Monografia Barriga D'água - Thiago Limón

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Centro Universitário SENAC São Paulo - 2014 livro de artista

Barriga d’água

e a “psicossomática social” Por Thiago Araujo lima Orientação Marcos Pecci


Centro Universitário SENAC São Paulo - 2014

livro de artista

Barriga d’água

e a “psicossomática social”

Por Thiago Araujo lima Orientação Marcos Pecci


Centro Universitário Senac São Paulo - 2014

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Centro Universitário Senac

L732l Lima, Thiago Araujo

livro de artista

Livro de Artista / Barriga d’água / Thiago Araujo Lima– São Paulo, 2014. 164 p.: il. color. Orientador: Marcos de Almeida Prado Pecci Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Design – Habilitação em Comunicação Visual) – Centro Universitário Senac, São Paulo, 2014. 1. Livro de artista 2. Arte contemporânea 3. Comunicação visual 4. Publicação independente 5.Suporte artístico I.Pecci, Marcos de Almeida Prado (Orient.) II. Título

Barriga d’água

e a “psicossomática social” Por Thiago Araujo lima

CDD 741

Monografia apresentada ao Centro Universitário SENAC como exigência parcial para obtenção do título de graduação em Design Gráfico - Bacharelado em Comunicação Visual, sob orientação do Prof. Marcos de Almeida Prado Pecci.


Centro Universitário SENAC São Paulo - 2014

livro de artista

Barriga d’água

e a “psicossomática social” Por Thiago Araujo lima

Área de concentração: Local:.............................................................................. Data de defesa:.........de..............................de................ Resultado:.......................................................................

LIMA, Thiago - 1989 Barriga d’água - São Paulo, 2014. Orientador: Marcos de Almeida Prado Pecci (Design Gráfico - Bacharelado em Comunicação Visual) Centro Universitário Senac

Marcos de Almeida Prado Pecci

Fernanda Carlos Borges

Celia Maria Escanfella

CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC


De di ca tó ria

Esse trabalho é dedicado primeiramente aos meus pais, por confiarem fielmente em mim e se manterem próximos em todos os momentos decisivos de minha vida. Aos meus amigos por sua cumplicidade e paciência, tato e trato, e também aos transeuntes que apareceram em algum momento e transformaram a mera convivência em experiências esclaredoras. Em suma, este trabalho é dedicado aos que compartilham com mundo seus conhecimentos e experiências, aos que veem na troca verdadeira uma potente conexão.

A gra de ci men tos

Agradeço meus amigos pela paciência, ajuda e disponibilidade de agenda. Ao meu orientador, Marcos Pecci pela disposição e entrega conjunta à feitura desse trabalho. Aos artistas entrevistados por doarem seu tempo e dividirem suas experiências em prol da pesquisa. Ao Victor Garabelli por sua complacência e cumplicidade nos bastidores desse trabalho. Aos demais coadjuvantes da vida, pela troca constante e contínua.


“It’s an artist’s book if an artist made it, or if an artist says it is” (DUCHAMP apud LYONS, 1985, p. 49)

“É um livro de artista se o artista o fez ou se o artista diz que é” (DUCHAMP apud LYONS, 1985, p. 49, tradução nossa)


PALAVRAS CHAVE

KEYWORDS

Livro de artista

ar t i s t b ook

Com uni caç ão Visu al

visual Communication

arte contemporânea

contemporary art

publicação independente

Independent publishing

suporte artístico

Abstract

Resumo Multidisciplinar por natureza, o livro de artista apresenta-se historicamente como um veículo alternativo da arte, manifestando-se a partir da percepção do artista em diversos aspectos: plásticos, gráficos, morfológicos, únicos ou múltiplos. Ilustrativo, abstracional, em execução solo ou em parceria com autores, esse suporte conta com uma grande pluralidade de realizações, seja em suas propriedades contemplativas, seja em sua função como meio de reflexão político-social, devido à sua capacidade de inserção e caráter autônomo. Portanto, este Trabalho de Conclusão de Curso tem como proposta a fundamentação teórica sobre o livro de artista, partindo das rupturas de suporte ocorridas na história da arte no modernismo do século XX até os desdobramentos na produção contemporânea.

Artistic Support

O panorama histórico sobre as práticas do livro de artista apresentados nesse trabalho visa a uma exposição e orientação sobre suas possibilidades plásticas e conceituais, servindo de subsídio para a produção de um livro de artista autoral. A produção da publicação está, em primeira instância, voltada para a busca de uma poética própria, seguida pelo desenvolvimento de uma temática de feição reflexiva acerca do olhar dirigido à vida cotidiana. No quesito plástico, a publicação pretende uma aproximação ao caráter democrático do livro, considerando sua possibilidade de disseminação e multiplicidade ao mais variado público.

Multidisciplinary by nature, an artist book is historically presented as an alternative vehicle of art, which manifests from the perception of the artist regarding several aspects: plastics, graphics, morphological, single or multiple. Illustrative, abstractional, in solo performance or in partnership with other authors, it presents a plurality of considerable achievements, whether in its contemplative properties or in its function as a means of political and social reflection, due to its autonomous character and capability of insertion into one´s life. Therefore, this concluding monograph is proposed to present the theoretical basis of the artist book, drawn up from the support breakage, that has occurred in the history of art in the 20thCentury modernism, to the developments in contemporary production. The historical overview of the practices of the artist book

presented in this paper aim to expose and orientate its plastic and conceptual possibilities, and may be used as an example for the production of an artist book. In first instance, the production of the publication is focused on the pursuit of an own poetics, followed by the development of a reflexive thematic around the analysis of the “everyday life”. In terms of plastic art, the monograph intends to provide an approximation of the democratic character of the book, considering its wide potential of comprehension to the most diverse types of public.


Su má rio

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Introdução pg. 19

na história s ra u t p ru : o p em t o A marcha d orâneo p em t n co o a XX lo cu da arte, do sé ..... 24 is.......................... na nas artes visua er od m cia ên flu 1.1. A in ......................... 32 ização................. ial er at sm de da ...... 33 1.2. O registro ........................... enberg e Johns..... ch us Ra de ica ét A po ........................ 36 ........................... ... ... ... l... ho ar W neos. 40 O legado de entos contemporâ l e os desdobram ua eit nc co te ar 1.3. A

O livro de artista: configurações artísticas no espaço-tempo 2.1. Conceito...................................................................... .................... 50 2.2. Histórico........................................................................ ..................51 Monológo visual – O livro ilustrado................................ ...................51 Intervenções e extroversões:O livro objeto e Poesia Concre ta..........58 Incorporação Social - O livro na arte conceitual.............. .................64 A arte da Xerox.............................................................. ...................73 Catálogos e processos documentais................................ .................74 Os anos 80 e o retorno a tela............................................ ................78 A velocidade dos anos 90.................................................... ..............78 O problema do mercado........................................................ ...........79 2.3. O livro de artista na atualidade................................ .......................80 Feira Plana II........................................................................ ............82

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evistas

Práticas independentes/ entr

................................86 ........................................ 4.1. Vendo-me Editora... ................................88 ........................................ . . ora tad Ca éia lcin Du . 4.2 ............................. 92 ........................................ 4.3. Natasha Weissenborn ............................96 ........................................ ..... ..... . . ros dei Me ia Vân . 4.4 .............................. 100 ........................................ 4.5. Larissa Monteiro..... ............................. 102 ........................................ lo.. bel Ra tor Vic o Joã . 4.6 .......................... 104 ........................................ 4.7. Flávio Grão..................

Projeto

Livro de Artista: Barriga d’água 4.1. Contextualização....................................................... 110 4.2. Título......................................................................... 111 4.3. Expressão Gráfica..................................................... 112

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4.4. Formato..................................................................... 113 4.5. Conteúdo................................................................... 113

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Considerações finais

Referências

pg. 148

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pg. 144

Lista de imagens

pg. 154


Introdução

Com base em autores e historiadores da arte, como Marcos Pecci, Cristina Freire, Paulo Silveira, Annateresa Fabris, entre outros, o presente trabalho pretende abordar de forma panorâmica a emergência do livro de artista, termo utilizado pelas vanguardas conceitualistas entre os anos 1960 e 1970. A pesquisa analisa, ainda, as rupturas do suporte, com início no modernismo do século XX, até os seus desdobramentos contemporâneos. Apesar da recorrente associação às décadas de 1960 e 1970, este veículo artístico possui muitos registros e sua presença é contemplada em diversos momentos da história da arte. De fato, sua emergência e popularidade se deram com mais potência nesse momento da história, cenário de tantas outras experimentações artísticas. Entretanto, para entendê-lo, é necessário um olhar panorâmico sobre seus desdobramentos e práticas, partindo de seu surgimento como ponto de encontro entre arte e literatura. Em suas primeiras significações, o livro de artista configurou-se como um conjunto integrado da obra, para além do diálogo descritivo entre texto e imagem, como ocorre em Songs of innocence (1789) e Songs of Experience (1794), publicações autorais verbo-visuais de William Blake (1757-1824). Segundo a pesquisadora Cláudia Regina Rodrigues Calado (2003), a técnica desenvolvida pelo artista é conhecida popularmente como Iluminura, e consiste em gravar textos e desenhos em uma mesma

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Introdução

matriz de cobre, utilizando, nesse caso, seus próprios poemas e imagens na construção de uma publicação autoral. Outro apontamento, dessa vez feito por Paulo Silveira (2008), é a ideia de se pensar o livro de artista como um registro gráfico, sendo exemplares os cadernos de estudo de Leonardo da Vinci, repletos de registros visuais e verbais e executados nos séculos XV e XVI. Em suas primeiras formações, o livro de artista não possuía a intenção de contestar ou, por que não, opor intervenções a seu formato, ao menos até as concepções intelectuais de William Morris e sua editora, a KelmscottPress (1890). Segundo Annateresa Fabris (1988), Morris pensava o livro como uma arquitetura, na qual cada elemento devia ser considerado em si e em suas recíprocas como um conjunto, e cujo resultado era uma “espécie” de prazer sensual. A partir disso, o livro de artista desloca-se por outras vertentes, como os livros de colecionador voltados para peças raras, feitos em litografia e água forte até o predomínio da impressão em cores nos anos 1940 e 1950. Essa fase demonstra uma supervalorização do livro como objeto artístico, pensamento este que as vanguardas modernas e contemporâneas, surgidas no final dos anos de 1950, tentam desmistificar. A poesia visual, o concretismo, a arte conceitual e outras manifestações artísticas fizeram experimentações que levaram o livro de artista a se desvincular visualmente da concepção de livro, de modo a ressignificá-lo e a questionar a legitimidade artística pelo viés da produção industrial. Como vemos, o livro de artista carrega consigo várias questões, como origem, manifestações e conceitos que o definem enquanto objeto artístico. Quais seriam, então, suas reais configurações plásticas, estruturais e visuais? Essas questões norteiam a presente pesquisa, que busca erguer uma fundamentação sobre as possibilidades estéticas, conceituais e executáveis para a produção de um livro de artista autoral, em diálogo e sintonia com o tempo em que é concebido.

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1 t a o L pí u A marcha do tempo: rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo


Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

No decorrer da história da arte ocidental, as tradições e os cânones clássicos persistiram do Renascimento até o século XIX, quando finalmente os experimentos artísticos livres do modelo europeu passaram a ganhar visibilidade. Assim, este capítulo pretende contemplar de forma panorâmica os desdobramentos da arte a partir das mudanças de representação no período moderno às rupturas de suporte na contemporaneidade.

1.1. A influência moderna nas artes visuais Segundo Giulio Carlo Argan (1992), o início da passagem do moderno para o contemporâneo se deu pela mudança representativa do suporte tela, na qual os artistas abandonaram as práticas impressionistas e voltaram-se para o Expressionismo. Para o autor, a corrente francesa impressionista do final do século XIX contribuiu fortemente na ampliação de experimentações de caráter perceptivo, além das sensações visuais imediatas obtidas na pintura ao ar livre. Nesse período, são considerados importantes os estudos de Toulouse-Lautrec (1864-1901), com representações de personagens do cenário boêmio, até então práticas totalmente opostas ao que era aceito pelos salões de arte. Entre os impressionistas, os principais artistas são Claude Monet (1840-1926), Pierre Auguste Renoir (1841-1919), Alfred Sisley (1839-1899), Frédéric Bazille (1841-1870), Camille Pissarro (1830-1903), Paul Cézanne (1839-1906), entre outros. Na ruptura do Impressionismo para o Expressionismo no início do século XX, é possível perceber nas obras uma pintura mais visceral, livre da mimese, transformando o que era uma percepção impressionista em uma expressão intrínseca ao olhar do próprio artista: A origem comum é a tendência anti-impressionista que se gera no cerne do próprio impressionismo, como consciência e superação de seu caráter essencialmente sensorial, e que se manifesta no final do século XIX com Toulouse-Lautrec, Gauguin, Van Gogh, Munch e Ensor. Literalmente, expressão é o contrário de impressão. A impressão é um movimento do exterior para o interior: é a realidade (objeto) que se imprime na consciência (sujeito). A expressão é um movimento inverso, do interior para o exterior: é o sujeito que por si imprime o objeto. É a posição oposta a Cézanne, assumida por Van Gogh. Diante da realidade, o Impressionismo manifesta uma atitude sensitiva, o Expressionismo,

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uma atitude volitiva, por vezes até agressiva. (ARGAN, 1992, p.227)

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Fig. 1 Study For "Elles" (Woman in a Corset), 1896

Segundo Argan (1992), apesar de sua assimilação ser comumente voltada à arte alemã, o fenômeno europeu chamado Expressionismo foi divido em dois centros distintos: o movimento francês Fauves e o movimento alemão Die Brücke, ambos em 1905. O Fauvismo, de acordo com Argan (1992), influenciado pelos primitivos e culturas étnicas, buscava a simplificação da forma com o uso de cores arbitrárias sem o viés da expressão crítica. Diante de uma percepção particular e pinceladas instintivas, sua autonomia criativa expunha sensações primárias repletas de alegria e celebração à vida. Entre os artistas desse movimento estão Henri Matisse (1869-1954), André Derain (18801954) e Maurice de Vlaminck (1876-1958). Oriundos do mesmo período dos Fauves, os Expressionistas alemães ou Die Brücke contrapõem sua profunda angústia à efervescência fauvista. Apesar da utilização de cores enérgicas e da representação dialogar, em parte, com a produção artística dos Fauves, a temática para os Brücke é entendida como uma condição profunda e existencial do ser humano: a ânsia de possuir o real, a angústia de ser possuído também pela realidade que se aborda. Nessa vertente estão os artistas Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), Erich Heckel (1883-1970), Max Pechstein (18811995), entre outros.

Henry De Toulouse-Lautrec

Fig. 2 The Joy of Life, 1906. Henri Matisse

Fig. 3 Seated Lady, 1907 Ernst Ludwig Kirchner

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Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

Segundo Argan (1992), contemporâneo às duas correntes artísticas citadas anteriormente, surge na França em 1908 o movimento cubista. Em retomada às esculturas africanas, Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963) inauguram uma pintura esteticamente marcada pela quebra do plano dimensional e geometrização das formas. A busca por novos experimentos artísticos fez os artistas desse e de outros movimentos abandonarem a técnica do desenho representacional para, enfim, chegarem ao nível máximo de simplificação da forma. A finalidade era transformar o quadro numa forma-objeto que possuísse uma realidade própria e autônoma e uma função específica própria. Diante do quadro, não é mais necessário perguntar o que ele representa, mas como funciona. E tampouco quem o fez: a pergunta pressupõe o preceito de que ele representa o mundo anterior, a individualidade do artista. (ARGAN, 1992, p.302)

O Cubismo de Picasso inaugura um aspecto que a arte contemporânea vai se apropriar futuramente: a manipulação de objetos tridimensionais em tela, que subverte a ideia de quadro, até então algo nunca proposto no mundo da arte. Um exemplo dessa prática é a obra Still life with the caned chair (1912), na qual Picasso emoldura o quadro com uma corda e utiliza tiras de couro na tela, em alusão a um forro de cadeira. Rosana Krug (2007) aponta que essas montagens incorporando objetos e reunindo materiais díspares, construídas sob o aspecto de relevo ou escultura, são denominadas genericamente de assemblages por Jean Duffet somente em torno de 1953. Nesse período, as mudanças na representação ainda estavam alinhadas a preocupações formais e estéticas, aspectos que as futuras vanguardas tendem a superar. Nesse movimento, alguns expoentes são Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris (1887-1927). Com relação às rupturas modernistas, o Dada ou Dadaísmo – como é mais conhecido - é a vanguarda mais importante nesse sentido. O movimento artístico surge em Zurique, por iniciativa de um grupo de artistas e poetas, e depois nos Estados Unidos, após a exposição de Armory Show em 1913. O movimento liderado por Marcel Duchamp (1887-1968), Francis Picabia (1879-1953) e Man Ray (1890-1976) em 1917, na Suíça, relata muito do que será visto e apropriado na arte contemporânea.

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Descrentes de uma sociedade que consideravam responsável pelos estragos da Primeira Guerra Mundial, esses artistas decidiram romper deliberadamente com todos os valores e princípios estabelecidos por ela anteriormente, inclusive os artísticos. Os Dadaístas seguem a premissa de que não há mais arte, e sim anti-arte, e defendem a ideia de que a arte encontra-se na vida, sendo essa o maior símbolo de efemeridade:

Fig. 4 Still life with the caned chair, 1912 Pablo Picasso

Fig. 5 Fontain, 1917 Marcel Duchamp

São os anos da Primeira Guerra Mundial, cuja mera conflagração pôs em crise toda a cultura internacional. Pôs em crise, ao lado dos demais valores, a própria arte; esta deixa de ser um modo de produzir valor, repudia qualquer lógica, é nonsense, faz-se (se e quando faz) segundo as leis do acaso. Já não é uma operação técnica e linguística; ela pode se valer de qualquer instrumento, retirar seus materiais seja de onde for. De fato não produz valor; ela documenta um processo mental, considerado estético por ser gratuito. É nonsense no nonsense, mas positivo porque o comportamento do mundo pretende ser lógico e é insensato, é um nonsense negativo e letal. (Argan, 1992, p.353)

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Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

Segundo o pesquisador Marcos Pecci (2014), cuja fala recente em uma palestra1 reverbera neste trabalho, esta é a característica eminentemente dadaísta e que está presente no discurso de Tristan Tzara (1896-1963), um dos integrantes do movimento Dada: A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta. Se não há beleza na guerra, no consumo excessivo, na destruição humana, como seria possível racionalizar a arte, sendo esse, por excelência, um campo que se desenvolve a partir da percepção e relação humana - por natureza, tão inconsistente? De acordo com Pecci (2014), em 1917 Duchamp participa de uma exposição intitulada Sociedade dos Artistas Independentes e expõe a Fonte, um mictório disposto de cabeça para baixo em alusão a um órgão sexual feminino. Na peça, a palavra “R. Mutt”, escrita em caneta, demonstra o nome do fabricante do mictório. O trabalho mais famoso do artista representa, em suma, o conceito do readymade, que consiste em um ou mais artigos produzidos em massa, selecionados sem critérios estéticos e apresentados como obras de arte em espaços expositivos, como museus e galerias. Vale ressaltar que essa técnica já foi utilizada anteriormente pelo artista em A roda de bicicleta, 1913. Duchamp buscava o deslocamento do objeto do seu contexto usual, utilizando elementos de origem vulgar em sua expressão artística. É imprescindível pensar que com esse feito o artista levanta um questionamento sobre o propósito da arte, a aura dos objetos artísticos, o conceito de beleza como pressuposto da obra de arte, a ideia vinculada ao processo manual/artesanal e, sobretudo, o papel do artista visto anteriormente como o gênio criativo. Além dos pontos citados, percebe-se também a utilização da linguagem verbal como ferramenta potente na construção do sentido da obra, e o título da mesma, que passa a ter relevância no processo de compreensão. Pecci (2014) aponta que, a partir desses feitos, traça-se uma abertura para uma arte não retiniana, movida não somente pela ação contemplativa, mas, de certo modo, participativa. A questão eminente acerca da práxis artística indagou o motivo pelo qual os artistas deveriam continuar representando objetos, visto que todos já podiam tê-los em mãos. 1. A palestra Desafios do olhar: reconhecendo a arte contemporânea foi realizada no dia 15 de março de 2014, com Marcos Pecci – Professor da área de História da Arte e Professor de Curadoria e Sociedade, das 10h às 12h, no Centro Cultural Banco do Brasil.

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Segundo o estudioso, assim como os cubistas, a colagem também foi uma técnica muito utilizada por artistas Dadas, porém, no segundo caso, ela não era somente um fragmento da obra, mas sim o trabalho em si. Em Colagens segundo as leis do acaso, de Hans Arp (1886-1966), o artista joga aleatoriamente recortes de papel sobre um suporte e os cola exatamente na posição que caíram, sem preocupação estética ou compositiva. Como citado anteriormente, o título passa a fazer parte da obra, sem uso de analogias ou poéticas. Pecci indica ainda que nesse período ocorreu a união da poesia com as artes visuais, fazendo-se uso da mesma “técnica do acaso”, em que fragmentos escritos em papéis eram jogados em um saco e depois retirados um a um; posteriormente eles eram colados e o resultado eram poemas aleatórios, ora acompanhados de imagens, ora em composição própria. Hans Haumann (1886-1971) é um dos artistas desse movimento que utiliza recortes de propagandas de revista, fotografia e poemas para montar uma composição totalmente baseada na técnica da colagem, diferentemente do que havia sido proposto pelos cubistas. A artista alemã Hannah Höch (1889 – 1978) foi a primeira mulher a ingressar no movimento Dada, tendo contribuído com seus questionamentos acerca da proliferação de imagens diante as novas tecnologias. Em seus trabalhos a técnica utilizada é a colagem e a figura feminina

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Fig. 6 Collage with Squares Arraged According to the Laws of Chancen, 1917 Jean (Harp) Arp

Fig. 7 ABCD, 1920 Hans Hausmann

Fig. 8 Indian Dancer: From an Ethnographic Museum, 1930 Hannah Höch

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Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

é constantemente representada como contraponto às representações executadas comumente por homens ao longo da história. Segundo Pecci (2014), outro exemplo nas práticas dadaístas se encontra no trabalho do artista Helmut Herzfeld (1891-1981), popularmente conhecido como John Heartfield. Na corrente Dada, esse artista encontra-se no campo técnico da manipulação de imagens e constrõe seu trabalho a partir de críticas ao nazismo que crescia na República de Weimar, sua terra natal. Em atitude artística, Herzfeld muda seu nome para Heartfield em crítica à anglofobia predominante na Alemanha pós-Primeira Guerrra Mundial, e também em recusa à sua representação enquanto cidadão alemão. Quando Hitler toma o poder, o artista migra da Alemanha para a Tchecoslováquia; entretanto, as tropas nazistas chegam até lá, e Heartfield foge para a Inglaterra, permanecendo no país até o final da Segunda Guerra Mundial. O artista Kurt Schwitters é também exemplar, segundo Marcos Pecci. Apesar de não ter feito parte do movimento Dada, Schwitters tem importância fundamental no desenvolvimento das novas configurações artísticas, criando um movimento de um homem só, chamado por ele de Mertz. Em tese, o Mertz nasceu como mais um movimento de vanguarda que preconizavam uma ruptura com valores estéticos, políticos e sociais vigentes, e também pela necessidade do artista em dar nome ao tipo de obra que fazia, pois seus trabalhos não se encaixavam nas denominações existentes. O nome Mertz não significa absolutamente nada e foi retirado de uma campanha da revista kommerzbank (Banco do Comércio).Em 1923, Kurt Schwitters desenvolve o que seria a pré-história do conceito de instalação: O primeiro de seus três grandes trabalhos de ocupação espacial, datado de 1923, foi chamado, primeiramente, Die Kathedrale des Erotischen Elends (Catedral da Miséria Erótica), e depois batizado como Merzbau, que é o mesmo que “casa Merz”. Merzbau era uma combinação de colagem, escultura e arquitetura que começou ocupando um canto do ateliê de Schwitters e foi gradualmente expandida para oito cômodos de sua casa em Hannover. (ACERVO MAC USP, 2014, online)

A instalação ou “ocupação espacial”, conforme definição do próprio artista, foi construída com objetos achados pela rua e erguida em sua casa. A instalação foi preservada até 1943, quando invasão nazista destruiu a obra juntamente com outros trabalhos de Schwitters.

