Agentes Multiplicadores da Sustentabilidade
Agentes Comunitárias no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu
Nova Iguaçu prepara comunidades para consciência ambiental
Graffite nas comunidades Mudando o cenário das favelas
O valor das Lan Houses
Espaço de convivência e inclusão digital
EDITORIAL
Um Diálogo cada vez mais Urbano Voltamos com força total, trazen-
Grafitar passa a ser dar vida,
do para as páginas desta edição da
transformar o uso e fim destas áreas
Revista a energia que captamos neste
urbanas, colorindo becos e caminhos
início de 2010:
com idéias e formas.
Pessoas estão realmente queren-
Também acompanhamos a velo-
do fazer coisas, mudar, assumir uma
cidade nas ruas. Na necessidade de
postura mais efetiva e clara, dizer o
conquistar áreas próprias para bikes
que pensam, mostrar seu valor. Não
e skates como mostra o SBR da Roci-
são poucos:
nha, que relata as manobras e sonhos
Gente de Nova Iguaçu que assume
de uma galera cheia de energia.
o papel de agente de defesa e preser-
A comunidade vibra, no ritmo e no
vação do meio ambiente. Jovens de Ni-
som da bateria comandada por Felipão,
terói que descobrem o teatro como for-
que divide sua experiência do samba
ma de Arte e Educação. Crianças que
com seu trabalho no Sindicato dos Mé-
através do Basquete percebem uma
dicos e na lição de vida de cuidar da
nova forma de dar um salto na vida.
comunidade e na arte de fazer amigos.
Falamos do que acontece nas Lan
A energia está no ar. Vamos man-
Houses, opção real para quem preci-
ter o pique e trazer muita coisa nova
sa se conectar, estar ligado, mostrar-
este ano!
se presente nas redes sociais e correr atrás da informação. Olhamos para as paredes, muros e espaços urbanos com um novo
Contamos também com a participação de vocês, para levar este diálogo para mais ruas e casas de cada comunidade!
olhar. Ali o graffiti encontra seu verdadeiro espaço, nas ruas e nas casas das comunidades.
Luiz Calvão e Roberto Tostes
Março e Abril de 2010
Conselho Editorial Luiz Calvão Roberto Tostes Projeto gráfico e diagramação Diálogo Urbano Comunicação Equipe de Arte Mariana Pérez Thiago Costa Colaboradores Beatriz Coelho Silva David Amen Fabiana Oliveira Flávia Domingues Leandro Lima Maycom Brum Paulo Britto
A Revista Diálogo Urbano é uma produção realizada pela Diálogo Urbano Comunicação. Redação e endereço para correspondência Praia do Flamengo, 278, sala 1102, Flamengo 22210-030 – Rio de Janeiro – RJ Tel: (21) 2553-9017 ramal 225 E-mail: dialogourbano@gmail.com Tiragem desta edição: 8.000 exemplares Capa Arte sobre foto de Roberto Tostes Turma de agentes comunitários do Projeto de Educação Ambiental e Sanitário da Prefeitura de Nova Iguaçu no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu
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AGENTES
DE
TRANSFORMACAÇÃO Além de promover a urbanização de comunidades, o PAC Nova Iguaçu conclama os moradores para preservar o meio ambiente Por: Flávia Domingues Fotos: Roberto Tostes:
“Por muitos anos convivemos com enchentes e andando no barro. Hoje somos felizes e sabemos como cuidar do ambiente em que moramos”, diz Maria da Penha Alminar, 39 anos, nascida e criada no bairro de Cabuçu, em Nova Iguaçu. Conhecida por muitos anos como “cidade dormitório”, Nova Iguaçu prova que nos últimos anos essa tendência vem se revertendo com o crescimento econômico e com melhorias na qualidade de vida por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além de promover a urbanização de ruas e dragagem dos principais rios da região, o PAC Nova Iguaçu conscientiza a comunidade para a preservação do meio ambiente.
Agentes Comunitárias no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu
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Penha Alminar é nascida e criada em Nova Iguaçu, a maior cidade da Baixada Fluminense com mais de 830 mil habitantes. Ela conheceu o PAC Nova Iguaçu a partir do trabalho social que é desenvolvido junto com as comunidades no intuito de mantê-las inseridas e informadas sobre todas as ações das obras. “Acabei me tornando parte da equipe, fazendo o trabalho de conscientização e ouvindo reclamações e sugestões de melhorias dos moradores”, conta Penha. Ela conta que antes da intervenção do PAC na região, a rua em que mora não era urbanizada e pavimentada, além de ser bem difícil o acesso nos dias de chuva. “Cabuçu, o bairro em que moro, hoje vive uma outra realidade. As principais ruas estão asfaltadas e mais iluminadas”, relata.
MAIS QUE UM PROJETO DE URBANIZAÇÃO Uma das principais características do PAC Nova Iguaçu, parceria entre o Governo Federal e a Prefeitura de Nova Iguaçu, é o envolvimento com as comunidades em prol do Desenvolvimento Sustentável, principalmente em questões relacionadas ao meio ambiente. “Mais do que fazer obras o que se quer é estimular que os moradores cuidem do meio ambiente com mais consciência”, explica Luiz Rosado, consultor da área de capacitação da Rever Urbano, empresa que está conduzindo o relacionamento com as comunidades beneficiadas pelo programa. Para envolver o maior número possível de moradores foi criado o Programa de Capacitação para a Formação de Agente Comunitário do Meio Ambiente. A idéia é formar agente comunitários multiplicadores para contribuir no processo de Desenvolvimento Sustentável de Nova Iguaçu. Já foram capacitados 96 agentes, entre os meses de fevereiro e março, de distintas faixas etárias, dos bairros Prados Verdes, Jardim Guandú, Palhada, Jardim Palmares e Austin. Durante a capacitação, os participantes tiveram acesso à conteúdos e conceitos básicos de ética ambiental, meio ambiente, preservação ambiental, educação sanitária, entre outros. “Achei o curso muito válido. Aprendi bastante sobre meio ambiente e relembrei muita coisa que aprendi na época da escola, como o ciclo da água na natureza. Acaba que inspira a gente em pensar em ações para preservar ainda mais o lugar em que vivemos”, conta Penha.
Durante a formação, todos os agentes são instrumentalizados a planejar, organizar e conduzir palestras de conscientização ambiental. Os 96 agentes capacitados já estão botando a mão na massa. Divididos em dois grupos, eles já promoveram algumas palestras e outras estão para acontecer. Os temas são os mais diversificados: coleta seletiva e recursos hídricos; controle de vetores e higiene; saneamento básico e saúde preventiva; cidadania e sustentabilidade e ecologia humana. O trabalho dos agentes é fundamental também para a melhoria da saúde dos moradores. “Acredito que falando de morador para morador será mais fácil falar de higiene para prevenção doenças, recolhimento correto do lixo, por exemplo”, conta Penha. Ela complementa que é muito importante esse tipo de capacitação para preservar o meio ambiente para gerações futuras. “O PAC foi muito positivo para a gente. Hoje não temos mais esgoto a céu aberto, os rios foram dragados e as ruas urbanizadas. Temos que cuidar disso”, finaliza.
