Thais Marinho relatório g2

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Projeto Kore Thais de Barros marinho Orientadoras Luiza Marcier e Adriana leite DSG 1052 - 2013.2 Puc-Rio



Este relatório conta as etapas do processo de conceituação e produção da coleção “Kore”, trabalho final de curso realizado por Thais Marinho, período de 2013.2, na Pontifícia Universidade Católica, disciplina DSG1052. A coleção tem como inspiração a mitologia grega, em específico o mito do herói e sua jornada de crescimento e aceitação. A coleção gerada consiste em roupas teatrais, propõe reviver uma experiência mitológica banhada de emoção.



O projeto Kore surgiu a partir de uma insatisfação pessoal em relação à moda que observei nas vitrines e passarelas, principalmente cariocas. Animal print se tornou uma tendência forte, porém, de uma maneira completamente literal. É possível encontrar inúmeras camisetas com estampas de felinos ou pássaros, apenas fotos, sem nenhuma interferência, em qualquer lojinha de esquina. Por ter uma ligação muito forte com a natureza desde pequena, este fato me entristeceu, pois acho que os animais têm muito mais a nos oferecer do que apenas sua imagem. Eles possuem comportamento, forma, textura e muito mais que podem ser utilizados no mundo da moda, servir como fonte de inspiração, não como referência visual.



A Mitologia surgiu neste projeto como uma maneira de tornar o homem e o animal seres mais próximos. Nela, encontrei seres híbridos, um misto entre humanos e animais. A complexidade destes seres e a maneira como seus corpos é construída me intrigou, além de inspirar. Acreditei então que poderia resolver questão anteriormente levantada, pois conseguiria aproximar os dois polos, homem e animal, que até então eu julgava afastados. Fiquei obcecada por suas formas e personalidades, estudando suas origens e seu significado nas histórias. Foi durante esta pesquisa que percebi que os monstros em si não eram o foco dos mitos, apesar de serem personagens essenciais. Eles funcionavam como desafios e mecanismos para o herói descobrir facetas de si mesmo e superar seus próprios limites. Somente quando aceitei que o herói era meu foco, consegui sair da interpretação literal e banal dos monstros e passei a entender a mitologia grega como um todo. Cada monstro enfrentado pelo herói representa um medo ou insegurança do mesmo, bloqueando seu caminho e impedindo-o de prosseguir. Suas histórias nos falam não apenas de seus aspectos físicos, mas também de aspectos psicológicos, aspectos estes presentes na mente humana. Para entender o herói, precisamos entender os monstros, que são parte de sua psique.



Nas histórias contadas nos mitos chamados “mitos de herói”, o herói não é nem humano nem um Deus, mas um híbrido, fruto da mistura dos dois, o que o torna um ser pertencente e ao mesmo tempo não pertencente a nenhum dos mundos. Os mitos de herói contam suas trajetórias, começando num lugar comum e atingindo um poder quase divino. Mostram uma jornada de autoconhecimento, aceitação e crescimento humano. Nele, o herói passa por incontáveis desafios e enfrenta monstros, que são a personificação de seus medos. O herói do mito é aquele que tem medo. Ele é herói porque enfrenta esse medo e se fortalece a cada instante de enfrentamento. Ele se torna um herói fortalecido porque pratica esse enfrentamento. A figura do herói é uma figura mística, uma figura grande, uma figura que extrapola o comum e se diferencia dos demais. Características estas que estarão presentes em cada roupa da coleção. Durante o mito, há um momento de “katábasis”, uma morte literal ou simbólica, na qual o herói desce ao Hades, sofre um grave ferimento ou qualquer evento que o leve próximo ao mundo inferior. Ao voltar, ele retorna mudado, transformado, um ser superior ao que era. Qualquer contato com morte, enfrentamento de monstro ou sexo significa uma grande mudança. São eventos que o fazem deixar a criança dentro de si para trás e o tornam adulto.



