D I S T R I B U I Ç Ã O G R AT U I TA
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Ta u a n a
Sofia
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Tr a n s p i r a
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Apartamentos
Madama Br000 na • Cabo Polonio • Ficção • Lano -Alto
ve rdes
# 0 0 1 • V E R ÃO 2 0 19
Solstício
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Te n d ê n c i a s
2019
W W W .T H E S U M M E R H U N T E R . C O M
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Letrux
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Ru a Lu i s An h a i a, 9 1 , 0 5 43 3 - 02 0, Vi l a M a d a l e n a, S ã o Pa u l o, S P, B r a s i l . Re ce b a e m c a s a : h e l l o @ t h e s u m m e r h u n t e r. co m
C a m i l a Fr a ga Fa b i a n a Co r rê a Fe r n a n d a Fr a z ã o Fe r n a n d a N a s ci m e n to Gabriel Cabral Ka re e n S ay u r i Le t í ci a I p p o l i to Lu ci a n a S o ga M o i s é s Al m e i d a Rafa e l B i t t e n co u r t Re n a n F l u m i a n R i c a r d o M o re n o Ta u a n a S of i a
expediente
TH E SUMM E R H U NTE R
_o nosso sol A gente sabe que agora tudo é digit al, mas o verão chegou e e s s a exp e r i ê n ci a é re a l d e m a i s p r a f i c a r a t r á s d e u m a te la . Faz te mp o que cor remos atr ás do sol e nossos p os t s es t ão lá par a provar — os mais de 70 0 que pro duzimos e m parceria com as marcas que a gente ama ou sobre os assuntos que queremos espalhar pr a to do mundo. M a s é q u e ve r ã o é c a l o r, é su o r, é o l h o n o o l h o, p e l e co m p e l e . E p o r is s o d e ci d i m o s te e n t re ga r n a m ã o a p r i m e i r a e d i ç ã o d a revis t a d o T h e Su m m e r H u n te r. N ã o é p o rq u e é fe i t a d e p a p e l q u e n ã o p o d e m o l h a r, e n c h e r d e a re i a o u m a n ch a r d e p ro te to r s o l a r. Po d e a té e s q u e ce r d o l a d o d a lareira, num dia frio naquela casa no meio do mato. P o r q u e, p r a n ó s , ve r ã o n ã o é s ó u m a e s t a ç ã o d o a n o . É u m e s t a d o d e e s p í r i t o, é a p r ove i t a r a v i d a , o s a m i g o s , uma viagem. Já que nada é tão bom se não for c o m p a r t i l h a d o, r e s o l ve m o s d i v i d i r c o m vo c ê a s c o i s a s m a is l e ga is q u e f ize m o s e s te a n o . Ve m co m a ge n te vive r e s s e ve r ã o q u e n u n c a a c a b a . 3
marcas que acreditam na gente
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Paradise is a state of mind Where Mother Nature nurtures and man is kind We need a change now wouldn’t it be nice If we could bring back summer “Summer in Paradise”, The Beach Boys
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FOLLOW FOLLOW FOLLOW FOLLOW
THE SUN NOT NOT NOT NOT
NOT NOT NOT NOT
FASHION TEXTO MARÍLIA KODIC 6
Mais do que uma estação do ano, verão é um estado de espírito. E para irradiar as atitudes solares que nos inspiram no dia a dia, o The Summer Hunter criou, junto com a Ahlma, uma colabe batizada de Solstício, o momento do ano em que se tem o dia mais longo, a noite mais curta e o começo do verão mais incrível. Aproveitamos nosso mergulho nesse universo solar para listar os destinos, as pessoas e as atitudes sobre os quais devemos ouvir falar no próximo ano. Mas nada de tendência ou hype. Porque nós gostamos mesmo de seguir o sol, não a moda. E é isso que está nas lojas na nossa coleção.
1.
TR A N S P O R TE
Tudo compartilhado Impulsionados pelos apps de transporte alternativo, os moradores das metrópoles estão abandonando a posse de carros — e é na esteira desse movimento que as opções de locomoção vêm se diversificando, oferecendo compartilhamento não só de bikes, mas também de carros e patinetes elétricos.
2.
M Ú S I CA
MC Tha
No funk desde seus 15 anos, MC Tha é uma das mais interessantes expoentes da nova safra do ritmo, fazendo um trabalho que dialoga com diferentes estilos brasileiros — forró, brega, rap, MPB — numa mistura criativa e dançante. Em sua bagagem, uma faculdade de jornalismo, diversos projetos culturais e a amizade e influência do cantor Jaloo.
3.
B E M - E S TA R
Derivados da cannabis Distanciando-se dos estereótipos, a cannabis tem movimentado um mercado bilionário. Usados há anos no tratamento de doenças, os derivados da substância agora aparecem em cremes faciais, incensos, gotas, vaporizadores e até espaguete. O motivo: sua ação antidepressiva, analgésica, antioxidante, calmante, anti-inflamatória e por aí vai.
4.
SAÚ D E
Silicon Valley se volta para a saúde
As empresas do Vale do Silício estão focadas em desenvolver soluções tecnológicas para a saúde: até 2022, estima-se um investimento de US$ 410 bi. A Apple já está testando um aplicativo que pode diagnosticar doenças.
7.
B E M - E S TA R
Meditação transcendental
5.
NEGÓCIOS
Empreendedorismo de periferia
FOTOS: 2. CASSIUS MEIRELLES, 6. ANDRE STEFANO, 7. STEPHEN SANDIAN E 8. LANO-ALTO
As periferias das grandes cidades se transformaram em incubadoras de negócios criativos e de empreendedores guerreiros, como a Original Favela. Gente que achou uma saída para a falta de recursos e perspectiva, montando desde brechó a rede de escolas de inglês.
6.
CONSUMO
Lojas zero waste Nada se perde, tudo se transforma. A máxima de Lavoisier, proferida há mais de 200 anos, cabe bem na filosofia das lojas zero waste, ou desperdício zero. Além de vender itens como canudos de vidro e inox, lojas como a Ahlma, no Rio, e a Mapeei, em São Paulo, promovem cursos e conversas sobre veganismo e consumo consciente.