inspira a gente em pensar em ações para preservar ainda mais o lugar em que vivemos
Maria da Penha Alminar
diálogo urbano | mar/abr de 2010
MULTIPLICANDO
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Fotos das oficinas de capacitação e da entrega dos diplomas aos agentes comunitários
QUESTÃO DE SAÚDE Nova Iguaçu, assim como outras cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro, sofre com a carência de saneamento básico, o que afeta as condições de vida de seus moradores. Além de obras de urbanização e infra-estrutura, melhorias que notoriamente vão apoiar na diminuição dos índices de doenças, noções de higiene são fundamentais para prevenir alguns males. Existem doenças associadas à falta de higiene na manipulação de alimento como a Salmonela. Outras são causadas pela falta de higiene pessoal como a Escabioses e a Pediculoses. A falta de saneamento básico provoca a proliferação de doenças como as mais diversas Verminoses, até as mais graves como a Tuberculose, Hanseníase. O estudante Renato de Freitas, 27 anos, morador de Austin, acredita que a capacitação foi muito válida para ampliar o entendimento sobre meio ambiente, reciclagem de lixo e preservação da água. “Achei a formação muito interessante. A gente vai poder informar a comunidade sobre noções básicas de higiene, orientar sobre o destino do lixo e a importância do uso da água potável”, afirma Freitas. Freitas conta que o grupo de agentes que faz parte percorre as ruas do bairro para mobilizar os moradores para as palestras que geralmente acontecem em locais tradicionais das comunidades. O estudante conta que as principais dúvidas dos moradores estão relacionadas ao descarte do lixo doméstico, a manipulação correta dos alimentos e sobre água potável. “É muito importante dar esse tipo de noção de higiene e de conscientização sobre o destino do lixo para os moradores, principalmente para aqueles que moram em ruas que tem valões ou esgotos a céu aberto e a quem tem crianças em casa. Esses tem mais chances de terem doenças”, conta Freitas. O estudante conta que eles estão fazendo um abaixo-assinado para solicitar à Prefeitura de Nova Iguaçu que coloque cestas de lixo recicláveis nas ruas do bairro para fazer a coleta seletiva de lixo. “Mas acredito que também deve existir alguma iniciativa da prefeitura no momento do recolhimento já que o pessoal da companhia de limpeza com certeza vai sair misturando tudo”, avalia.
PARQUE NATURAL MUNICIPAL DE NOVA IGUACÇU É uma unidade de conservação integral criada em 5 de junho de 1998. Esta Unidade de Conservação foi estabelecida visando não apenas à proteção da fauna e flora existentes, mas também à formalização de uma opção de lazer para a população local. É um importante remanescente da Mata Atlântica e a área abriga valores ecológicos, históricos, culturais e geológicos, além de locais representativos da história geológica da região. Ganhou também o título de Geoparque pelo Departamento de Recursos Minerais (DRM) por ser classificado como uma área de relevantes acidentes geológicos, apresentando formações de rochas vulcânicas e uma cratera de um vulcão extinto há milhões de anos.
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LAN HOUSE,
conexao digital da galera Por: Fabiana Oliveira Fotos: David Amen
diálogo urbano | mar/abr de 2010
Mesmo com os computadores mais baratos e expansão da internet banda larga, as lan houses continuam sendo um serviço útil para a população. Segundo informações do site do Comitê Gestor da Internet no Brasil (www.cgi.br), o número de brasileiros que utilizam o serviço em lan houses é o mesmo que o de usuários residenciais: cerca de 28 milhões. Isto mostra que investir na área ainda é um bom negócio.
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Uma sala com diversos computadores pode ser muito mais que uma simples loja de acesso pago à internet. Popularmente conhecidas como lan houses, além de ponto de encontro para a garotada, esses espaços têm contribuído bastante com a inclusão digital no Brasil. Morador do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, Emmanuel Silveira Coelho é proprietário de duas lan houses – uma em Irajá, ou no asfalto, como ele mesmo diz, e outra na Estrada do Itararé, próximo de sua casa. Emmanuel conta que começou o negócio, em 2006, num cenário bem diferente do atual. “Na época o grande “boom” eram as lan houses. Aí decidi investir também. Sempre fui apaixonado por informática por ser um campo muito aberto. Quando comecei, computador ainda era bem caro e as pessoas não tinham condições de comprar. Isso foi o que mais me motivou. Outro motivo foi também trabalhar com o público, que sempre é muito bom; a gente aprende muitas coisas”, diz. Segundo Emmanuel, tanto no asfalto, como na comunidade a clientela da Cyber Nel ainda é formada, em grande parte, por crianças e adolescentes que utilizam os espaços para torneios de jogos eletrônicos e também para realizarem pesquisas para trabalhos escolares: “Acho instrutivo, além de ajudar a tirar a criança da
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rua, do caminho errado. Uma brincadeira como um jogo, por exemplo, pode acabar se tornando um aprendizado. Ainda tem muita gente que não tem computador em casa e a lan house acaba contribuindo também com a inclusão digital”. O estudo da Fundação Padre Anchieta mostra que as lan houses e telecentros respondem por quase 60% do acesso à internet no país. São cerca de 38 milhões de usuários, sendo 24 milhões das classes C, D e E. Pessoas como o adolescente Vitor Guedes, 13 anos. Ele, que ainda não tem computador em casa e teve seu primeiro contato com a máquina aos nove, atualmente auxilia quem não tem tanta facilidade assim com as teclas, links e ícones digitais.
“Fico aqui direto ajudando o pessoal que acessa. No inicio mexia mais em jogos, mas hoje ja uso tambem MSN, orkut e baixo jogos, videos e musicas para MP3” Vitor guedes, 13 anos
Emmanuel junto com cliente em frente a filial da Cyber Nel, no Complexo do Alemão: negócio diminuiu, mas continua rentável.
Para todas as idades :) Não só as crianças e adolescentes curtem o espaço, jovens e adultos acessam também com muita frequência, mas para demandas diferentes como, enviar e-mail, currículo, verificar vaga de emprego, entre outros serviços. Mesmo com computador em casa, Jorge Luiz, 46 anos, diz que é cliente assíduo de lan houses. Ele, que aprendeu a mexer no computador há pouco tempo - cerca de três anos - vê as lan houses como muito úteis à população: “Meu micro quebrou e não consegui consertar ainda. Se não fosse este espaço como eu iria ver meu e-mail, MSN e fotos no orkut?”, pegunta.
Negocio para entendidos Com o preço mais acessível dos computadores e da banda larga, Emmanuel diz que o movimento caiu bastante, segundo ele, cerca de 55%. No início de abril, o primeiro estabeleciemnto a utilizar o nome de lan house no Brasil, a Monkey Paulista, em São Paulo, fechou as portas, um exemplo da diminuição da demanda pelo serviço. Mas para Emmanuel, o setor ainda é rentável para quem é bom administrador e também domina informática: “Muitas pessoas abrem um negócio e acabam falindo porque não tem informações sobre seu próprio ramo, os benefícios, o ambiente social, entre outros assuntos. Para conseguir hoje manter uma lan house é necessário, principalmente ter conhecimento de informática e não depender de mão de obra externa para manutenção de computadores”, alerta Emmanuel, que além dos vários cursos na área também cursa Adminitração para melhor gerenciar seu empreendimento. Emmanuel ainda dá outras dicas para quem quer investir na área: “bom atendimente, atualizar as máquinas diariamente e ter sempre novos jogos, além, é claro, de conhecer informática e gostar muito do ramo”, ensina. E Juan de Azevedo, 15 anos, assina embaixo: “o que mais me chama atenção são os jogos porque na lan dá para jogar com várias pessoas. Venho também para distrair minha cabeça porque aqui sempre encontro o pessoal”, diz.
Em audiência no Congresso, o presidente do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital, Claudio Prado, defendeu a importância das lan houses como forma de ampliar e qualificar o acesso da população ao mundo digital: “A lan house é fantástica para democratizar o acesso e instruir as pessoas. Pode ser um local onde a pessoa aprende a usar a tecnologia pela primeira vez. As lan houses podem também oferecer oficinas, inclusive de multimídia, estimulando a produção de conteúdos digitais.”
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LAN HOUSE E LEGAL
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Vitor passa boa parte do tempo acessando e ajudando quem ainda se enrola em frente à telinha.
