Focas e as Religião

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Foto: Ferreira Júnior

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e as Religiões

Todas as cores da fé Religião sem preconceito // PÁG. 13 a 16

Jornal Laboratório da Faculdade Cearense | Curso de Jornalismo | Fortaleza | janeiro a julho 2013

Foto: Divulgação

Ensino Religioso em escolas causa polêmica A discriminação por falta de respeito à diversidade cultural religiosa está cada vez maior e abordar a temática nas salas de aula não é tarefa fácil PÁG. 06 e 07

SOLIDARIEDADE

SAÚDE

ECONOMIA

Religiosos fazem trabalhos voluntários em Fortaleza

Projeto Nova Vida combate a dependência química em Fortaleza

Dízimos e ofertas: o faturamento de bilhões

Amor e dedicação ao próximo amenizam o sofrimento de pessoas em situação de rua PÁG. 08

Com 13 anos de existência, o projeto já atendeu mais de 500 pessoas na capital PÁG. 04

ACESSIBILIDADE Foto: Divulgação

Deficientes chegam perto de Deus São poucas as igrejas que têm a tradução das missas em libras PÁG. 09

Em um país considerado cristão, os templos dos mais variados cultos registram arrecadação bilionária nos últimos anos PÁG. 03


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Focas e as Religiões Jornal Laboratório

EDITORIAL O Jornal Focas dedicado à religião traz um tema polêmico, que nunca sai de moda e que gera debates calorosos pela multiplicidade de opiniões. Isso porque, através da religião, podem ser associados a um ser humano, valores, vontades, tradições, pensamentos e costumes. A partir dessa problemática, apresentamos o jornal Focas, que não possui finalidade de apontar um rumo correto, um norte, uma conduta, um caminho... Mas, sim, tem como objetivo a abrangência e o valor humanístico, sem que sejam realizados julgamentos prévios. Assim, quebrando paradigmas, dando voz e vez aos diferentes tipos de culturas que envolvem as doutrinas religiosas, mostrando cenários e pontos de vistas que acabam sendo esquecidos por uma barreira que se estabelece à frente do bom senso, que se chama preconceito. O Focas traz ao conhecimento do leitor informações necessárias não para apontar, mas para proporcionar a reflexão de quem busca informação sem julgamento, sem ferir nenhum tipo de pensamento, mas dando chance para que todos os assuntos sejam discutidos.

OMBUDSMAN O que move as pessoas? Fé? Dinheiro? Poderíamos dizer que esperança. De um aspecto ou de outro - fé ou dinheiro -, o indivíduo busca a plenitude da felicidade inalcançável. Mas fé envolve algo considerado divino que une o ser humano por meio da religião que, derivada do latim, significa ‘’religação’’. A edição deste Focas, portanto, foi oportuno, já que o assunto religião sempre será motivo de pauta. Parabenizo aos redatores pela escolha do tema. Como é natural de um jornal laboratório, no calor da pressa, sempre algo fica de fora ou compreensivelmente esquecido. Esteticamente, o jornal apresenta algumas falhas como palavras substantivas escritas em caixa alta e títulos e assinaturas trocados por ‘’xxxxxx’’. Antes de ir ao prelo, a edição haverá de corrigir! Alguma fotos ficaram ‘’tímidas’’,

mas nada que prejudique o trabalho. Os temas foram bem tratados dentro da perspectiva que envolve o todo, já que a grande maioria dos textos obedece a um caminho positivo de cada religião. Sente-se falta, portanto, do contraponto. Enfim, um outro lado das histórias. A matéria sobre ‘’Dízimos e ofertas...” poderia ter sido recheada de questionamentos. Cada entrevistado prestou contas, hipoteticamente, sobre o caminho do dinheiro arrecadado. E os fiéis? Não acompanham essa trajetória da fé dinheiro? Quanto mais personagens uma matéria apresenta mais consistente e questionadora fica uma matéria jornalística. Em julho, o mundo católico brasileiro viveu momentos únicos com a visita do Papa Francisco. Nenhuma palavra no Focas sobre a visita carismática de Jorge Mario Bergoglio que ba-

lançouu a fé (?) do mais frio ateu. O Editorial sempre reflete a proposta de um produto jornalístico, na medida em que cria uma expectativa sobre o que virá em seguida. É perigoso e comprometedor dizer que o ‘’Focas traz ao conhecimento do leitor informações necessárias não para apontar, mas para proporcionar a reflexão de quem busca informação sem julgamento (...)” Na realidade, pedir reflexão é dar ao leitor o direito de conhecer os vários lados da história. Só assim, ele terá a mínima condição de aceitar ou questionar o que foi dito.

Mara Cristina Redatora da coluna Target do Diário do Nordeste e professora de jornalismo da FaC.

CHARGE

PONTO DE VISTA Os dilemas de uma ateísta Lá em casa, minha mãe, minha irmã e meu pai são católicos. E eu sou ateia. Aliás, a nomenclatura correta é ateísta, independente do gênero. Mas quase ninguém sabe ou se importa com isso. Já fui da igreja. Mas tem um momento que a gente começa a questionar tudo, mais do que criança quando aprende a falar. A partir de então comecei a achar estranho um deus que condena tudo. Falei pro meu pai quando discutíamos sobre algum caso policial na TV. Enfim, ele disse: “Minha filha, onde está Deus que não está vendo isso?” De pronto, rebati: “Se ele existir, não deve se importar ou intervir.” Meu pai ficou chocado e sem saber o que dizer. Depois, atônito, soltou: “Minha filha, você é ateia? Deus me livre!”. Um dia, estava indo fazer a prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e minha mãe chamou pra escutar uma oração e abençoar o exame. Também falei que não acreditava nisso. Ela olhou desconfiada e achou que eu fosse maluca. “Eu espero que você não venha acreditar quando acontecer alguma desgraça na sua vida, num momento de necessidade”, disse ela. Minha irmã foi a mais sensata. Perguntou se eu não acreditava mesmo em nada. Acredito em uma força no Universo, não nesse deus que a mídia tenta me vender, que é contra todos, que é cruel. Não, não. E ela aceitou de boa. Talvez esse tal Jesus Cristo existiu mesmo e tenha sido um homem sábio, que na época estava no mundo para defender os oprimidos. E se houvesse um homem assim hoje, teria os mesmo princípios do JC. Defenderia as minorias e tentaria provar que todos são iguais, independente de raça, cor, gênero ou sexo.

Quer falar conosco?! Escreva-nos jornalfocas@gmail.com

Amor ao próximo depende de religião?

Homens de Fé

Luana Rodrigues A Igreja desde os séculos passados é possuidora de um poder que abrange além da religião, a economia, a política e a cultura nos países em todo o mundo. Mas, mesmo com todo esse poderio a escolha do Papa é uma questão religiosa. Este ritual é repetido há 8 décadas, envolvido por questões religiosas e desconhecidas ao resto do mundo. A escolha é feita durante o conclave, reunião religiosa rigorosa com a presença de cardeais isolados do mundo até a escolha do Papa, por meio de votação entre os cardeais eleitores que rezam em salas fechadas. Acredita-se que, pela vontade de Deus, os cardeais são iluminados pelo Espírito Santo que os ajuda na escolha do representante da Igreja. Em meio a divindades e segredos, não se sabe como ocorre de fato essa escolha, apenas sabe-se que é feita por homens comuns que pela fé e com a benção do Espírito Santo indicam o eleito de bom coração que guiará os fiéis para a salvação. Segundo o evangelho de Marcos “A fé move montanhas”. Através dela o mundo caminha e a escolha do Papa é feita, por meio de orações do início ao fim de todo o ritual.

Samya Nara Na infância, lembro que minha mãe, muito católica e preocupada com a educação dos filhos, acreditava que as escolas ecumênicas supririam faltas, que nossa condição financeira não era capaz de resolver. Com essa ideia, ela me matriculou na escola primaria Santa Terezinha, uma escola simples em que as aulas eram ministradas pelas próprias freiras. Lá, além do ensino curricular de praxe, tínhamos o dever de repetir o rosário no final da aula. Hábito que para crianças de até sete anos era bem entediante. As freiras faziam reuniões mensais com os pais para debater questões de comportamento, aprendizado e religião com todos os seus princípios de fé e caridade e no final pediam uma espécie de “doação”. Essas doações eram controladas, através de um carnê, com a justificativa de melhorar a instituição. Nos dias seguintes, as crianças que por alguma razão os pais não tivessem feito a chamada doação, eram privadas de receber o lanche no intervalo das aulas... Cresci assim. Mas, o que minha mãe não sabia é que a principal lição que eu traria dessa época seria que caridade e amor ao próximo não depende de religião.

EXPEDIENTE Focas e as Religiões é uma publicação da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, da Faculdade Cearense - Turma 2013.1 - noite. Os textos assinados refletem o trabalho jornalísticos dos estudantes da disciplina. Conselho editorial Ferreira Júnior // Roberto Pinheiro Sousa Júnior // Thalita Acctt Projeto gráfico André Luís Cavalcanti Diagramação Thiago Cordeiro Bezerra Ombudsman Profa. Mara Cristina Castro Orientação e revisão da edição Profa. Klycia Fontenele Coordenador do Curso de Jornalismo Prof. Edmundo Benigno Gestor Acadêmico Prof. Marco Antonio Diretor Geral Prof. José Luiz Torres Mota Tiragem: 500 exemplares Faculdade Cearense - Campus I: Av. João Pessoa, 3884 Damas. Fortaleza - Ceará. Fone: (85) 3201.7000. www.faculdadescearenses.edu.br


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ECONOMIA

Dízimos e ofertas: o faturamento de bilhões EM UM PAÍS CONSIDERADO CRISTÃO, OS TEMPLOS DOS MAIS VARIADOS CULTOS REGISTRAM UMA ARRECADAÇÃO BILIONÁRIA NOS ÚLTIMOS ANOS Thalita Acctt Em 2011, as igrejas e templos religiosos arrecadaram em torno de R$ 20,6 bilhões. A soma (que inclui igrejas católicas, evangélicas e demais) foi obtida pelo Jornal Folha de São Paulo junto à Receita Federal por meio da Lei de Acesso à Informação que garante o acesso público a dados oficiais de entidades públicas e privadas sem fins lucrativos. A maior parte da arrecadação tem origem no dízimo e nas ofertas ou donativos. Segundo o levantamento, R$ 39,1 milhões foram entregues diariamente às igrejas, totalizando R$ 14,2 bilhões no ano. Além do dinheiro recebido diretamente dos fiéis, também estão entre as fontes de receita, a venda de bens e serviços que somam R$ 3 bilhões e os rendimentos com ações e aplicações. Entre 2006 e 2011, a arrecadação anual dos templos apresentou um crescimento real de 11,9%, segundo informações declaradas pelas instituições religiosas à Receita. A prática de doações e de pagamento de dízimos nas religiões é bastante comum. Com forte presença no cotidiano social, a religião tem uma importância na sociedade com a prática da espiritualidade e valores morais. É um sistema que se estabelece, através de organização hierárquica que necessitam de capitais econômicos para manter seu funcionamento. Esses capitais são provenientes de doações que os participantes das igrejas e congregações dão como forma de ajudar a obra proposta. Dinheiro, alimentos, roupas são formas de donativos que compõem os rendimentos dessas instituições religiosas. A aplicação do dízimo também é comum entre os fiéis, principalmente, por ser uma forma de contribuição citada nos escritos da Bíblia. “O dízimo e as doações são uma das formas que a Igreja tem de garantir a evangelização e as outras necessidades materiais...”, explica Padre Cristovam Lubel, representante da Pastoral do Dízimo da Arquidiocese de Fortaleza. Ele cita a utilização do dízimo para a manutenção da Paróquia e pagamento dos funcionários e do pároco e, também, ajuda a pagar outras despesas como sistema de som e material litúrgico. A ajuda dada às igrejas e templos religiosos é bem vista pelos fiéis. Maria Sousa, costureira e integrante da Assembleia de Deus Tocha Viva há 5 anos, conta que desde que participa dos cultos e atividades de evangelização, paga o dízimo mensalmente. “O dízimo é uma das formas de ajudar a igreja a manter as obras de Deus e ajudar também os irmãos que necessitam.”, explica, referindo-se à ajuda material e espiritual que a igreja realiza junto à comunidade.

