanas. Partimos então para uma análise da arquitetura como uma experiência sensual do espaço. Já vimos anteriormente que a representação arquitetônica por palavras, plantas e imagens está fora da realidade espacial da arquitetura, e que é o produto da mente que constitui a arquitetura, portanto a arquitetura não pode ser um mero projeto tridimensional. Tschumi então explica o erotismo na arquitetura, no qual ele não é o excesso de prazer, e sim um prazer do excesso. Com isso ele quer dizer que o erotismo significa o dobro de prazer, a partir de construções mentais e sensualidade, e a arquitetura é considerada um objeto mais erótico no sentido que apenas quando levada ao nível mais alto de excessos pode se ter sua experiência completa. Com excessos ele quer dizer que, não apenas formas geométricas simétricas e equilibradas 57
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dão prazer, como ambientes prazerosos de se estar, e a junção disso resulta num excesso de sensação, tornando a arquitetura extremamente sensual. A arquitetura é construída de oposições, como ordem e desordem, estrutura e caos, ornamentos e pureza e racionalidade e sensualidade, ao serem colocadas juntas eles se complementam, dando ênfase uma a outra. “On the one hand, architecture as a thing of the mind, a dematerialized or conceptual discipline with its typological and morphological variations, and on the other, architecture as an empirical event that concentrates on the senses, on the experience of space.” (TSCHUMI, 1996) “De um lado, arquitetura como uma coisa da mente, uma desmaterializada e conceitual disciplina que são variações tipológicas e morfológicas, e do outro lado, arquitetura como um evento empírico que concentra os sentidos, na experiência do espaço.” (Tradução própria)
Portanto, de um lado observamos a arquitetura de forma prática, baseada nos sentidos físicos, visão, tato, olfato, e do outro lado, transformamos a arquitetura numa coisa da mente, em algo conceitual, que não pode ser colocado em palavras, e isso é o prazer na arquitetura, essa forma de experimentar a arquitetura. A primeira espacialidade
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ideia, pode ser considerada um prazer da geometria, da ordem, na qual a arte geométrica está acima da experiência, e o segundo é o prazer do espaço, esse que não pode ser descrito precisamente sem ser experimentado, e nenhum dos dois por si só pode descrever completamente o prazer da arquitetura, ela é a soma dos dois. Voltamos então a ideia de que não existe arquitetura sem ação. Para ele essas criações de espaço a partir do corpo decorrem de confrontos do corpo com o espaço, e que isso pode ser considerado um ato de violência, tanto do corpo no espaço quanto o oposto. Para entendermos isso, ele inicialmente diz que a forma não segue a função ou uso, porque os programas arquitetônicos são instáveis, eles podem ser alterados a qualquer momento. Isso acontece porque o corpo, ao violar a arquitetura, altera sua ordem natural, e dependendo de seus desejos, pode alterar o uso que fora proposto naquele espaço, portanto os corpos criam novos espaços ao vivenciarem a arquitetura. Chegando assim à conclusão que não existe arquitetura sem violência. A lógica dos homens e a lógica dos objetos são completamente independentes, mas, inevitavelmente, esses dois irão se encontrar e terão um confronto intenso. Qualquer relação entre o edifício e seu habitante é um ato de violência, é a intrusão de um corpo em um dado espaço, intrusão de uma ordem dentro da outra. Devemos compreender violência como uma metáfora para a intensidade da relação dos indivíduos e dos espaços que os cercam, e essa violência é inevitável e fundamental na arquitetura. Não apenas o homem viola a arquitetura, como o oposto também 59
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acontece, as ações dão qualidades aos espaços, porém os espaços também justificam o porquê das ações. Qualquer indivíduo viola a arquitetura pela sua simples presença, eles invadem a ordem controlada da arquitetura. A partir dos movimentos exercidos dentro dos espaços, os corpos criam outros diversos tipos de espaços inesperados. Assim, podese dizer que, a arquitetura é um organismo em constante troca de experiências com seus usuários e os corpos vão totalmente contra as regras arquitetônicas previamente tão bem definidas, portanto, o corpo perturba a pureza da ordem arquitetônica. Já o oposto acontece como uma tortura espacial, quando o espaço é muito pequeno ou grande, ou o teto é muito alto ou baixo, sendo assim exercida a violência pelo espaço nos seus habitantes. Assim, os homens acabam por ter esse prazer na violência, uma vez que violar o espaço é a ideia de o confrontar e criar novos espaços, sendo uma das vertentes do prazer arquitetônico. A ação original de intrusão é única e sem ensaios prévios, porém essas ações podem ser infinitas dependendo da quantidade de vezes que invadimos a pureza desse espaço. Os arquitetos tentam moldar os movimentos dos corpos a partir da implantação de rampas e barreiras, definindo o percurso que ele deseja que as pessoas sigam. Porém, se esse não for o movimento que o corpo sente necessidade de exercer, os espaços e os programas podem acabar sendo totalmente independentes, cada um com uma lógica, e as considerações arquitetônicas serão indiferentes às utilitárias. Mas, quando bem pensados, espaços arquitetônicos espacialidade
