POESIA SEM FIM
Era uma vez um Ipê... uma árvore que não florescia ao longo do ano como as demais... Se sentia diferente. E por isso sofria. Achava que não teria flor
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e não seria admirada. Em julho, chegado o inverno, mesmo sem calor, ela floresceu. E ficou feliz, pois descobriu que não só era diversa, como era também forte e floria quando nenhuma outra árvore florescia. Desde então, além de ter flores lindas e belas, também ela se multicoloria. Floria com todas as cores que refletiam o arco-íris. Descobriu que podia ser quem ela queria, com qualquer cor que escolhia. Sua beleza estava justamente em ser única.
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POESIA SEM FIM
Flávia Valença Lima
POESIA SEM FIM
1ª Edição 2019
Revisão Milena C. Eich Capa e projeto gráfico Talitha Magalhães Ilustração Flávia Valença Lima Produção Editorial e gráfica Editora Conexão 7
Todos os direitos reservados para Editora Conexão 7 e Flávia Valença Lima Editora Conexão 7 editora.conexao7@gmail.com editoraconexao7.negocio.site
ISBN: 978-85-94456-40-3 CDD: B869.1 CDU: 82-1 Lima, Flávia Valença (Autora) Poesia sem fim 1ª Edição - 2019 Rio de Janeiro Editora Conexão 7 Poesia Brasileira
Sumário
Esperança Leveza Fé
15 ... 16 ... 17 ... 17 ... 18 ... 19 ... 20 ... 21 ... 21 ... 22 ... 23 ... 24 ... 25 ... 25 ... 26 ... 27 ... 29 ...
Arte para não pirar Carnaval Carnavais Celebrar o novo ano A força dos canaviais INERTE Mar leve Mora aí nesse seu coração Irmã da vida Mil O fim de existir Pontaria Se não houvesse o Carnaval De dia Um dia Chegará o tempo Que venham outros Carnavais Paz
Ressignificar Existência Ser
32 ... 34 ... 35 ... 37 ... 37 ... 38 ... 40 ... 41 ... 42 ... 43 ... 44 ...
30 anos Bem-vindo ao século XXI Corriam os pensamentos E seguia ela... Em busca Ledo engano Problema moral Pulsação da palavra Revendo a vida Teatro da alegria Um dia após o outro POESIA Vago Cantando a música do meu coração O canto, meu norte
45 ... 46 ... 48 ... 49 ...
Poesia Preta Denúncia Violência
52 ... 52 ... 53 ... 54 ... 55 ... 55 ... 57 ... 58 ... 60 ... 61 ... 63 ... 64 ... 67 ... 68 ...
Poesia Preta Vida e luta Um sorriso negro ODE À POLÍCIA Rio de mal a pior DEUS É MAU Violência do Estado A periferia exposta Abismo de caminhos cavando esse chão BACURAU Do lixo ao luxo Miséria Intervenção militar... Quanto Vale?
Dor
72 ... 74 ... 76 ... 77 ... 78 ... 79 ... 80 ... 82 ... 83 ...
A angústia A infelicidade mora na cidade Copacabana me engana A Falastrona Não ter mãe O corte Nordestinamente Quebrar-se Palavras escrita a giz
Feminista
86 ... 87 ... 88 ... 88 ... 89 ... 90 ... 90 ... 91 ... 92 ... 93 ... 95 ...
Amizade Amor Tesão
98 ... 99 ... 100 ... 102 ... 103 ... 104 ... 105 ... 106 ... 107 ... 108 ... 108 ... 109 ... 110 ... 111 ... 112 ...
Universo feminino A amaldiçoada A cultura do estupro Machismo velado Lamento feminino Ventre Maternidade e Revolução Quem é a Puta? Verdades femininas Agigante-se O falo
Relação Amor de si O amor brota Redemoinho Amor meu Líbido Devorar O dito pecado Até quem sabe um dia Tesão Fantasia Voavam as borboletas Coração Naquela noite experimentada Espero
Dedico este livro a minha mãe, Angélica Dias Lima, as minhas avós, Dona Ana e Ledir, a todas as mulheres da minha vida e a todos que amam poesia.
Esperança Leveza Fé
Arte para não pirar Arte para não parar Arte pra sobreviver - sobreviver é arte Qual a sua parte? Qual a sua arte? Fazer parte? Ir pro embate? Trazer baluarte ? Carregar estandarte? Faz encher um balão? Arte para mim, pra você, para o mundo Arte para dividir o pão Arte para o seu coração Arte pra fazer divisão Arte é revolução.
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Carnaval Carnavais Nada mais legal que andar no Carnaval A solidariedade existe, afinal! Você não precisa se esconder Não precisa convencer O convencimento é da alegria Alegria da alma em celebrar Alegria do corpo em gozar Alegria do olhar e existir Alegria do pular e de sorrir Alegria de misturar e sermos um Fazer parte dessa humanidade Respirar reciprocidade Alegria de se ver, sorrir e curtir Alegria de viver e florir De só ser e de te ver Milhares nas ruas Milhares expurgando os ais Carnaval, Carnaval, Carnavais.
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Celebrar o novo ano Partilhando momentos: alegria de estar juntos Superando perdas e ajustando os passos Celebrando a alma e trocando abraços Há braços!!! Ah se a vida celebrar fosse.... O mundo caberia neste quintal E nada mais iria mal.
A força dos canaviais Paciência é um prato que se come bem cozido Problemas, os bem digeridos Angústias, as exorcizadas Invejas, as admiradas Amor próprio, aos montes Amigos, de muitas fontes Recursos, às pencas Virtudes, as integrais E a força dos que cortaram canaviais.
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INERTE Voava inerte Avá Avoé Ave No turbilhão da sua solidão Voava em doces lembranças sobre sua própria imensidão Havia de resistir ao tempo sem perder paixão em voar em plainar sobre o azul do mar onde inerte voava a admirar.
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Mar leve Imagina se... se parasse para olhar o mar... sem piscar! Não tiro o “oio”, mas ele tá lá. E não para... Não parara... Não parará De cá pra lá. De lá pra cá Para cá. Para lá. Rápido e devagar A sua frente a imensidão incessante do mar Ah, Iemanjá Nas ondas do mar me reinvento É onde tem vento e movimento e lavo o lamento Esvazio o pensamento e aumento minha fé por dentro Mar de amar Salve Iaiá, Iemanjá, a rainha do mar... Odoyá!
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Mora aí nesse seu coração O poder da palavra O poder da informação O poder da transformação O poder da paixão Mora aí nesse seu coração.