Orgânicos das Ritas
Matéria e fotos: Flávia Domingues
Moradoras da comunidade Colônia Juliano Moreira mostram que é possível ter uma alimentação saudável e sustentável
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Quando se fala de Colônia Juliano Moreira, na Taquara, Jacarepaguá, a primeira lembrança que vem à cabeça é de uma instituição que acolhia e tratava pessoas portadoras de doenças mentais. Mas, ao se chegar no local para conhecer a comunidade, depara-se com uma pequena “Copacabana”. Isso porque a colônia, ao longo dos seus 77 km, abriga cerca de 20 mil habitantes entre antigos funcionários e invasores, tem linhas de ônibus e transporte alternativo, além de um pequeno comércio local que atende bem aos moradores. Desde 2009, um projeto da prefeitura com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) está mudando a vida na Colônia e a transformando em um bairro carioca. Andar pela Colônia traz surpresas. Uma delas é a produção de alimentos orgânicos dentro da própria comunidade. A iniciativa partiu de Dona Rita Maria Barbosa, 53 anos, após participar do projeto Guardião e de uma capacitação em hortas comunitárias, no ano 2000. D. Rita decidiu investir numa produção própria, porém diferente: cultivar somente alimentos orgânicos. “Procurei me informar mais sobre alimentos vivos e fiz alguns cursos na Fiocruz”, conta D. Rita.
Serviço:
A pernambucana D. Rita, que estudou somente até a antiga quarta série primária, chegou ao Rio com apenas 15 anos de idade. Com dificuldades financeiras e de habitação foi morar num morro na Praça Seca, Jacarepaguá. Por causa do medo da violência do lugar, D. Rita e seus quatro filhos se tornaram uma das 79 famílias que invadiram as terras pertencentes à Colônia no dia 1º de novembro de 1990. “A invasão foi pacífica, mas tivemos muita resistência. Trazíamos tijolos nas bolsas para não levantar suspeitas”, relembra. Filha de agricultores, D. Rita já foi doméstica e trabalhou em cozinhas industriais. A partir dos cursos que fez sobre alimentação saudável resolveu apostar numa horta orgânica, também com o intuito de conscientizar a comunidade sobre a importância da ingestão de alimentos sem agrotóxicos. “Aprendi rápido a forma de cultivo. Parece que nasci para isso”, brinca. D. Rita tem verduras como alface, couve, acelga, rúcula, taioba, frutas como abacate, limão, côco, banana, tangerina, e temperos como açafrão e colorau, além de café orgânico tipo arábico. A horta ocupa um espaço de 45 X 33 m. “Quem olha percebe que tudo é mais vivo, mais verde, mais saudável”, ressalta. Todo o adubo é feito pela própria D. Rita. A partir da mistura de restos de verduras e folhas, ela vai misturando a terra que de tempos em tempos vai sendo regada e misturada até que fique pronto o adubo natural. Para combater pragas como formigas, a receita de D. Rita é simples: basta colocar próximo à plantação borra de café.
Logística e geração de renda A estratégia de D. Rita para escoar a produção é simples e tem dado muito certo. Além de uma vendinha na frente da horta, ela coloca carrinhos com os produtos em lugares de bom movimento na comunidade. As verduras são vendidas a R$ 1,00. “Inclusive vendo para pequenos comércios e mercadinhos aqui da localidade mesmo”, conta. Para ajudar a cuidar da horta e das vendas, entra em campo a sua fiel companheira e amiga, Rita Correia, de 46 anos. “Além de ter aprendido bastante sobre alimentos vivos, o que me abriu muito a mente, trabalhar na horta é uma forma de garantir renda para minha família, já que sou pai e mãe de três filhos”, destaca Rita. As duas Ritas ainda preparam engradados de pimenta (também cultivada na horta) e temperos frescos para serem vendidos. “A gente aproveita também para mostrar aos moradores como preparar alimentos sem cozinhar, mantendo suas vitaminas e fibras sempre vivas. Muita gente nos procura para saber mais”, destaca Rita Correia.
Receio e preocupação D. Rita está aprovando bastante as obras do PAC. “As melhorias estão sendo ótimas para todos”, reforça. Mas ela tem uma grande preocupação: funcionários da Prefeitura a visitaram e informaram sobre a necessidade de desocupar o terreno onde está a horta. “ Para mim será uma tristeza tirar a horta daqui porque além de gerar renda para a gente é também um importante projeto de conscientização sobre alimentação saudável para a comunidade, já que a maioria é carente”, conta emocionada.
Orgânicos das Ritas: R. Viana do Castelo, 38, comunidades Entre-Rios Colônia Juliano Moreira, Taquara, Rio de Janeiro.
Dica de suco vivo para melhorar as funções intestinais. Juntar folhas de capoeraba, capim, trevo de três folhas, urtiga brava branca e mostarda. Lavar bem todas as folhas e bater no liquidificador. Acrescente a um suco de sua preferência. “Tudo isso você encontrar em matagais sem gastar nada e é um santo remédio para o intestino preso”, reforça D. Rita.
Conscientização Ambiental na Colônia No âmbito do PAC da Colônia Juliano Moreira, foi desenvolvido junto à comunidade um Programa de Educação Sanitária e Ambiental, cujo nome é “Lixo Legal”. Este Programa é resultado de um processo participativo orientado pelo Trabalho Técnico Social do PAC em conjunto com a Comunidade e o Poder Público. Um de seus objetivos principais é oferecer melhorias na qualidade de vida para a população e o desenvolvimento sustentável da comunidade. Neste Programa estão previstas campanhas de conscientização, oficinas, eventos e cursos de hortas orgânicas comunitárias, técnicas de compostagem, viveiros florestais, hortos fitoterápicos, forno solar e outras atividades .
diálogo urbano | mar/abr de 2010
Sabedoria popular
11 Rita Correia
D. Rita
Por David Amen
Jornalista, grafiteiro e coordenador de comunicação do Raízes em Movimento Fotos: arquivo pessoal David Amen e Criz Silva Lembro-me bem quando os amigos se reuniam para participar de encontros organizados por Fábio Ema quando ele dava aula de graffiti no Morro da Mangueira. Eu estava iniciando minha “correria” como grafiteiro e foi o primeiro momento que tive contato com alguma informação sobre tinta nos muros de favelas. Também não esqueço quando meu amigo Mario Band’s disse: “agora só pinto em favelas!”. Aquilo marcou e me fez refletir sobre esta questão (afinal, a rua, os trens sempre foram os focos dos grafiteiros). Percebi um novo horizonte no meio da arte urbana carioca. Algo que vinha para, de fato, servir como promotor de informação dentro de espaços menos favorecidos como nossas comunidades. É como diz meu camarada Rine, “é aqui que merece a pintura de verdade, passar a mensagem!”. Não existe um ângulo ruim ou perspectivas sem plano de fundo, a moldura sempre é perfeita diante do interesse e compromisso do artista. , A “invasão” já comecou
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Grafiteiros, também conhecidos como escritores, dos mais diversos lugares do Rio de Janeiro não estão nem aí se o muro está desnivelado ou se é apenas tijolo cru, o que vale para este pessoal que sobe os morros e leva arte de maneira responsável e de impacto social, é se alojar e aproveitar da melhor forma o que está disponível em sua arquitetura e redecorar as vielas com painéis coloridos e figuras que ganham sentido e sentimento especial ao se misturarem com um ambiente peculiar e uma realidade de pouco acesso a manifestações artísticas e culturais espalhadas pelo restante da cidade. O graffiti tem sido uma arma perfeita para mudar este cenário.
