Revista R - Número 2

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Número 2 | Junho.2011 | R$ 5

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Publicação da Juventude do PSTU


REvista Reflita REsista REaja REbele-se

REvolucione


Revoluções ACONTECEM


No alto, Egito; no centro, Portugal; abaixo, Inglaterra.


APRESENTAÇÃO

O

ano de 2011 nem chegou à metade, mas já está marcado por fatos extraordinários. No mundo árabe, jovens e trabalhadores fizeram o que meses antes talvez fosse impensável: derrubaram ditaduras de décadas na luta por seu futuro. Naquela região, os índices de desemprego são altíssimos entre a juventude, mesmo havendo entre eles maior escolaridade que a da geração de seus pais. Em Portugal, a mobilização da juventude foi fundamental para derrotar um novo pacote de ajuste econômico e chegou a derrubar o primeiroministro daquele país. Em várias cidades brasileiras, os estudantes foram às ruas contra o aumento da passagem e pelo passe-livre. Em Rondônia, milhares de operários da construção civil se levantaram contra as péssimas condições de trabalho impostas pelas grandes construtoras com a cumplicidade do governo petista nas obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. A juventude do PSTU se inspira e está presente em várias dessas lutas. Estamos

juntos no dia a dia do movimento estudantil e dos trabalhadores com aqueles que não trocaram seus sonhos por meia dúzia de cargos. É por isso que estaremos presentes também no Primeiro Congresso da ANEL, uma entidade livre e independente que nós apoiamos e impulsionamos. Todos esses processos chocam-se, em diferentes graus, com um inimigo comum: o capitalismo. A insaciável necessidade de lucro da burguesia exige passagens de ônibus cada vez mais altas, exige um ritmo de trabalho alucinante, exige que democracias e ditaduras ataquem os direitos dos trabalhadores e da juventude. Se é assim, o que devem fazer os que acreditam que as coisas podem ser diferentes? Em primeiro lugar, é preciso saber aonde queremos chegar. Por isso, o primeiro artigo da revista R é A atualidade da revolução, de João Ricardo Soares, lembra os acontecimentos no mundo árabe e reflete sobre as lições que podem ser tiradas pelos revolucionários. O segundo artigo, A sucessão de gerações e o papel da juventude nas revoluções do século XXI, escrito por Euclides de

Agrella, trata das sucessivas gerações de revolucionários que mantiveram hasteada a bandeira do socialismo e de como é fundamental que hoje a juventude aprenda com a tradição revolucionária e se junte à classe trabalhadora na construção de outra sociedade. O artigo seguinte, escrito por André Freire, chama-se A juventude deve lutar pela revolução socialista e retoma um debate histórico da esquerda: a atuação dos revolucionários por dentro das instituições da democracia burguesa. Melhor ainda: com que estratégia os revolucionários devem atuar nas instituições burguesas, como o parlamento? Mas as vitórias de amanhã dependem do que fazemos hoje. Para o nosso partido, o socialismo é um sonho construído todos os dias. Nesse sentido, os dois artigos finais explicam a atuação cotidiana do PSTU no movimento dos trabalhadores e da juventude e como ns organizamos para isso. Preparamos essa nova edição como um convite: venha conhecer o PSTU!

Secretaria Nacional de Juventude do PSTU


Índice Expediente CONSELHO EDITORIAL: Camila Lisboa, Catharina Lincoln, Clara Saraiva, Gabriela Hipólito, Glória Trogo, Israel Luz, Jorge Badauí, Matheus Costa, Natália Russo. TEXTOS: André Freire, Denis Ometto, Euclides Agrella, Gustavo Sixel, Henrique Canary, Israel Luz, João Ricardo Soares, Wilson Honório da Silva. REVISÃO: Glória Trogo e Israel Luz. PROJETO GRÁFICO: Victor “Bud” DIAGRAMAÇÃO: Thiago Mahrenholz IMPRESSÃO: Gráfica Grafis CONTATOS: juventude@pstu.org.br facebook.com/juventudedopstu

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MUNDO A atualidade da revolução

JUVENTUDE E REVOLUÇÃO A sucessão de gerações e o papel da juventude nas revoluções do século XXI REFORMA OU REVOLUÇÃO? A juventude deve lutar pela revolução socialista

COMUNICAÇÃO A internet fez a revolução?

OPRESSÕES É hora da virada contra a homofobia

CRISE AMBIENTAL O capitalismo ameaça nosso futuro

PARTIDO O que o PSTU faz no movimento?

PARTIDO Como funciona o PSTU


MUNDO

A ATUALIDADE da revolução João Ricardo Soares de São Paulo


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gito, 11 de fevereiro de 2011. Milhares de jovens e trabalhadores comemoram a queda do ditador Hosni Mubarak na Praça Tahir. Em Lisboa, no dia 17 de fevereiro, cerca de trezentos mil jovens, conhecidos como a “geração à rasca”, protestam contra o desemprego e os baixos salários. A manifestação se estende por várias cidades de Portugal; Madrid, 15 de maio. Milhares de manifestantes, em sua maioria jovens, saem às ruas: são os indignados. As faixas da manifestação exigem: “uma saída social para a crise” e por “uma democracia real”. A manifestação se estende pela maioria das cidades da Espanha. Inspirados em seus irmãos egípcios, os jovens de Madrid acampados em Puerta Del Sol não se sentem representados pelos partidos que ganharam as eleições. Mas não é por democracia que lutam a juventude e os trabalhadores árabes? A mesma democracia que os jovens de Madrid dizem que não os representa? Até ontem, os povos árabes apareciam nos noticiários da imprensa em meio a cavernas do Afeganistão ou imolados em alguma bomba contra os Estados Unidos. Como em um passe de mágica, Obama diz que eles trocaram o Kalashnikov1 pelo Facebook e, por isso, entraram na “democracia ocidental”. Fazendo coro com os ‘especialistas’ de plantão dos jornais televisi-

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vos, alguns setores da esquerda dizem que a primavera árabe não passa de uma rebelião, não sendo, portanto, uma revolução. Há quem vá mais longe e se coloque contra o que ocorre lá, sejam rebeliões, sejam revoluções. Acompanhando as posições de Fidel Castro e Hugo Chávez, os Partidos Comunistas mundo afora, inclusive no Brasil, correm em apoio a Kadafi na Líbia e Assad na Síria. A verdade, porém, é que a primavera dos povos Árabes espalhou um “cheiro de jasmim” mundo afora e este perfume nos faz lembrar que as revoluções são possíveis! Mais ainda: necessárias.

Os trabalhadores e a juventude entram em cena

No dia 17 de dezembro, na Tunísia, Mohamed Bouazizi em um gesto desesperado ateou fogo em si mesmo quando policiais impediram que ele vendesse vegetais em uma banca de rua. Em seguida, a população da cidade de Sidi Bouzid saiu às ruas em uma onda de protestos e choques com a polícia que tomou conta do país, resultando na queda do ditador Ben Ali. Mohamed Bouazizi buscava sobreviver em um país da periferia do capitalismo. Em regiões como essas, o desemprego crônico é uma realidade de todos os dias, em particular entre os jovens. A isso se junta a inflação, subproduto da crise da economia

capitalista que vem transformando a vida em algo impossível. Reagindo contra estas condições objetivas em que a vida se reproduz, as massas na Tunísia, Egito, Síria, Líbia, Iêmen se chocam com as barreiras do direito e do poder ou o que é o mesmo dizer: os regimes de dominação capitalista impostos nessa região estratégica para o imperialismo norte-americano e europeu. Ao terem em seu território as maiores reservas de petróleo conhecidas no planeta, esses regimes ditatoriais em toda região são fundamentais para o absoluto controle desse petróleo pelas grandes empresas e para o abastecimento da Europa e dos EUA. A distribuição desigual da renda petroleira dentro do país e seu controle por um punhado de famílias impõem um determinado tipo de regime político: ditaduras sanguinárias e um Estado Exército, Israel, que é o guardião dos interesses dos EUA na região. Os regimes políticos são, então, o subproduto das necessidades da dominação imperialista associado às burguesias locais completamente integradas a esta forma de dominação do capital, que relega a maioria da população à miséria, enquanto um punhado de famílias com seus filhos vive fora de seus países como playboys em mansões em Londres e Paris. Mas são mesmo revoluções as ações de massas que estão derrubando essas ditaduras? Um observador militante nos fala sobre a praça da revolução egípcia. Além da juventude, as manifestações eram a expressão dos oprimidos: “Em Tahrir vimos diversos grupos de trabalhadores pobres em luta. Funcionários do governo, camponeses, donas de casa que lutam diariamente para manter as crianças alimentadas e vivas. Milhares de pessoas com deficiência, de muletas e cadeiras de rodas, ignoradas pelo governo durante décadas; milhares de aposentados que não podem comprar carne e até mesmo alguns tipos de legumes; homens e mulheres, muçulmanos e cristãos.” Segundo Trotsky, “a intervenção ativa das massas nos acontecimentos constitui 1 - Referência a Avtomat Kalashnikova 1947, o famoso AK-47, fuzil muito usado na região e que era produzido na antiga União Soviética.


