Cartilha 'Memória e Patrimônio'

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Memória e Patrimônio Regina Márcia Moura Tavares

Cartilha

de

Educação Patrimonial

cartilha de educação patrimonial

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Regina Márcia Moura Tavares

Memória e Patrimônio Cartilha Leia

de

Educação Patrimonial

1.

o que é

MEMÓRIA

4

3.

16

1. Brinquedos e Brincadeiras:Patrimônio Cultural da Humanidade, Pontes Edts.,2a. edição, 2 vols, 2004, Campinas, SP. 2. Mudança de Rumo, Já: Herança Cultural, Preservação e Desenvolvimento, Pontes Edts., 2009, Campinas, SP.

PATRIMÔNIO

8 14

por que PRESERVAR

o patrimônio?

outras obras da autora

2. MEMÓRIA e

sumário

24

4.

5.

como PRESERVAR Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

qual a

responsabilidade

o patrimônio?

de cada um?

Tavares, Regina Márcia Moura Memória e patrimônio : cartilha de educação patrimonial / Regina Márcia Moura Tavares = = Campinas, SP : PCN Comunicação, 2019. 1. Educação e cultura 2. Locais históricos 3. Monumentos 4. Patrimônio cultural 5. Patrimônio cultural - Preservação 6. Preservação histórica I. Título. 19-27237

CDD - 363.6909 Índices para catálogo sistemático:

1. Patrimônio histórico e cultural : Memória e preservação : História 363.6909 Iolanda Rodrigues Biode = Bibliotecária = CRB-8/10014

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reginamarciacultura.com.br Equipe de Produção Pesquisa: José Pedro Soares Martins Fotos: Martinho Caires e Acervos Institucionais e Pessoais Projeto Gráfico e Diagramação: Fabiana Pacola Ius PCN Comunicação - Campinas (SP) - 2019

cartilha de educação patrimonial


Olá, sou a Regina Márcia Moura Tavares. Sou antropóloga e educadora, fui professora e diretora do Instituto de Artes e Comunicação da PUC-Campinas e do Centro de Cultura e Arte onde coordenei o Museu Universitário, conselheira do Condephaat e do Condepacc, entre outras inúmeras atividades ligadas à Cultura e ao Patrimônio e gostaria de conversar com vocês sobre memória, patrimônio histórico, patrimônio material e imaterial. Por que tudo isso é tão importante em nossa vida? Podemos fazer alguma coisa para proteger o nosso patrimônio? Vamos falar aqui de conceitos gerais, que valem para o Brasil e o mundo, mas vamos citar muitos exemplos concretos de Campinas e outros municípios da Região Metropolitana. Vem comigo! cartilha de educação patrimonial

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1. o que é

MEMÓRIA

Começamos a nossa conversa com uma pergunta: o que é memória de um povo?

Memória é o que nos lembramos do passado: de nossa família, de nossa cidade, de uma região, de nosso país, avós, parentes, vizinhos, de nosso tempo. Memória, portanto, é algo bem vivo e dinâmico. Não estamos a todo momento nos lembrando de alguém, de um fato, de um objeto? Positiva ou negativa, essa memória continua fazendo parte da gente e nos impactando. Então, como pode ser viva a memória, a lembrança do passado?

Conseguimos manter viva essa memória, essa lembrança de uma pessoa, de um lugar, de um povo, de várias formas. Seja 4

através de objetos, cartas e diários, seja por fotografias, desenhos, edifícios, paisagens, textos escritos, livros, obras de arte (esculturas, pinturas, gravuras), maquinários e ferramentas. Tudo enfim que possa ser um documento, um testemunho do modo de vida de um povo, de uma cidade, de um lugar, nos ajuda a preservar a memória. Uma Igreja, por exemplo, como as que temos em todas as

nossas cidades, contribui para a preservação da memória de um povo, de uma comunidade. No caso do Brasil, as Igrejas nos remetem ao nosso passado, de grande influência católica na formação da população. Depois vieram, claro, Igrejas de outras denominações cristãs e demais credos religiosos. Todas elas guardando a memória da espiritualidade, das diferentes linhas religiosas.

Catedral Nossa

de

Senhora da Conceição, no centro de

Campinas

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saiba mais

Por que cartas e diários fazem parte da memória de um povo?

Porque dizem dos fatos e dos problemas ocorridos nos tempos passados. Por exemplo, podem nos falar dos afetos, da economia, da saúde, da diversão, da educação de uma população do passado. Então, uma certidão de nascimento também faz parte da memória?