Após uma turnê caótica, os Beatles foram à Índia ao encontro do guru Maharishi Mahesh Yogi, criador da meditação transcendental. Difundida pela banda mais aclamada do planeta, só agora a técnica se populariza no Brasil. À base do uso de mantras, ao contrário de outros tipos populares de meditação, ela tem o diferencial de reduzir de fato a atividade do cerebelo.
8.
LI FE S T Y LE
Urban farming
Com a tendência de valorizar alimentos locais e sazonais vem um crescente interesse também por retomar o controle de processos que nos acostumamos a terceirizar. Assim despontam as fazendas urbanas — espaços repensados para a produção agrícola sustentável — e iniciativas como a Lano-Alto, no interior de São Paulo, do casal Peèle e Yentl, que vende de mel a workshops de como construir uma casa sustentável.
9.
C O M I DA
Cipó-alho da Amazônia
Tapioca, açaí, guaraná. A cozinha amazônica influencia o que se come no Brasil e no mundo, e a nova moda é o cipó-alho, que ganha os pratos da região por ter o sabor do alho, mas mais suave.
11.
E S P O R TE
Ciclismo de estrada Praticamente ignorado pela mídia brasileira até pouco tempo atrás, o ciclismo de estrada vem ganhando força no Brasil. Realizado em estradas, em speed bikes, o esporte trabalha, sobretudo, o ritmo e a resistência.
10. M Ú S I CA
Plataforma para novos artistas O SoundCloud está com um projeto para ajudar novos cantores, como a colombiana Kali Uchis, a ganharem dinheiro. A empresa está lançando o Premier — ferramenta de monetização que paga ao artista mais de 50% da receita gerada pela reprodução na plataforma —, antes disponível só por convite, para centenas de milhares de artistas que oferecem suas gravações.
12. C O M I DA
Complementos proteicos veganos Com o consumo mundial de carne em xeque, surgem cada vez mais alternativas à proteína animal. No Brasil, como diz Marcos Leta, a era do whey finalmente ficou para trás. Fundador das bebidas Do Bem, ele acaba de lançar a Mother, com produtos feitos à base de proteína de ervilha.
13. M O DA
Frutas como matéria-prima
FOTOS: 11. DIEGO CAGNATO, 14. NASA, 15. XENI4KA E 16. JULIANA ROCHA
Fazendo circular a cadeia produtiva ao ressignificar o lixo, marcas estão investindo em cascas de alimentos para criar novos produtos. Na Bio & Green, a cana-de-açúcar é convertida em vasos; na Ananas Anam, folhas de abacaxi imitam o couro; e, na Orange Fiber, laranjas são transformadas em tecido.
14.
LI FE S T Y LE
Fé na astrologia As novas gerações estão menos céticas do que nunca, mas, em vez de se concentrar numa religião tradicional, sua fé se ramifica em credos diversos. Graças à rapidez e informalidade da internet, a astrologia moderna vem surfando essa onda, com mercúrio retrógrado alçado a status de celebridade e astrólogas como Br000na e Papisa interpretando os astros com humor, memes e linguajar descomplicado. Novos tempos!
15. D E S TI N O
Atins, Maranhão Como acontece com todos os pequenos paraísos que recebem os disputados réveillons da Mareh (e não à toa), o vilarejo de praias, dunas e lagoas cristalinas de Atins, no Maranhão, sede da virada para 2019, está com os dias de anonimato contados. Corra antes que seja tarde!
16. M O DA
Biquínis, maiôs e tops absorventes As calcinhas da Pantys são biodegradáveis, antibacterianas e absorventes — mas também podem ser usadas fora do ciclo menstrual. E, neste verão, a tecnologia patenteada surge numa coleção de biquínis, maiôs e tops, em cocriação com a Ahlma. Lindas e funcionais!
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The Summer Hunter e Ahlma celebram a chegada do verão em colabe inédita
E N SAI O
s o l s t í c i o
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C A M P A N H A C O C R I A D A P O R @ A H L M A . C C + @ N E B U L A . L A B | F O T O S @ _ M _ O _ A __ | S T Y L I N G @ G U I L H E R M E A L E F DIREÇÃO DE ARTE @HUGSTE X | BELEZA @FERNANDA _SUZ Z | PRODUÇÃO DE SET @JESSCIR | PRODUÇÃO EXECUTIVA @MOEMA _ | CASTING: @VCECAT TO, @OSREISFARIAM, @FUMANDOFILTRO, @DOUGL ASSOUZ A E @JEANCARLOSPRETO
PE R F I L
Yentl e Peèle da fazenda Lano-Alto, e a nova vida rural
TEXTO FABIANA CORRÊA
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PE R F I L
Sentado na varanda
enquanto Yentl passa um café na Chemex, Peèle conta que o sabor do mel que a gente conhece é apenas umentre os muitos que ele experimentou nessa fase rural de sua vida. “Existem centenas de espécies de abelhas no Brasil e a gente só conhece o sabor do mel de uma que, aliás, é europeia”, diz. Os sabores do mel, a quantidade de galos para cada galinheiro, com quantos paus se faz uma cabana. Esses foram apenas alguns dos aprendizados que Yentl Delanhesi, 30 anos, e Peèle Lemos, 36, adquiriram desde que mudaram para a vila Catuçaba, a 200 km de São Paulo, há quatro anos, e passaram a levar uma vida de fazendeiros.
