2 minute read
O Retrovisor Regina Brito
reGina Brito
Fixei olhar através do retrovisor e vi que você me seguia no seu luxuoso carro automático. Por quê?
Advertisement
Há quanto tempo não nos víamos, lembra? Foram tantos desencontros, mentiras, ironias e muitos percalços pelo caminho. Nunca abri seus e-mails, achava bobagem... E do nada você me envia uma mensagem tão fora de propósito, palavras descombinatórias que não condizem com a sua personalidade. Homem objetivo, acostumado a mandar e nunca pedir. Estranho, não?
Mesmo de longe, observei o quanto você estava abatido, envelhecido... “Continua bebendo, fumando e sei lá mais o quê... É melhor parar o carro, pode acontecer um acidente, está emparelhando com o meu FUSQUINHA, que você tanto desdenha”. — foram as palavras e os pensamentos de Lindalva. Eles pararam os carros e resolveram conversar. Foi difícil iniciar um assunto, pois se olhavam, tentando descobrir o que mudara nas aparências de ambos.
Ela pigarreou e iniciou o papo: — Como tem passado? — Só, muito só... E você mais bela do que antes. O TEMPO lhe lapidou. E comigo foi injusto. Concorda?
Ela deu um sorriso e um olhar de soslaio, nem concordou, nem o contrariou. Não era preciso. Resolveram tomar uma garrafa de vinho, fazia uma noite fria, tal qual a indiferença de Lindalva. Ela apenas o fitava e passava o dedo
ao redor da taça acariciando-a. — Você está indiferente, distante. — Disse ele com um olhar opaco, sem aquele brilho de outrora. — Mudamos, envelhecemos, amadurecemos... — Com certeza, mas o Fusquinha é o mesmo! — É verdade, ele sabe de muitas histórias, inclusive as nossas. — Linda, hoje eu seria seu carona. Aceita? Temos tantas coisas para conversar, mudei meu modo de ver a vida, me dá outra chance...
Ela pensou, repensou e disse: — Só se cada um continuar em seu apartamento, como você sempre quis... — Não, minha linda. Vendi aquele, estou morando em um hotel. Comprei um outro e preciso de uma decoradora que queira dividir uma nova vida com um desvairado aposentado, mas que nunca, nunca lhe esqueceu. Ele segurou os dedos dela com carinho e colocou um objeto na palma da mão e fechou-a. É seu, todo seu... E ele tem um par no bolso do meu paletó.
De repente, ela ficou atônita, era a mesma aliança que ela devolvera há anos atrás. Fez-se uma grande pausa... Inquieto ele perguntou: — Não vai aceitar? — O tempo passou, tenho uma linda família, netos e um marido que me enche de alegria desde o raiar do sol, o luar da noite e nossos ais da madrugada. Seja feliz!