Revista Elástica 3 (Invisível), 2014

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índice

p.3 Editorial p.4-9

Denise Alves-Rodrigues

p.10-15

Lucas Sargentelli

p.16-19

Francine Jallageas

p.20-23

Vivian Caccuri

p.24-30

Leonardo Araújo

p.31-33

Dudu Tsuda

p.34-37

Ana Chaves

p.38-41

Rodrigo Savastano

p.42-45

Agência Transitiva

p.46-49

Pedro Victor Brandão

p.50-55

Michelle Mattiuzi

p.56

Lina Arruda

postais

Ícaro Lira 2


editorial

Quando convidamos os artistas presentes nessa edição, propomos pensar o Invisível como ponto de partida para refletirmos sobre o que é real para nós, mesmo que não se mostre aos sentidos de todos. Como seria o desafio de fazer ver? 2013 foi um ano especial para pensar as ‘invisibilidades’. Porém, o tema dessa revista foi vislumbrado um pouco antes. No verão de 2012, havia uma grande expectativa do que as cidades viriam a se tornar em função das promessas de crescimento estimuladas pela Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil. Esse tema, o Invisível, surgiu com a montagem de Casa de Praia, de Alexandre Vogler no Arpoador, no Rio de Janeiro, em janeiro de 2012. Montar um parque aquático no mar é uma bela metáfora de um desejo. A montagem durou o dia inteiro a olhar o mar, pois as condições estavam muito difíceis, realmente adversas. A tv que estava acompanhando o processo,

frustava-se em não poder transmitir o que só

podia ser visível ali da praia, nas entrelinhas:

a visão da expectativa instaurada por todo o acontecimento. Era isso que contava, poder ver/sentir ao mesmo tempo o que era invisível e supervisível. E se toda cidade avançasse

para o mar com liberdade de sempre reinven-

tar a sua existência? Entendemos como invisível a percepção de algo que existe, pois o denominamos, mas que por motivos físicos ou culturais, conceituais, políticos, dentre outros, não se desvela no campo da matéria. Queremos reunir o que se manifesta apenas na esfera das sensações sem receber nomes; o que é nítido para uns ao mesmo tempo em que é obscuro para outros.

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lucas sargentelli

I

II

Na foto acima um corredor comprido até uma

janela, chanfrado e suspenso – por fora e por dentro. Um corredor que abre precedentes para interlocuções na nave da qual estamos saindo, ou talvez entrando.

Ao fim do corredor uma quebra à direita ar-

ranca o olho da janela torta, enquadrada 50 cm à direita de onde se esperaria estar, e direciona

o corpo no mesmo sentido das tábuas de ma-

deira do chão. Duas exposições, uma à direita outra à esquerda, não interessam tanto. Interes-

sa a escadaria à frente que se projeta em queda

O processo em círculo concêntrico de políti-

cas públicas que recentemente, em parceria com empresas privadas, entre outras operações, erigiu o Museu de Arte do Rio (MAR) é

dito, por associações de moradores locais,

diversas organizações sociais e setores da sociedade civil, abusivo, no que diz respeito à

herança cultural da área do porto do Rio de Janeiro, e sobretudo com os moradores daquela região. O projeto intitulado “Porto Maravilha” é

considerado a imagem das intervenções que vem transformando a cidade.

e leva o olhar até onde os olhos possam repou-

sar. Trata-se de uma obra de Mestre Valentim, do século XVIII. O corrimão de madeira compõe uma perspectiva do alto da escada até a obra,

os degraus fracionam o volume que resta a ser

percorrido. Ao encontrar este primeiro elemento

dado, não se pode deixar de percorrer passos mentais apressados e decepcionados pelo próximo elemento.

A caminhada continua em direção contrária,

rumo ao segundo lance de escadas, chegando

a mais um andar, com a mesma coordenada geográfica e no mesmo ângulo de inclinação

relativa ao solo. Passa então para um segundo

elemento, formado por uma “Coroa Imperial” sobreposta a um “Brasão Imperial Brasileiro”.

Após isso, espera-se que acabe, ou que não seja possível lembrar o restante da sequência. Porém, como terceiro elemento, descendo o

próximo lance de escadas, vem à tona a pintura de Eugênio Sigaud intitulada “Os trabalhadores”.

lucas sargentelli

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O texto e fotografias acima foram desenvolvidos após uma

serie de visitas ao Museu de Arte do Rio ao longo do ano de 2013. O MAR abriu suas portas em 1o de março de 2013. O

resultado, uma intervenção para as páginas da Revista Elástica, incorpora alguns dos vetores discursivos que atravessam

esse museu e apresenta a sequência de três obras expostas em seu principal espaço de circulação. __

Lucas Sargentelli é artista plástico. Vive e trabalha no Rio.

lucas sargentelli

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5 poemas de inverter

francine jallageas

Buraco da Fechadura devia ser que foi ver no nariz se tinha meleca nos dentes salada presa devia ser que foi ver nos olhos alguma ramela debaixo dos braรงos cheiro acre dentro dos sapatos cheiro azedo devia ser que foi ver se nos peitos tinha o sutiรฃ no lugar no buรงo um pelo para pinรงar entre as pernas os dedos demorou 23 minutos para voltar

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Olho Mágico todo mundo fazia fila atrás do olho mágico que era pra ver a vizinha que chegou o salto batia na escada do primeiro andar e a gente ouvia lá do terceiro eu não ia que eu era mulher o filho da puta do Joca era o maior dava cotovelada na cabeça do Perroni

tomei um susto

que eu me afastei do olho mágico quando eu voltei pra espiar

primeiro não dava pra ver nada depois eu vi uma boca e uma língua chupando

a vadia lambia

que o Perroni era mais novo e mais otário, chorava

a porra do olho mágico

que ele merecia o Artur, não

que lamber é nojento

eu dei uns beijinhos

que com o Artur o Joca não cantava de galo daí a gente tinha que ir todo mundo pro colégio mas eu fiquei que eu sei mentir, tava com febre daí o salto da vizinha bateu lá na escada do primeiro andar eu colei o olho no olho mágico só que a vizinha chegou no terceiro andar e virou o cabeção pra nossa porta ficou olhando como se me visse vadia

francine jallageas

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Retrovisor

Espelho

podia ter mais cabelo mas não era feio

real? Vejo as coisas como elas são

tinha os braços pra fora fumando

como eu as vejo elas são realmente

ficava bem num boné de óculos escuros

Vejo esta coisa um animal

ficava bem numa moto de capacete

homem e cisne falo e cérebro

assim era mais bonito mas já tinha se ido

cabeça de galinha ou de dragão

costurando entre os carros o engarrafamento

mãos de bebê barriga de leão corpo humano de cavalo risada das águias um demônio tão perfeito quanto um homem divino que eu tivesse modelado e depois esmagado entre minhas pernas