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Irmã da vida Irmã que a vida me deu Irmã que a vida me dá O nosso amor é do tamanho de um cultivar Eterno cultivar de esperança De aliança e confiança Com perseverança quero com você sempre estar nessa dança.
Mil Mil. Quadril. Quadris... mãos... cabeça... coração Escrevo com minha pulsação Com o meu devir Com o meu existir Com o meu assistir Escrevo para sorrir Escrevo para vomitar Escrevo para parir Escrevo para gozar de minha existência de ser pensante Escrevo e sigo adiante Pisando esse chão com humildade Escrevo plantando ternura Escrevo, cultivando a loucura de querer ser livre Ser pássaro... cantante, amante, voante Dissipando a dor Divulgando amor e a irmandade Vou... voo. Eu sobre essa cidade.
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O fim de existir Bom dia Que seja ele pleno de amor... de eternidade e “eteridade” Como a harmonia do despertar dos pássaros que me contagia Nessa manhã que se inicia... Que eu possa ser melhor do que ontem Que seja eu mais doce com o dia Que o diálogo nos faça ouvido porque a verdade principia E que nos respeitemos Amemo-nos Seja de noite, seja de dia E que música não nos falte nem solidariedade nem fantasia Pois se não é o andar das horas o caminho que nos guia Para estar aqui um fim para existir a fim de seguir.
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PONTARIA Andava distraída Não escolhia.... Ela ia O vento a levava a todo lugar Tropeçou em uma pedra e errou a portaria Chegou na hora certa no lugar errado Conheceu seu príncipe desencantado... Cara bom de papo, mas ruim de pontaria Logo cedo, depois que foram morar juntos, aprendeu: “Pau que nasce torto mija fora da bacia” Cara bom de papo enrolou-a noite e dia... Mas a vida toda jogou água pra fora da pia.
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Se não houvesse o Carnaval Ai ai se não houvesse o Carnaval Pra me lembrar que a alegria há de estar presente Pra me mostrar que a humanidade pode ser contente Pra mostrar pra toda gente: de carne isso somos irmãos Ahhhhh se não houvesse o Carnaval Tudo seria tão mal, tão pior O Carnaval é o estado espiritual da harmonia.... Todos juntos num embalo de celebrar a vida: sem distinção de cor, raça, sexo, gente Afinal, gente é pra brincar não pra morrer de fome.
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De dia Acordava com fome de dia Logo cedo escutava os pássaros La no fundo do estômago, ela ia Levantava com o raiar do dia E tinha uma vã alegria Uma gana Uma vontade de devorar a luz que a tudo alumia Engolir a manhã que surgia E arrotar poesia.
Um dia Um dia as mãos se uniram Um dia os olhos se abriram Um dia todos se viram Um dia se ouviram Depois desses dias, lindos dias eclodiram De repartir o pão e partilhar o chão Depois disso, nada ficou como era Extinguiram-se os “ricos” da terra A riqueza foi dissipada E a pobreza aniquilada.
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Chegará o tempo Em épocas de intolerância e de abuso de poder... é preciso se defender Em períodos de engodo e enganação... há de se achar uma solução Em tempos de individualismo e solidão temos nós de buscar uma união... (com uma troca de saberes e opinião) E esta, há de se fazer a diferença... já que uma andorinha só não faz verão Eles querem somente a reprodução da injustiça do que está aí Todavia o ventre que se encontra fértil criará rupturas... E dele não sairá somente uma mera continuação pois é preciso fazer calar a voz da opressão e como diria Cecília: reinventar a vida. Fazer ecoar um grito, não mais de dor, mas de alegria Chegará um tempo: - Lutemos por ele. Declarar-se-á, para o filho, a filha, a família para toda a humanidade, que a vida tornara-se digna Atendida em suas necessidades Que o tempo de liberdade e de descanso é o presente e é garantido pelo suor de nosso, do seu, do meu trabalho A diferença social extirpada da raiz da sociedade A vida valorada por si.
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Que venham outros Carnavais Jogar purpurina Fazer estardalhaço pelo ar Dançar, sorrir, brincar, pular, amar Reencontrar com a criança que existe lá: lá dentro no fundo A de outros Carnavais Os Carnavais que sempre existem em nós O Carnaval do deboche O Carnaval da folia O Carnaval do encontro O Carnaval da alegria Alegria esta que emana de nós a curtir e fazer parte dessa humanidade… doída, fo-dida, fundida, cretina e estúpida Ah... - Rebelassem-se - Rompessem com a fatalidade do não repartir! - Vivêssemos nós para gozar da natureza... do tempo...e da nossa riqueza interior - Largássemos dessa matéria podre sem lamento: - Deixássemos de lado essa ostentação, essa corrupção, essa vaidade, de querer ser melhor do que o outro Que venham outros Carnavais... E que se possa cada vez mais revelarem-se verdades - Lutemos contra a maldade e a cretinice dos lacaios da sociedade!
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Paz Enquanto “PAZ sem voz não é paz, é medo”* PAZ sem atitude é falta de enredo Mas o amor (ao próximo) lhe diz sem segredo: o mundo é nosso.... não nos deixe dominar, o medo A vida é feita de finitude Partilha é feita de solidariedade... a verdade é o fazer A PAZ pode ser plantada por você. *Marcelo Yuka, 1999 “Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)” Álbum Lado B Lado A.
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Ressignificar Existência Ser
30 anos O corpo mudou Minha cara já não é mais a mesma Os fios, agora brancos, se espalham As manchas no rosto aparecem Várias pintas novas anunciam a chegada de uma nova época Olhar para trás e sorrir para todas as lembranças... As boas e as ruins que consegui superar O calo já não aperta o meu sapato Ou lhe corto o talo ou ando descalça Medalha é olhar para tudo e dizer: é... cheguei até aqui E “vamo que vamo” O preço da certeza de construção é o tempo que passa... Mas ele passa inevitavelmente para quem faz e para quem não faz opção Então... o bom é ir com a vida e rir com ela em qualquer direção e chorar com ela sempre que necessário Para aliviar a dor para esvaziar o coração e depois enchê-lo de esperança Mas uma dúvida resta: foi o acreditar ou o duvidar das coisas que me fez seguir adiante? Não sei
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Mas para que respostas? Como se houvesse resposta pra tudo! Aos 30 anos... temos a vantagem de saber que o questionamento é só o ato humano de existir... Seguimos com os sonhos.