Como similares deste projeto tenho grandes nomes da moda internacional e nacional. São eles Alexander McQueen, Viviene Westwood, John Galiano, Nilo Vilaventura, Alexandre Hertchcovitch e muitos outros. Qualquer estilista que não se preocupa, pelo menos inicialmente, com os fins comerciais de sua coleção, me serve como similar. As pessoas citadas acima estão preocupadas em dar à plateia um grande show, e é isto que acho interessante. O desfile é tratado como um espetáculo, com as roupas sendo sua atração principal, não esquecendo de todo o contexto na qual são inseridas, como as modelos, o cenário e o local onde ocorre. Algumas marcas já usaram a mitologia como fonte de inspiração para suas coleções. Entre elas, Espaço Fashion e Ann Demeulemee, que fizeram diferentes interpretações. A Espaço Fashion fez de seu inverno 2013 um mix de mitologia e astrologia. Visualmente falando, a coleção não me remeteu em nada mitologia. As cores escolhidas, tons de cinza e lilás, pareciam estar apenas seguindo tendência, além de quadriculados. Tirando uma camiseta com estampa localizada com o rosto da medusa, nada me remeteu a Mitologia grega. Já Ann Demeulemee usou não a mitologia, mas um importante ícone que a representa, o Pégaso, como tema de sua coleção outono 2011. Para trazer um ar etéreo à passarela, a estilista utilizou crinas de cavalo para adornar sua coleção de roupas estilo de montaria. Apesar de curioso e inovador, achei que a coleção mais parecia inspirada em cavalos comuns do que no pégaso, pois faltava um aspecto mágico e fora do natural. Ela me pareceu muito sóbria e terrena para falar de mitologia.



Assim como meus simislares, despreocupo-me com o mercado. Esta coleção não possui fins comerciais, portanto não tem um público-alvo. Isso não significa que ela não é feita para alguém, mas que não se destina a um público específico de mercado. Ela é pensada como um espetáculo, então o público não é quem a usa, mas quem assiste a este show. São críticos, jornalistas, formadores de opinião, ou simplesmente quem tenha interesse em frequentar eventos de moda e assistir desfiles. Eles têm uma visão crítica e julgadora, mas, ao mesmo tempo, estão abertos ao novo. Contudo é possível enxergar determinados “personagens” que poderiam, sim, servir como persona desta coleção. São mulheres do mundo artístico que possuem este caráter único em suas roupas, tais como Bjork ou Lady GaGa. Elas se comportam como personagens, sendo cada aparição pública um espetáculo. Ou seja, a roupa continua desempenhando a mesma função que tinha na passarela.



A partir deste compilado de inspirações, surgiu meu briefing:

Coleção de vestuário feminino; roupa-experiência através da qual será revivido um universo mitológico. Para isto, pretendo utilizar o corpo como base e experimentar com volumes a partir dele, utilizar cores com significado simbólico e criar roupas com um visual único, alegórico e impactante.



O nome “kore” é a palavra grega para definir o arquétipo da donzela. Representa inocência, pureza e uma ligação direta com a grande mãe. Toda menina nasce Kore, para então passar por ritos de passagem e se tornar uma mulher adulta. É a primeira etapa da transformação feminina. Apesar de “puer” ser a representação desta palavra no masculino, e assim definir o herói grego ainda criança, acredito que o uso da palavra no feminino seja bastante condizente com o projeto, uma vez que o mesmo fala da mulher, apesar de usar o universo masculino como referência direta.



Comecei meus croquis inspirada inicialmente nos monstros e depois no herói. Tentei desconstruir suas imagens para tentar representalos de maneira menos óbvia, mas sem muito sucesso. Somente quando encontrei as idéias que Joseph Campbell tinha sobre o herói, foi que consegui organizar minhas próprias idéias e criar uma ordem em meus desenhos.

Campbell afirma que todo herói passa por seis etapas: •

Nascimento conturbado;

Educação iniciática;

A chamada;

A iniciação/ luta contra os monstros;

Retorno/ casamento.

Com estas etapas em mente, consegui filtrar meus desenhos e também fazer outros, desta vez tendo a jornada como guia. A partir disto, fiz a associação de cores da minha cartela e criei a ordem do meu desfile, cada look representando uma etapa cumprida.





Diferentemente do processo tradicional de design, ao invés de retirar as cores da coleção de uma prancha de imagens, escolhi as cores por sua simbologia no contexto da mitologia grega. O rosa-chá surgiu por sua similaridade com tons de pele, além de ser uma cor feminina que remete à infância. O azul é o masculino infantilizado e também o céu, que contrasta com os tons de marrom, que marcam o caminho do herói e a terra, criando contraste. O verde representa a natureza, cenário da jornada. O vermelho é o fogo e o preto a sombra. Os dois últimos, partes essenciais dos ritos funerários. Além disso, vermelho também é a cor do sangue, da morte e dos ritos de passagem. O negro é a cor do manto dos iniciados. Toda essa simbologia serve também para contar a jornada do herói e sua evolução durante o caminho. As cores contém a história e fazem a jornada junto comigo e com o herói.