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Lentes de Contato eu li as revistas da sala de espera (nesse caso, na mesa do bar, não foi nada casual) causou a impressão de ter visto o meu sexo nas suas mãos tão rápido no vácuo você despistou fazendo algum sinal

parar no meio na realidade, mudar de sexo para literatura, me apresento como a irmã da Sherazade ter a boa forma de jamais te deixar ir embora

foi uma imitação que o meu corpo rastreou bem parecida com o original quando eu nasci deram-me autorização para usar os olhos sempre para fins de auto-preservação falar pouco e me usar a mim mesma dos dois lados (o que usa e o que é usado) pobre de você que não teve permissão de ter os dois sexos gostava de estar anatomicamente fora da lei ao seu lado o seu amigo solta o copo pretende escorregar pra dentro da camisa e ergue os braços, tão indiscreto quer ele todo ter a forma de um falo eu vou me desculpar porque sei o que me cai bem minha voz é falsa tenho pouca estatura, azar, foi blefe eu sou um belo vaso resolvi mudar de tema, antes do fim

francine jallageas

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vivian caccuri

Acredito que muita gente que foi a algum país

inverno. Foi em Princeton que comecei a pro-

encontrar alguém que fale inglês são nulas,

solucionar duas coisas de uma vez só: uma

de língua intransponível e onde as chances de tenha se sentido um pouco como alguns par-

ticipantes das caminhadas silenciosas se sen-

tiram na hora de pedir comida. A diferença é que estávamos no Brasil e para muitos partici-

pantes que não eram estrangeiros, a restrição

da comunicação oral os fez gringos na própria cidade. Quando se está com fome porque caminhou-se já muito e você só pode ges-

ticular, tudo complica a vinda do seu almoço. Nessa situação dá para sentir melhor o que

“apetite” quer dizer. Mas aqui, só posso falar por mim. Alguns caminhantes silenciosos, ao

contrário, me contaram que encontraram con-

forto em passar um dia inteiro andando pelo Rio de Janeiro sem falar.

curar lugares com problemas de acústica para pesquisa visual para o curso de desenho e gravações para o seminário de música e tec-

nologia. Princeton é minúsculo e bucólico. Cheio de natureza muito exótica para mim até

então: marrecos, veados, esquilos e árvores

peladas, uma paisagem toda coberta de neve. Como os poucos momentos livres e não tão frios eram de contemplação, quando fui pro-

curar as construções problemáticas e cheias de ruídos, eu já estava sensorialmente ligada

já que tudo era tão pouco familiar. No início, os locais que me intimidavam à luz do dia, espe-

rava chegar a noite para pular alguns muros e fotografar o que guardavam.

Essa busca rendeu um pequeno livro vi-

Comecei a organizar as caminhadas silen-

sual, uma série de desenhos e uma vontade

rada acadêmica nos Estados Unidos de muito

em si. Afinal, com autorizações em mãos para

ciosas em 2012, depois de passar uma tempo-

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de transformar as caminhadas em um projeto

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poder visitar legalmente espaços particulares e pouco acessados, não havia motivos para

fazer isso sozinha e às escondidas. Chegando

no Rio, antes de propor a caminhada coletiva, quis testar esse método no Centro em um dia comum da semana. Percebi que depois de

algumas horas andando em silêncio, coisas interessantes começavam a aparecer. 1.

o caminhar constante provoca uma

espécie de “eco” no corpo quando se final-

mente pára por alguns minutos. É mais sutil e perdura mais que a sensação de um exercício

físico esportivo. Os ossos guardam a vibração

do impacto do corpo sobre o solo e o sangue circulando no corpo é algo que dá para sentir. 2.

O olhar começa a escolher coisas

improváveis. Você está descolado da rotina

de trabalho, você está flanando, então instintivamente você ignora algumas imposições à sua atenção visual. Aqui é para mim onde

existe uma saída pela tangente das camadas mais comerciais da cidade, é um mergulho por

baixo da onda de fotografias falsas e inutilidades que te cobre. 3.

Caminhar contemplando, observando

lugares e pessoas e parando para escutar é um

padrão de deslocamento pouco comum para

os pedestres que estão no Centro a trabalho. Esse fator já abre portas para outros tipos de interação social. 4.

Transeuntes tornaram-se performers

5.

Ao fim do dia quando observo todos

que passei a gostar de assistir e admirar.

saindo do trabalho em direção às suas casas, permanece uma sensação de testemunho.

A primeira caminhada surgiu então a par-

tir de um itinerário que construí no centro da cidade e por onde levei os participantes, pres-

tando atenção em quanto tempo podíamos

permanecer em cada local. Mas não foi na primeira caminhada que pude destilar esses vivian caccuri

insights e escrevê-los, houve aqui um processo de lidar com situações complicadas, ten-

tativas e erros. O questionamento de muitas

pessoas me ajudou muito nesse movimento, por exemplo, quando me perguntam o porquê

do silêncio. A resposta mais imediata é para

que o aspecto sonoro da cidade venha à tona da atenção do participante. Mas em uma re-

flexão menos redutora não acho que seja só isso. Estar em silêncio, na minha experiência, acaba por aguçar os instintos de reconhecimento de grupos, gestos e territórios e

como disse Márcia Ferranque foi participante da terceira caminhada, descobrimos por nós

mesmos as regras de um lugar. Na mesma caminhada, Maya Dikstein me disse que se sentiu “como um bebê”. A sinceridade dela

me apontou mais ainda para como o instinto

se revela melhor nessas condições e fui passando a acreditar que a caminhada é um exer-

cício que fortalece outros tipos de autonomia

da percepção e do jogo-de-cintura, principalmente para mim que até agora liderei as expe-

dições (é claro que também me questionam a liderança e eu própria me pergunto sobre esse

papel). Assim, não é só o escutar o entorno, mas ouvir a si mesmo, seu próprio corpo e

utilizá-lo da maneira mais cordial e interessada possível com a cidade.

Outra característica que afugenta muitas

pessoas é por que a caminhada é tão longa.

Para elas eu respondo que não existem pos-

sibilidades para reflexão na cidade que não sejam escapistas ou que não estejam estran-

guladas na grade de horário determinada pelo capital. Para viver qualquer experiência densa

e “vertical” - como gostam de dizer hoje em dia–penso que é necessário sacrificar algo. Acredito que não existe maior sacrifício hoje que a dedicação de tempo em qualquer

atividade que não esteja ligada ao trabalho, à recompensa financeira.

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Conquistar para si o tempo fora das

obrigações profissionais é o que frequentemente proporciona os melhores momen-

tos de reflexão, de contato humano real e de memórias que podem ser fundamentais. E são essas fatias de tempo que muito se gasta no

transporte público precário, nas funções mais

frívolas das redes sociais, enchendo a cara em bares terríveis e sem música ou coisa equiva-

lente. São os pedaços de tempo disputados

pelo capital, porque é quando se pode comprar até não poder mais e perpetuar o ciclo.

A caminhada não é nenhum antídoto para

isso tudo, ela é só mais outra alternativa, junto

ao cultivo do pensamento crítico e do debate

intelectual, do gosto musical, do ativismo e do interesse pelas artes (e porque não, do amor),

para um uso qualitativo e não pragmático do tempo. Como esses, a caminhada se opõe à

concepção de lazer que está transformando o território de muitas cidades do Brasil de maneira questionável.

No “anti-lazer” da caminhada silenciosa

pude testemunhar acontecimentos únicos. Com o primeiro grupo vi nos Arcos da Lapa

uma enorme fila em “U” de centenas de me-

ninas esperando debaixo do sol para um concurso de modelos. Havia uma pista de dança

no meio delas e um morador de rua esboçava alguns passos. Dançamos com ele, no meio das aspirantes a modelo, ao som de Rihanna.

Ainda com eles, observei dois meninos skatistas praticando manobras na Pedra-do-Sal, en-

quanto um incenso católico formava uma nuvem cinza clara em cima deles. Nosso grupo olhava para essa cena de cima da Pedra-doSal, sentados e quietos como plantas.

A cena descrita pelo jornalista Roberto Kaz,

que participou da terceira caminhada, mostra bem como um grupo de quinze pessoas quietas provoca estranhamento e atrai alguns. É surpreendente a cordialidade que se consegue nessa condição: revista elástica 3

Às15h30m, o grupo entrou no Campo de Santana, para ouvir gatos, pavões e cotias. Intrigado, um senhor usou do

seu inglês e francês para perguntar de onde eram. Um rapaz escreveu numa folha de caderno: “Não podemos falar até o fim do dia.”