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Bem-vindo ao século XXI Aqui, hoje, século XXI no deserto do real Tudo que se enxerga é miragem É a mentira do fundo do abismo quanto mais longe mais perto está do fundo No fundo, no fundo é onde no futuro tudo vai estar Não é de lá que saímos? Ou será que viemos do mar? O pássaro preso, ou se morre ou não sabe que está Morre de morte morrida Ou morre sem antes morrer Por desconhecer-se pássaro E o homem esquece que sabiá sabia assobiar Esquece o pé de Laranja Lima Esquece como se ensina Esquece saber e ir buscar.
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Corriam os pensamentos Corriam os pensamentos incessantes Olhava para trás: nostalgia Olhava para a frente: ansiedade Pensava no corpo: saudades Corriam os pensamentos Muita era a lembrança Muito havia a especulação Muita, a fantasia Iam do moinho ao vento Do abstrato ao tempo Da amplidão ao momento E dentro de si, tinha ventania.
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E seguia ela... Permanentemente perdida Indecifravelmente sentida Indisplicente (mente) na vida E seguia ela... Mal-humorada e singela Solitária, sentinela Ela, ela Vivia a dor de existir e não desistir Vivia o clamor de ser grata, a ingrata Não ser chata, ser exata Mas ela era teimosa Pouco prosa E até era rosa e cheia de espinhos.
Em busca Cabeça pensante, incessante Coração palpitante Amor “doante” Alegria vacilante Um querer constante Necessidade atroz de soltar a voz Desatar os nós Dar nó em pingo d’água Penso que me perdi na longa estrada... E que tudo tem um fim Sigo em busca de mim.
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Ledo engano Eu me escondo no meu pano Ledo humano: de linhas tortas Em tortas linhas: “um ser galinha” Ledo engano Guardo só a mim com meu segredo Meu medo, de ficar só Meu mal maior, é não ter dó Ledo engano Engano o medo com meu segredo o arremedo Aperto o dedo O coloco sobre a sua ferida Amar a vida ou odiá-la? Viver a vida ou enrolá-la? Quando foi que você me viu outra? Ledo engano Eu não me chamo Eu só emano a respeito de mim Não. Não, sou assim Sou confiável como um cavalo selvagem que relincha e dá coices Um indomável cavalo que balança o rabo por onde passa E que não acha graça de não ser assim Ledo engano Não acredita em mim?
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Problema moral Todo mundo toma um mundo por referência uma pessoa Um universo de valores que vagueia entre a aparência e o seu verdadeiro EU Todo mundo quer ser aceito e respeitado Preconceitos, pré-julgamentos você nunca experimentou? O que se pode afirmar? As coisas não são por si só O mundo é um universo de valores criados Alguém os criou Você não é autêntico Apenas reproduz uma forma de ser que lhe ensinaram a ser Quem é você? Se pergunte! Antes de querer julgar o que o outro é Pouca vergonha não é o que cada um faz da sua sexualidade Pouca vergonha é a indiferença com que tratamos a diferença É a fome... a miséria Não importa o que ocorre com o outro desde que a coisa não lhe atinja, não é? Pergunto, e afirmo: seu problema é moral.
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Pulsação da palavra Dentro dela pulsava a palavra A palavra que engolia para não falar Não trazer mais para si aquele reme, reme Não trazer em pauta aquela velha nova discussão Não Mas para não falhar não havia de se calar Então, vomitava.
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Revendo a vida Encontro gente amada e querida Revendo a vida Talvez eu não tenha sido assim tão esquecida Às vezes a vida não deixa tempo Às vezes coloca distância... E o que nos resta é dançar essa dança Entre nós e laços Eu vou, me desembaraço Pois a vida é enredo E eu faço da coragem o meu segredo.
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Teatro da alegria Vida: que fantasia te envolve? Corpos sarados ou cabeças raspadas? Carros platinados ou blusas rasgadas? Qual sonho te move? A vida após a morte, a imortalidade, a alma gêmea? Contudo, todavia, entretanto... há o preço do aluguel Vê se passa o seu chapéu! Quando a realidade chega... onde esconderei o seu papel? Vida: teatro da alegria Quando acabar o Carnaval não esqueça de guardar a fantasia.
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Um dia após o outro Milhares de sentimentos em mim O cochilar, a insônia constante tudo faz estranhamente eu me sentir assim: um balão solto no vento uma andorinha sem jardim E tudo me irrita: palpiteiros, “opinistas”, autoridades, discursistas Neste período de dependência absoluta dependem de mim, e por consequência, eu dos demais sinto-me à mercê do tempo: as horas correm depressa E tanto faz se faz frio ou calor noite ou dia, cedo ou tarde, a doação é permanente A ação de se doar absolutamente deixa-me sem vestes, sem humor, sem rumor Mas há a paz do ser que embalo E em seu sorriso há tranquilidade de um mundo pleno e absoluto: um paraíso Será então isso? Padecer no paraíso? Padeço em mim mas para você sou só sorriso.
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POESIA
Salva eu dessa solidão
Salva eu da melancolia Salva eu dos ALTOS e
baixos
Salva nós da correria De noite e de dia
POESIA, salva Salve a POESIA
Vago O espaço que me toma o problema ocupa mais do que a alegria Só sou através do outro Quando me reconhecem Do contrário desconheço-me E não sei se sinto certo Como se o sentir que vem do vir tivesse algo de correto Eu que vejo distorcido que pouco vejo o que escuto e falo sem saber, sem pensar no perceber como um ser perdido em si próprio Sou sonho Traço um caminho sabendo os passos que tenho que dar e faço ao contrário Esvaio-me de questionamentos no sentimento de contradição de ser Fazendo do sofrer uma inevitável situação Sou um poço de insatisfação Mas não tenho coragem para morrer Então peno constantemente em meu viver: se vou ou se não vou a opção que eu tomei é a errada Ao meu ver eu sou sempre “a desgraçada” que não quer, mas só sabe saber de sofrer
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Não, isso não é consciente... Mas tomo a ciência analisando os feitos Perco-me nos fatos Arranjo-me motivos... Crio minhocas Digo não quando quero o sim digo sim quando quero o não Sou pura encenação Confundo-me entre ser não ser Já não sei o que fazer para ter clareza Se sou sonho ou realidade fundem-se em mim de verdade então vago.
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Cantando a música do meu coração Vou eu entendendo as águas Esquecendo as mágoas Partilhando as asas Acendo brasas Vou pisando chãos Eu vou Inventando histórias Lendo minhas memórias Jogando fora escórias, de uma multidão Vou eu desenhando à mão Vou eu, fazendo o pão Eu sigo partilhando o amor Vou cantando a música do meu coração.