Prestação de Contas Segundo a Assessoria da Arquidiocese de Fortaleza, entidade que representa a religião católica, existem 129 paróquias na capital, número atualizado em março deste ano. Sobre os valores de arrecadação dessas paróquias que são direcionados à instituição, a informação é de que esses dados são divulgados, através da prestação de contas nas paróquias, e estão acessíveis aos fiéis. Em contato com três paróquias nos bairros Jacarecanga, Centro e Cristo Redentor, apenas uma estava com as informações acessíveis a todos. De acordo com a Paróquia São Benedito, na Avenida do Imperador, no Centro de Fortaleza, sua prestação de contas se dá pela transparência que a igreja tem juntamente com os seus membros e participantes da Pastoral do Dízimo. A secretária paroquial, Cláudia da Silva, explica que por mês, os valores arrecadados em missas, através de doações, pagamentos de dízimos e ajuda na realização de sacramentos, são somados e utilizados para a manutenção da igreja e dos projetos de evangelização. Em março último, a igreja totalizou um recebimento de R$ 9.089,72 somando o pagamento de dízimos, doações, taxas de serviços e material vendido. Mas teve em despesas um valor acumulado em R$ 15.653,09; com saldo negativo de R$ 6.564. A secretária explica que essa diferença de valores nem sempre fica negativa, e que um mês a igreja tem mais despesas, já no outro tem mais doações. Assim se mantem honrando com seus compromissos. A Federação das Igrejas Evangélicas do Estado do Ceará estima em 3,5 mil a quantidade de templos evangélicos em Fortaleza. O pastor José Alves passou por diversas congregações religiosas, como a Igreja Evangélica de Cristo Rei e a Igreja Universal do Reino de Deus, até chegar à Assembleia de Deus Tocha Viva. “Meu dom não estava sendo utilizado, precisava completar minha missão, realizar uma obra nova.”, explica. A sede do templo em que atua hoje foi sua própria residência, na Rua Santa Inês, Cristo Redentor. Com o passar do tempo, o número de fiéis aumentou e a sede ficou pequena. A solução foi alugar outro espaço. O pastor conta que na sua igreja também há uma prestação de contas com os fiéis. Apesar de não deixar expostas no templo, alega que as informações são acessíveis a todos, pois, sempre repassa os gastos em reuniões com os integrantes. O pastor ainda informa que seu templo é pequeno e que soma pouco mais de 200 irmãos, arrecada valores em torno de R$ 3.200 e que as despesas com aluguel e manutenção do templo giram em torno de R$ 1.500. Ele ainda explica que, do dinheiro, é

retirado o salário do pastor que corresponde a R$ 1.000. O restante e revertido em obras de evangelização, ajuda material aos doentes e necessitados.

Impostos Os templos religiosos têm a imunidade tributária garantida pela Constituição, assim como, partidos políticos e sindicatos. Segundo a especialista em Direito Tributário, a advogada Márcia Souza, essa isenção se dá pela possível interpretação de que “por meio de impostos seja impedido o livre exercício da religião.”. Ela esclarece que mesmo sem o pagamento existem fiscalização e prestação de contas com a Receita em um demonstrativo de faturamento. As igrejas precisam declarar anualmente a quantidade e a origem dos recursos à Receita (que mantém sob sigilo os dados de cada declarante; por isso não é possível saber números por religião). Uma organização religiosa não precisa pagar impostos sobre os ganhos ligados à sua atividade. Isso vale não só para o espaço do templo, mas para bens da igreja, como carros e imóveis associados à instituição. Os recursos arrecadados são apresentados ao governo pelas igrejas identificadas como matrizes. Cada uma delas têm um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) próprio e pode reunir diversas filiais. Segundo o site da Receita Federal, em 2011, foram registradas 41.753 declarações de matrizes ou pessoas jurídicas.

A Fé de graça Das cinco religiões citadas na pesquisa do IBGE, apenas o espiritismo e a umbanda não praticam o dízimo em sua doutrina. Segundo João Dantas, organizador do centro espírita Joca Vieira, localizado no bairro Álvaro Weine em Fortaleza, o espiritismo é

uma doutrina que tem como principal foco, a solidariedade. “A palavra de Deus é levada de forma solidária para os que precisam, e só conseguimos manter as obras, através de doações de pessoas que participam de nossas reuniões.”, explica. João completa que na maioria das vezes as doações são feitas de forma anônima. “Recebemos material como alimentos, roupas, higiene e principalmente a disponibilidade das pessoas em ajudar. Nossos locais de encontro são mantidos através de escalas, onde cada membro fica responsável pelo pagamento de algo. Estes membros têm suas profissões e se comprometem com os pagamentos para ajudar o Centro a continuar com as obras.”, completa. Nos centros de Umbanda, a divisão de despesas também é feita pelos frequentadores das tendas, centros ou terreiros como são conhecidos os locais de culto. O Pai ou Mãe de Santo, como é chamando o lider da Umbanda, mantém suas atividades através de doações dos frequentadores da casa. Gilberto Felipe explica que ele é o responsável por providenciar todo o material necessário para a realização dos trabalhos e consultas. De acordo com ele, os frequentadores do terreiro vão para as consultas e depois fazem sua oferta à casa, para que os trabalhos continuem. “Quem frequenta o terreiro e vem para as consultas sempre ajuda com doações de uma forma espontânea. Se não está com condições, não deixa de ser atendido. Não delimitamos valores, recebemos também materiais para a manutenção do terreiro, e outras doações.”, explica. O umbandista alega que as despesas no todo sempre são pagas e que a intensão dos encontros nos terreiros é a ajuda espiritual, e que o dinheiro serviria apenas para manter as atividades do centro. Segundo ele, os líderes como “Pai de Santo” e os “Médiuns” não recebem nada para realizar os trabalhos.


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SAÚDE

Projeto Nova Vida combate a dependência química em Fortaleza Foto: Roberto Junior

COM 13 ANOS DE EXISTÊNCIA, O PROJETO JÁ ATENDEU MAIS DE 500 PESSOAS NA CAPITAL

Alexandre Rodrigues Roberto Pinheiro Sousa Junior

O

Projeto Nova Vida — atuando desde 2010, em Fortaleza, sem nenhum vínculo estatal — combate as drogas na cidade, retirando pessoas dependentes químicas do vício por entorpecentes, com o objetivo de ressocializá-las, através da fé e de uma linguagem informal. Atualmente, a ação atende a 20 pessoas em uma sala de encontros, toda terça-feira, às 19h30, na sede da igreja Bola de Neve (aveni-

da Santos Dumont, 1065, Aldeota). Segundo dados da igreja, a ação já prestou atendimento a mais de 500 pessoas, somente na capital, desde o período em que se instalou aqui. O projeto é idealizado pela Igreja Bola de Neve. Começou em São Paulo, em 2001, com Rinaldo Luís de Seixas Pereira ou Apóstolo Rina, fundador da igreja. Na capital paulista, a ideia inicial do Nova Vida era incluir, ao público frequentador da igreja, pessoas de diversas classes sociais, de estilo alternativo; universitários e praticantes de esportes radicais. Através de

sua doutrina evangélica, que se utiliza de uma linguagem informal, estilo inusitado de pregação e “louvores” em ritmo de pop, rock e reggae, tenta o tratamento contra as drogas para essas pessoas. No projeto atual, os integrantes do Nova Vida participam de reuniões, ações e palestras organizadas pela igreja. Lá, escutam e aprendem sobre a palavra de Deus, participam de atividades esportivas e se utilizam dos “doze passos”, atividade encontrada em outra associação de ressocialização de dependentes, os Narcóticos Anônimos (NA), que indica doze comportamentos necessários para vencer a dependência química. Em meio ao sucesso de sua forma diferente de atuação, o projeto se espalhou pelas sedes da igreja em quase todo território nacional. Com três anos de existência no Ceará, o Projeto, atualmente, é ministrado pelo paulista Marcelo Balieiro (44). “O perfil de pessoas que o projeto busca está contido em uma doença, já reconhecida pelo Ministério da Saúde, chamada adicção ou compulsão. Geralmente, o cidadão que precisa dessa ajuda do Nova Vida é um adicto ou compulsivo.”, explica Marcelo. Ex-dependente químico, Marcelo foi participante do Projeto e, hoje, é quem coordena o movimento de combate às drogas no estado. “Continuo sendo uma pessoa com vários defeitos, mas nesta área, podemos dizer que sou sim um exemplo. Não só eu, mas todos aqueles que

se mantenham limpos.”, avalia o líder do Nova Vida, que superou seus vícios e hoje é uma referência para os participantes. Na opinião do psiquiatra Dr. Anchieta Maciel, que há 34 anos atua na área de atendimento a dependentes químicos de álcool e outras drogas, a religião tem papel fundamental no combate aos diferentes tipos de dependência. “As pessoas que buscam a Palavra de Deus tornam-se mais espiritualizadas, através da absorção dos ensinamentos bíblicos. Esse processo acaba facilitando a recuperação destes indivíduos.”, explica Dr. Maciel. Para o médico, as igrejas têm papel fundamental na recuperação de dependentes. “Muitas Igrejas têm colaborado bastante na recuperação de pessoas usuárias de drogas lícitas e ilícitas. Eles possuem Pastorais direcionadas ao tratamento dos pacientes que padecem deste mal que afeta milhares de jovens e adultos no mundo inteiro. ”, ressalta o especialista. Na opinião do médico Jorge Jaber Júnior, presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), em recente entrevista à Folha Universal, o ambiente vivido pelo dependente também contribui ao vício. “A religião possui a capacidade de trazer um ambiente mais social e saudável. Algo importante para tratar de pessoas que passam pelo tipo de transtorno causado pelas drogas.”, explica o presidente, ressaltando o papel da Igreja na ressocialização de dependentes.

DROGAS

Igreja cearense proporciona prática esportiva AULAS DE JIU-JITSU, IDEALIZADAS E MINISTRADAS NA IGREJA BOLA DE NEVE, SÃO ABERTAS AO PÚBLICO EM FORTALEZA

A

Igreja Bola de Neve, através do Ministério do Jiu-Jitsu, possibilita a prática do esporte associado ao discernimento da palavra de Deus, sem a cobrança de qualquer tipo de taxa de inscrição ou de mensalidade, em Fortaleza. Atendendo, atualmente, a 15 alunos, que treinam aos sábados, das 17h às 19h, na sede da Igreja, o projeto é aberto ao público, não sendo restrito apenas a membros da Igreja. Sendo assim, para a participação nas aulas, não há nenhum tipo de requisito ou seleção de escolha de público, podendo participar qualquer pessoa, de qualquer classe social. Atua na cidade, desde 2012, com o objetivo de utilizar o esporte como ferramenta de evangelização. Nele, os atletas além de praticar e aprender as artes marciais e golpes de Jiu-Jitsu escutam o compartilhamento da palavra de Deus. “Essa relação entre esporte e igreja me motiva, porque é um local onde eu me sinto bem tanto fisicamente como espiritualmente.”, ex-

plica Luciano Pessoa (29), aluno e frequentador da Igreja, que participa do projeto desde janeiro de 2012. De acordo com o professor de Jiu-Jitsu e responsável pelo Ministério, Júnior Alencar (27), a maior dificuldade encontrada, desde o início, está relacionada ao levantamento de verba e fundos, já que é feito por parte do próprio grupo que organiza o projeto. “No começo, treinávamos na praia, até que a Igreja cedeu o espaço que utilizamos hoje. Para a compra de materiais como tatame e quimonos, tivemos que arrecadar notas fiscais, juntar dinheiro e receber doações.”, relembra Júnior. Ainda segundo o professor, o projeto vem conseguindo quebrar barreiras ao usar uma linguagem bem clara, simples e com gírias para atrair pessoas à igreja. “O esporte sempre atrai pessoas. Aqui, a aceitação é extremamente positiva. O intuito é utilizar uma linguagem bem direta e simples para atrair pessoas que venham escutar a palavra do Senhor Jesus.”, explica Júnior. Professor que em todas as suas aulas busca instruir seus ensinados, mostrando que é possível levar uma vida saudável e com liberdade, baseada na palavra de Deus.