O homem se animou:

— C’est bien! Soyez bienvenus! C’est un plaisir!

Visito as cotias do Campo de Santana em

quase toda caminhada. Elas são alimenta-

das às 16h, junto com os patos e pombas do parque. É uma bela coreografia que seria caóti-

ca se observada de relance, mas com um certa paciência para permanecer e olhar, dá para ver

claramente como os três grupos de animais se

organizam para atacar a comida: primeiro as cotias vêm como se não estivessem famintas

e ocupam o gramado todo em volta da caixa de ração. Os patos vem andando meio apressados em seguida, tentando conseguir algum

espaço. Por fim, as pombas chegam estrategicamente pelo ar tentando aterrissar por cima

dos patos e das cotias. Obviamente, nem sempre dá certo essa mistura de aves e mamíferos. Não consigo imaginar como encontrar,

muito menos presenciar situações na rapidez

de um dia comercial. É cada vez mais claro

para mim que a percepção focada na resolução de tarefas é afunilada e imediatista:

uma freqüência mental necessária para que a

tarefa simples não se torne uma tese de doutorado, mas insustentável para a sanidade se instaurada de forma permanente. Por isso,

a caminhada se tornou para mim uma opor-

tunidade para reconstruir a sincronia entre o ritmo da cidade e o tempo da consciência necessária para dar forma a pensamentos, sentimentos e encontrar correlações entre a rua e seus comportamentos.

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vivian caccuri

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a ficção de nossa história invisível

leonardo araújo

ATO I – do primeiro objeto

discute a ideia do cruzamento entre es-

Surpreendentemente, ao ler, analisar e anotar

dia Chinesa do Borges. Considero que

o catálogo da exposição Zona de Instabilidade de Lais Myrra, na Caixa Cultural de São Paulo, de 06 de junho a 25 de agosto de 2013, me de-

parei com o texto “Texto” de Jorge Menna Bar-

reto. Anteriormente do texto de Jorge se concretizar no catálogo, Lais aparenta ter sentido

paço e linguagem a partir da Enciclopéseja uma referência mesmo importante

para pensarmos a situação que propus em resposta ao seu convite para escrever sobre a exposição Zona de Instabilidade.

obrigatoriedade em dispor a correspondência/

Retomando, a ideia seria escrever um

nós o entendimento do objetivo da proposta

balho e propõe saltos na direção de

conversa que os dois tiveram. Possibilitando a de Jorge. Esta disposição fez expandir o meu

olhar para as duas exposições, uma ao vivo e outra posteriormente, que havia experienciado, no texto. Jorge elucida, em 06 de abril de 2013:

“ [...]Retomei a introdução do livro As

palavras e as coisas do Foucault – sobre o qual conversamos – onde ele revista elástica 3

texto que parte das bordas do seu traoutros autores. Assim, a narrativa não

aborda as suas obras frontalmente, mas sim trabalhos que pensei enquanto

sombras delas. O texto, nesse sentido, se descola de uma tarefa de representa-

ção do real, de ser sobre a exposição – papel muitas vezes atribuído a esse tipo

de encomenda – e passa a cumprir uma

função interventiva. Constrói-se um 24


segundo espaço, ou uma sobrexposição, no qual encontramos trab-

alhos que de alguma maneira estão

relacionadas ao seu trabalho, seja por afinidade, seja por divergência. O que

se arruína nesse golpe é a função refer-

ente, esticando-se as reverberações do

seu trabalho até um outro, outra. Arruína-se também o papel documental do texto, reivindicando-se um espaço que

é mais próximo da literatura: a afirmação da palavra [e da página] como um lugar, e aí a referência ao prefácio do Foucault.

É como se fosse uma segunda curadoria, um segundo grupo de obras que se avizinha das suas obras, ecoando ide-

ias de ausência, interrupção da função referente, negação e apagamento, que são recorrências no seu trabalho. [...] ”

Seguido do texto descritivo e representa-

tivo das obras, escrito por Julia Rebouças, cu-

radora da exposição , o “Texto” de Jorge vem deflagrar a potência criativa e crítica que um

artista pode ter frente a produção de outro ar-

tista. O que me surpreendeu nessa leitura revolucionada de Jorge foi justamente a proximi-

dade de seu pensamento com a liberdade em

que ultimamente tenho exercido a experimen-

tação do lugar tradicional da crítica. Acredito

que o texto pode ser transgressor no momento em que alia a falta de discernimento do au-

tor, com relação a sua insistência em não se submeter à linguagem, à sua característica de criação pela experimentação, de conceitos e

formas, voltada ao fim devolutivo de outra criação que se remete. Com essa premissa, Jorge

levanta uma exposição inteira, devolvendo um conjunto de 8 obras para existirem em consonância com Zona de Instabilidade de Lais.

leonardo araújo

Não descreverei os trabalhos, como faz Jorge

com rigor, tanto poetica como conceitual-

mente, mas os enumerarei na própria ordem do texto do escritor: 1) América Invertida,

1934, de Joaquím Torres-Garcia; 2) De Kooning Apagado, 1953, de Robert Rauschenberg; 3) Blue, 1993, de Derek Jarman; 4) La General,

2010, de Carlos Garaicoa; 5) Duas Margens,

2003, de Carla Zaccanini; 6) Cold, Dark Matter: An Exploded View, 1991, de Cornelia Parker; 7) Earth Kilometer, 1997, de Walter de Maria. Imaginou?

ATO II – do segundo objeto Esta leitura de Jorge, cuja proposição é

o acompanhamento de uma exposição com outra e que só pode ser lida e experienciada na escrita reflexiva das descrições das obras,

fez-me ler o trabalho de outro artista pela tangente e não em confronto. O conjunto de três

exposições-instalações apresentados por Rafael RG em São Paulo neste ano, predispõe, a

meu ver, o surgimento significativo do caráter interventivo do artista contemporâneo que

volta seus olhos a história. Dispondo uma lei-

tura de alternância entre realidade de arquivo e criação de conjunto, RG cria ambientes de

falsas ficções que confundem, ou esclarecem - dependendo do ponto de vista - o público

para o fim do questionamento da verdade dos acontecimentos da história, proporcionando o levantamento de questionamentos frequentes.

Utilizando-se de procedimentos próximos

das atuações de um arqueólogo, de um ar-

quivista e até de um romancista, ele conce-

beu e recontou histórias diferentes com cada um dos trabalhos: O Museu Invisível (Centro

Cultural São Paulo - Programa de Exposições 2013), Até que provem o contrário (Paço da Artes

- Temporada de Projeto) e Night Out (Centro

Brasileiro Britânico - 17˚ Festival Cultura Inglesa).

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Em Até que provém o contrario, como o

próprio nome diz, RG coloca em cheque a ex-

istência dos fatos que reconta ao público. Ele

parte de dois pontos históricos diferentes para relacionar o processo ficcional de criação à documentos: fotos, manchetes e documentos

assinados da criação da Bienal de São Paulo

no início década de 1950, junto a relatos, notas do cruzeiro velho e cadernetas de contas do

Plano Collor do ex-presidente Fernando Collor,

que deixou a economia do pais quebrada com

a inflação em 1000% ao ano em 1990. Existe aí, nesta disposição de justaposição de fatos

da história, uma dúvida recorrente. Pulando

todo o período do regime militar, RG faz-nos

dar um salto de quarenta anos no tempo, justapondo os pontos históricos e consequentemente nos causando uma imbricada intriga

entre os interesses políticos representados através da arte e as consequência econômicas dos planos de representação social.