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É lá que fica a Lano-Alto, a fazenda de 480 mil m2 que os dois compraram há uma década, quando ainda eram publicitários em São Paulo. Numa temporada em Los Angeles descobriram o urban farming, a onda dos fazendeiros urbanos que se multiplicam pela Califórnia, em que plantar e produzir o próprio alimento virou estilo de vida. “Eu fiz um curso de queijaria e fui trabalhar como estagiário em uma fazenda de cabras”, conta Peèle. Até que veio um convite para trabalhar em Inhotim, repensando os rumos do instituto, e os dois passaram meses vivendo no meio do mato. A vida naquele silêncio todo tocou fundo e a LanoAlto virou casa, onde Yentl e Peèle criam a pequena Pilar, de 1 ano e meio, trabalham no campo, produzem queijos e doces, cuidam dos animais — vacas, cabras, porcos, galinhas — e recebem hóspedes igualmente interessados nos saberes e fazeres rurais. Mas com esses donos, essa não poderia ser uma fazenda comum. A prova é que, hoje, parte de sua fonte de renda
acontece por conta de redes sociais. “A gente vende nossos workshops e a produção para uma galera que nos conheceu pelo Instagram, que nunca teríamos encontrado de outra maneira. E isso é muito
mágico”, diz Yentl. Os workshops, que variam entre a construção de uma cabana de madeira e a produção de pamonha desde a colheita do milho, bombam. Essa troca de ensinamentos também acontece ali, em Catuçaba, entre eles e os locais. Quando caminhamos pela fazenda, Peèle aponta João, funcionário da LanoAlto, trançando cestos de taquara. “É incrível o que eles sabem quase naturalmente”, diz. Ele mostra também os porcos e conta que o animal do vizinho está ali para fecundar a fêmea da fazenda. Quando tiverem filhotes, cada um dos donos fica com metade da cria. “A gente acha que inventou essa história de shared economy. Que nada!”, diz. A empreitada mais recente do casal é a de construtores. Peèle encontrou um terreno à venda ali por perto, contou a alguns casais de amigos e três aceitaram dividir a terra. Contrataram o fazendeiro para erguer as casas, com o conhecimento que veio das trocas com os locais e dos vídeos que assiste à noite no YouTube. É assim que Peèle e Yentl constroem seu saber, misturando todos os mundos pelos quais passaram. E lá
voltamos aos conceitos da economia compartilhada, do escambo de talentos e das múltiplas carreiras ao longo da vida. Nada que não existisse há centenas de anos, mas que na Lano-Alto se soma a um olhar contemporâneo, às vezes artístico, de quem valoriza o que sempre esteve lá. A gente é que não sabia.
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Quem é a astróloga millennial do momento
MADAMA BR000NA
PE R F I L
Há dois anos, a advogada largou a vida no escritório para virar a Madama Br000na
FOTOS
CAMILA FRAGA
TEXTO
FABIANA CORRÊA
Ela fala compulsivamente. Mas também sabe parar para ouvir histórias — e as que chegam até ela são muitas. É determinada, talvez até um pouco teimosa. Quer um amor ao seu lado. Poderia dizer que Bruna Paludo tem tudo a ver com seu signo natal, Touro, se eu entendesse qualquer coisa sobre esse assunto. Mas a própria rejeita esse negócio de que “fulano é assim porque é de Touro”. “Se a gente considerar a posição do Sol, ascendente e da Lua para cada signo, já temos mais de 1.700 combinações. Como é que dá pra dizer que o signo determina tudo?” Mas nos vídeos no YouTube, Madama Br000na, seu alter ego nas mídias sociais, diz que “taurinas são fofas, todo mundo ama” e que “um Mercúrio em Touro é sempre bem viado”. Claro, tem um tanto de verdade. Afinal, ela estuda astrologia a sério. Mas essas aparições têm um quê de meme — a linguagem universal dos millennials, geração que Bruna não se cansa de dizer que representa. “Nosso humor hoje é politicamente correto. Pelo menos dá pra fazer piadas com os signos que ninguém vai se ofender.”
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“Sufoquei a busca pela espiritualidade durante anos”
PE R F I L
Esse jeitinho deu certo. Madama Br000na tem 119 mil seguidores no Instagram e ganhou uma série no canal da Vice Brasil. “As coisas começaram a dar muito certo quando vim pra São Paulo. Aqui ninguém acha estranho meu cabelo rosa e eu não preciso me definir.” Não mesmo: é taróloga e astróloga, faz frilas para agências de mídias sociais e se diz pansexual. “Não me importo com o que a pessoa tem entre as pernas, o que importa é o amor”, diz. A Bruna longe das mídias sociais é meiga, está em um relacionamento “de verdade”, morre de saudade da família que ficou em Porto Alegre e defende seus ideais “feminazi” com tudo. Quanto ao seu trabalho
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esotérico, digamos assim, é muito cautelosa e ciente do poder terapêutico de suas consultas. “Faço análise há dez anos. Sei que tarô não é terapia, mas recebo pessoas em uma situação de muita fragilidade e preciso trazer uma reflexão em vez de fazer previsões.” A astrologia que pratica prefere análises do momento ao invés de tentar antever o futuro. Tudo isso é meio novo. Aos 30 anos, Bruna percebeu que o tal retorno de Saturno não estava para brincadeira. Até 2016, morava em Porto Alegre, estava casada havia oito anos, era advogada e se preparava para um concurso público. O ambiente era bem careta e ela não podia mostrar as tatuagens que começou a fazer anos antes, meio que como uma rebeldia aos limites que criou para si mesma. É que a vida já começou meio puxada. Quando era criança, a mãe viajava muito a trabalho e foi morar com os avós evangélicos. Com eles, ia à escola dominical. “Tenho memórias afetivas da Bíblia”, conta. Daí, partiu para os conhecimentos esotéricos.
Foi atrás da wicca, a religião das bruxas, quando estava na escola. E essa era só uma de suas excentricidades. Aos 15 anos, quando a mãe ficou doente, foi procurar respostas no espiritismo. Daí a gente vê porque ela é toda trabalhada na espiritualidade. “Eu sufoquei essa busca durante anos”, fala, lembrando que, antes de fazer 18, resolveu ser uma garota certinha, responsável por ela mesma e pelo irmão caçula. Mas a vida cobrou o preço e Bruna se deprimiu. Quando o namorado comprou um livro de astrologia para animá-la, o clique veio e ela largou tudo para fazer um curso de tarô em São Paulo. Os clientes vieram primeiro do grupo de amigos, depois dos amigos deles, e Madama Br000na não parou mais. “Agora me sinto mulher, adulta, passei até a sensualizar no Instagram”, ri.