Para este artista de 33 anos, morador de Bangu, o Mutirão tem uma grande importância, além de produzir graffitis, que é a atitude de levar novas possibilidades de informação e diversidade cultural de forma voluntária para o interior de um ambiente marginalizado e que sofre pela ausência do poder público. Este tipo de atividade passa a ter um valor especial, afinal “você passa um novo horizonte para as pessoas de lá, com o graffiti e o hip hop, porque na favela o que predomina, por exemplo, são o funk e o pagode normalmente, e quando você chega com algo novo causa estranheza e admiração. Notei que as pessoas querem conhecer coisas novas”, conclui.
diálogo urbano | mar/abr fevereirode de2010 2010
Tem uma galera forte se organizando e idealizando ações que, além do graffiti, levam para o interior destas comunidades todo contexto político, social e cultural encontrado no Hip Hop. É desse jeito que, tudo acontecendo voluntariamente, numa data e local marcados, rola um dos mais emblemáticos e pioneiros eventos desse porte, o “Mutirão de Graffiti” que, desde 2006, reúne um exército de artistas para uma batalha de grande valor nestas áreas cheias de contrastes sociais. A proposta começou em Recife e foi adaptada ao formato e a realidade das favelas cariocas. Para muitos, há uma diferença entre estar na rua pintando um muro abandonado, com pessoas indo e vindo sem parar e estar dentro de uma área específica, pouco acessível e participando do dia a dia daquela população, isso amplia a sensibilidade de quem pinta. “Imagina gente entrando na sua casa, com uma música que se fala mais do que se canta, pintando tudo e rolando no chão. Esse foi o desafio, tornar tudo isso agradável e ao mesmo tempo um informativo cultural, acho que conseguimos o objetivo”, enfatiza, um dos organizadores, Criz.
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É tinta que critica e envolve Tudo isso tem servido como inspiração para resgatar valores dentro de lugares onde as pessoas, muitas vezes, estão desacreditadas da possibilidade de uma mudança. As cores trazem vida àquela rua apertada, os cenários passam mensagens que valorizam o cotidiano, a música, a dança, as pessoas, tudo isso cria um ambiente saudável e prova que não é necessária tanta burocracia para alcançar melhorias, “a união das várias expressões de arte, estilos, classes sociais, raças, credos... numa convivência pacífica (até fraterna, eu diria), enche o nosso coração de esperança, pois vemos que é possível uma sociedade melhor”, afirma o escritor Gleydston (Barba). Não existe apoio político partidário ou das instâncias do governo, o que é realizado vem da força de vontade e compromisso individual, “todos trabalhando pelo bem comum. É uma mostra de que podemos muito se pararmos de olhar para nosso próprio umbigo!”, destaca. As pinturas não são para, simplesmente, deixarem um lugar bonito ou serem vistas como vaidade pessoal, pelo contrário, a idéia que predomina vai além. O mundo precisa perceber que a população dos morros e favelas também tem seus direitos e são capazes de construir uma sociedade justa, são locais de terra fértil para plantar opções e colher frutos maduros de conhecimento. “Nesse tipo de encontro quem vai se sente em casa, serve de lição para muitos, penso que os que vão para pintar devem se conscientizar disso, as pessoas abrem as portas da comunidade e de suas casas de coração, aprendi nesses anos que as pessoas em comunidades, muitas vezes, têm muito pouco e são as que mais oferecem”, ressalta Marcelo Ment.
Viver da arte do graffiti: é possível?! Hoje muitos grafiteiros já conseguem criar perspectivas profissionais de sua capacidade artística de criação. O graffiti passou a ocupar um espaço considerável no assunto mercado de trabalho, artistas vão além de oficinas ou pintura de fachadas comerciais, grupos estão se organizando para garantirem seu sustento a partir de ações particulares. O graffiti possibilitou o avanço de uma série de produções artísticas. Com estilo próprio, ele veio para qualificar as tecnologias da comunicação social e artes em geral, que são as mais exploradas por este pessoal, ou seja, você pensa design gráfico, ilustrações, tatuagem, tem grafiteiro produzindo, os horizontes são
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infinitos para esta rapaziada, tem gente expondo seus “trampos” em galerias de arte da Europa e tudo mais. Um dos melhores exemplos para ilustrar esta história é falar dos irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo (Os Gêmeos) que têm seus trabalhos expostos em diferentes cidades dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Cuba, entre outros países. Os temas vão de retratos de família à crítica social e política; estilo trazido nas bagagens tanto do hip-hop tradicional como da pichação. Um dos momentos considerados mais importante de suas carreiras foi quando em maio de 2008, executaram a pintura da fachada da Tate Modern, de Londres, para a exposição Street Art.
A “Perseverança” do grafiteiro Mário Band’s Foto de Sadraque Santos
“Parabéns, tá ficando bonito”, “porque que não fizeram na minha casa?”, “isso podia acontecer mais aqui no morro...”. Estas são algumas das coisas que mais se ouve quando se está pintando nas comunidades. O morador estampa o sorriso no rosto quando vê sua casa transformada e quando se deparam com criações que expressam um bombardeio, mas desta vez, de muita paz, alegria e liberdade de direitos. Nas favelas, o que falta é isso: valorização territorial que incentive seu desenvolvimento. A vida nestas localidades é dura e precária, a arte vem quebrar esta rotina e trazer novos ares para uma transformação social.
O início de tudo... Tudo começou lá pelos anos 70 nos guetos americanos. Grupos rabiscavam paredes dos becos, lixeiras, e o mais famoso de todos: os trens que cortavam bairros e levavam os nomes das gangues ou dos escritores para toda parte da cidade e, assim, aumentava a fama de cada um e uma certa sensação de domínio de território. Aos poucos a demarcação foi tomando segundo plano para uma verdadeira e nova forma de expressão artística, onde o surgimento de novas formas e estilos de fazer graffiti ganharam sentido na vida dessa galera. Alguns anos se passaram e pintar paredes passou a ter uma nova concepção. Questões políticas, crítica social, mensagens e cores foram um dos princípios concebidos neste momento. O grafiteiro agora é mensageiro da mudança, utiliza sua capacidade criativa para questionar e levar vida para locais ofuscados pelo abandono. No Brasil, o graffiti chega ao final dos anos 80, a cidade de São Paulo foi privilegiada por ser a precursora desta história e até hoje é referência brasileira quando se toca no assunto. A partir daí a coisa foi se alastrando de maneira viral até que hoje não existe uma cidade, sequer, sem cores e traços coloridos feitos por bicos de spray.
Alguns sites: www.daviamen.blogspot.com | www.espacorabisco.com www.meetingofavela.blogspot.com | www.graffiti.org.br www.grafftube.com | www.4graffiti.com
diálogo urbano | mar/abr fevereirode de2010 2010
A comunidade agradece
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Wendell Said gira a bola na ponta da caneta, uma das técnicas mais praticadas pelos meninos do projeto “Cultura na Cesta”
Basquete Pela Arte, pela Vida Matéria e fotos: Paulo Brito
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O relógio marca 6h. Do alto dos seus 2,01m de altura, Wanderson Geremias ou, simplesmente, WG, como é conhecido, já se espreguiça, mas com cautela para não tocar no teto. Assim que termina a higiene pessoal, inicia sua rotina cotidiana: ler e responder e-mails de amigos, empresas, emissoras de TV; entrar em contato com parceiros em potencial para o projeto de basquete de rua que desenvolve há cinco anos no Cesarão, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2005, o projeto de Basquete de Rua do Cesarão, denominado de “Cultura na cesta”, saiu do papel. No início eram apenas cinco crianças e, hoje em dia, existem 182 inscritos e a procura continua aumentando. As oficinas são realizadas às terças e quintas, das 17h às 19h, no Centro Integrado Sementes do Amanhã (CISA). A quadra disponível não possui refletores, mas isso não impede que as atividades beirem à noite. Outro fa-
tor marcante é a determinação e a força do improviso: qualquer espaço, seja o quintal da sede ou a rua principal da comunidade, servem como quadra imaginária para as ações recreativas implementadas por WG. O objetivo do ex-jogador de basquete profissional e um dos mentores da iniciativa, Wanderson, que chegou a atuar pelo Botafogo, é o de desenvolver um trabalho esportivo, cultural e de integração social, num processo contínuo. A formação de atletas que possam atuar pelos clubes brasileiros sempre é uma meta, mas não a principal. O que se pretende, realmente, é a construção, em grupo, de uma consciência cidadã, por intermédio do esporte.