Foto: Roberto Junior

Alexandre Rodrigues Carlos Eduardo Roberto Pinheiro Sousa Junior

Professor Júnior Alencar lê passagens bíblicas e ensina artes marciais aos seus alunos


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SAÚDE

Rezadeiras: um símbolo de fé antigo ainda vive em algumas regiões “JESUS CRISTO QUANDO ANDOU NO MUNDO, TRÊS COISAS ELE LEVANTOU: ARCA, VENTO E ESPINHELA CAÍDA. ASSIM EU PEÇO A VÓS QUE LEVANTA ESTA ARCA PELO AMOR DE DEUS...” (ORAÇÃO DAS REZADEIRAS PARA ESPINHELA CAÍDA) Elizângela Torjá Ednália Soares Karoline Cardoso Isabelle Rodrigues O costume de ir à rezadeira é bem comum no Nordeste. Quem um dia quando criança, nunca foi levada para “benzer”, seja para amenizar dores, fazer tratamentos de cura ou só para prevenir doenças, ou situações mais comuns como, quebranto e mau-olhado. Casa simples, com imagens de alguns santos espalhados pela pequena sala. É entre as tarefas domésticas, colocando o almoço de um filho e outro, que Dona Rita, 70 anos, concilia os atendimentos de quem precisa de suas rezas. Natural da cidade de Maranguape, a 30km de Fortaleza, praticante da religião católica, devota de Nossa Senhora da Conceição, Dona Rita é uma mulher de expressões faciais marcantes, e um tanto sofridas. “A gente luta muito para sustentar uma família, ainda mais com dois filhos que têm problema com bebida.”, conta. “Mas faço gosto em rezar nas pessoas, porque isso é uma dádiva que Deus me deu e eu sou funcionária Dele!”, diz orgulhosa. Dona Rita conta que não foi ela que percebeu que tinha o poder da fé para realizar as orações de cura e sim sua sogra, Dona Carmelinda, que na época tinha 90 anos. Ela disse que gostaria de passar para a nora as orações de cura, mas Dona Rita se recusou. Segundo a tradição, quando uma rezadeira passa suas orações para

outra, morre rápido, e dona Rita na época com 55 anos, temia que isso acontecesse. Mas a sogra insistiu, pedindo que ela desse continuidade para que o costume não acabasse. “Após aprender as rezas, meses depois minha sogra foi morta com um tiro de espingarda que o próprio neto manuseava dentro de casa.”, relata com tristeza. Hoje, a rezadeira segue com a tradição de suas orações, mas vai logo dizendo os cuidados que toma na hora de realizar suas rezas. “Não rezo em criança com menos de seis meses de nascida. Se tiver com diarreia só rezo depois do terceiro dia da doença, porque se rezar antes é certo a criança morrer.”, explica. “As rezas após as 18h não são atendidas, pois nesse horário os anjos estão no céu levando as súplicas para salvar os enfermos.”. Explica Dona Rita que também prefere não receber dinheiro em troca das rezas. “Dinheiro não é uma coisa limpa!”, diz com veemência. Aceita apenas alguns “agrados” como ela chama santinhos, comida e coisas de uso pessoal, mas, deixa claro que não é ela quem cura as pessoas. “É minha fé que é forte e a ajuda de Deus, Senhor Jesus e Maria Nossa Mãe!”, revela.

“Corto cabeça, corto rabo, corto meio...” São várias as maneiras de rezar. Há as que rezam utilizando um rosário fazendo um sinal da cruz na cabeça do enfermo evocando nomes de santos da religião católica. Outras trabalham com ramos de folhas que após a reza

Foto: Divulgação

ficam murchos. Há as que usam um pedaço de retalho de pano com agulha e linha e vão costurando este pano sobre as costas da pessoa, como se costurasse a dor.

Um outro tipo de oração A rezadeira Ana Gelsa, 40 anos, realiza outro tipo de oração. A pessoa apenas pede para ela interceder em suas orações pedindo a cura. Então, sozinha em casa, dentro de um quarto, ela faz gestos com a boca como se estivesse engolindo e depois soltando o ar. Ela conta que em seguida um sono a acomete sem explicação. Por isso, só realiza as orações nos fins de semana, para que o sono não atrapalhe os afazeres diários.

A psicóloga, Adrina Soares, fala um pouco sobre o que acha dessa prática. Ela que trabalha na localidade de Catunda a 273,20km de Fortaleza, acompanhando o projeto de terapias ocupacionais do lugar onde rezadeiras fazem trabalhos de orações e aconselhamentos para os pacientes. “É o desafio diário de unir o saber médico oficial com a tradição da reza, da cura, através da fé. Só a oração não vai adiantar. Mas as rezadeiras atuam na proteção e cura de males de origem física ou espiritual. Numerosas em comunidades rurais e de baixa renda, possuem um público que extrapola essa esfera. É importante perceber que um doente que procura uma rezadeira não o faz, primeiramente, por fatores sociais e econômicos, mas por aquela prática possuir respaldo cultural para tanto, principalmente nos interiores do Ceará.”, explica a psicóloga. Tem muita gente que só acredita na rezadeira e não quer levar o doente aos postos de saúde ou hospitais. “Eu mesma tive um caso de uma paciente que teve um câncer na cabeça e não queria se operar, pois esperava a cura através da igreja.”, relata Adrina. “Obviamente que a dificuldade de acesso a recursos e informações de saúde tem seu peso quando se pensa em uma falta de recurso dos governos para um olhar mais eficiente para a saúde pública, e o distanciamento da chamada medicina oficial e até mesmo a forma como são abordadas durante o tratamento, a falta de atenção e de escuta mais cautelosa por parte dos médicos e profissionais das áreas de saúde para com os pacientes.”, completa.

PONTO DE VISTA

Fé e ciência reunidas? Elizângela Torjá

D

esde que o mundo é mundo há um conflito entre a ciência e a religião. Sempre foi necessário acreditar em um ser superior para dar sentido à vida e a todos os eventos que ocorriam e ainda ocorrem ao redor, sejam eles bons ou ruins. A fé é algo inexplicável a partir de então. E também ainda no começo do mundo, com a organização das aldeias, tribos

ou grupos, as pessoas eram subdivididas em funções, e geralmente aqueles considerados mais sábios da tribo eram escolhidos para serem xamãs, videntes ou curandeiros. Esses curandeiros eram um símbolo da ligação do homem com algum tipo de deus. E atualmente as coisas continuam as mesmas, apesar de algumas tradições terem mudado, a finalidade é a mesma. Não só no Ceará como em algumas outras regiões do Brasil, existem mulheres que supostamente fazem milagres. É isso mesmo? Sim, para quem acredita, há possibilidade de curar qualquer coisa com essas tais

mulheres. São as rezadeiras, que cuidam desde ‘espinhela caída’ até ‘viadagem’ – como dizem algumas por aí. Eu mesma, quando criança, fui levada em uma pela minha mãe porque estava com ‘quebrante’. A benzedeira usou alguns galhos de pião e fez algumas orações. E pronto! Estava ‘curada’! Às vezes dá até pra acreditar que o que cura as pessoas é a própria fé. Basta acreditar que se vai estar bem que fica. E justamente parte que ainda prefere uma rezadeira a um médico propriamente dito. Foi aí que o sistema público introduziu as curandeiras em postos de

saúde. Acredito que seja apenas um teste para ver a aceitação das pessoas, já que algumas só se consultam em rezadeiras, pois não acreditam na eficácia de um médico formado por uma universidade. Acredito que essa tentativa do sistema público só vá atrair as pessoas que ainda têm um costume mais antigo, já que as benzedeiras caíram no esquecimento em muitas regiões. Mas se tudo der certo nos postos públicos, quem sabe, as mulheres da reza não voltam à popularidade trazendo novas experiências?


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Focas e as Religiões Jornal Laboratório

EDUCAÇÃO

Religião vira assunto de sala de aula A DISCRIMINAÇÃO POR FALTA DE RESPEITO À DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA ESTÁ CADA VEZ MAIOR E ABORDAR A TEMÁTICA NAS SALAS DE AULA NÃO É TAREFA FÁCIL Foto: Samya Nara

Escola não sabe lidar com a diversidade religiosa entre alunos

Daniele Andrade Marcos Duarte Samya Nara O estudante Lucas*, de 14 anos, sabe bem o que é ser discriminado. Aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Francisco de Melo Jaborandi, localizada no bairro São Cristovão, ele revela sofrer preconceito por parte de seus colegas, que ao saberem que a mãe possui um terreiro de umbanda quase sempre sentem medo e fazem piadas sobre sua religião. Fernanda*, mãe de Lucas, argumenta que os professores deveriam ensinar todas as crianças a sentirem respeito pelo que é diferente. Ela afirma que o filho já sofreu discriminação de amigos e que, como mãe, ela não pode fazer muito para defendê-lo. “Fui à escola e informei à coordenação, que prometeu tomar providências, mas durante os dois anos que meu filho estudou lá o caso só se repete. Acredito que será sempre assim.”, denuncia. A coordenação da escola não quis se pronunciar, apenas informou que brincadeiras entre os adolescentes sempre existirão. O professor de Educação Religiosa de duas escolas municipais de Fortaleza, Carlos*, compartilha da mesma opinião que Fernanda. Ele revela que as suas aulas são expositivas, com leitura de textos, debates, produção textual e vídeos e que tudo é trabalhado em cima do conhecimento e também contra o preconceito a

religiões, como o candomblé e a umbanda. Mas declara: “o ensino religioso nas escolas acaba se tornando obrigatório por conta da deficiência no ensino público e da necessidade de preencher o currículo escolar.” Ele garante ainda que, apesar de as aulas serem ministradas trabalhando o respeito à diversidade religiosa, os alunos da escola EMEIF Vereador José Barros de Alencar, também no bairro São Cristovão, precisam se reunir no pátio todos os dias antes do início das aulas e rezar o Pai Nosso e a Ave Maria. É o que confirma Cecília*, de 12 anos, aluna da mesma escola. Ela entende que não deveria ser obrigada a rezar Ave Maria, já que é evangélica. Para o psicólogo, Alexandre Fosaluza, o ensino religioso é vital para o ser humano, desde que não seja para favorecer apenas uma crença. “A educação religiosa é importante para a formação cidadã no sentido de desenvolver a ética, o diálogo, a tolerância e o respeito à diversidade, fazendo com que o aluno possa se situar de forma mais fraterna. Mas, para isso, é necessário que o ensino seja ecumênico, ou seja, sem tendências para religiões específicas.”, comenta. Em novembro de 2008, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva e a Santa Sé firmaram acordo estabelecendo a obrigatoriedade do oferecimento de ensino religioso pelas escolas públicas brasileiras. Segundo a lei, o ensino religioso - católico e de outras confissões religiosas - de matrícula facultativa passou a constituir como

disciplina dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação. A lei é clara, mas o cenário que vemos atualmente não é. Apesar de o ensino religioso ser facultativo no Brasil, algumas escolas oferecem a disciplina como obrigatória. Uma pesquisa feita pelo portal Qedu.org.br - a partir de dados do questionário da Prova Brasil 2011, do Ministério da Educação - mostra que em 51% dos colégios há o costume de se fazer orações ou cantar músicas religiosas. Já 49% dos diretores entrevistados admitiram que é obrigatória a presença nas aulas dessa disciplina. Além disso, em 79% das escolas não há atividades alternativas para estudantes que não queiram assisti-las.