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O Sprengel Museum, situado em Hannover, cidade natal do artista, reconstruiu a Merzbau a partir de três registros fotográficos, e a instalação permanece até hoje no local. Na ponte entre Dada e Surrealismo, ainda sob a forte ânsia representativa e mudanças de suporte, Max Ernst (1891-1976), Joan Miró (18931983), entre outros artistas, também ocuparam um papel importante na fronteira entre pintura e escultura, a partir de seus trabalhos envoltos de colagens, pinturas e adaptações de objetos tridimensionais em tela. Alguns exemplos dessa técnica são Duas crianças ameaçadas por um rouxinol (1924), de Max Ernst, onde o artista aloca uma casa de pássaro em madeira, na pintura em tela; e A vênus de gavetas (1936), de Salvador Dalí, na qual a escultura recebe intervenções plásticas para que partes de sua estrutura transformem-se em gavetas. O período modernista deu à arte uma nova perspectiva sobre sua práxis e possibilidades de intervenções e reinvenções, seja pelo levantamento de questões sobre seu conceito e origem, seja pelos desdobramentos fundados em sua plasticidade. Essas mudanças de concepção ainda permanecem vivas e são muito representativas ao longo da história, servindo como fundamento para a arte contemporânea.

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Fig. 9 The old Motto of New Empire: Blood an Iron 1934 John Heartfield

Fig. 10 Merzbau, 1923 Kurt Schwitters

Fig. 11 Two Children Are Threatened by a Nightingale, 1924 Max Ernst

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Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

1.2. O registro da desmaterialização Segundo Argan (1992), após a Segunda Guerra Mundial, o centro da cultura artística moderna deixou de ser a Europa e passou a ser os Estados Unidos. Tal fato resulta da mudança hegemônica financeira que, por sua vez, é indissociável ao mercado de artes. Nesse período, a produção artística também pode ser encontrada em outros centros urbanos, como Tóquio e Cidade do México, porém a grande referência continua sendo Nova York e, secundariamente, Paris. Diante dessa abertura, muitos artistas europeus mudaram-se para os EUA, esse “país jovem e progressista”, para escapar das perseguições nazistas. Para o autor, é possível perceber que a arte americana apropria-se da arte europeia em divergência aos valores científicos da metade do século XIX. Mas, com certa correlação às questões modernistas, em que a práxis excede um contexto puramente artístico e volta-se para a experiência do real em diálogo com a vida social, com esforço produtivo e com acumulação capitalista, criando assim uma condição geral de inibição e neurose. Para essas novas correntes artísticas, as soluções europeias não eram mais suficientes para aquele modelo de civilização, pois suas estruturas passaram a ser perceptivelmente inflexíveis face à problemática dos artistas daquele tempo. Eis, então, o surgimento de uma civilização em crise, denominada por muitos autores e críticos, inclusive Argan, como a crise da arte europeia. A partir desse breve esboço, este subcapítulo visa apresentar a passagem histórica dos feitos desses artistas e suas expressões para o uso de novas técnicas e suportes. Segundo Pecci (2014), com maior liberdade de criação e expressão os artistas passam a propor situações tendo como base pesquisas de uso das novas tecnologias emergentes e a incorporar tudo o que fosse possível: a beleza, a feiura, a política, a ironia, as percepções, as sensações, as sucatas, o lixo - tudo é material artístico. O suporte da arte passa a ser ideia e conceito. Nesse sentido, a arte é uma provocação, um convite à reflexão dela própria e da vida. Surge, então, a visão de que a arte não precisa ser eterna, no sentido de obra de arte una e única, imposta quase como divindade: A grande novidade americana na cultura artística mundial, portanto, consiste em: 1) a eliminação de uma certa categoria “arte, que teria na arquitetura, na pintura, na escultura e nas chamadas artes menores apenas espécies suas; 2) a substituição da questão sobre a função

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e a finalidade da arte num sistema cultural pela questão sobre o ser específico ou a pura e simples existência da coisa artística; 3) a renúncia às categorias técnicas tradicionais e o emprego de qualquer técnica capaz de “desmistificar” a arte para inseri-la no circuito de comunicação de massa. (ARGAN, 1992, p. 508)

Para Pecci, a arte contemporânea representa muito mais do que pode ser visto, pois tem um caráter intimidante e está acima da mera visibilidade. Ela passa a exigir do público não somente uma contemplação passiva-estética, mas, por vezes, uma participação ativa na sua construção. Portanto,o espectador é um leitor ativo das mensagens da obra.

A poética de Rauschenberg e Johns Em alternativa ao Expressionismo Abstrato, movimento liderado por Jackson Pollock, surge nos Estados Unidos na década de 1950 uma certa retomada às orientações dadaístas de se fazer arte. Robert Rauschenberg (1925-2008) e Jasper Johns (1930) integram a chamada corrente Neodada. No cerne da cultura de consumo e com olhar mais sombrio sobre a questão, esses artistas mostraram-se dispostos a discutir o mundo à sua volta, a sociedade de consumo e o crescimento do poder hegemônico dos Estados Unidos. Inspirados pelos readymades de Duchamp, pela reabilitação da assemblage e da apropriação, os trabalhos dos neodadas foram construídos a partir da combinação inusitada de elementos da vida cotidiana ou de simples exposições de objetos comuns. Em outras palavras, o lixo da sociedade de consumo. De acordo com a Enciclopédia Itaú Cultural, a técnica da assemblage “consiste na concepção de que os objetos díspares reunidos da obra, ainda que produzam um conjunto outro, não perdem o seu sentido primeiro”. As combine paintings, conforme definição cunhada por Rauschenberg, começam a surgir em 1951: As combine paintings de Rauschenberg propõem múltiplas associações e leituras, na medida em que não há temas predeterminados ou sentidos últimos que organizem os conjuntos. Tendem a se distanciar dos objetos surrealistas, que usam a justaposição de materiais, por meio da livre associação, como chave de acesso ao inconsciente. (ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL, 2014, online.)

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Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

Segundo Pecci, em Monogram (1955-1959) Rauschenberg utiliza como obra um bode empalhado, adquirido em uma loja próxima a seu ateliê. A primeira ideia do artista teria sido colar o animal em tela, mas a tentativa falhou por conta do peso do animal. A solução encontrada por ele foi colocar o suporte tela no chão e o bode sobre ela. A tinta gotejada e as pinceladas aleatórias na tela e no bode sugerem uma suposta crítica ao Expressionismo Abstrato de Pollock. O pesquisador aponta ainda que dentre as obras de Raushenberg incluídas no conceito de apropriação estão Turkish Bath of Ingres (1967), na qual o artista apropria-se do detalhe de uma reprodução em preto e branco da obra do artista Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867), identificado com o movimento neoclássico e também com o romantismo francês, na tentativa de reduzir o valor da arte mais elevada ao nível mais banal do cotidiano, a partir do uso de materiais cotidianos e efêmeros. Na obra Desenho de De Kooning apagado (1953), Rauschenberg, numa atitude ousada e provocativa, visita o ateliê do artista Wilem De Kooning, um dos ícones do expressionismo abstrato, para pedir-lhe um desenho que pudesse ser apagado. Inusitadamente, De Kooning atende o pedido de Rauschenberg e lhe concede um desenho extremamente difícil de ser apagado. Na volta ao seu ateliê, Rauschenberg realiza com dificuldade o que havia proposto, e emoldura o desenho numa espécie de provocação bem humorada ao mercado das artes e, possivelmente, ao sentido das pinturas expressionistas abstratas em voga naquele momento. Rauschenberg nomeia a obra de modo literal, explicitando seu ato artístico. O artista Jasper Johns possui uma orientação semelhante à de Rauschenberg, embora possua feitio bastante diverso e preferência por trabalhos bidimensionais, como é o caso de sua obra mais famosa, Bandeira (1954-1955). Diante da mesma configuração estética de linhas, cores e forma, o artista levanta a questão sobre o conflito entre realismo e artifício: por que a bandeira seria mais real que a pintura? - numa equiparação virtual da representação à coisa representada, como postula Pecci (2014). As práticas e as questões que envolvem os neodadas serão base para os artistas posteriores a essa corrente, em especial a Pop Arte norte-americana de Andy Warhol.

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Fig. 12 Monogram, 1955-59 Robert Rauschenberg

Fig. 13 I erased De Kooning, 1953 Robert Rauschenberg

Fig. 14 Flag, 1954-4 13

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Jasper Johns

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O legado de Warhol Segundo Pecci (2014), contemporâneos aos neodadas e ainda sob a ótica e a crítica à sociedade de consumo, os artistas da Pop Arte se apropriaram de símbolos e signos retirados do imaginário da cultura de massa e da vida cotidiana sem fazer distinções entre o pop e o erudito, pois entendem que tudo passa a ser arte. A obra Eu era um brinquedo na mão de um ricaço (1947), do artista ítalo-escocês Eduardo Paolozzi (1924-2005), não teria a menor importância se não fosse seu contexto. Segundo o pesquisador, apesar de ser uma colagem “tosca”, era a primeira vez na história das artes visuais em que a palavra “pop” era utilizada em uma obra. Na imagem, além das referências e conotações sexuais, como o revólver e a cereja em alusão às genitálias masculina e feminina, há um esboço de todas as características da “arte pop”, que só foram pensadas, efetivamente, dez anos depois. Na década de 1950, surge na Inglaterra um grupo independente formado pelo próprio Paolozzi, Richard Smith (1931), Peter Blake (1932) e Richard Hamilton (1922-2011), que definiria o início da pop arte, termo cunhado pelo crítico britânico Lawrence Alloway (1926-1990). Na Exposição This is Tomorrow realizada na Inglaterra em 1956, Richard Hamilton faz uma colagem para o cartaz promocional da exposição; no entanto, ele muda de ideia e resolve expor também o cartaz na própria exposição. A colagem Just what is it that makes today’s homes so diferent, so appealing? 1952, feita a partir de revistas de grande circulação na época, mostrava um casal formado por um homem musculoso, que possui em sua mão uma raquete de tênis com a palavra “pop” em destaque, e uma pin-up numa sala de estar cheia de móveis e eletrodomésticos de última geração. Este é, segundo Pecci (2014), o espirito sarcástico e espirituoso da Pop Arte: o confronto entre o espaço erudito das artes e o poder da publicidade sobre a sociedade daquele período. Portanto, trata-se de uma arte popular, assim como é intitulada, transitória, descartável, barata, reprodutível, espirituosa e muito lucrativa: A pop art não era uma fase tola em que os artistas faziam obras de arte fáceis para um público pueril, mas um movimento extremamente político, com aguda consciência dos demônios e armadilhas ocultos na sociedade que estava retratando. Os artista pop, como os impressionistas nos anos 1870, tinham olhado a sua volta e documentado o que viam. (GOMPERTZ, 2013, p. 311)

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Para o estudioso, ao contrário do que se sucede na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, os artistas trabalham isoladamente até 1963 quando duas exposições – Arte 1963: Novo Vocabulário, de Arts Concil, na Filadélfia; e Os Novos Realistas, de Sidney Janis Gallery, em Nova York – reúnem obras que, assim como os artistas pop ingleses, beneficiam-se do material publicitário e da mídia. É nesse momento que os nomes de Andy Warhol (1928-1987), Roy Lichstenstein (1933-1997), Claes Oldenburg (1929), James Rosenquist (1933) e Tom Wesselmann (1931-2004) surgem como os principais representantes da Arte Pop norte-americana. No grupo, cada integrante assume certa identidade: Wesselmann volta-se para as naturezas-mortas compostas de produtos industriais, colagens e cores saturadas; Lichstenstein apropria-se das linguagens dos quadrinhos, muitas vezes imitando com a pintura o efeito de retícula e efeitos moiré encontrados em publicações impressas em offset; o sueco Oldenburg tem seu trabalho mais voltado para esculturas, ainda assim mantém a temática da pop arte. Segundo Pecci (2014), Andy Warhol, o mais popular dos artistas da Pop Arte, tinha por volta de seus 30 anos quando conheceu Jasper Johns e Hauschenberg, e despertou em si a vontade de fazer arte.

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Fig. 15 I was a Rich Man’s Plaything, 1947 Eduardo Paolozzi

Fig. 16 Just what is it that makes today’s homes so different, so appealing?, 1956 Richard Hamilton

Fig. 17 Poster for ‘This is Tomorrow’ exhibition, 1956 Richard Hamilton

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Fig. 18 Still Life #30, 1963 Tom Wesselman

Fig. 19 In The Car, 1963 Roy Lichsteinstein

Fig. 20 Floor Cake, 1962 Claes Oldenburg

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Vindo da publicidade e do design, Warhol começa a executar suas pinturas, mas não consegue espaço para expor em Nova York, sendo Los Angeles o local de sua primeira exposição. Na exposição de 1962 em Los Angeles, Warhol apresenta 32 pinturas de lata de sopa Campbell 32 sabores, que apesar de parecerem iguais, possuíam diferenças nos rótulos e técnicas. Essa exposição vai dispor as obras numa espécie de prateleira, dando a entender uma composição conjunta, quando, na verdade, a ideia original do artista era vendê-las separadamente. Mas, Yven Bloom, dono da galeria o fez mudar de ideia, referindo-se às latas como uma obra única e composta. Nesses trabalhos, é possível perceber uma anulação da imagem do artista pela ausência de toque estilístico e, até mesmo, uma frieza desapaixonada nessa representação. A natureza repetitiva das latas de sopa remete às propagandas da época, com bombardeios de imagens e repetições, expondo ao máximo essas figuras para assimilação de compra. De acordo com Pecci (2014), contesta a convenção de que a arte deve ser original, desprendida e causadora de epifania nas pessoas, caráter tradicional no mercado de arte até a década de 1950. As serigrafias, as cores saturadas e as imagens de baixa qualidade usadas por Andy Warhol implicam não somente num quesito estético, mas também em fatores conceituais diante da ideia de produção em série, analogia direta à prática da indústria. Embora fosse idealizador das obras, Warhol possuía uma equipe de assistentes que cuidava de sua produção, dando vasão à ideia de uma arte conceitual e colocando em questão o papel do próprio artista com relação a obra. Entre suas obras mais importantes está Marillyn Diptic (1962),

na qual o artista se apropria da imagem da atriz semanas depois de sua morte, em correspondência ao preço da fama e da incansável utilização de sua imagem. O suporte utilizado nesta obra remete ao díptico comumente visto em contextos religiosos e demonstra um senso de oportunidade original do artista. Warhol também se apropriou de imagens relacionadas a episódios trágicos, como uma cadeira elétrica ou um acidente de automóvel, de modo a intervir esteticamente até diluir o contexto emocional dessas imagens. E ainda, ingressou no campo audiovisual, tendo realizado filmes arte cujas características foram a ausência de narrativa ou história, aproximando-os de um quadro vivo. Os vídeos foram produzidos entre 1963-1965 na Factory, a saber: Blowjob, Sleep e Kiss. O último exemplo trata-se de um vídeo voyeur no qual diversos casais se beijam por mais de 30 minutos, e cuja participação do público é essencial, seja por seu constrangimento, incômodo ou excitação. Além dos vídeos, o artista e seu estúdio (Factory) tiveram grande participação no cenário musical, acolhendo bandas e músicos como Velvet Underground e Nico. A partir disso, podemos ver que a Pop Arte mostra-se significativa no cenário contemporâneo por sua indistinção acerca do conceito de arte. Sem carga subjetiva ou expressão dramática, esses artistas colocaram a música, a literatura e o cinema em um mesmo campo, pondo-os em diálogo com a estética e as práticas da produção industrial.

Fig. 21 Campbell’s Soup Cans, 1962 Andy Warhol

Fig. 22 Marillyn diptic, 1962 Richard Hamilton

Fig. 23 ‘The Velvet Underground & Nico’ cover art, 1967 Andy Warhol

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Cap. I | A marcha do tempo: Rupturas na história da arte, do século XX ao contemporâneo.

1.3. A Arte Conceitual e os desdobramentos contemporâneos A abordagem desse subcapítulo destina-se aos desdobramentos e práticas na arte conceitual, de modo que se possa fazer clara a importância dos feitos dessa vertente para com a arte na atualidade, principalmente em sua influência na disseminação democrática no corpo social. Segundo Cristina Freire (2006), o momento na história em que a arte conceitual se apresenta, constitui-se de uma enorme efervescência cultural e importantes fatos político-sociais. Nesse período, a arte assume muitas formas e nomes diferentes: o Novo Realismo na França, a Nova Figuração Brasileira, o Neoconcretismo, a ideia de Processo, o Minimalismo, a Land Arte, Performances, a Arte Povera, entre outras práticas e correntes, expandindo a noção comum de arte até então. Muito se deve a Duchamp, que já no início do século XX introduziu na história o conceito de anti-arte, deixando seu legado às futuras vanguardas. Pensar em Arte Conceitual é, primeiramente, entender que existe algo que antecede a materialização. Trata-se da ideia e expressão não palpável, daquilo que não se coleciona. Segundo Freire (2006), é justamente a compreensão paradigmática sobre o conceito de arte que caracteriza o bloqueio sobre a percepção das novas correntes artísticas: O QUE O SENSO COMUM entende por arte é a maior dificuldade que se enfrenta para a compreensão da arte contemporânea. Uma obra de arte, para a maioria das pessoas, é uma pintura, um desenho, ou uma escultura, autêntica e única, realizada por um artista singular e genial. (FREIRE, 2006, p.7)

Nesse argumento, encontra-se a problematização da Arte Conceitual, visto que, a compreensão do conceito de arte pelo senso comum é herança de uma cultura clássica, abastecida por pinturas, gravuras, desenhos e esculturas provindas de um gênio artista, passada por séculos e séculos como obra de arte. Segundo Freire (2006), o marco inicial da Arte Conceitual ocorre em meados do século XX, mais precisamente no final da década de 1960, apesar de muitas de suas bases conceituais terem sido anunciadas anteriormente por Duchamp. Esse movimento abdica dos objetos e formas,

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e se constrói, acima de tudo, sobre ideias e conceitos em estratégia contra a mercantilização da arte. Em busca de um maior esclarecimento e objetividade acerca do tema e atividades executadas por artistas nesse período, mostram-se necessárias as definições de performance e happening: Forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da música. Nesse sentido, a performance liga-se ao happening (os dois termos aparecem em diversas ocasiões como sinônimos), sendo que neste o espectador participa da cena proposta pelo artista, enquanto na performance, de modo geral, não há participação do público. (ENCICLOPÉDIA ITAU CULTURAL, 2014, online)

Ações como performances, intervenções e instalações espalham-se por todos os centros urbanos e se confundem com o cenário cotidiano. A arte passa a fazer parte de um lugar comum, público, e naturalmente perde o sentido de “aura de eternidade”, assim como ocorre com a imagem do artista, que abdica de sua posição mítica enquanto criador, tornando-se um indivíduo ordinário, assim como sua criação. A efemeridade das propostas sugere a mais íntima relação entre arte e vida. Frequentemente são ações que ao se situar num corpo mais amplo (social e político) incluem projetos que expandem o limite da subjetividade, misturando as esferas do público e do privado. (FREIRE, 2006, p.10-11)

Segundo a autora, a grande referência na práxis artística dessa vertente é o grupo Fluxus (1962-1978), um coletivo de artistas da Europa, Estados Unidos e Japão que colaboravam entre si, sob a liderança de Georges Maciunas (1931-1978), artista lituano radicado nos Estados Unidos. O nome do grupo é de origem latina e vem da palavra fluxu, que significa fluxo, movimento. Pensado por Maciunas, o termo foi originalmente criado para dar título a uma publicação de vanguarda, mas passou a caracterizar uma série de performances organizadas pelo artista na Europa entre 1961 e 1963. Alguns dos integrantes do grupo são Nam June Paik (1932-2006), Joseph Beuys (1921-1986), George Brecht (1926-2008), Ben Vautier (1935), Wolf Vostell (1932-1998), Yoko Ono (1933), entre outros.

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Grite 1. 2. 3.

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Fig. 24 One and Three Chairs, 1965 Joseph Kosuth

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Segundo Freire (2006), Maciunas, influenciado pela obra de Duchamp, notou então que os membros do Fluxus deveriam buscar suas atividades artísticas no cerne das experiências cotidianas, como comer, dormir, andar etc. Muitas ações do grupo partem de “instruções”, o que Brecht chamou de “readymade temporário”. São exemplares dessa prática Instructions for paintings de Yoko Ono realizadas ao longo da década de 1960, como a Peça de voz para soprano, onde ela enumera as ações a serem realizadas por outros:

Contra o vento Contra a parede Contra o céu

Ou John Cage com sua partitura intitulada 4’33” (1952), em que o artista instrui um músico a ficar em silêncio durante o tempo estipulado como título da obra. Esses textos são um tipo de documentação na arte conceitual e podem ser lidos de diversas maneiras, como partituras musicais, artes visuais, textos poéticos, instruções para performances ou proposições para algum tipo de ação. “Ocupam, na maior parte das vezes, este lugar intermediário entre a ideia e a sua realização”, afirma Freire (2006, p 19. ). A autora também aponta diferenças na arte conceitual anglo-saxã para a latino-americana, sendo a primeira representada por Kosuth mais voltada para a filosofia e linguagem, e a segunda voltando-se para a realidade política e social. Coloca-se como exemplo a obra de Joseph kosuth, Uma e três cadeiras (1965), na qual o artista apresenta um objeto cadeira, uma fotografia/registro da cadeira e um papel com a definição do objeto no dicionário, fazendo assim uma distinção entre realidade, representação e linguagem. O efêmero das ações do Fluxus misturava arte e cotidiano em destruição as convenções e valorização ao trabalho artístico colaborativo entre artistas, músicos e escritores. Esse foi um momento de experimentação comum entre artistas da Europa e América do Norte, assim como influenciou mais de uma geração de artistas, inclusive no Brasil, como Paulo Brusky, Ivald Granato (em 1960) e exposições como a Exposição não-exposição (1967) e Nelson Leirner, além de outros happenings realizados na Rex Gallery&Sons, em São Paulo. O espírito da ações Fluxus reside na demonstração de como o corpo é o agente construtor de significados e conhecimentos sensíveis. Essa seria a fonte para a manipulação de objetos, sistemas sociais e instituições, assim como invenção, reinvenção e indagação da linguagem . (FREIRE, 2006, p.16)

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É importante perceber que os espaços expositivos e o cubo branco também tornam-se alvos de questionamentos na produção artística contemporânea, sendo exemplos os ensaios do artista e crítico Brian O’Doherty, Robert Smithson, Robert Morris, Marcel Broodthaers, entre outros. Segundo Freire (2006), na produção brasileira e latino-americana nota-se um acento político e um ativismo de conteúdo utópico, distinguindo-se da auto-referencialidade da arte conceitual da Europa e dos Estados Unidos, sendo essa uma observação que explica muito do que fora executado na produção nacional nesse período. Diante das revoluções político-sociais, como AI-5 em dezembro 1968, que recrudesceu a ditadura no Brasil e durou até 1978, o movimento estudantil de maio de 1968 na França, e o da contracultura mobilizado na América do Norte em reação contra a Guerra no Vietnã, a história da arte conceitual foi sendo construída também a partir de exposições. Segundo a autora, em 1967, o artista Sol Le Witt publica na revista Artforum textos sobre arte conceitual, evidenciando a potência da ideia em relação à realização do trabalho, cuja visibilidade é secundária. No Brasil, no mesmo ano, Hélio Oiticica divulga no catálogo da exposição Nova Objetividade, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro um texto que seria seminal para arte contemporânea, não apenas no Brasil: 1. Vontade construtiva geral 2. Tendência para o objeto ser negado e superado do quadro de cavalete 3. Participação do espectador (corporal, tátil, visual, semântica etc.) 4. Abordagem e tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais, éticos 5. Tendência para apropriações coletivas e consequentemente abolição dos “ismos’ característicos da primeira metade do século XX na arte de hoje (tendência que pode ser englobada no conceito de “arte pósmoderna” de Mário Pedrosa) 6. Ressurgimento e novas formulações do conceito de anti-arte

Os tópicos de Oiticica aproximam-se do conceito da “desmaterialização da arte” e da participação do público na obra, que por sua vez assume com negação à passividade uma posição crítica na dimensão ética e política, como confere a autora. Em 1969, enquanto a ditadura provoca a perseguição de artistas e intelectuais, era inaugurada em Berna na Suíça, a exposição When atitudes

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become form – works – concepts – processes – situation – indormation com curadoria de Harald Szeeman, que indicou na página de rosto do catálogo o mote de sua proposta curatorial: “Live in your head”, um marco na apresentação da arte como processo, negação da arte objetual, utilização de materiais precários e expansão do espaço expositivo convencional. Segundo Freire (2006), essa mostra antecipou questões acerca do museu como espaço de experimentação, sem distinguir em seu interior espaço de criação ou exposição de obras. Participaram dessa exposição Joseph Kosuth, Joseph Beys, Jan Dibbets, Mario Mertz, entre outros, mas ainda nenhum brasileiro. No Brasil, completamente isolado dos críticos de arte e endossado por muitos artistas, o historiador de arte Walter Zanini promoveu o projeto Jovem Arte Contemporânea (JAC), enquanto esteve à frente do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP). Em seu projeto, Zanini organizou exposições coletivas no Brasil e no exterior, estimulando o uso do museu para o desenvolvimento de projetos, cursos e debates, de modo que a ênfase fosse deslocada dos objetos para os processos de produção e a consciência de suas significações. Essas reuniões, encontros e exposições eram livres de júri ou qualquer autoridade externa, no intuito de evitar restrições ou qualquer tipo de censura, mesmo estando sobre o cerne da ditadura militar. Para Freire (2006), diante das tendências conceituais, o museu recebe o caráter de “espaço operacional”, deixando de entrar em cena depois da obra e tornando-se concomitante com ela. O Brasil apresenta-se de fato em 1970, na exposição Information que aconteceu no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) com curadoria de Kynaston Mcshine, uma das poucas mostras do período que mostraram trabalhos de artistas latino-americanos e também daqueles oriundos de países comunistas. Segundo a autora, os brasileiros presentes nessa mostra são Hélio Oiticica (1937-1980), Artur Barrio (1945), Guilherme Vaz e Cildo Meireles (1948). Apesar de Oiticica ter negado ser representante do Brasil diante dos acontecimentos políticos da época, apresentou ao público norte-americano aspectos de sua obra Tropicália e de seu Programa Ambiental mais amplo. Artur Barrio enviou fotografias e um filme sobre registros das Situações TE, trouxas ensanguentadas. Cildo Meireles apresentou obras de seu projeto Inserções em circuitos ideológicos, Projeto Coca-Cola e o Projeto Cédula, realizado ao longo da década de 1970.