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O canto, meu norte Ao longo dos anos a música e a letra me encontram através da escrita e do som: palavra cantada, palavra falada O canto, meu forte A arte, meu norte Seja num poema que corte Seja no som de uma canção Canto, não em vão Há um ano dessa experimentação... Continuo com minha vibração... E sei que águas boas virão Falo por meu coração Falo da minha emoção Canto, não em vão Canto pra afastar o não da alegria Canto pra celebrar o estado de fantasia Não fosse a arte, por minha parte, eu morreria.
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Poesia Preta Denúncia Violência
POESIA PRETA Preta a minha cor Negra minha estrada Negro o meu amor Preta Poesia Cor da revolução Vermelho meu coração Preta a cor da Rebelião.
VIDA E LUTA Vida pulsante Vida vibrante Aquela que faz e acontece Aquela que luta e resplandece.
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Um sorriso negro Um sorriso negro precisando de abraço No ano em que se foi Dona Ivone Lara, na noite em que essa estrela se apagou... A tristeza se espalhava na cidade Falta sorriso negro de tenra alegria O sorriso tornou-se amarelo As ruas do centro se esvaziavam rapidamente A pobreza se esparramava em diversas calçadas Várias dezenas de centenas ali ficavam para não pagar transporte que de público nada tem - Diga-me aí, alguém!? O trabalhador fazendo malabares e a fome atingindo milhares na linda e hipócrita cidade maravilhosa Os tempos de dureza se assomando O sub sub subindo no ar Em cada bairro a indigência a se acumular A perda, o medo que há A violência cometida A morte nunca bem-vinda Negro sorriso pôs-se a chorar “Negro sem emprego, fica sem sossego, negra é a raiz da liberdade” E seus corpos se acumulam nos cárceres E seus corpos se acumulam no peso da sobrevida Acumulam-se negros na vida bandida.
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ODE À POLÍCIA O cara é a ordem Recebe para proteger Mas cuidado, maluco Que ele pode te meter A pulícia só chega Ela vem pra arrasar E na ordem-desordem Ela pode te matar Ela avança o sinal E transgride a lei Vem metendo moral Acha mesmo que é REI.
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Rio de mal a pior Lá vai a cidade... ... já foi maravilhosa Hoje chafurda na lama Junto daqueles que só sabem rezar ou bater panela! A burguesia do Leblon enche a barriga e não sai da janela.
DEUS É MAU O sol brilha para todos, mas de forma desigual Deus tá do lado de quem vai vencer E para quem perde, Deus é mau.
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Violência do Estado É, falta dignidade É verdade! É verdade que assim consentimos com o sistema que criminaliza a pobreza penaliza o envelhecer mata mulheres e crianças acaba com o futuro e torna tenebroso o tempo presente O que valemos? Em torno do buraco, tudo é lama A violência do Estado não me engana.
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A periferia exposta A realidade mostra A violência posta A infância dilacerada Famílias destroçadas Ao deleite desses que não valem nada Cospem na rapaziada “fulerada” Tudo alvo de fuzil! Assim segue sendo nosso BRAZIL O país de analfabetos De religiosidades e desafetos De sem terras e sem tetos De milhares de desempregos De lágrimas e desassossegos De povo que come no lixão Enquanto “eles” (empresário, corrupto e político ladrão) desfilam com seu “carrão” Fingindo que o Rio é esse cartão (postal) Mas o Caveirão todo dia faz mal... Só que isso não aparece no jornal (Durma com um barulho desses!!!).
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Abismo de caminhos cavando esse chão Andava agora pra trás Em passos largos caminharam ao retrocesso O anti-verso Reverso da medalha Subtração da petralha Exposição da lei da “meritocralha” Estado miliciano da igreja Municiado da fé que fede no pé da botina lambuzada de pó de arroz e silicone Expandindo máfias Exalando açoites Extraviando contas Silenciando as noites Cobras e lagartos Aranhas, escorpião Abismo de caminhos cavando esse chão.
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BACURAU Eles olhavam para si... para os seus e suas perdas Cuidavam mutuamente e pensavam juntos numa solução a buscavam com suas próprias mãos Contavam uns com os outros e perdoavam seus erros Não havia líderes Todos tinham seu papel principal E havia louvação de sua ancestralidade Em sua moral cabia a sinceridade Cabia errar e não ter vaidades Assumiam-se publicamente nos erros, nas dores Assumia-se a necessidade de sexo, até E ele não era mal falado como aqui o é (lamentavelmente puta era puta, como em lugar qualquer: mulher, um objeto de usar como se quer!) Juntos enfrentaram uma situação de medo sem desesperar... observaram e puseram-se a falar E puseram-se juntos em busca de solução Agiram com coragem diante das dificuldades Um filme especial e com grande final Este, pra mim, foi BACURAU.
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Do lixo ao luxo Do lixo ao luxo se expande a pobreza Nua, crua, despudorada Favelas espalhadas no subúrbio da central: Na Penha, em Vista Alegre, Braz de Pina, Irajá... Miséria miséria em qualquer canto e lugar! Riquezas são diferenças a encontrar Há grande pobreza, alto grau de religiosidade Grande o abandono, calamidades Lugares que cresceram a esmo na sombra que a zona sul emplaca: - Aqui ruas belas... lá, fétidas - Aqui o engomadinho, lá a bagunçada Hospital público versus rede privada - Na Penha é Jesus Cristo engabelando a negrada A história conta que isso é coisa de gente civilizada Ou seria melhor dizer CA TE QUI ZA DA? Tipo assim: de cultura assimilada! Dá. Dê. Dai-me a sua outra face! Ao rico que lhe deixa um trapo (milico, deputado, empresário, doutor) Cospem em cima de você Extrai mais que a sua mais valia Mal avalia a sua carne, o seu suor... O pobre retorna rápido ao pó: da pobreza, da indigência, da desinformação, do abandono Do lamento: resquícios da escravidão Povo brasileiro: segregado De um lado esgoto, do outro cartão.