Já em Night Out, RG permite que o público

volte no tempo, transpondo dispositivos para um retorno à coroação da rainha inglesa Eliz-

abeth II, em 1953. O interessante do projeto é que dentre as reimpressões de jornais da época, a projeção de imagens da coroação e

reportagens que tangenciam o estado político

da época, e certos objetos, como uma faixa de coroação e um prato antigo, o artista parece

reencenar não a própria coroação, mas a ideia

que circunda o ato glamoroso. Toda a possibilidade da criação da imagem na ideia de coro-

ação fica inda mais evidente com a matéria do

Jornal carioca Flan com a manchete “Também foi coroada no Rio a Rainha Elizabeth”, mas para os mais atentos, o texto relata o gigantes-

co jantar que foi oferecido a Rainha e a elite da sociedade carioca. Porém, essa transposição

traz um modo em que RG percebe a narrativa da história, fazendo com que possamos supor que o artifício de ficção dele, dado pelo

revista elástica 3

conjunto das coisas apresentadas, funcionem como dispositivos de criação e intervenção

no entendimento da realidade dos fatos, a nós contados no momento da experiência de Night Out. Nesse ponto, que sugere ao público

uma dúvida, se perguntando sobre realidade

da presença da rainha no Brasil, a história se alarga e percebemos que ela já nos foi contada novamente, porém modificada.

Numa descrição simples e até mesmo

frágil, podemos dizer que o artista percebe os acontecimentos específicos da história como fios soltos de uma rede, a qual pode-

ria ser chamada aqui de “linearidade da nar-

rativa da história de nossa história”. Apoiado na proposta do livro “Le Musée Invisible” de

Nathaniel Herzberg, que reconta os maiores roubos de obras arte do mundo, Rafael RG,

em O Museu Invisível, traz para a cena da arte contemporânea uma série curta de obras que

foram roubadas no passado distante e recente

brasileiro. Ele faz a reprodução de quase to-

das as obras que apresenta, com impressões desfocadas e pinturas mal acabadas, como a de Os Dois Balcões de Salvador Dali – furtada

do acervo do Museu Da Chácara do Céu no

Rio de Janeiro – colocando-nos em dúvida so-

bre a veracidade, a própria existência e autoria delas. RG traz em devoluta um conjunto de

obras numa exposição chamada Genealogias do Tempo, junto à exposição apresenta um

conjunto de reportagens que justificam o lugar daquelas obras: os roubos e furtos de origem. O seu trabalho é então um Museu que abriga

temporariamente outro espaço institucional de arte com uma exposição específica. A maneira

pela qual RG contabiliza os roubos e a rea-

presentação dos objetos é o que determina a

possibilidade de criação da história. Se ficção ou não, não importa mais. O que está apre-

sentado ali é outro conjunto de significantes que podem mudar o modo como observamos

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aquela história, agora escrita por um artista que assumiu declaradamente o caráter de sua criação: um ressignificador dos acontecimentos que foram-nos contados na linearidade cronológica do tempo, tendo em vista a nossa

disposição para com a edição de informações. RG intervém na história.

ATO III – do conflito entre os objetos O meu interesse não é fazer obrigatoria-

mente apenas uma reflexão descritiva das

obras apresentadas, mas trazer reflexões tangíveis da experiência do invisível que pude

ter das propostas. Pensando na surpresa do “Texto” de Jorge, na disposição das coisas no

catálogo de Lais e no conjunto de exposições/ instalações de Rafael, proponho uma crítica

que discorra parcialmente sobre pontos conceituais e discursivos que foram levantados

até agora, a fim de devolver a esses procedimentos discussões que constroem a ideia de invisibilidade a partir de nossa história e

da possibilidade real dos fatos que acreditamos existir. É desse modo que pretendo exercer o lugar tradicional da crítica de arte – o

texto – como um espaço de experimentação, possibilitando, ao meu ver, uma retomada da

crítica de arte em horizontalidade com as obras pelas quais se demanda, perdendo de vista

a necessidade de afirmação da verdade para realidade delas e deixando os acontecimentos de divagações que elas me possibilitaram an-

dar livremente por entre a criação. Almejando

assim também uma ideia de intervenção na história através da ficção.

a ficção de nossa história invisível

obs: este texto deve ser lido em voz alta

por duas pessoas ao mesmo tempo, uma lê apenas o que está fora dos parênteses e outra o que está dentro, alternando a ordem em cada ato.

cena I - Entendemos como invisível (dizem

que existem muitas coisas invisíveis) a percep-

ção de algo que existe (todas as experiências

particulares dizem ser invisíveis) pois o denominamos (mas me pergunto sempre o que posso

diante da invisibilidade das coisas que consigo denominar), mas que por motivos físicos ou

culturais, conceituais, políticos, dentre outros,

não se desvela no campo da matéria (coisas e experiências). Queremos reunir o que passa

desapercebido (as duas coisas que são coisas distintas podem ser ou não existentes); o que

se manifesta apenas na esfera das sensações (disse-me sempre que a arte torna visível o invi-

sível) sem receber nomes (mas paul klee já faleceu em fôlego atrasado); o que é nítido (pois

se a arte tem fôlego existe no momento de sua realização) para uns (pelo menos depois que

passa ela se torna sempre visível) ao mesmo

tempo em que é obscuro para outros (porque a experiência da arte é individual). O invisível (um levisivni do avesso), como proposta (para

pensar o invisível agora eu tenho que pensar antes dele), é um ponto de partida (podemos pensar que a descrição de uma experiência é sempre uma criação já que a experiência nun-

ca será universal) para refletirmos sobre o que

é real para nós (podemos dizer que chegamos no lugar da ficção), mesmo que não se mostre

aos sentidos de todos (mas mesmo assim a

descrição de uma experiência tende tornar o particular em algo universal). Como seria, no

campo da arte (e todas as imagens que a descrição da experiência invisível pode trazer

leonardo araújo

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serão de alguma maneira visíveis), o desafio de

fazer ver (pelo menos individualmente mesmo sendo a descrição uma proposição universal)?

cena II - Como saber quando um detalhe

parece realmente (este parêntesis inicia um

pequeno texto que fica entre as duas palavras que ele se encontra) verdadeiro (este texto que esta em todos os parênteses faz referência ao

texto de fora deles)? O que nos guia (o texto

de fora é parte do verbete de número quaren-

ta e sete do capítulo Detalhe do livro “Como Funciona a Ficção” do crítico literário James Wood)? O teólogo medieval Duns Scotts deu