As aulas costumam ser dadas na quadra do Centro Integrado Sementes do Amanhã (CISA), mesmo durante à noite, apesar da falta de refletores
Sementes que já dão frutos
Atualmente, oito meninos que começaram no “Cultura na cesta” estão espalhados pelo Vasco e pelo Flamengo. O sonho de WG faz coro ao sonho de todos, inclusive ao de uma das coordenadoras de projeto, Vania Geremias Nunes, que espera, algum dia, ver um dos jovens vestindo de um grande clube profissional e, ainda, da seleção. “Sonho que eu ainda vou ver alguns deles participando da seleção. Em 2016 teremos algumas de nossas crianças representando o país e eu estarei aqui torcendo”, idealiza. Um dos meninos atendidos pelo projeto já treina no Vasco da Gama. Cheio de sonhos e com um futuro promissor, Daniel dos Santos, de 12 anos, é apontado por Wanderson como um provável grande jogador. O garoto se destaca pela habili-
WG ergue o troféu de Campeão do Campeonato Brasileiro de Basquete de Rua de 2008. Na ocasião, ele era o capitão do time do Cesarão que conquistou o título
dade e rapidez e, tal qual seus companheiros de projeto, se imagina defendendo um grande clube de basquete do país e, também, a seleção brasileira. Daniel conta como conseguiu entrar no Vasco da Gama: “A peneira do Vasco foi aqui perto, eles vieram até a gente. Os técnicos estavam presentes e eu, graça a Deus, junto com mais outros quatro meninos, passei e hoje treino lá em São Januário. No futuro eu estarei vestindo a camisa da seleção”, diz otimista.
Dificuldade em conseguir parceiros
“Eu ouço ‘não’ há cinco anos”. Wanderson reclama das dificuldades em conseguir parcerias para um desenvolvimento maior do projeto que ele executa. A complexidade em angariar fundos de empresas é inversamente proporcional à ajuda recebida através de pessoas comuns. Para o instrutor, o fato do Cesarão não ser uma comunidade que está sempre na mídia, atrapalha neste sentido. “A gente é a ‘comunidade da comunidade’. É status morar na Rocinha, no Vidigal, na Cidade de Deus. Lá tem 500 projetos. Agora vai ver quantos projetos tem aqui no Cesarão. Nossa dificuldade é maior ainda, pois moramos numa comunidade onde ninguém quer fazer nada”, desabafa. Com perseverança e bom humor, WG não pensa em desistir de tentar patrocínios. A ideia é, futuramente, construir um Centro de Treinamento de Basquete de Rua, na comunidade, além de aumentar o número de passeios culturais e de apresentações realizados pelos meninos. No que depender do esforço, tudo será conquistado em breve. “Hoje em dia está tudo complicado pra gente, mas eu estou batendo na janela. Se a porta é fechada, eu tento entrar pelos fundos. Se, mesmo assim, não abrir, eu começo a gritar, pois uma hora vai aparecer alguém”, brinca. O tom de WG volta à seriedade ao falar sobre o trabalho que promove e da imagem que pretende passar: “A gente quer mostrar que o basquete não é só esporte. Queremos mostrar que o basquete é cultura e arte também”, conclui.
Saiba mais sobre o projeto Cultura na Cesta: http://culturanacesta.webnode.com/ Tel: (21) 3158-4681 - 3157-7110 - 8737-5962
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“Se você entrega um livro para uma criança ou uma caneta, ela olha, analisa, mas não é certo que vá participar de algo, que surja um interesse natural por aquilo. Agora, entrega uma bola e diga para essa criança que ela só vai participar se estiver estudando e bem no colégio, se tiver respeitando os pais. O interesse é quase que automático. A nossa vontade é de fazer a criança e o jovem terem conhecimento dos direitos e deveres no mundo. E a bola faz essa conexão legal”, diz. De acordo com WG, o espaço hoje utilizado para a realização das oficinas era praticamente deserto e sem iluminação, o que contribuía para um mau uso do terreno, no passado. Alguns menores utilizavam o espaço para poderem se desvincular do mundo através do uso de entorpecentes. A partir do momento em que o projeto começou a ser implantado, um desses jovens pediu para participar das atividades desenvolvidas ali. Os olhos de Wanderson brilham ao comentar que, por falta de uma base familiar sólida e, ainda, devido à pouca infra-estrutura do projeto que engatinhava, o menino permanecia na vida à margem da sociedade. WG fez questão de ressaltar a reintegração do rapaz durante o tempo em que ele resolveu participar do “Cultura na cesta”. “No local onde a gente começou a praticar o basquete tinha umas movimentações estranhas. Aí, quando o projeto foi iniciado, as pessoas que poderiam fazer algo de errado saíram do local, pois viram a seriedade do nosso trabalho. Uma dessas pessoas chegou até a participar de algumas atividades conosco, porém, a falta de uma base familiar e, ainda, a pouca estrutura que tínhamos, não foram capaz de convencê-lo a ficar mais tempo”, lamenta. Por ironia do destino, apesar de lidar com mais de uma centena de jovens, Wanderson sofre, silenciosamente, o drama de se ver afastado de uma criança em especial, sua filha, devido a problemas conjugais. Ele mesmo admite que não gosta de misturar o lado pessoal com o projeto, por isso evita tocar no assunto.
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Sk8 levanta vôo na Rocinha Matéria e Fotos: Leandro Lima
A ASBR (Associação de Skate e Bike da Rocinha) surgiu em 1998, auge do skate na Rocinha. Rubens Carvalho e Alê Braghin buscavam locais para que pudessem andar de bike e skate. Mas devido a falta de recursos e apoio, não conseguiram um espaço para praticar. Na época, a praia e um pátio de uma concessionária em São Conrado eram os principais points da galera que curtia rock, hip hop e esportes radicais. “O pessoal ficava esperando a concessionária fechar e os carros saírem do pátio para termos espaço. E o piso era perfeito para andar de skate, por isso era bastante concorrido cada metro daquele lugar. Aí era skate, patins e bicicleta, tudo ao mesmo tempo.” Conta Aldemir Ferreira, um dos praticantes daquele lugar na época. Rubens Carvalho, um dos idealizadores do projeto de esportes radicais da
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Rocinha conseguiu um espaço no CIEP Ayrton Senna e assim, pôde dar continuidade ao seu sonho: dar aula de bike para crianças. “O começo foi diversão mesmo, procurando lugares para praticar. E quando foi conquistado esse espaço no CIEP, procuramos fabricar obstáculos para o pessoal praticar.” Diz Rubens. E foram estes mesmos “obstáculos” que chamaram a atenção de Nando Dias. Surfista e fotógrafo, Nando ficou curioso ao ver Rubens carregando o material e não se conteve para perguntar o que era aquilo exatamente. Foi assim que nasceu o SBR Rocinha Radical. Unindo o lado esportivo de Rubens com a visão profissional de empreendedor do Nando Dias. “Foi engraçado, eu não lembro se estava indo ou voltando da praia, quando vi o Rubens carregando aquelas coisas. Fui perguntar e ele veio me falando de projetos, de aulas, local para praticar... eu pedi calma a ele e depois conversamos melhor sobre o assunto. Aí me dei conta de que a idéia era muito boa e era uma iniciativa que alguém teria que fazer nessa comunidade.” conta Nando. O SBR cresceu, e como qualquer projeto, teve problemas no início. Enquanto comemorava o seu registro oficial em cartório, sofria com o espaço cedido na região conhecida como Roupa Suja. A pista não teve um acompanhamento profissional e sua estrutura era precária, e ainda assim, era disputado com outras pessoas que também buscam espaço, como crianças e comerciantes. O espaço acabou tornando-se para o SBR um point para
Nando Dias, Rubens Carvalho, Vinicius “Da vela” e alunos no Complexo Esportivo da Rocinha
A meta agora é apresentar ao público a nova geração de praticantes de esportes radicais e colocar o nome da comunidade nos maiores torneios nacionais e quem sabe, atingir o público estrangeiro.