o elemento mais essencial da revolução”. E o que não falta às revoluções que se espalham no mundo árabe é a intervenção decidida das massas na cena política, sua capacidade de abnegação, auto-sacrifício e coragem ante a violenta repressão patrocinada pelos governos locais e pelo imperialismo. No Egito, 15 milhões de pessoas de uma população de 80 milhões estiveram nas mobilizações que culminaram com a queda de Mubarak em 11 de fevereiro.

A INTERVENÇÃO

“O povo está no controle”

DA REVOLUÇÃO. é

A Praça Tahir foi a expressão da autoorganização e criatividade das massas em luta. Durante semanas, 300 mil pessoas estavam acampadas na praça. Durante o dia, esse número chegava a um milhão. A capacidade de organização para garantir higiene, alimentação, assistência médica e segurança foram a expressão de autogoverno dos explorados. Durante 18 dias a praça resistiu aos ataques da polícia e das gangues do regime. Mas em outras cidades, como Alexandria, o movimento não adotou a mesma forma de concentração permanente. Todos os dias, saindo dos bairros pobres, milhares de pessoas tomavam as ruas e paralisavam a cidade com grandes enfrentamentos com a polícia. Uma gravação da rede de comunicações da polícia montra os policiais implorando por reforços para lidar com o que eles descreveram como multidões enormes e perigosas de 10.000, 20.000 e 30.000 pessoas que se fechavam sobre eles por toda a cidade. A fita termina com o comandante pedindo a um subordinado uma explicação para o recuo da polícia. O soldado simplesmente diz: “Sir, it is over. The people are in the saddle!”2. É um fato reconhecido não somente pelos marxistas, mas por qualquer analista burguês com alguma seriedade, que as greves dos trabalhadores industriais que ocorreram a partir de 09 de fevereiro em todo o Egito foram decisivas para a queda de Mubarak. Mas este processo não parou no dia 11 de fevereiro. O mesmo observador nos explica que trabalhadores em todas as partes querem elevar salários e benefícios. Eles querem a efetivação para os milhões de trabalhadores temporários, considerando que alguns

ATIVA DAS MASSAS NOS ACONTECIMENTOS É O ELEMENTO MAIS ESSENCIAL o que não falta às revoluções do mundo árabe contratos duram nada mais do que três meses; eles querem um fim às políticas neoliberais de privatização de empresas e muitos no setor público estão pedindo a reestatização de empresas que foram privatizadas e vendidas com valores abaixo do mercado. Exigem, ainda, a expulsão de todos os executivos corruptos nomeados por Mubarak. O estado de ânimo desses trabalhadores pode ser melhor captado por este relato:

“... perto da minha casa, no centro do Cairo, cerca de 1.200 trabalhadores de uma gráfica do governo entraram em greve para protestar contra baixos salários - uma média de US$ 100 por mês, enquanto o salário do presidente da empresa equivale a 60.000 dólares por mês. Trezentos trabalhadores tentaram chegar ao escritório do presidente mas uma unidade do exército os deteve. Assim, os grevistas cercaram o prédio da empresa e o escritório da presidência durante 36 horas. O oficial encarregado, juntamente com um representante do sindicato, estavam encarregados da negociação. O oficial do exército forçou o presidente a ceder 90 por cento das reivindicações dos trabalhadores para que ele pudesse dispersá-los. O diretorpresidente cedeu, e o oficial do exército e o representante sindical desceram e anunciaram o acordo. Os grevistas estavam em êxtase. Mas alguns trabalhadores revoltados, sobretudo jovens cujos contratos temporários foram recentemente encerrados ficaram furiosos e tentaram invadir o prédio de novo. Enquanto isso, uma mulher mais velha defendeu que os trabalhadores não podiam abandonar a juventude. A maioria do público resolveu ficar. Eles mandaram o representante do sindicato e o oficial do 2 - “Senhor, acabou. O povo está no controle”.

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exército de volta para cima para exigir do diretor a reintegração de todos os trabalhadores temporário, e oferecer-lhes contratos permanentes imediatamente. E encarregou o representante sindical para não descer novamente sem um “sim” a todas as suas demandas”3. Mas estas intervenções das massas na cena política poderiam se caracterizar como rebeliões sem continuidade. Sim, seria possível. Mas é não é isso o que ocorre na realidade. A queda das ditaduras é apenas um ato do drama revolucionário mais profundo que assistimos até agora no início do século XXI. Das ações de ruas à ocupação das praças até a guerra civil na Líbia, revolução e contra-revolução se enfrentam.

Reforma e revolução

Nem todas as transformações na sociedade humana são revolucionárias. Existem mudanças que se operam através de reformas, ou seja, o que existe é transformado sem uma ruptura, sem o surgimento de algo realmente novo. Em Revoluções do Século XX, o fundador da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), Nahuel Moreno, nos aproxima do tema: Como toda definição marxista ou científica, “revolução” e “reforma” são termos relativos ao segmento da realidade que estamos estudando, ou seja, ao objeto em

relação ao qual estamos aplicando estas categorias4. A linha divisória que separa os revolucionários dos reformistas é justamente sobre qual objeto essas categorias - reforma e revolução - podem operar no estágio atual do capitalismo. Para os reformistas é possível atingir mudanças profundas na estrutura da sociedade, melhorando de forma substancial e sustentada a vida por meio das reformas.

SEM ATACAR A PROPRIEDADE PRIVADA E OS INTERESSES DAS GRANDES EMPRESAS IMPERIALISTAS, NENHUMA necessidade ESSENCIAl DO POVO PODERÁ SER REALIZADA

Para os revolucionários, a única mudança substancial no terreno social somente é possível com a expropriação da velha classe dominante, a burguesia, pela classe revolucionária, o proletariado5. O novo deve se impor e não se conhece na história exemplo de uma classe dominante que tenha abdicado voluntariamente do poder. Mas as reformas são possíveis? Tais mudanças na época em que vivemos são efêmeras, pois a tendência histórica do capitalismo em sua época imperialista é retirar as conquistas mínimas dos trabalhadores, em função de suas crises cíclicas e também de sua crise estrutural. Hoje a juventude européia, por exemplo, já não desfruta das mesmas conquistas das gerações anteriores, o desmantelamento do Estado de Bem Estar-Social é a expressão das necessidades do capital em aumentar a exploração da classe trabalhadora refletindo a tendência histórica assinalada acima. Mas as formas de dominação da burguesia para manter a propriedade privada são variadas. Estas formas de dominação identificadas com os regimes políticos, ou seja, as instituições em que o poder político do capital toma forma e oprime, podem variar desde ditaduras, em que os exércitos burgueses exercem diretamente a dominação, até democracias, nas quais os parlamentos e as eleições permitem a mudança das frações burguesas no exercício do poder. Assim, as liberdades democráticas que os trabalhadores e a juventude podem conquistar para se organizar e lutar, não podem se confundir com as instituições do regime, que terão sempre a função última de manter a dominação de classe. As mudanças nos regimes podem ocorrer pela via da reforma ou da revolução sem que se altere o caráter de classe dos Estados. Entender a natureza dos fenômenos sociais que mudam os regimes, se pela via da revolução ou pela via das reformas, não nos é indiferente, pois nos explica se estamos diante de um processo revolucionário em marcha e suas contradições ou não. O regime político predominante no norte da África e no Oriente Médio são as 3 - OMAR, Mostafa. The spring of the Egyptian revolution. Left Forum in New York City on March 20.