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VIAG E M
ca bo po lo nio 22
E S S A R E S E R VA N O U R U G U A I É O O P O S T O DA P R A I A PA R A D I S Í AC A . E POR ISSO VOCÊ TEM QUE IR
Jorge Drexler são parte da poesia de Cabo Polonio. Esse é o tempo em que parte do lugar fica no escuro, enquanto o farol centenário ilumina o outro lado. Como a luz elétrica não existe por ali e os geradores são limitados por lei, a escuridão permite ver as estrelas como em poucos lugares do planeta. Mas não se preocupe muito com ela – a escuridão. Por conta da posição geográfica do Cabo, no verão só anoitece por volta das 21h. Isso quer dizer que dá para curtir a praia até bem tarde. Elas não são particularmente bonitas em Cabo Polonio. Mas esse lugarzinho extremo no Uruguai tem algo especial. A primeira coisa: é inóspito, distante, meio abandonado no tempo de uma certa forma. Como se trata de uma reserva de biosfera da Unesco, é proibido ir de carro para Cabo, que está a 250 km de Montevidéu e 100 km do Chuí, no Rio Grande do Sul. Esse é um privilégio dos moradores – não mais que 50 famílias que foram para lá nos anos 1960.
De um lado está a Playa Sur, mais bonita, com areia fofa e clara, com mar bem rasinho. Na encosta de pedras, dezenas de casinhas brancas com varanda. Uma coisa meio Grécia, mas muito mais rústica. É ali que fica um bar de praia bacaninha com boa comida e bons vinhos locais. Do outro lado, uma praia de areia batida, cheia de pescadores e surfistas, um lobo-marinho ou outro e muitas dunas – as mais altas do Uruguai. Fica mais perto das dezenas de hostels de Cabo e do único hotel mais estruturado que existe por lá, o La Perla del Cabo. No meio, uma vila muito hippie. Com lojinhas de roupas tie dye e objetos esculpidos em madeira, gente descalça não importa a temperatura, mochileiros do mundo todo
e surfistas saídos dos anos 1970. Sem asfalto, obviamente, nem máquina de cartão de crédito. Sem essa de pós-luxo ou do “luxo está na simplicidade”. Aqui é só simplicidade mesmo, sem luxo. Andando em direção ao farol, a coisa vai ficando mais rural. Finalmente, chegamos à maior atração de Cabo: os lobos-marinhos. São milhares deles. Leve a canga, ponha numa pedra e esqueça do tempo olhando o espetáculo que são esses bichos juntos. No inverno e na primavera, baleias jubarte podem ser avistadas em alguns locais, mas não é algo fácil de ver, então se contente com os lobos. Eles já valeriam a viagem até Cabo, se não fosse por todo o resto.
Os lobos-marinhos que ficam nas pedras perto do farol já valeriam a ida até lá, se não fosse por todo o resto
os doze segundos de escuridão que dão nome à música de
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FABIANA CORRÊA
TEXTO
Encher a casa de plantas virou estilo de vida
R E P O R TAG E M
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GABRIEL CABRAL
Morar no meio do verde não é um sonho pra essa galera. Em vez de passar os dias querendo uma casinha no mato, eles transformaram seus apartamentos em selvas particulares. Mas com muita curadoria. São samambaias, costelas-de-adão, pacovás, jiboias, dracenas, chifresde-veado e muitas suculentas para quem está começando no ramo.
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Nina Levy transformou o hobby em profissão e desde 2014 vende plantas, buquês, vasinhos e outras delicadezas na Amapá Flowershop
R E P O R TAG E M No apartamento em São Paulo que divide com três colegas de profissão, o arquiteto Guido Otero cultiva muitas dezenas de plantas. Um minhocário enriquece a terra dos vasos e a pequena horta de temperos. “Cuidar das plantas te leva pra outra dimensão. E é muito gostoso saber que estou nutrindo um ser vivo”, diz Guido. Desde que esse ser vivo não emita sons. “Cachorros e gatos não estão nos planos. As plantas bastam por enquanto.” Aqueles vasos que nossas avós tinham no quintal ganharam releituras das novas lojas verdes. Nina Levy é dona de uma delas, a Amapá Flowershop, que montou junto com a mãe, Kika. Inspirada pelo trabalho do marido, Felipe, marceneiro formado em gestão ambiental que tinha um projeto de jardinagem com crianças carentes, ela começou a fazer vasinhos para dar de presente aos amigos. “Em 2012, viajei para Nova York e vi aquelas lojinhas lindas, cheias de suculentas. Voltei querendo fazer algo no estilo em São Paulo”, conta. Hoje, é Nina quem faz os vasos de cerâmica e Felipe, os móveis de madeira vendidos na Amapá. O apartamento do
Mais de 70 plantas fazem companhia ao músico e professor de biologia Ivan Staicov em seu apartamento. “Elas fazem da minha casa um lugar em que gosto demais de estar”, conta
REPRODUÇÃO
em mexer na terra e ficar no meio do verde, as plantas funcionam como um ar-condicionado natural. “Minhas samambaias amazônicas dão um tom de floresta em casa e mantêm um ambiente úmido e fresco”, diz Ivan Staicov, marceneiro, professor de biologia e gaitista da banda Santa Jam Vó Alberta.
casal é uma extensão da loja. Os dois se revezam na rega e, uma vez por mês, Nina colhe as folhas mais novinhas de cada espécie e faz um suco verde para adubar os vasos. “Bato tudo no liquidificador, coo e as plantas amam.” Encher a casa de vasos não é só é uma maneira relativamente barata de decorar. Além do prazer
Acostumado a cuidar de plantas desde a infância, Ivan tem mais de 70 delas em seu apartamento. Na hora de escolher novos exemplares para a coleção, ele dá preferência a algo que tenha a ver com o bioma original de São Paulo. ”As plantas fazem da minha casa um lugar em que gosto demais de estar”, diz. A fotógrafa Fernanda Frazão (na foto que abre esta matéria) logo mais vai unir o que aprende diariamente com suas 106 plantas num canal no YouTube. “Estou aprendendo a cuidar de plantas na raça. Meu canal vai ser para quem quer aprender junto”, diz. De tempos em tempos, ela fotografa os vasos para saber se aquela espécie está se desenvolvendo. “É muito bom acompanhar uma folha nova brotar”, conta.