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Miséria Miséria, miséria, em todo canto Andar na rua perdeu o encanto só há tristeza pra todo lado A pobreza é o revés da medalha... o lado B dessa gente milionária que vive na ilha de Caras fingindo que o céu é de brigadeiro Esse pessoal chique que explora o povo de janeiro a janeiro Passeiam na fama como que sangue azul tivessem Só que não, meu irmão Só que não! A riqueza é o outro lado da pobreza Quanto mais pobres mais o dinheiro tá sendo sugado no topo desse castelo assoberbado Esse castelo de cartas marcadas que se chama Brasil Esse pardieiro, que se chama Rio de Janeiro Miséria Miséria em todos os cantos E eu me espanto Me espanto e me desencanto com essa existência tão banal da nossa vida sugada pelo Capital Tão mal! Precisamos jogar nele uma pá de cal.
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Intervenção militar... Manejo de quem quer dominar Manda dólar pro exterior Banca marra e é o “dotô” Mas tá muito mais pra ator, simulando uma bondade Vem fingindo competência Vem mudando a previdência Expondo gente à indigência Dizendo meias verdades Enchendo o bolso do bolsão Deixando o povo de coração na mão: sem saúde, sem educação Eu quero o fim da extorsão e melhora da existência Abaixo essa loucura, esse Estado de inconsequência Bora acabar com essa penitência? Abaixo a RIQUEZA de meia dúzia ou pouco mais... Distribuição de renda Acabar com ais de verdade Queremos paz e dignidade para essa cidade.
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Quanto Vale? Era em Mariana... um era Rio Doce Agora no Brumadinho o Rio Paraopeba morreu A Samarco se escafedeu A Vale segue seguindo impune Fedeu! Assume? Assume nada, some na estrada Some com a estrada, e tudo Não deixa rastro, nem vestígio A Vale? Não, não vale o quanto pesa. A Vale lesa Nem com toda reza ela não preza Se faz barragem para romper? Não fez manutenção, por quê? Rompimento? Lamento! Rompemos nós com ela Rompemos com a cara desse diretor desse gestor, desse empresariado pinguela Ratos e ratazanas: escalpela! Confisquemos seu lucro Gritemos das janelas! Exijamos pagamento, indenizações Procuremos incriminações Encontremos dignificações Atendimento de nossas opiniões Esses porcos da Vale não nos enganam A Vale não vale o quanto pesa, ela nos lesa Almas de baixo da lama, lama em cima do chão Lucro escondido no porão, coração na mão.
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Dor
A angústia A angústia que dói no meu peito, dói no peito de milhões É a angústia de uma época É pouca a paz do entorno O desejo, a fome que nos consome é vontade de ter ou ser? Entornamos cachaça noites... dias... madrugadas Mas... aonde dará o fim dessa estrada? Tecemos imbricadas redes que não nos levam a lugar nenhum E uma secura na boca, nos dá Uma insaciável sede de querer Um “indescansável” soluço a nos soprar o ouvido A duvidar de coisas A não enxergar outras A nos perder de nós mesmos Tranca-nos em solidão! Nos levando para longe dos nossos sentidos E quem poderá nos salvar de nós mesmos? - O mundo está muito louco ou o homem enlouqueceu o mundo? O solo em que se enraizava a vida agora jaz num deserto sem fim O rio, secou A mata, queimou O petróleo, acabou O homem se “segrego-robotificou” Alienadamente compra e cegamente erra sem acertar
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As nascentes? As correntes a cercaram e exércitos fúnebres caminham em estradas A carne humana está à venda! O prazer nos bestificou A televisão hipnótica e as internet-hipotéticas-relações O ciberespaço e os inter-relacionamentos segregacionados sócio-psicologicamente criaram castas A estética intelectualóide-lupinandarilhos, joãos abandonados... Fantasmagoricamente invisíveis Excluidamente massacrados Minhas insônias apimentam O olho treme O coração entristece O corpo do homem fenece com pressa Qual o tempo que resta? Qual o endereço da festa... que a “insetarada” dará na hora de sua vingança? Espere uma revolução ou uma revolução! As forças dinâmicas não cessam de jorrar Porrar a face Insultar o espírito Gradear a paixão Saciar o coração O ventre há de parir! O movimento que espreita a insolência de continuarmos impunemente indiferentes… - Está por vir!
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A infelicidade mora na cidade Presos estamos em nossas jaulas As grades são aparência de proteção E ninguém vai te salvar do apuro que lhe cerca O barulho invade a tua alma, cortando-te a veia acordando-te para um novo dia O despertador que te acorda, não te acorda Como um zumbi, escravizado vais para o trabalho suprimindo teu querer: - dormir mais um pouquinho, só mais uns minutinhos... Mas não pode, você vai se atrasar TRABALHO te enjaula todos os dias do ano impedindo-te de ver a luz do sol Ou deixando-te sob este horas a fio sem frescor n’alma Mas, o que te importa? Pagar as contas em dia? Ser um homem honesto? Um cidadão defensor da moral e dos bons costumes? O que te importa? Acostume-se Isso tudo não vai passar, vai trabalhar até morrer Produz riqueza, mas você não sabe e não vê Estamos perdidos em nós mesmos como formigas caminhantes Estranhamo-nos enquanto espécie: odiamos aquele que pegou nosso lugar!
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No ônibus - O assento é meu, eu vi primeiro! No carro - Esse cara na minha frente é um barbeiro!!! Sai da minha frente!!! E a buzina, como um desintegrador aperta-a sem temor Desconta a raiva que lhe consome O outro é o inimigo: ele lhe toma a vaga de estacionamento o assento, o lugar, o emprego Pisa no seu pé no metrô lotado Pode ser que o “belo” ou “bela” tome atenção de seu namorado Veste-se melhor; seu carro é maior; tem mais do que você A vida se torna um eterno querer Tempo? Deus ajuda quem cedo madruga? Mas na verdade ele dorme quando você está indo para o trabalho.
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Copacabana me engana Aqui de volta às ruas de um lar que não me pertenceu... Copacabana, aqui estou eu Copa cabana... você não me engana De verde amarelo, teu sorriso yellow Perde-se no azul, veste amarelo e verde esmeralda Copa, Copa, uma ilha de pó O mundo cabana metido a bacana: lixo e luxo em Copacabana E jogou fora a sua mocidade Asfalto x Morro = blindagem Copacabana fuleragem Pilantragem, traquinagem O mundo todo em torno de sua “umbiguice” Sandice Dinheiro sujo e lavado A vadiagem na fogueira das vaidades.