A escola é um espaço laico A professora Djenane Lessa incluiu em sua pesquisa de campo para a pós-graduação em Ensino da História e da Cultura Africana e Afrodescendente, no Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro (IFRJ), o caso de uma aluna candomblecista que sofreu constrangimento em sua escola. Djenane conta no seu estudo que como parte de um ritual de iniciação na religião, a garota raspou o cabelo e usou vestes brancas durante um período. Quando a professora viu, rezou para o “capeta” sair do corpo da aluna e disse

que ela precisava ir para a igreja. Depois disso, a jovem trocou de colégio. Segundo a pesquisadora, a escola é um espaço laico. Djenane explica que em uma aula de religião confessional com um grupo misto, de várias orientações religiosas, uma oração direcionada pode ser entendida como proselitismo, já que obriga a quem não tem interesse a ouvir ou até mesmo repeti-la. Para o professor e coordenador do curso de Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza, Padre Luiz Sartorel, a religião é parte importante no processo educacional. “Uma educação integral envolve também o aspecto da dimensão religiosa ao lado das outras dimensões da vida humana.”, afirma. A professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Stela Guedes Caputo, pesquisadora do tema há mais de 20 anos, acompanhou a infância e adolescência de candomblecistas que foram vítimas de discriminação religiosa na escola. O estudo, do mestrado ao pós-doutorado, virou o livro “Educação nos terreiros: como a escola se relaciona com o candomblé”. Segundo a professora, discriminação é sofrimento e sofrimento marca para sempre, diminui a autoestima, compromete o aprendizado, a subjetividade e a vida.

*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados.

Marco Feliciano quer tornar o ensino religioso obrigatório em escolas públicas Foto: Internet

Daniele Andrade O deputado federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, alvo de denúncias e críticas por parte de movimentos sociais, protocolou, no início de 2011, uma Proposição de Projeto de Lei que só agora começou a circular nas redes sociais. O parlamentar quer alterar o art. 33 da Lei nº 9.394/96 e tornar obrigatório o ensino reli-

gioso em todas as escolas públicas do país. Pela legislação em vigor, o ensino religioso é autorizado, mas não é obrigatório. A proposta acrescenta a obrigatoriedade da disciplina, tanto nas escolas públicas como nas particulares, mas mantém o caráter facultativo (opcional) da matrícula. “Conforme a proposta, a escola oferecerá ao aluno que não optar pelo ensino religioso, nos mesmos turnos e horários, disciplina voltada para a formação da ética e da cidadania, incluída na programação curricu-

lar.”, comenta Feliciano. Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Leão, a justificativa apresentada na lei de que o ensino religioso é necessário para a formação do cidadão é contestada. De acordo com Leão, a presença do elemento religioso não faz sentido na educação pública, pois é voltado para todos os cidadãos brasileiros. “A escola é pública, e a questão da fé é uma coisa íntima, é de cada um.”, menciona.


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EDUCAÇÃO

Igreja investe em projetos voltados para educação

Foto: Divulgação

Projeto atende mais de três mil crianças em comunidades carentes de Fortaleza

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igreja Assembleia de Deus, ministério Templo Central, desenvolve cinco projetos sociais no âmbito educacional, como ensino fundamental, atividades culturais e esportivas, cursos de informática, palestras e, na saúde, atendimento médico e odontológico. São eles: “Raio de Luz”, na Granja Portugal; “Dóris Johnson”, no Conjunto José Walter; “Bom Samaritano”, no Pirambu; “Semeando”, no São José do Tauape; e o “Novo Tempo”, no Carlito Pamplona. Juntos, os projetos, fundados há 27 anos, atendem mais de três mil crianças e adolescentes de comunidades carentes de Fortaleza e conta com alguns parceiros para

Chega ao Brasil, vinda de Portugal, a Companhia de Jesus, ordem que passou a atuar na educação dos colonos e índios brasileiros. A educação católica de caráter doutrinador permaneceu durante todo o período colonial.

O Brasil se torna um país laico por meio de alterações na Constituição. A mudança teve impacto na política educacional.

O catolicismo foi instituído como religião oficial do estado brasileiro

Transmissíveis (DST´s) e obesidade, inclusive com a preocupação de alimentá-los de forma balanceada. O Dóris Johnson, um dos maiores projetos da Assembleia de Deus no Brasil, tem o objetivo de atender as necessidades da criança. Segundo a diretora, Vânia de Souza Queirós, a criança é acompanhada até chegar à faculdade. “O aluno participa de um processo seletivo. Se passar recebe todo o suporte necessário para fazer a faculdade: passagem de ônibus, alimentação, auxílio saúde etc.”, explica. Dos 20 alunos que estão nesse processo um deles é Quercy Jones, que está no projeto desde os oito anos de idade. Durante o tempo em que permaneceu na instituição, ele participou do Campeonato Brasileiro e do Mundial de Judô, ficando em 3º lugar. Hoje, com 19 anos, cursa o

A ascensão de Getúlio Vargas ao poder marcou uma nova fase de reformas educacionais no país. Um decreto determinou que a disciplina fosse ofertada de modo facultativo.

A partir de uma nova revisão constitucional, alguns estados passaram a legislar de forma independente sobre o assunto, organizando sua própria oferta de ensino religioso.

Foto: Divulgação

Marco Duarte

viabilizá-los. Como é o caso da Compassion, organização internacional que possui em alguns países programas voltados para o desenvolvimento da criança em quatro áreas: física, espiritual, cognitiva, e socioemocional. Outro parceiro é a Broto, associação italiana localizada na Granja Portugal que atende cerca de 600 crianças e adolescentes daquela comunidade, oferecendo ensino fundamental e atividades esportivas como futsal e judô, além do balé e da informática. Uma oportunidade para Luís Carlos Alves de Souza, 11 anos, que participa do projeto desde os quatro anos. “Estudei até a 5ª série e faço futsal, judô e informática. Meu sonho é ser um atleta de futebol ou de Judô.”, diz. Além de atividades esportivas, são oferecidas também palestras sobre drogas, Doenças Sexualmente

primeiro semestre de Administração de Empresas na Faculdade Cearense (FaC). “Esse projeto é minha segunda casa. Minha vida está aqui. Comecei como aluno e agora sou professor de judô.”, declara.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) disciplina essa oferta. Os sistemas de ensino – municipais e estaduais – ficam responsáveis por regulamentar a admissão dos professores e os conteúdos que serão ministrados.

A nova Constituição define que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e a suas liturgias.

Por ocasião da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, o então Presidente Lula ratificou acordo com a Santa Sé. O Artigo 11 do documento reafirma a importância do ensino religioso – católico e de outras confissões – para a “formação integral da pessoa”.


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SOLIDARIEDADE

Religiosos fazem trabalhos voluntários em Fortaleza AMOR E DEDICAÇÃO AO PRÓXIMO AMENIZAM O SOFRIMENTO DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA Foto: Divulgação

Caridade nas ruas Ana Ludmila Nascimento Edimilson Cisne Jerônimo Cavalcante

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esses últimos anos, é visível ver pessoas pedindo esmolas, juntando coisas do lixo em total abandono nas ruas de Fortaleza. Segundo pesquisa encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDC) em 2008 e realizada em 11 cidades brasileiras com população superior a 300, há 31.922 indivíduos no Brasil e 1.701 em Fortaleza que utilizam as ruas como moradia. Mas os números são maiores, pois cidades importantes, como São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre, não foram incluídas na pesquisa. Segundo o MDS, pessoas que vivem nessas condições podem ter sido abandonadas pela família, ter transtornos mentais, estar desempregadas, ser dependentes químicos ou ex presidiárias. A maioria é homem na idade adulta que utiliza lugares públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e viadutos) para viver.

Assistência Social A assistente social, Andréia Cavalcante, ressalta que o trabalho do assistente social com a população de rua é bastante desafiador, pois ele tem que desconstruir muitos métodos de trabalho que aprende na academia. O modo de vida de quem mora na rua, a noção de tempo espaço, de limite e de regras é completamente diferente do que os assistentes sociais estão acostumados a trabalhar. “No contato diário com eles, percebemos que os instrumentos e métodos que aprendemos não são eficazes. Pensar em um atendimento com hora e data marcada, propor um atendimento sistemático, pensar em atividades que requeiram um longo tempo não são técnicas produtivas para lidar com a população de rua. Às vezes, programar uma atividade pode ser perigoso, pois muitos chegam para os atendimentos cansados, sob efeito de álcool e outras drogas, quando não aparecem.”, explica Andréia. Ainda segundo a assistente social, o trabalho com essas pessoas traz um aprendizado, pois dá possibilidades de reinventar a prática profissional, descobrir novos métodos e ver que daquilo que é invisível para maioria da população há muitas possibilidades de contribuir para que o mundo possa ser mais justo e fraterno.

A solidariedade é uma atitude de amor e uma maneira de manifestar o sentimento àqueles que sofrem ou foram injustiçados. O amor ao próximo é um dos motivos que fez surgir a Fraternidade Toca de Assis e o Grupo Espírita Casa da Sopa, instituições religiosas que ajudam pessoas em situações de rua. A Fraternidade Toca de Assis é uma obra da Igreja Católica Apostólica Romana, com influência de São Francisco de Assis, fundada no Brasil, na cidade de Campinas, no estado de São Paulo, tendo abrigos no Brasil e Equador. A Toca é uma família a qual reúne os religiosos com carisma e Adoração ao Santíssimo Sacramento, cuidando de pessoas em situação de rua nas casas de acolhimento, atendimento imediato e a Pastoral de Rua. A exemplo de São Francisco de Assis, que viveu em função dos mais pobres, esses religiosos levam o evangelho de Cristo e seus ensinamentos aos necessitados. O grupo tem dois institutos. Os Filhos da Pobreza do Santíssimo Sacramento, que atende homens, e as Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento, que atende mulheres. O trabalho da instituição é ajudar pessoas em condições de rua, atendendo suas necessidades básicas (cortando o cabelo, fazendo a barba, curativos, banhos e alimentação) e a ajuda espiritual, por meio de orações, partilha de vida e experiências. “É muito prazeroso ajudar os nossos irmãos que vivem nessas condições subumanas.”, explica Irmã Natali, responsável pela Toca De Assis (Filhas da Pobreza) na Avenida João Pessoa. Já o Grupo Espírita Casa da Sopa ou Casa da Sopa é formado por espíritas que perceberam que o maior problema das pessoas em condição de rua não era somente a fome, e sim o abandono espiritual. A instituição trabalha nas ruas de Fortaleza com a distribuição de sopa, atendimento fraterno, consulta médica e até mesmo fazendo pequenas cirurgias, como retirada de bicho-de-pé. O grupo tem um espaço, no Centro que funciona todos os dias em períodos alternados, distribuindo toalhas e sabonetes, banho, cortes de cabelo, roupas e palestras com o estudo do Evangelho Segundo o Espiritismo. “Trabalhamos principalmente com a autoestima dessas pessoas. Sentimos que um abraço, uma conversa, um papo amigo fazem muito bem depois de terem se alimentado.”, afirma Fernando Oliveira, coordenador da Casa da Sopa. O trabalho desses grupos é feito através de doações e voluntariado. Não precisa participar de nenhuma religião, basta querer.

Quer ajudar? Toca de Assis N. S. Mãe dos Pobres (Filhas da Pobreza) Av. João Pessoa, 5052. Damas. Tel. (85) 3262-7456

Casa Fraterna São Pio (Filhos da Pobreza) Rua Francisco Vasconcelos Junior, 8. Passaré. Tel. (85) 3291-5485

Grupo Espírita Casa da Sopa Rua da Assunção, 431. Centro. Tel. (85) 3232-9226

ENTREVISTA

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a madrugada fria e escura do centro de Fortaleza, pessoas em condições de rua dormem e passam a morar nas calçadas da Capital. Geovanne Pinheiro da Silva, (29), catador de material reciclável, falou sobre como é viver nas ruas.