Para a confecção desta coleção, selecionei como principais tecidos aqueles 100% naturais, evitando ao máximo qualquer material sintético. O linho, usado em grande parte dos looks, faz menção a uma época arcaica, com uma aparência rústica e a trama bastante visível. A malha escolhida foi uma de algodão, que é presente também no voil utilizado no vestido drapeado. Para os toques de transparência presentes em algumas peças, utilizei o musseline.


Este vestido é o primeiro look da coleção. Ele representa o grego clássico, o drapeado tradicional, mas ao mesmo tempo saindo dos padrões e demonstrando sexualidade. Ele é a Kore mais pura. Fala de inocência, pureza, sexualidade. É o herói nu em seu nascimento e sem bagagem.


Aqui começo a brincar com a educação iniciática do herói, adicionando volume e recortes, mas sem ousar demais. Volume no quadril de forma pouco radical.


Começa aqui a jornada do herói. Ele recebe a chamada e ainda não sabe se a aceita ou não, entrando em estado de negação. Apesar da fluidez do kimono, ainda existem pontos de tensão criados pelo drapeado. O marrom representa a jornada a ser trilahda e o azul a ligação com a infância.


Vestido com o manto iniciático, o herói ainda não aceita sua jornada, então está com os braços presos, limitando seus movimentos. Contudo, existem recortes de respiro na roupa, o que nos dá um contato com a pele e o drapeado na ponta é o rosa-chá, mostrando a sua ligação com a própria origem.


Em sua jornada, o her贸i encontra seus primeiros desafios, os monstros pelo caminho, facetas de sua personalidade e partes de si mesmo. Este primeiro look simboliza as harpias, seres meio humanos e meio p谩ssaros.


O segundo look da jornada é a Medusa, com seus cabelos de cobra sendo representados pelos tentáculos que saem da roupa. Azul com o forro preto, ele mostra que o herói está começando a abraçar seu lado sombrio.


Com um toque de rosa-chá demonstrando que o herói ainda está em contato com suas origens, o sétimo look da coleção tem como inspiração os centauros, que são seres sábios e costumam aconselhar o herói.


Como peça final da coleção, o último vestido é feito em camadas, pra mostrar tudo o que o herói foi aprendendo nesta jornada. Vermelho, que é a cor dos ritos de passagem, é a cor predominante. Os pedaços arrancados representam as cicatrizes adquiridas na jornada, e através delas podemos enxergar as camadas de conhecimento.



Foram produzidas 4 peças desta coleção. A primeira peça confeccionada também é a primeira do desfile. Testei-a com morin a partir da técnica de drapping para estudar como a versão final seria montada. A partir deste estudo, construi uma base em modelagem plana e fiz a camada de cima, já com o tecido final, em moulage. O manto iniciático, quarto vestido da coleção, por possuir uma modelagem bastante simples, porém diferente, foi feito direto no tecido final utilizando técnicas de moulage. A terceira peça, o vestido medusa, foi o mais desafiador de realizar. Eu tive que realizar estudos diversos sobre sua modelagem e sustentação. A modelagem foi feita da metade para cima em modelagem plana, pois era uma blusa de um ombro só, já a parte de baixo, os tentáculos da cabeça da Medusa, foram feitos à mão, depois que a parte de cima estava pronta e alfinetada no manequim. Tentei estruturar estes gomos com diferentes entretelas de diferentes gramaturas, mas somente quando utilizei duas camadas da entretela mais grossa que encontrei consegui alguma estabilidade. Na versão final ainda foi utilizada uma barbatana em cada tentáculo, pois observei que apesar de funcionar bem com o vestido parado, quando se punha em movimento, a entretela tombava para uma só direção e não deixava o vestido armado da maneira que eu desejava. O ultimo look confeccionado, o Centauro, foi o mais problemático. Conseguir o efeito de um vestido colado visto de frente e armado nas costas não foi algo fácil. Apesar de todos os estudos, não acho que consegui este objetivo. O tecido foi cortado no viés, e acho que isso fez com que a roupa perdesse a estrutura. O volume das costas foi transferido para a frente e ele acabou se acumulando nos lados, dando a ideia de um vestido rodado.

