Sim, porque é um registro de parentesco e uma maneira de documentar a existência das pessoas. Que objetos fazem parte da memória, ajudam a preservar nossa história?

Uma cadeira, uma mesa, uma lâmpada, um prato, até um sapato ou um vaso podem ser testemunhas dos recursos para se fazer as peças necessárias à vida de cada dia de uma população, num determinado momento. cartilha de educação patrimonial

Museu Universitário da PUC-Campinas

Fotos: Acervo PUC-Campinas

Museu Universitário da PUC-Campinas, também na região central de Campinas

A importância dos museus

Um lugar especial para a preservação da memória de um povo é o museu. Em qualquer uma de nossas cidades existe pelo menos um museu, ou um centro de memória, para ajudar a proteger a história de uma ou mais pessoas, de um grupo social ou da comunidade toda. Nos museus estão todos esses materiais e objetos que citamos, cartas, documentos, móveis, que contam a vida de uma população e que chamamos de patrimônio móvel.

Um caso concreto da importância de um museu para a preservação da memória é o do Museu Universitário da PUCCampinas. Ele reúne uma das principais coleções de objetos e arte indígena do Brasil, fruto das expedições realizadas por pesquisadores como Alfonso Trujillo Ferrari e Desiderio Aytai. O Museu mantém outras coleções, como a de Brinquedos e Brincadeiras, típicas do patrimônio imaterial. 5


o que é

MEMÓRIA

E a paisagem, também é Memória?

Sim. Através da paisagem - no campo ou na cidade - podemos nos identificar com nosso meio ambiente. É importante essa Memória porque através das modificações ocorridas no meio ambiente podemos acompanhar seu desenvolvimento e ocupação e com ele continuar identificando-nos. A preservação da paisagem é benéfica por vários motivos. Ela ajuda a manter o ambiente original, nativo, antes da ocupação pelas diversas atividades humanas. Hoje também é sabido que a preservação de uma mata, por exemplo, é determinante para a preservação da 6

diversidade de espécies, vegetais e animais, e até para o equilíbrio climático. Um caso significativo na Região Metropolitana de Campinas é o da Mata de Santa Genebra, que fica no distrito de Barão Geraldo, em Campinas. A Santa Genebra é um dos fragmentos da imensa Mata Atlântica que cobria todo o litoral brasileiro, de norte a sul do país, antes da ocupação pelos portugueses e outros povos europeus. É uma floresta tropical, com enorme biodiversidade. Um patrimônio natural que merece e precisa ser conhecido e preservado!

Mata de Santa Genebra, Mata Atlântica em Campinas

fragmento de

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Vamos pesquisar a lista completa dos Patrimônios Culturais e Naturais Mundiais no Brasil?

Por que a fotografia é um documento do passado?

Porque desde seu invento, há mais de 150 anos, a fotografia mostra claramente a maneira de vestir, os penteados, a pobreza e a riqueza dos bens dos fotografados. Ao mesmo tempo, documenta com fidelidade a paisagem urbana e rural: o campo, suas árvores e espaços; a cidade, com o tipo de edifícios que existiam naquele tempo. Enfim, a fotografia é uma forma muito especial de preservar a memória de pessoas e lugares. HERCULE FLORENCE

Pois a região de Campinas tem muito a ver com a história da fotografia. Um cientista nascido em 1804 em Nice, na época italiana e hoje na França, de nome Antoine Hercule Romuald Florence, veio viver e trabalhar no Brasil, onde se tornou conhecido como Hércules Florence. Por vários motivos ele passou a morar em Campinas, onde entre 1832 e 1833 fez estudos pioneiros em fotografia, de modo simultâneo ao de outro francês, Louis Daguerre. cartilha de educação patrimonial

Vivendo no interior do Brasil, em uma época com poucos recursos de comunicação, Florence não teve o reconhecimento obtido por Daguerre, que se tornou o pai da fotografia, embora muitos pesquisadores considerem que o verdadeiro foi mesmo Hercule ou Hércules. Falecido em 1879, Florence é autor de muitos outros inventos e já merecia um museu em seu nome!

saiba mais Patrimônio Cultural e Natural da Unesco

A preservação do patrimônio natural é uma preocupação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em 1972, em sua 17ª sessão, em Paris, França, a Unesco aprovou a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. O documento ressalta a importância de proteção do patrimônio cultural dos povos, mas também dos patrimônios naturais. 7


2.

MEMÓRIA e PATRIMÔNIO

Já falamos muito sobre memória. E patrimônio, o que seria?