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Fig. 25 Inserções em circuitos ideológicos: Projeto cédula, 1970-76 Cildo Meireles

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Para a autora, o projeto de Cildo Meireles opera no cotidiano como troca, adotando uma estratégia de guerrilha ao tomar as redes como meio. Meireles apropriou-se de objetos cotidianos em circulação, subvertendo seus sentidos com palavras e frases que representam golpes certeiros na situação vivida pela sociedade naquele momento. Como na frase “Quem matou Herzog?”, carimbadas em cédulas que estariam sempre em circulação, como um “grafite em movimento”. O mesmo sentido se dá à frase “Yankees, go home”, aplicada pelo artista em garrafas de Coca-Cola, ícone da sociedade de consumo americana e mundial. A utilização de itens comuns no cotidiano implica na dissolução da figura do artista e o alcance de sistemas de trocas muito mais amplos do que os sistemas de troca convencionais da arte e impossíveis de serem controlados pela repressão ditatorial. Para o artista, o que interessa é a possibilidade de inserir-se ou criar ruído e significação no corpo social, isto é, tornar-se visível. Freire (2006), aponta que uma das formas de circulação desse tipo de trabalho não fixo ou físico, acontece por meio de impressos e publicações simples, como livros de artista, brochuras ou mesmo revistas, desse modo, tornando-se amplamente acessível. No entanto, a autora aponta que muitas vezes essas publicações são consideradas superficiais ou até confundidas com gravuras, textos literários e poesia. A lógica da publicação e disse-

minação de conteúdos para além da “cultura séria” esclarece muito do espírito desses artistas que passam a designar e caracterizar uma série de trabalhos conceituais e independentes de espaços expositivos para sua concretização, num profundo impacto nas artes das décadas anteriores, em razão de sua postura radical e subversiva.

Fig. 26 Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola, 1970 Cildo Meireles

O artista torna-se um manipulador de signos, mais do que um produtor de objetos de arte, e o espectador, um ativo leitor de mensagens mais do que um contemplador estético ou um consumidor do espetáculo. É por isso que o procedimento do readymade duchampiano, a fotomontagem e a apropriação do pop são significativos ao apontar para o papel da arte como signo social, misturando a outros signos num sistema de produção de valor, poder e prestígio. (FOSTER apud FREIRE, 2006, p.38)

Mesmo que haja definição temporal sobre começo e fim da Arte Conceitual, é imprescindível considerá-la impulsora para toda a produção artística atual que ainda interroga o sistema legitimador da obra de arte e permanece em diálogo com o cotidiano, desenvolvendo produções de nosso tempo em mistura entre arte e vida. Partindo disso, a pesquisa volta-se para o suporte livro, utilizado por muitos artistas como forma de registro ou como meio/veículo de expressão por suas possibilidades artísticas.

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2 t a o L pí u O Livro de Artista: configurações artísticas no espaço-tempo


Cap. II | Livro de Artista: configurações no espaço-tempo

O Livro de Artista:

configurações artísticas no espaço-tempo

Este projeto tem como corpus o livro de artista, conforme fora titulado pelas vanguardas conceitualistas. Com base nas reflexões de Paulo Silveira, Annateresa Fabris, Cristina Freire, entre outros pesquisadores, este capítulo apresenta uma abordagem panorâmica do livro de artista, suporte que apresenta uma infinita gama de possibilidades e expressões artísticas. Em seguida, relataremos algumas experiências vivenciadas na visita à Feira Plana II, evento de publicação independente ocorrido em 08 de março de 2014 no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. O evento contou com a participação de coletivos artísticos, editoras e artistas, e proporcionou-me um intercâmbio de experiências com profissionais que desenvolvem sua poética através do suporte livro.

2.1 Conceito Segundo Paulo Silveira (2008), o termo livro de artista não é encontrado nos dicionários brasileiros. Entre as obras consultadas, apenas a Enciclopédia Larousse Cultural (1988-1998) esboça uma definição, a saber: “Livro de Artista, obra em forma de livro, inteiramente concebida pelo artista e que não se limita a um trabalho de ilustração. (Sob sua forma mais livre, o livro de artista torna-se livro-objeto.)”, que, no segundo caso, refere-se ao objeto tipográfico e/ou plástico formado por elementos de natureza e arranjos variados, o livro-objeto. O pesquisador aponta que o livro de artista pode designar tanto uma obra quanto uma categoria artística e sua concepção e execução podem ser parcialmente executadas pelo artista, com colaboração interdisciplinar. O suporte pode obter outras possibilidades de formato físico, de modo a exemplificar referência remota ao livro. Seus limites de execução envolvem questões de afeto, expressados através de propostas gráficas, plásticas e de leitura. Entretanto, relata que o conceito do livro de artista ainda é uma problemática entre autores, artistas e pesquisadores, que, ainda hoje, têm opiniões diversas acerca do suporte, pois outras áreas do conhecimento estão envolvidas no processo, como Estética, Literatura, Biblioteconomia e Comunicação. Apesar do termo livro de artista ter sido criado entre 1960 e 1970 por artistas das vertentes conceituais e povera, é importante retroceder na história quase que indefinidamente para entender que esse veículo alternativo não se esgota nesse momento histórico. Exemplares desse apontamento são os cadernos de Leonardo da Vinci, repletos de registros visuais

e verbais, já mencionados anteriormente. Para Silveira (2003), é possível considerar esse artista na prática de cadernos-livros mais voltado para o processo e registro da obra, assim como em artistas contemporâneos, como vamos ver mais adiante. Os contrapontos encontrados nas definições pesquisadas demonstram que para compreender o livro de artista é necessário entender que suas características conceituais e gráficas dependem unicamente de como o artista pretende se expressar através do suporte.

2.2 Histórico Monológo visual – O livro ilustrado Segundo Annateresa Fabris (2009), em suas primeiras significações, o livro de artista configurou-se como um conjunto integrado da obra, para além do diálogo descritivo entre texto e imagem, como ocorre em Songs of innocence (1789) e Songs of Experience (1794), de William Blake (1757-1824). Claudia Regina Rodrigues Calado (2003), por sua vez, aponta que o estilo das publicações autorais verbo-visuais desenvolvidas por Blake é conhecida popularmente como Iluminura, e consiste em gravar textos e desenhos em uma mesma matriz de cobre, utilizando, neste caso, os próprios poemas e imagens do artista na construção de uma publicação autoral. Blake, o artista recusado pelas academias por sua formação como gravurista e temática soturna de seus trabalhos, esboçou de modo essencial a presença do suporte no período clássico, transformando-o em algo que não era o livro literário propriamente dito ou o livro ilustrado, mas antes uma junção homogênea das duas linguagens. Em questões morfológicas, Fabris (2009) comenta que o livro de artista em seu primeiro período não possuía a intenção de contestar ou opor intervenções a seu formato, ao menos até as concepções intelectuais de William Morris e sua editora, a Kelmscott Press (1890), que pensavam o livro como arquitetura, na qual cada elemento devia ser considerado em si e em suas recíprocas como um conjunto, e cujo resultado era uma “espécie” de prazer sensual.Desde então, o livro de artista desloca-se por entre outras vertentes, como os livros de colecionador voltados para peças raras, feitos em litografia e água forte até o predomínio da impressão em cores nos anos 1940 e 1950.

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Cap. II | Livro de Artista: configurações no espaço-tempo

Nessa primeira fase, Fabris (2009) aponta uma supervalorização do livro como objeto artístico, proposição desmistificada pelas vanguardas modernas e contemporâneas surgidas a partir do final dos anos 1950. As vertentes da poesia visual, do concretismo, da arte conceitual e de outras manifestações artísticas efetuaram experimentações que levaram o livro de artista a se desvincular visualmente da concepção de livro, ressiginificando-o radicalmente. Segundo a autora, o livro de artista pode ser conceituado a partir de duas vertentes como exemplifica a primeira como: “... mais abarcadora, baseada num primeiro momento na interação entre arte e literatura, e que termina por abranger livros ilustrados, livros-objetos, livros únicos, encadernações artísticas” (TENDÊNCIAS DO LIVRO DE ARTISTA NO BRASIL, 1985, p. 3),

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Fig. 27

Fig. 29

Forster Codices, Volumes I, II and III, Sec. XV e XVI

Song of Innocence and of Experience, 1987

Leonardo Da Vinci

William Blake

Fig. 28 S/I Leonardo Da Vinci

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Porém, sem necessariamente desconsiderar a tendência emergente dos anos de 1960, em que as práticas e significados do termo eram radicalmente modificados. Nessa primeira categoria, além de William Blake, encontramos inúmeras parcerias do século XIX e XX, como Fausto (1828), de Goethe/Delacroix; O corvo (1875), de Edgar Allan Poe, Manet e Mallarmé; Saint Matorel (1911), de Jacob e Picasso; La Fin du Monde (1919), de Cendrars e Léger; Poésies (1932), de Mallarmé e Matisse; À Toute Épreuve (1958), de Eluard e Miró; Escrito en el Aire (1964), de Alberti e León Ferrari; Último Round (1969), de Cortázar e Virginia Silva; Foirades (Fizzles) (1976), de Becket e Johns. Ainda nessas características, os exemplares nacionais contam com a colaboração de Tarsila do Amaral e Cendrars em Feuilles de Route, e com Oswald de Andrade em Pau Brasil (1924-1925), e mais recentemente por dois livros-objeto: Escritura (1973), organizado por Cecília Jucá, em que oito gravadores interpretam oito pequenos textos de escritores e artistas, criando oito cadernos independentes, mas que articulam sua leitura de maneira lúdica. E Trilogia, de autoria de Péricles Eugênio da Silva Ramos e Sérvulo Esmeraldo, no qual os módulos terra, céu e água são interpretados pelo artista plástico como objetos, de um lado concebidos literalmente como terra e água, e de outro como estruturas cinéticas. Em obras como Klänge (1912), de Kandinsky; Les Enfants Terribles (1929), de Cocteau; Cirque de L’Étoile Filante (1938), de Rouault; Jazz (1947), de Matisse, o artista é simultaneamente autor de texto e imagem, como já foi exemplificado com William Blake.

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Fig. 30

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Kelmott Press, 1890

Foirades (Fizzles), 1976

William Morris

Becket / Johns

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Fausto, 1828

Feuilles de Route, 1925

Goethe e Delacroix

Tarsila do Amaral e

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Cendrars

Saint Matorel, 1911 Jacob e Picasso 31

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Para Fabris (1985), Jazz (1947) pode ser considerado o ponto de partida para essa tendência e um suposto embrionário para a concepção atual do livro de artista. Com o uso da técnica pochoir, que consiste em utilizar um estêncil colorido sobre um papel, Matisse dispõe textos e imagens de forma livre, de modo que raras vezes eles se relacionam. A maior parte das gravuras mantém relação com o mundo do circo, enquanto no texto o artista descreve seu processo de criação. Nesse aspecto, Matisse utiliza uma técnica em que as linhas pretas manuscritas se chocam com as cores vivas das ilustrações, gerando simultaneamente um contraste integrativo na obra. Como vemos, o conceito ilustrativo desloca-se do sentido subordinado ao texto em representação literal ou muito próximo do que se pretende na literatura. Nesse sentido, o texto é complemento na composição, sem afastar-se do todo, ou seja, incluindo-se também como extensão gráfica. Na segunda vertente encontra-se o livro Um Lance de Dados (1897), de Mallarmé, do qual se conhece apenas o esboço. O livro desdobra-se em torno de uma tipografia funcional, disposição das linhas, utilização do branco, e por sua concepção inovadora de página, na qual as letras formam um todo ao mesmo tempo em que separam-se pela prega central da página, sem, contudo, perderem o caráter de um ideograma único. Para Fabris (1985), o autor não propunha uma pluralidade ou sequência semântica em seu poema-partitura, e sim uma “obra em movimento”, que tinha na permutação sua lei estrutural. As páginas do livro não seguem uma ordem fixa, sendo permutáveis, livres de sequência obrigatória, sem abdicar, entretanto, de um significado subjacente. Embora o projeto de Mallarmé não tenha sido executado, sua liberdade fundamentou indiscutivelmente o aspecto libertário na arte contemporânea e renovou a concepção do livro de artista proposta pelas vanguardas históricas, uma vez que contrapôs o produto anônimo da indústria às práticas e criações pessoais, fruto de trabalho solo ou em parceria entre artista, escritor e diagramador, como pontua a autora.

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Fig. 35 Jazz, 1947 Matisse

Fig. 36 A Ave, 1955 Wlademir Dias Pino

Fig. 37 Um lance de Dados, 1897 Mallarmé

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Intervenções e extroversões: O livro objeto e Poesia Concreta Na década de 1950, a concepção de livro de artista firmou-se no Brasil por meio dos poetas concretos e neoconcretos, que enfatizaram seus poemas-objeto por meio da imagem gráfico-visual e também da forma: Se a poesia concreta revaloriza a palavra como estrutura significante essencial, colocando-a num espaço específico, concebido como agente estrutural – o espaço gráfico - se leva a um novo tipo de interação, de identidade entre “forma” e “conteúdo”, se a partir dela é possível, no Brasil, pensar numa tipografia criadora, sua influência numa nova ideia de livro será mais reflexa do que efetiva, pois suas realizações não requerem necessariamente o suporte livro, podendo extrinsecar-se em outras formas, como o cartaz, o filme, etc. (FABRIS, 1895, p. 5)

Para Silveira (2003), é provável que o primeiro livro de artista tido como pelo na vertente concreta tenha sido A ave, de Wlademir Dias Pino, impresso em Cuiabá, no centro-oeste do país, ou seja, tudo o que não se esperava como plano de fundo para uma vanguarda. Wlademir Pino foi um dos fundadores do movimento poesia concreta, nasceu em Rio de Janeiro (1927), mas sempre teve laços fortes com Cuiabá. Na cidade, ele trabalhou como pesquisador e técnico da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Na UFMT, de 1973 a 1978, entre outras atividades ele construiu a identidade visual da instituição, acompanhou atividades culturais e dirigiu a gráfica da universidade, por vezes operando pessoalmente o equipamento. No final de 1955, ele mesmo imprimiu os 300 exemplares de seu livro A ave, para o lançamento em abril de 1956. Segundo o autor, a idealização da publicação teve início a partir de 1948, com o início da elaboração do poema homônimo. O artista queria (e conseguiu) uma obra de arte múltipla, publicada, que fosse um livro em que o todo e a parte são interligados, sendo impossível a leitura da página alienada do próprio volume que a contém. A obra existe porque existe o livro. E ela precisa ser consciente dessa condição. Seu desfrute ou sua leitura – chame-se como quiser – obriga à lembrança das páginas anteriores e à expectativa das páginas que estão por vir. A poesia abandona a literatura, a arte se aproxima da comunicação

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e da política. Mas A ave só pode ser o que é, um livro de artista, e nada mais. Uma obra ímpar, executada num lugar ímpar. Insisto na descrição dela porque acredito que deveria ser apresentada entre as pioneiras internacionais na sua categoria. (SILVEIRA, 2003, online)

Fig. 38 Bira-Cage/ Albúm Tatuagem, 1976 Edgard Braga

Fig. 39

Em relação às considerações postuladas por Silveira (2003), para Fabris (1985), esse aspecto será muito mais radical na experiência levada a cabo pelos neoconcretos Ferreira Gullar (1930), Theon Spanudis (19151986), Lygia Pape (1927-2004), entre outros, com seus “livros-poema”, nos quais elementos plásticos e gráficos são igualmente determinantes. Os livros-poema requerem um manuseio expressivo por parte do leitor como condição de sua existência e experiência, aprofundada em 1960 pelo Livro Infinito, de Reynaldo Jardim. O volume contém dois torsos e dois começos, logo, sem começo nem fim, estrutura circular, contínua, cujas páginas trabalhadas em vista da totalidade do livro recebem, geram e transferem o movimento e o significado que por elas se propaga através de cotes, dobras e desdobras, “construção contínuo-descontínua”. O livro proporciona uma experiência multissensorial, em que tato e olho, corpo e mente participam duma “operação imediata, concreta, sem fuga”. Um exemplo dessa prática é Aumente sua Renda (1969), de Marco Antonio Amaral Resende, em que a leitura é determinada pelo duplo ato de rasgar as folhas coladas, que Fabris (1985) define como “destruição

Pin-Up, 1971 Walter Silveira

Fig. 40 Onde se vê, 1983 Lenora de Barros

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Fig. 41 Qorpo Estranho #2, 1976 Julio Plaza e Haroldo Campos

Fig. 42 Livro da Criação, 1959 Lygia Pape

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semântica da atividade leitora e destruição concreta do objeto-poema”. Em alguns casos, esse tipo de realização unifica claramente o processo da poesia visual como inter-relação necessária ente palavra e imagem num contexto único, simultâneo e incindível. Em similaridade estão as experimentações de Edgard Braga em Algo (1971) e Tatuagem (1976), onde a poesia expande as fronteiras convencionais com as artes plásticas, dando vida à poética que explora a visualidade, remetendo às frottages surrealistas ou a gestualidade da action-painting. Segundo Fabris (1985), Walter Silveira em Pin-Up (1979) desenvolve sua escrita numa proximidade rente ao graffiti, onde texto e imagem fundem e confundem-se, tal qual Lenora de Barros com Onde se vê (1983), projeto que explora a ambiguidade do significado da leitura por sequências verbo-visuais, que nos fotogramas se transformam em verdadeiras performances. Durante os anos 70, a poesia visual teve muitas experimentações e divulgação numa série de revistas independentes, como as cariocas Navilouca, Almanaque Biotônico, Vitalidade, Polem; as paulistas Artéria, Qorpo Estranho, Muda; a baiana Código; e a gaúcha Nervo Óptico.

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Fig. 43

Fig. 44

Objetos, 1968

Caixa Preta, 1975

Julio Plaza e Haroldo Campos

Julio Plaza e Augusto de Campos

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Em contraponto às experiências dos poetas, Lygia Pape produz em 1959 o Livro da Criação, composto por várias formas e cores, que devem ser manuseadas pelo leitor, extraindo inúmeras sugestões metafísicas, lúdicas, que percorrem dois eixos principais de leitura: a criação do mundo e a criação artística através de elementos genuinamente plásticos, nos quais a linguagem não verbal determina, nos dizer da autora, diretrizes verbais. Pape realiza também livros-poema como o Livro Poema nº 4 (1959), cujas páginas cortadas circularmente revelam as palavras em recorrência a um movimento pulsativo, e Poemas-Xilogravuras (1960) no qual verbal e visual fecundam reciprocamente numa solução global que já se esboça a partir da capa. Em 1968, Julio Pacello, um dos mais ativos editores de arte, publica Objetos, de Julio Plaza e Haroldo de Campos. Segundo Fabris (1895) o livro-poema tem como característica a negação da leitura linear habitual, pois sua visualização configura-se à medida que o leitor projeta suas páginas no espaço, criando uma sintaxe puramente plástica. Em Poemóbiles (1974), de Julio Plaza e Augusto de Campos, edição constituída de de doze peças, cada uma composta por um poema e um móbile: Abre, Open, Cable, Change, Entre, Impossível, Luzcor, Luxo, Reflete, Rever, Vivavaia e Voo. A estrutura do objeto mantém relação direta com o poema ao abrir e fechar as folhas, parte do volume e das sílabas ficam em primeiro plano em uma articulação entre palavra e forma. Elegido pelo artista e pelo poeta como meio de reflexão, de ação, apontam que, no campo das denominações Poemóbiles é livro-poema: Em Poemóbiles vemos claramente a “fisicalidade do suporte interpenetrada com o poema, apresentando-se como corpo físico, de tal maneira que o poema somente existe porque existe o livro como objeto” (PLAZA, 1982, não paginado.)

Para Bernadette Panek (2006), essa experiência exige do observador a manipulação do objeto por meio do movimento, na medida em que o corte do papel e sua tridimensionalidade potencializa a sonoridade de cada poema, trazendo diferentes associações de visão e leitura. No livro Caixa Preta (1975), em parceria com Augusto de Campos, Julio Plaza reúne trabalhos realizados nas décadas de 1960 e 1970. Entre as peças incluídas na publicação, estão diversos trabalhos dos dois autores, entre eles Tudo está Dito (1974), de Augusto de Campos, Viva vaia (2001), o poema-objeto Fim (1972) e Luxo e Linguaviagem (1967-1970). A maioria dos poemas evidenciam o entrelaçamento de vocábulos e a tridimensionalidade na obra, o que sugere a experiência do expectador em seu manuseio. Dentre os trabalhos que compõe a caixa muitos mostram-se independentes da forma do livro, apresentando-se em outros suportes sem perder sua essência, como aponta a autora. Para Panek (2006), é possível encontrar nesse objeto uma conexão com a ideia de museu portátil de Duchamp, não com relação restrita à reprodução em miniatura de algumas

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Fig. 45 Casulo, 1959

peças dos autores, mas também no formato similar ao da maleta construída por Duchamp para a Boíte en Valise. Outra similaridade encontra-se no manuseio do projeto gráfico de Julio Plaza, que ao abrir-se entende-se em diferentes direções, no entanto sem uma ordem de visibilidade a ser seguida como na obra do artista francês. A autora também aponta similaridades conceituais com o grupo Fluxus e o livro de Mallarmé, com relação a sequência livre a nível de leitura e a autonomia no manuseio dos elementos da caixa. Em Casulo (1959) de Lygia Clark, cada página é considerada um plano suscetível a dobraduras no espaço, dentro dessa mesma linha de pensamento estão Bichos (1960). Amélia Toledo também utilizou-se dos estudos formais, as folhas de papel de seda e arroz, tingidas, coladas e recortadas em Livros-Objetos (1959) e Sementes (1960), mas esses aspectos se aprofundam em Divino Maravilhoso (1971), livro com referências diretas ao movimento Tropicália, inspiração da artista. Para Fabris (1985), nem sempre os experimentos tinham como resultado final uma edição, o que levou alguns críticos a chamá-los de objetos ou escultura portáteis. Porém, os autores exploram as características do livro, tornando-os únicos, inúmeros no panorama brasileiro.

Lygia Clark

Fig. 46 Divino Maravilhoso, 1971 Amélia Toledo

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Fig. 47

Incorporação Social - O livro na arte conceitual

Tweenty Six Gasoline Stations, 1963 Ed. Rusha

Fig. 48 Tweenty Six Gasoline Stations, 1963 Ed. Rusha

Fig. 49 Tweenty Six Gasoline Stations, 1963 Ed. Rusha

Segundo Silveira (2003), na década de 1970, a vertente concreta divide espaço com a vertente conceitual, que se prolonga e acaba por dominar a produção nos anos 1980. A influência vinha de todo o mundo através do conceitualismo, da arte postal, do grupo Fluxus, da arte povera e outras manifestações alternativas aos meios plásticos convencionais, como já visto no capítulo anterior. Em seu livro Six Years: The Dematerialization of the Art Object from 1966 to 1972 (Seis Anos: A Desmaterialização do Objeto de Arte de 1966 a 1977), Lucy Lippard analisa como os happenings, performances, e a arte conceitual de uma forma geral foram movimentos que contribuíram para aquilo que denominou “desmaterialização do objeto artístico”, um processo que desmistifica o objeto arte, quebra seus padrões tradicionais. Esse processo foi o resultado da necessidade que os artistas estavam sentindo de interagir de formas inusitadas com seus trabalhos, a partir dos anos 1960, propondo novas relações entre o expectador e obra; a presença física do próprio artista – e, muitas vezes, do expectador – torna-se parte primordial da obra-de-arte”, que deixa de ser um objeto estático e finito, expandindo seus limites e possibilidades. (BRITTO, 2009, p.32-33.)