Planos para o futuro O SBR Rocinha Radical planeja iniciar ainda esse ano um circuito estadual, ampliar os obstáculos móveis, retomar o Tour Radical com mais conforto e segurança e buscar patrocínios para que o projeto seja reconhecido e assim, ajudar os alunos com equipamentos novos e acompanhamento individual. Rubens reforça a preocu-
“A chuva parou! Vamos andar de skate!” grita Wallace olhando para o céu. ches e assim, todos conheciam novas pistas por todo o Rio de Janeiro. Do Aterro do Flamengo a Nova Iguaçu, o SBR assim, expandia seus horizontes e ao mesmo tempo, seus sonhos. Vinícius “Da vela” só tem boas lembranças do tour: “No tour radical conhecíamos o Rio de Janeiro de forma diferente. As pessoas estranhavam quando a galera descia do ônibus animada para andar de skate e isso chamava muita atenção. Conhecemos muita gente e muitas pistas.”
SBR Rocinha acelera na pista O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) chegou na Rocinha e teve como um de seus projetos, um complexo esportivo, colocando as principais modalidades esportivas à disposição dos moradores da comunidade. Rubens, Ale, Nando e Vinícius junto com George Rotatori acompanharam todo o processo da construção do skatepark até a inauguração do Complexo Esportivo. Hoje, a pista é uma das melhores do Rio. O skatepark tem um pouco mais de um mês em uso, e com as chuvas, o local ficou paralisado por alguns dias, mas isso não desmotiva os alunos. Os horários já estão todos preenchidos e ainda há espera por vagas. Agora o desafio do projeto é aumentar o nível não só das manobras e também buscar nas crianças o começo de uma nova era na Rocinha.
pação com os praticantes e também com o futuro da Rocinha: “Não adianta o aluno vir aqui e fazer boas manobras na pista, ele tem que estudar e ser algo além de um esportista. Fico feliz quando vejo uma criança carregando um skate, mas fico orgulhoso quando ela também carrega uma mochila indo para a escola”. “Daqui a um ano você verá a evolução do SBR. Ver pais orgulhosos com seus filhos fazendo o que gosta com toda a segurança e acompanhamento profissional. Ver em andamento um projeto social e cultural, como o Afroreggae por exemplo. Temos muito o que oferecer.” explica Nando Dias. Wallace Pereira, de 14 anos é um dos alunos que estavam na pista no momento da entrevista. Sempre quando há ameaça de chuva, é um momento de tensão entre os praticantes, e desta vez não foi diferente: “A chuva parou! Vamos andar de skate!” grita Wallace olhando para o céu.
O Complexo Esportivo recebe atletas de várias regiões
SBR busca novos talentos na comunidade da Rocinha
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encontros e eventos. Segundo Rubens, faltou apoio para que aquele local se tornasse o primeiro lugar para as atividades esportivas do projeto. “Ali não houve tanta estruturação. O SBR sempre buscou dar valor aos esportistas e procurando novas maneiras de dar apoio e suporte aos praticantes, fazendo eventos para acabar com o preconceito que o esporte radical tinha na Rocinha, até mesmo porque esta modalidade acompanha o rock como conceito musical que não é muito bem vindo na comunidade. Mas existia essa galera na Rocinha. O SBR só trouxe esse pessoal de volta e o movimento ganhou força e respeito.” Explica Nando Dias. O projeto, mesmo com muitas dificuldades, não via limites e criou o “tour radical”. A equipe recolhia dinheiro dos participantes para alugar o ônibus e comprar lan-
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Arte e saúde
Na contra-mão da tendência cidade de “muros”
Em parceria com o CBA (Associação Brasileira de Acreditação de Sistemas e Serviços de Saúde), o ‘Entrando Por Uma Porta’ vai estar na casa dos moradores das comunidades do Fonseca, em Niterói. A proposta do grupo é construir um curso de formação técnica de Agentes Comunitários de Saúde, formando profissionais para atender com técnicas de teatro oprimido, saúde preventiva, prevenção ao uso de drogas, cidadania, entre outros. “Nosso público-alvo são jovens atendidos pelos programas pró-jovem, idosos, líderes comunitários, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e demais interessados acima de 16 anos”, explica S’Antana. O curso técnico será ministrado na sede do grupo, em Niterói. O espaço será um local para troca de informações acadêmicas e experiências comunitárias bem sucedidas, como os outros Agentes Comunitários de Saúde do Brasil. Com o curso, o grupo espera que os participantes ampliem sua prática profissional, contribuindo para a melhor relação com as comunidades carentes. A data de abertura das matrículas ainda será divulgada. “Avaliamos semestralmente as nossas atividades. Cada vez mais tenho certeza de que mais que uma construção social, o trabalho do grupo é uma arma e um remédio contra a violência e o tráfico de drogas. Todos estão convidados a participar”, afirma S’Antana.
O encontro de Ana Suely Malta, 53 anos, com o Grupo Entrando Por Uma Porta foi meio que por acaso. A atriz estava na sede do SATED (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado do Rio de Janeiro) quando conheceu Reinaldo S’Antana, um dos idealizadores, que a convidou a conhecer mais sobre o projeto. “Me encantei com a proposta de trabalho com as comunidades e entreguei-me completamente”, conta Malta que faz parte do grupo há mais de 11 anos. Além de levar arte e cultura para as comunidades cariocas, o ‘Entrando Por Uma Porta’ tem um papel social importante, funcionando como espaço de diálogo com moradores do “asfalto”. “Eu sempre fui e continuo sendo moradora de Jacarepaguá. Tinha muito pavor de passar perto das comunidades por medo de violência. Era uma burguesinha mesmo. Depois que conheci o grupo de teatro minha visão mudou completamente. A gente interage o tempo todo com os moradores e hoje posso dizer que tenho grandes amigos e freqüento sim favelas cariocas com um novo olhar”, revela Malta. Já o ator Marcos Teles, 24 anos, que desde adolescente participava de atividades ligadas às artes, diz que ampliou sua visão cênica ao participar do ‘Entrando Por Uma Porta’. “Exercitando a função teatral percebi que os ensinamentos e técnicas passadas para mim no início da minha carreira, não foram o suficiente para eu me engajar em espetáculos como o Periferias, por exemplo. Ali, junto a outros integrantes da comunidade da Maré e de Ivri na França, aprendi a enxergar com outros olhos o verdadeiro sentido da arte, que além de emocionar, fazer rir e entreter o público, o teatro tem o principal papel de fazê-lo refletir e levá-lo a conhecer aspectos, sentimentos, situações em que jamais viveu”, reforça Teles.
SERVIÇO: Casa de Cultura Dona Zezé Prates: Rua Álvaro Neves, 9, Fonseca, Niterói-RJ Tel: 21 2625 7493 Núcleos de Cultura: Colégio Estadual LuisCarlos da Vila, Manguinhos, e Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, em Jacarepaguá.