FOCAS - Como você faz para sobreviver? GP - Trabalho catando materiais recicláveis. Morando na rua há nove anos, fiz amizades e pessoas me ajudam guardando materiais recicláveis. Não dá para morar em uma casa e nem comprar comida, mas tem muita gente que ajuda.

FOCAS - Geovanne, por quais motivos você mora na rua? GP - Tive que trabalhar ainda criança, vendendo bombons e flanelas no sinal para ajudar a minha família. Passávamos muita fome e quando não chegava em casa com dinheiro, eu apanhava muito, por isso fugi de casa.

FOCAS - Tem contato com a família de origem? GP- Tenho não. Depois que fugi de casa, não quis mais ver eles, porque tinha medo deles me levarem de volta pra casa.

FOCAS – Você tem amigos e família? GP - Tenho sim, além de ser pai de duas meninas tenho muitos amigos moradores de rua. Na rua, um ajuda o outro.

FOCAS - Como você vê o trabalho voluntário nas ruas de Fortaleza? GP - Tem dia que só me alimento por causa da ajuda dessas doações. As pessoas que passam na rua olham pra gente com um olhar de nojo, mas eu vejo que esses grupos que ajudam a gente gostam de fazer o bem.


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ACESSIBILIDADE

Deficientes chegam perto de Deus Foto: Juliana de Paula

A MAIORIA DOS SURDOS PRECISA SE DESLOCAR PARA OUTRO BAIRRO MAIS DISTANTE DE ONDE MORA, POIS SÃO POUCAS AS IGREJAS QUE TÊM A TRADUÇÃO DAS MISSAS EM LIBRAS

Pastoral dos Surdos da Paróquia de Messejana traduz missa em libras

Juliana de Paula

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tualmente, Fortaleza possui 140 paróquias católicas e, embora haja o incentivo da Pastoral dos Surdos para a tradução das missas em Libras (Língua Brasileira de Sinais), apenas nove paróquias possuem intérpretes. Na igreja católica Nossa Senhora da Conceição, no bairro Messejana, existe uma pastoral dos surdos onde voluntários se dedicam a traduzir as missas para os fiéis deficientes auditivos, que comparecem todos os domingos à celebração religiosa. Marlene Vieira é intérprete desde 2006 e se sente muito bem em poder ajudar os “irmãos” a entender “a palavra do Senhor”. Ela conta que quando entrou na paróquia só havia cinco fiéis surdos. Hoje, já são mais de 25. Francisco Régis e sua esposa são surdos e todos os domingos à noite eles saem do bairro Parque Santa Maria para assistirem à missa em Messejana. Marlene traduz sua fala dizendo que eles temem por ficarem expostos ao perigo da violência encontrada nas ruas durante o trajeto que fazem nesse horário. Devido à grande necessidade, a Pastoral

dos Surdos de Messejana ainda fornece gratuitamente cursos básicos para aprender libras e facilitar a vida dos cristãos dentro da igreja. Os deficientes auditivos também recebem ajuda dos intérpretes para realizar alguns sacramentos da igreja católica, como casamento, batismo e primeira eucaristia. Segundo a Assessoria de Comunicação da Arquidiocese de Fortaleza, a igreja católica realiza projetos para facilitar o acesso dos deficientes. Em 2006, a Campanha da Fraternidade foi “Fraternidade e Pessoas com Deficiência” quando o Arcebispo Metropolitano de Fortaleza, e também Presidente da Região Nordeste da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Dom José Antonio Tosi, enviou uma carta para todas as paróquias reverem suas estruturas a fim de facilitar o acesso de pessoas deficientes. A Presidência da República expediu, em 2004, o Decreto nº 5.296/2004, que regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000. A primeira dar prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, e a segunda estabelece normas e critérios para a promoção da acessibilidade delas. Porém, as igrejas não são inclusas nessas obrigatoriedades.

EVANGÉLICOS TÊM RAMPA E BÍBLIA EM BRAILE Robério Barros Outra igreja em Fortaleza que tem se adequado à acessibilidade de pessoas com diversas deficiências físicas é a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Canaã, localizada na avenida Dedé Brasil no bairro do Passaré. A igreja tem um trabalho com os surdos, no qual vários interpretes se revezam nas celebrações religiosas para traduzir os louvores, os sermões e comunicados em geral. Os voluntários, membros da igreja, são treinados e participam de reuniões e cursos para poderem interpretar os cultos da melhor forma possível. Além desse trabalho, a igreja é toda estruturada para receber cadeirantes, desde a chegada até a locomoção indo para o santuário e poderem participar dos cultos. Em todos os acessos da igreja há rampas com corrimão para que os cadeirantes possam se locomover e chegar com facilidade. A entrada principal ao anel superior do templo é uma enorme rampa que se destaca na arquitetura do prédio. Dentro, tem um espaço

sinalizado e amplo para os cadeirantes celebrarem o momento religioso. Além disso, diáconos guiam as pessoas indicando onde sentar e mostrando os lugares disponíveis. O cadeirante Francisco Soares ressalta que já visitou várias igrejas e deixou de frequentálas pelo difícil acesso a elas. “Depois de visitar várias igrejas, conheci a Canaã. Pela primeira vez, consegui entrar e sair sem dificuldade. Disse para mim mesmo que esse era o lugar que eu deveria ficar.”, relembra. Outro público que a Assembleia de Deus Canaã procura envolver são os deficientes visuais, que recebem bíblias em braile, disponibilizadas gratuitamente, além de outros livros evangélicos encontrados na biblioteca da igreja para que os membros com essa deficiência possam fazer parte da agremiação religiosa. Uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, revelou que quase ¼ da população do Brasil tem um tipo de deficiência que pode ser: visual, auditiva, motora e mental/intelectual. O que significa cerca de 45,6 milhões de pessoas. O número de igrejas cristãs acessíveis às pessoas com deficiências não passa de 10%.


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INTERIOR

Pastora Flávia Gila leva igreja sem paredes à terra onde o tempo parou VOZ QUE CLAMA NA SERRA DE CAFUNDÓ E ESCONDIDO

Voz que clama na Serra de Cafundó e Escondido

Emanuelle Sampaio Fernanda Santos

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Pastora Flávia Gila escolheu as serras de Cafundó e Escondido, no interior do Ceará, para levar através da Igreja sem Paredes a palavra de Deus. A igreja tem o mesmo estilo da época de Jesus Cristo, ou seja, é feita nas casas, ruas, praças e tem como objetivo evangelizar lares e suprir as necessidades de um povo seja ela espiritual ou social. A pastora Flávia Gila – fundadora da igreja - teve essa iniciativa após ver o programa Profissão Repórter, exibido em agosto de 2009. Na época, ela viu as dificuldades de um povo tão sofrido e esquecido pela sociedade. Antes de fazer a primeira visita ao povoado da serra, ela fez um jejum de cem dias, para se preparar espiritualmente. A primeira visita aconteceu em 09 de julho de 2010. O objetivo era sondar as crenças, costumes e as necessidades mais urgentes que o povoado precisava. Logo que chegou à comunidade de Olho D’água do Chão, percebeu as dificuldades que teria para alcançar a serra de Cafundó e Escondido. O carro só poderia ir até certo ponto, logo só animais poderiam subir a serra e, de um determinado trecho em diante, nem animais subiam, já que o restante do caminho é cheio de

pedras escorregadias, cobras, macacos, raposas, dentre outros animais. A princípio, os moradores pensaram que a Pastora estava em busca de ouro na pedra das três janelas, pedra muito alta e de difícil acesso, que possui três janelas, e, segundo lendas, o local possui ouro. No entanto, logo depois perceberam que ela estava querendo ajudar os moradores, passando a ser bem acolhida por todos, inclusive pela família de dona Luzia, uma senhora que só tomava banho uma vez por semana, porque não existiam saneamento básico, energia e muito menos hábitos higiênicos na região. A pastora verificou todas as necessidades que as famílias precisavam e foi em busca de ajuda para o local. Essa ajuda não foi fácil de conseguir, pois, quando se pede ajuda para um local que não é conhecido, e a voz que clama não vem de nenhuma Igreja com denominação, as pessoas pensam que é enganação. Muitos fecham os olhos e preferem achar que locais como esse não existem. Muitas Igrejas falam de missões, caridades, amor ao próximo, porém, quando é necessário agir e viver para missão propriamente dita, viver na pele o que os outros vivem tudo muda de figura. Com muito custo e muitos pedidos de ajuda, a pastora Flávia conseguiu alimentos, roupas, calçados, material de higiene, água potável, uma vez que a água usada no local era

retirada de olhos d’aguas onde ficam cururus. Na segunda visita, que aconteceu no mesmo ano (2010), tudo o que se arrecadou foi dividido em partes iguais para todos os moradores. Crianças receberam seus primeiros brinquedos, além de material de estudo dirigido sobre a bíblia e alguns alimentos, antes nunca consumido pelos moradores, causando certa curiosidade. Pessoas que nunca tinham usado um calçado se maravilharam com tantos pares de sandálias. A alegria dos moradores foi geral, afinal para um povo que não tinha nada, receber em um único dia tantos presentes, foi motivo de comemoração. Mas as dificuldades não paravam, pois o local, que é ermo, não tem comércio próximo e nem locais para a população trabalhar, portanto, as doações precisam ser constantes. Uma das melhorias significativas que a pastora Flávia conseguiu para a região foi a energia elétrica. Em dezembro de 2011, a região de difícil acesso recebeu seus primeiros postes os quais foram levados por helicóptero, e em pouco tempo a energia era mais uma vitória para os habitantes. O projeto Cafundó continua. A pastora Flávia Gila ainda precisa de muita ajuda para continuar sua missão no sertão do Ceará e saciar a fome da palavra e a fome de alimento dos moradores dessa região. Alimentadas e higienizadas com a ajuda da

missionária Michelle e da pastora Flávia Gila, as famílias de Cafundó e Escondido continuam sendo evangelizadas, através da Igreja sem Paredes. A pastora, que abdicou de sua vida para viver por seu próximo, continua a clamar por um povo que foi esquecido pelo governo, mas lembrado por Deus. O Projeto, que é movido por uma Igreja sem Paredes, está precisando de doações de bíblias, alimentos não perecíveis, material de higiene pessoal, calçados e material escolar. Além de missionários que queiram viver da obra de Deus, sem preconceitos para amar o próximo sem fronteiras. Para ajudar, ligue para (85) 88309765 e fale com a pastora Flávia Gila.