Ao longo de muitas gerações, cada povo, cada população de uma dada região ou de uma cidade acumula uma Herança Cultural, ou seja, um Patrimônio que se consubstancia em um conjunto de bens, materiais e imateriais, fruto das relações desta mesma Humanidade com o seu meio natural e com os demais indivíduos da coletividade.

Colégio Culto à Ciência,

Que edifícios são parte da memória e devem ser, então, preservados como parte do patrimônio histórico?

Aqueles edifícios que são referências locais, os que têm significado histórico e os de significado artístico, sem levar em consideração se eles são ricos ou pobres. São vários edifícios com esse perfil, na Região Metropolitana de Campinas, que devem ser considerados parte do patrimônio histórico. Podemos citar o prédio do Colégio Culto à Ciência, de Campinas. O Culto à Ciência começou a funcionar no dia 8

em estilo neoclássico

12 de janeiro de 1874, em um prédio construído no estilo neoclássico. Ele é resultado da ação de várias lideranças de Campinas, ligadas à Loja Maçônica, que defendiam um ensino laico, livre das influências da Igreja Católica ou outras religiões, e que também tivesse aspirações republicanas. Naquele momento, final do século 19, Campinas era o centro da luta pela República no país e o Colégio Culto à Ciência é um ícone dos ideais republicanos que estavam circulando em toda nossa região. cartilha de educação patrimonial


Maquinários e ferramentas também integram a memória e, portanto, também integram o patrimônio histórico?

Sim, máquinas e equipamentos são muito representativos da cultura de um povo, de como esse povo vive, trabalha e mantém suas relações sociais. Assim, todos os maquinários e ferramentas que indicam relações entre o tempo e o trabalho são parte da memória. Tanto um machado quanto uma máquina são documentos que podem explicar o trabalho do passado ou do presente. São a memória que se traduz em patrimônio a ser preservado. Um dos exemplos mais importantes de máquinas e ferramentas que explicam a história e traduzem o patrimônio em nossa região é o da herança das ferrovias. A região de Campinas teve importantes ferrovias, sobretudo a Companhia Paulista, fundada em 1867 e inaugurada a 11 de agosto de 1872, e a Companhia Mogiana, inaugurada em 1875. As ferrovias estão ligadas à história do café nessa região do estado de São Paulo. O café é parte fundamental da memória desse território paulista, pois foi o produto que impulsionou a economia regional e motivou o crescimento enorme das nossas cidades, em termos populacionais e políticos. cartilha de educação patrimonial

Estação central da Companhia Paulista, atual Estação Cultura

Por falar nisso, como estão as estações ferroviárias em nossas cidades? Estão preservadas? Elas dizem algo para as populações de hoje? Existe algum trabalho sendo feito mostrando a sua relevância para a memória e cultura locais?

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MEMÓRIA e PATRIMÔNIO Vamos conversar agora sobre um aspecto bem especial da memória e da cultura de um povo e que também pode ser considerado parte do patrimônio histórico. Vamos falar de arte. Uma obra de arte é patrimônio?

Sim. Os artistas podem produzir obras que são reprodução imitativa da realidade exterior (como paisagens, retratos, interiores de casas, etc.), ou de sua imaginação motivada por um tema (temas religiosos, por exemplo), ou baseados em sua interioridade. Nesse último caso seus trabalhos podem até ser abstratos, sendo predominantes os valores das cores, do gesto do artista ou de sua racionalidade, o importante é que o resultado de seu trabalho é sempre reflexo do momento e do lugar em que vivem. Portanto, as obras de arte são documentos de nossa Memória, pois os artistas têm uma sensibilidade especial para captar o espírito do tempo em que vivemos. São potenciais criativos e alternativos da produção humana, sem o imediatismo utilitário. Claro, também são essenciais no patrimônio histórico de uma cidade, de um povo. 10

Peças do Museu de Arte Sacra: Nossa Senhora do Rosário, de 1774, e Nossa Senhora da Conceição, de 1883

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Museu de Arte Contemporânea de Campinas ‘José Pancetti’

Temos vários exemplos de museus em nossa região de Campinas, que guardam coleções de arte que espelham a memória, a identidade, a cultura dessa parte de São Paulo e também do Brasil. Um deles é o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Campinas. Como o nome diz, pertence à Arquidiocese de Campinas. O Museu guarda importante acervo de arte religiosa, com muitos exemplares da arte barroca representativa de um dos momentos culturalmente mais ricos – e dolorosos – da história do Brasil Colônia. O Museu Arquidiocesano começou a funcionar na Catedral Metropolitana de Campinas e hoje está instalado no Palácio Episcopal, no bairro Nova cartilha de educação patrimonial

Qual museu com arte clássica, moderna ou contemporânea que você visitou recentemente?