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ditaduras. Algumas monárquicas e outras ditaduras disfarçadas de democracia burguesa de sucessão hereditária e com partido único. As tensões sociais, frutos da centralização da renda petroleira em mãos de poucas famílias, impede que se alternem no governo as distintas frações burguesas. Pois as relações entre o poder e o capital estão diretamente relacionadas aos contratos de exploração do petróleo entre o Estado e as empresas imperialistas. As famílias que exercem de forma despótica o controle do Estado têm o dinheiro. As outras atividades econômicas desempenham um papel marginal nessas sociedades capitalistas atrasadas. Outra empresa lucrativa é a “segurança”, graças à posição estratégica de cada um dos países e as rotas de transporte e comércio do petróleo. O Egito, por exemplo, intermedeia o trânsito pelo canal de Suez dos petroleiros em direção aos Estados Unidos e Europa. Essa forma concreta em que o capitalismo se configura na região resulta em uma profunda desigualdade social. A penetração capitalista, ao mesmo tempo em que destrói as antigas relações sociais e desenvolve a urbanização, as cidades e uma indústria rudimentar, é incapaz de romper o

atraso secular. Por isso mesmo, em épocas normais, o nível de desemprego atinge a maioria da população e a juventude escolarizada não consegue trabalho. A razão de fundo é a submissão das classes dominantes aos interesses imperialistas para seguir se apropriando da renda petroleira.As tensões entre os setores dominantes e entre essa classe com os explorados explicam a necessidade de um regime ditatorial com a forma de dominação que aparece como árbitro acima das classes. A concessão de liberdades democráticas para os explorados não era parte de nenhum plano do imperialismo e da burguesia árabes. Foi a entrada violenta das massas para decidir o seu próprio destino que encontrou em seu caminho a ditadura de Mubarak , Ben Ali, Kadafi, Assad - todos sustentados e apoiados pelos imperialismos europeu e norte-americano - em um sistema de Estados regional que deve manter as massas afastadas da vida política. Não foi uma reforma, está sendo uma revolução. As massas empobrecidas, a juventude e a classe trabalhadora que participaram dos levantes na Tunísia e no Egito ou as que tomam armas na Líbia querem emprego, salários dignos, saúde, enfim, uma

vida digna. Em seu caminho derrubaram o primeiro obstáculo para seguir com suas mobilizações, as ditaduras. Mas as liberdades democráticas não trarão emprego e comida se as relações sociais que exigiam a dominação ditatorial não forem derrubadas. Para satisfazer as necessidades dos explorados, a renda petroleira deverá estar a serviço da maioria da população. Essa tarefa exigirá atacar os interesses e contratos com as grandes empresas petroleiras norte-americanas e européias. E não haverá nenhum setor da classe dominante capaz de enfrentar o imperialismo para colocar as riquezas do país a serviço da maioria do povo. É aí que o caráter da revolução, para além da consciência imediata dos seus objetivos é imposto pelo caráter da época histórica que vivemos. Sem atacar a propriedade privada, e em particular a propriedade e os interesses das grandes empresas imperialistas, nenhuma das necessidades fundamentais do povo árabe poderá ser realizada. Consciente dessa realidade, o imperialismo atua. No momento em que esta revista estava sendo impressa, uma contraofensiva do imperialismo chamada de “intervenção humanitária” tomava forma na Líbia. Na Síria, as manifestações de rua e a greve geral colocam o regime de Assad contra as cordas e este responde com mais repressão. Enquanto isso, o Estado de Israel assassina 13 palestinos desarmados. Assim, a luta da juventude e da classe operária dos povos árabes se une às mesmas necessidades e anseios da juventude portuguesa e do Estado espanhol assoladas pela crise do capitalismo. No primeiro caso, o povo Árabe encontra as ditaduras como primeiro obstáculo à sua luta pela sobrevivência. No segundo, a democracia burguesa na “civilizada Europa” já não é capaz de garantir um futuro para sua juventude. O pano de fundo desta relação não é outro que os limites que impõe o capitalismo ao futuro de toda humanidade. Esperamos que as revoluções demorem a sair da cena. R

4 , 5 - MORENO, Nahuel. As revoluções do século XX. Editora Sundermann, 2003.

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JUVENTUDE E REVOLUÇÃO

A SUCESSÃO DE GERAÇÕES e o papel da juventude nas revoluções do século XXI Euclides de Agrella de Campinas

“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram temerosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado seus nomes, seus gritos de guerra e suas roupagens, para, com este disfarce de velhice venerável e esta linguagem emprestada, representar a nova cena da história universal”. Karl Marx, n’O 18 Brumário de Luís Bonaparte


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concepção materialista da história carrega consigo o significado decisivo da sucessão das gerações para o fazer histórico. Particularmente, quando se trata da revolução proletária contra o capitalismo, a sucessão das gerações, e o passar o bastão de uma geração a outra, vai cobrar um preço ainda mais alto do que nas revoluções burguesas contra a nobreza feudal. O desenvolvimento do fator subjetivo, do sujeito político, ou seja, do partido revolucionário, depende, em grande medida, da maneira como se dá esta sucessão e este passar de bastão. Em se tratando da revolução proletária, o anterior não diz respeito apenas ao legado teórico, político e programático. Neste terreno o fermento revolucionário de uma geração a outra nunca se perdeu. Entre o Manifesto do Partido Comunista e o Programa de Transição temos quase cem anos de camada sobre camada de teoria, política e programa que nos foram deixados de herança por Marx, Engels, Lênin, Trotsky e tantos outros marxistas revolucionários.

O massacre da geração de Outubro e a crise da direção revolucionária

O problema é que este fermento revolucionário foi quebrado exatamente no que diz respeito à sucessão geracional propriamente dita, ou seja, ao contato humano, ao aprendizado prático, ao atuar ombro a ombro. A contra-revolução stalinista na ex-URSS e a ascensão do nazi-fascimo na Alemanha e em toda a Europa foram responsáveis pelo massacre físico da maior, mais abnegada e mais brilhante geração de revolucionários que a humanidade já havia parido. E aqui não estamos falando apenas do assassinato e morte de grandes dirigentes como Trotsky, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Se entendemos que uma geração é influenciada pelos eventos e circunstâncias de um determinado contexto históricosocial que seus membros experimentam e vivenciam num determinado período de tempo, falamos de milhares de militantes revolucionários que protagonizaram ou vivenciaram a Revolução Russa e a construção da Terceira Internacional sob a direção do próprio Lênin. Falamos da geração da

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revolução de Outubro, que foi perseguida, torturada e assassinada aos milhares nas prisões e campos de concentração stalinistas, fascistas e nazistas. Com o objetivo de preservar o legado teórico e programático da revolução russa contra a degeneração burocrática stalinista do Partido Comunista da ex-URSS e da Terceira Internacional, em meio a colossais derrotas históricas do proletariado, Trotsky propôs a fundação da IV Internacional. A frágil grande obra do revolucionário russo foi brutalmente perseguida não somente pelo stalinismo e o nazi-fascismo, mas inclusive pelas chamadas democracias ocidentais: “Os dirigentes do Movimento pró IV Internacional são vítimas de uma sucessão de assassinatos. Em fevereiro de 1937, Lev Sedov, 29 anos, filho mais velho de Trotsky, foi internado para uma cirurgia simples de apendicite em Paris e morreu em circunstâncias misteriosas, depois de operado por um médico russo. Em julho deste ano, Erwin Wolf, que tinha sido secretário de Trotsky na Noruega, foi sequestrado e morto em Barcelona. Algumas semanas antes da Conferência de fundação da IV Internacional, em julho de 1938, Rudolf Klement, secretário do birô da Internacional, foi assassinado em Paris. No mesmo período, se iniciava a operação com o agente da GPU Ramón

Mercader que assassinaria Trotsky no México em 1940. Depois da sua conferência de fundação, a IV Internacional só vai voltar a se reunir em 1948, dez anos depois, sem Trotsky e os principais dirigentes que participaram da sua fundação”1. Quando se celebra o segundo congresso em 1948, a IV internacional é uma organização de sobreviventes. Os mais velhos contavam-se entre os norte-americanos como James Cannon, então com 58 anos e Joseph Hansen, que contava com 38 anos. Dentre os europeus, os mais velhos eram o francês Pierre Frank, que se encontrava com 43 anos e o grego Michel Pablo, com 37 anos. Entre os mais jovens estavam Pierre Lambert e Bill Hunter, com 28 anos, Ernest Mandel, com 25, e Nahuel Moreno, com apenas 24 anos. Poucos anos depois, a IV Internacional entra numa profunda crise e se divide devido a imposição burocrática, realizada por Pablo e Mandel, da política do entrismo sui generis nos partidos comunistas e da capitulação do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano ao governo nacionalista burguês do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) em 1952. A IV Internacional se divide em 1953 e des1 ALMEIDA, Eduardo in Documentos de Fundação da IV Internacional, Congresso de 1938, Editora Sundermann, 2008, p. 12.


da guerra de guerrilhas em todo o mundo e, em particular, na América Latina, animados pelas revoluções chinesa e cubana. Seguindo o exemplo de Che Guevara deram sua vida por uma estratégia que se demonstrou globalmente equivocada, na medida em que separava a vanguarda do movimento de massas através do foco guerrilheiro.