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COMPORTAMENTO

O que as roupas significam para a fé? Diego Gregório Lidiane Só é preciso dar uma volta com mais atenção por Fortaleza para perceber que o perfil religioso da cidade mudou. Segundo a Federação das Igrejas Evangélicas do Estado do Ceará, são 3,5 mil templos na Capital em 2013. O crescimento dessa religião pode ser visto também na mudança da indumentária, que expressa o pensamento, a moralidade, o orgulho e a fé de um grupo: os fieis. Ela surge, contemporaneamente, como um fenômeno social, no qual a intimidade da fé é exposta e identificada, através da quantidade de regras e preceitos ou pela liberdade mantida no vestuário. Segundo Juliano Gadelha, mestre em sociologia pela UFC (Universidade Federal do Ceará), nenhum modo de vestir deve ser imposto a outro, seja por motivos religiosos ou qualquer outro e que as pessoas devem ser livres para fazerem dos seus próprios corpos o que elas desejarem. Não é exatamente o que acontece. Fenômenos, como o Culto da Princesa, da Pastora Sarah, filha da cantora Baby do Brasil, arrastam até 800 mulheres por culto. As fieis aprendem a se vestir de forma “santa”. A pastora tem regras rígidas e divide as mulheres em duas categorias: princesas e cachorras. De acordo com o livro Manual das Princesices, escrito por ela, uma princesa não usa decotes ou roupas curtas; sinal de submissão a Deus e aos esposos. Sarah dá o exemplo: ela só usa roupas feitas exclusivamente para ela, os longos vestidos têm anágua e tules que ela completa com chapéus, luvas e pérolas, fazendo referência aos anos 1960, quando a mulher era criada para servir ao lar e ao marido. Segundo uma pesquisa feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2012, o Nordeste teve um aumento 61,5%, de evangélicos. Eles baseiam sua doutrina no que consideram ser as palavras de Deus: a bíblia. Os fieis seguem o que chamam de “a doutrina da vestimenta” tudo legitimado, segundo eles, nas palavras do salvador. Mas, não é todo mundo que pensa dessa forma. A jornalista e colunista de moda do Jornal O Povo, Alinne Rodrigues, não concorda que uma roupa adequada seja indicada pelos

lideres religiosos. “Uma roupa não determina o caráter, e por isso não acho ser correto esse manual do que é permitido e do que é proibido vestir, seja dentro ou fora do espaço sacro.”, explica. Alinne é responsável também pelo blog Penteadeira Amarela, no qual dá dicas de estilo para as meninas e tem uma visualização mensal de 40 mil pessoas. Ela diz que o Culto das Princesas é anacrônico, e para as mulheres se sentirem bem, é preciso que exerçam plenamente sua feminilidade. “Não faz sentindo abrir mão disso em nome de uma religião ou por um relacionamento perfeito que nem existe ainda. O príncipe de cada uma é aquele que a ama apesar dos defeitos.”, finaliza.

A moralidade e o profano Sergiane Simplício, 23 anos, secretária, congregou-se na Assembleia de Deus em julho de 2012 e explica que mudou seu jeito de vestir quando começou a ler a Bíblia. “Senti que eu sou um templo do espírito santo, e deixei de expor meu corpo.”, conta. Ela diz que se policia quanto a decotes e comprimento das roupas. “É contraditória uma pessoa pregar a palavra de Deus e se vestir com sensualidade.”, completa. A doutrina também é contra o uso de maquiagem e cabelos curtos, porque consideram os cabelos como um manto sagrado. Ao mudar a maneira de se vestir, a secretária diz que sentiu preconceito dos amigos dos tempos de “mundana”. “Teve gente até que deixou de falar comigo. Algumas amigas da época da faculdade zombam da forma como eu me visto, mas me sinto mais confortável com meu Deus.”. Finaliza a moça, que matem os cabelos longos. Para Yago Martins, diretor de um dos sites cristãos mais acessados, o Voltemos ao Evangelho, a mulher não pode provocar a sexualidade do homem, que é orientado a se vestir para os cultos com sua melhor roupa: camisa Oxford, calça social e gravata. O pastor usa paletó. Para ele, o foco na vestimenta deve ser Deus, se for o corpo é uma atitude carnal e logo abominada aos olhos do criador. O site tem um acesso mensal de 20 mil pessoas. O pastor Denis de Oliveira, pastor-presidente das Assembleias de Deus - Ministério Poder de Deus, do Rio de Janeiro, tenta explicar o uso da “vestimenta cristã” que traz calças feitas

exclusivamente para mulher. De acordo com ele, é calça de mulher, feita para mulher, logo, não é “traje de homem”. “Roupas do sexo oposto traz uma intenção de homossexualismo.”, continua. O pastor apoia sua opinião em Deuteronômio 22:5: “Não haverá traje de homem na mulher, e não vestirá o homem vestido de mulher, porque qualquer um que faça isto é abominação ao Senhor teu Deus”. Na idade média, quando a sociedade era dividida entre: clero, nobres e povo, as roupas dos sacerdotes funcionavam como uma autoglorificação, transformando-os em emissários diretos de Deus. Naquela época, o clero tinha o maior poder e o povo, o menor e para celebrar as missas, usavam seis vestes: batina, amito, alva, cíngulo, estola e a casula. As roupas eram complementadas por acessórios, que eram símbolo de status, e iam desde a cruz peitoral ao báculo, que representava o domínio do pastor sob as ovelhas (ver box). Mais liberal com o passar dos séculos, a igreja católica vê a imposição ao modo de vestir de forma diferente. Segundo Frei Clevis Mafra, delegado geral da Ordem dos Frades Menores Conventuais e ex reitor do Convento de São Francisco de Assis, no bairro Maraponga, “os mandamentos foram feitos para o espírito. É claro que devemos manter o respeito na casa de Deus, mas deixamos livres as pessoas para usarem o seu bom senso.”,completa Frei Clevis. Para o clero, a orientação que se dá é que os padres usem as túnicas (que imitam as vestes de Cristo) apenas para celebrar. “Estamos numa sociedade onde todas as pessoas são iguais. Os padres não precisam mais chamar atenção pelo modo de vestir e sim pelo seu comportamento. Quando acaba a celebração, os fieis gostam de ver que o sacerdote é um irmão como eles. Um bom padre não pode tirar proveito do seu hábito.”, explica o frade.

Preconceito por falta de informação Seguindo os passos do profeta Maomé e ultrapassando as barreiras do Oriente Médio, estão os muçulmanos. Aqui em Fortaleza, uma pequena comunidade vive dessa fé. A imagem do muçulmano está relacionada à imagem da

guerra. Segundo os congregados, que pregam a paz e a tolerância, a mídia quem criou esse estigma. Os homens se vestem com uma túnica, que se assemelha a um vestido, ou calças por baixo de uma longa bata. É costume também manter a barba, o que sugere que o aspecto físico também deve seguir Maomé. A rigidez é ainda maior quando se trata de como as mulheres devem se vestir. O Hijab, ou apenas “véu islâmico”, é o acessório mais polêmico usado por uma religião. Mas elas seguem o Alcorão surata que na passagem 33:59 diz: “Ó Profeta, dize a tuas esposas, a tuas filhas e às mulheres dos crentes que (quando saírem) se cubram com suas jalabib.”. O jalibib citado no Alcorão deve cobrir todo o corpo da mulher, com exceção das mãos. Não existe uma regra em relação a cor, mas segundo o profeta Muhumad, o branco é indicado a ambos os sexos, pois está relacionado à pureza. Para Mitchelle Meira, militante dos direitos humanos e estudante de direito da Faculdade Integrada do Ceará (FIC), a vestimenta é uma forma de tutela sobre o corpo da mulher e direciona o seu comportamento social. “A religião impõe comportamentos fundamentados em valores retrógrados. Quando a mulher não se submete a seguir as regras, são socialmente reprimidas, acontecendo até casos de estupros.”, completa. Para Jaqueline Alexandra Martins, de 36 anos, paraense que vive em Fortaleza, o islamismo foi o caminho que ela encontrou para viver melhor. Há três anos, ela se converteu à religião muçulmana e mudou seu nome para Lina Safia. Ela diz que as pessoas ainda tem muito preconceito e quando aparecia com o hijab em público era chamada de “mulher bomba”. Mas confessa que nos primeiros meses foi difícil se adaptar ao traje composto. “Quando eu me tornei muçulmana eu aderi as vestes aos poucos. Primeiro eu usava só uma blusinha de manga e usava um véu discreto, porque eu ficava com vergonha das pessoas me olharem muito. Com o tempo eu fui me acostumando e entendi que a mulher precisa se precaver, pois a maldade está no coração dos homens.”, relata. Lina também reclama de quem acha que as mulheres muçulmanas são oprimidas e humilhadas. “A religião ajuda a melhorar o caráter das pessoas.”, ressalta.

Moda e Religião

Simbolismos católicos

Lindeberg Fernandes, estilista, destaque da 15ª edição do terceiro maior evento de moda do país, o Dragão Fashion Brasil 2013, que acontece anualmente em Fortaleza, usa a religiosidade como um dos temas centrais das suas coleções. De família religiosa, ele cresceu ao lado de uma tia freira e considera ultrapassado impor um tipo de roupa. “É importante manter o respeito, não pode vulgarizar. Assim como outras ocasiões pedem uma roupa ideal, como o traje de gala, por exemplo, a igreja pede uma roupa mais discreta, é preciso usar o bom senso.”, afirma. O estilista, que costuma usar um rosário no pescoço, cria roupas cheias de simbolismos. Em sua última coleção, os portões onde rezam as beatas no interior do estado, foi o tema central.

Batina: Ela é preta (que significa a morte para o mundo), tem 33 botões (a idade de Cristo) e 5 abotoaduras (as chagas de Jesus).

Amito: Essa peça, que cobre os ombros e o pescoço, pode ser circular ou retangular. No séc. 7, quando foi criado, o amito era uma espécie de capuz que simbolizava a disciplina dos sentidos e do pensamento do sacerdote.

Alva: A túnica branca que cobre o corpo inteiro do padre simboliza inocência e pureza. Estola: Simboliza a autoridade espiritual do padre e a sujeição a Deus. A estola é como o uniforme dos policiais, ou seja, quando o sacerdote a veste ele está “fardado”, ocupado com algum dever eclesiástico.

Casula: Influência antiga, trata-se de uma adaptação das vestes romanas usadas nos primeiros anos da religião. Seu nome significa “pequena casa” simboliza a sujeição a Deus como um fardo que não é pesado.

Acessórios: Assim como na moda, são os detalhes que trazem status. - Cruz peitoral: Usada por bispos, cardeais e papas, deve ficar na altura do peito como símbolo de que os sacerdotes guardam a cruz no coração. - Anel de São Pedro: Esse só o papa tem. É o selo pessoal do sumo pontífice. Cada papa tem o seu, que é destruído quando ele morre.


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ENTREVISTA

A Vestimenta Sagrada da Umbanda

TICIANE STUDART, ADEPTA DO CANDOMBLÉ, EXPLICA A RELAÇÃO DA INDUMENTÁRIA COM A FÉ PARA ESSA RELIGIÃO

Lidiane Paula Silveira

FOCAS - O que prega a Umbanda? A umbanda é um ato de fé, amor e caridade. É uma oportunidade de crescimento espiritual,

baseado na simplicidade, no amor ao próximo, nos ensinamentos que Jesus deixou, e que os pretos velhos nos ensinam, sempre. A umbanda, pra mim, é a cara do povo brasileiro, porque ela une as tradições africanas, indígenas, católicas e espíritas do nosso povo, como o culto aos orixás, as pajelanças e as rezas.

FOCAS - Como as mulheres se vestem na Umbanda? Qual a importância dos simbolismos para vocês? As mulheres usam saia longa, calça ou short sob a saia, blusa ou bata, e o ojá, que é um tecido de cerca de 2 metros, que serve para proteger o ori, nossa cabeça, onde reside nossa força espiritual individual. Os homens usam calça, camisa ou

bata, e touca, ou o mesmo ojá, com a mesma finalidade de proteger o ori. Além disso, usamos guias, que são colares de contas ou búzios, que simbolizam nossos orixás e guias espirituais. Como a umbanda é uma religião popular e oral, não há uma regra sobre a cor ou o tipo de guia a ser usado. Isso varia de acordo com cada casa.


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Todas as cores da fé

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SEXUALIDADE

Foto: Ferreira Júnior

IGREJAS INCLUSIVAS DE FORTALEZA PREGAM RELIGIÃO SEM PRECONCEITO, CONQUISTAM PÚBLICO LGBT E CAUSAM POLÊMICA ENTRE OS CRISTÃOS TRADICIONALISTAS

Momento de louvor na Igreja da Comunidade Metropolitana de Fortaleza

Ferreira Júnior Thiago Silva Karlos Aeres

confraternização dos presentes, que se preparam para ouvir a pregação da Palavra de Deus. Todos dão as mãos e fazem uma prece, na qual declaram que “Creem em Deus, Pai de todos,

P

arece uma Igreja como outra qualquer. Uma cruz ao fundo em lugar de destaque, um altar simples contendo a Bíblia, espécies litúrgicas do pão e do vinho, e uma tribuna de onde se prega em alto e bom som. “O Senhor é meu pastor... Sou gay e Ele sabe, me ama e me aceita como eu sou. O meu Deus não faz acepção de pessoas.”; diz o reverendo Igor Simões, 32 anos, fundador e líder da Igreja da Comunidade Metropolitana de Fortaleza (ICM). Aos poucos, os fiéis começam a chegar, e a congregação dá início a mais uma reunião. O período do louvor é marcado pela emoção e

da ICM; Diácono Ed Moreira. Ao fim, todos se abraçam, e alguns beijos entre iguais são vistos aqui e ali. Esta é a rotina semanal da ICM, que há sete anos é sediada na rua Senador Catunda, 162, no bairro Benfica. De acordo com Ed Moreira, no decorrer deste tempo, mais de 500 pessoas já passaram pela comunidade, que atualmente possui 20 membros engajados, em sua maioria homens e jovens. Além de um público flutuante que varia a cada reunião.