No Brasil instalava-se a ditadura militar iniciada com o golpe de 1964 e só teríamos uma eleição livre e direita para outro presidente em 1989. A ditadura de direita teve torturas, desaparecimentos e perseguições políticas, e muitos artistas procuraram exílio na Europa e na América

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do Norte. O governo militar instituiu a censura prévia, tática voltada para os meios de comunicação, refletindo também na arte. Para Silveira (2003), é impossível pensar nos rumos da arte nacional caso o país tivesse permanecido com o livre pensamento e meios amplamente disponíveis, o fato é que a ditadura não conseguiu interferir nos intercâmbios entre artistas brasileiros e estrangeiros. Segundo Cristina Freire (2006), nesse período a impressão em série de livros, revistas e outras publicações de grande tiragem serviu como estratégia de disseminação para projetos e manifestos de artistas conceituais, revelando-se também por meio desse canal o artista crítico. Para a autora, a origem do livro de artista em seu real conceito nas práticas conceitualistas remonta ao trabalho de Ed. Rusha, Twentysix gasoline stations (1963), no qual o artista apresenta uma série de fotografias de postos de gasolina. A lógica serial das fotografias de Ed. Rusha, articula a temática pop com a distribuição e banalização do objeto-livro, dentro do espírito Fluxus. A estratégia que Rusha utiliza e as novas formas de distribuição, como livro, revista, pôster, folheto revista ou jornal, já são anunciadas por esse trabalho que rompe com as categorias definidas pelas belas artes para a obra arte. São ativos no Brasil dos anos 1970 e 1980, como produtores de livros de artista ou experimentos bibliomórficos, nomes como Aluísio Magalhães, Antonio Dias, Mira Schendel, Regina Silveira, Artur Barrio, Hudnilson Jr., Rafael França, Tadeu Junges, Leonhard Duch, Artur Matuck, Vera Chaves Barcellos, Paulo Bruscky, Daniel Santiago, Ivald Granato, Regina Vater, Anna Bella Geiger, Tunga, Flávio Pons, Carmela Gross, Anésia Pacheco Chaves, Helio Fervenza, Arlindo Daibert, além de muitos outros. Entre as manifestações, encontra-se o jornal impresso, também

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Fig. 50 Flux Year Book 2, 1968 Fluxus

Fig. 51 0-24 horas, 1973 Antonio Manuel

Fig. 52 On-Off/ Técnica do Pincel, 1974 Julio Plaza e Regina Silveira

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utilizado como forma de circulação alternativa na veiculação de projetos artísticos. A série Clandestina (1973-1975), de Antônio Manuel é exemplar ao utilizar as páginas de O Jornal para publicar seus projetos impedidos de serem apresentados no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). No projeto 0-24 horas, o artista apresenta o material iconográfico em seis páginas do Jornal do Rio de Janeiro e o expõe durante 24 horas numa banca de jornal. Esse jornal saiu num domingo, uma exposição de 24 horas que você comprava nas bancas. Até o final eu duvidava da coisa sair mesmo, já que era uma proposta muito louca, muito ousada, num momento de crise política séria, mas acabou saindo e o trabalho se concretizou. (...) Mas o importante é que o trabalho se fez independente de museu, independente de ditadura, censura etc. (MANUEL, 1984, p. 46)

Segundo Freire (2006), para esses artistas, essas formas de disseminação buscam, no contexto nacional, furar o bloqueio da censura, além de encontrar outros espaços de exposição além de galerias e museus, indo ao encontro de um público muito mais amplo e diversificado, e finalmente eliminar qualquer possibilidade de fazer da obra um objeto de mercadoria. Em 1970, Cildo Meireles publica na seção “Classificados” do Jornal do Brasil duas Inserções, anúncios criados pelo artista. Para a autora, essas Inserções em circuitos ideológicos, apontam para as variáveis de controle e substituições em seus desvios e canais ideológicos. Freire (2006), relata que, nesse período, as publicações de artistas em forma de revistas e livros se encontravam em plena abundância; articulados à contracultura, esses artistas foram contemporâneos da chamada “geração mimeógrafo”, da poesia marginal. Proliferam periódicos confeccionados de inúmeras formas: jornais, fanzines, selos, carimbos, cartões e uma quantidade significativa de listas de endereços do tipo “quem é quem”. Também foram muitos os projetos híbridos que articularam a arte postal com o livro de artista, numa espécie de coletânea de offsets, xerox e cartões. A autora sugere até que, nesse sentido, esses artistas foram precursores da internet, pois a rede postal era em tese o que a internet é hoje, porém menos ágil e mais preocupada com a relação “forma” e “conteúdo”. A autora ainda aponta que no Brasil de 1970 tornaram-se frequentes

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as publicações de coletivos artísticos, como a Cooperativa Geral de Assuntos de Arte, nascida em São Paulo, com a participação de Gabriel Borba e Mauricio Fridman, ou de Julio Plaza com Regina Silveira e outros artistas na série On-off, idealizada para ser distribuída diretamente a instituições e pessoas do meio, numa investida coletiva de artistas contra canais de circulação de arte. Com algumas edições em diversos formatos, a publicação chegou a contar com quase dezenas de artistas como Mario Ishikawa, Amélia Toledo, Gabriel Borba, entre outros. A precariedade dos materiais provocada pela intenção dos participantes, a descentralização dos centros de produção e veiculação da arte, decorrente da democratização dos meios de reprodução são as principais características nesse período. Muitos artistas organizaram suas próprias editoras e arquivos, entre eles estão o mexicano Ulises Carrión, poeta, artista, editor, bibliotecário, crítico de arte, organizador de exposições e de seus catálogos. Carrión publicou vários livros e novelas antes de começar a trabalhar com o uso da linguagem fora do contexto literário ou ensaístico. Fundou em 1975 a Other Books and So, em Amsterdam, sediando uma rede internacional

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Fig. 53 Grupo Nervo Óptico, S/I Clóvis Dariano

Fig. 54 Revista Nervo Óptico #6, 1977 Clóvis Dariano

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Revista Nervo Óptico #12, 1978 Clóvis Dariano

Fig. 56 Edições Nervo Óptico

Fig. 57 Da Capo, 1969

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Vera Chaves Barcellos

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de intercâmbio de ideias e trabalhos. Dick Higgins, um dos fundadores do Fluxus, desenvolveu as editoras Something Else Press e Inpublished Editions. No mesmo espírito nasce na Inglaterra em 1971 a editora Beau Gest, do mexicano Felipe Ehrenberg, precursor da arte conceitual no país muralista, em colaboração com outros artistas que decidiram publicar o trabalho de outros jovens artistas, criando uma espécie de comunidade. Entre os autores, estão Ulises Carrión, Marina Abromovic, Carolee schneeman, Klaus Groh e Alison Knowles. As proposições das publicações artesanais em relação à reificação da arte ou “valor econômico”, como posto por Freire (2006), supõe a ideia de que não basta uma intervenção num produto isolado, como em uma revista ou jornal convencional, é preciso intervir no próprio meio. Para esses artistas, a publicação intermídia foi um laboratório de linguagem e, para muitos deles, a possibilidade de intervenção política direta. Para Silveira (2003), em Porto Alegre, destaca-se o papel de Vera Chaves Barcellos, que deu início a sua carreira com trabalhos elegantes

Fig. 58 Momento Vital, 1979 Vera Chaves Barcellos

Fig. 59 Carta a un General, 1963 León Ferrari

Fig. 60 Notebook on Water, 1965-66 Joseph Kosuth

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Fig. 61 Cadernos Livros, 1998-2004 Artur Barrio

Fig. 62 Livro Carne, 1978-1979 Artur Barrio

Fig. 63 O Olho do Prisioneiro, 1975 Artur Matuck

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de gravura (lito, xilo e serigrafia), a expressão de mais forte tradição no sul do país. Posteriormente, experienciou outros meios, seduzindo-se pela câmera fotográfica, xerox e suas possibilidades na Arte Conceitual. Frequentou escolas na Europa e também participou da Bienal de Veneza em 1976 até 1978. No Brasil, juntamente com outros amigos, Barcellos foi fundadora do grupo Nervo Óptico, um dos grupos mais atuantes fora do eixo Rio/São Paulo, embora tenha tido pouca duração (1976-1978). O grupo NO, como era conhecido popularmente, tinha como objetivo desenvolver novas linguagens e propiciar o intercâmbio de ideias entre artistas nacionais e internacionais. Faziam parte do grupo Carlos Pasquetti, Clovis Dariano, Carlos Asp, Telmo Lanes, Mara Alvares, Romanita Disconzi e outros. Com a troca de parte dos integrantes, foi fundado o Espaço NO (Centro Alternativo de Cultura), que se manteria atuante por mais alguns anos até 1982. Entre os nomes atuantes no NO estão Ana Torrano, Caros Wladimirsky, Cris Vigiano, Heloisa Schneiders da Silva, Mário Röhnelt, Milton Kurtz, Regina Coeli Rodrigues, Ricardo Argemi, Rogério Nazari e Telmo Lanes. Quase todos os integrantes em algum momento produziram livros de artista e outras peças gráficas, inclusive relacionadas a registros do espaço. Segundo Silveira (2003), os poucos livros de artista executados por Vera entre 1975 e 1980 são, na maioria, cadernos simples com colagens e fotocópias. Quase todos possuem capas nulas, sem imagem ou texto, características propositais na busca da desestatização. A artista buscava

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Fig. 64 Auto-Photos, 1978 Gretta

Fig. 64 Auto-Photos, 1978 Gretta

Fig. 65 O Domador de Boca, 1978 Ivald Granato e Ulisses Carrión 65

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uma obra ativa, em que o primordial fosse o exercício conceitual e aonde valores lúdicos se sobrepusessem aos estéticos. Para Silveira (2003), uns livros de artista narram, outros descrevem, outros dissertam, mas em todos os casos está presente o problema temporal, mesmo quando a imagem se mantém a mesma, como em Da capo, livro em offset de 1979. No conjunto de livros de artista realizados entre 1960 e 1970, as características se dão de modo muito variado. O artista argentino León Ferrari em Quadros pintados toma o gesto como conteúdo subjetivo de sua caligrafia, ao contrário do Joseph Kosuth que exprime certa impessoalidade com seus textos xerocados diretamente de dicionários, técnica muita utilizada em seus trabalhos mais clássicos. Os livros de Artur Barrio, chamados de caderno livros, funcionam como registro de projetos, situações e experiências. Em 1977, Barrio realiza o seu Livro Carne e anota em um de seus cadernos livros: A leitura deste livro é feita a partir do corte/ação da faca do açougueiro na carne com o consequente seccionamento das figuras/fissuras, etc, etc, assim como as diferentes tonalidades e colorações. Para terminar é necessário não esquecer das temperaturas, do contato sensorial (dos dedos), dos problemas sociais, etc e etc..........................Boa Leitura (BARRIO apud FREIRE, 2006, p. 64)

Silveira (2003), aponta que o Livro Carne seria a obra mais importante do artista, sendo uma peça única e feita de carne, realizada juntamente com um açougueiro francês (o artista morou em Paris de 1975 a 1978, quando retornou ao Rio). O trabalho passou por algumas cidades da Europa e em 1979 gerou um pequeno álbum em cartão, com fotografias em cinco exemplares. Na XXIV Bienal de São Paulo, o livro foi refeito, conseguindo causar surpresa e nojo no grande público, porém munidos de pouca crítica. Segundo Fabris (1985), questionamentos sobre as novas tecnologias, processo social, direito autoral e propriedade também foram abordados por artistas em livros, como é o caso de O olho do Prisioneiro (1975). O trabalho de Artur Matuck explora questões de privatização da informação, a censura e direitos autorais. As imagens são acompanhadas de legendas conceituais sucintas do artista. Em Ars Memoria, Matuck busca a definição do “interlinguo”, espécie de linguagem universal, o centro de propriedade que o homem exerce sobre o animal,

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consubstanciado em imagens de massacre. Para a autora, nos livros de artista como registo de performance estão Gretta (1978), que discute os mitos da feminilidade e a visão objetual do corpo da mulher, e Ivald Granato em sua performance linguística em O Domador de Boca (1978), concebido juntamente com Ulises Carrión, entre uma grande porção de publicações.

Fig. 66 Narcisse, 1984 Hudinilson Jr.

Fig. 67 Bruscky Invent’s, S/I Paulo Bruscky

A arte da Xerox Segundo Fabris (1985), no início da década de 1970, com o desenvolvimento das pesquisas com xerografia, que, no Brasil, coincidiram com o interesse pela arte postal e pelos processos conceituais, houve o aparecimento de diversos livros de artista que utilizavam-se dessa técnica de reprodução por termos conceituais ou exploração do meio multiplicador, incapazes de produzir cópias absolutamente idênticas. A autora indica que, embora o primeiro livro de artista a ser desenvolvido com essa técnica pareça ser Viva 1 (1972-1973), de Aloísio Magalhães, as publicações que utilizaram a linguagem do “meio multiplicador” – termo utilizado pela autora quando refere-se à xerografia – começam a aparecer nitidamente no final da década, podendo ser referenciada por muitos artistas, como Hudinilson Jr, que a princípio elabora uma “poética do corpo” quase mimética e progressivamente estatizante até alcançar em Narcisse (1984), um potente abstracionismo por intermédio de fragmentos do corpo.

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Para Silveira (2003), na arte postal, Paulo Bruscky talvez seja o maior representante nacional, ao menos essa é a categoria em que o artista mais exerce atividade, mantendo experimentos também na pintura, escultura, filme e outras técnicas. Natural e ainda morador de Recife, Bruscky chegou a ser funcionário público, operando equipamento de raio X. Inquieto, experimentador e extremamente bem-humorado, ele começa a publicar livros de artista e a criar objetos únicos. Em 1971, em parceria com Daniel Santiago, Brusky publica Como Ler, um “livro pão” com edição da padaria Nabuco, em Recife. Paulo Bruscky teve acesso a outros países e em 1992 foi bolsista da Fundação Guggenheim, em Nova York, além de participar de eventos internacionais de arte postal e arte em xerox, também organizando atividades nesse campo. O destaque a Bruscky não se dá por um trabalho ou outro, mas pela multidisciplinaridade do artista. Paulo Silveira (2003) aponta Bruscky como um artista anticlássico, anticomercial e marginal. O artista fez livros em copiadoras eletrostáticas e recebeu patrocínio da empresa Xerox, após ter botado fogo em uma máquina enquanto fazia cópias; fez livros com carimbos, livros de papel, pano e lata. Também editou livros comuns e fez não-livros, com cerca de 250 obras próprias.

Catálogos e processos documentais Segundo Freire (2006), circuitos alternativos de distribuição também foram tomados como estratégia de artistas que não mais necessitavam dos aparatos da arte tradicional, assim como fez o galerista e editor Seth Siegelaub, que entendia que um catálogo, por exemplo, poderia ser uma fonte primária de divulgação, isto é, o catálogo sendo a própria exposição. Uma publicação exemplar dessa prática é Xerox book (1968), que aconteceu somente por meio de um catálogo/livro de artista. Esse projeto contou com a colaboração de diversos artistas, onde cada um recebeu 25 páginas do catálogo para que pudessem expor seus trabalhos em xerox. Os trabalhos foram reunidos por Siegelaub e impressos em offset numa tiragem de 1.000 exemplares, sendo esse seu grande mérito como agenciador da arte de seu tempo. O importante dessa proposta é a realização de algo barato, fácil e rápido, demonstrando a noção de arte como comunicação, sem intermediários, voltada totalmente para seu público em desprezo a instituições,

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museus ou galerias. Em 1969, Joseph Kosuth publicou seu ensaio/manifesto Art after Philosophy em três partes na revista Studio International. A revista Avalanche, editada pela artista Willoughby Sharp no início da década e 1970, não era uma publicação sobre arte, mas arte em si mesma. Para Freire (2006), provas disso são as exposições que a revista organizava, expondo seus bastidores, como os layouts de suas páginas, fitas cassetes como entrevistas, recibos e contas a pagar. Para Fabris (1985), no Brasil os primeiros ensaios de catálogos criadores surgem na Escola Brasil. Bavarelli, Fajardo, Nasser e Resende estimulavam seus alunos a organizar álbuns, a manterem cadernos de apontamentos e propor narrativas diferentes, como estruturar uma história em um caderno em branco, utilizando apenas intervenções plásticas sobre o papel, tais como furos, dobras, recortes, grampos etc. É dentro desse espírito de adequação da forma à ideia, da concepção gráfica com relação intrínseca entre “forma” e “conteúdo”, que os artistas da Escola Brasil produzem os primeiros catálogos conceituais.

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Fig. 68 Mock-up draft of title page for Xerox Book, 1968 Seth Siegelaub

Fig. 69 Edições Avalanche Willoughby Sharp

Fig. 70 Política: Ele Não Acha Mais Graça no Público das Próprias Graças, 1979 Antonio Dias

Fig. 71 Geometria Anárquica, a Má Vontade Construtiva e mais Nada”, 1980.. Paulo Herkenhoff

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Fig. 72 Edições João Pereira

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Embora o catálogo criador não seja uma constante no Brasil, vários artistas dedicaram-se à sua produção, como Antonio Dias em Política: Ele Não Acha Mais Graça no Público das Próprias Graças (1979), Artur Barrio em Registro de Trabalho (1981), Paulo Herkenhoff com Geometria Anárquica, a Má Vontade Construtiva e mais Nada (1980), Tuga com os catálogos das mostras do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da Galeria Luisa Strina (1975) e Wilson Alves com Vênus e o Menino Mágico, Mesmo, (1976) que transforma a documentação de suas peças em baralho, permitindo ao expectador montar uma porção de mostras imaginárias. Para Fabris (1985), esses artistas criam seu trabalho gerando uma contraexposição autoreflexiva. Segundo Fabris (1985), a diminuição das tendências conceituais no final da década de 1970 juntamente com a dificuldade de divulgação de produções contrárias aos suportes tradicionais com o desinteresse da editoras foram cruciais na repercussão prática do livro de artista, que vinha sendo lentamente abandonado e, em alguns casos, substituído por microfichas e videotextos, endossando o surgimento de “livros compactos” e “livros táteis”, publicações dirigidas especificamente a experiências óticas, como demonstrado nas obras Edições João Pereira (São Paulo, 1979) e Oficina Goeldi (Belo Horizonte, 1980). Em 1983, Bruscky organiza A primeira exposição nacional do livro de artista, ainda no Recife, enquanto o Espaço NO de Porto Alegre organiza para o Museu de Arte Moderna do Rio Grande do Sul, a mostra Arte Livro Gaúcho (1950-1983). Em 1984, duas exposições coletivas são realizadas no Rio de Janeiro: na Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e na Livraria Espetáculo da Universidade Cândido Mendes, relata Fabris (1985). Segundo Fabris (1985), assim como ocorre na Europa e nos Estados Unidos, a orientação estética da década de 1980 também reflete no Brasil, trazendo uma noção mais sensorial do livro de artista. Tais características podem ser encontradas nas pesquisas gráficas de Luise Weiss, no sentido lúdico de seus desenhos infantis, em Naturezas Noires de Luciano Figueiredo. Uma outra vertente peculiar do livro de artista é mostrada pela autora em Biblioteca Virtual, de Otávio Roth, com pequenos cadernos cujas folhas em branco funcionam como mensagens em si mesmas, entretanto, guardando em cada página marcas do processo de trabalho e acidentes de percurso, como manchas, furos, rebarbas, espessuras etc.

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Para Fabris (1985), apesar do livro não ter tido um público mais vasto no Brasil por estar essencialmente associado a pesquisas que não tiveram grande penetração no mercado, é inegável não perceber que esse suporte divulgou a arte contemporânea e seus fazedores, que deixaram de conceber a obra a partir de categorias técnicas restritivas e passaram a apreciar e partilhar seus processos por intermédio de uma relação mais íntima com o objeto artístico, propiciado pela dimensão cinético-temporal do livro, cuja leitura se estabelece livremente: O leitor torna-se, dessa forma, o programador duma espécie particular de museu, um museu no limiar da exposição real e daquela imaginária, mediado, em grande parte, pelo universo das técnicas de reprodução, propostas como a obra em si e não como o simulacro benjaminiano, destruidor da aura. (FABRIS, 1985, p. 8)

Os anos 80 e o retorno a tela Para Silveira (2003), a década de 1980 chegou ao fim oferecendo aos artistas um resgate da pintura. Nesse período, houve uma grande tendência de retorno à tela, às vezes séria, caricata e, com frequência, fashion e oportunista. De todo modo, estancou por algum tempo o experimentalismo, regressando ao apego pelos valores artesanais. A transição do conceitual para o matérico trouxe alegria para os galeristas e refletiu-se também nos livros de artista. Toneladas de livros de madeira, ferro, trapo, molhados, queimados, amarrados e baleados, entre outros tipos, foram desenvolvidos, gerando até mesmo desentendimentos plásticos, além da crise financeira que também fora desculpa para a fuga dos custos de publicação.

A velocidade dos anos 90 Os exercícios conceituais voltam para o país paulatinamente, mas não são acompanhados pelas oficinais gráficas, provavelmente por desinteresse dos artistas. A questão levantada girava em torno de um Brasil mais pragmático, desencanado ou menos ousado? Para Silveira (2003), o que ocorria era a troca de informação instantânea, uma amplitude de caminhos abertos, mas uma baixa na produção de livros. Houve um redirecionamento para

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as artes eletrônicas, numa ânsia pela solução mais rápida, mesmo assim alguns permaneceram na discussão sobre o livro de artista.

O problema do mercado Silveira (2003) demonstra um dos problemas comerciais brasileiros nesse campo, a saber: o fato de que poucas redes de venda e distribuição agregam o que não é praxe no mercado, restando ao garimpo nas lojas de museus e instituições culturais; não incluindo as publicações marginais que prosseguem suas vendas em canais alternativos de distribuição. Feiras, eventos, mesa de bares, no corpo a corpo da entrada e saída de espetáculos são o cenário dessas publicações, vendidas quase sempre a preços simbólicos. Segundo o autor, raras vezes os artistas dessa categoria conseguem patrocínio ou fomento público ou privado, como foi o caso de Lucia Koch, tendo seu Flipbook encartado em uma edição da revista Bravo, ou até mesmo de Fabio Zimbres, que divide seu tempo em tiras cômicas para o jornal Folha de São Paulo e produz livretos em quadrinhos que comercializa pela internet. Mais que um problema puramente comercial, o livro de artista também gera certo conflito em seu significado, indissociável muitas vezes do caráter de arte/produto. O pesquisador aponta que não é criatividade o problema dos artistas brasileiros, mas o cenário adverso que os cercam sob crises econômicas, instabilidade financeira, falta de verba para produções artísticas e intelectuais e fomento a jovens artistas. Adverte ainda sobre o uso da eletrografia estar arcaico, a impressão a laser ainda subutilizada e o uso da impressão offset associada à arte como um empreendimento. Como exemplo, discorre sobre a prática de escritores que, com poucos recursos, conseguem publicar suas obras verbo-visual, entretanto, mantendo uma indiferença quando ao acabamento formal do livro. Essa distinção ocorre pela classificação comercial e crítica das obras oferecidas ao público, como sendo literatura e não arte, seja por comodismo mercadológico, seja por estratégia de colocação ou por ignorância do próprio espaço. Exemplos disso são as obras de alguns herdeiros da poesia visual, como o escritor Sérgio Medeiros ou o popular Arnaldo Antunes. Às vezes, uma solução plausível para esse problema são os projetos coletivos entre vários artistas.

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Fig. 73 Tipologia de livros de artista no século XIX e XX (Revista Arte em São Paulo #6, pg. 6 e 7), 1982 Julio Plaza

Como fechamento e síntese da pluralidade prática e conceitual dos livros de artista, acima encontra-se uma topologia retirada da revista Arte em São Paulo, edição n. 6, de abril de 1982, de autoria do artista Julio Plaza, encerrando então o panorama histórico e iniciando questões atuais acerca de mercado e os desdobramentos dessas publicações na atualidade.

2.3 O livro de artista na atualidade Para Silveira (2003), nas regiões urbanas ainda há estímulo ao livro de artista em oficinas de criação, porém, os livros elaborados nelas não passam de protótipos. Esse argumento segue de uma experiência vivida pelo autor em um convite para ministrar uma oficina de livros, apontando que o processo é extremamente burocrático com relação a parte gerencial dessas instituições, que optam sempre por métodos de baixo custo, podando em muitos aspectos as criações.