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Q & A
AS MÚLTIPLAS FACETAS DA ARTISTA
ANA ALEXANDRINO
FOTO
RAFAEL BITTENCOURT
TEXTO
Letícia Novaes
NUM PAPO SOBRE CLIMÃO, AMOR E MISTÉRIO
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Letícia Novaes ressurgiu das cinzas, como a lenda da Fênix, para nascer Letrux em seu disco “Em Noite de Climão”, uma catarse musical irresistível sobre os deleites e as dores do amor que se espalhou pelos palcos e por nossos ouvidos Como você define Letrux? Por que não Letícia Novaes? Letícia Novaes é meu nome de escritora, um nome mais adulto, mais de atriz. Ser multi não é só um traço geracional na minha vida, é um traço astrológico. Além disso, a arte me provoca de maneiras muito amplas. Eu posso ir ao museu e compor uma música, ver um filme e escrever um livro. Eu faço muitos atravessamentos. Letícia Novaes é muito… cantora. Soa sério e eu sou menos cem de seriedade. Sou superprofissional, mas sou realmente muito desencanada. Com música eu estou sempre brincando, especulando.
Mas de onde surgiu o nome Letrux? Letuce era meu apelido e virou nome da banda. Por isso as pessoas pararam de me chamar de Letuce e alguns começaram a flexionar o meu nome e me chamar de Letruce, Letrusca, Trux, Letrux. Essa coisa de terminar em X eu gosto também, porque me remete à mitologia da Fênix, que é morrer e renascer das cinzas, e o processo de compor o álbum teve um pouco disso. Letuce soava muito solar, diurno. Agora você canta em uma “Noite de Climão”. Por que essa transição? Letuce era uma banda mais solar. Talvez no último disco eu já estivesse migrando para algo mais investigativo da alma humana. Eu sou muito solar, nasci em janeiro, amo verão, amo praia e sol! Mas ao longo da vida, estudando astrologia, eu percebi que tudo é luz e sombra. E o contrário dessa atmosfera solar talvez seja uma atmosfera, digamos, mais climão!
Quais foram suas influências nesse disco? Acho que o disco foi fruto de tanta coisa. Atravessa tantos continentes, tantas fendas do buraco negro da galáxia, sabe? Sempre perguntam de influência musical, e nesses últimos anos eu li Susan Sontag, um livro de mitologia do Joseph Campbell sobre a história de todas as deusas. Eu adentrei esse universo da canção italiana dramática da Mina, uma cantora maravilhosa. E também passei noites de silêncio absoluto no meu sítio escrevendo minhas loucuras, compondo, delirando. O álbum é muito centrado no amor. Rola uma narrativa sobre isso, com deboche e uma espécie de brincadeira com a dor de cotovelo, não é? O amor é um assunto inesgotável. Eu sempre vou falar de amor. De uma maneira profunda ou desencanada, irônica ou debochada, e romântica também! O disco é bem dual, tem uma coisa bem tragicômica desde o início, quando eu falo: “Que engraçado, sobrou tão pouco”. Um tom teatral, com a máscara da comédia e da tragédia. Porque eu sou assim!
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PE R F I L
T R A N S T R A N S T T T T T UMA FESTA PERFORMÁTICA FEMINISTA E SEM VERGONHA
As atrizes Camilla Molica (à esq.) e Amanda Grimaldi
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RODRIGO LOPES
JULIA ASSIS E
FOTO
FERNANDA NASCIMENTO
TEXTO
P I R A M M P I R A M P I R A Prepara o glitter, o maiô e avisa suas glândulas sudoríparas que elas vão trabalhar bastante. Bastan-te, alertam Camilla Molica e Amanda Grimaldi. A Transpira, festa performática que as duas cariocas promovem há quase dois anos, é sobre feminismo, é sobre colocar a mulher como protagonista, mas é também sobre criar um universo sem censura, sem julgamento e sem opressão. “É uma festa que fala de mulher, mas não é só pra mulher”, explicam. “Esse discurso tem que chegar a todo mundo e promover uma troca. É um dominó.” Elas mixam as músicas que tocam ao vivo, pegam o microfone
para cantar o funk feminista que escreveram, organizam beijaço no meio da festa pra liberar o amor, distribuem um apito que funciona como sirene antiassédio e entregam panfletos com um passo a passo de como chupar uma buceta direitinho. E fazem tudo isso de maiô em cima do palco, com luzinhas de LED em volta do corpo, para provar que as mulheres podem brilhar, podem se amar, e podem ser livres. “As pessoas falam que a gente é um show. Porque tem essa coisa performática, de fazer intervenções durante o set. Acho que a Transpira é um todo mesmo, uma parada, uma atmosfera. É colocar a buceta na mesa,
é um pé na porta”, diz Amanda. Esse bolo glitteriano começou a crescer logo que saiu do forno, em abril de 2017. Camilla e Amanda se conheceram no teatro e foram convidadas para um festival que propunha aos participantes se reinventar. Elas, que são atrizes, resolveram arriscar como DJs, e assim nasceu a primeira apresentação da Transpira. No boca a boca dos amigos, foram convidadas para algumas festas e, quando viram, estavam todo fim de semana levando esse alvoroço cintilante para algum lugar do Rio de Janeiro.
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PE R F I L
Evoluíram na performance, começaram a estudar aparelhagem e mergulharam numa pesquisa musical que prioriza músicas interpretadas por mulheres – e olha com cuidado para as letras, especialmente dos funks, o ritmo predominante no setlist. “Tem muito funk falando de coisa importante, colocando a mulher em outro lugar”, diz Amanda. “Já aconteceu também da gente brincar com essa coisa do funk machista, colocar pra tocar e cantar em cima da letra.”