Campinas. Merece ser visitado! Também precisa ser sempre visitado o Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC), que leva o nome de “José Pancetti”, em homenagem ao famoso pintor que nasceu na cidade. O Museu reúne relevante coleção de obras de arte moderna e contemporânea produzidas por artistas que procuravam se libertar das amarras da arte acadêmica clássica, também muito importante para sua época. Grande parte do acervo permanente do MACC é de obras produzidas ou adquiridas por ocasião das edições do Salão de Arte Contemporânea de Campinas, um dos mais badalados do Brasil nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Nomes que se tornaram internacionais, como Antonio Peticov, Tunga, Claudio Tozzi e Bia Wouk, expuseram nos Salões de Arte Contemporânea de Campinas, que infelizmente não são mais realizados, em uma das grandes perdas para a cultura local. 11


MEMÓRIA e PATRIMÔNIO Uma pergunta é necessária nesse momento: o que é a memória social acumulada?

Memória social acumulada é tudo aquilo que foi produzido e compartilhado por uma população em vários momentos de sua caminhada histórica, constituindo o seu patrimônio cultural. A esse respeito a Região Metropolitana de Campinas tem uma riqueza imensa a exibir. São vários os povos, vindos de diversas nações, que ajudaram a construir a região, e portanto o Brasil, e que deixaram suas marcas profundas na formação de nossa cultura. A cultura brasileira é uma das mais ricas do mundo por isso, porque é fruto da mescla de valores de muitas outras culturas, como a dos povos indígenas que moravam por aqui antes dos portugueses. Também é crucial a contribuição 12

Sociedade italiana no Largo de São Sebastião. Valinhos, SP, 1910. Reprodução, autor desconhecido. À esquerda, partes da antiga escadaria principal da primeira Matriz de São sebastião

da cultura negra, que temos em função dos escravos que vieram aos milhões da África para trabalhar nas lavouras de café e em outras situações. E temos, claro, a cultura dos povos europeus, como os portugueses que vieram primeiro. Mas também vieram os italianos, os alemães, os suíços, os norteamericanos, os letos, os sírios e libaneses, os judeus, enfim, povos de várias origens que ajudaram a Hoje Valinhos é a Capital Nacional do Figo Roxo, mais uma herança dos italianos que ajudaram a construir a diversificada cultura brasileira. É memória, é patrimônio histórico!

fazer o grande caldeirão cultural brasileiro. Na nossa região, temos uma forte presença italiana, como nos municípios de Valinhos e Vinhedo. Os italianos vieram para trabalhar nesses locais no final do século 19, em substituição à mão-de-obra negra, antes e depois da Abolição. Vieram para trabalhar sobretudo nos cafezais, mas os italianos, como outros povos, trouxeram a sua cultura e dentro dela produtos como a uva, que passaram a difundir e cultivar. Hoje a Festa da Uva de Vinhedo é uma das principais do gênero no Brasil. Em Valinhos, os italianos também introduziram a uva e outros hábitos culturais que se tornaram a marca da cidade. A principal delas é o figo roxo, que passou a ser cultivado em 1901 por um imigrante italiano, Lino Busatto. cartilha de educação patrimonial


E você, conhece quais comunidades originárias de outros países que vivem em nossa região e nos enriquecem com seus costumes, suas línguas, suas ideias? E chegam os holandeses!

Todos sabem o horror que foi a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. Foi o episódio mais terrível da história da humanidade, com milhões de mortos e cicatrizes que até hoje não estão fechadas. Uma das consequências do conflito, que atingiu todo planeta mas principalmente o território europeu, foi a migração de milhões de pessoas da Europa para outras partes do mundo. Este foi o caso de holandeses que se dirigiram para vários países, inclusive o Brasil. Mais especificamente, em nossa região holandeses se estabeleceram no local onde hoje é o município de Holambra, depois da aquisição de terras com apoio do governo holandês. O dia 14 de julho de 1948 marca a fundação da Cooperativa Agro Pecuária Holambra, cujo nome é a soma de: HOLanda, América e BRAsil. cartilha de educação patrimonial