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Porém, ainda há formas alternativas de veiculação e venda desses trabalhos, como as feiras de publicação independente. Muitos artistas, coletivos e editoras divulgam e comercializam seus exemplares em pequenos espaços, em uma relação muito próxima ao que foi a prática em meados de 1960 e 1970, com a emergência da arte conceitual. Nas atuais feiras, pouco se vê a violação do formato físico do livro, pois as publicações respeitam a estrutura de cadernos e, em raros casos, propõem formatos extremamente diferentes. Em visita a uma dessas feiras, foi possível ver de perto a produção atual e conversar com alguns jovens artistas, para entender melhor com trata-se a divisão conceitualista do livro de artista hoje, visto que muitos dos projetos apresentados mantinham diálogos com outras linguagens artísticas, sem necessariamente ser fiel a alguma delas.

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Feira Plana II A Feira Plana trata-se de um evento onde estão reunidos autores e editoras independentes nos campos de quadrinhos, zines, literatura, dentre outros expoentes, ou na definição dos próprios organizadores, uma “feira de publicações independentes, fictícias, guerrilheiras e zines”. O evento é uma arca do tesouro para quem busca um diferencial em publicações, arte, autores desconhecidos comercialmente e material underground. Em sua segunda edição, nos dias 8 e 9 de março de 2014, sendo a primeira ocorrida no ano de 2013 e ainda instalada no MIS (Museu da Imagem e do Som), a feira recebe patrocínio de marcas com grande visibilidade, como o próprio MIS, a Adidas Originals, a Trip Editora, o blog IDEAFIXA, a gráfica Pingado-Prés, a Meli-Melo Press e a Sometimes Always. Dentre os expositores estão; A Bolha Editora, Acerca, Amilcar Pinna, Amy Lockhart, Antílope, Aqui em BSB, Associal Cultural Videobrasil, Atelier Kayab/Nanquingrafia, _Aurora, B&D Press, Bagaana, Bazar Zumbi, Bebel Books, Beleléu, Big Sur, BIMBO Groovy, Casa Timotheo, Carlos Issa, Casa Tomada, Causa Mortis, Codex Ex Machina, Coletivo Raiotagë, Companhia Rapadura, Conspire Edições, Contorno, CONTRA, Cosac Naify, Costa Oriental, Cozinha Nham, CUCO, Cyclops Edições, Dafne Capella/ Bookdummypress & Abrasiva, De Propósito, Demônio Negro, Descompasso, Desenhomatic, Dmtr.org, Dulcineia Catadora, Ediciones de Cero, Edições Andante, Edições de Zaster, Edições ViraLata, Editora-Aplicação, Editora Bote, Editora Cachalote, Editora Criatura, Editora Esperteza de Fotocópias, Editora Lavanderia, Editora Livra, Editora Nadifúndio, Editora Odara, Editora POP, Editora Precoce, Editorial Vortex, Entretempos, Escena Obscena, Estúdio Elástico, Fanzine Falafel, Fictícia, FEMZINE, Flashback de Verão, Frutinhas Publications, Galeria Quartoamado, Garapa, Gordo Seboso, Guia Fantástico de São Paulo, Hanna Uesugi, IDCLIP, ITEM72forCOLLECTORS, Jonathan Gall, Jornal OcicerO, “Júpiter, Saturno”, Kaput Livros, Lila Botter, Lívia Maria, Livrinho de Papel Finíssimo, Editora, LO-GO, LOTE, Lote 42, Lowtown, Maikel da Maia, Marc Bell, Mayra Flamínio, Meli-Melo, Mesa de Operações, Mi, Mínimas, MJP, MS Thugz, Murilo Martins, n-1, Natasha Weissenborn, Nathalia Cury, O Banhero Selvagem, O Miolo Frito, Oficina Tipográfica SP/Gabriela Gehrke, Olho Vivo, Patrícia Francisco, Peuda Comics, Pepe Coletivo, Phármakon, PhD, Picnicanic + Doggggg, PimbaPress, PINGADO-PRÉS, Polvilho Edições, por.no.papel, Prego Publicações, Presença, Pretos Gêmeos, Prólogo Selo Editorial, Publicações Iara, Quadrinhos Perturbados, Rébus, Renata Miwa, República Books, Revista Elástica, Revista J’adore, ROAX quadrinhos independentes, Rodrigo Okuyama, Rony Maltz, Rua do Ensaio, (SAMBA), Sarau Visual, Savant Editora, Sem Chancela, Sem/Registro, siLvana meLLo, sobrelivros, Strange, Tarja Preta Terrorismo Editorial, Terceiro Olho/Conehorror, Tomas Spicolli , Touro Bengala, Tralha Lab, Transfusão Noise Records, Tren en Movimiento, Treze, Ugra Press, UNArevista, Vendo-me Editora, Verruma Coletivo, Vibe Tronxa Comix ,Vibrant, Waldomiro Mugrelise, Wanderlust, Xplastic, Xula, Xuranhas, Briocos e Pirokas Felizes, YOYO, 13 Zine. (FEIRA PLANA II, 2004, online)

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Além de uma ótima opção de lazer, o evento também foi um referencial importante para a pesquisa. A interação com pessoas que publicam seu próprio trabalho de forma independente foi essencial, pois lá estavam diversos autores com o mais variado leque de publicações. Sem definição concreta, muitos dialogavam com o conceito de livro de artista, por mais que evitassem rótulos acerca disso. Em conversa com alguns expositores, foi possível perceber a amplitude de cada publicação e, antes disso, de sua própria produção, o processo que precede o projeto e sua materialização – muitos artista estavam publicando desenvolvimentos focados especificamente para o lançamento na feira, outros expunham trabalhos de longa data, catalogados em uma publicação. Os formatos eram variados, cada qual com sua especificidade, seja prezando uma leitura, seja desconstruindo totalmente o conceito linear de um livro/revista. Foi possível, no pouco tempo hábil e no intervalo de transeuntes, falar com alguns expositores, indagando-os sobre seu processo de trabalho e suas visões sobre suas próprias obras, considerando o conceito de livro de artista. Entre conversas, alguns artistas e expositores cederam seus contatos para uma entrevista. Entre os voluntários e selecionados estão os coletivos Dulcinéia Catadora, Vendo-me, as artistas Vânia Medeiros, Larissa Monteiro, Natasha Weissenborn, o artista Flavio Grão e o quadrinista João Rabello. A partir disso, desenvolvemos um questionário com algumas perguntas, a fim de entender o processo de cada artista e suas relações com a publicação impressa.

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Fig. 74 Feira Plana II (1), 2014 Produção própria

Fig. 75 Feira Plana II (2), 2014 Produção própria

Fig. 76 Feira Plana II (3), 2014 Produção própria

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Vendo-me Editora

A Vendo-me Editora surgiu da vontade de combinar literatura e artes visuais como forças criativas complementares. Texto e desenho multiplicam sentidos, em vez de traduzi-los ou reduzi-los. Autor e artista convivem organicamente em suas publicações. Formada por pessoas de diferentes cidades, a Vendo-me Editora não tem unidade estética ou conceitual. O que os une são ideias semelhantes, influências urbanas e uma necessidade primária de independência para criar o que acreditam ser relevante. A Vendo-me Editora é composta por Filipi Filippo (artista gráfico), Eduardo Sancinetti (artista plástico) e Gustavo Lacerda (escritor), além de diversos colaboradores, como Juliana Basile (artista plástica) e Gus Gialuca (ilustrador).

Endereço Eletrônico: http://vendomeeditora.tumblr.com/sobre

E-mail: vendomeeditora@gmail.com

1) Apesar da ótima prévia na descrição do tumblr de vocês, seria possível me falar um pouco mais sobre os desenvolvimentos da Editora, como se dão e (em síntese) como definem o suporte e a linguagem? R: Não temos nenhum tipo de unidade ou padrão. Os trabalhos começam a surgir — de um texto, desenho, foto ou colagem — e depois nós reunimos as coisas em algum tipo de suporte. Trabalhamos basicamente com publicações e pôsteres. Nosso esforço é sempre concentrado em criar narrativas que envolvam mais de uma linguagem, multiplicando sentidos. Quando criamos um zine com poemas e desenhos, por exemplo, queremos que um complemente o outro, abra novos significados, e não somente sirva como ilustração, resultando em um discurso redundante. 2) Primeiramente, não coloco em questão o valor do trabalho de modo algum, minha experiência no evento e a visita a alguns links relacionados à editora, suas publicações, me deram certa referência do trabalho de vocês. Apesar do meu apreço, é preciso proceder com algumas perguntas de cunho investigativo. Vocês consideram os trabalhos desenvolvidos como arte e, dentro dessa ótica, existe uma definição de gênero (poema-livro/livro-poema/livro de artista/ livro ilustrado etc)? R: Sim, consideramos arte o trabalho da Vendo-me, com certeza. São objetos de arte. O gênero é publicação independente, de artista, zine.

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3) Com relação ao suporte, mais especificamente ao livro, qual é a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Está mais ligada ao destinatário, em queo formato segue parâmetros mais ligados à produção em larga escala por conta do propósito de propagação, ou ao projeto do autor, queescolhe o material/formato que vai dar mais concisão ao conceito da obra? R: Está ligada ao projeto do autor, à grana que temos para gastar com a produção e ao tempo que temos disponível. Mas priorizamos sempre impressões de qualidade, com papéis bons e, se possível, um acabamento artesanal.

Fig.77 Fechado Para Reforma, 2013 Vendo-me coletivo

4) Pode-se dizer que vocês desenvolvem livros de artista? Qual é a relação de vocês com esse conceito, hoje? O que seria, a seu ver, um livro de artista? R: Depende do teu conceito de livro de artista, não do nosso. Livro de artista deve ser uma peça única ou pode ser produzido numa tiragem pequena, numerada? Se sim, podemos chamar alguns dos nossos livros de livros de artista. Mas, em geral, chamamos de publicações independentes, mesmo. O livro de originais e de sobras do Filipi Filippo (http://piecesremixed. tumblr.com/) com certeza é um livro de artista: [http://goo.gl/3PXehn].

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Dulcinéia Catadora Endereço Eletrônico: http://www.dulcineiacatadora.com.br/

E-mail: http://www.dulcineiacatadora.com.br/

Dulcinéia Catadora é um coletivo que confecciona livretos com capas de papelão, faz instalações, dá oficinas e realiza intervenções urbanas. Iniciado em fevereiro de 2007, em São Paulo, Brasil, pela artista Lúcia Rosa e Peterson Emboava, um jovem talentoso, filho de catador, logo após um trabalho em colaboração na 27ª Bienal de São Paulo com o Eloísa Cartonera, integrante do grupo argentino que iniciou essa prática. Outros jovens filhos de catadores juntaram-se ao Dulcinéia Catadora, além de artistas e escritores que participam da seleção de contos e poesia publicados pelo coletivo. Sempre em contato com o Movimento Nacional dos Catadores de Reciclagem, o grupo valoriza o trabalho do catador, age em defesa da inclusão social e pretende desenvolver o potencial artístico e criativo dos participantes. Como prática diária, o grupo compra papelão recolhido nas ruas por catadores, os carroceiros, a um preço mais alto que aquele pago em sucatas. Essas caixas são cortadas em vários formatos para serem usadas como capas e são pintadas uma a uma com guache. Os livros são vendidos por R$6,00 e a renda é dividida entre os participantes. Divulgar o trabalho de escritores novos é outra prioridade do Dulcinéia Catadora. Dulcinéia é um das mais de trinta cartoneras espalhadas pela América Latina, e busca estimular a criação de núcleos pelo Brasil. Em 2011, mudamos a maneira como desenvolvemos nosso trabalho. Não temos mais atelier. Em vez disso, nossa proposta é fazer um trabalho itinerante, indo a cooperativas de materiais recicláveis e formando grupos de pessoas interessadas em pintar capas, montar e vender livros. No momento, estamos indo aos sábados de manhã à Cooperglicério (Cooperativa de Catadores da Baixada do Glicério). Assim que esse grupo ganhar autonomia e for capaz de desenvolver todo o processo sozinho, pretendo procurar outra cooperativa onde os catadores tenham interesse em formar um grupo para iniciarmos outro núcleo de confecção de livros.

1) Poderiam me falar mais sobre os desenvolvimentos do coletivo, como eles se dão e, (em síntese), como definem o suporte e a linguagem? R: Caro Thiago, você deve ter lido em várias reportagens que o papelão é o material-essência de nosso trabalho, uma vez que integra o coletivo catadores de papel. Sendo essência, é presença obrigatória nas capas de nossos livros. O papel reciclado também, pois achamos que segue essa sintonia. Os autores/artistas, ao serem convidados a participar, são

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informados sobre como trabalhamos, o que para nós é mais importante: é preciso entender e aceitar que desenvolvemos um trabalho ético-estético, político, de resistência; portanto, aqueles que estiverem de acordo seguem junto na concepção e elaboração de seus livros. Esses são os pilares que embasam nossas edições. Falamos da invisibilidade, mais do que da reciclagem, de desigualdades, de acessibilidade, de autossustentabilidade. Essas são preocupações mais fortes e básicas; secundário é o pensamento em torno do formato do livro, do trabalho gráfico. 2) Primeiramente, não coloco em questão o valor do trabalho de modo algum, tive minha experiência no evento e visitei alguns links, tendo assim um maior contato com as publicações. Apesar do meu apreço, é preciso proceder com algumas perguntas de cunho investigativo. Vocês consideram os trabalhos desenvolvidos como arte/ livro-poema/ poema-livro ou algo do gênero? R: Como Eduardo Brandão bem afirmou em uma entrevista, nossos livros de literatura têm “o espírito da arte”, têm capas únicas, feitas à mão; a intenção de quem a pintou está impressa no papelão, não sendo, de maneira nenhuma, uma execução fria, seriada, de linha de produção. São pinturas feitas por catadores, o que é um claro questionamento de “quem é artista”, “quem faz arte”, questionamento este atrelado a Beuys, a Oiticica, a Paulo Bruscky. De nossa série de livros com artistas convidados, sim, podemos afirmar que são livros de artista, sem dúvida. Detesto rótulos, essa preocupação de enquadrar e classificar tudo; acho mesmo que nossos livros feitos em parceria com artistas são mais que isso, muito mais... Agora, se alguém se atrever a dizer que “Um Livro para Desvendar Mistérios”, de Paulo Bruscky não é livro de artista, que se apresente! O mesmo dizemos de Fabio Catador, em parceria com Fabio Morais, “Livro-varal”, com Élida Tessler, entre outros. 3) Com relação ao suporte, mais especificamente o livro, qual a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Está mais ligado ao destinatário, em que o formato segue parâmetros mais ligados à produção em larga escala por conta do propósito de propagação, ou ao projeto do autor, que escolhe o material/formatoque vai dar mais concisão ao conceito da obra? R: Não é o autor que faz as escolhas. Decidimos o que seria mais adequado junto com o autor. Os autores/artistas que não se dispõem a trabalhar coletivamente não são nossos parceiros. É preciso abrir mão, em certa medida, do processo autoral, narcisista e egocêntrico. O processo de criação coletiva é chave para nós. O papelão é elemento-

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Fig.78 Nossa primeira oficina, 2008 foto: Tania Rego

Fig.79 Alguns exemplares da coleção, S/I Dulcinéia Catadora

-chave em nosso trabalho. O papel reciclado é usado em praticamente todas as nossas publicações, respeitando o conceito de reciclagem. São opções estéticas que se combinam ao conceito de acessibilidade, uma prioridade nossa. Um livro feito por catadores, com papelão reciclado, deve ser acessível ao público em geral. Quanto à produção, é feita em edições de 50, 100 exemplares. Os livros de artista em geral são numerados. O formato, mesmo sendo preocupação secundária, é, sim, pensado de acordo com cada publicação. Por isso temos livros A6 retrato para haikais, o livro de Paulo Bruscky é A4 paisagem, pois as fotos dele têm detalhes demais e estes se perderiam em formato menor. Os livros infantis têm formato A5 paisagem, pois achamos mais adequados para as crianças, são mais fáceis de manusear, as ilustrações parecem encaixar melhor nas páginas, são livros de pouco texto. 4) Pode-se dizer que vocês desenvolvem livros de artista? Qual é a relação de vocês com esse conceito, hoje? O que seria, a seu ver, um livro de artista? R: Criamos livros de artista em colaboração com artistas e com graus variáveis de colaboração do coletivo. De qualquer forma, o autoral é sempre diluído. A literatura sobre livros de artista de que dispomos no Brasil não é muito extensa. Do que temos, nada é definido com objetividade, até porque o livro de artista situa-se no campo da arte, que, por natureza, navega num mar de imprecisão.

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O que você me pede, para definir o que seria um livro de artista, é meio sem propósito. A pouca bibliografia em torno do assunto trata cuidadosamente de pinçar elementos que sinalizariam uma criação artística e foge de afirmações categóricas. Paulo Silveira deixa claro o quanto é difícil chegar-se a um conceito claro e preciso. Mas, talvez eu considere aplicáveis à nossa série de livros feitos com artistas as palavras de Edith Derdik: “São livros que se pensam como espaço, atualizando as lições fundantes de Mallarmé, abrindo um campo vasto de intersecções entre a potência da imagem como escritura e da palavra como visualidade.” Você viu nossos livros feitos em parceria com artistas? De qualquer forma, volto a repetir que os livros que fazemos são um mero resultado de nosso processo-alma, essência, que são as trocas, o entrelaçamentos de vivências entre pessoas diversas. Nossos livros são o objeto que estabelece o contato entre uma parcela da população relegada à invisibilidade e a sociedade, forjando novas relações, abrindo para questionamentos de todas as ordens. Acima de tudo, somos um coletivo!

Fig.80 O Abrigo e o Terreno, 2013 (Foto: Thiago Zeug)

Fig.81 Turnê-Feira de artes impressas e publicações no RJ, 2012 (Foto: Fabio Morais)

Fig.82 S/I ( Dulcinéia Catadora

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Formada em Comunicação Visual pelo SENAC São Paulo, vive e trabalha em São Paulo. Em paralelo ao trabalho com design, desenvolve projetos pessoais principalmente na área de fotografia e colagem. Já participou do Projeto Múltiplo em 2013 no CCSP, e da Feira Plana, em 2014no MIS.

Natasha Weissenborn Endereço Eletrônico: http://cargocollective.com/natasha_weiss

E-mail: natasha.weiss@gmail.com

1) Natasha, eu não conhecia seu trabalho antes da visita à Feira Plana, e me encantei com sua produção. Poderia me falar mais sobre seus desenvolvimentos, como se dão e (em síntese) o que te impulsiona a criar, como tu defines o suporte e a linguagem etc? R: Minha mesa de trabalho em casa é dominada por fotografias, recortes de folhetos e imagens variadas, e papéis de todo tipo. Elas ficam visíveis para em algum momento de sensibilidade eu conectá-las e dar-lhes sentido. Esse processo é muito natural e às vezes demorado. Mas já aconteceu de surgir uma colagem de repente, e em seguida, na mesma noite, uma série toda desenvolvida. É o caso do zine “montanhas”, com 6 colagens de fotografias e bilhetes de uma viagem ao Chile/ Bolívia/Peru que realizei ano passado. Na mesma noite eu decidi que elas estavam prontas e bem resolvidas. Mas geralmente isso não acontece, eu preciso olhá-las por muito tempo, me distanciar para ter uma visão mais crítica. O início da criação sempre surge como um impulso natural, um olhar novo sobre algo que está ali na minha frente diariamente... Então eu mergulho e me entrego e tudo flui naturalmente. A edição do meu segundo zine, “...” (reticências), já foi bem mais demorada, principalmente por não ser um ensaio específico, mas uma compilação de fotografias que venho tirando desde 2009... Encontrar uma história, ou um caminho, no meio de tanto material é difícil, ainda mais quando há muito sentimento envolvido. Até chegar à edição final (que eu ainda mexeria, pra ser sincera), foram muitos meses, busquei opiniões de fora e fiz muitos testes. Cada projeto tem seu suporte que faz mais sentido. No meu caso, ele anda junto com a proposta do trabalho. Forma + Conteúdo. Comecei uma série agora com colagens especialmente para encaixar em cápsulas vazias de polaroid, por exemplo. 2) Primeiramente, não coloco em questão o valor do seu trabalho de modo algum, pois tive minha experiência no evento e visitei alguns links com seus trabalhos (disponibilizados em seu perfil no Facebook). Apesar de encantado, é preciso proceder com algumas perguntas de

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cunho investigativo. Você se considera uma artista? Hoje, o que é ser artista pra você? R: Eu sou designer de formação, mas com tantos projetos pessoais paralelos, acredito que já ultrapassei o limite do design e fui caindo no caminho artístico aos poucos. Foi só há um ano que me dei conta da minha necessidade de me expressar visualmente, independente do formato, e então comecei a levar meus projetos mais a sério. Comecei uma formação paralela mais livre, e agora estou focada em ingressar numa residência artística. Hoje vejo muitos jovens artistas tomando esse mesmo caminho. Eu tenho um amigo que é economista, com uma sensibilidade impressionante, com um trabalho pessoal fotográfico já bem formado, mas que só consegue seguir esse caminho por conta da vida já estável que lhe proporciona os recursos necessários para se envolver com seus projetos artísticos, cursos paralelos e acompanhamentos. Esse modelo de vida requer muita dedicação, é como ter dois trabalhos praticamente, mas faz muito sentido pra mim. Jovem artista com ateliê, focado completamente no seu trabalho, sem cair na tentação comercial, é muito mais difícil de se ver, hoje. Eu prefiro continuar nessa vida independente, com meu processo lento, porém sincero.

Fig.83 #1 Montanhas (1), 2013 Natasha Weissenborn

Fig.84 #1 Montanhas (2), 2013 Natasha Weissenborn

3) Com relação ao suporte, mais especificamente o livro, qual a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Está mais ligado ao destinatário/receptor, em que o formato segue parâmetros mais simples por conta do processo de produção e propagação ou ao quê? R: A produção de um livro de forma independente não é barata, portanto muita

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Fig.85 #2 (1), 2014 Natasha Weissenborn

Fig.86 #2 (2), 2014 Natasha Weissenborn

coisa é decidida por questões de verba. Preciso encaixar o formato que desejo e faz sentido à série, com o quanto pretendo gastar. Então sempre tem coisas que preciso deixar de lado, ceder daqui, mudar dali... Isso porque prefiro manter meus livros acessíveis, e ambos têm uma tiragem de apenas 30 exemplares. Tenho um gosto pessoal por formatos pequenos e mais discretos. Ser simples também é uma escolha. Os projetos impressos dessa forma também têm um caráter mais despretensioso, são trabalhos que ainda podem evoluir muito, mas ainda assim vale a pena divulgar e deixar crescer abertamente com os olhares do público. 4) Você desenvolve livros de artista? Qual é a sua relação com esse conceito, hoje? O que seria, a seu ver, um livro de artista? R: Me interesso por livro de artista desde meu projeto de conclusão de curso em design. Meu tema foi um projeto de um livro fotográfico, com fotografias próprias. Para mim, o livro é o melhor suporte para a divulgação dos meus trabalhos. É onde eu posso construir uma narrativa, experimentar na edição e brincar com formatos. Acredito que um livro de artista seja um projeto idealizado e produzido pelo próprio artista, com tiragem baixa, por vezes únicos, que geralmente envolve experimentação de algum tipo (conceitual, material...).