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podem se tornar totalmente dependentes dos programas e a existência deles ser condicionada a existência do outro. O que importa não é saber o que veio antes, o movimento ou o espaço, e sim quem molda quem, sendo que nesse mesmo relacionamento a flecha de poder apenas muda a direção no sentido de quem domina o outro. O objetivo da violência da arquitetura é atingir um novo nível de prazer na arquitetura e como qualquer violência, a violência na arquitetura também tem a possibilidade de mudança, renovação. “Our work argues that architecture – its social relevance and formal invention – cannot be dissociated from the events that “happen” in it.” (TSCHUMI, 1996) “Nosso trabalho argumenta que a arquitetura – a sua relevância pessoal e invenção formal – não podem se desassociar dos eventos que acontecem nela.” (Tradução própria)
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Já compreendemos que a espacialidade é a arquitetura mediante ao corpo. Devemos compreender agora que a tessitura experiencial entre corpo e arquitetura, ou seja, a forma com que o corpo e a arquitetura se relacionam e compõe uma experiência ao homem, resulta na performance. A performance deriva de um diálogo contínuo entre seus campos, culturalmente, ela é conhecida por ser uma exibição de habilidades e apreensão dessas habilidades por parte de um espectador, sendo esses os dois campos que conversam. “Em outras palavras, a essência da performance encontra-se na experiência possibilitada pelo encontro entre sujeitos, intermediados ou não por objetos, nas mais amplas formas de interlocução, em que se detecta criação, questionamento e negociação.” (VAZ, 2014)
O espectador, o observador é a parte mais importante, uma vez que ele compara a execução real do modelo que a representa. Para Richard Schechner a performance é algo que já fora treinado, ensaiado ou vivido mais de uma vez, podendo ser desde apresentações artísticas até as ações do cotidiano. A performance não está “em” nada, mas sim “entre”, podendo ser uma ação, uma interação ou relação. No mundo da arquitetura isso se explica uma vez que a performance tece relações com a arquitetura, faz o intermédio com a ação, possibilita interações e estabelece relações. Chegando então à conclusão que ambas, performance e arquitetura, lidam 65
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com experiências e vivências. Schechner também explica a realização da performance em quatro sentidos, o “sendo” que é a performance por ela mesma, que pode ser ativo ou estático, o “fazendo” que são todas as atividades que existem, o “mostrar fazendo” que são os desempenhos dessas atividades, e esses dois últimos são ações, portanto estão sempre em movimento, e, por fim, o “explicar mostrar fazendo” que são os estudos das performances, sendo esse então uma atitude reflexiva, onde entendemos o mundo da performance e o mundo como performance. A performance arquitetônica acontece na relação entre corpo e arquitetura, sendo esses os dois sujeitos, os dois campos que conversam possibilitando a existência de uma performance. A arquitetura é o local onde a performance acontece, ela facilita, provoca ou até mesmo inibe essas experiências, uma vez que, a percepção corporal, espacial e sensorial são consideradas performances no espaço. “[...] a função atemporal da arquitetura é criar metáforas existenciais para o corpo e para a vida que concretizem e estruturem nossa existência no mundo. [...] A arquitetura permite-nos perceber e entender a dialética da permanência e da mudança, nos inserir no mundo e nos colocar no continuum da cultura e do tempo.” (PALLASMAA, 2011)
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A arquitetura transcende para além do edifício, portanto nós não habitamos apenas a nossa casa, e sim uma enorme quantidade de lugares que se articulam através dessas nossas experiências espaciais, do movimento dos nossos corpos pela cidade. “Eu confronto a cidade com meu corpo; [...] Eu me experimento na cidade; a cidade existe por meio de minha experiência corporal. A cidade e meu corpo se complementam e se definem. Eu moro na cidade, a cidade mora em mim.” (PALLASMAA, 2011)
As ações de construção “do” e “no” espaço provocam interações e relações, portanto, provocam performances. A arquitetura está no mundo da performance e como performance porque ela é feita de espacialidade, isso significa que o resultado do entrelaçamento entre espaço e corpo é um diálogo desses dois campos, portanto é performática.