Igreja independente que deu a terra a todos os povos e a todos ama sem distinção.”. “Esta é a mesa da inclusão, na qual todos são bem vindos.”, declara o cofundador e líder

“Somos cristãos independentes e inclusivos, sem filiação a nenhuma denominação, seja ela Católica ou Evangélica.”, esclarece o revendo Igor quando questionado sobre o perfil da ICM. Ao tratar de questões como homossexuali-

dade e promiscuidade Igor se mostra mais sério “A igreja faz o papel de orientar, de mostrar o caminho correto, mas cada um dos membros é livre para exercer a sua sexualidade da forma que achar correta. Enquanto comunidade de fé, nosso papel é aproximar nossos membros de Deus.”, explica. Ainda segundo o reverendo, “a questão de dizer que todo gay é promíscuo é estereotipar. Tem gays que nem praticam sexo, como pode se dizer que todo gay é promíscuo? Isto é generalizar. É ser injusto tomar o todo pelas partes.”, ressalta.

Vivendo na pele Para o pastor Bruno Ribeiro, 22 anos, estudante universitário, assumidamente gay e fundador da Comunidade Bom Pastor, a sexualidade é uma dádiva e um dom de Deus. ►


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A igreja tradicional O Pastor Abimael auxiliar da Igreja Presbiteriana de Fortaleza e líder da Ordem dos Ministros Evangélicos do Ceará (ORMECE) afirma que os gays podem frequentar uma igreja tradicional. “A Igreja sempre acolheu muito bem os homossexuais. Se o homossexual chegar em uma igreja, ele será bem-vindo.”, diz Abiel. Já para o pastor Bruno Ribeiro, a realidade é diferente. Evangélico desde o berço, Bruno foi “apresentado” na igreja já aos 25 dias de nascido e desde jovem frequentava a Igreja Universal do Reino de Deus, de onde veio toda a sua educação religiosa baseada nos preceitos do protestantismo, que condena a prática homossexual. Apesar disso, hoje, o jovem acredita que a sua sexualidade nunca foi um problema quando relacionado com Deus ou com a religião. Ele afastou-se da igreja evangélica ao se deparar com a sua condição sexual. Para Bruno, a visão pregada pela igreja tradicional não é de aceitação aos gays, e sim de preconceito e exclusão. Por isso, há a necessidade de igrejas inclusivas. Já Abimael é enfático ao dizer que igrejas inclusivas fogem dos padrões bíblicos. “Na hora que eu crio uma igreja para satisfazer um princípio meu, eu estou fora dos princípios da palavra de Deus.”, observa.

A visão da ciência A cientista da religião e professora acadêmica, Claudimar Estevam, aponta contradição na fala de Abimael. “Se uma única igreja satisfizesse as necessidades de seus fiéis, não haveria tantas denominações subdividindo a igreja evangélica em tantas correntes de pensamentos.”, contesta. Ainda de acordo com a cientista, a teologia inclusiva é comprovada cientificamente por meio de uma técnica de estudo teológico conhecida como teologia sistemática. Esta técnica analisa passagens bíblicas sob o prisma da exegese e da hermenêutica, que são formas de análise histórica e contextualizações destas

passagens. Segundo Claudimar, o cristianismo é essencialmente inclusivo, a começar pelo seu fundador Jesus de Nazaré, que andou com os excluídos da sociedade de seu tempo. Sobre este assunto, os líderes da ICM afirmam: “Tudo foi uma questão de intenção no momento da tradução dos textos sagrados do grego antigo para o latim, que deu origem às línguas modernas.”. Ed Moreira ressalta que o termo utilizado pelo apóstolo Paulo para efeminados e sodomitas, no texto original em grego, faz referência a práticas imorais de idolatria, quando homens deitavam com outros homens em adoração a deuses pagãos, não por homoafetividade. O pastor Abimael reafirma veemente que “a igreja é um lugar de transformação, não apenas para os homossexuais, mas para todas as pessoas que a frequentam, e que precisam de alguma forma, afinar a sua vida com a vontade de Deus.”, explica. Mas nem todos os homossexuais precisam de uma Igreja para se sentirem incluídos. “Minha religião é Deus, não frequento de fato uma Igreja. Particularmente, eu duvido muito do que tem na Bíblia. E quanto às igrejas inclusivas eu não sou adepta a intuições. Deus me basta, minha relação com ele é diária. Não preciso de alguém que me diga que estou incluída.”, declara Tayane Sales, de 26 anos, homossexual e estudante de direito.

Sexo antes do casamento Nas igrejas inclusivas, o tabu do sexo antes do casamento é visto de forma diferenciada das igrejas convencionais, “Desde que não atrapalhe a cerimônia, eu não vejo nenhum mal.”, brinca o reverendo Igor Simões. “Aqui, nós somos contra todo tipo de hipocrisia, nos apresentamos diante de Deus como somos, com todas as nossas necessidades.”, comenta de forma mais séria. Para o jovem pastor Bruno Ribeiro, o sexo antes do casamento deve ser acima de tudo uma relação consensual entre duas pessoas. Para ele, desde que haja consenso e um relacionamento afetivo entre os dois, não há problema algum em fazer sexo antes do casamento. “A celebração e oficialização do casamento foi algo instituído pelo homem. Antes mesmo dessa oficialização as pessoas já faziam sexo.”,

Foto: Ferreira Júnior

“Eu não posso me reprimir ou me queixar por uma sexualidade que Deus me deu. Eu sou assim, Ele me fez e me acolhe assim, me aceita como sou.”, afirma.

pontua Bruno. Já para igrejas mais tradicionais, essa questão é indiscutível. O sexo deve ser praticado apenas depois do casamento e para fins de procriação. É o que traz o Catecismo da Igreja Católica, livro que ensina regras comportamentais e morais para seus seguidores.

Casamento Homoafetivo Em um relacionamento estável há quase dois anos, o jovem pastor Bruno Ribeiro já pensa em casamento. Além da sua própria cerimônia, Bruno confidenciou que há mais dois casamentos agendados e que devem ser celebrados ainda esse ano na “Comunidade Bom Pastor”. Um deles entre dois rapazes que na noite fazem performances em casas noturnas, travestidos de drag-queens. Nos últimos anos, dois casamentos de fiéis engajados foram realizados na ICM. “O reconhecimento da união estável homoafetiva aqui no Ceará deve fazer com que este número cresça.”, acredita Simões No que depender de Emanuele Rocha, 28 anos, assistente financeiro, membro da ICM há seis anos, esse número vai crescer sim. Ema-

nuele foi frequentadora de igrejas tradicionais desde criança, mas diz que foi na igreja inclusiva que encontrou a segurança e os alicerces para a construção de uma família. “A ICM é a minha casa. Aqui eu me encontrei com Deus verdadeiramente, encontrei o amor da minha vida, a Paula. Estamos juntas há três anos e meio e pretendemos casar em breve e gerar nossos filhos.”, sonha. O reverendo Igor, noivo de José Kant, 50 anos, Gerente de Marketing, pode ser o próximo a trocar alianças. Em meio a sorrisos, ele se declara “casado de coração”. Mas vamos oficializar isso, né, amor?”, diz sorrindo para Kant. De acordo com a liderança da ICM, só no ano passado foram mais de dez celebrações de casamento realizadas pela igreja. “Para receber a benção do matrimônio, não é necessário ser membro da congregação.”. Explica Igor que sempre recebe convites para realizar a cerimônia religiosa que oficializa “aos olhos de Deus, a união homoafetiva”. E uma vez casados, os membros são aconselhados a “frutificar”, seja por meio da geração natural de crianças ou por meio da adoção, prática que é incentivada na Igreja.

TEOLOGIA INCLUSIVA, A DOUTRINA DO ACOLHIMENTO Foto: Reprodução/Facebook

Ferreira Júnior

O Cristianismo Inclusivo, ou Teologia Inclusiva, nasceu em 1968, quando o reverendo Troy Perry, pastor de uma igreja tradicional, foi expulso de sua congregação por conta de sua homossexualidade. O reverendo Troy começou a realizar reuniões em sua casa e, en-

tão, fundou a primeira igreja direcionada para a pregação do Evangelho para gays, lésbicas e transgêneros. A inclusão cristã prega uma releitura contextualizada da Bíblia. Rejeita o fundamentalismo cristão, afirmando que a Bíblia, de forma alguma, reprova ou condena a afetividade homoerótica. “O Evangelho é para todos e todas, sem distinções.”, afirma Troy no seu perfil do Facebook. Para a Teologia Inclusiva, a humanidade é santa e a sexualidade é um dom sagrado de Deus. Portanto, não há discrepância entre as práticas sexuais, sejam elas quais forem, e a vivência com Deus. No que se refere a obras, a Teologia Inclusiva se inspirou na Teologia da Libertação, que utiliza o Evangelho como instrumento de justiça social e resgate da dignidade humana. Os trabalhos de ação social são uma marca desta corrente teológica, que prega também a vivência em comunidade. Os adeptos desta linha religiosa pretendem viver em comunidade, colocando tudo em comum. Os recursos

da instituição são destinados à manutenção do templo e suporte aos membros mais necessitados. A igreja inclusiva também é engajada em obras de assistência social, principalmente em projetos ligados ao acompanhamento de soros positivos. Autodenominada inclusiva, a Igreja da Comunidade Metropolitana tem templos espalhados por todo o mundo, inclusive no Brasil. A igreja integra um movimento que não vê a homossexualidade como uma doença a ser curada. Essas congregações religiosas têm um discurso positivo em relação à diversidade sexual, abrindo a possibilidade para que lésbicas, gays e transgêneros se tornem não apenas fiéis, mas também exerçam cargos de liderança. No Brasil, a Igreja da Comunidade Metropolitana, filiada à Metropolitan Community Churches, está presente em nove cidades. São elas: São Paulo e Campinas (SP); Belo Horizonte e Divinópolis (MG); Fortaleza (CE); Teresina (PI); Curitiba e Umuarama (PR); e Vitória (ES). Somente em três delas (São Paulo, Belo Hori-

Foto: Ferreira Júnior

zonte e Fortaleza), há os serviços completos, que incluem ação social e militância pelo movimento lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT). Por essa atuação a Igreja da Comunidade Metropolitana esteve na I Conferência Nacional LGBT, em 2008, e na II Conferência de Igualdade Racial no mesmo ano.


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HISTÓRIA

A VISÃO DAS RELIGIÕES SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE Islamismo Proibida pela lei islâmica, a prática é considerada crime em muitos países. As penalidades podem incluir pena de morte em execução pública.

Budismo Esta doutrina não tem foco na sexualidade, em geral ensina os praticantes a não viverem nenhum tipo de prática mundana.

Espiritismo Kardecista Não há uma posição oficial. Entretanto, alguns doutrinadores aconselham o homossexual a constituir um lar com seu parceiro.

Candomblé A homossexualidade é amplamente aceita e discutida nos dias atuais. No passado, porém, era uma prática vista com maus olhos pelos candomblecistas.