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Fig.87 #1 Montanhas (4), 2013 Natasha Weissenborn

Fig.88 #2 (14), 2014 (Natasha Weissenborn

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Formada em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia em 2007, e totalmente ligada à comunicação, Vânia Medeiros enxerga em suas publicações um veículo de arte democrática, de modo que possa chegar a todos sem grandes problemas. Atualment,e divide seu tempo entre seus trabalhos e o mestrado em Design na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Vânia Medeiros Endereço Eletrônico: http://cadernosdevania.tumblr.com/

E-mail: vanymedeiros@gmail.com

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1) Vânia, eu não conhecia seu trabalho antes da visita à Feira Plana, e me encantei com sua plural produção. Poderia me falar mais sobre seus desenvolvimentos, como se dão e, em síntese, como tu defines o suporte e a linguagem etc? R: Eu não estudei arte, eu me formei em jornalismo (na Universidade Federal da Bahia, em 2007). Acho isso importante no meu percurso. O curso de comunicação é muito plural e tem como característica básica explorar vários meios e ter a intenção de ensinar a comunicar a um número grande de pessoas, ser entendível, acessível e não exclusivista, hermético. Eu sempre escrevi (não literatura exatamente, mas sempre escrevi coisas) e sempre me senti muito ligada ao papel impresso, especialmente o livro. O livro é um dos meus principais canais de comunicação com o mundo, sempre foi. Na faculdade descobri o gosto pela diagramação, edição, e vim a descobrir minha vocação pra designer (no sentido mais amplo que você pode imaginar o termo, e não no sentido careta, publicitário, ligado a “público-alvo etc”, mas, sim, desde uma perspectiva bem experimental, plástica, à qual eu sempre fui ligada, desde o princípio, sem abandonar o desejo e comunicar). A partir de um determinado momento, eu comecei a desenhar (2008, com muita intensidade) e entendi que eu queria fazer disso meu principal meio de expressão e meu trabalho/ sustento. Fiz algumas exposições, instalações, mas sempre entendi que meu suporte favorito é o livro impresso. É onde me sinto mais inteira, onde tudo faz mais sentido. Tem uma coisa que eu percebo, que é um paradoxo, mas acredito: com os livros, sinto que perco totalmente o controle de onde os trabalhos vão parar e o que vão fazer com ele, muito mais do que com a internet, que, teoricamente, tem muito mais acesso. Na internet a gente sempre dá um jeito de descobrir, dá um google, e tal. O livro, saiu da sua mão, vc não sabe onde vai parar. Isso é um tesão.

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2) Primeiramente, não coloco em questão o valor do seu trabalho de modo algum, pois tive minha experiência no evento e visitei alguns links com seus trabalhos em uma busca rápida ao Google. Apesar de encantado, é preciso proceder com algumas perguntas de cunho investigativo. Você se considera uma artista? Hoje, o que é ser artista pra você? R: Me considero artista, com certeza, e isso não é ser nada mais que os outros, é só uma abordagem diante da vida. Eu poderia ser essa pessoa criativa e produtiva que sou e fazer outra coisa, ciência, por exemplo. A arte não é melhor do que as outras coisas. Acho essa ideia modernista que temos até hoje da arte numa torre de cristal uma bobagem. Qualquer um poderia ser artista se escolhesse; quando comecei a dar aulas e oficinas isso ficou claríssimo pra mim. O que é ser artista? Para mim, ser artista é decidir criar coisas sem a menor obrigação de que aquilo seja útil, funcional. A arte é criar jogo, é mentir, é dizer o contrário, é descontruir o discurso livremente sem obrigação de ter coerência com os sentidos tradicionais... A arte é fundamental pra a vida, especialmente pra a vida nas cidades, porque nos leva para o campo da inutilidade vital, fundamental, da maior importância, do ócio, que talvez em lugares com mais contato direto com a natureza não seja tão “necessário”. Talvez eu esteja falando algo meio polêmico, enfim... Quando as pessoas se embebem desse universo do inútil, elas ficam mais contemplativas e melhoram o mundo, ficam mais tolerantes com as diferenças, percebem brechas na realidade formal, veem que tudo é uma construção artificial e, por isso mesmo, as parti-

Fig.89 Zine Piranha, 2014 (Vânia M. e Aldo Repetto)

Fig.90 Zine Piranha, 2014 (Vânia M. e Hke Koblitz)

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Fig.91

Zine Piranha, 2014 Vânia M. e Moacyr Campello

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Zine Piranha, 2014 Vânia M. e Mariana Zanetti

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Mapa em Duas Linhas (1), 2014 Vânia M. e Paul Glory

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cularidades de cada um devem ser respeitadas... Um verdadeiro artista jamais poderia ser racista, homofóbico etc, não faz o menor sentido, o contradiz totalmente. É intrínseco ao artista entender que a vida é uma invenção, TUDO na vida é artificial. A arte serve pra isso, pra quem faz e pra quem frui. Talvez eu tenha dado uma resposta meio complicada de entender, meio Gilberto Gil, pouco acadêmica, mas é isso aí rs.. 3) Na Feira Plana, percebi que alguns de seus trabalhos dialogavam com a literatura, aparentemente em parceria com escritores. Você possui uma produção autoral solo? E os trabalhos em parceria, como eles se desenvolvem? Você é livre pra criar ou passa por restrições? R: Muitas vezes acabo chamando alguém pra fazer os trabalhos comigo. Ou me chamam. Acho que a coisa fica mais poderosa em dupla e, talvez, eu tenha um pouco de pudor em ser o centro das atenções, sozinha. Gosto de dividir e multiplicar a energia. Tem sido assim até então. Mas acredito que possa vir a fazer alguns trabalhos assinando sozinha mais adiante. Certamente farei. Às vezes, a coisa parte mais de proposições minhas com o desenho, às vezes eu ilustro textos que vêm prontos... Eu sou bem livre pra criar, nunca tive muitas restrições, embora não veja nenhum problema em me submeter a observações, críticas e vir a refazer coisas. Acho bom não ser a dona absoluta da verdade.

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usado papéis mais finos ultimamente, então também espero uma relação mais delicada com o livro) e que possam sempre ser vistos por várias pessoas, passando de mão em mão... Meu desejo que é que ele seja usado, e não só de enfeite.

Fig.94

5) Você desenvolve livros de artista Qual é a sua relação com esse conceito, hoje? O que seria, a seu ver, um livro de artista? R: Desenvolvo muitos cadernos, faz muito parte do meu processo criativo e acredito que alguns ficam tão bem trabalhados, íntegros, criam sentido no todo da composição e eu demoro tanto tempo neles que os considero livros de artista. Tenho feito fanzines mais delicados, com tiragem menor e mais experimentais, que, talvez, tenham um paralelo, ou mesmo possam ser considerados livros de artista... Mas é um termo que me soa meio pesado, imagino mais algo que só tem um exemplar, é único, como os cadernos.

Mapa em Duas Linhas (3), 2014

Mapa em Duas Linhas (2), 2014 Vânia M. e Paul Glory

Fig.95 Vânia M. e Paul Glory

Fig.96 Mapa em Duas Linhas (4), 2014 Vânia M. e Paul Glory

4) Com relação ao suporte, mais especificamente o livro, qual a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Está mais ligado ao destinatário, em que o formato segue parâmetros mais simples por conta do processo de produção e propagação ou ao quê? R: Minha relação com o destinatário: gosto que os livros sejam objetos manuseáveis, tenham durabilidade necessária para serem folheados sem muito medo (tenho

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Larissa Monteiro tem 25 anos e é meio brasileira, meio portuguesa. Ela foi uma criança apaixonada por animais, biologia, vida marinha, desenhos e sempre teve ligação muito forte com seus sonhos. Esses interesses perduraram em sua vida e compõem também seu trabalho. Comunica-se através da caneta porosa, lápis de cor, gelatinas, colagens e aquarelas, quando encontra alguma lacuna ou porta secreta em suas pesquisas sobre psicanálise, literatura, misticismo, artes e seus sonhos.

Larissa Monteiro Endereço Eletrônico: http://massiral.tumblr.com/

E-mail: larissa.88m@gmail.com

1) Larissa, eu não conhecia seu trabalho antes da visita à Feira Plana, e me encantei com sua produção. Poderia me falar mais sobre seus desenvolvimentos, como eles se dão e, em síntese, o que te impulsiona a criar, como tu defines o suporte ea linguagem etc? R: Sempre gostei de desenhar. Desde bem criança faço isso, mas há pouco comecei a expor o que produzo. As referências visuais que busco, os livros que me comovem, aquilo que vejo em meus passeios na rua e as atividades que acontecem dentro da minha mente, me inspiram a colocar para fora a forma como me sinto. Os sonhos sempre tiveram grande importância e influência no modo como enxergo o mundo e dentro do meu trabalho. 2) Primeiramente, não coloco em questão o valor do seu trabalho de modo algum, pois tive minha experiência no evento e visitei seu Flickr, o único link a que tive acesso. Apesar de encantado, é preciso proceder com algumas perguntas de cunho investigativo. Você se considera uma artista? Hoje, o que é ser artista pra você? R: Na verdade, nunca tinha pensado sobre isso, mas creio que não. Não me apresento e não me sinto representada dessa forma. Minha formação acadêmica é em Comunicação Visual e acho que, em poucas palavras, me vejo como uma comunicadora. Não só pelo caminho acadêmico, mas, sim, pela maneira que procuro trabalhar e me expressar. O titulo”artista”, como autodenominação, me causa alguns sentimentos confusos. Respondendo a pergunta quanto ao que enxergo de o que é “ser artista” em curtas palavras, vejo como quem produz imagem/conteúdo/emoção não só com determinada habilidade técnica, mas, sim, provido de uma mente visionária e, muitas vezes, romântica.

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3) Com relação ao suporte, mais especificamente o livro, qual a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Está mais ligado ao destinatário/receptor, em que o formato segue parâmetros mais simples por conta do processo de produção e propagação ou ao quê? R: Na minha produção, o suporte tenta estar ligado ao conteúdo/conceito que rege o meu projeto. Porém, em alguns casos, tenho que adaptá-lo a questões de produção, manuseio e ergonomia, sim. 4) Você desenvolve livros de artista? Qual é a sua relação com esse conceito, hoje? O que seria, a seu ver, um livro de artista? R: Minha intenção ao começar é de desenvolver um fanzine, onde uma ideia ou mensagem é projetada expressamente. A meu ver, um livro de artista concentra emoções e intenções que devem se comunicar ou ter algum toque direto com o expectador, mesmo que esse tenha um princípio abstrato. Penso o livro de artista como uma experiência, um evento emocional/ sensorial.

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Fig.97 Projections/mirror, 2014 Larissa Monteiro

Fig.98 I will paint your eyes, when i know your soul; gaze and hollow eyes (1), 2014 Larissa Monteiro

Fig.99 I will paint your eyes, when i know your soul; gaze and hollow eyes (2), 2014 Larissa Monteiro

Fig.100 I will paint your eyes, when i know your soul; gaze and hollow eyes (3), 2014 Larissa Monteiro

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João Rabello é quadrinista e mantém o blog “Quadrinhos Perturbados,” com tirinhas (quase) diárias. Atualmente, tem passado por feiras e exposições exibindo sua última publicação “A mulher que ia navegar”, adaptação de um crônica de Rubem Braga, que, por coincidência, foi seu projeto de conclusão de curso na PUC-SP.

João Victor Rabello Endereço Eletrônico: http://quadrinhosperturbados.wordpress.com/

E-mail: joaovrabello@gmail.com

Fig.101 A Mulher que ia navegar, 2014 João Rabello

Fig.102 A Mulher que ia navegar, 2014 João Rabello

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1) João, acompanhando seu trabalho via wordpress, tive contato com sua linguagem nos desenvolvimentos voltados para quadrinho, além do mais, como artista você tem um estilo bem perceptível. No seu projeto “A mulher que ia navegar”, você se propõe uma narrativa diferente, por mais que o estilo ainda esteja marcante. Enfim, um trabalho muito pessoal. Você saberia dizer o que te impulsionou? Se há diferenças entre o que você produz habitualmente e o projeto citado acima? R: O livro “A Mulher que ia Navegar” nasceu da vontade de adaptação entre linguagens. Enquanto no meu blog costumo criar pequenas tiras de humor, no projeto do livro eu quis sair dessa zona de conforto. Foi muito bacana e recompensador esse projeto, acho que me fez amadurecer como artista, me levando a um novo processo criativo, que é o da adaptação: a transcriação a partir da crônica do Rubem Braga. Gostei muito disso, de levar meu olhar por outros caminhos e conhecer mais sobre o Braga e seu universo tão único, sua linguagem tão peculiar. 2) Primeiramente, não coloco em questão o valor do trabalho de modo algum, afinal, tive minha experiência no evento e visitei alguns pontos de contato de suas publicações. Achei muito massa, mas preciso proceder com algumas perguntas de cunho investigativo. Com relação ao suporte, mais especificamente o livro, qual a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Foi mais ligado ao destinatário, em que o formato segue parâmetros mais voltados à larga escala de produção por conta do propósito de propagação/distribuição, ou ao projeto de autor, do qual o artista participa totalmente na escolha de material/formato que vai dar mais concisão ao conceito da sua própria obra? R: Foi mais ligado ao projeto de autor. Não acho que seja o tipo de publicação mais ousada e, inclusive, quero mais pra frente me aprofundar nisso, em formatos e publicação, tipos de impressão. No “A Mulher que ia Navegar”, eu quis um formato que dialogasse com a história e que também se expressasse por si só. Nesse sentido, escolhi o pólen como papel, já que ele é amarelado e tem uma textura

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interessante, gostosa de sentir. A cor e o toque dele para mim adicionam ao livro, fica muito mais expressivo como objeto do que um papel branco coucéh, por exemplo. Também quis fazer em um formato mais vertical o livro, ligado à profundidade dos desejos da mulher da história. Originalmente, o formato era ainda mais vertical, mas tive que mudar isso para que fosse viável financeiramente a impressão, pois o formato original não cabia em um A3. 3) Pode-se dizer, em certo aspecto, que você desenvolve livros de artista? Independentemente da resposta, qual é sua opinião/ visão sobre esse conceito, hoje? O que seria, a seu ver, um livro de artista? R: Acredito que sim, que faço livros de artistas. Acho esse conceito abstrato e talvez amplo ainda, mas ele é interessante e necessário hoje, quando temos um mercado de publicações independentes e uma volta ao papel efervescente. O livro como o conhecíamos está perdendo sentido por causa do digital, e os artistas estão retomando e o reinventando-para que faça sentido, talvez mais do que já fez desde que surgiu. Para mim, um livro de artista primeiramente tem que ser feito por um artista. Soa redundante, eu sei, mas o que quero dizer é que o fim não deve ser meramente comercial e o livro em si deve ser visto como obra, não adianta ser a obra de um artista dentro de um livro completamente convencional. Ele nasce de uma intenção autoral, seja de passar uma mensagem, discurso próprio, seja de uma expressão puramente estética, mas autêntica. O livro tem que ser pensado como um objeto que se expressa.

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Fig.103 A Mulher que ia navegar, 2014 João Rabello

Fig.104 Panis, 2013 João Rabello

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Flavio Grão Endereço Eletrônico: https://www.facebook.com/Zinismo http://flavio-grao.blogspot.com.br/

E-mail: flaviograo@yahoo.com.br

Flavio Grão é educador concursado há mais de dez anos da Prefeitura de São Paulo, já trabalhou como professor de praticamente todas as faixas etárias possíveis, da educação infantil ao EJA (Educação de Jovens e Adultos). Hoje, reveza-se entre os cargos de Coordenador Pedagógico e Diretor de uma escola de Educação Infantil no Jardim Ângela, em São Paulo. Paralelamente a isso, mantém uma carreira como ilustrador e artista plástico há cerca de vinte anos. Autodidata, desenhista compulsivo desde os três anos de idade, viveu no ABC Paulista desde o nascimento até o início de sua vida adulta, vivenciando as vertentes artísticas que esse contexto histórico-espacial possibilitava. No início da adolescência (final dos anos 1980), viveu o movimento punk, tocando em bandas do estilo e conheceu outra paixão, os fanzines. Nos anos 90, criou a cooperativa cultural independente “TOY conspirações culturais”, organizou shows independentes, gravou CDs de bandas locais e lançou fanzines. Ainda nessa década, publicou dois fanzines de contos, um chamado “Histórias para ler no Banheiro” e outro, “333”. Nos anos 2000, começou a dedicar-se mais à ilustração e à pintura (divulgadas com a ajuda da internet), participou de exposições esporádicas, fez ilustrações para revistas, capas de CDs e marcas de skate, teve um roteiro premiado e transformado em curta-metragem, tudo seguindo a máxima da filosofia punk: Do it your-self (Faça você mesmo). Em 2010, voltou a fazer fanzines em papel, desta vez, ilustrações onde procurou explorar sequências narrativas. Por intermédio desses Zines, recebeu convites diversos para palestras, mesas, workshops e cursos em universidades, centros culturais e eventos sobre a publicação. Desde 2011, é articulador e colaborador da editora UGRA PRESS, que edita anualmente o Anuário de Zines, fanzines e publicações independentes. Colabora com essa publicação através de resenhas e artigos assinados. Participa ativamente de discussões sobre zines e fanzines em nível nacional, além de entrevistas, matérias e reportagens em jornais e revistas.

1) Poderia me falar mais sobre seus desenvolvimentos, como eles se dão e, em síntese,, o que te impulsiona a criar, como tu defines o suporte e a linguagem etc? R: Fazer desenhos, pinturas etc acabou por se tornar parte integrante do meu cotidiano, como comer, ir ao banheiro ou outras

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necessidades básicas. O impulso criativo é a observação do ser humano e suas crises existenciais, o mecanismo da vida e as relações entre as pessoas. Creio que atualmente consigo traduzir em imagens, quase que de modo natural, o modo como observo, através de metáforas visuais. Faço ao mesmo tempo vários projetos pessoais relacionados às artes gráficas. Alguns são imediatos e outros são mais longos e podem levar quase um ano. Com relação aos livros de artista ou zines, geralmente eles são narrativas ilustradas formadas por sequências de desenhos, desenvolvidos a partir de um tema ou ideia central. Além disso, faço gravuras, cadernos de rascunho, pinturas, aquarelas, ilustrações sob encomenda e outras coisas. Às vezes, os suportes podem se misturar, como, quando faço um zine ilustrado cujos desenhos foram desenvolvidos inicialmente em uma pintura a óleo, ou quando faço uma gravura que gosto tanto a ponto de sentir vontade de pintá-la em um óleo sobre tela. O suporte é variável, mas hoje em dia o caderno de esboços é meio que um ponto de partida para tudo. As boas ideias acabam indo parar em outros suportes.

Fig.105 Patriarcal, 2012 Flávio Grão

Fig.106 Cortex, 2011 Flávio Grão

2) Apesar de achar que esse conceito cada dia mais se dilui frente àsnovas e constantes experimentações no campo artístico, preciso proceder com algumas perguntas de cunho investigativo. Você se considera um artista? Hoje, o que é ser artista pra você? R: Acabo por aceitar a

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Fig.107 Capa Zine Lado R #9, 2010 Flávio Grão

Fig.108 A Mitologia do Descompasso (livro+Zine), 2010 Flávio Grão

alcunha de artista por falta de outra definição melhor. Mas é um termo que me incomoda pelo fato de ter uma conotação burguesa. Por eu ter vindo do punk e ter convicções anarquistas sou meio avesso a hierarquias. Ser artista deveria ser simplesmente aquele que produz arte. Mas prevalece hoje em dia uma associação a esta ocupação, que denota um caráter de glamour ou status romântico que me deixa bem incomodado. 3) Com relação ao suporte, mais especificamente o livro, qual a relação com a escolha de materiais, produção e formato? Está mais ligado ao destinatário/receptor, em que o formato segue parâmetros mais simples por conta do processo de produção e propagação ou ao quê? R: Escolhi a feitura de um “livro de artista” como opção ou um formato adequado para um projeto que estava fazendo. Na realidade, ocorreu em 2012 quando fazia uma narrativa ilustrada chamada EndoApocalipse. A minha ideia inicial era fazer um zine como estava acostumado a fazer, mas como produzi uma xilogravura com uma das imagens da narrativa, achei que seria bacana fazer uma versão em capa dura que pudesse acomodá-la. Aproveitei, ainda, para colocar um texto e alguns extras da produção. Foi um formato que funcionou bem, pois atendeu a um mercado intermediário de venda de meus trabalhos, pois era mais caro que o zine, porém mais barato de que um desenho original ou quadro.

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4) Você desenvolve livros de artista (por mais que esse conceito às vezes colida ou dialogue com Zine)? R: Ambos em tese são publicações autorais. Penso que o zine tem um caráter mais despretensioso, mas ao mesmo tempo mais objetivo e discursivo. Já o livro de artista possui uma preocupação central em abordar ou investigar a linguagem, o que gera uma tendência em querer “extrapolar” o formato do livro, tornando-o mais conceitual. São gêneros que podem ser confundidos facilmente e acabam sendo definidos de acordo com quem os produz ou pelo meio onde circulam. Ambos poderiam aprender um com o outro: o zine a ser mais ousado e o livro de artista a ter um discurso mais marcado.

Fig.109 A Mitologia do Descompasso (livro+Zine), 2010 Flávio Grão

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4 t a o L pí u Projeto Prático Livro de Artista: Barriga d’água


Cap. IV | Projeto Prático/ Livro de Artista: Barriga d’água

Projeto Prático

Livro de Artista: Barriga d’água

Com base na fundamentação teórica apresentada nas páginas anteriores, pretendo-me ater, a partir desse capítulo, somente a meus próprios direcionamentos contextuais e conceituais para a produção da publicação “Barriga d’água”. Sendo assim, considero o desenvolvimento a seguir um processo autônomo, pois propõe-se como um diálogo direto com minhas experiências e expressa a minha visão sobre o tema. Os textos a seguir contextualizam e documentam todo o processo de feitura deste trabalho prático. Acredito ser importante expor o processo e o amadurecimento da ideia da publicação, afinal, o tema escolhido está totalmente vinculado ao tempo em que estou vivendo e na minha rotina como morador da cidade de São Paulo. Quando digo “amadurecimento”, refiro-me à disposição para explorar questões pautadas nesse trabalho. Desse modo, portanto, o projeto Barriga d’água ainda está em processo mesmo depois do fechamento do livro. As proposições apresentadas aqui são resultantes de experiências pessoais ou, muitas vezes, compartilhadas entre amigos. Entretanto, em momento algum qualquer apontamento apresentado mostra-se como verdade absoluta e unânime, podendo ser contestada por futuros leitores.

4.1 Contextualização O tema e o suporte propostos nesse trabalho dizem muito sobre uma antiga e latente vontade de realizar inclusões e desmistificar alguns padrões estabelecidos por determinadas áreas. A primeira se dá pelo fato de eu apresentar como conclusão de curso um trabalho de cunho artístico, quando o curso em si é voltado, em grande parte,para a produção industrial. Contudo, é importante ressaltar a amplitude que o termo “comunicação visual” comporta, sendo esse o nome do curso em que estou apresentando esse trabalho de conclusão. Sou formado como designer desde 2009 e, a partir de então, venho trabalhando em projetos nos campos da Publicidade e Design, quase sempre com finalidades comerciais. Esse tipo de trabalho tem sua importância e exerce certa contribuição social, especificamente no setor econômico. Por esse motivo, entendo a importância de utilizar minha formação como comunicador visual e minhas habilidades como ilustrador de outra forma com algo que possa se esquivar do impositivo ou materialmente sedutor, criando um diálogo com um público amplo sobre questões

“micro”, como tomei a liberdade de intitulá-las. Quando me refiro a questões “micro”, de modo algum lhes tiro a importância, pelo contrário, entendo-as como questões primeiras, primordiais para uma vida minimamente digna e igual para todos. Dirijo-me, pois, a pontos que, a meu ver, já deveriam estar alinhados e esclarecidos entre a população, e que ainda hoje caminham a passos lentos. A decisão por esses temas como ferramenta artística - e precisamente como um livro - tornou-se ainda mais enfática após o aprofundamento sobre as práticas do livro de artista nos anos de 1960 e 1970 como objeto de arte no corpo social, acessível a qualquer tipo de público e dialogando com questões afins para pessoas inseridas na mesma paisagem.

4.2. Título Barriga d’água, apesar de ser conhecida como tal, não é uma doença em si, mas um termo popular para Ascite, que, segundo a definição do Dr. Drauzio Varella, é uma condição associada a algumas doenças, entre elas as insuficiências renal, cardíaca e hepática, certos tipos de câncer, algumas pancreatites, e infecções, como a esquistossomose e a tuberculose. De modo a explorar um pouco mais seu âmago, o termo será utilizado como nome para o livro de artista a ser desenvolvido a partir desse capítulo. O projeto que aqui se inicia apropria-se desse termo de forma conceitual, aderindo-o por seu aspecto somático, ou seja, pela junção de desconfortos internos que refletem no corpo a partir de um sintoma físico. Na publicação independente, ou livro de artista, seu conteúdo buscará reflexões sobre o corpo social a partir dos anseios e particularidades do indivíduo artista. Em prévia, pretende-se uma abordagem temática sobre o mal-estar social, a segregação, o consumo, a especulação imobiliária, o ser humano reduzido à esfera do trabalho, o ócio, entre outras questões de aspecto amplo, concomitantes também com abordagens relacionadas à natureza afetiva humana, já exemplificadas no texto anterior.