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arquitetura do espetáculo Aguiar discorre sobre as diferenças entre a arquitetura do espetáculo e a arquitetura do espaço. O espetáculo em si é a ideia de apreciação do edifício como um objeto de desejo, luxuoso, caro, que o que domina nele são as características formais e plásticas, estéticas, e a forma com que se tem contato com a arquitetura é apenas intermediada pela visão. Essa necessidade da dimensão do espetáculo na arquitetura vem da antiguidade, onde gregos e romanos pouco de importavam com a escala humana e davam ênfase a monumentalidade do edifício, eles tinham essa grande necessidade de representar. Por conta disso, ao percorrer os tempos, a arquitetura pertencer ou não a uma época, um estilo, era definido puramente pela sua forma e não pela forma que os espaços eram divididos no interior da edificação, portanto a história da arquitetura define uma história de estilos, não de arranjos espaciais. Inicia-se, então, uma espetacularização das cidades na qual elas passam a ser meros cenários da existência humana. Para impedir isso, devemos focar o entendimento da cidade na apropriação dela, experimentando todos os seus espaços. Devemos dar maior importância às práticas, ações e percursos dos habitantes do que aos seus mapas e projetos. Essa então é a arquitetura do espaço, ou também, arquitetura do movimento, que é definida pelos encontros, diálogos entre objetos, paisagens e pessoas. Explicase então as diferentes dimensões: a espacial, que como diz o próprio nome é a do espaço, a comportamental, que é produto da dimensão espacial com os corpos que ali 69
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vivem. A dimensão do espetáculo que é a arquitetura do espetáculo anteriormente explicada e, por fim a dimensão invísivel, que é o completo oposto da do espetáculo. Essa última só pode ser percebida no decorrer dos tempos, não é possível observála em maquetes virtuais ou qualquer outro tipo de representação, pois ela é consequência dos imprevistos. Michel de Certeau disserta sobre o cotidiano, que é a prática ordinária da cidade, que nem percebemos que estamos mais nos relacionando com os espaços. Isso acontece porque seguimos uma rotina diariamente, e depois de certo tempo paramos de nos importar com o que acontece ao nosso redor, porém, esses ambientes que fazem parte da nossa rotina se adaptam a partir do cotidiano da cidade. Isso acaba por ser invisível aos olhos, mas o nosso corpo reconhece e absorve essas adaptações involuntariamente. O arquiteto, após ter a noção da importância da espacialidade na arquitetura, tem como atributo mais específico o manejo do espaço. É função do arquiteto distribuir o espaço, de forma que seja uma experiência prazerosa para aqueles que o vivenciarem, e que esses sejam um suporte para a sucessão de eventos que irão acontecer ali, constituindo a vida.