(James Wood neste livro tenta presunçosa-

mente “ensinar” o leitor a entender como ler a ficção literária para possivelmente depois escreve-la) nome de “estidade” ao processo

de individuação (mas pensemos que antes de escrever a ficção o indivíduo deve estar

devidamente evoluído)... A estidade é um bom começo (e sua evolução depende do movimento exercido até sua maturidade). Por estidade (que é determinada pelo processo

de desvencilhamento da identificação que

teve com as coisas do passado para o acolhimento da diferença que deve ter das coisas no

e do futuro) entendo qualquer detalhe (neste

processo encontramos o constante presente) que atrai para si a abstração (que se justifica

a partir da conscientização do indivíduo para

com seu poder de criação) e parece matá-la (o que transforma particularmente o indivíduo) com um sopro de tangibilidade; qualquer detalhe (assim o indivíduo inicia-se em sua

própria transgressão) que concentra nossa (no momento do presente em que percebe que criaram sua história na história das coisas)

atenção por sua concretude (e que todas as coisas não são mais do que o detalhe do pre-

sente que se torna representação no futuro()

uma mimese da ficção inicia-se invisivelmente em sua mente()ele está criando a si mesmo na

revista elástica 3

cena III - A história (quando algo é colocado no mundo), como lugar de criação ou relato do passado (de forma fictícia ou não), nosso

tema de aprendizado (existe de alguma forma), apenas nos é passível de imersão através da linguagem (tanto em discurso como em objeto

de). Toda nossa experiência estética e racional do passado, ou da história, é completamente inseparável do discurso (não importa a sua

forma de existência) criado sobre nós mesmos (interessa sim apenas sua existência). O dis-

curso da história teve de ser escrito (criar algo

e coloca-lo no mundo material/verbal/virtual) antes de se tornar a história que conhecemos,

ela teve de ser mediada (seja o que for) pela escrita de seu próprio discurso, para que as-

sim conseguisse se indissociar da maneira em que nos convence (faz parte do que acreditamos por realidade) de ser nossa história. A

relação obrigatória da história com o passado (ou que faz parte de uma denominação () real

() que criamos para nos assegurar em nossa existência) faz-nos compreender (o homem só

conhece o que ele mesmo coloca no mundo), antes de tudo (de forma que), sua necessidade social de ser escrita (se um homem coloca algo no mundo sem precedente contextual ou

mesmo com pretensão fictícia). Sendo que o caráter histórico da própria historia que con-

tamos (esse objeto físico ou verbal tem um

caráter essencial de existência) para nós mes-

mos é a comunicação dos acontecimentos do passado de nossa história (pois sua natureza

é criadora). Porém, é com os olhos voltados a crítica - sabendo-nos ser seres que divagam e refletem sobre si mesmos - que deveríamos

algemar a escrita à história (se tudo o que é criado e por conseguinte posto no mundo) e a história (adverso de seu caráter de veracid-

ade) à crítica (existe enquanto realidade pois podemos dizer que a própria denominação do real é uma de nossas melhores criações).

28


Ao percebermos a história sendo contada

(a realidade nesse caso em nada se confronta

com a noção de falsidade e/ou ficção e/ou verdade) de modo que tivesse causado uma evolução significativa nos modos de literatura que constituímos (se existe é realidade) hoje,

evolucionando e revolucionando a linguagem (assim a existência de algo criado pelo homem

demanda seu caráter de realidade), podemos compreender no mínimo que o problema ou

solução dos escritores da história - os histo-

riadores -, é a interpretação (que ao mesmo

tempo não se predispõe com o seu caráter de veracidade). Ou melhor dizendo (mas se é possível pensar que a realidade de algo é passível a partir de sua existência), é a crítica dos con-

textos dos acontecimentos reais no momento em que se escreve (então a veracidade da

existência de uma ficção se dá por falsa) sobre o passado (apenas por que ela estar posta e por ter sido anteriormente criada).

O presente (o objeto posto enquanto objeto

criado existe()é real()e só por consequência

tem vontade verdadeira) se justapõe ao passado no momento em que se escreve, já que ele influencia a escolha dos fatos do passado

a favor de seu próprio contexto presente (mas seu conteúdo fictício ou não pode apresentar caráter diverso da verdade). Então poderíamos

(nesse sentido) dizer que (a única verdade que

sabemos desse suposto objeto criado é que

ele existe) a história se vale da narrativa para discernir os possíveis fatos reais do passado (e se existe é real), para assim tornar-nos pas-

síveis de entender as decorrências da história.

Assim, a partir da escolha e do interesse dado pelo entendimento do passado (tanto ele) e

pelo vislumbre (este objeto posto) dado pelo presente no futuro, toda escrita narrativa

histórica (como o que consideramos real) não

seria senão uma crítica de nossa própria escrita da nossa própria história (são confrontados pela criação deles mesmos). leonardo araújo

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ATO IV – da “resolução” do conflito irresolúvel

revista elástica 3

30


Indifference I woke up and it was still dark Shapeless as water Waves of enthusiasm and emptyness One after another No meaning Morning in the garden I close my eyes and everything turns red Cats are not moving The sound of the leaves in the wind Sun light warms me inside And she arrives home Diner served Fresh green grapes with juicy small tomatoes and apple cider Gossiping I take her to the room Beauty has it own manners to please you. Starring. Listening. Lust. Distance. Indifference. And the blue sky. Dudu Tsuda dudu tsuda

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revista elรกstica 3

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dudu tsuda

33


às margens de uma cidade de água e sal: espaços invisíveis da fortaleza turística 1

por ana chaves

“Os pontos escolhidos, para muitos moradores, são lugares completamente desconhe-

cidos e, em alguns casos, já haviam formado uma imagem repleta de preconceitos alimentados pelas mídias, provocando algumas resistências ao longo do Percurso.”

“O projeto possibilita qualquer pessoa re-

visitar e reconhecer sua própria cidade e, sobretudo, refletir sobre suas crises, problemas

e oferecer visibilidades, que, para o poder público, estarão sempre à margem e conse-

quentemente invisíveis a uma grande parcela da população.”

Antes de embarcar para a cidade de For-

taleza, iniciei uma pesquisa na internet e me

deparei com as seguintes informações: “Viagens para Fortaleza: a capital da animação”;

“Terra quente e de poucas chuvas, Fortaleza

tem uma natureza exuberante no que se refere às suas praias de verdes mares, à grandiosidade de suas dunas, à força dos ventos e à

sua luminosidade intensa. Apresenta um verão permanente e seu povo hospitaleiro é conhe-

cido por uma contagiante alegria de viver.”; “É

a rota mais curta do Brasil para Europa, Estados Unidos, África, a apenas 6 horas e meia de

vôo [...]”e as mais belas fotos do encontro da cidade com o mar. Também recebi referências de amigos que indicaram pousadas, hotéis, 1.

Mestre em História e Crítica de Arte/ PPGARTES UERJ. Parte da dissertação de mestrado O Coletivo Mesa e os Percursos Urbanos como uma experiência estético-política na cidade de Fortaleza/CE, 2012.

2. Depoimentos do Coletivo Mesa a respeito do projeto Percursos Urbanos. revista elástica 3

passeios nas dunas etc.

Ao chegar a Fortaleza, descartei o táxi (úni-

ca indicação do hostel) e decidi fazer o trajeto pela rodoviária da cidade. Lá, observei olhares estranhados, pois não deveria ser comum um

turista pegar ônibus àquele momento, por vol-

ta do horário do rush: sem lugares para sentar e trânsito intenso. Eu mesma não estranhei.

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Preferi ir de ônibus para começar o ‘percurso

urbano’ e a memória do trânsito do Rio de Janeiro e do ônibus lotado ainda era a mesma.

Ao chegar no hostel, fui surpreendida por uma

ex-moradora do Rio de Janeiro, que funcio-

nava como se fosse uma ‘governanta’ da casa adaptada aos viajantes, que ao saber da perda do meu celular, imediatamente me alertou dos perigos da cidade. Dizia que assim como “lá”

(no Rio), em Fortaleza também não podia estar desatento na rua. Entendi a preocupação, afinal de contas eu era estrangeira na cidade,

mas ainda assim, não me surpreendia com os alertas.