“ E tá pensando o que irmão? Que é dono do meu pelo? Que é dono do meu grelo? Ahhhhhh... Tchutchuco, vem aqui com a sua tigresa, vou fazer um picadinho com toda sua macheza”,
CANTAM EM SEU FUNK FEMINISTA
Elas pegam no microfone e falam tudo. Se alguém avisa que uma turma não tratou uma menina direito, param a música para dizer que aquilo não é bem-vindo ali. Quando distribuem o panfleto do passo a passo lambe-buceta criado pela artista Sunsarara (na página
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ao lado), também acaba rendendo assunto. “Rolam uns caras que não querem receber, falam que já sabem e não precisam. Aí a gente fala: olha, gente, entregamos aqui o panfleto para ensinar uma coisa básica e tem homem que acha que sabe tudo. A mulherada pira!”, conta Camilla. “Mas é mais a provocação, né? A gente vive num mundo do pau e quer tornar isso mais plural”, diz Amanda. O figurino, que é uma peça do conceito da Transpira, às vezes causa uma confusão na cabeça dos homens. “A gente está ali no palco de maiô, dançando, rebolando, fazendo tudo que a gente quer fazer. E tem gente que vem passar a mão. Eu gosto quando essas coisas acontecem porque rola um diálogo direto ali. É tipo: eu deixei você fazer isso? Porque se eu deixei tá tudo lindo, mas eu deixei? É sobre isso que estamos conversando aqui”, diz Camilla. “A gente tinha muito medo de confundirem nossa maneira de estar lá em cima e objetificarem nosso corpo. Mas se alguém me objetifica não sou eu, é o olhar deturpado do outro. Então a gente se desprendeu disso”, conta Amanda.
No primeiro ano de vida, a Transpira foi eleita uma das cinco festas mais legais do Rio pela coluna Gente Boa, do jornal O Globo. No último Carnaval, elas lançaram um bloco que juntou 2 mil pessoas num cortejo atrás de um estandarte de uma xoxota gigante com um clitóris brilhante. Além de circular pelas festas do Rio de Janeiro, elas foram ao festival MECAInhotim e já quicaram e rebolaram em São Paulo também. Mas o plano agora é levar a Transpira para outras cidades e espalhar esse discurso por todo canto. “Tem mulher que acha que o feminismo é um monstro de sete cabeças, mas não. É uma onda, e a gente está sendo contaminada por ela. E isso é bom pra todo mundo”, diz Amanda. No que depender da dupla, essa onda vai ser um tsunami.
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A VIDA LOUCA E ILUMINADA DA FOTÓGRAFA TAUANA SOFIA
GLAMOUR
SEM LIMITES NEM
PE R F I L
FOTO
JP FARIA
TEXTO
FABIANA CORRÊA
Basta dar uma olhada em seus perfis no Instagram para entender que ela simplesmente não para. De trabalhar, de buscar novos projetos, como se desse para estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Campanha da Bolovo na Ilha do Mel em um dia, shooting para a Azaleia no outro, exibição do filme que fez sobre a skatista Yndiara Asp, com patrocínio da Vans, em seguida... Foi nesse pique que a fotógrafa Tauana Sofia deixou, no ano passado, Rio Tavares — um bairro em Florianópolis (SC) de frente para o mar e um dos lugares do Brasil com mais pistas de skate por metro quadrado, onde passou boa parte da infância — e se mudou para São Paulo.
Desde criança, a blumenauense adora skate e vive nesse ambiente. “Eu curto muito a estética e a galera do skate, mas antes só fotografava no bowl por hobby. Desde o começo, o que eu queria era clicar roupas e modelos lindas em cenários incríveis.” Essa história de ser fotógrafa começou aos 19 anos. Um dia, pegou emprestada uma Fuji semiprofissional do irmão e saiu fazendo editoriais na raça. “Chamei a amiga mais linda que eu tinha e fomos pra praia fazer as fotos. Postei no Facebook e uma marca de Florianópolis me chamou para fazer os primeiros trabalhos”, conta. Passou a clicar para as marcas de moda locais e, à noite, ainda achava tempo para circular no bar da Void, onde foi apresentada a algumas das pessoas que acabaram mandando jobs, como Deco Neves e Lucas Stegmann, da Bolovo. A virada para os trabalhos com marcas mais expressivas começou em 2017. Depois da morte repentina de um amigo, repensou a vida, mudou-se para São Paulo e foi morar numa casa cheia de gente ligada às artes. Essa galera a incentivou a ler mais, buscar referências e criar um trabalho autoral.
Tomou coragem e bateu na porta da Vans para pedir trabalho. Passou a ser paga para fotografar os eventos de skate da marca, e o que era hobby virou profissão. E tudo isso deu tranquilidade para que a fotógrafa continuasse correndo atrás do plano A, os tais editoriais de moda. O que fez Tauana se destacar no meio de tantos cliques é que ela retrata não só as manobras, mas, principalmente, as emoções que giram em torno dos campeonatos. “O skate une. É isso o que eu registro. A comemoração do skatista com o filho, a emoção”, diz. E a moda tem isso? “A moda é outro universo, e estou batalhando para entrar.” Tudo num estilo bem Tauana, zero glamour, 100% guerreira. “Quero fazer moda pra fotografar coisas lindas. Mas não vou mudar pra conseguir trabalhos, vai ter que ser como eu sou.”