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CORPOGRAFIAS Paola Berenstein Jacques em seu texto escrito em conjunto com a professora e crítica de dança Fabiana Dultra Britto explica o que são as corpografias urbanas. Iniciamos entendendo que a cidade é o ambiente de existência do corpo e ela gera sentidos para seus habitantes, podendo ser considerada uma continuação da corporalidade das pessoas, as sensações transcendem o nosso corpo e se estendem para o espaço ao nosso redor, que no caso, é a cidade. Corpografia é a ideia de que corpo e cidade se relacionam, no sentido de que o corpo lê a cidade, a interpreta, sintetiza e descreve essa interação em sua corporalidade, resultando enfim nas corpografias. A palavra corpografia é uma junção das palavras “corpo” e “cartografia”, significando então uma cartografia inscrita no corpo humano. As cartografias são mapas de atualização dos projetos urbanos, descrevendo então as apropriações e modificações propostas por seus habitantes nas cidades. A corpografia então, é um registro da experiência da cidade que fica guardado na memória do corpo. Jacques explica isso na citação abaixo: “[...] É uma cartografia corporal (ou corpo-cartografia, daí corpografia), ou seja, parte da hipótese de que a experiência urbana fica inscrita, em diversas escalas de temporalidade, no próprio corpo daquele que a experimenta, e dessa forma também o define, mesmo que involuntariamente [...].” (BRITTO e JACQUES, 2008)
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Elas discorrem sobre as coreografias que são projetos de movimentação corporal aonde, no caso das cidades, é realizado um projeto de movimentação dos corpos para compor um projeto urbano. Porém, nas cidades e nos palcos, o coreógrafo propõe uma coreografia que, dependendo da forma que ela se apropriar nos corpos dos bailarinos e habitantes, terão suas diferenças no momento efetivo da execução. Podemos chamar isso de cartografia da coreografia, ou carto-coreografia, esse tipo de cartografia, então, explica as mudanças e apropriações das coreografias na cidade. As cidades urbanas estão cada vez mais cenográficas, mais coloridas, mais floridas, que deriva da ideia já explicada de espetacularização das cidades. As pessoas estão mais preocupadas com o visual do que com as sensações que as cidades possam passar e que possam ser absorvidas na nossa memória. As corpografias urbanas ajudam na resistência contra essa arquitetura do espetáculo, uma vez que, o nosso corpo experiencia a cidade e, essa cidade vivida, sobreviveria no corpo daqueles que a experimentam. Através dessa vivência, as cidades ganham espessura, ganham densidade. Não nos importa tanto o traçado das ruas ou forma dos edifícios, e sim os cheiros, os sons, as performances da vida cotidiana que ali acontecem, portanto a experiência e percepção pessoal são mais importantes. Esses espaços públicos contemporâneos, não levaram em conta as ações humanas que ali ocorrem, se tornando meros cenários, tornando-se assim, espaços sem alma, desencarnados, porque não são apropriados pelos habitantes. performance na arquitetura
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Podemos entender a corporalidade como resultado dos processos relacionais de um corpo com outros corpos, ou com o ambiente que ele está inserido, ou com outras situações que acontecem ao seu redor. Ela também delimita as condições disponíveis no corpo para a formulação de uma dança, uma vez que as diferentes corporalidades são produto das relações corpo-cidade e corpo-ambiente, portanto, a partir desse estudo ele define qual o limite dos movimentos para cada estilo de dança, a partir de sua cultura. O corpo e o seu ambiente de existência são coadaptativos, no sentido que ambos se modificam ao sugerirem mudanças um ao outro simultaneamente, apesar de cada um reorganizar suas configurações em uma escala de temporalidade diferente. A definição das diferentes corporalidades também se dá a partir das ações interativas do corpo e seu ambiente de existência, sendo que o ambiente proporciona condições para essas relações acontecerem, portanto a corporalidade é uma síntese desse processo contínuo e involuntário de transição entre esses conceitos: corpo e seu espaçotempo de existência. É necessário compreender que a cidade é o ambiente de existência do corpo que viemos comentando, é que ela não só promove, como está inscrita nesses processos geradores de sentido, sendo assim então, uma continuação do corpo, uma vez que a corporalidade transcende e se expande para além do corpo humano. A cultura de uma cidade é resultante do tipo de relação corpo-ambiente que ocorre nela. 73