Quando fui perguntar sobre o que havia

na cidade para ser conhecido, se havia algum centro histórico, logo me atravessou dizendo que fora da cidade havia maravilhosos pas-

seios e esportes radicais. Àquela altura, resolvi explicar que não estava na cidade somente a

passeio, mas que estava a trabalho. Disse que

era pesquisadora e que estava estudando o

Coletivo Mesa, do Julio Lira, mais especificamente o projeto Percursos Urbanos. Imediatamente ela lançou um “Ah!” e disse que o conhecia muito bem e que já havia frequentado

muitos percursos. Aliás, salientou que quan-

do chegou à cidade também se considerava

turista, e ao saber dos “Percursos Urbanos”, frequentou muitos encontros que a ajudaram a conhecê-la melhor. Perguntei como chegar

até o centro da cidade e antes mesmo de explicar, alertou pela segunda vez dos perigos da

rua e da atenção requerida nos seus arredores.

Coincidências ou não, percebia que a cidade começava a se descortinar a partir do encontro

com essa senhora. Mesmo não sendo natural de Fortaleza, os anos que dedicara à cidade

que escolhera para viver e trabalhar ainda refletiam um certo estrangeirismo como a de seus hóspedes.

Posteriormente, em conversa com Julio

Lira, mencionei sobre a recepção do temor e o ana chaves

culto ao medo que as pessoas produziam em cada esquina da cidade e como isso divergia

das primeiras informações obtidas pelas mí-

dias. E antes mesmo de iniciar seu depoimento sobre o Coletivo e os Percursos Urbanos,

responde à minha reflexão com o que desde

sempre o mobilizou e a outros integrantes do Coletivo: o violento apartheid presente na ci-

dade: “[...] esse apartheid é super visível pelo espaço urbano, pela forma como está localiza-

do e pela forma também como a população se percebe.” Identifica sua origem na história da

formação da cidade. Comenta inclusive, outra coincidência, que eu havia me instalado em

um hostel localizado na Avenida Dom Manuel que, mais ao sul, se transforma na BR116 que corta a região do nordeste longitudinalmente.

Afirma que esta avenida revela o traçado que

a cidade ‘respeitou’ desde a reforma haussmanniana separando uma região com pouca

infraestrutura da outra dedicada ao aspecto da ‘cidade-veraneio’ caracterizada pelo comércio, turismo, hotéis etc. O medo é gerado

diante de toda uma conformação histórica na

qual o forte contraste social gera violência e consequentemente é instaurado entre as pessoas.

Esta questão chamou a atenção de Julio

que desenvolveu o trabalho chamado “Mapas do medo”, cuja proposta era convidar o amigo

Ítalo Rodrigues a caminhar após as vinte e três horas pelas áreas indicadas pelas mídias (jor-

nal, televisão, internet) com altíssimo índice de violência. Este percurso foi realizado durante

algumas noites e o resultado foi um grande mapa (2m x 1m) que interliga fotos, desenhos, definidos por cores que expressam legendas dispostas da seguinte maneira: azul para zonas de segurança, verde para instáveis, preto para desconhecidas, vermelho para áreas de

risco e amarelo para estados de alerta, além de

anotações geradas a partir do encontro com o que estava mais visível àqueles momentos.

35


3.

Projeto pertencente ao Coletivo Mesa, articulado por Júlio Lira, sociólogo e artista que conta na sua concepção com a participação de Thais Monteiro, cientista

No diagrama gerado após as incursões, analisa o

que faz parte de um imaginário construído, uma produção do medo e insegurança gerada pelos meios de comunicação e os códigos próprios dos lugares observados:

social e artista.

Parte integrante do diagrama “Mapas do medo” “[...] se não tem dinheiro de mais nem dinheiro de menos, podemos cuidar melhor do que é vivido ali.” Fonte: imagem cedida por Julio Lira.

revista elástica 3

36


Julio e Ítalo comentam que “a fábula da vio-

lência pode ser mais divertida e danosa que a violência real.” Em meio à comunidade, espaços

privatizados são produzidos e alertam para os

perigos da aproximação: “Área protegida”; “Protegido por...”; “Perigo! Produto perfurante” etc. Há uma produção de extraterritorialidade dos es-

paços construídos, nos quais as elites decidem transformar e distanciar-se social e economicamente daqueles que vivem ao seu lado.

É com desejo de mudanças que o Percursos

Urbanos3 surge como um dispositivo de interven-

ção cultural. Diferentemente do que se entende por intervenção urbana, da qual Julio Lira ques-

tiona não se tratar apenas de intervir em áreas urbanas com objetos artísticos ou performances,

mas provocar uma intervenção mais profunda, uma mudança na relação das pessoas e, sobretudo, do poder público com a cidade.

ana chaves

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flutuantes

rodrigo savastano

Flutuantes faz parte de um “cinema de encon-

tro” onde o imaginário de dois personagens

somado ao do roteirista/diretor/montador ativo

Rodrigo Savastano, nos leva a outro espaço, resultante desse encontro.Três flutuantes, até bem mais.

Notas sobre tela flutuante Oi, tudo bom? Estamos aí. Possivelmente

você não viu o filme sobre o qual vamos falar

agora, talvez você ainda o veja ou já tenha visto. Sinceramente, gostaria que sim! Indepen-

dente disso, espero que essas notas te valham a ponto de serem lidas até o fim.

Comecei a fazer o Flutuantes quando vivi

sua primeira cena, no primeiro dia de gravação, abril de 2007. De repente, o reflexo da luz

do sol no Canal do Cunha fez com que aquele viaduto da Linha Vermelha se transformasse em algo além de blocos de cimento, barulho

de motor e carros acelerados. Havia água

laranja projetada por todo o viaduto, reflexos

dançantes de inúmeras marolas desenhando movimento sobre a inércia do concreto, dando leveza, expressividade e fluidez dignas de um rio dourado sobre a água de um rio escuro.

Não havia um conceito pré-concebido ou

um dispositivo balizador da gravação. Se algo,

era a abertura e disposição de trilhar o camin-

ho em direção ao universo de nosso primeiro personagem, Luis Bispo1. Quase sempre fo-

mos os mesmos três: Dante, o fotógrafo, Bru1. que já tinha feito uma participação num outro curta meu de ficção o “Afluentis”, mas que agora seria o foco principal.

no, o sonidista e eu, fazendo o resto2. Pouco a pouco, encontro a encontro, fomos derivando

com ele e desvelando sua personalidade ca-

rismática, criativa e persistente a ponto de seguir fazendo e desfazendo casas e mais casas sobre plataformas flutuantes com o lixo que

revista elástica 3

38


boiava no Canal; sonhando, planejando, re-

alizando (ou não) e destruindo continuamente tudo o que fazia, enquanto aprendia lições

com o vento, com a água, com a madeira, com o mangue, com as garrafas pet, com as pessoas e seus os livros, sempre testando e so-

fisticando sua relação com o mundo como um perseverante e pragmático aprendiz bricoleur de tudo ao mesmo tempo AGORA.

Seguimos, e a paisagem ao seu redor foi

vazando e pingando por todos os cantos da

tela quando, de repente, ela e ele já eram uma só coisa. Paisagem ao mesmo tempo aberta,

grandiosa, incomum e também fedorenta, poluída, largada, áspera. E naquele mundo entre

o pré-cinema de um mangue verde, que resiste

ao Canal mais poluído da cidade, e o pósapocalípse de carros incendiados e afundados por facções criminosas, alguém recriava o es-

paço a todo o momento com o ímpeto de uma criança na praia com seus castelos de areia,

com a conectividade mental de algum filófoso-

engenheiro italiano ou egípcio, estranhamente reencarnado nesse tempoespaço. Importante

ressalva: engana se quem, baseado em minha resumida descrição, o imagina como um lunático ou obsessivo. Luis é um cara flutuante

no melhor sentido do termo, no sentido que acabou norteando o próprio filme.

Salvo poucas excessões, o filmamos de

2007 a 2009.