A geração da restauração capitalista e o fim do “socialismo real”

de então até os nossos dias se desenvolve uma longa batalha pela sua reconstrução. A divisão e dispersão da IV Internacional é a maior expressão da crise de direção revolucionária herdada do massacre da geração de outubro.

A geração das revoluções do pós II Guerra e estratégia guerrilheira

A derrota do nazi-fascismo em 1945 é sucedida pela ocupação do Leste da Europa e da Coréia do Norte pelo Exército Vermelho. Neste mesmo período se dá a divisão da Alemanha e, quase que concomitantemente, a traição das revoluções sociais na França, Itália e Grécia pelo stalinismo. Abre-se toda uma longa etapa onde triunfam revoluções sociais objetivas na periferia do capitalismo, ou seja, revoluções encabeçadas por partidos-exércitos pequeno-burgueses que expropriaram a burguesia na Iugoslávia, China, Cuba e Vietnã. Durante 30 anos – da derrota do nazifascismo em 1945 ao triunfo da última revolução dirigida por um partido-exército que expropria a burguesia, a vietnamita em 1975 – o prestígio e a hegemonia da burocracia soviética, da burocracia chinesa, a partir de 1949 e da burocracia castrista, a partir de 1959 sobre o proletariado internacional e, particularmente, os povos coloniais e semi-coloniais impediu a reso-

A restauração capitalista pelas mãos da burocracia estabelece um novo paradigma para uma geração que desperta para a luta a partir da década de 1990. lução da crise da direção revolucionária e o triunfo da revolução social nos países imperialistas. A nova geração de revolucionários do pós II Guerra é tremendamente influenciada por estas novas direções burocráticas, particularmente pelo maoísmo e o castrismo, bem como pelo próprio stalinismo que segue sendo um aparato poderoso financiado pela burocracia soviética. Milhares e milhares de jovens tomaram o caminho

juventude e revolução

O início da restauração capitalista na China, ex-URSS, Leste Europeu e Cuba no final dos anos 70 e início dos anos 80 do século XX era a comprovação categórica do caráter contra-revolucionário do stalinismo, do maoísmo e do castrismo. A criação das Zonas Econômicas Especiais na China, a Glasnost e a Perestróica na ex-URSS, o endividamento externo de uma série de países do Leste Europeu com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e as reformas econômicas pró-capitalistas em Cuba demonstravam que todas estas burocracias haviam enveredado definitivamente pelo caminho da restauração capitalista. A conclusão da restauração capitalista pelas mãos da própria burocracia em todos estes países estabelece um novo paradigma para toda uma geração que desperta para a luta política a partir da década de 90 do século passado. As revoluções políticas que as massas no Leste Europeu, ex-URSS e China protagonizaram contra as ditaduras stalinistas e os primeiros efeitos da restauração capitalista, ao não conseguirem impedir a própria restauração capitalista, limitam-se, onde triunfam, a desmantelar o regime de partido único e a conquistar amplas liberdades democráticas. Na China, a revolução política é afogada em sangue no massacre da Praça da Paz Celestial em 1989. Por conta do anterior, o final do século XX é marcado por uma brutal ofensiva política e ideológica do imperialismo, onde se pregava aos quatro ventos o fim do socialismo, a perspectiva da revolução proletária contra o capitalismo era jogada na lata do lixo da história e prevalecia a ideologiaprograma da humanização do capitalismo. A maioria das organizações políticas, que reivindicavam a revolução socialista como estratégia e a ditadura do proletariado

A sucessão de gerações e o papel da juventude nas revoluções do século XXI

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como programa, passam de armas e bagagens para o campo da reforma do capitalismo e da defesa da democracia burguesa como valor universal. Tudo estava questionado. A máxima de Marx exposta no Manifesto Comunista de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar” parecia se voltar ironicamente contra a revolução proletária em sua luta pela superação do capitalismo. O proletariado passou a ser identificado como uma classe social essencialmente reformista, incapaz, portanto, de se afirmar historicamente de maneira triunfal como o sujeito social da revolução. A época do imperialismo – como uma época de guerras, crises e revoluções – parecia estar, portanto, superada. Falava-se de uma nova época da luta de classes, onde as forças produtivas voltariam a crescer sob o capitalismo, na medida em que este teria agora a possibilidade de expandir o mercado mundial para todo o Leste Europeu, ex-URSS, China e demais ex-estados operários. Onde, portanto, devido a estas novas condições objetivas, a luta pela revolução socialista estava adiada por 50 ou até 100 anos. Da mesma forma, essas organizações afirmavam com diferentes matizes que se abria uma longa etapa não-revolucionária, na qual em nenhum lugar do mundo estaria colocada como tarefa imediata a luta pelo poder, o que rebaixaria o programa e as tarefas do proletariado à defesa da

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democracia burguesa, à participação nas eleições parlamentares e à luta por conquistas reformistas nos marcos do capitalismo. Assim, a fronteira entre reformistas e revolucionários que estiveram divididos e enfrentados no interior do movimento operário durante todo o século XX estava superada. Depois da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS, a geração de jovens que desperta para a luta política no final do século XX, ao ser bombardeada por esta brutal campanha ideológica do imperialismo corroborada pela social-democracia, pelo stalinismo, pelas novas correntes de tipo proto-anarquista e mesmo por antigas organizações revolucionárias convertidas em reformistas, vive anos de uma profunda confusão e falta de perspectiva.

A geração das revoluções do século XXI é chamada a reencontrar-se com a revolução de Outubro

Passados 22 anos desde a queda do Muro de Berlim, o que vimos foi exatamente o contrário destas previsões. O capitalismo não só não voltou a desenvolver as forças produtivas, como transformou os ex-Estados Operários em novas colônias e semi-colônias para a livre exploração do capital financeiro. Além disso, assistimos um salto nas consequências da exploração irracional dos recursos naturais do planeta, aprofun-

dando a devastação daquela que ao lado do homem compõe a principal força produtiva, a natureza. Mesmo o petróleo, ao iniciar o seu processo de esgotamento, não possui uma alternativa que o substitua em um curto prazo, colocando ao lado da destruição ambiental do planeta o problema do esgotamento da principal fonte de energia que movimenta a produção capitalista. Da mesma forma, os trabalhadores não só não obtiveram novas conquistas nos marcos do capitalismo, com vem sofrendo em todo o mundo – desde os ex-Estados Operários, passando pelos países coloniais e semi-coloniais e até mesmo nas metrópoles imperialistas – com o ataque a conquistas sociais históricas e o aumento da exploração da sua força de trabalho. As guerras, longe de se tornarem um fenômeno raro, transformaram-se em guerras de recolonização, usadas pelo imperialismo estadunidense para manter ocupados o Afeganistão e o Iraque e garantir o controle militar da produção e distribuição mundial do petróleo. Tratam-se de guerras motivadas por um falso “combate ao terror”, que não se encerrarão com a morte de Bin Laden. Quando a burguesia de todo o mundo se vangloriava de que as revoluções estavam relegadas para sempre à lata do lixo da história, vimos no início do século XXI uma série de insurreições varrerem a América Latina, derrubando governos no Equador, na Argentina, na Bolívia e impedindo um golpe militar na Venezuela. Pouco mais de 10 anos depois as revoluções árabes estão derrubando governos e regimes bonapartistas da Tunísia ao Egito, do Iêmen à Líbia e à Síria. A revolução mais uma vez se impõe como um fenômeno objetivo, quando milhões de seres humanos depois de anos ou mesmo décadas de opressão e exploração se levantam numa onda de insurreições contra o capitalismo, seus regimes políticos e governos burgueses sejam de tipo bonapartista ou democrático-burguês. E se é verdade que estas novas revoluções não levaram à expropriação da burguesia em nenhum país, não é menos verdade que o desmantelamento da burocracia stalinista e dos regimes de partido único da ex-URSS e no Leste da Europa, bem como a conver-