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A dança é uma configuração artística criada “no” e “pelo” corpo. Deve-se entender que cada dança possui uma expressão diferente baseada na forma da organização estrutural da rede de informações do corpo, portanto cada corpo passa as informações de uma maneira diferente dependendo de como foi absorvida e organizada essas informações do interior do homem. A dança é uma produtora de novas corpografias, uma vez que ela é uma forma de expressão corporal, na qual podemos instaurar coerências entre a corporalidade e o seu ambiente de existência. Assim então, ao expormos, na forma de dança, o que absorvemos do local e compreendermos na nossa corporalidade, criamos uma nova relação entre corpo e ambiente resultando em uma nova corpografia. Inicia-se então um estudo dos movimentos e dos gestos do corpo como uma forma de decifrar as corpografias. Essa compreensão da corpografia ajuda a composição coreográfica na dança e nas reflexões sobre o urbanismo. No primeiro, entendemos melhor o que o corpo do bailarino é capaz de fazer a partir das pré-existências inscritas no corpo dele que são resultado da experiência urbana prévia do bailarino. Já no urbanismo desenvolvemos outras formas de captar o espaço urbano, conseguindo assim propor novas formas de intervenção nas cidades. Chegamos à conclusão, que a cidade deixa de ser um mero cenário a partir do momento que ela passa a ser vivida, ela deixa de ser um espaço espetacularizado para se tornar ambiente social. As autoras complementam, por fim, explicando qual o principal interesse das corpografias urbanas: performance na arquitetura
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“A corpografia urbana de resistência se dá quando um corpo experimenta um espaço urbano não espetacular, e isso ocorre mesmo involuntariamente. Diferentes experiências urbanas podem ser inscritas em um corpo, o que pode resultar em diferentes corpografias. Essas corpografias podem ser cartografadas, mapeadas, representadas ou ilustradas. Alguns artistas já fizeram esse tipo de representação mas são as próprias corpografias, já inscritas nos corpos como corporalidade, que nos interessam e essas não precisam ser representadas para se tornarem visíveis. Os gestos e movimentos do corpo que fez a experiência urbana já revelam suas corpografias. O estudo desses padrões corporais de ação podem resultar na compreensão do espaço urbano experimentado. O interesse principal da corpografia urbana para compreensão dos espaços estaria tanto na análise das corpografias involuntárias quanto no seu exercício de forma voluntária, ou seja, na incitação de corpografias nos corpos daqueles que pretendem apreender os espaços urbanos de outra forma, de uma forma não espetacular ou de resistência, daqueles que pretendem estudar as cidades de uma forma corporal, ou seja, incorporada.” (BRITTO e JACQUES, 2008)
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A dança se configura no espaço, propondo transformações nele. Os corpos se movimentam com a intenção de comunicar. Um artista, ao se mover no espaço, o recria com símbolos, se são mais compreensíveis aos seus espectadores, fazendo que sua mensagem seja clara. A história das concepções espaciais tem início com os gregos até chegar à conclusão final que o espaço possui três dimensões (altura, largura e profundidade), não depende de um sentido, uma direção, é homogêneo e infinito. Eles já compreendiam a tridimensionalidade do espaço, porém davam grande ênfase a geometria desses, porém, o pensamento grego fez com que o espaço se ampliasse ao Olimpo, onde viveriam os Deuses da Mitologia, mas apesar disso, o espaço ainda é considerado finito. Na idade média, as hierarquias do espaço eram configuradas a partir dos valores religiosos da época, que dominavam e distorciam a realidade naquele tempo, aos seus habitantes. Na produção artística medieval era possível perceber que a concepção de tempo e espaço não eram lógicos, não faziam sentido pois eram baseados na imaginação. No Renascimento foram propostas ordens matemáticas para entender os movimentos no espaço, observando os corpos buscando leis que dominassem os padrões de espaço e de tempo e, também, da combinação dos dois. Então é possível perceber que eles já compreendiam que o espaço era o lugar onde aconteciam as relações. 79