Depois, veio o Paulo Paes, artista cascudo

nas artes visuais, na de ser artesão e muito

mais do que isso! Pessoa absurdamente gen-

erosa, cuja doçura e sabedoria tranquila seriam quase complementares ao ímpeto imperial

de Luis; além do que, seu trabalho “Fisálias, continentes flutuantes” encaixava perfeitamente no nosso recorte antigravitacional em

progresso. Com Paulo, as coisas ganharam uma outra luz e densidade, o olho do filme passou a desdobrar seu próprio trabalho com

rodrigo savastano

as Fisálias, garrafas Pet coletadas e transfor-

madas em teias subaquáticas; cordas, bóias,

texturas, hastes, ganchos, costuradas umas às outras como uma rede irregular, como

o próprio filme foi trançado ao longo de sua narrativa. Elas iam da superfície ao fundo do mar, com o simples intuito de servir de supor-

te para a interação com todos os serem que se sentissem confortáveis o suficiente para

agregarem-se a elas. E vieram vários, de todos os tipos, leva a leva, todas minuciosamente observadas e ruminadas por Paulo, seja num canal super poluído na Ilha de Deus (em Recife), seja nas águas puríssimas de Arraial do

Cabo (Estado do Rio de Janeiro) ou mar aberto afora. Os “Infláveis”, balões com ou sem fogo

moldados como esculturas de papel de seda,

são outra linha de seu trabalho, a flutuação antigravitacional das formas quase só formas.

Paulo trabalhou seus conceitos e práticas

a partir da contínua convivência que teve com

os pescadores e baloeiros do Rio e de Recife,

trazendo sua perspectiva artistico-artesã para essas práticas milenares e buscando uma relação real entre o trabalho artístico e seu co-

tidiano. O desenvolvimento de todas as obras dependiam da criação e persistência em novas

rotinas de sua parte, totalmente voltadas a elas e, à princípio, estranhas ao próprio artista. O gravamos de 2009 a 2012.

O filme seguia lentamente, mareando no

ritmo raro dos encaixes de nossas folgas dos

outros trabalhos, quando íamos sempre em três ou quatro encontrar com as flutuações

desses e de outros personagens e situações. Vida, perspectivas, política, ecologia, arte, filosofia, devaneios, ficções, destruição, ver-

dades, mentiras, planetas e microorganismos; os temas foram ampliando, ampliando e pas-

samos a ver que o termo flutuante também podia ser toda uma categoria de ser-estar, e que, de uma certa forma, “tudo” que desafie a

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gravidade e outras regras ou matérias densas

e volta, tranquila, serena, junta e misturada

ção, inclusive nós, humanos gravitados sobre

transmagina e rima, som que vibra e sonha o

pode ser flutuante ou tender para a flutuaum planetinha encravado na periferia de uma

galáxia secundária. O devir da flutuação, da

com o que quer que beire a água, imagem que vácuo além ar.

tangente, atravessar o que quer que seja num

“as mudanças são encontros de mundos que se

rando como um rio descendo leito abaixo ou

tudo pulsa5”

leme autônomo, fluido como a água, murmutransladando como um balão subindo céu acima.

Durante a montagem, processo talhado ao

ritmo de inúmeras pequenas alegrias e desc-

movem

Assim também pode ser Flutuantes, boa

viagem!

obertas, muitas imagens de arquivo foram se agregando como garrafas pets à casa de Luis ou como os micro-organismos marinhos às Fisálias3, e fui percebendo que o filme não

é apenas sobre esses dois personagens descritos, ou sobre o nosso encontro com eles4.

Talvez, o Flutuantes também fale sobre a plena possibilidade de opções impossíveis por tão leves e seus desdobramentos concretos.

Flutuação. A dança solta e errática de uma

poeira no ar a contraluz, um estado de além-

leveza sobre o meio circundante, as milhões de sinapses diárias de uma cabeça em pulso de penso.

Um pensamento que puxa outro, que puxa

outro, enquanto o corpo se prolonga e movi-

menta sobre o chão, andar, parar, atravessar. Abrem-se os olhos, visão que leva à memória, ou um som que te ruma a um desejo de fu-

turo. A alquimia ínfima e fundamental das con-

exões cerebrais, emocionais, sexuais, astrais,

3.

O nome Fisálias vem de “Physa-

flúidicas e outras tantas que fazemos todos os

lia Phisalis”, também conhecida

de cada um como o caminho-rio Heráclito de

espécie de medusa flutuante que

em sua intracelularidade, fluxo frouxo firme-

nia que agrega 4 seres diferentes

persopaisagem, ou simplesmente, persoisa-

ajuda um do outro.

dias, uma a uma, se metamorfoseando dentro

como

cada um, concreto como cicatriz e impalpável

não é um só ser e sim uma colô-

mente encadeado, personagem e paisagem,

que vivem e se reproduzem com a

gem. Narrativa que transcria fluxo vago e constante de onda do mar, que bate e volta, bate

revista elástica 3

5.

“Caravela

Portuguesa”,

Verso de Ericson Pires, no livro “Pele Tecido”

40


rodrigo savastano

41


agência transitiva

Cabe apreciar ao menos o que pode haver de

surpresa dos presentes com aquelas vinhetas

no dia 31 [de 2013] de julho em um apartamen-

décadas atrás, um jovem da plateia respondeu

insólito nessa situação: 13 indivíduos reunidos to da rua Pereira da Silva, no bairro das Laran-

jeiras, para discutir a identidade do que vinha sendo chamado até então de Agência Tran-

sitiva. Não era a primeira vez; e suponhamos

aqui, também não a última. Após três horas de

conversa, estão todos espalhados pela sala,

em cadeiras e sofás, cansados, porém atentos, ouvindo à gravação de sua última ‘ação’,

executada dias antes na Matilha Cultural em São Paulo.

Por ocasião de um debate sobre a ‘Esté-

tica da manifestação’, no qual pesquisadores e artistas foram convidados a expor suas im-

pressões sobre a recente onda de agitação que tomou o país, a Agência fez-se ouvir, mas não

ver, por uma diminuta plateia, através de um

toca-discos portátil. Aos risos e expressões de revista elástica 3

populistas do banco Safra de mais de duas uma única frase, lançada ao final da gravação: ‘mano, se eu ouvisse isso naquela época, eu tacava fogo nesse banco’. Não foi muito dife-

rente do que de fato aconteceu apenas al-

guns dias mais tarde, no eixo financeiro dessa mesma cidade. Sem que nenhum membro da Agência estivesse presente, em uma mani-

festação especialmente violenta, foram sistematicamente depredadas todas as agências bancárias da Avenida Paulista. Não é o mesmo

que dizer que esta mesma Agência apoiasse a

onda de destruição ou, ainda, que o faria caso estivesse por lá. É dizer, sobretudo, que neste momento ninguém vê mais longe do que qualquer outro. Nem os tais pesquisadores, nem os artistas, nem a polícia, nem os banqueiros,

nem os manifestantes da Paulista. Metereolo42


gistas não predizem o dia de amanhã, nem astrólogos o mais além. O que dizer então dos 13

da Pereira da Silva, senão que estão, de volta ao Rio, tentando não apenas compreender o que ou como fazer, mas antes, por que estão

ali. Questão esta que não tardaria a aparecer -inevitavelmente -- após alguns poucos meses de atividades, as quais consistiram, no mais das vezes, em simples partilha de dúvidas, informações e desejos entre o próprio grupo.