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E N SAI O
The LA House
FOTOS TAUANA SOFIA
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STYLING PAMELA COLPO BELEZA ANDREW DEMITRI MODELO TIMI KONYA
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b r i n d o o encaixe entre dois corpos é uma questão de alquimia com ciência com arquitetura com engenharia e um pouquinho de pó de vaga-lume
DE RENAN FLUMIAN • ILUSTRAÇÃO HANNAH HOCH
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Para ler ouvindo Devendra Banhart Barcelona. Verão de 2013. Sala Apolo lotada. Amarante anunciou que algo iria acontecer quando soltou um saravá em alto e bom som. Antes mesmo do Devendra entrar, uma espanholeta pediu licença com seu cheiro e se acomodou milagrosamente à minha frente. Antes de qualquer ato irracional de minha pessoa, meu amigo porteño já tinha sucumbido e tentou tocar aquelas curvas que se projetavam no espaço. Eu, seguindo as reglas de caballería, segurei meus instintos mais humanos e vi de longe as investidas do meu agora odiado hermano. Nada. Ela não fez caso, mas também não se moveu. Permaneceu ali na minha frente como se tivesse assento marcado pelo destino. O porteño desavisado veio falar daquela morena como se somente ele tivesse notado tamanha presença; não lembro o que disse, nada importava. Mantive todos os meus sentidos destinados a absorvê-la, mesmo que a distância. A cada música caminhava centímetros para chegar mais perto dela. Na terceira já recebia tapas de seu cabelo, como que anunciando nosso futuro masoquista. Queria mais. Continuei. Lá pela quinta música já podia cantar nos seus ouvidos, e ela fazia que não se importava. Foi aí que senti seu cheiro invadir meus poros. No exato instante em que Devendra cantou “no pienso en tí, solo te siento, pasando por mí, como un dulce viento”, não tive mais dúvidas de que esse lance do destino sorrir podia ser verdade. Os deuses estavam comigo! E assim fui encurralando seu corpo contra uma parede mágica. Abençoado, seguia tentando tocar qualquer parte de seu corpo. Meu pé bateu no seu calcanhar e eu delirei. Meu peito tocou levemente em suas costas e eu já não estava mais lá. Até que ensaiei um contato de maior superfície corporal e ali mesmo já tive notícia de uma ereção. Sua indiferença notando presença me enchia de tesão.... Se Devendra soubesse o que estava rolando ali embaixo, com certeza faria o show mais longo da história, tudo para dar tempo de atravessar o corpo daquela morena de Huesca. O pobre não sabia e até hoje não sabe. Mas pobre mesmo de mim porque Devendra anunciou a saideira e eu nem tinha balbuciado qualquer besteira naquelas orelhas criadas para ouvir cantadas provenientes de todos os continentes. Era tudo ou nada e então pedi um beijo da forma mais adolescente, contando com certa compreensão generosa; que nada; ela disse não sem rodeios, mas também não saiu dali. Não podia terminar assim depois do volumoso prenúncio... Só que as pessoas já começavam a sair, eis que saltei diante dos seus
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olhos e disse três vezes o meu nome. Não importava se fosse o de nascimento, artístico, mas sim que fosse meu nome de Facebook e lá ela pudesse me encontrar para eu continuar acreditando na possibilidade de um dia percorrer aquelas curvas gaudianas... Depois de lançar a semente tecnológica, convidei-a para una cerveza saindo pela Rambla 113, ela concordou sem certeza e disse que ia buscar a amiga. O hijoputa do porteño gritou meu nome e a mudança do horizonte focal foi suficiente para eu não ver mais ela — Carajo! No lo podia creer. Era uma multidão e eu teimei em esperar, caminhei com pernas e olhos, tantos rostos desconhecidos, como até então o dela, mas nada chamava minha atenção. Não a encontrei. Sem escolha, caminhamos eu, o porteño e uma amiga brazuca até a Taberna Blai Tonight, considerada por poucos conhecidos o melhor bar de “montaditos”, aka pinchos, da cidade. Ali tantas outras espanholas se apresentaram ao meu olhar, mas nada se equiparava à experiência vivida. Não podia acreditar que ela tinha ido embora para sempre. Mudamos de bar devido minha insistência, queria desafiar qualquer lei da ciência e encontrá-la para fingir-me surpreso e bradar que aquilo era coisa do destino. Mas o tempo passou, os bares se esvaziaram e nada. Era hora de desistir e aceitar os “nãos” da vida. Despedimo-nos do argentino e logo depois chegamos na casa de minha amiga, que prontamente foi se deitar com o marido. Já eu caminhei até a varanda para cobrar explicação da cidade: como foste capaz de na mesma noite me apresentar aquela morena e logo após retirá-la de mim. Sentia que as calles tinham tragado aquela zaragozana... Pego o computador para a cotidiana atualização de notícias rasas e fofocas, feita com certa nostalgia sempre quando no exterior. Três, em vermelho, indicava novas mensagens. Cliquei e não podia acreditar. Ela escreveu para colocar a culpa do desencontro na amiga e dizer que queria se encontrar. Ela num hotel no centro de Barcelona, e eu trancado para dentro da casa. Não podia recebê-la, e muito menos sair. Não tinha chave e acordar minha amiga, consequentemente seu marido, estava fora de cogitação. Para aumentar o desespero, a espanhola anunciou que iria embora na manhã seguinte. Momento em que utilizei todo meu arsenal persuasivo para demonstrar que podíamos estar prestes a ver um cometa humano chocar com a Terra. Alguns carinhos a mais no léxico e ela topou. Queria, sei que queria... Ficou assim combinado: 9 da manhã em frente ao Templo Expiatório da Sagrada Família. Agora só restava dormir para não esperar. Já é dia, manhã do dia 30 de julio, escorrego pelos carrers até a Sagrada Família. Lá está ela. Sorrisos vão se aproximando. Um tímido hola ganha coro e iniciamos neste momento uma caminha-