Divulgação / Prefeitura de Holambra

Marco histórico de Holambra, fundada em 1948

A cooperativa rapidamente cresceu e se fortaleceu e em 27 de outubro de 1991 foi realizado um plebiscito que resultou na autonomia do município de Holambra, com terras

antes pertencentes a Jaguariúna, Artur Nogueira, Cosmópolis e Santo Antônio de Posse. No dia 1º de janeiro de 1993 tomou posse o primeiro prefeito eleito de Holambra. Holambra se tornou referência nacional e internacional em cultivo de flores. No Museu Histórico e Cultural de Holambra está depositada parte da história desses migrantes holandeses que se estabeleceram na região. São justamente objetos que já citamos, como móveis, cartas e outros documentos, que ajudam a contar a história e a preservar a memória e o patrimônio cultural de um povo. Sim, temos outros povos que ajudam a fazer a história de nossa região. Caso dos japoneses em Campinas e outros municípios, dos norteamericanos em Americana e Santa Bárbara d´Oeste, dos letos em Nova Odessa e muitos outros. 13


PRESERVAR 3. poroque patrimônio?

Fotos: Acervo Pró-Memória de Sumaré

Por que preservar o patrimônio?

Cada povo precisa saber quem foi, o que fez, como pensaram e sentiram seus antepassados, a fim de compreender melhor o momento em que vive e ser capaz de programar seu futuro. Assim sendo, preservar a herança cultural não é simples “saudosismo” ou uma irritante mania de pessoas velhas, mas uma necessidade para uma população continuar existindo bem e livremente. Final da Primeira Guerra Mundial, Bar Paulista, 1918/1919

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Estação Ferroviaria de Rebouças, inaugurada em

1875

Todos os países, hoje, têm essa mesma preocupação?

Cada dia mais as populações nacionais compreendem que, sem a preservação do patrimônio cultural, o desenvolvimento será artificial e efêmero e as chances de um povo ascender e permanecer em condições de igualdade ao lado de outro dependem diretamente da sabedoria que tiver para acrescentar à sua herança cultural o complemento vindo de outra sociedade. cartilha de educação patrimonial


saiba mais Patrimônio Cultural Pró-Memória de Sumaré Fotos: Acervo Pró-Memória de Sumaré

Atilio Foffano no seu Armazém de Secos e Molhados Fundação Sociedade Musical Reboucense, em 1900

Anualmente o Pró-Memória publica uma revista, comemora a Semana da Memória no mês de outubro e promove um Fórum no mês de novembro. www.promemoriasumare.com.br

Na cidade de Sumaré foi criada uma instituição com importante papel na proteção da memória e do patrimônio histórico local. É a Associação Pró-Memória de Sumaré, uma entidade privada, sem fins lucrativos. Foi fundada no dia 14 de janeiro de 2004 e está instalada no prédio do Centro de Memória “Thomaz Didona”, na Praça da República n. 102. O objetivo da entidade é a recuperação, preservação e divulgação da História de Sumaré. Seu acervo é composto de 250.000 papéis, volumosa coleção de jornais, mais de 117.00 mil fotografias digitalizadas, livros impressos e manuscritos, documentos, quase todos catalogados, classificados ou digitalizados, estando disponíveis à consulta da população.

Comissão de Emancipação Política no Palácio 9 de Julho, em 1953

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PRESERVAR 4. como o patrimônio? Como preservar o patrimônio

Existem alguns passos que devem ser dados para a preservação do patrimônio histórico de uma cidade: 1. Em primeiro lugar é necessária a identificação do bem a ser protegido (uma casa, uma Igreja ou outro prédio ou uma manifestação cultural especial). 2. Feita a identificação, é aberto um processo junto ao órgão que deve cuidar da proteção daquele patrimônio.

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Então, quem identifica o patrimônio que deve ser preservado?

Sempre deverá ser a população, aquela que definirá o que deve ou não ser preservado do passado no presente e incorporado no futuro. Nas sociedades mais complexas houve a necessidade de se criar instituições e órgãos estatais com a finalidade de cuidarem da preservação do patrimônio cultural. Por exemplo, os museus trabalham com os artefatos, as bibliotecas com a produção intelectual, os arquivos com os documentos, os centros de memória com variados registros, os áudio-videotecas com audiovisuais, etc.; o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é um órgão federal que cuida das instituições que trabalham com a herança cultural acumulada, com os sítios de valor histórico, artístico e ambiental para a sociedade brasileira; da mesma forma, o CONDEPHAAT - Conselho da Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico, Turístico do Estado de São Paulo há 25 anos preocupa-se

Mercado Municipal de Campinas, inaugurado em 1908

com a preservação patrimonial, inclusive áreas naturais, do Estado de São Paulo. Nos municípios existem os Conselhos Municipais do Patrimônio, como o que existe em Campinas: Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC). cartilha de educação patrimonial


saiba mais Mercado Municipal de Campinas Como a população pode interferir e ajudar na ação preservacionista?