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A Falastrona Fala fala E se engana Diz que vai fazer... mas cai da cama Hora e meia, não consegue E como não consegue dia após outro se perde em milhares de afazeres Abre mão dos prazeres para dar conta dos fazeres As vezes lhe angustia o peito Afinal, são tantos os quereres Saberes... Precisa de saberes De saber mais do que o sabiá saberia assobiar... Vai ela, a falastrona Animada que só Empolgada como pó levado pelo vento Então se perde, e esquece mesmo, para onde estava indo Um vento lhe muda o sentido Mil ideias lhe sopram no ouvido Uma explosão de criatividade Euforia, triplos sentidos Uma explosão de empolgação Daí fala, fala, fala de montão... - Onde mesmo que estava indo? Perguntava-se E espalha-se no espalhamento do seu próprio tempo Um tempo que não pertencia ao mundo Um tempo só dela… Aquela Cinderela.
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Não ter mãe
Não ter mãe é não ter colo Não ter solo onde pisar Não ter mãe é não ter mastro Não ter leme Não ter barco para navegar Não ter mãe, é não ter guarida Não ter marmita para almoçar Não ter mãe é não ter referência Não ter estrela para se guiar Saudade que nunca passa Buraco imenso no peito Lamento terno e eterno Nó.
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O corte O corte foi de morte Leu palavra que não gostou Matou-me a esperança de um dia me curtir Cortada fui da sua lista de amores Vejo que ignora minhas dores E as cores da minha infância e das fotos das quais você se desfez Afinal, pouco se orgulha de seu passado Já não lembra mais que você que me fez E se desfez Insensatez Corte de amores Foi a corte que o ordenou? Como servo que és, acatou! Não protestou Vive em estado de servidão Mas perdeu seu chão Perdeu seu poder de se auto-admirar Perdeu seu passado e os seus Foi você quem disse E eu me calo Pouco falo Você, muito falho Costuro seu corte na minha colcha de retalhos.
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Nordestinamente A menina caminhava: pele alva. Nariz largo. Testa larga. Bochechas acentuadas. Cabelos encrespados. De vez em quando era apontada, pois tinha que ser bacana nas ruas de Copacabana. Disfarçando sua suburburbanidade, andava ela com sua pouca idade. Na flor da pós-puberdade, no início de seus 15 anos, trazia com ela Campo Grande, Realengo, Bangu, e uma solidão que ardia pra chuchu. Sem parente perto. Sem religião. Não pertencia. Seu problema era a perseguição: aquela era fria e costumava lembrá-la que pouco ela valia. Caminhava, então, com a cabeça em fantasias. Desejava se sentir bem e amada. Trilhou uma longa estrada. Por avenidas e vielas, andava ela. Carregava a sua nordestinidade, e um peito cheio de saudade. Por toda uma infância enraizada, arrancada em disparada, pelo azar da morte de sua mãe, coitada. Ficou sem norte. Doía-lhe o corte. O desencaixe cultural. Uma existência como um fardo. Cuidava “do vomitar e passar mal”. Ele muitas vezes só queria se livrar, pois por nada logo estava a expulsar. E ela, que não sabia calar, e não sabia o que falar, falava. E muitas vezes, por isso, apanhava, por sustentar opinião. Assomava-lhe um nó. Resolveu seguir só e esqueceu o caminho de volta. Passado ficou para trás. Infância não lembrava mais. Era o preço e as circunstâncias.
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Andou, andou por aí. Atravessou diversas vezes a cidade. Andou sozinha e cultivou liberdades. Em seu peito, o frescor da sua mocidade. Sua riqueza era a própria fortaleza da força que a fazia seguir... mesmo estando sozinha por aí. Tinha planos, apesar dos desenganos. Tinha sonhos, apesar de atravessar os mares de solidão. Andava com esperanças no coração. Andava, apesar da aflição. Andava buscando ouvir sua intuição. Andava exorcizando as palavras brutas que ouvira até então. Andou para fora daquele turbilhão e do lugar de desindentificação. Andou um montão. E chegou até aqui. Com a certeza que sempre terá aonde ir.
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Quebrar-se Adoecer Ficar ao léu Estar no véu de quem for te cuidar Estar aquém do tempo que há Da percepção que lhe podem dar Da apreensão de quem pode ter pra dar o tempo que há Quebrar: a rotina, a botina, o chão Vulnerável fica seu corpo e coração Adoecer... ficar à mercê a sua vida, o seu humor Ficar lá, seja lá como for Sem pé, nem cabeça Mas por favor não tenha dó Fenecer é coisa de ser vivente Não deixe de ser feliz e contente Todos iremos morrer É a ordem natural.
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Palavras escrita a giz Palavras escrita a giz ela as queria para ser feliz... amava o efêmero Ela escrevia, lia, apagava Ela escrevia, lia, e se mudava Mudava de casa quando as coisas davam erradas Mudava de móveis, de carro, de estrada... e se perdia em si mesma Do seu livro da vida as páginas não eram viradas Não aprendia com os próprios erros... Sentia-se na vida, no fundo, uma pobre coitada Só possuía páginas rasgadas... arrancadas da memória atordoada.
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Feminista
Universo feminino Universo feminino Sempre cheio de sensibilidade Emerso em doações Dado às relações e ao cuidado do outro Por isso muito além de prazeroso Árduo, comprometido Metido a herói e por isso, perdido em si mesmo já que heróis inexistem Ah, esse universo particular O buraco das perdas A superação de si mesma A dor de existir Refutar comparações Defender-se de opiniões Caminhar com multidões Não iludir os corações Batalhar contra o machismo Aprender o feminismo Apreender o marxismo E tentar ser eu mesma E além de tudo mãe um ser trabalhador remunerado ou não atarefado sempre pra sempre na tarefa de cuidar e se doar.
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A amaldiçoada Bati E bateria de novo se pudesse Pois você é uma mulher que se despe E isso eu não vou tolerar BATI E bateria de novo e demais Pois você é mulher que não se satisfaz Nasceste desde já com os pecados originais Parece que tem fogo nas tais... partes pudicas das quais nem é bom dizer o nome Deveria tu ter de nascer homem Mas tu és mulher e já nasceste despudorada Tu tens é fogo e gosta de ir na sua estrada Tu não me enganas Quando cresceres vai gostar de uma boa cama.
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A cultura do estupro E refletindo sobre a cultura do estupro... Aquela que produz filmes pornográficos Onde se vê a mulher objeto do prazer masculino E há sempre grupos de homens “comendo” uma mulher A cultura das revistas de mulher nua A cultura das milhares de páginas acessadas por namorados e maridos A cultura que faz com que o tesão do homem seja um compromisso da sociedade Responsabilizando mulheres a obrigação de saciá-los À mulher, o dever de “edificar” o casamento segundo a bíblia das protestantes A cultura do estupro Essa cultura que faz com que tenhamos que ser sexies e desejáveis como um pedaço de carne até os 70 anos Essa cultura que culpabiliza as mulheres por tudo por estarem sós, por serem belas ou não E colocam um “pau” no centro das disputas numa competição interminável.