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da homérica por todos os cantos de Barcelona. Os pés não reclamavam, a barriga não chiava, os olhos não piscavam, os lábios não secavam, mas o ingrato do tempo passava. Entre besos, esfregões, muito sobe-e-desce do meu pau, ela decidiu ficar aquela noite — agradeço às entidades divinas desde então. Deve ter sido o sanduíche que comemos no parque Ciutadella, foi ali que o meu corpo contou para o dela o desejo de conhecer cada naca de sua carne, cada centímetro quadrado de sua pele, todas as fragrâncias de seu cheiro e todas as variações de seus orgasmos, secos ou molhados. Ela não teve escolha e inventou uma mentira para família, aliás, inventar é arte e como toda arte deve ser transgressora. De volta para a casa de minha amiga — pois sabia que o marido tinha ido viajar na mesma manhã que fui encontrar aquela cria dos Pirineus — apresento a zaragozana como a morena prometida. As certezas do coração podem ser volúveis, mas nunca se enganam. Olhava para os pés dela enquanto ela comportadamente se apresentava, e só conseguia imaginar lambendo ela dali até seus seios... Cada instante que minha amiga saía de perto, eu a atacava com o ímpeto de caçador aldeão, que carrega a responsabilidade de alimentar não só a si, como também toda a aldeia. Eu estava ali representando o desejo da humanidade. No final da vida, em que a sinceridade brota como erva daninha, e todos já estão conscientes da condição humana de mera peça de um grande e tresloucado quebra-cabeça, o entendimento de que o encaixe entre dois corpos é uma questão de alquimia com ciência com arquitetura com engenharia e um pouquinho de pó de vaga-lume não é mais discutido. Não adianta forçar que não acontece. Acontece apenas quando é. Por isso que digo que os sortudos na vida não são aqueles que acumulam milhões e passam uma vida forçando o encaixe; são aqueles que descobrem o encaixe e anunciam instantaneamente seu armistício sexual. Sei que é preciso muito lençol molhado para ratificar tese tão importante, porém uma vez ratificada assuma-a como lei de vida e não corra o risco de vagar para sempre perdido entre nádegas e seios alienígenas. Era uma premonição, assoprada no meu ouvido por Afrodite, que precisava ser comprovada. Minha ansiedade em contar de uma vez por todas como foi que entrei pela primeira vez naquele novo mundo faz com que eu pule o jantar e todas as minhas pequenas tentativas em cada segundo que ficávamos a sós, como um bom trombadinha de plantão, e acelere os passos desta ode anacreôntica. Então, vamos lá. Minha amiga anunciou o boa-noite mais esperado de minha vida, que automaticamente jogou meu corpo sobre aquela espanholeta.
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Porém, ela pausou meu instinto bestial e anunciou um banho. Banho? De verdad? Não podia acreditar mas ela sabia já mais do que eu. A releitura filosófica de suas palavras aponta para a desobstrução dos poros e a busca do PH neutro para garantir o coito sem qualquer contaminação terrena. Foi aí que aprendi uma coisa nova, o tal do paladar hormonal. E mudou minha vida, não necessariamente esse novo conceito, mas essa nova mulher. Ela entrou no chuveiro e eu fiquei do lado de fora contando as gotas que caíam, mas não sem antes imaginar cada uma delas percorrendo seu corpo. Algumas que apenas bateriam nos seus seios, respeitando aqueles territórios independentes que despertam o interesse de muitas nações soberanas, e iriam diretamente para o chão escorregadio, onde seus lindos pezinhos deveriam deslizar no ladrilho molhado com shampoo. Quando o barulho da água parou, eu saí imediatamente dali e fui para o terraço fingir que estava tranquilo e que nem tinha percebido quanto tempo demorou seu banho. Ela apareceu com a pele morena por natureza, bem retocada pelo intenso sol do verão europeu, e apenas uma simples camiseta amarela, de minha propriedade, que tapava até a metade de suas coxas. Nada mais. Os pés descalços, o cabelo molhado e o seu simples dizer de “ahora es tu turno” caiu como um sermão do Padre Antônio Vieira de tão denso. Eu nem respondi e fui para o chuveiro. Tirei a roupa no banheiro e pude notar que aquela ereção insistente permanecia intacta, e que meu pau estava inteiro molhado. Sabia que não podia demorar muito ali dentro. Foram segundos, um recorde mesmo se comparado aos banhos de inverno com água fria. Saí e lá estava ela na varanda me aguardando, encostada, pelas suas nádegas, na mesa onde jantamos. Sua posição fez com que sua camiseta subisse um pouquinho e eu pude ver algo mais de suas coxas. Como eram deliciosas! Uma linda lua cheia catalã iluminava aquela consagração terrena e jogava pela janela todos os ensinamentos do epicurismo. A cena era esta: ela e a lua; a lua e ela. Ela com a respiração ofegante e a lua iluminando onde meus passos deveriam seguir para tocar de vez aquele corpo. Obedeci a indicação celeste e caminhei determinado como um kamikaze com as melhores das intenções. Meus lábios voltaram a tocar os dela, só que desta vez meus dedos sentiram sua boceta quente e mojada, e os beijos foram ganhando intensidade até o presente tornar-se a única lógica regente da vida. Ela me empurrou e eu aceitei, sentei numa cadeira e ela caminhou como uma serpente hipnotizadora, deixou a calcinha cair e colocou cada perna em cada lado da cadeira e sentou no meu pau com uma agressiva delicadeza... A lua se apagou em respeito e eu lembro pouca coisa depois disso.
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9 coisas para fazer neste verão
O QUE ESTÁ NOS SEUS PLANOS PARA A ESTAÇÃO? CONTA PRA GENTE E COMPARTILHA NO STORIES
Parar com essa história de seguir a moda e só correr atrás do sol TSH + AHLMA pág.12
Largar tudo para começar uma vida tranquila numa fazenda LANO-ALTO pág.20
Mudar os planos do Réveillon porque Júpiter entrou em Sagitário MADAMA BR000NA pág.6
Passar uns dias sem energia elétrica nem chinelo olhando os lobos-marinhos CABO POLONIO pág.10
Contratar uma cuidadora de samambaias e ir curtir as férias sem preocupação APARTAMENTOS VERDES pág.24
Sucesso lá na sua casa (e lá na sua cama) LETRUX pág.28
Organizar um beijaço para espalhar o amor TRANSPIRA pág.30
Pegar uma câmera e chamar a amiga pra fazer um ensaio de moda na praia TAUANA SOFIA pág.34
Viver uma paixão tórrida numa noite de lua cheia FICÇÃO pág.40
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W W W .T H E S U M M E R H U N T E R . C O M 48