Sempre que alguém ou um grupo estiver preocupado com a manutenção de um bem social deve dirigir-se ao órgão público solicitando apoio para a efetivação da proposta; apoio, porque a preservação deve ser um ato coletivo, da responsabilidade de toda uma população que se quer conhecer e reconhecer. Quais as medidas de proteção do patrimônio?

Depois de feita a identificação do bem a ser preservado, e de aberto o processo no respectivo órgão de proteção do patrimônio, existem alguns possíveis recursos para a proteção desse bem. O objeto, edifício ou manifestação cultural é protegido por algum órgão público ou por uma instituição que recebe autorização do setor público. O meio mais importante para a cartilha de educação patrimonial

proteção do patrimônio é o tombamento, geralmente aplicado em relação a um edifício, um monumento ou uma área natural de grande relevância para a história do respectivo município, Estado ou do país. Assim, o bem tombado, de natureza artística, arquitetônica ou cultural, torna-se um patrimônio público, que merece toda a atenção do Estado e da sociedade.

Um edifício que, por sua importância histórica e para a memória da comunidade, mereceu a proteção através do tombamento é o Mercado Municipal de Campinas. O Mercadão, como é conhecido, funciona em um prédio projetado pelo grande arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, que assinou importantes obras de Campinas. A inauguração do Mercado Municipal aconteceu em 1908, durante o governo de Orosimbo Maia. O prédio principal tem o estilo mourisco, pouco encontrado na região. O Mercadão foi tombado pelo CONDEPHAAT, estadual, em 1983, e pelo CONDEPACC, de Campinas, em 2015. 17


como PRESERVAR o patrimônio? Por que os bens materiais, tais como prédios, monumentos e sítios arqueológicos são alvos mais freqüentes da ação preservacionista a nível municipal, estadual e federal?

Sempre a construção de pedra, de adobe, tijolos e outros materiais do gênero resistiram mais à passagem dos anos, dos séculos e até dos milênios. Desta forma, a ação preservacionista centrou grande parte de suas forças na conservação desses testemunhos do passado, representativos do patrimônio material de uma comunidade, de um país, não significando absolutamente que outros produtos da criatividade do homem de uma dada sociedade não sejam de interesse para a preservação. Entretanto, cada vez mais as sociedades, e dentro delas profissionais como historiadores, antropólogos, sociólogos e outros, têm manifestado a sua preocupação com aspectos da cultura que não são necessariamente traduzidos em um objeto ou edifício. São bens culturais como danças, comida e música que podem ser considerados como patrimônio imaterial daquela comunidade ou país. 18

Adriano Rosa

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saiba mais a importância do Jongo

Viola caipira, Capoeira e Jongo são exemplos de patrimônio cultural imaterial

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Desde o ano de 2013 o Jongo é considerado patrimônio imaterial de Campinas. O Jongo – também conhecido como Tambu ou Caxambu – é uma forma de expressão artística e cultural que reúne percussão de tambores, canto e dança. Típico da Região Sudeste, era praticado pelos trabalhadores escravizados de origem bantu, nas lavouras de café e de cana-deaçúcar, como meio de lazer e resistência à dominação colonial. Os saberes e práticas foram transmitidos de geração a geração. Um dos introdutores do Jongo em Campinas

é Dito Ribeiro, mineiro que chegou à cidade na década de 1930 e sempre praticou a dança em sua casa. Em 2002 a neta de Dito Ribeiro, Alessandra Ribeiro, passou a organizar a Comunidade Jongo Dito Ribeiro, que realiza suas atividades a partir da Fazenda Roseira. No ano de 2005 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) reconheceu o Jongo como patrimônio cultural do Brasil. Além do Jongo, a Capoeira, de enorme importância para a cultura afro-brasileira, é Patrimônio Cultural Imaterial de Campinas. 19