Pesquisa: Thiago Silva

SEXUALIDADE

VIRGINDADE: TABU QUE VIRA MODA

Foto: Reprodução/Facebook

Seminário do movimento Eu Escolhi Esperar atrai milhares de jovens

Neto Almeida

V

irgindade pode ser definida como o atributo de uma pessoa que nunca fez qualquer tipo de relação sexual. Em muitas religiões, virgindade atrela-se à pureza tanto da alma como do corpo. Durante anos, ela foi algo primordial a uma mulher. A sua “perda” antes de casar era vista como impureza, e mulher impura não conseguia um bom casamento. Já para os homens, tê-la era algo vergonhoso. Os pais chegavam a contratar garotas de programa para que seus filhos, ainda jovens, perdessem a virgindade. Mas, algumas religiões defendem a espera do casamento para acontecer a primeira relação sexual, tanto para os homens quanto para as mulheres. As religiões continuam as suas defesas quando o assunto é virgindade. Mas hoje, elas enfrentam uma sociedade diferente, na qual a relação sexual é algo mais comum, deixando de ser algo para acontecer somente depois do casamento.

Enquanto no passado, ser considerado uma pessoa “pura” era algo para se vangloriar, hoje é algo para se esconder. Falar sobre sexo era um tabu na década de 70, mas começou a ganhar espaço na mídia nas décadas de 80 e 90. Hoje, o sexo está em todos os veículos midiáticos. Enfim, é um assunto difícil de ser ignorado, daí a cobrança para que, quem esteja fora desse mundo, entre nele o mais rápido possível. Despois de ficar muito tempo na mídia, o assunto virgindade deixou de ser pauta por um tempo mas voltou aos gostos da mídia há alguns anos. Isso ocorre devido a movimentos religiosos para os quais demostrar a sua virgindade deixou de ser vergonhoso, para ser louvável.

Com o intuito de mudar a ideia que se tem de virgindade e de mostrar a importância dela para a sociedade jovem brasileira, Neslon Neto Júnior, baseado em suas experiências, criou um movimento para conscientizar os jovens que ser virgem não é algo errado. Segundo ele, não é pra se esconder, pois se “guardar” para a pessoa certa é o certo aos olhos de Deus. Intitulado “Eu Escolhi Esperar”, o movimento tem como referência as crenças da igreja evangélica. O estudante Claudio Matias (22) mora em Fortaleza e segue o movimento. Para ele, a virgindade é uma forma de demostrar respeito pelo próximo, ele alega que a relação sexual é mais que prazer. É uma entrega de corpo e alma e que deve ser feita para uma pessoa especial. Embora tenha um mi-

lhão de adeptos, que lotam os eventos em todo o Brasil, o movimento também chama atenção de pessoas que são contrárias a ele. O jovem Pedro Marcello (20) acredita que a espera pelo casamento deve acontecer, mas acha a campanha exagerada, chegando a transformar tudo em modismo. “Aquilo que deveria ser diferente do sistema ‘mundano’ cada vez mais tem se tornado alienante e cauterizante. Hoje em dia, o povo que grita aos quatro ventos: ‘Somos eleitos’ tem sucumbido ao modismo gospel.”, critica. “A tendência que aliena os jovens evangélicos no momento é o movimento do Eu Escolhi Esperar. Movimento que tem explorado o despreparo, a ingenuidade e a extrema facilidade do ‘gado gospel’ em se inclinar a qualquer doutrina que alguém que se aclama ‘ungido’ deseja enfiá-los goela abaixo.”, ressalta Marcello. “Como todo mercador do evangelho, o movimento apela às emoções de pessoas que já passaram por decepções na vida, nesse caso, decepções amorosas.”, contesta Marcello. A assessoria do movimento foi procurada para falar sobre o assunto, mas até o fechamento dessa matéria, eles não haviam se pronunciado.


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MERCADO Com uma grande visibilidade na mídia, o mercado em torno do tema virgindade tornou-se aquecido. No site do movimento (www. euescolhiesperar.com), você encontra um link que o direciona para uma loja virtual com vários produtos à disposição dos adeptos. Livros, blusas, adesivos, pulseiras, dvd’s, cd’s, tudo com o logotipo do movimento: uma mão com um anel no dedo anelar. O estudante Pedro Marcello nos conta que “basicamente, o movimento se resume na crença na predestinação amorosa. Eles creem que entre sete bilhões de pessoas no mundo, Deus se preocupou em criar uma única pessoa

para formar casal com cada adepto do movimento, baseando-se em histórias isoladas da Bíblia. Mas logo, tal movimento mostrou sua verdadeira face: arrecadação de dinheiro.”. Ele ainda exemplifica usando a cidade de Fortaleza como exemplo de um grande nicho para esse tipo de mercado. “Vamos falar de números. Fortaleza é o pote de ouro no fim do arco-íris do movimento. Cheguei a contar três seminários em menos de oito meses com mais de um dia de palestra em cada seminário, cobrando ingressos e vendendo camisas, chaveiros e todo tipo de porcaria que possa se imaginar, com a logo do movimento.”, completa ele.

Foto: Internet

Intregrantes do Jonas Brothers, banda que prega a castidade antes do casamento

A VIRGINDADE NO MUNDO GAY Foto: Internet

Quando o assunto é a vida sexual entre jovens e adultos gays, homens e mulheres, o assunto virgindade é algo com que eles não se preocupam. Os homossexuais afirmam que a sociedade fecha os olhos e não vê que os heterossexuais também vivem hoje uma vida sexual com um maior número de parceiros na mesma intensidade que os gays. Assim como há gays que veem a relação sexual como algo para se viver com alguém importante e não com qual quer um. Quando o tema é virgindade entre eles, o assunto é algo bem menos preocupante.Alberto Garcia* (24) afirma que nunca se preocupou com o fato de ser virgem e nem tão pouco com a forma e a pessoa com quem ele iria perder. Para ele, os gays não racionalizam, não veem como algo importante, até mesmo quando se trata da primeira relação.

O jovem André Santos* (20) concorda que entre os gays o assunto virgindade não é algo tão relevante. Tê-la ou não é algo pouco importante, mas acha que a relação sexual não é algo para se fazer com qual quer um. É uma relação muito íntima e “deve ser feita com alguém quem você sente mais que apenas atração física.”, diz André. Ele assume que ainda é virgem, já namorou, mas ainda não sentiu vontade de ter a sua primeira relação. Afirma ainda que não está esperando o príncipe encantado, nem tao pouco o homem com quem imagina viver o resto da vida. Mas, espera apenas que seja uma pessoa com quem se sinta à vontade para viver uma vida sexual.

*nome fictício

PONTO DE VISTA

A VEZ DO ARGENTINO Diego Gregório é estudante de jornalismo e tem muita fé em Deus.

Não foi dessa vez que a igreja católica teve um papa brasileiro, apesar das expectativas e das orações dos fieis tupiniquins, mas bateu na trave e para bom torcedor “bater na trave” é quase gol. Em 13 de março de 2013, o conclave escolheu Jorge Mário Bergoglio, argentino, como o primeiro papa não europeu em 1200 anos de história. Um pouco antes disso, Joseph Aloisius Ratzinger, antecessor de Jorge Mário, também entrava para a história católica apostólica romana, quando em 28 de fevereiro de 2013, abdicou o papado. Com o nome de Bento XVI, alemão de nascença e de postura, disse que não poderia cumprir com os compromissos de seu cargo. Mas como assim? Perguntaram os alemães. O santo padre, como diz vovó, domina seis idiomas entre eles, alemão, italiano, francês, latim, inglês, castelhano e português. Lê em grego antigo e hebraico, é doutor em oito universidades e ainda toca piano. O que poderia impedir que Bento XVI continuasse seus trabalhos como papa? A questão é simples, ele é um intelectual e não um papa. Não agradou a mídia, chamou mais a atenção por ser fã de sapatos Prada, um dos mais caros do mundo, que pelos sorrisos ou afagos a crianças. “Vinde a mim as criancinhas” diz a Bíblia, mas Bento parece ter deixado escapar esse ensinamento. Ele trabalhou

duro para unir a igreja católica entre liberais e conservadores. Duro demais, talvez. Os liberais não gostaram das declarações severas de Joseph, que considerava “belicoso” o trabalho das mulheres que não no lar e declarava sem meias palavras ser contra o amor entre pessoas do mesmo sexo. Já do outro lado, os conservadores esperavam um papa tão carismático quanto foi João Paulo II, que ainda hoje vive em belas molduras nas casas das senhoras e na memória de quem o viu, mesmo que pela TV, beijar o solo dos países por onde passou. O carisma pode ter impedido o papa de continuar, e a história relata que os católicos não gostam de se sentir descontentes. Outro fato que chamou a atenção foi o problema enfrentado pelo Vaticano na mesma época. Pela voz rouca da jornalista Isis Scamparini, acompanhamos as notícias sobre o Vaticano ter usado R$ 58 milhões em um complexo que abriga uma sauna gay. Um pouco de diversão não faz mal a ninguém, mas isto se as palavras: milhões, sauna gay e cardeais não estiverem na mesma frase. Ao todo, 18 religiosos moravam nesse condomínio. O que poderia chamar mais a atenção dos católicos e da mídia além disso? A renúncia de um papa, já que em toda a história da igreja, apenas três papas tinham renunciado antes de Bento XVI. O alemão não soube jogar e não soube per-

der. Afirmou que passará a ser recluso, afinal, sempre se deu melhor com os livros que com pessoas. A escolha do jesuíta Jorge Mário Bergoglio foi aplaudida pelo mundo. Ele foi apresentado exatamente como foi esperado. O primeiro papa de sua ordem, é um homem simples. Escolheu o nome Francisco em uma homenagem àquele a quem sempre seguiu os caminhos, São Francisco de Assis, santo dos pobres e necessitados. Francisco tem uma missão importante: além de carregar o cajado de Pedro para guiar o rebanho de fieis, precisa agradar os católicos e limpar o nome da igreja. Em sua primeira aparição, quando eleito, usou apenas uma batina branca, renegou o anel de ouro característico dos papas e se disse ser o pontífice da caridade. Em suas entrevistas, sorri, abraça os pobres, quase não notamos a grandiosidade das coisas que o cerca. Quando perguntado o porquê do nome escolhido, respondeu: “Foi por causa dos pobres que pensei em Francisco. Depois, enquanto o escrutínio prosseguia, pensei nas guerras, e assim surgiu o homem da paz, o homem que ama e protege a criação, com o qual hoje temos uma relação que não é tão boa.”. Minha avó, aquela mesma que tem na parede o quadro de João Paulo II, sorriu do lado de cá da tela, já ansiosa pela visita do papa que

foi escolhido para agradar. Os jornalistas também fizeram bem o seu trabalho. Depois dos escândalos do Vaticano, percorreram toda Buenos Aires para traçar o perfil do novo chefe da igreja. Legitimou-se o homem simples, caridoso, ideal para o momento em que vivia a igreja católica, que perde fieis para os sermões calorosos dos pastores evangélicos. O papa argentino tem o que o alemão não teve, um “jene sais quoi”, ou para os brasileiros, um borogodó. Os fieis não gostam de ver seus líderes gastando o dinheirinho suado da oferta. Não cai bem e o papa Francisco sabe disso. No último dia 11 de maio, numa missa em Roma, na Capela de Santa Marta, ele lembrou que São Pedro, considerado o primeiro papa, que deve servir de exemplo para todos os outros, não tinha conta no banco. Ele defendeu uma igreja sem riquezas. “Quando se quer uma igreja rica, a igreja envelhece, perde vitalidade.”, disse o papa que escreve um livro sobre a pobreza. Os católicos, que viveram com os luxos de Bento XVI, agradecem e ficam mais confiantes na hora de pagar o dízimo. Afinal, o dinheiro não vai ser direcionado a condomínios de luxo e sim aos pobres. Lembrei até de uma frase polêmica de uma amiga querida: “a Argentina é o orgulho brasileiro. Bateu um bolão esse papa Francisco.”.


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