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Na antiguidade, Platão discorre sobre o sentido da visão ser capaz de distorcer a realidade, porque, apesar de observarmos um objeto físico, estático, podemos percebê-lo de formas diferentes e passar uma impressão errônea a outras pessoas que não o observaram, ou vivenciaram também a obra. Só que, no século XV voltase a confiar na visão, que ela é capaz de criar padrões úteis e exatos. Nessa nova percepção de tempo e espaço, os métodos para medir tempo e espaço passam a ser utilizados no cotidiano, por acreditarem que tudo possuía uma medida exata (relógios e réguas). Consequência disso, as danças préclássicas também possuíam um padrão rígido de relações e proporções matemáticas, e a nossa experiência sensorial era baseada na ordem geométrica, proporções e equilíbrios, conforme a obra seguisse melhor as regras, mais agradável seria. Apenas no final do século XIX configurou-se um novo padrão de movimentos, o das danças modernas, onde se aprendeu uma nova concepção do tempo e espaço. A dança não tem mais delimitações espaciais dadas pelo seu exterior, e sim, ela própria desenha seus limites, e, dependendo dos movimentos, o espaço ganha densidade, ganha Figura 9 – proporções geométricas no corpo significados. (AQUINO, 2008) da bailarina
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A principal motivação e justificativa da arquitetura é a manifestação da vida humana em seus ambientes de existência a partir da relação entre corpo e espaço. A dança, seja ela de âmbito social ou artístico, é um evento instaurado no espaço pelo corpo em movimento. (BRITTO, 2008) Observando então, tudo que foi analisado anteriormente, podemos perceber uma convergência e até mesmo uma superposição entre a dança e a arquitetura, uma vez que ambos profissionais trabalham com os mesmos conceitos: corpo, espaço e tempo, ou seja, o corpo e sua existência no espaço e sua relação com o tempo. Portanto ambos os campos lidam com o corpo em movimento no espaço. Por exemplo, um grande vão arquitetônico possui a mesma estrutura desafiadora de um salto no balé (grand jeté) e da mesma forma que temos diferentes estilos de dança, estilos que buscam mais o céu, aéreos, com movimentos que parecem flutuar, como o balé, ou estilos que buscam o chão, a terra, como as danças africanas, temos também diferentes estilos arquitetônicos, como a leveza das curvas arquitetônicas de Niemeyer e a brutalidade das massas de concreto de Paulo Mendes da Rocha. Em alguns momentos é possível observar uma troca de lugares entre a dança, que é pura movimentação, e a arquitetura, que é um objeto estático. Isso ocorre onde há composições de dança mais estruturadas e arquiteturas mais movimentadas. As articulações entre dança e arquitetura são consequentes de seus efeitos e derivações, uma soma a outra. A arquitetura é cenário da dança e a dança justifica as estruturas arquitetônicas. Ambos os campos se expandem um sobre o outro e o 83
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fator que articula esses dois é o tempo. Sendo assim, a dança e a arquitetura justificam a existência uma da outra, enquanto uma é o corpo, outra é o espaço e essas relações acontecem por conta da temporalidade existente na relação delas. Fabiana Dultra Britto complementa que as relações de dança e arquitetura se renovam a partir de novas percepções de seus sentidos, como ela explica na seguinte citação: “O exercício de articulação entre Dança e Arquitetura, passa, pois, necessariamente pela desterritorialização de alguns dos conceitos mais caros às suas respectivas especificidades – como o são tempo e espaço, corpo e ambiente. Desse modo, poderão se esboçar novos modos relacionais sugestivos de novos nexos de sentido, tanto aos conceitos quanto às próprias áreas de conhecimento em questão.” (BRITTO, 2008)
A arquitetura contemporânea é o resultado das suas relações com os eventos que ocorrem em seu interior, sendo que esses eventos nunca se repetem, eles nunca acontecem da exata mesma forma duas vezes. Chegando então ao conceito de “arquitetura investigativa” que é uma arquitetura determinada por seus projetos e indeterminada por conta dos seus habitantes, eles possuem liberdade na forma de utilizar e se comportar dentro dela, dando a possibilidade desses criarem arquitetura.