Este período foi marcado por crescimento pessoal. Junto com o herói grego, embarquei numa jornada de autoconhecimento. Mergulhei de cabeça nos desafios que me foram propostos, enfrentei meus monstros e estou ansiosa para os próximos. Realizei finalmente um projeto do qual me orgulho do inicio ao fim. “Processo” foi a palavra mais importante, pois foi com ele que consegui alcançar meus objetivos. O projeto ainda tem muitos furos, os quais pretendo completar, mas com o tempo e habilidade disponíveis, acredito que tenha dado o meu melhor. Tenho medo do que vai ser dele daqui para frente, pois não sei como implementar esta moda tão diferente no mercado, mas não pretendo parar por aqui. Será apenas mais um monstro no caminho. Me redescobri como designer, pois quando entrei na faculdade tudo o que eu não queria ser era estilista, mas, ao mesmo tempo, adorava o processo criativo. Cansei de negar este meu lado, pois sei que tenho talento. Vou encerrar este período de 5 anos muito marcantes da minha vida com um sorriso no rosto, realizada e esperando o que o futuro me trará.


Olho para trás e vejo suor e sofrimento, mas também felicidade, sorriso, memórias queridas e pessoas que nunca esquecerei. Aprendi, ensinei e cresci. Foram 5 anos maravilhosos. Aos amigos, esta experiência não teria sido a mesma sem vocês. O desejo é escrever um testamento para cada um, mas assim meu relatório ficaria com mil páginas. Obrigada por me aguentarem chorando, fazendo drama e reclamando por 5 anos. Não teria realizado metade do que fiz sem a ajuda de vocês. Não teria fofocado tanto sem vocês. Obrigada Nathalia, Bruna, Victor, Dora, Eliza, Kevin, Vinicius, Henrique, Olivia, Bia, Luma, Julliane, Mariana, Ana, Vivian e Thaira. Aos que fofocaram menos, mas também me marcaram para o resto da vida, obrigada. Obrigada, Bruno, Renatinha, Gabi, Douglas, Luiza, Caio, Carlos, Fernanda, Manu, Claudinho, Mineiro, Pc, Dani, Yugi e outras pessoas que eu com certeza esqueci. Obrigada aos amigos da vida, que acham que entendem alguma coisa de design, mas na verdade não entendem nada. Denyse, Giulia, Davi, Frodo, Bernardo, Camilinha, Momi, Gustavo, Igor, Dani, Carol, Paulinha, Rafael e Kendo. Obrigada à todas as meninas do projeto 8, que embarcaram nessa jornada junto comigo e trabalharam como se fossemos todas uma grande equipe.


Obrigada Aciene pelo apoio emocional nas horas difíceis e nas costuras. “Você nasceu para ser uma designer, não uma costureira. Essa costura está ótima!” Obrigada Luiza, pela incrível orientação que recebi não só neste projeto, mas durante toda a faculdade. Obrigada Adriana, apesar de só ter te conhecido no meu último período, você foi incrivelmente relevante e marcante em minha jornada. Obrigada por aceitar minha falta de público-alvo. Obrigada aos inúmeros professores que me ensinaram muito. Aline, Irina, Amador, Silvia Helena, Guilherme, Ana Luiza, Isabel, Ricardo Arthur, Cristina, Claudia, Sheila, Walvyker, Mei, Thereza e muitos outros. Para finalizar, obrigada, família. Vocês são responsáveis pela pessoa que sou e sou muito grata por isso. Pai e mãe, um agradecimento mais do que especial à vocês, que me aguntam mais do que qualquer um há 23 nos. Que me proporcionaram oportunidades e experiências inesquecíveis. Que são bregas ao comentar nas minhas fotos de Facebook. Obrigada.



Armstrong, Karen. Breve História do Mito. São Paulo, Companhia das Letras, 2005. Brandão, Junito. Mitologia Grega, Vol I, II e III. Petrópolis, Editora Vozes, 1994. Brandão, Junito. Dicionário Mítico-etmológico. Vol A-I e J-Z. Petrópolis, Editora Vozes. Florenzano, Maria Beatriz Borba. Nascer, Viver e Morrer na Grécia Antiga. São Paulo, Atual Editora, 1996. Borges, Jorge Luis. O Livro das Criaturas Imaginárias. Boechat, Walter. Perseu e Medusa: o Arquétipo da Reflexão. Eliade, Mircea. Mito e Realidade. Seabra, Zelita e Muskat, Malvina. Identidade Feminina. Petrópolis, Editora Vozes, 1985. Meunier, Mário. Nova Mitologia Clássica. São Paulo, IBASA, 1997.



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