Blog do grupo:
Ensaio do Peripherias Entrou Por Uma Porta, Vila Olimpica da Maré e CAPE SUR IVRY- RJ - 2009
Reinaldo San’tana e Iléa Ferraz após a apresentação no Mecado Kaponte em Benguela/ Angola - 2009
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http://grupoentrouporumaporta.blogspot.com/
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Alberto Eloy (Quijote) e Carlos Mutalla (Sancho) na Cena do Espetáculo Multicultural El Quijote na Rede Latino Americana - SP - 2009
Alex Porto construindo a Cenografia do Periferias - RJ - 2009
49 anos de ritmo e tradição Por Fabiana Oliveira Fotos: Fabiana Oliveira e Acervo Cacique de Ramos
Há 49 anos a roda de samba do Cacique de Ramos, que fica entre o bairro de mesmo nome e Olaria, anima as tardes de domingo da Zona Norte carioca. Para além do lazer, à sombra da tamarineira foram revelados grandes nomes da música brasileira, como Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto, Dudu Nobre, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Sombrinha, entre outros. Recentemente, o local foi tombado como patrimônio cultural do Rio de Janeiro e receberá investimento da prefeitura para construção de nova sede, com ginásio coberto. Mesmo com as obras, previstas para terminarem em sete meses, o samba continua rolando solto, sempre a partir das 17h, com entrada e estacionamento gratuitos. E não é qualquer samba. Segundo Bira Presidente, integrante do Fundo de Quintal, e como o próprio nome define, presidente do Grêmio Recreativo Cacique de Ramos desde sua fundação em 1961, o diferencial é que por ali só se escuta samba de raiz e como o próprio Bira defende, da melhor qualidade: “Meus antepassados sempre foram ligados ao samba. Como meu pai convivia com o pessoal da velha guarda como Pixinguinha, Candeia, Cartola, entre outros, crescemos no meio deles. Então fizemos daqui de dentro um reduto daquilo que aprendemos com essas pessoas. Aqui cantamos samba puro, de raiz”. Frequentadores assíduos do local, o casal Simone Costa e Álvaro Santos aprovam não somente a música, como também o ambiente. Segundo Bira, a Casa - que não possui segurança - desde sua fundação nunca registrou uma ocorrência policial. “Aqui é nosso programa de final de semana. Particularmente acho que é um lugar adequado para tudo. É um ambiente muito familiar. Sempre que posso trago meu filho de oito anos para cá”, diz Simone, que também é vocalista do grupo de samba Mafuá de Iaiá.
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Casal Simone Costa e Álvaro Santos, frequentadores assíduos do local
Da quadra para Avenida No período de carnaval, da quadra de 2500 metros quadrados, o Cacique de Ramos ganha o Centro do Rio, encerrando - todos os dias - o desfile dos blocos carnavalescos, na Avenida Rio Branco, sendo acompanhado por todos os foliões. A passagem do Cacique, com suas diversas alas, é considerado um dos pontos altos da festa. Neto de indígenas, Celso Anísio de Oliveira, presidente de uma das alas da agremiação, a Tamoio, vê o Cacique como uma forma de valorizar suas raízes: “Nas alas o pessoal se veste de índio, com as roupas próprias. Por ser neto de indígenas, isso tem um valor enorme para mim. Já tenho quase 36 anos de Cacique e isso para mim é a realização de um grande sonho”. Enquanto o carnaval não chega, Marco Antônio, morador de Ramos, não perde um domingo de samba no Cacique: “Venho sempre. Aqui é o celeiro do samba. Praticamente uma escola para tudo quanto é sambista. Sem contar que é o melhor samba de mesa. Aqui é tudo ao vivo, sem microfone. Só canta e toca quem tem talento. Se não tiver, nem entra na roda”. E para as comemorações do cinqüentenário do Cacique, em 20 de janeiro de 2011, o Presidente avisa que o bloco, que já é tese de doutorado, ganhará uma exposição no Museu da República, show no Terreirão do Samba, documentário de Luiz Carlos Lacerda, além da reedição do livro “Cacique de Ramos: uma história que deu samba”, do antropólogo Carlos Alberto Messeder. Vida longa ao Cacique!
RODA DE SAMBA DO CACIQUE DE RAMOS Todos os domingos Horário: 17h30 Endereço: Rua Uranos, 1326, Olaria – Rio de Janeiro. Tel.: 3888-9248 Entrada e estacionamento: Gratuitos No Carnaval Concentração todos os dias, na Avenida Rio Branco, esquina com Av. Presidente Vargas, às 18h. Fantasias: R$ 40 (napa) e R$ 25 (Ala do Cura Ressaca). Contatos: 3880-9248 e 9363-2973.
SAIBA MAIS O Samba de Raiz é uma autêntica expressão da cultura musical brasileira. Em um grupo de samba de raiz, vemos o pandeiro de couro, o cavaquinho, cuíca, surdo, violão e violão de sete cordas. O banjo, pandeiro sintético, repique de mão e tan tan foram introduzidos principalmente nas rodas do Cacique de Ramos e por integrantes do grupo Fundo de Quintal, tendo esses instrumentos vindo para somar. O samba de raiz também traz outros importantes instrumentos como: ganzá, recoreco, tamborim, bandolim, entre outros. O samba divide-se em vários tipos, todos eles integrantes do “Samba de raiz” como o samba de partido alto (versos de improviso), samba dolente, samba de quadra, samba de terreiro, samba do recôncavo baiano... Fonte: Wikipédia – www.wikipedia.org
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TOME NOTA
Bira Presidente no tradicional bloco de rua
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um líder afinado com as pessoas, a música e o trabalho Por: Beatriz Coelho Silva Fotos: Diálogo Urbano
Os médicos do Rio de Janeiro já sabem: qualquer questão com o seu sindicato pode ser resolvida pelo auxiliar administrativo Luiz Fernando Cassiano Gomes. Os moradores do Morro Santa Marta contam com ele para ajudar nas horas de aperto, para organizar festa, desfiles de carnaval, e dar uma força em tudo que a vida comunitária pede. Mas, se você quiser achá-lo no Santa Marta ou no Sindicato, deve procurar pelo Felipão, nome pelo qual esse rapaz nascido e criado na comunidade de Botafogo e que, há mais de 20 anos, é uma referência nos dois ambientes, o sindical e o do carnaval carioca. Afinal, entre dezembro e março, ele é mestre Felipão, que dirige a bateria dos blocos de Segunda, Suvaco de Cristo, Desculpa pra Beber e Barbas, liderado pelo Nelson Rodrigues Filho. Não que durante o ano ele se afaste da festa. Além de ensaiar com a bateria ao menos a cada 15 dias, já que os ritmistas precisam estar afiados quando chega a hora de animar festas e desfiles, Felipão gosta de reunir os amigos em churrascos e rodas de samba, com motivo, como na sexta-feira, dia 23 de abril, para celebrar São Jorge, no dia do santo guerreiro, ou sem motivo nenhum. “É preciso estar sempre em contato porque ninguém vive sozinho, sem os amigos a gente não chega a lugar nenhum”, ensina.