como PRESERVAR o patrimônio? Brinquedos e brincadeiras: patrimônio da humanidade

Não podemos falar de patrimônio cultural imaterial sem citar os brinquedos e as brincadeiras. Eles são verdadeiros patrimônios culturais da humanidade e, no mundo atual, cheio de tecnologia, de brinquedos virtuais, é cada vez mais importante a sua preservação e proteção. Amarelinha, Barra Manteiga, Cabo de Guerra, Dança da Cadeira, Elástico. Podemos citar dezenas de brincadeiras que ocorrem em todo Brasil, para cada letra do alfabeto. E temos brincadeiras diferentes para cada localidade ou região do país. A brincadeira tem determinado nome em uma região, outro nome em outra região. São muitas, ainda, as brincadeiras típicas e exclusivas de uma região, representativas da cultura dessa região, de sua comunidade. As brincadeiras são fundamentais para o desenvolvimento das crianças. Através delas 20

ocorre o desenvolvimento cognitivo, emocional e intelectual das crianças, motivo pelo qual a infância e a educação infantil devam ser o momento privilegiado para os brinquedos e brincadeiras. Mas apesar dessa relevância os brinquedos e brincadeiras nem sempre foram considerados patrimônio cultural de um povo, de um país. Por

Brincadeiras: patrimônio da humanidade

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Vamos elencar algumas brincadeiras antigas, que nossos pais e avós nos ensinaram e não vemos mais nas ruas?

isso mesmo tivemos a iniciativa de realizar várias ações, pelo devido reconhecimento dos brinquedos e brincadeiras como patrimônio cultural da humanidade. Em 1990 essa iniciativa recebeu o selo Década Cultural Mundial pela própria Unesco, o principal órgão de defesa do patrimônio cultural internacional, como já vimos. Em maio de 1994, depois de vários esforços, realizamos em Campinas o I Encontro LatinoAmericano de Brinquedos e Brincadeiras Traddicionais, que recebeu o apoio da Organização dos Estados cartilha de educação patrimonial

Americanos (OEA), Polícia Militar e PUC-Campinas, que sediou o evento. Depois desse aconteceram vários eventos promovendo os brinquedos e brincadeiras como Patrimônio Cultural da Humanidade. Um acervo significativo de brincadeiras, por sua vez, e uma documentação extensa resultante de projeto de pesquisa de muitos anos receberam abrigo no Museu Universitário da PUC-Campinas, sobre o qual já falamos no início de nossa conversa. 21


como PRESERVAR o patrimônio? Patrimônio científico e tecnológico

Um aspecto muito importante da memória e da cultura de um povo é o do seu patrimônio científico e tecnológico. Os avanços na ciência e tecnologia dizem muito sobre o estado de desenvolvimento em que se encontra um país, uma sociedade. Então, preservação e desenvolvimento científico e tecnológico e urbanístico, podem andar juntos?

Não só podem, como devem. Toda a consistência de um projeto de desenvolvimento de uma sociedade depende da forma inteligente e crítica com que a mesma souber alinhavar o conhecimento do passado às mudanças e acréscimos do presente. Nesse sentido a Região Metropolitana de Campinas tem sido uma referência em desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil e esse patrimônio também merece e 22

precisa ser preservado. A região foi o local, por exemplo, das já citadas ferrovias, fundamentais para o crescimento das cidades e desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. As ferrovias eram e sempre serão símbolo de um avanço tecnológico em mobilidade, representando um salto enorme em relação ao transporte que durante séculos foi feito de forma rudimentar. No século 20 a RMC foi o palco de outros avanços científicos e tecnológicos incríveis, a partir da criação de universidades como a PUC-Campinas, Unicamp e outras e, também, de centros e institutos tecnológicos de grande importância, como o CPqD, Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) e, nos últimos anos, o Projeto Sirius, principal iniciativa em ciência na história recente do Brasil. Tudo isso representa um patrimônio cientifico e tecnológico que deve ser melhor conhecido pela população, para que receba o devido reconhecimento e valorização. cartilha de educação patrimonial


Você já parou para ver a beleza que são esses edifícios, ou apenas circulou pela avenida sem olhar para o seu lado esquerdo? Já teve curiosidade de fazer uma visita ao IAC? Sua escola já agendou uma visita de estudos nele? Saiba mais no site: www.iac.sp.gov.br

saiba mais o Instituto Agronômico de Campinas

Não é possível falarmos de patrimônio científico e tecnológico sem citarmos o Instituto Agronômico de Campinas, que criou a tradição de Ciência e Tecnologia na RMC. O Instituto Agronômico, ou IAC, como é conhecido, foi fundado em 1887 pelo imperador D.Pedro II, como Estação Agronômica Imperial, mas não demoraria muito para se tornar um símbolo do movimento republicano. Inicialmente o Instituto Agronômico concentrou-se em pesquisas sobre o café e seus eventuais substitutos, mas com o tempo passou a se dedicar a outros produtos agrícolas. Grande parte dos alimentos consumidos diariamente pelos brasileiros é derivada das pesquisas do IAC, que continua sendo o local de estudos relevantes para o desenvolvimento agrícola nacional. cartilha de educação patrimonial