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Isso acontece semelhantemente na dança, uma vez que, o coreógrafo pré-determina a dança, porém o bailarino a aprende e no momento de apresentá-la tem a liberdade de inventar, assim como executar o movimento de outra forma, dependendo das suas limitações corporais. Portanto, ambas tem um planejamento prévio, mas sofrem mudanças no ato do evento, no qual o tempo se torna algo irreversível, que impossibilita a repetição idêntica dos eventos, resultando então na possibilidade de criação dos habitantes e dançarinos. Abordamos anteriormente a ideia da especularização da arquitetura, na qual, apenas a estética parecia importar, mas ao percebermos a importância das relações espaço e corpo recuperamos o caráter ético arquitetônico, isso acontece também na dança, que deixa de ser puramente visual, tendo a intenção de passar uma mensagem ou até mesmo provocar quem assiste, fazendo os refletir sobre a peça, ou até mesmo responderem aos atores, tendo então a corrente magnética que Laban explicou em seu livro. Percebemos então uma maior aproximação entre arquitetura e dança porque ambos passam a se situar mais no campo da linguagem, do desejo. Isso significa que ambas seguem as vontades próprias de seus habitantes e dançarinos. Então, a consequência dessa indeterminação de ambos, faz com que a coreografia se aproxime mais ainda do ato de habitar, o coreógrafo perde sua grande importância e o bailarino se aproxima do habitante. O contrário também pode acontecer quando o habitante cria consciência de seu movimentos corporais e planeja previamente seus atos. Então, da mesma forma que a arquitetura explora a 85
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interação entre seus habitantes, a dança utiliza as técnicas de contato-improvisação. Esse estilo de dança implica em dois dançarinos que improvisam a partir da forma que ele entra em contato com o outro, podendo sentir um certo tipo de condução do outro corpo, ou, servir de apoio aos movimentos do outro. No espetáculo de dança, há uma distinção entre o ato de ver e ser visto, sendo um o público e o outro o performer, já na arquitetura o habitante exerce as duas funções simultaneamente, possuindo um intercâmbio fluído dentro deles entre ver e ser visto. Dessa forma, o habitar se aproxima de um ritual, que nós mesmo criamos a partir da nossa rotina, e o dançar uma performance, por ser uma exposição de habilidades. Chegamos então a conclusão que “a arquitetura reafirma e assegura o lugar de meu corpo no mundo, e a dança indaga e repropõe o lugar desse corpo no mundo.” (CABRAL FILHO, 2004) O tempo é considerado uma flecha irreversível por não ter volta, não tem retorno. A arquitetura então é considerada irreversível, porque ela é definida pelos eventos que ali acontecem e esses eventos, dependem intimamente do tempo, que não volta mais, sendo assim, uma arquitetura irreversível. Cabral conclui isso com a citação a seguir: “Essa consideração da irreversibilidade parece criar um momento particularmente frutífero no que concerne à inserção de nosso corpo no mundo, à nossa existência como seres habitantes de um
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tempo e um espaço singularizados e assim parece sinalizar uma inclusão mais vasta de meu corpo na totalidade do mundo, inclusive na totalidade de um mundo que esse próprio corpo reinventa e constrói.” (CABRAL FILHO, 2004)
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CONCLUSÃO Apesar de um possuir estrutura estática e outro dinâmica, chegamos à conclusão que ambos são semelhantes por envolverem os mesmo conceitos e relações, uma vez que ambos estudam os movimentos dos corpos no espaço por um período de tempo. Entendemos também que os corpos se movimentam para satisfazer necessidades e que, se o espaço não é projetado de forma prática para suprir isso, eles não sobrevivem a sua distribuição espacial. Assim, compreendemos que a arquitetura é totalmente dependente da vivência que acontece dentro dela, se seus espaços internos repulsam as pessoas, é sinal de que ela não funciona, não adianta ser esteticamente bonita se seus espaços não são convidativos. Também percebemos que a arquitetura são como linhas de movimentos onde acontecem os eventos, e as particularidades de cada linha compõe uma alma espacial da arquitetura como um todo. Essas linhas definem os programas das arquiteturas, uma vez que elas estejam bem dispostas, conseguimos ter uma fácil leitura de seus programas.
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Por fim compreendemos que os movimentos no espaço, nada mais são que danças urbanas, a partir das nossas vivências espaciais, adquirimos habilidades motoras que definem o nosso comportamento diário. Esse cotidiano é uma coreografia urbana composta por nós mesmos, uma vez que o bailarino recebe a proposta coreográfica e a adapta através de suas vivências. Chegamos então à conclusão que somos todos bailarinos, todos temos a habilidade de dançar. Nós coreografamos nossos comportamentos diários, nosso cotidiano a partir das nossas experiências no mundo.
CONCLUSÃO
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Figura 6 - Imagem disponível em: <https://static.seattletimes.com/wp-content/ uploads/2010/09/2011018399-300x0.jpg> acesso em 06/11/2017 Figura 9 - Imagem disponível em: <https://imgur.com/t/Design_&_Art/pjQ67> acesso em: 09/11/2017
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THAIS AKEMI TADA universidade presbiteriana mackenzie faculdade de arquitetura e urbanismo SÃO PAULO - dezembro/2017