Machismo velado O machismo é velado Por trás de cada maternidade pode existir um homem descansado.
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Lamento feminino Nessa relação me sinto tão acessório Às vezes uma presença não passa de suspensório Aquela que lembra da cerveja Aquela que pensa no jantar Aquela que comanda as crianças Aquela que liga para te procurar O fim do romance é o preço desse lar Afinal, é relação de abandono E sem engano, um amor profano sufocado por um plano de solidão Dor e confusão tortura ao coração.
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Ventre O som que sai do ventre e faz semeadura Armadura para a dura caminhada desta estrada escura Colore suas vestes e traz para si o cantar das passarinhas Passarinho, passarada Mulherada de pé na estrada viola na mão, poesia no coração Fazem roda e fazem morada Avante adiante na longa estrada Armada com flores, línguas, peitos, gestos, canções Trazem luz para essa cidade Reconstruindo a esperança nessa dança onde o tesouro é existir E não desistir.
Maternidade e Revolução Na barriga um ventre Nas mãos um mundo a transformar A maternidade é o cuidar E esse é um compromisso de todos? Ou pelo menos deveria ser Existirmos... A que será que se defina? Mundo, mundo vasto mundo... Se eu me chamasse Raimundo Seria uma rima ou uma transformação? Que a MATERNIDADE esteja prenha da REVOLUÇÃO.
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Quem é a Puta? É a puta que pariu? Que quebrou o seu punhal e tua ordem transgrediu? Te pôs no mundo de ponta abaixo? Virou seu cacho? Te deu mingau, varreu teu quintal Cuidou de curar o teu mal E no fim, cuspiste no prato que comeu.
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Verdades femininas Sobre renascer a cada ciclo de altos e baixos Sobre parir ou estar eternamente grávida Sobre estar atenta e quase onipresente em todas as coisas do dia a dia Sobre ser raiz, ser matriz, ser atriz agindo nos palcos da realidade Sobre as inúmeras verdades de se ser mulher e de se fazer o que se quer, o que puder Ser pau pra toda obra Estar pro que der e vier.
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Agigante-se Gorda ou gostosa? Aperta, vem, vê: sou maravilhosa! Por dentro sou moça prosa. Espalho as rosas em todo jardim. Vem...diz pra mim: meu colo é bom pra acalentar? Abraço macio, gostoso de apertar? Dá vontade de perpetuar, e ficar e ficar! Naquele afago? De se chegar... Veja. Sinta a completa presença que é a minha: corpo e alma abundantes. Veja, pois: o quão sou grande por fora, sou enormeeeeeee por dentro. Em mim cabe a emoção e o vento. Não o lamento. Cabe o afeto... e nunca a sua ideologia... Sua “GOR DO FO BIA”. Seu preconceito que você facilmente deixa escapar. Sai da minha frente que eu quero passar. Sai da minha frente que eu tô chegando para me MA NI FES TAR. Vou dar um chega pra lá, nesse seu olhar. No seu vigiar. Nesse seu julgar. Nesse teu falar. Vem pra cá, chega aqui. Fecha bem os seus olhinhos, e... Bora sentir!? Essa alface, eu juro, não te faz sorrir! Muito menos sua obsessão: magra, magrinha, magrelão. Não vê que a magreza não dá “tesão”? Não vê que essa ditadura traz depressão? Seja feliz... curta o bom. Curta o melhor! Sem dó. Sai da frente desse espelho que te enquadra. Vem, sua magra: se agiganta por dentro, e curte a vida sem lamento. Na água, na praia, no vento... Vem, se agiganta por dentro. Fofa, fofinha, gorda, gordinha, bem gostosinha! Linda assim, grande. Agigante-se! Poema dedicado ao SLAM das Minas RJ #slamdasMinasRJ
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O falo A flor não falha O falo fala e também oprime, comprime A flor é sublime O falo, às vezes, não Falo isso por milhares, pela opressão Um falo sem coração e com inveja da flor que dá a vida Essa é a história que está escondida A flor do matriarcado traída pelo falocentrismo Esse que traz ceticismo da fala feminina em diminuir a flor da menina a uma existência tolhida e monopolizada Que falo que nada... a flor floresce independente se o seu falo cresce.
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Amizade Amor Tesão
Relação Ação relativa de dois ou mais Ativa realidade de sociabilidade Social verdade de se viver De se ver, de se ouvir, de reter, de conter De laços, embaraços De braços Abraços Impressões Opiniões Mentiras ou verdades E muitas saudades.
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Amor de si Sinto Pelo tempo não amado Pelos desacertos de um tempo desencontrado Do meu sono desesperado quando se encontra insone Esse tempo que és por ti desocupado... sinto muito Por tanto que corri atrás Por tudo o que não vivi e também vivi De bom e de ruim De dúvidas e de certezas Mas.... Quem sabe amar? A si próprio, ótimo! A outro, raro! Ao mundo? Bravo Pois é a ele a quem pertencemos E parecemos Parecemos um, mas somos mais E parecemos dois, tão desiguais E seguimos assim Construindo projetos com fins Esse fim que não me larga e que também não me toca Ai, de mim: assim, assado A vida e o trem transpassado Trem da vida que não para de correr No sumidouro do espelho: segue eu mais você.
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O amor brota O amor brota: amanhece, anoitece, esmorece Obedece às regras da sociedade, empalidece Sobe e desce ladeira O amor bengala Aquele que você lembra quando precisa O amor embala A flauta é doce Mas a rapadura não é mole não O amor que é bala que só vem pra agradar O amor que é asa Livre! Que não vem para cobrar O amor irmandade Bem que vem pra somar O amor paixão Aquele que é pura idealização O amor avalanche Que te laça num lance Você não consegue desatar O amor esmeralda Aquele que verdeja a alma Aroma do campo a perfumar
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O amor besteira Aquele que te deixa de bobeira O amor espetáculo Aquele que vive mais de aparência O amor tormento Aquele que não te deixa só nem por um só momento O amor sacrilégio Aquele que te esquece na porta do colégio O amor supetão Aquele que te enche de tesão O amor danoso Aquele que te rói o osso O amor sombrio Aquele que te leva pra beira do fio.