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Cap. IV | Projeto Prático/ Livro de Artista: Barriga d’água

4.3. Expressão Gráfica Por sua transitoriedade e conivência com o assunto abordado, a expressão gráfica será passível de explorações técnicas e materiais distintos em suas composições, justificando desse modo seu caráter híbrido. Exemplificando o que é ou pode ser considerado hibridismo na comunicação visual, apresento o que foi explorado nos capítulos anteriores sobre a mudança de suporte na arte e a utilização de elementos de origens distintas, tais como tinta, sucata e outros elementos mistos que, juntos, compõem um único trabalho. Entretanto, saliento que os desenvolvimentos não estão num patamar totalmente físico, ou seja, muitos elementos utilizados na composição são de origem digital, exercendo papel complementar na execução dos trabalhos. Na introdução, quando me referi a este trabalho como uma “busca de uma poética que dialogue com o tempo em que se concebe” reivindicava, também, a produção dessas imagens. Como designer e ilustrador nascido na era digital, tive contatos , com o fazer analógico, porém explorei nos softwares de edição de imagens ferramentas que pudessem oferecer soluções próximas a materiais físicos. Acredito ser importante salientar como contexto que o fazer desse trabalho também compete a outras práticas que exerço no cotidiano, como o trabalho, os estudos e os afazeres domésticos, além do diálogo com o estilo de vida caótico e acelerado da cidade de São Paulo. Portanto, algumas premissas foram tomadas na feitura do projeto, a saber: 1. Utilizar o tempo hábil sem se estender demasiadamente no desenvolvimento das imagens;

Ademais, minha intenção com esse projeto é buscar reflexões sobre o estilo de vida que alimentamos, cientes de um sistema falido e prosaico. Desse modo, pretendo manter relações reflexivas e acessíveis, de entendimento para um público amplo..

4.4 Formato O livro pretende exercer um caráter democrático e acessível, por esse motivo não é apresentado nenhum tipo de intervenção plástica radical na sua estrutura física em convergência ao aspecto de múltiplo, ou seja, suscetível à produção em larga escala. O formato escolhido tem total relação com a possibilidade de produção em gráficas rápidas, onde a área de impressão tem comumente o tamanho A3 (42x29.7), atendendo desse modo ao mínimo e máximo das dimensões dos papéis utilizados e também à possibilidade de encadernação e acabamento.

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4.5. Conteúdo Neste subcapítulo, tratarei de uma abordagem mais ampla sobre os temas propostos no livro e também sobre a execução de cada imagem. Os temas serão abordados ora por conceito, ora por execução plástica ou análise visual.

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Fig.110 Brushes Digitais, 2014

2. Renunciar métodos de construção e acabamento das imagens. Os resultados são soluções práticas, assim como forçosamente refletem a rotina de quem vos escreve. 3. Todos os desenvolvimentos são trabalhos em si, ou seja, o livro é uma compilação de trabalhos que dialogam com o tema proposto, mas podem ser expostos de forma autônoma.

Thiago Lima

Fig.111 Formato, 2014 Thiago Lima

4. Todas as soluções gráficas são desenvolvidas digitalmente, porém, elas podem e devem apresentar aspectos plásticos multidisciplinares.

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Cap. IV | Projeto Prático/ Livro de Artista: Barriga d’água

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Capa

Contra capa

A construção de uma analogia sobre a embalagem de um medicamento tarja preta, cuja sombra projeta a imagem da cidade, é o conceito chave da publicação. É desse modo que procurei contemplar a ideia de “psicossomática social”, que reflete a ideia de uma sociedade doente, que, acima de tudo, exterioriza fisicamente esse mal-estar. A solução para a capa do livro foi fazer a junção desse conceito, de modo que fosse minimamente compreensível para os que tiverem acesso à publicação. A execução dessa imagem partiu de um rascunho sobre uma folha sulfite, finalizada no software Photoshop, com aplicações de texturas ruidosas em diálogo mútuo com a imagem da cidade.

Utilizei um esquema organizacional de medicamentos, inclusive pela proposital falha na grade como desvio do regramento desse sistema. Graficamente falando, a ideia de deslocar um elemento de uma área contínua e regrada comporta e afirma o entendimento do leitor sobre a proposta da publicação. A execução também teve início em rascunhos, tendo sido finalizada digitalmente com o apoio de um tablet ou mesa digitalizadora comumente utilizada em pinturas digitais.

Esboço base / Capa Barriga d’água, 2014 Thiago Lima

Fig.113 Capa Barriga d’água, 2014 Thiago Lima

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Fig.114 Alterância, 2014 Thiago Lima

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Fig.115 Nós (fragmento de processo), 2014 Thiago Lima

Fig.116 Nós, 2014 Thiago Lima

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Folha de rosto

Sumário

A representação de uma consulta médica em que o paciente extrai de si um fio emaranhado cheio de nós diante um especialista, sugere o que considero uma espécie de incapacidade de lidar com suas próprias questões, como se esse mal-estar indicasse um deslocamento do que é considerado “comum” na sociedade. O desenvolvimento e a solução gráfica para a imagem são ilustrativas e mantêm em análise elementos mistos e despretensiosos em primeira instância. A pintura rabiscada reflete um desinteresse formal e os ruídos tendem a dialogar com a temática.

Encontrei a necessidade de utilizar uma família tipográfica que estivesse em diálogo com a proposta gráfica da publicação, tanto no livro de artista como na monografia do trabalho. Velik, a fonte escolhida e comprada para esse trabalho é de autoria da designer Mariya V. Pigoulevskaya, oriunda do Reino Unido. Velik é uma tipografia manuscrita, originalmente pintada em tinta e digitalizada para uso. Suas imperfeições e construções não lineares contemplam conceitualmente a proposta do livro e os temas sobre disfunções sociais sem perder a qualidade de leitura. A organização do sumário segue a ordem de desenvolvimento das imagens, sem qualquer intenção no que se refere à continuidade ou à narrativa sobre os assuntos. A solução gráfica sugere uma compreensão dos textos e as linhas divisórias fazem analogias a grades.

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Fig.117 Sumário Barriga d’água, 2014 Thiago Lima

Fig.118 Velik, 2014 Thiago Lima

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Sobre o autor A costura sobre o retrato que expõe apenas uma parte do rosto e se estende sobre um emaranhado de fios é uma representação sobre o tempo, sobre a descoberta, sobre algo que emerge com o passar dos anos, sendo essa a forma que enxergo a construção da personalidade. A linha utilizada na composição é linear, contínua, mas sua disposição prioriza uma outra leitura sobre si, evocando confusão e ausência de um caminho nítido. Nessa proposição, direciono o olhar do leitor, que se inicia pelo rosto da fotografia e vai de encontro às margens da página, numa analogia à posteridade, no desenrolar do tempo. A ideia de usar a costura se deu pela referência afetiva que tenho sobre ela, ao ver minha avó sob plena paciência exercendo seu trabalho como

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costureira. Ela fechava-se em seu espaço e fazia do trabalho uma terapia, com a mesma parcimônia que ainda leva a vida. O retrato utilizado foi tirado no ano passado por um amigo, e desde então sofreu algumas experimentações gráficas até o resultado prático encontrado nesse livro. A execução foi simples: depois da foto impressa e colada em um papel rígido, costurei sobre o rosto na fotografia com linha preta, deixando que o restante da linha se embaraçasse, criando o emaranhado de fios sobre o resto da página. Depois disso, levei a prancha até um scanner caseiro e digitalizei a imagem, tratando contraste e nitidez em software de edição de imagens.

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Fig.119

Fig.121

Retrato original e intervenções sobre foto, 2014

Processo de costura, 2014

Thiago Lima

Thiago Lima

Fig.120

Fig.122

Costura sobre o retrato impresso, 2014

Autorretrato, 2014

Thiago Lima

Thiago Lima

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Fig.123

Introdução

Conta Gotas, 2014 Thiago Lima

O texto de introdução é de minha autoria. Ele faz parte de um outro montante de palavras que, por vezes, servem como desabafo, ora publicados no meu blog, ora silenciados em arquivos mortos. A proposta do texto escolhido é ser uma síntese sobre o conteúdo da publicação, de modo que as proposições não sejam tão dispersas da proposta em si e consigam exercer um poder maior de interpretação do público, afinal, espero que esse material possa ser acessível ao mais variado público. Abaixo, o texto: Alma ausente e corpo indisposto, é o início de mais um dia constante e regrado. A primeira refeição é engolida como pílula e os rituais cotidianos seguem sua ausência de sentido. É difícil entender tal rigidez, se naturalmente os dias caminham feito dança, curvilíneos e irregulares. Ao sair na rua, os mesmos semblantes apáticos, os passos rápidos, as vitrines mobile. As inebriais curvas do processo são caladas por um cenário indolente, paredes frias e pequenos recortes de céu. A vida passa a ser contada

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em ponteiros, os prazeres, dos grandes aos pequenos, tornam-se endemoninhados. O real transmuta-se em combustível de simulacros, e o que antes era abundante torna-se sonho de consumo, por vezes utópico. Forçosamente uma cegueira invade os corpos, mas a sede permanece indócil, selvagem. Por ora, esse é o nosso bem em comum, compartilhado em conta gotas. (LIMA, Thiago, 2014)

Fig.124 Esboço (conta gotas), 2014 Thiago Lima

Fig.125 Texto (conta gotas), 2014 Thiago Lima

A imagem que acompanha o texto apresenta um personagem no transporte público, ausente sobre linhas, resultando em maior consistência material aos prédios e estofados do transporte do que em sua própria construção, sugerindo ausência. O personagem apresenta menos peso gráfico do que as imagens que o cercam. Em síntese, ele apresenta “menor importância” com relação ao que está em volta.

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Sobre os ninhos “Hoje, diante de inúmeros holocaustos, algumas engrenagens conquistam pequenas baias próximas a Deus, por vezes o céu quase toca suas cabeças, assim como o sentimento de honra regada a leves chibatadas mensais.” Esse foi o texto que norteou o conceito da imagem, mas apesar de fazer menção a prédios, item já contemplado na publicação, gerava um entendimento muito prioritário a esse tipo de moradia. Sendo assim, encontrei na caixa de fósforos, por sua fragilidade e qualidade de ser compacta, a melhor metáfora para a representação dessa ideia. O que são as casas senão um lar, a extensão material de um indivíduo. É nesse ninho que é colocada em prática sua intimidade, o descanso e o recolhimento. Esse espaço precisa ser preservado e, antes de tudo, necessita ser um espaço. Percebo que a cada dia as premissas básicas de sobrevivência tornam-se mais um produto, o que deveria ser um direito se tornou privilégio de

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Sobre os cárceres e o direito de permanecer calado poucos, um espaço sem tom de lar, um dormitório pós trabalho, barracos, lonas e, nos melhores casos, 29m2 pra dispor uma ou mais vidas. A imagem foi construída a partir de uma fotografia de uma caixa de fósforos encontrada na internet. Fiz modificações e adaptações no formato, rótulo e cor, por fim adaptei ilustrações com um brush, que simula lápis de cor. Fig.126 Sobre os ninhos, 2014 Thiago Lima

“Antes fosse a mordaça o instrumento de domesticação.” Acredito que muitas falhas no convívio social se dão principalmente por nossas escolhas pessoais (ou a falta delas). Me refiro a isso como se estivéssemos sobre a tutela de um outro, como se o medo de perder ou de se reinventar gerasse uma incapacitação geral, uma domesticação sem dono evidente, um sistema. A meu ver, a domesticação social está mais ligada ao medo e ao modo como seremos vistos após nos rebelarmos contra as tradições e vícios de comportamento coletivo. A imagem proposta retrata a estabilidade de um amontado de pássaros que permanecem estáticos mesmo sem redoma ou grades. A ilustração foi executada digitalmente e a gaiola feita com clips e pedaços de papel laminado. Depois de estruturada, foi digitalizada com o intermédio de um scanner caseiro e tratada em software de edição de imagens, sendo sobreposta sobre a ilustração dos pássaros.

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Fig.127 Sobre os cárceres e o direito de permanecer calado, 2014 Thiago Lima

Fig.128 Processos e documentações, 2014 Thiago Lima

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Sobre a casca, o invólucro da obsolescência

Sobre as escolhas e as inúmeras opções de fardo

“Quando o único tesouro no baú é a nascente de imensuráveis cascatas.” “Aos direitos humanos, essenciais até a próxima coleção.” O corpo humano é a medida de todas as coisas, mas percebe-se na contemporaneidade uma supervalorização do corpo na sua materialidade em distância com sua essência. Os padrões estéticos hoje valem mais que a consciência, a coerência e o trato. O corpo, a meu ver, é o veículo de algo maior e mais significativo, mas torna-se a cada dia objeto de julgamento e mediador efêmero das relações. Na representação dessa imagem, contemplo a fragilidade de um indivíduo em sua interioridade, numa solução gráfica que sugere outras leituras além de um peito aberto revelando um outro dentro de si. A imagem foi executada em pintura digital.

Fig.129 Sobre a casca, o invólucro da obsolescência, 2014 Thiago Lima

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Diálogos poéticos, 2012 Thiago Lima

Nas minhas idas e vindas pela cidade já presenciei e fui abordado por muitos moradores de rua. Notei que nas periferias da cidade isso não é tão comum, ou ao menos não tão rotineiro quanto nos grandes centros, ao passo que nos bairros de luxo essas pessoas sequer permanecem. A experiência e a presença desses habitantes na paisagem urbana me gerou outra percepção: o modo como pessoas bem estabelecidas socialmente lidam com isso, como costumam achar que a miséria é falta de esforço, logo depois que um pedinte os aborda na mesa do bar ou num passeio pela paulista, por exemplo. É como se no nascimento o universo nos horizontalizasse e nos desse as mesmas ferramentas e oficinas para construir uma vida de acordo com nossas preferências, quando, na verdade, a realidade destoa totalmente disso.

A imagem síntese desse conceito é simples, assim como achei que deveria ser. Com um pincel digital utilizei o tecido de um vestido (sugerindo uma personagem de uma classe beneficiada) como extensão e um barraco ou cabana para outro personagem. Os dois dividem um mesmo cenário, mas a hierarquia estabelecida na imagem define o que seria uma prioridade de visualização em relação convergente com nossa realidade.

Fig.131 Sobre as escolhas e as inúmeras opções de fardo, 2014 Thiago Lima

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Sobre as doutrinas e a versatilidade de cruzes “Em nome do pai, do filho, do espírito santo e assim segue...” O ensaio retrata de modo alusivo as pontes sistêmicas e doutrinas que nos prendem, mesmo que de forma inconsciente, à sociedade. Os fios de linha vermelha sufocam o indivíduo pelo pescoço e exercem certa incapacitação sobre o mesmo, permanecendo-se imóvel, como se um passo em falso fosse o suficiente para a asfixia. A execução da imagem foi constituída primeiramente sobre um “autoensaio” fotográfico, partindo das escolhas das fotos e finalizado em um software de edição de imagens.

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Sobre a identidade

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Fig.132 Nice to meet you/ Nice to meet you too, 2014

“Diga-lhes o que levas entre as pernas e te dirão quem és.” Esse é um trabalho antigo, cujo desenho no sketchbook me fez refletir sobre sua participação no livro de artista Barriga d’água. A ideia dessa ilustração é o questionamento sobre gênero e sexualidade, apresentando uma figura feminina com rosto substituído por uma vagina e, por sua vez, a figura masculina com um pênis. A execução da imagem se deu com finalização de um desenho feito à mão em um software de edição de imagens. A técnica utilizada foi a pintura digital.

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Fig.134 Processo e documentação 2014 Thiago Lima

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Fig.135 Fig.133

Sobre as doutrinas e a versatilidade de cruzes, 2014

Esboço, 2014

Thiago Lima

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Sobre estar só (e as possíveis válvulas de escape) “Todo vazio é um recipiente que transborda”

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Sobre a empatia

O que seria de nós sem a referência do outro? Como poderíamos suprir nossas necessidades íntimas sem a presença de um terceiro como elegível a nossas expectativas, sem os vícios, sem o apêndice de algo? A questão e crítica levantadas se destinam aos métodos que encontramos para fugir ou suprir essas necessidades, desde o cigarro até o compartilhamento de nossas vidas íntimas com outras pessoas. Seria possível existir um equilíbrio sobre os desdobramentos de nossos pensamentos? A solução encontrada para o tema proposto sugere uma passagem no fundo de um copo, numa expressão lúdica sobre um indivíduo que, supostamente, busca uma saída. A técnica utilizada é pintura digital.

“Amai os outros como a si mesmo” Utilizando a mitologia do Narciso, tema muito frequente em meu trabalho, optei pela utilização de uma sátira sobre o tema, tornando o cenário da história um lugar comum, cotidiano. A execução da imagem se deu com a finalização de um desenho feito à mão em um software de edição de imagens. A técnica utilizada foi a pintura digital. 137

Fig.136

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Narciso, 2014

Fig.138

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Sobre estar só (e as possíveis válvulas de escape), 2014 Thiago Lima

Fig.137 Processo, 2014 Thiago Lima

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Sobre a violência “Mata mais que a morte” A frase acima é de autoria da avó de um grade amigo e se destina à inveja. Nesse aspecto, apropriei-me carinhosamente do termo para desenvolver um pôster no sentido mais amplo palavra. A síntese da imagem foi construir uma espada ou adaga com os elementos língua (sobre a fala sem averiguação, a injúria e a calúnia), os olhos (sobre o julgamento calado), os dedos apontando (sobre o julgamento literal). A execução da imagem partiu de um ensaio fotográfico e também da coleta de imagens na internet dos itens citados acima. A técnica é colagem digital. 141

Sobre as necessidades morais e os dias em que não nos declaramos Fig.139 Mata mais que a morte, 2014 Thiago Lima

Fig.140 Esboços preliminares, 2014 Thiago Lima

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Fig.141 Sobre as necessidades morais e os dias em que não nos declaramos, 2014

Nesse conceito está a ideia de funcionalismo, das exigências e atividades morais que se sobressaem sobre nossas vontades ou incapacitações emocionais. Em sentido mais amplo há, também, um questionamento sobre a continuidade cega de nossas rotinas, sobre os dias em que não estamos dispostos a dar mais daquilo que não faz parte de nós verdadeiramente e, acima de tudo, sobre a recusa das conveniências. A técnica utilizada na imagem é pintura digital.

Thiago Lima

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Fig.143 Fig.142

Sobre as possibilidades (em 10x sem juros)

Sobre as possibilidades (em 10x sem juros), 2014 Thiago Lima

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O que nos faz pensar que o pôr do sol em outro canto é mais bonito do que o lugar onde estamos, se em tese o céu é o mesmo? A questão levantada permeia a supervalorização de lugares e culturas respaldadas por ferramentas de marketing de venda. Os recursos naturais, em tese nossos, nos são vendidos como oasis paradisíacos e reforçam a ideia do peso de sobrevivência nas grandes cidades. O que deveria ser o lar torna-se um inferno estendido até as férias. A sátira e a apropriação de anúncios de viagens é a ferramenta de questionamento sobre a publicidade cognitiva imposta sobre nós.

Sobre as inclusões (e as mentiras envoltas em obrigatoriedade)

Sobre as inclusões (e as mentiras envoltas em obrigatoriedade), 2014 Thiago Lima

Até onde vai a aceitação das diferenças no corpo social? Há, claramente, um disfarce, ora vestido de entretenimento, ora em falso engajamento social. A crítica na imagem proposta se dá nas divisões de planos da imagem, onde as minorias aparecem camufladas secundariamente na paisagem. A técnica utilizada é colagem digital com imagens coletadas na internet ou compradas de bancos de imagem.

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Sobre a Infância Lonas, grades, muros e telas, é fácil identificar onde estão as crianças dessa cidade. Diante dessa espécie de cativeiro recreativo, propus uma reflexão sobre essa condição em forma de imagem. A colagem digital, feita a partir de materiais e uma fotografia de minha autoria, exercem sobre a temática uma colocação parcialmente literal. A moldura construída a partir de fita adesiva, a lona confeccionada sobre um software de imagens e a fotografia de uma boneca quebrada aludem à fragilidade da infância no contexto metropolitano. Para protegê-la de um perigo iminente , ela é trancanda em um cativeiro.

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Fig.144 Sobre a infância, 2014 Thiago Lima

Sobre a parte que te cabe neste latifúndio Desde que passei a morar no centro de São Paulo, percebi uma certa dificuldade em enxergar o céu em expansão. A vista, na maioria das vezes, se dá por meio de recortes em que prédios e janelas se transformam em molduras. Em 2010, fiz uma série de fotos do centro de São Paulo, intituladas “Olhai por nós”, e esse mesmo tema foi recorrente. Com a sobra desse ensaio, surgiu a vontade de criar uma nova leitura sobre essa sensação de receber em conta gotas os fragmentos, na minha opinião, de umas das coisas mais lindas que temos. A técnica utilizada na imagem é híbrida, constituída de recortes de fotografias e uma ilustração de minha autoria.

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Fig.146 Sobre a parte que te cabe neste latifúndio, 2014 Thiago Lima

Fig.147 Ensaio fotográfico “Olhai por nós”, 2010 Thiago Lima

Fig.145 Ensaio fotográfico, 2013 Thiago Lima

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Sobre a gerência

Fig.148 Sobre a gerência, 2014 Thiago Lima

Fig.149 Processos, 2014 Thiago Lima 149

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A necessidade de ser, ter e atender às expectativas de uma sociedade são inerentes até sobre nossa personalidade. Recebemos um bombardeio diário de promoções, condutas e “dicas” para ser melhor aceito em determinado ciclo, trabalho ou qualquer outra associação civil. Entretanto, temos saídas para regular o humor, a simpatia e até mesmo a disposição quando já não conseguimos nos manter em pé. Considero isso um desrespeito sobre si e sobre as outras pessoas que também podem vir a passar por isso. Sendo assim, a imagem desenvolvida sobre o tema propõe ao leitor uma gerência sobre si mesmo, sobre consumir apenas aquilo que lhe cabe honestamente, sem intermédio de pressões ou conveniências. A técnica utilizada é uma edição de imagem sobre uma fotografia de minha autoria.

Sobre o egoísmo (e as lições para uma vida plena, serena e feliz) Certa vez, estava deitado em minha cama lendo o livro “Da tranquilidade da alma”, do filósofo Sêneca. Após a leitura, deitei o livro sobre o peito e na quarta capa da publicação estava a frase: “Lições para uma vida plena, serena e feliz”. Aquilo foi inusitado, pois uma das extremidades do livro apontava para o meu umbigo. A partir desse insight, uma reflexão me veio a mente: em tempos como o nosso, olhar para o próprio umbigo é uma forma de se ausentar dos problemas que vivemos diariamente, como se uma única verdade fosse suficiente para delimitar uma realidade. A partir disso , utilizei o ocorrido como reflexão e decidi compartilhá-la no livro.

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Fig.150 Sobre o egoísmo (e as lições para uma vida plena, serena e feliz), 2014 Thiago Lima

Fig.151 Documentação, 2014 Thiago Lima

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Fig.152 Sobre os pré conceitos (e as indisposições

Sobre os pré-conceitos (e as indisposições empáticas)

empáticas), 2014 Thiago Lima

Como seriam as relações se o primeiro contato entre as pessoas não fosse visual? Nos disponibilizaríamos a entender ou tentar um diálogo com o desconhecido? Teríamos medo da aproximação de alguém que consideramos perigoso? E a atração, a partir de que ímpeto se daria?

Sobre a experiência

Fig.153 Trecho do texto “ Liberdade de prateleira”,

O trecho do texto de minha autoria, “liberdade de prateleira”, utilizado no penúltimo fólio prático do livro de artista, é uma crônica cuja temática aborda o conceito de liberdade utópica. O advogado, personagem em primeira pessoa, faz um levantamento de suas escolhas de vida até a sua velhice, fase atual em que se encontra. O trecho foi escolhido como endosso e reflexão para os que convivem com questões próximas às proposições do livro Barriga d’água.

de Thiago Lima, 2014 Thiago Lima

A técnica utilizada: ilustração digital.

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Sobre atoar-se Fig.154

E não atuar, vivendo como elemento de paisagem.