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Ele faz questão de enumerar os amigos, boa parte deles do Santa Marta, alguns parentes de sangue, outros por afinidade: tem o primo Tião Belo, Chininha (passista) e os 15 ritmistas fixos da bateria, que têm que tocar para si e para os outros quando desfilam. “Chega muita gente querendo tocar, médicos, advogados, arquitetos e, mais que tudo, são amigos durante o ano todo”, diz Felipão. Não deixa de falar também no falecido Zé Diniz, “que tinha uma folia de reis no Santa Marta” . Nascido no morro Santa Marta, cuja família é pioneira naquela comunidade que, Felipão saía na furiosa (banda de metais) do pai, era seu auxiliar na condução da bateria da Escola de samba São Clemente e ainda acompanhava a avó, dona Neném, que o criou, aos pagodes de Botafogo e adjacências. E, para quem pensa que samba só vem da zona norte e dos subúrbios do Rio, o ex-bairro aristocrático da zona sul é berço de bambas como Paulinho da Viola, Walter Alfaiate e Mauro Diniz, só para citar os que ganharam fama. Felipão herdou do pai o jeito de ser líder, conseqüência da vontade permanente de ajudar o próximo e ver as coisas acontecerem. Herdou também o talento para tocar e harmonizar instrumentos de percussão. Foi passista e ritmista da escola de samba Beija-flor de Nilópolis nos anos 1970 (com os enredos campeões de Joãosinho Trinta) e organizou blocos e alas de escolas de samba. Nos anos 1980, largou o samba, mas não a comunidade do Santa Marta. Continuou ativo, constituiu família e aumentou o círculo de amizades para além, para o asfalto. Foi assim que voltou ao samba, conta ele, sorrindo da lembrança: “Em 1988, eu era contínuo no Sindicato dos Médicos e meu chefe era o advogado Fernando Cacaldi. Ele me chamou para organizar a bateria do Bloco de Segunda, da publicitária Evelyn Sussekind (conhecida no samba como Loloca), o arquiteto Carlos Fernando de Andrade, e funcionários de empresas estatais do bairro, de bar e praia. Levei meus amigos do Santa Marta porque sozinho não iria a lugar nenhum.” Hoje a bateria sai nos quatro blocos, faz apresentações todo mês na quadra da escola de samba Mocidade Unida do Santa Marta, da qual é fundador e presidente do Conselho. “Quando chega perto do carnaval, as apresentações acontecem todo fim de semana, de sexta a domingo, ou mesmo começando na quinta”, conta. Assim como ele, a maioria dos outros 15 ritmistas fixos têm outras atividades, pois esses shows e desfiles são a única remuneração que o samba lhes dá. Os blocos pagam um cachê – que é dividido entre todo mundo -, lanche e fantasia para a bateria. “Não dá para viver com esse dinheiro, mas geralmente compro o material escolar para as crianças com o que ganho nesta época”, explica. A família dele, no entanto, não é muito de samba. “Minha mulher, Juliana, não gosta (mas coleciona o arquivo de fotos e reportagens que saem sobre ele). Meus filhos também não vão. O mais velho, Luiz Felipe, de 25 anos, já trabalha, também como auxiliar administrativo. O segundo, Álvaro Felipe, com 15 anos, ainda estuda.” “Se eu tivesse que escolher entre o samba e o sindicato, não sei o que faria, gosto dos dois igualmente. No samba, nasci e fui criado porque, minha mãe, Lilita, foi passista e meu pai tinha a furiosa”, continua. “No sindicato,
gosto de resolver problemas, ver as coisas andarem. Nos 22 anos em que estou aqui, minhas atribuições só cresceram.” No morro também. Não satisfeito com a roda viva de ensaios dos vários a que pertence, Felipão criou o bloco Pela Saco, que sai há dez anos, às terças-feiras gordas. Luta também para manter na ativa a Mocidade Unida de Santa Marta, que atualmente desfila num grupo de acesso em Campinho. “A escola dá mais trabalho que bloco porque tem que olhar carro alegórico, fantasia das alas, transporte para o povo todo no desfile e tudo mais”, lembra Felipão. Para quem não tem referência, é a escola de samba que aparece no videoclipe que Michael Jackson gravou no Rio em 1996. E também encantou a superstar Madonna, quando visitou o morro no ano passado. “A visita do Michael Jackson foi demais”, conta Felipão, destacando o impacto da presença do astro pop no Santa Marta. “Já a Madonna eu não vi, estava no trabalho”., lamenta. Para dar conta do samba e das 8 ou 9 horas de batente no sindicato, Felipão corre de um lado para o outro, rotina que fica mais intensa de dezembro a fevereiro. Ensaios e festas de blocos entram pela madrugada e, às 9 horas, pontualmente, ele está no Sindicato dos Médicos, sempre solícito e disposto. “Quase não conto com ele, nem nos fins de semana porque fica enfiado no samba”, brinca a mulher de Felipão, Juliana. Emotivo, Felipão,destaca sua relação com os integrantes da bateria: “Não posso deixar de citar também o meu pessoal, que me ajuda a organizar a bateria porque sozinho a gente não é ninguém”, conclui Felipão com seu melhor sorriso.
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Se eu tivesse que escolher entre o samba e o sindicato, não sei o que faria, gosto dos dois igualmente.
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Ensaio fotográfico no alto do Complexo do Alemão. Modelo Dayane Rocha. Foto: Maycom Brum
Tirada da minha laje um dia antes das chuvas que castigaram o Rio de janeiro (Complexo do Alemão). Foto: Maycom Brum
Maycom Brum e-mail: maycomfotografo@gmail.com www.flickr.com/photos/maycom_brum/
Participe Mande sua foto para Rua da Concórdia à noite, fiz uma longa exposição e o resultado foi esse (Complexo do Alemão).
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Foto: Maycom Brum
dialogourbano@gmail.com Resolução: 300 DPI
Sustentabilidade
ou Ética?
Qual o significado da palavra sustentável? Feita há poucas décadas atrás esta pergunta poderia ficar sem resposta. Para alguns, no entanto, a resposta seria clara e estaria associada à preservação do meio ambiente. Não é por acaso, uma vez que o conceito de sustentabilidade, durante muitos anos, foi apropriado por aqueles que viam na questão ambiental um dos maiores, senão o maior, problema do Planeta. Não tendo a menor dúvida de que se não adotarmos uma postura radicalmente diferente em relação aos nossos padrões de consumo e poluição não teremos futuro, temos também clareza que muito mais precisa ser feito. Foi a partir desse entendimento inicial e de uma nova visão sobre o futuro da humanidade que a palavra sustentável e o termo sustentabilidade passaram a incorporar outras dimensões. A mesma questão, hoje formulada, talvez leve a outra pergunta. Sustentável em que dimensão? Econômica, social ou ambiental? Analisar a sustentabilidade sob a ótica das dimensões, se por um lado pode nos ajudar a visualizar melhor o conceito, pelo outro pode nos levar a uma visão fragmentada do mesmo. Será que é possível a sustentabilidade econômica sem a social? E a econômica sem a ambiental? E, e, e... Será que existem outras dimensões a considerar? Que tal a cultural? E a política? Para todos que procuram enxergar o conceito dentro de uma visão holística, talvez não faça muito sentido falar nas dimensões, ou seja, o termo sustentabilidade deve ser visto dentro de sua visão ampla que incorpora absolutamente todos os aspectos necessários. Dentro desta abordagem as dimensões passam a ter um caráter mais didático para facilitar a compreensão e o verdadeiro sentido da palavra.
Em uma roda de amigos, nas conversas de botequim, nos encontros empresariais, nos atos religiosos, no meio político, enfim em todos os momentos da vida que envolvem gente, as palavras sustentabilidade e ética estão cada vez mais presentes. Utilizadas de forma completamente distintas, estas duas palavras estarão cada dia mais conectadas. Para que possamos falar de ética, precisaremos falar inicialmente sobre a palavra moral. Os termos moral e ética vêm sendo utilizados por muitos com o mesmo sentido e não sem razão, uma vez que recorrendo as origens latinas e gregas das duas, encontraremos a palavra costumes. Como tem dito a professora Terezinha Rios é importante fazer a distinção entre estas duas palavras. Moral será para nós o conjunto de normas, regras, procedimentos e leis que nos permitem viver em sociedade. A ética, por ter na sua essência o bem comum, está pautada em princípios e tem como papel principal exercer uma crítica permanente sobre a moral. Dentro desta lógica, diferentemente da moral, que se ajusta quando temos grupos e culturas diferentes, a ética tem a pretensão de ser universal e permanente. Podemos citar, como exemplo, o que estamos vivendo no momento, em determinado País da África, que é a discussão sobre a pena de morte para o homossexualismo. Caso aprovada, a nova lei passará a fazer parte do código de moral desse País. A questão que se coloca é: Seria ético? A resposta para muitos é óbvia, mas existem ainda aqueles, e que não são poucos, com uma visão diametralmente oposta. O conceito de ética, mesmo com a pretensão de ser universal e mais permanente no tempo, tem avançado e irá avançar ainda mais à medida que a humanidade evolua no seu nível de consciência. E aí surge a seguinte questão: será possível admitir sustentabilidade sem ética? E sermos éticos com atitudes e posturas não sustentáveis? Por esta razão estas duas palavras estarão cada vez mais conectadas e talvez em um futuro muito mais próximo do que imaginamos, representem a mesma coisa. Indo à essência da essência dos conceitos de sustentabilidade e ética chegaremos ao que poderíamos chamar de um mundo melhor para todos. Mesmo não estando ainda preparados ou absolutamente convictos de que mundo queremos para nós, talvez seja possível chegar a um consenso de qual é o mundo que queremos e sonhamos para nossos filhos e netos. Aser Cortines Consultor independente e Diretor da Universidade da Experiência
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PontoFinal
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