Agência significa, entre muitas outras coi-

sas, a ‘capacidade de intervir no mundo’; e

transitivo, por sua vez, diz ‘aquilo que vai para além de’. Este nome composto, escolhido por

votação em encontros anteriores, lhes pareceu a princípio mais adequado pelo que parecia negar do que afirmar: a saber, uma certa re-

sistência às ideias de estagnação e permanência. Em oposição à ideia de organização de um

Mas esta não foi a única dificuldade de

tradução na qual eles esbarrariam. Era tam-

bém necessário verter ao português a odiosa palavra inglesa ‘artivism’, a qual os autores do

‘Guia’ faziam alusão, movidos por um genuíno

desejo de pensar a produção de obras para além de simples bens de consumo. E o que

fazer ainda desse tal de ‘impossível’, palavra

tão carregada de idealismo pós-democrático europeu, em um contexto onde nem mesmo

coisas radicalmente ‘possíveis’ se fazem por

vezes presentes? E eram, por acaso, da mesma ordem as manifestações nas periferias de

Londres ontem e as estas que mobilizaram milhões por aqui hoje? O ‘Guia’ está aí, a resposta

não. Razão pela qual caberia talvez dizer que, nesse momento, nada saberia guiar ao certo quem quer fosse para lugar algum.

Sem direção, voltam todos à Pereira da

‘coletivo artístico’, as atividades da Agência de-

Silva, para o que seria uma reunião de crise.

de nomes, sem espaço para auto-promoção.

13 decidem lançar mão do que cabe apreciar,

veriam trabalhar outro registro de grupo. Nada Possibilidade de trabalho anônimo que parecia

ecoar o sentido de sua ‘ação’ mais significativa até então: a tradução e publicação indepen-

dente do “Guia para exigir o impossível” (texto de Gavin Grindon e John Jordan e produção

do Labofii, Laboratory of Insurrectionary Imagination). Foi a grande difusão desse livreto, tão inesperada aliás quanto qualquer um dos

eventos daqueles dias incomuns, que rendeu à Agência os primeiros convites para participar

de encontros e debates, como aquele em São Paulo. E, ao mesmo tempo, seus primeiros diferendos internos. Pois pareceu-lhes ser pre-

ciso acertar as agulhas do relógio num mesmo quadrante para que o alarme pudesse tocar na

hora certa, e não ficar girando em vão em torno de seu próprio eixo. Ora, nada menos certo

para os 13 da Pereira da Silva do que a pre-

Do meio da mais densa cortina de fumaça, os agora sim, como o mais insólito dos recursos

para um grupo de artistas: uma oficina de

planejamento estratégico, destinada a dar resposta a um conjunto de questões, simples em

aparência: O que querem? Por que querem o que querem? E como planejam realizá-lo? Mas seria preciso, antes de qualquer julgamento, ver nesta espontaneidade da dita Agência

uma ‘abertura operacional’ bem diferente do

que se viu obrigada a fazer, sob a pressão dos mesmos protestos, uma empresa como a Fiat -- revendo ponto por ponto sua estratégia de

comunicação e marketing, após sua ‘músicatema’ ser incorporada pela multidão em um

sentido inteiramente imprevisto. Afinal, todas as crises não são a mesma crise. E nem todos os toca-discos tocam a mesma música.

cisão impessoal do meridiano de Greenwich.

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Os manuais de gestão dizem: Visão +

Desse exercício que circulou pelas caixas de

Por ora, a questão que dirige este movi-

afetiva’, restam apenas os fragmentos, incon-

Missão + Valores = Proposta de valor

mento reflexivo da Agência consiste em justapor aquele seu primeiro ‘por quê?’ a um eloquente: ‘e por que não?’

e-mail sob o singelo nome de ‘economia clusivos, que reproduzimos aqui inalterados, como emblemas de uma sã cegueira que se

abateu sobre o bairro das Laranjeiras, apenas a algumas quadras de distância do palácio da

Visão: uma frase-proposta do que a orga-

Guanabara. Eles parecem dizer, à sua maneira

ainda, de como ela espera que seja o mundo

Transitiva e não sabemos quem somos. Tanto

nização deseja ser a médio e longo prazo e,

indireta, em sua deriva: Nós somos a Agência

em que atua. É uma visão de longo prazo e

melhor, ninguém sabe mesmo.

concentra-se no futuro. Pode ser emotivo como uma fonte de inspiração. Por exemplo, uma instituição de caridade que trabalha com os pobres pode ter uma declaração de visão que se lê “um mundo sem pobreza”.

Missão: define o propósito fundamental

de uma organização ou de uma empresa, de forma sucinta descrevendo por que ela existe e o que ele faz para alcançar a sua visão. Por

exemplo, a caridade acima pode ter uma declaração de missão como “criar empregos para os desabrigados e desempregados”.

Valores: crenças compartilhadas entre as

partes interessadas de uma organização. Va-

lores conduzem a cultura de uma organização como uma diretriz ou ética compartilhada que

ajuda a estabelecer prioridades e fazer decisões. Por exemplo, “Conhecimentos e habilidades são as chaves para o sucesso” ou “dar

um pão a um homem é alimentá-lo por um dia,

mas ensine-o a plantar e alimentá-lo para a vida”. Estes exemplos máximos podem definir as prioridades da organização.

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Visão

Missão

por uma coletividade de sujeitos autocríticos!

para que o oficio de

viver, seja o ser e não o fazer

por uma vida possível no Rio de Janeiro.

“Se situar na faca de corte

entre

políticas

e

(Matahaven)

práticas

estéticas”

promover pontos de vista diversos a partir de inserções subversivas na cidade.

Valores desinformar uma sociedade satu-

rada de informações, buscar auto-

nomia crítica, enfatizar processos

construtivos, o prazer e a convivência de diferenças.

compartilhar recursos e multi-

o trabalho deve ser divertido e bem

viabilizar formas outras de cir-

diálogo sempre horizontal entre os

dade através de encontros, itin-

mente voluntárias e de cunho não-

plicar conhecimento

culação cultural e política na ci-

erários, partilha de informação e intervenções micropolíticas.

Promover ações que gerem reflexões/choques dentro de um contexto específico (Ex: JMJ, Especulação imobiliária, etc).

pago, as ações simples e serias

membros; ações públicas estrita-

doutrinário e /ou auto-promocional e /ou remunerativo.

Utilizar os conhecimentos que os

agentes possuem para realizar serviços, ações e provocações que

reverberem em diferentes espaços (sempre além dos espaços da arte

contemporânea) e que possam ser remunerados.

inventar e por em prática nos-

sas ideias. produzir pensamen-

viabilizar os fazeres dos agentes, emancipar

to, experiências, crítica, even-

cooperação, parcerias, desautoria,

formas de lidar com dinheiro

com ética.

tos, etc. desenvolver novas para financiar os projetos. con-

diversão, fazer simples e bem feito,

seguir espaços diversos de visibilidade, inserção e produção.

Deserção

agência transitiva

Oferta de serviços dissidentes não convencionais

confundir, criar, distribuir, viralizar, desatuar.

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ficha técnica

revista elástica 3

ISBN 978-85-8273-579-4 editores

Beatriz Lemos, Rafael Adorján e Thais Medeiros colaboradores

Agência Transitiva, Ana Chaves, Denise Alves-Rodrigues, Dudu Tsuda, Francine Jallageas, Ícaro Lira, Leonardo Araújo,

Lina Arruda, Lucas Sargentelli, Michelle Mattiuzzi, Pedro Victor Brandão, Rodrigo Savastano e Vivian Caccuri projeto gráfico Juliana Frontin fotografias

Hirosuke Kitamura (Michelle Mattiuzzi) gráfica

editora multifoco contato

www.revistaelastica.com | contato@revistaelastica.com 57


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