Diálogos poéticos e processos, 2014 Thiago Lima

Técnica: ilustração digital

Fig.155 Sobre atoar-se, 2014 Thiago Lima 154

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Considerações Finais


Considerações Finais

Considerações Finais

Como visto no decorrer da fundamentação deste trabalho, a denominação livro de artista, caderno ou livro-objeto depende das proposições de quem o concebe ou da visão de quem obtém a publicação e a encara como tal. Apesar do cunho artístico apresentado nas publicações dos entrevistados, a definição categórica e até mesmo o título de artista causa certo incômodo e é indiferente na prática. Nos estudantes de comunicação visual, esse conflito é ainda mais claro por conta do debate acadêmico específico na ponte entre as duas vertentes. De todo modo, existe uma preocupação com a produção e veiculação desse material, há uma intenção de expor e difundi-lo entre um público, que por sua vez é livre. Podemos perceber isso na fala dos artistas e autores entrevistados, que demonstram que o interesse da publicação é a propagação de ideias e as ligações intelectuais e artísticas que esse veículo pode proporcionar. Nessa ótica, até mesmo a preocupação sobre formato e dissolução dos livros se põe clara: é preciso pensar com certa praticidade o suporte, para que não haja empecilhos na distribuição das publicações. Sendo assim, é impossível desmembrar esses e o meu trabalho dos conceitos de livro de artista vistos ao longo da pesquisa. O viés continua sendo democrático e abarca a vontade de inserção no corpo social, assim como os artistas conceituais dos anos 1960 e 1970 pensaram o livro. Não à toa, situo aqui a mesma frase de Duchamp citada na epígrafe desse trabalho: “É um livro de artista se o artista o fez ou se o artista diz que é”, pois essa foi a melhor definição para o assunto diante do parecer

dos entrevistados, e mais que isso, exemplifica claramente os desdobramentos e práticas do livro de artista na contemporaneidade. Em suma, a obra mantém o formato de livro, revista, HQ ou até mesmo bloco de notas, mas seu conteúdo reflete perfeitamente a visão de um artista, sobre o livre ato de expressar-se para com os seus. O ato de absorver e devolver a um público sua visão pessoal, carregada de poética sobre questões externas, também pertencentes ao outro. Sendo assim, concluo por ora a minha pesquisa e produção prática sobre o tema, uma publicação artística múltipla, democrática e acessível a um público amplo e sem distinções. As informações desse trabalho pretendem ser úteis para outros estudantes e pesquisadores na desmistificação das pontes entre arte e comunicação, sendo de maior importância no período em que vivemosa veiculação de ideias que confrontam o modo funcional que levamos a vida, seja na metrópole, seja em qualquer outro lugar.

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Lista de Imagens

Lista de Imagens

Fig.1

“Study for ‘Elles’ (Woman in a Corset)”, 1864. Henri De Toulouse-Lautrec. Fonte: Toulouse Lautrec Foundation......................................................... 23 Disponível em: <http://goo.gl/SKuisK> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.11 “Two Children Are Threatened by a Nightingale”, 1924. Max Ernest. Fonte: MoMA.............................................................................................. 29 Disponível em: <http://goo.gl/uIhQ52> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.2

“The Joy of Life”, 1906. Henri Matisse. Fonte: WikiPaintings.................................................................................. 23 Disponível em: <http://goo.gl/qx2hxx> Acesso em: Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.12 “Monogram”, 1955-59. Robert Rauschenberg. Fonte: Centre Pompidou............................................................................ 33 Disponível em: <http://goo.gl/P5iR6u> Acesso em: 09 de Abril. 2014.

Fig.3

“Seated Lady”, 1907. Ernst Ludwig Kirchner. Fonte: WikiPaintings.................................................................................. 23 Disponível em: <http://goo.gl/cgYrE2> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.4

“Still life with the caned chair”, 1912. Pablo Picasso. Fonte: WikiPaintings.................................................................................. 25 Disponível em: <http://goo.gl/Nhkq3C> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.5

“Fontain”, 1917. Marcel Duchamp. Fonte: WikiPaintings.................................................................................. 25 Disponível em: <http://goo.gl/kMrGe6> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.6

“Collage with Squares Arraged According to the Laws of Chancen”, 1917. Jean (Hans) Arp. Fonte: WikiPaintings.................................................................................. 27 Disponível em: <http://goo.gl/xLyqnV> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.7

“ABCD”, 1920. Hans Hausmann. Fonte: The Metropolitan Museum of Art................................................... 27 Disponível em: <http://goo.gl/1n7Gvp> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.8

“Indian Dancer: From an Ethnographic Museum”, 1930. Hans Hausmann. Fonte: MoMa.............................................................................................. 27 Disponível em: <http://goo.gl/yPCHvt> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.9

“The old Motto of New Empire: Blood an Iron”, 1930. John Heatfield. Fonte: JohnHeartfield.(.com)..................................................................... 29 Disponível em: <http://goo.gl/5trCzu> Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.10 “Merzbau”, 1923. Kurt Schwitters. Fonte: WikiPaintings.................................................................................. 29 Disponível em: < http://goo.gl/H9IzED > Acesso em: 17 de Mar. 2014.

Fig.13 “I erased De Kooning”, 1953 | Robert Rauschenberg. Fonte: The Brown University Wiki Service 5.............................................. 33 Disponível em: <http://goo.gl/Ytdm34> Acesso em: 09 de Abril. 2014. Fig.14 “Flag”, 1954-55. Jasper Johns. Fonte: MoMA. ............................................................................................ 33 Disponível em: <http://goo.gl/iNOMvg> Acesso em: 09 de Abril. 2014. Fig.15 “I was a Rich Man’s Plaything”, 1947. Eduardo Paolozzi. Fonte: MoMA.............................................................................................. 35 Disponível em: <http://goo.gl/UNYf07> Acesso em: 18 de Março. 2014. Fig.16

“Just what is it that makes today’s homes so different, so appealing?”, 1956 | Richard Hamilton. Fonte: PHADON.......................................................................................... 35 Disponível em: < http://goo.gl/ECVYZb> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

Fig.17 “Poster for ‘This is Tomorrow’ exhibition”, 1956. Richard Hamilton. Fonte: PHAIDON........................................................................................ 35 Disponível em: < http://goo.gl/on7oxN> Acesso em: 10 de Abril. 2014. Fig.18 “Still Life #30”, 1963. Tom Wesselman. Fonte: MoMA.............................................................................................. 36 Disponível em: <http://goo.gl/EdtKnp> Acesso em: 10 de Abril. 2014. Fig.19 “In The Car”, 1963. Roy Lichstenstein. Fonte: Paints-Art_Picture.......................................................................... 36 Disponível em: <http://goo.gl/gQSbIw> Acesso em: 10 de Abril. 2014. Fig.20 “Floor Cake”, 1962. Claes Oldenburg. Fonte: MoMA.............................................................................................. 36 Disponível em: <http://goo.gl/0sd0fJ> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

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Lista de Imagens

Fig.21 “Campbell’s Soup Cans”, 1962. Andy Warhol. Fonte: Elmonomudo.................................................................................. 37 Disponível em: <http://goo.gl/ZAaUFl> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

Fig.31 “Fausto”, 1828. Goethe e Delacroix. Fonte: Artbook Presentations.................................................................... 52 Disponível em: <http://goo.gl/N1ytlE> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.22 “Marilyn Diptych”, 1962. Andy Warhol. Fonte: TATE. .............................................................................................. 37 Disponível em: <http://goo.gl/EwxBkr> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

Fig.32 “Saint Matorel”, 1911. Jacob e Picasso. Fonte: BNE................................................................................................. 53 Disponível em: <http://goo.gl/cAAaO4> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.23 “The Velvet Underground & Nico’ cover art”, 1967. Andy Warhol. Fonte: SPIN................................................................................................ 37 Disponível em: <http://goo.gl/geGbyr> Acesso em: 10 de Abril. 2014

Fig.33 “Foirades/Fizzles”, 1976. Becket e Johns Fonte: Manhattan Rare Book Company..................................................... 53 Disponível em: <http://goo.gl/UFsV0G> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.24 “One and Three Chairs”, 1967. Joseph Kosuth. Fonte: Studyblue........................................................................................ 40 Disponível em: <http://goo.gl/pvgxkj> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

Fig.34 “Feuilles De Route”, 1925. Tarsila do Amaral e Cendrars. Fonte: Class Connection............................................................................ 53 Disponível em: <http://goo.gl/yO6bst> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.25

“Inserções em circuitos ideológicos: Projeto cédula”, 1970-1976. Cildo Meireles. Fonte: Inhotim............................................................................................ 44 Disponível em: <http://goo.gl/cMTgtH> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

Fig.35

Fig.26

“Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola”, 1970. Cildo Meireles. Fonte: Inhotim............................................................................................ 45 Disponível em: <http://goo.gl/fzsQru> Acesso em: 10 de Abril. 2014.

Fig.36 “Um Lance de Dados”, 1897. Mallarmé. Fonte: My-OS............................................................................................. 54 Disponível em: <http://goo.gl/mZ6PxB> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.27 “Forster Codices, Volumes I, II and III”, Séc. XV e XVI. Leonardo Da Vinci. Fonte: British Tours................................................................................... 50 Disponível em: <http://goo.gl/xc4Jo0> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.28 “S/I”,. Leonardo Da Vinci. Fonte: British Tours................................................................................... 50 Disponível em: <http://goo.gl/D5oLni> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.29 “Song of Innocence and of Experience”, 1987. William Blake. Fonte: Leslie Holly..................................................................................... 50 Disponível em: <http://goo.gl/tqmDsb> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.30 “Kelmott Press”, 1890. William Blake. Fonte: VictorianWeb................................................................................... 52 Disponível em: <http://goo.gl/1F6Rmn> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

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“Jazz”, 1947. Matisse. Fonte: View Points..................................................................................... 54 Disponível em: <http://goo.gl/tbtGgL> <http://goo.gl/0JYEHw> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.37 “A Ave”, 1955. Wlademir Dias Pino. Fonte: Cairn............................................................................................... 54 Disponível em: <http://goo.gl/i9K52x> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.38 “Bira-Cage/ Albúm Tatuagem”, 1976. Edgard Braga. Fonte: Cairn............................................................................................... 57 Disponível em: <http://goo.gl/wXbsqc> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.39 “Pin-Up”, 1971. Walter Silveira. Fonte: Gramatologia.................................................................................. 57 Disponível em: <http://goo.gl/Q2tsBC> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.40 “Onde se vê”, 1983. Lenora de Barros. Fonte: MAC................................................................................................. 57 Disponível em: <http://goo.gl/aZuOt5> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

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Lista de Imagens

Fig.41 “Qorpo Estranho #2”, 1976. Fonte: Publicações Iara............................................................................. 58 Disponível em: <http://goo.gl/1FGbDn> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.52 “On-Off/ Técnica do Pincel”, 1974. Julio Plaza e Regina Silveira. Fonte: Gramatologia.................................................................................. 63 Disponível em: <http://goo.gl/kY8MQc> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.42 “Livro da Criação”, 1959. Lygia Pape. Fonte: Publicações Atmospheres of Uncertainty...................................... 58 Disponível em: <http://goo.gl/odf2pC> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.53 “Grupo Nervo Óptico” , S/I. Clóvis Dariano. Fonte: ESPM............................................................................................... 65 Disponível em: <http://goo.gl/x5AARO> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.43 “Objetos”, 1968. Julio Plaza e Haroldo Campos. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................... 59

Fig.54 “Revista Nervo Óptico #6”, 1977. Clóvis Dariano. Fonte: ESPM............................................................................................... 65 Disponível em: <http://goo.gl/D3uoWf> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

Fig.44 “Caixa Preta”, 1975. Julio Plaza e Augusto de Campos. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................... 59 Fig.45 “Casulo”, 1959. Lygia Clark. Fonte: MAC................................................................................................. 61 Disponível em: <http://goo.gl/ZcsenR> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.46 “Divino Maravilhoso”, 1971. Amélia Toledo. Fonte: Pinacoteca...................................................................................... 61 Disponível em: <http://goo.gl/lkH8pS> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.47 “Tweenty Six Gasoline Stations”, 1963. Ed Rusha. Fonte: 2Photo............................................................................................. 62 Disponível em: <http://goo.gl/r9HZ3e> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.48 “Tweenty Six Gasoline Stations”, 1963. Ed Rusha. Fonte: 2Photo............................................................................................. 62 Disponível em: <http://goo.gl/r9HZ3e> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.49 “Tweenty Six Gasoline Stations”, 1963. Ed Rusha. Fonte: Facing Energy................................................................................. 62 Disponível em: <http://goo.gl/yQMLVt> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.50 “Flux Year Book 2”, 1968. Fluxus. Fonte: Arts Connected............................................................................... 63 Disponível em: <http://goo.gl/c0QQTw> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.51 “0-24 horas” , 1973. Antonio Manuel. Fonte: Hell a Heaven.................................................................................. 63 Disponível em: <http://goo.gl/Df4GgR> Acesso em: 12 de Maio. 2014.

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Fig.55 “Revista Nervo Óptico #12”, 1978. Clóvis Dariano. Fonte: ESPM............................................................................................... 66 Disponível em: <http://goo.gl/hEjuNU> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.56 “Edições Nervo Óptico”. Fonte: ESPM............................................................................................... 66 Disponível em: <http://goo.gl/YiRBo0> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.57 “Da Capo”, 1969. Vera Chave Barcellos. Fonte: Gramatologia.................................................................................. 66 Disponível em: <http://goo.gl/4mHgA5> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.58 “Momento Vital”, 1979. Vera Chave Barcellos. Fonte: Gramatologia.................................................................................. 67 Disponível em: <http://goo.gl/4mHgA5> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.59 “Carta a un General”, 1963. León Ferrari. Fonte: Museo de Arte del Banco de la República..................................... 67 Disponível em: <http://goo.gl/x5gjoF> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.60 “Notebook on Water”, 1965-66. Joseph Kosuth. Fonte: The Five Colleges of Ohio............................................................... 67 Disponível em: <http://goo.gl/WRTXRJ> Acesso em: 12 de Maio. 2014. Fig.61 “Cadernos Livros”, 1998-2004. Artur Barrio. Fonte: Inhotim............................................................................................ 68 Disponível em: <http://goo.gl/oVPLwN> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

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Lista de Imagens

Fig.62 “Livro Carne”, 1978-1979. Artur Barrio. Fonte: Bicicleta Galbena............................................................................ 68 Disponível em: <http://goo.gl/9gtecC> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.72 “Edições João Pereira”, S/I. Fonte: Graphias.......................................................................................... 74 Disponível em: <http://goo.gl/Pd2B9y> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.63 “O olho do Prisioneiro”, 1975. Artur Matuck. Fonte: Harper’s Books............................................................................... 69 Disponível em: <http://goo.gl/LlGRbl> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.73 “Tipologia de livros de artista no século XIX e XX”, 1982. Julio Plaza. Fonte: Revista Arte em São Paulo #6, pg. 6-7........................................... 78 Disponível em: <http://goo.gl/6i7TCF> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.64 “Auto-Photos”, 1978. Gretta. Fonte: Shokayem....................................................................................... 69 Disponível em: <http://goo.gl/Yqt0Rc> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.74 “Feira Plana II (1)”, 2014. Produção Própria. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................... 81

Fig.65 “O Damador de Boca”, 1978. Ivald Granato e Ulisses Carrión. Fonte: laconicyouth.................................................................................... 69 Disponível em: <http://goo.gl/RVhgby> Acesso em: 13 de Maio. 2014. Fig.66 “Narcisse”, 1984. Hudinilson Jr. Fonte: Pinacoteca...................................................................................... 71 Disponível em: <http://goo.gl/e4L2Rp> Acesso em: 13 de Maio. 2014. Fig.67 “Bruscky Invent’s”, S/I. Paulo Bruscky. Fonte: Perspectivas................................................................................... 71 Disponível em: <http://goo.gl/5iXAMU> Acesso em: 13 de Maio. 2014. Fig.68 “Mock-up draft of title page for Xerox Book”, 1968. Seth Siegelaub. Fonte: MoMA.............................................................................................. 72 Disponível em: <http://goo.gl/rpDpao> Acesso em: 13 de Maio. 2014. Fig.69 “Edições Avalanche”, Willoughby Sharp. Fonte: Amazon........................................................................................... 73 Disponível em: <http://goo.gl/z7ZeZf> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

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Fig.70

“Política: Ele Não Acha Mais Graça no Público das Próprias Graças”, 1979. Antonio Dias. Fonte: MAC BA........................................................................................... 73 Disponível em: <http://goo.gl/38o3q6> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.71

“Geometria Anárquica, a Má Vontade Construtiva e mais Nada”, 1980. Paulo Herkenhoff. Fonte: UFRJ............................................................................................... 73 Disponível em: <http://goo.gl/bzKvru> Acesso em: 13 de Maio. 2014.

Fig.75 “Feira Plana II (2)”, 2014. Produção Própria. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................... 81 Fig.76 “Feira Plana II (3)”, 2014. Produção Própria. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................... 81 Fig.77

“Fechado para Reforma / 2a Edição”, 2013. Eduardo Sancinetti e Gustavo Lacerda. Fonte: Vendo-me Editora........................................................................... 85 Disponível em: <http://goo.gl/cJCyYj> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.78 “Nossa Primeira Oficina”, 2008. Tania Rego. Fonte: Dulcinéia Catadora......................................................................... 88 Disponível em: <http://goo.gl/CIdzGA> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.79 “Alguns Exemplares da Coleção”, S/I. Fonte: Dulcinéia Catadora......................................................................... 88 Disponível em: <http://goo.gl/Zemsfh> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.80 “O Abrigo e o Terreno/ Expo MAR”, 2013. Thiago Zeug. Fonte: Dulcinéia Catadora......................................................................... 89 Disponível em: <http://goo.gl/jChOru> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.81

“Turnê-Feira de artes impressas e publicações, Rio de Janeiro”, 2012. Fabio Morais. Fonte: Dulcinéia Catadora......................................................................... 89 Disponível em: <http://goo.gl/ucvOuc> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.82 S/I. Fonte: Dulcinéia Catadora......................................................................... 89 Disponível em: <http://goo.gl/BHcLhw> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

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Lista de Imagens

Fig.83 “#1 Montanhas (1)”, 2013. Natasha Weissenborn. Fonte: Natasha Weissenborn..................................................................... 91 Disponível em: <http://goo.gl/hZodML> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.93 “Mapa em Duas Linhas(1)”, 2014. Vânia M. e Paul Glory. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 96 Disponível em: <http://goo.gl/kAzYl2> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.84 “#1 Montanhas (2)”, 2013. Natasha Weissenborn. Fonte: Natasha Weissenborn..................................................................... 91 Disponível em: <http://goo.gl/hZodML> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.94 “Mapa em Duas Linhas(2)”, 2014. Vânia M. e Paul Glory. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 97 Disponível em: <http://goo.gl/kAzYl2> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.85 “#2 (1)”, 2014. Natasha Weissenborn. Fonte: Natasha Weissenborn..................................................................... 92 Disponível em: <http://goo.gl/hZodML> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.95 “Mapa em Duas Linhas(3)”, 2014. Vânia M. e Paul Glory. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 97 Disponível em: <http://goo.gl/kAzYl2> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.86 “#2 (2)”, 2014. Natasha Weissenborn. Fonte: Natasha Weissenborn..................................................................... 92 Disponível em: <http://goo.gl/hZodML> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.96 “Mapa em Duas Linhas(4)”, 2014. Vânia M. e Paul Glory. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 97 Disponível em: <http://goo.gl/kAzYl2> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.87 “#1 Montanhas (4)”, 2013. Natasha Weissenborn. Fonte: Natasha Weissenborn..................................................................... 93 Disponível em: <http://goo.gl/hZodML> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.97 “Projections/mirror”, 2014. Larissa Monteiro. Fonte: Larissa Monteiro............................................................................. 99 Disponível em: <http://goo.gl/8nxWil> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.88 “#2 (14)”, 2014. Natasha Weissenborn. Fonte: Natasha Weissenborn..................................................................... 93 Disponível em: <http://goo.gl/hZodML> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.98

“I will paint your eyes, when i know your soul; gaze and hollow eyes (1)”, 2014. Larissa Monteiro. Fonte: Larissa Monteiro............................................................................. 99 Disponível em: <http://goo.gl/kZqtne> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.99

“I will paint your eyes, when i know your soul; gaze and hollow eyes (2)”, 2014. Larissa Monteiro. Fonte: Larissa Monteiro............................................................................. 99 Disponível em: <http://goo.gl/kZqtne> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

Fig.89 “Zine Piranha”, 2014. Vânia M. e Aldo Repetto. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 95 Disponível em: <http://goo.gl/fIOxRl> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.90 “Zine Piranha”, 2014. Vânia M. e Hke Koblitz. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 95 Disponível em: <http://goo.gl/fIOxRl> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.91 “Zine Piranha”, 2014. Vânia M. e Moacyr Campello. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 96 Disponível em: <http://goo.gl/fIOxRl> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.92 “Zine Piranha”, 2014. Vânia M. e Mariana Zanetti. Fonte: Vânia Medeiros............................................................................... 96 Disponível em: <http://goo.gl/fIOxRl> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

160

Fig.100 “I will paint your eyes, when i know your soul; gaze and hollow eyes (3)”, 2014. Larissa Monteiro. Fonte: Larissa Monteiro............................................................................. 99 Disponível em: <http://goo.gl/kZqtne> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.101 A Mulher que ia Navegar”, 2014. João Rabello. Fonte: Quadrinhos Perturbados.............................................................. 101 Disponível em: <http://goo.gl/7csh4G> Acesso em: 16 de Abril. 2014.

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Lista de Imagens

Fig.102 “A Mulher que ia Navegar”, 2014. João Rabello. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 101 Fig.103 “A Mulher que ia Navegar”, 2014. João Rabello. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 101 Fig.104 “Panis”, 2014. João Rabello. Fonte: Quadrinhos Perturbados.............................................................. 101 Disponível em: <http://goo.gl/l17MA6> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.105 “Patriarcal”, 2012. Flavio Grão. Fonte: Flavio Grão.................................................................................... 103 Disponível em: <http://goo.gl/hPBnSx> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.106 “Cortex”, 2011. Flavio Grão. Fonte: Flavio Grão.................................................................................... 103 Disponível em: <http://goo.gl/SRB50s> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.107 “Capa Zine Lado R #9”, 2010. Flavio Grão. Fonte: Flavio Grão.................................................................................... 104 Disponível em: <http://goo.gl/oEvrY5> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.108 “A Mitologia do Descompasso (livro+Zine)”, 2010. Flavio Grão. Fonte: Flavio Grão.................................................................................... 104 Disponível em: <http://goo.gl/kdm4sy> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.109 “A Mitologia do Descompasso (livro+Zine)”, 2010. Flavio Grão. Fonte: Flavio Grão.................................................................................... 105 Disponível em: <http://goo.gl/VY8aCo> Acesso em: 16 de Abril. 2014. Fig.110 “Brushes Digitais”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 111 Fig.111 “Formato”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 111 Fig.112 “Esboço base / Capa Barriga d’água”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 112 Fig.113 “Capa Barriga d’água”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 112

162

Fig.114 “Alterância”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 113 Fig.115 “Nós (fragmento de processo)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 114 Fig.116 “Nós”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 114 Fig.117 “Sumário Barriga d’água”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 115 Fig.118 “Velik”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 115 Fig.119 “Retrato original e intervenções sobre foto”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 116 Fig.120 “Costura sobre o retrato impresso”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 116 Fig.121“Processo de costura”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 116 Fig.122 “Autorretrato”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 117 Fig.123 “Conta Gotas”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 118 Fig.124 “Esboço (conta gotas)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 119 Fig.125 “Texto (conta gotas)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 119 Fig.126 “Sobre os ninhos”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 120 Fig.127 “Sobre os cárceres e o direito de permanecer calado”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 121

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Lista de Imagens

Fig.128 “Processos e documentações”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 121

Fig.142“Sobre as possibilidades (em 10x sem juros)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 130

Fig.129 “Sobre a casca, o invólucro da obsolescência”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 122

Fig.143“Sobre as inclusões (e as mentiras envoltas em obrigatoriedade)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 131

Fig.130 “Diálogos poéticos”, 2012. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 122 Fig.131 “Sobre as escolhas e as inúmeras opções de fardo”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 123 Fig.132 “Nice to meet you/ Nice to meet you too,”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 124 Fig.133 “Esboço”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 124 Fig.134 “Processo e documentação”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 125 Fig.135 “Sobre as doutrinas e a versatilidade de cruzes”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 125 Fig.136“Narciso”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 126 Fig.137“Processo”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 126 Fig.138“Sobre estar só (e as possíveis válvulas de escape)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 127 Fig.139“Mata mais que a morte”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 128 Fig.140“Esboços preliminares”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 128 Fig.141“Sobre as necessidades morais e os dias em que não nos declaramos”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 129

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Fig.144“Sobre a infância”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 132 Fig.145“Ensaio fotográfico”, 2013. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 132 Fig.146“Sobre a parte que te cabe neste latifúndio”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 133 Fig.147“Ensaio fotográfico “Olhai por nós”, 2010. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 133 Fig.148“Sobre a gerência”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 134 Fig.149“Processos”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 134 Fig.150“Sobre o egoísmo (e as lições para uma vida plena, serena e feliz)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 135 Fig.151“Documentação”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 135 Fig.152“Sobre os pré conceitos (e as indisposições empáticas)”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 136 Fig.153“Trecho do texto ‘Liberdade de prateleira’”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 137 Fig.154“Diálogos poéticos e processos”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 139 Fig.155“Sobre atoar-se”, 2014. Thiago Lima. Fonte: Acervo Pessoal............................................................................. 139

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Thiago Araujo lima 2014


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