são das burocracias chinesa e cubana em restauradoras do capitalismo, destravam a principal barreira objetiva para a superação da crise da direção revolucionária do proletariado. Parafraseando Marx, a nova geração de jovens que no século XXI desperta para a luta revolucionária contra o capitalismo é chamada a tomar emprestados os nomes, os gritos de guerra e as roupagens da revolução de Outubro, para, com este “disfarce de velhice venerável e esta linguagem emprestada”, representar a nova cena da história universal. A superação da crise da direção revolucionária do proletariado depende, em grande medida, da capacidade da velha geração de revolucionários, que sobreviveu às sucessivas traições da social-democracia, do stalinismo e das direções guerrilheiras durante todo o século XX, ganhar a nova geração de jovens proletários e estudantes para a estratégia da revolução socialista. O PSTU e a LIT-QI se propõe a esta tarefa inadiável, única maneira de superar definitivamente a lacuna deixada pelo desaparecimento da mais abnegada e mais brilhante geração de revolucionários que a humanidade já pariu: a geração de Lênin e Trotsky. R

Falo assim sem saudade, Falo assim por saber Se muito vale o já feito, Mas vale o que será Mas vale o que será E o que foi feito é preciso Conhecer para melhor prosseguir Falo assim sem tristeza, Falo por acreditar Que é cobrando o que fomos Que nós iremos crescer Nós iremos crescer, Outros outubros virão Outras manhãs, plenas de sol e de luz “O que foi feito deverá”, música de Milton Nascimento imortalizada por Elis Regina.

juventude e revolução

A sucessão de gerações e o papel da juventude nas revoluções do século XXI

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REFORMA OU REVOLUÇÃO?

A juventude DEVE LUTAR pela revolução socialista André Freire do PSTU


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ano de 2011 entrará para a história do movimento operário internacional. No Mundo Árabe vemos um magnífico processo revolucionário que atinge simultaneamente a maioria dos países do Norte da África e do Oriente Médio. Estas revoluções já derrubaram as ditaduras da Tunísia e do Egito e neste momento se espalham por toda a região. Em todos estes países vemos que a juventude cumpre um papel de destaque. Na Europa, a juventude também está na vanguarda das lutas contra os planos de ajuste dos governos na Zona do Euro, que tentam jogar sobre os ombros dos trabalhadores e do povo pobre o ônus da crise da economia capitalista. Em Portugal, após diversos protestos, uma gigantesca mobilização da juventude “à rasca” (termo que remete à precarização) foi apontada como a “gota d’água” para a queda do governo do primeiro-ministro Sócrates, do Partido Socialista português. Estas lutas se enfrentam objetivamente contra o sistema capitalista. As Revoluções Árabes e as fortes mobilizações européias colocam novamente na ordem do dia a possibilidade de a ação direta das massas derrotar os ataques desferidos pelo capitalismo em crise e a viabilidade de que

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processos revolucionários derrubem governos e regimes ditatoriais, recolocando na consciência dos lutadores da classe trabalhadora e da juventude a perspectiva revolucionária da construção de um mundo sem exploração e opressão. Enfim, de uma sociedade socialista.

No Brasil os estudantes em luta se enfrentam com os governos

Em nosso país, os estudantes já começaram este ano realizando lutas importantes nas principais cidades do país, em defesa do passe-livre e contra o aumento das passagens dos transportes urbanos. Neste momento, crescem também as mobilizações dos universitários contra o corte de R$ 3,1 bilhões no Orçamento da educação, realizado pelo governo Dilma, que vai atingir diretamente as já sucateadas universidades públicas. Em cada luta específica, o movimento estudantil combativo de nosso país se enfrenta com os donos das empresas de ônibus, com os tubarões de ensino, com as reitorias que querem impor as ordens do Ministério da Educação. Fundamentalmente, os estudantes mobilizados se chocam diretamente contra o plano de privatização da educação de todos os governos municipais, estaduais e federal. Ao nível federal, vemos os primeiros me-

ses da gestão da presidente Dilma Rousseff (PT). Será o terceiro mandato consecutivo de um governo composto por partidos, como o PT e o PCdoB, que se construíram como organizações políticas identificadas com a luta dos trabalhadores e da maioria do povo, mas que no governo vem administrando de acordo com os interesses dos grandes empresários. Nos oito anos do governo Lula, vimos um salto da dívida pública: os juros e amortizações destas dívidas já consomem hoje a maior parte de todo o Orçamento da União – 36% no ano passado. As áreas sociais, especialmente a educação e saúde, sofrem a cada ano com os cortes de verbas e com o processo de sucateamento e privatização dos serviços públicos. Para ficar somente em um exemplo recente, o Presidente Lula, nos últimos dias de seu governo, editou uma Medida Provisória – a MP 520 – que privatiza os hospitais universitários. O PCdoB e o PT, partidos que conjuntamente dirigem a UNE, defenderam durante os últimos oito anos o governo Lula e agora seguem defendendo com “unhas e dentes” o governo Dilma. Afirmam que os estudantes brasileiros devem apoiar governos que aplicam à risca os planos do Banco Mundial de privatização da educação pública e de fortalecimento do ensino privado, expresso de forma bem evidente na proposta do governo Dilma do novo Plano Nacional de Educação (PNE). Por isso, apoiaram todas as medidas do governo para a educação, principalmente o Prouni, projeto populista do governo que representa a transferência de verbas públicas para o ensino privado, via compra de vagas nas universidades e faculdades particulares. É uma utopia reacionária acreditar que chegaremos a conquistar uma educação pública, gratuita e de qualidade apoiando governos de conciliação de classes, formados pela aliança por representantes dos movimentos sociais com setores da burguesia. A crescente criminalização dos movimentos sociais é somente mais uma demonstração desta realidade. Fatos como a prisão dos 13 ativistas que participavam das manifestações contra a visita de Obama no Rio de Janeiro ou da crescente onda de despejos das ocupações dos movimen-


tos populares urbanos por conta das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, que começam a chamar a atenção até da Anistia Internacional.

Não é possível conquistar mudanças reais através das instituições do regime

A intelectualidade oficial, os políticos da burguesia e a grande mídia sempre buscam consolidar idéias na consciência da juventude e dos trabalhadores que sirvam para legitimar a sociedade capitalista atual. A principal delas é de que existe um regime democrático que funciona acima dos interesses das classes sociais – uma democracia com um valor universal. Este debate “divide águas” no movimento operário há mais de um século. As direções dos grandes partidos socialdemocratas europeus, filiados à II Internacional Socialista, a partir do final do século XIX, revisaram a teoria revolucionária desenvolvida por Marx e Engels, produto direto da intervenção dos revolucionários a partir de 1848, ano da chamada “primavera dos povos”. Os revisionistas da II Internacional defendiam que era possível atingir as mudanças sociais reivindicadas pelos trabalhadores obtendo maioria nos parlamentos e lutando por reformas no capitalismo. Ou seja, abandonando na prática a luta pela revolução social em nome de lutar apenas pela reforma das instituições do regime burguês. Na abertura da fase imperialista, especialmente com a eclosão da I Guerra Mundial, estes partidos apoiaram seus governos no conflito, sendo cúmplices da carnificina dos próprios trabalhadores. A guerra e a crise capitalista levaram muitos destes partidos aos governos, como o Partido Social Democrata Alemão, que à frente do governo de seu país foi o principal ator da derrota das revoluções de 1919 e 1923, dirigindo a repressão violenta sobre as mobilizações revolucionárias dos trabalhadores. A chegada de partidos como o PT e PCdoB ao governo, partidos que como os da social democracia européia também tiveram sua origem nos movimentos sociais, reacende a polêmica entre a estratégia da luta revolucionária e a estratégia da luta pelas reformas.