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RESPONSABILIDADE 5. qualdeacada um ? Já deixamos claro em nossa conversa que a preservação da memória e do patrimônio histórico e cultural é um dever de todos nós, de toda nossa sociedade. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 216, determina que constituem patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, 24

paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Pois esse mesmo artigo 216 estabelece, em seu parágrafo primeiro, que “o poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. Ou seja, pela Constituição brasileira, a proteção e preservação da memória

e do patrimônio são tarefas do poder público em conjunto com a sociedade. Cada cidadão brasileiro tem, em resumo, o direito e o dever de contribuir para a proteção do seu patrimônio, que é o espelho de sua vida, de sua comunidade, de seu povo. O nosso patrimônio histórico e cultural é o que define a nossa identidade como povo brasileiro, formado pela mestiçagem de várias raças e pela contribuição de diferentes povos. Um exemplo de diversidade para o mundo! cartilha de educação patrimonial


Uma ciranda para a preservação do patrimônio cultural brasileiro pode ser o início de nossa tardia, mas efetiva independência! Dessa forma, crianças, jovens, executivos devem participar da ação preservacionista?

Sim. Todos podem e devem participar desse grande esforço nacional de preservação e proteção de nosso patrimônio histórico, natural e cultural, material e imaterial. E tudo começa pelo conhecimento, pela informação, pela educação. O desconhecimento de alguma coisa gera, sempre, um gesto inicial da antipatia ou de indiferença. Buscar a informação desperta o gosto e admiração pelo objeto.

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Tânia Rego / Agência Brasil

MUSEU NACIONAL

Todo brasileiro acompanhou com muita tristeza o incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro de 2018. Milhares de objetos que ajudavam a contar a história do Brasil e do mundo queimados e desaparecidos para sempre. Perda sem tamanho, decorrente do desprezo com a memória e patrimônio de vários povos. 25


qual a RESPONSABILIDADE de cada um ? Pois bem. Nesta nossa conversa enfatizamos alguns pontos principais: O que é memória? O que é patrimônio histórico? Por que é importante preservar a memória e o patrimônio? Relevância do patrimônio cultural e natural. Características do patrimônio material e imaterial. Passos principais para a preservação do patrimônio. O que é e quem faz o tombamento de um bem, material ou imaterial. Quem pode lutar pelo patrimônio.

Ficou alguma dúvida?

Para encerrar, seguem sugestões de atividades para que todos nós, cidadãos brasileiros, lutemos pela preservação de nossa memória e de nosso patrimônio, cultural e natural, material ou imaterial: 26

Centro de Ciências, Letras e Artes: fundado em 1901, por intelectuais e pesquisadores de

Campinas, exemplo de proteção da memória e do patrimônio cultural

1.Safari fotográfico

Caminhada pelas ruas de nossa cidade, para identificação e documentação fotográfica de itens de nosso patrimônio: igrejas, edifícios históricos em geral. 2.Visitas a museus e centros de memória

Convidar a quem não conhece para visitar os museus ou centros de memória em nossas cidades.

3.Órgão municipal de proteção

5. Maravilhas locais

Vamos pesquisar sobre qual o órgão público que é responsável pela proteção e preservação do patrimônio histórico e cultural em nossa cidade?

Promoção de concurso sobre quais seriam as maravilhas do patrimônio, cultural e natural, de nossas cidades.

4.Rodas de conversa

Realização nas escolas de palestras e outras atividades para mostrar brincadeiras antigas, que estão um pouco esquecidas em nossas comunidades

Promoção de rodas de conversa, em escolas, centros comunitários, sobre o patrimônio histórico em nossas cidades

6.Brinquedos e brincadeiras

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Cada um pode fazer alguma coisa importante para preservar a memória e os usos e costumes de sua comunidade contribuindo, desta forma, para a preservação da cultura da sociedade em que vive, o seu maior patrimônio.

Espero sinceramente que os conceitos e ideias que discutimos aqui, com muitos exemplos práticos, contribuam para olharmos de forma mais atenta para os bens culturais, materiais e imateriais, que nos cercam e ajudam a dar sentido a nossas vidas.

Muito obrigado pela companhia!

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Memória e Patrimônio Cartilha

de

Educação Patrimonial

O PASSADO NO PRESENTE PARA O FUTURO

Apoio Cultural

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