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Redemoinho Com um redemoinho a roda da vida gira a girar Pessoas surgem e apontam caminhos Outras estão a seu entorno a sussurrar Qual é o fio da meada? Escute o som do eco É estrada É rouxinol é colibri É o ronronar do fim da estada. É o dia incerto de você vir.
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Amor meu Amo Mas amo assim Primeiro a mim Amo Mas amo primeiro o meu querer Amo Mas amo primeiro as minhas necessidades Amo E amo ao meu tempo E ao sabor das minhas verdades Amo Sentimento meu, que idealiza o outro Amor Sentimento meu de dominação Meu objeto de amor me suga, me tem Me tem como parte em sua vida Me tem como mártir em certa medida Amo O alicerce que me mantém feliz Amor Sentimento romântico que eu sempre quis Amo a liberdade do meu nariz.
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Líbido Era um, era dois, era mil. Mil beijos ardis Purpurina nos quadris, e uma doçura no ar Um jeito doce de amar e de sorrir De vez em quando pousava aqui certo pássaro vadio Encontrava palavras a fio e ninho para pousar Se aconchegava em sua nudez, amaciava suas carnes Tocava-lhe os seios como se a ele os pertencesse E sabia. Conhecia, o que sua boca queria A apertava sob o corpo e por um momento estava morto desfalecido pela libido de perfilar juntos o paraíso de existir.
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Devorar O amor é pensamento O amor é atitude O amor é lealdade O amor é amplitude O amor é um quilate O amor é um quitute e eu vou te devorar... e amar e amar e amar...
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O DITO PECADO
O dito no não dito O silenciado no falado O tesão na sua pele O meu corpo desejado O dito no não dito Aquilo que é velado Se meu encontro não fosse verbal Seria com certeza sexo bom e consumado Mas não faremos Não nos tomaremos A moral diz que é pecado Segue o encontro verbalizado O meu e o teu corpo, calado.
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Até quem sabe um dia Em um quarto escuro, sagrado, dormiu o profano Agitava-se um corpo por dentro Ardia-se, desejava-lhe Tremia-se, ocultava-se a chama... Espreita-a... E não queres?! Então chama Não, não. Ela diria: não! Mas questiona: por que então tanto motivo para palpitação!? Não sabe Mas como ímã... chamou-a para perto de si Chamou-a uma terceira vez Ela por fim... fez. Veio. Aninhou-se Gravitou na essência de seu cheiro Esperou pelo primeiro movimento dos músculos O vibrar da pele a refrear-lhe o impulso de posse Tomou-lhe o corpo como teu Saiu de si, mordendo-lhe as mamas sem pena Puxando-lhe os cabelos Ela avançou. Ele então se recolheu Não viera preparado para tanto Ela recolheu-se. Mas já não mais podia adormecer Pôs-se em decisão pela solidão E então se pôs a lhe proporcionar a exalação do divino prana Como um doce beija-flor a apreciar uma bela azaleia Adormeceu ele. Amanheceu ela Que partiria dali, reflexiva Até quem sabe um dia.
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Tesão Num toque o curto circuito No mote o desejo de lhe ter Beijar, morder, amar, lamber Me arrepiar com você Estar plena, entregue Suspirar minha alma de leve E com você ir ao paraíso do gozo Fazer-lhe moço proso Lhe morder o dorso E me aconchegar em você.
Fantasia Fantasia é brincar de amar você Fica somente o prazer de se estar com os corpos nus Gostoso pecado de tons azuis.
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Voavam as borboletas Voavam as borboletas Bem pra perto da flor Atraídas pelo aroma E a alma levitou Propôs-se o mote E a fome os arrebatou Levou-os a voar tão mais longe A bater as asas E a olhar além do horizonte e então mergulhar Embriagaram se de si Lambuzaram-se de sóis... de vós... de nós Entregando-se por completo Estavam repletos Repleto de alma Repleto de calma Repleto de cor Vigor Furor Torpor Na noite em que se encheram do cheio do amor.
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Coração Algo que quer bater incessantemente, dentro de mim Emoção do início até o fim Do nascer ao pôr do sol Em sentir o tempo correr Algo que me faz arder Querer se sentir amado Coração, afinal, não vive parado Emociona-se ao ouvir seres amados Coração aventurado E bate alto, alvoroçado E assa em brasa Coração ora mudo, ora calado Mas bate cedo e bate tarde Arde, mas também esfria Coração se contagia Sente, ri, chora cala, grita, se enamora Agita, palpita pede, implora.
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Naquela noite experimentada Doce amálgama aprovada entre nós De alma livre Alma pura Doce evento Pele nua Lisa, crua Tua e minha Minha e nossa Com toda bossa Toda nossa Todos nós Nós de pernas e abraços E línguas Amassos e grunhidos sem embaraço Abraços braços E beijos infinitos Suspiros do fundo do coração Consumando toda a emoção de existir.
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Espero Espero pelo silêncio Pela pulsação Quando meu corpo aquece E acelera o coração A energia flui sem nem mesmo encostar E o choque que dá ao encostar E a loucura que sobe no ar Espero Minha alma na tua Minha calma nua Eu despida de mim Camuflada em você Você em mim Grudado como planta e xaxim.
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PRIMEIRA EDIÇÃO IMPRESSA NA GRÁFICA META BRASIL PARA EDITORA CONEXÃO 7 EM DEZEMBRO DE 2019.
Flávia Valença Lima é geógrafa, cantora, dançarina, poeta. É mãe de Ilan e Anita. É mais uma mulher guerreira nessa vida de lutas, realizações
Este livro
e conquistas. Escreve desde sempre, como uma válvula de escape aos desafios da estrada. Escrever é vital. É a forma que canaliza todas as impressões, opressões, aspirações e revoltas. Se “em terra de cego quem tem olho é rei”, no fundo do seu eu, a caneta transforma-se em espada. Poesias são bombas que precisa espalhar pelo mundo. Derrubando muros e criando pontes. Agora lança
Este livro não se quer perfeito E para todos os efeitos não é sobre você e eu É sobre vós, sobre vozes Sobre algozes e também sobre alegrias Esse livro é sobre fantasias, sobre percepções É sobre emoções, sensações, sobre canções sobre poetas e profetas que sopram ao meu ouvido Sobre tormentos e rugidos Sobre tramas e cupidos Não trago nenhuma culpa ou expiação Meu escrito é uma doação.
aos quatro ventos, suas reflexões e sentimentos, através deste livro de poesias.
FVL #flaviavalencalimapoeta