Na atual fase do capitalismo, obter reformas que avancem no atendimento das reivindicações dOs trabalhadores e da juventude já se revelou uma utopia reacionária Os oito anos do governo Lula e do PT são mais uma confirmação de que todas as instituições do regime político estão a serviço da dominação capitalista sobre a classe trabalhadora e a maioria do povo. Não só o governo, mas todas estas instituições, como o Parlamento e o Judiciário, sempre atuam para perpetuar esta dominação de classe. É uma ilusão pensar que governos de conciliação de classe e instituições como o Congresso Nacional ou os Tribunais do

Poder Judiciário representam uma saída para conquistarmos as nossas reivindicações. Todas estas instituições políticas são dominadas e controladas pelos grandes empresários. São estas grandes empresas, como os bancos, os latifundiários e as empreiteiras, que financiam as campanhas eleitorais dos grandes partidos políticos, sejam da base do governo, sejam da oposição burguesa. E, depois de eleitos, os parlamentares sempre votam contra os trabalhadores e o povo pobre, aprovando somente projetos de interesse dos grandes empresários. Portanto, não será pressionando institucionalmente os governos, os parlamentos ou o judiciário que vamos derrotar os ataques da burguesia e impor as nossas justas reivindicações. Da mesma forma, não podemos acreditar que será elegendo cada vez um número maior de parlamentares, que defendam reformas nas instituições do regime, que conseguiremos mudar a sociedade capitalista. Nem sequer é possível impedir a aplicação dos projetos de privatização da educação por dentro das instituições deste regime.

Somente a ação direta pode conquistar a transformação da sociedade

A burguesia sempre se utilizou dos mecanismos do chamado regime democrático

reforma ou revolução?

A juventude deve lutar pela revolução socialista

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Egito, 2011 23


para cooptar os trabalhadores e a juventude, principalmente suas lideranças políticas. As eleições regulares, as negociações políticas no interior dos parlamentos e as ilusões na justiça são as armadilhas mais comuns para desviar os movimentos sociais do caminho da luta sem tréguas contra o capital e seu regime político. Não negamos a importância da intervenção nas eleições, de obter mandatos parlamentares ou de recorrer à Justiça para defender nossos direitos. Todas estas iniciativas são táticas que podem e devem ser adotadas em cada etapa específica de uma luta concreta.

Em cada luta devemos ganhar a consciência para questionar os governos e instituições do capitalismo O problema não reside exatamente aí, ou seja, em se é correto ou não utilizar os espaços abertos pela democracia burguesa para afirmar as propostas da classe trabalhadora. O cerne da questão sempre foi e segue sendo outro: com que estratégia os socialistas devem atuar no interior destas instituições da burguesia? O século XX foi marcado pelo início da fase decadente do sistema capitalista, na qual a atual crise da economia internacional é somente uma das facetas da verdadeira barbárie imposta à classe trabalhadora e a maioria do povo pelas grandes empresas transnacionais, que contam com o apoio “religioso” de todos os governos de plantão, sejam eles ditos de esquerda ou de direita. Nessa fase do capitalismo, a possibilidade de se obter reformas que avancem no sentido do atendimento das reivindicações da classe trabalhadora e da juventude já se revelou há décadas como uma utopia reacionária.

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Ao contrário do avanço em relação ao atendimento de nossas reivindicações históricas, vimos nas últimas décadas, produto do auge da aplicação do projeto neoliberal, avançar a destruição de todas as conquistas que os trabalhadores e os povos dos países oprimidos conquistaram em mais de um século de heróicas lutas. No Brasil, a expectativa de realizar uma mudança significativa no nível de vida dos trabalhadores através de reformas sempre foi alentada pelo desejo de eleger Lula Presidente. As gerações que viram surgir e testemunharam o desenvolvimento do PT, apostavam na eleição do principal dirigente operário do país como uma forma de pelo menos iniciar a transformação da sociedade brasileira, sempre marcada pelas enormes desigualdades sociais. A chegada de Lula e do PT ao governo central do país veio frustrar as expectativas de mudanças de gerações e gerações de lutadores brasileiros. No governo, o sonho de transformação alentado pelo PT se revelou um pesadelo. Ao invés de mudanças, vimos a continuidade do modelo e da política econô-

mica desenvolvidas durante o governo de FHC e dos tucanos. Ou seja, quem quadriplicou seus lucros foram os grandes empresários, enquanto para os trabalhadores sobraram ataques com as chamadas contra-reformas, como a da previdência e a universitária. Os altos índices de popularidade obtidos pelo governo Lula, confirmados com a eleição da atual presidente Dilma, se devem ao impulso de crescimento econômico do país, puxado principalmente pelas exportações de matérias-primas brasileiras para as grandes empresas transnacionais, em grande parte instaladas na China. Além de pequenas concessões aos setores mais empobrecidos da população, através das chamadas políticas sociais compensatórias, como o programa Bolsa Família. Em que pese a ilusão da maioria dos trabalhadores no governo de conciliação de classes chefiado pelo PT, este governo significou a desilusão de uma parcela significativa dos ativistas que tinham expectativas de atingirem pela eleição de um presidente de origem operária e de esquerda a mudança do Brasil.


Foi este processo de experiência de um setor da classe trabalhadora com este governo, especialmente em um importante setor dos ativistas, que explica o processo de reorganização vivido pelos movimentos sociais brasileiros. Reorganização esta que deu origem à Conlutas (agora, CSPConlutas) e à Anel, como alternativas à traição da CUT e da UNE e ao seu completo atrelamento aos interesses oficiais. Os oito anos do Governo Lula, continuados agora por Dilma, confirmaram historicamente que é impossível obter mudanças reais na sociedade se aliando à grande burguesia e sem ir de encontro ao lucro das grandes empresas. Os movimentos sociais que acreditaram que apoiando este governo, no máximo o pressionando para a esquerda, poderiam melhorar a vida do povo, vivem hoje a frustração de na prática ter colaborado com uma administração que seguiu a mesma receita de todo e qualquer governo, ou seja, governar de acordo com os interesses da burguesia. Os movimentos sociais combativos devem adotar uma estratégia oposta: desde as suas entidades e movimentos devem

impulsionar as mobilizações independentes. Somente as lutas da classe trabalhadora e da juventude serão capazes de construir as condições objetivas para derrotarmos os governos e seus planos, avançando na luta pelo socialismo.

A juventude deve confiar somente na força da sua luta, sempre aliada aos trabalhadores

Levantamos bem alto a bandeira da aliança operário-estudantil, pois as lutas da juventude pela educação pública, gratuita e de qualidade e por um futuro digno só serão vitoriosas se forem travadas ao lado da classe trabalhadora, a única classe social que possui uma contradição absoluta com a exploração capitalista. Um partido político ou um parlamentar socialista, de fato comprometidos com as lutas de transformação, jamais podem disseminar a falsa idéia de que é possível mudar para valer a sociedade vigente através das eleições dominadas pelo grande capital ou através de movimentos que se limitem a pressionar as instituições do regime.

As mudanças que precisam ser realizadas em nosso país e no mundo só serão possíveis através de lutas diretas que mobilizem a maioria da classe trabalhadora, da juventude e do povo, e que ultrapassem os limites estreitos da democracia burguesa dos ricos, arrancando as nossas reivindicações e impondo derrotas ao grande capital, seus governos e instituições políticas. Um parlamentar socialista e revolucionário deve usar seu mandato como um ponto de apoio para as lutas diretas das massas, discutindo com os trabalhadores e a juventude que confiem somente na força de sua mobilização e não acreditem na possibilidade de mudanças efetivas através de pressões nas Instituições do regime da burguesia. Como disse Lênin, dirigente do Partido Bolchevique e da Revolução Russa de 1917: “A democracia burguesa, sendo um grande progresso histórico em comparação com a Idade Média, continua a ser sempre - e não pode deixar de continuar a ser sob o capitalismo - estreita, amputada, falsa, hipócrita, paraíso para os ricos, uma armadilha e um engano para os explorados, para os pobres”1. A luta pelo fim do capitalismo e pela construção da sociedade socialista só será vitoriosa quando conseguirmos livrar a consciência dos trabalhadores e da juventude de toda e qualquer influência da burguesia, seus governos e instituições. Em cada luta concreta que participamos, seja por melhores salários, seja em defesa da educação pública, devemos atuar sempre com a estratégia de ganhar a consciência dos trabalhadores e da juventude para a necessidade de elevar o patamar destas lutas, com o objetivo estratégico que elas questionem os governos e todas as instituições deste regime de dominação capitalista. Por isso, a juventude do PSTU vem defendendo a todo o momento que para conquistarmos um país justo, que garanta um futuro digno para juventude e para a classe trabalhadora, a única possibilidade de obtermos vitórias é trilharmos o caminho da luta, assim como está fazendo neste momento a juventude dos países árabes e europeus. R 1 LÊNIN, V. A revolução proletária e o renegado Kautsky (1918). Disponível em: http://www.marxists.org/ portugues/lenin/1918/renegado/index.htm

reforma ou revolução?

A juventude deve lutar pela revolução socialista

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COMUNICAÇÃO

A INTERNET fez a revolução? Gustavo Sixel

da redação do Opinião Socialista

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stamos novamente presenciando revoluções. Os que vaticinaram o fim da história estão diante de uma incômoda surpresa. Para milhares de ativistas, elas têm sido sinônimo de alegria, esperança e também de polêmicas e reflexões, como o papel da tecnologia e das redes sociais. Pela primeira vez uma revolução é acompanhada pelo twitter, blogs, facebook, celulares. Em tempo real. Em 2008, o embaixador do Estados Unidos no Cairo convidou uma liderança do Movimento 6 de Abril para uma conversa. Soube que ele estivera em

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Nova York no começo de dezembro, em uma conferência com ativistas. O egípcio confirmou a viagem e revelou que lá o movimento recebera ajuda de outros ativistas para organizar protestos e poder “agir na rede sem ser identificados”. Anunciou a intenção de criar um amplo movimento que derrubaria Mubarak e preveniu o embaixador: “Os EUA poderiam acabar sendo ‘cobrados’ pelos crimes de Mubarak”. O telegrama com a conversa foi parar no Wikileaks. O embaixador informara a Washington que qualquer mudança no regime era... “irreal”, em uma confiança na

“estabilidade” do governo egípcio que se mostraria precipitada. O desenrolar é conhecido. Meses depois, em 6 de junho, um jovem empresário é morto pela polícia. Fotos do rosto espancado escancaram a violência policial, levando a uma onda de indignação e protestos. Wael Ghonim cria no Facebook a página We Are All Khaled Said, cuja versão em árabe reuniria 1,2 milhão de pessoas. Treze meses após a conversa na Embaixada, em janeiro de 2011 os ventos do levante na Tunísia finalmente permitem o começo da revolução egípcia, em 25 de janeiro, ou #25jan, na linguagem das tags.


De quem é a culpa?

Enviado pelo jornal Opinião Socialista, Luiz Gustavo Porfírio1 enviou um relato de um ato na Praça Tahrir de como a multidão se espremia para poder tocar e beijar o jovem Wael Ghonim, que acabara de ser libertado. Não é todo dia que vemos um executivo do Google falando a um protesto de 200 mil pessoas, o que mostra o papel significativo que a tecnologia cumpriu na primavera árabe. No entanto, terão sido as redes sociais e a internet as responsáveis pela revolução e pelo seu sucesso? “As mídias sociais desempenharam um papel importante, mas não foi a raiz. Dizer ‘uma página de Facebook começou a revolução’ é uma narrativa que não tem nenhuma verdade”, revela Aalam Wassef, um dos jovens ativistas que convocaram os protestos, em entrevista ao pesquisador Howard Rheingold. “O sentimento revolu­cionário e a raiva começaram nas fábricas e nas casas, ou melhor, na favela. Com uma pressão econômica enorme”, sentencia Wassef. A situação do país era a base real, sobre a qual a tecnologia e as redes puderam contribuir, acelerando a revolta. Qualquer mudança na estrutura social não acontece apoiada em uma situação concreta, resultado da realidade de um povo e de seu tempo. Obedece a uma aritmética própria, com fatores como a situação da economia, as contradições sociais, a forma como o poder é exercido, etc. E também, do nosso lado, o nível de consciência dos trabalhadores, suas condições de vida, as formas sob as quais a classe operária se organiza, não só em sindicatos, mas principalmente em suas direções políticas, suas organizações e partidos, que almejam o poder político da sociedade, para romper com a exploração. A “matemática” do Egito era claramente negativa: metade da população vive com menos de 60 dólares mensais, limiar definido pelo Banco Mundial para a miséria2. O país vive uma ditadura de décadas e tem alto índice de desemprego, principalmente na juventude. E ainda é assolado por crises sucessivas nos preços dos alimentos, que contribuíram para ondas de protestos por salário, como as greves de 2008, dos operários téxteis da cidade de Mahalla.

A esse caldeirão se soma uma juventude e setores médios com um alto índice de escolaridade e com acesso a internet e computadores. Gonin e os demais estão nesse grupo, e foram capazes de estabelecer, pela internet, um “link” com a situação real dos trabalhadores. “A primeira página do Facebook a ficar conhecida recebeu o mesmo nome da muito famosa greve de 6 de abril de 2008 em Mahalla”, destaca Aalam Wassef. Desta forma, o movimento 6 de Abril, de oposição, nasce homenageando uma greve operária.

Praça Tahrir

O vínculo com a realidade se repetiu no dia 25 de janeiro, dia escolhido para iniciar os grandes protestos. O grupo já havia aprendido que a internet não é um terreno livre, e que era preciso se preocupar com a segurança, ainda mais sob uma ditadura. Por causa das comunidades, mensagens e atos, muitos ativistas haviam passado temporadas nas prisões, com direito à tortura. Os organizadores deixaram suas casas três noites antes do dia 25 e abandonaram celulares conhecidos. Sa­biam que a repressão egípcia (como aqui e em todos os lugares) monitorava a rede, como parte da disputa pelo controle sobre a internet. A solução foi criar uma tática para despistar a repressão e alcançar a Praça Tahrir. “Tivemos que encontrar uma maneira de evitar que um cordão de isolamento nos parasse”, revelou depois o arquiteto Basem Kamel. Anunciaram 20 locais de protestos, espalhados pela capital, para tentar despistar e dividir a repressão. E escolheram secretamente um 21º, em um comércio de rua, nas proximidades da favela de Bulaq alDakrour, uma das regiões mais pobres do Cairo. A expectativa era de que um dos grupos conseguisse alcançar a Praça. De cada um dos 20 atos, 10 manifestantes sairam do ato e seguiram para o ponto oculto. Logo, cerca de 300 manifestantes estavam reunidos em Bulaq al-Dakrour, sem nenhum policial por perto. O ato atraiu ainda moradores, trabalhadores do comércio, formando uma passeata que cresceu e seguiu até a Praça Tahrir, ignorando completamente uma pequena

barreira policial. A praça tinha sido ocupada, pela primeira vez.

Futuro...

Esta é a uma das primeiras revoluções onde o mundo digital cumpriu um papel significativo. Antes, esteve presente no Irã e no Quirquistão. E já está se repetindo, na Líbia e na Síria. A combinação entre a crise capitalista e ao mesmo tempo o desenvolvimento da tecnologia permite prever que voltaremos a ver celulares e notebooks ao lado de bandeiras e pedras. É o máximo que pode ser dito, no pantanoso terreno das previsões. Sobre a internet, tudo já foi previsto. Mas a maior parte das certezas sobre a tecnologia e a nossa relação com ela não resistiu mais do que algumas estações do ano. Agora, os mais cautelosos preveem para alguns anos o abandono do uso de sites e de e-mails. Muitos enxergam o fim completo dos dois. É curioso tentar imaginar que tipo de tecnologias os ativistas estarão usando daqui a seis anos, quando estaremos comemorando 100 anos da revolução de Outubro. Seja qual forem as ferramentas, a equação básica da luta de classes seguirá a mesma de 1917, quando panfletos e jornais seguiam na velocidade de um trem. Não se pode mais ignorar a tecnologia e as formas usadas na revolta árabe. Mas não existe revolução virtual. Seja por pão, para derrubar uma ditadura, ou pelas duas coisas, sempre é preciso existir condições reais para que aconteça. Utilizada como ferramenta integrada à luta real dos trabalhadores, confrontadas com as condições existentes, a tecnologia e as redes podem proporcionar passagens fantásticas da história. No caso do Egito, havia motivos para a multidão tomar a Praça e ela tomou. Todo processo revolucionário pode (e deve!) ser comentado, apoiado, “espalhado”, até mesmo “curtido”. Mas nunca inventado. R

1 – http://umbrasileironoegito.wordpress.com 2 - No Brasil, o governo de Dilma Rousseff acaba de definir que só é miserável quem vive com menos de R$ 70 por mês (43 dólares). Com esse cálculo, o número de pessoas em condições extremas de pobreza foi calculado em 8,5% dos 191 milhões de habitantes, segundo o Censo 2010. Ou 16,2 milhões de pessoas.

comunicação

A internet fez a revolução?

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OPRESSÃO

É hora da virada contra a HOMOFOBIA Wilson Honório da Silva da redação do Opinião Socialista

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H

á um mês, na noite de terça, 28 de março, quando voltava das aulas na USP, Guilherme Rodrigues teve seu cotidiano e sua vida literalmente sacudidos por um episódio que acabou sendo visto por milhões de pessoas nos noticiários da TV e páginas da internet: quatro jovens de classe média o aterrorizaram, o ameaçaram e o agrediram física e psicologicamente simplesmente por o terem identificado como um “veado”. Diferentemente de muitas outras histórias, o caso ganhou a mídia por um motivo que os covardes agressores (que sempre agem nas sombras) jamais poderiam imaginar: Guilherme é um conhecido ativista do movimento anti-homofobia e militante da ANEL, da CSP-Conlutas e da secretaria GLBT do PSTU. Uma consciência e uma experiência militantes, contudo, que jamais poderiam têlo preparado para a violência que sofreu: “Quando vi os caras vindo para cima de mim e percebi o que estava acontecendo, a primeira coisa que me veio à mente foi que aquela situação absurda, que eu havia denunciado tantas vezes, estava acontecendo comigo. E posso lhes garantir: a sensação é horrível. E não estou falando simplesmente de “medo”, falo de uma violência mais profunda, que joga na tua cara que, para muitos, o simples fato de sermos quem e o que somos faz com que muitos nos vejam como sacos de pancadas”. O nome dessa violência indescritível é “homofobia”, sua história é antiga e suas vítimas, infelizmente, só podem ser contadas aos milhões. E, mais importante, a única forma de combatê-la é através da organização e da luta.

Homofobia: opressão a serviço da dominação

A ideologia que prega o ódio a todos aqueles que possuem uma orientação sexual distinta daquela tida como “normal” – a heterossexualidade – é fruto de uma história onde se mesclam fatores diversos, todos eles relacionados aos interesses das elites que dominaram a história da humanidade. É possível, por exemplo, buscar sua origem no momento em que o monopólio da propriedade pelos “machos” da espécie

“é HORA DE IRMOS para a OFENSIVA (...) até porque ESTAMOS CANSADOS DE SABER QUE A BURGUESIA É A PRIMEIRA A DESRESPEITAR AS LEIS QUE ELA MESMA CRIA” deu origem ao sistema patriarcal, transformando o “homem heterossexual” (e sua capacidade de produzir herdeiros) no principal símbolo de poder nas comunidades primitivas. Também, no decorrer da história, não foram poucas as religiões que alimentaram a homofobia ao definirem a procriação como principal finalidade das uniões afetivas, transformando em “pecado mortal” (particularmente no caso da tradição judaico-cristã) toda e qualquer prática que fuja desta finalidade. Mais recentemente, foi a ciência que decidiu transformar as práticas não-heterossexuais em “doenças” (ora “mentais”, ora físicas e, agora, genéticas), um absurdo que só começou a sair dos manuais de Medicina em 1980, quando, depois de muita luta, o movimento LGBT conseguiu arrancar uma posição contrária do Conselho Mundial de Saúde. Origem à parte, os efeitos sempre foram devastadores, como lembra o próprio Guilherme: “Na Idade Média, viramos lenha para fogueiras; há séculos somos internados, nos entopem de remédios ou nos impõem tratamentos desumanos e absurdos e todas as vezes que regimes fascistas ou totalitários chegaram ao poder, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros acabaram parando em prisões, campos de concentração ou câmeras de extermínio”. E se é verdade que este tipo de situação já não ocorre com a mesma freqüência de

períodos anteriores é preciso lembrar, em primeiro lugar, que isto só se deve à constante luta que a comunidade LGBT de todo mundo têm travado há décadas, o que, contudo, ainda não foi capaz de impedir manifestações muito mais cotidianas e constantes da homofobia: o “bullying” permanente nas escolas, as humilhações públicas em qualquer lugar ou hora do dia, o achincalhamento pela mídia, as perseguições nos locais de trabalho e, com freqüência e violência cada vez maiores, os assassinatos.

Preconceito fatal

O fato de o Guilherme poder, hoje, dar seu depoimento e seguir firme na organização da luta contra a homofobia, infelizmente, não é a regra para aqueles que já cruzaram o caminho de bandos homofóbicos ou babacas semelhantes. Nas últimas três décadas, mais de 3.300 homossexuais brasileiros não tiveram a mesma “sorte”. Segundo dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), o Brasil é o “campeão mundial” de assassinatos contra a comunidade LGBT. Somente em 2010, foram 254 mortes em todo o país (um número bastante superior aos 198 que foram mortos em 2009). Estes números, apesar de confirmarem a macabra estatística que demonstra que, a cada dois dias, um “não-heterossexual” brasileiro é assassinado, lamentavelmente, ainda estão muito longe da realidade. Primeiro, porque até os crimes praticados contra homossexuais são cercados de preconceitos. Segundo, porque, como também ficou evidente no caso do companheiro Guilherme, quando a polícia resistiu a registrar o crime cometido contra ele como homofobia, a maioria das instituições da elite dominante (com a Polícia e a “Justiça” à frente) é tão homofóbica quanto os bandos que eles deveriam punir e, por isso mesmo,

1 Todos que gostam de filmes já devem ter escutado, muitíssimas vezes, a palavra “fag” (ou “faggot”) sendo pronunciada quando um personagem deseja ofender, de forma ultra agressiva. O termo, equivalente ao “veado” usado no Brasil, tem sua origem tristemente ligado às fogueiras da Inquisição: na época, “fag” queria dizer lenha e sua associação aos homossexuais começou a ser feita quando a Igreja Cristã, considerando gays e lésbicas “indignos” de serem purificados pelas chamas, o jogavam junto com a madeira utilizada para queimar pecadores “menos abomináveis”.

opressão

É hora da virada contra a homofobia

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fazem “vistas grossas” para estes crimes (quando não são eles próprios os agentes dos ataques).

Enquanto isto, no Planalto e nas Paradas...

Para aqueles que esperavam que o governo Lula fosse mudar esta situação, as notícias não são nada boas. Na verdade, como todos os dados indicam, a homofobia e suas conseqüências não pararam de aumentar desde então. E as explicações para isto não são tão “difíceis”, como lembra Guilherme: “Assim como ocorreu com todo o resto, a aliança do ex-operário (e, agora, da ex-guerrilheira) com a desde sempre conservadora burguesia brasileira, e sua submissão aos interesses e ideologia dominantes, inclusive no que se refere aos temas da opressão, teve um resultado duplamente negativo: por um lado, os setores do movimento identificados com o governo, entraram em permanente “estado de espera”, aguardando (e festejando, o que é pior) as migalhas que venham do governo; por outro, os homofóbicos perceberam a brecha e decidiram colocar as manguinhas pra fora”.

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Exemplo maior do “clima” que contaminou a maioria do movimento pode ser dado pelos rumos, ou “descaminhos”, das Paradas em todo o país. Salvo exceções, a despolitização e a “festividade vazia de conteúdo” têm sido as marcas registradas destes eventos que, é sempre bom lembrar, têm sua origem numa radical rebelião anti-policial (com barricadas e enfrentamentos físicos), no já mítico Stonewall, em Nova York, em 1969. O grau de despolitização e cooptação da maior Parada do país (e do mundo), a de São Paulo, chegou a tal ponto que, em 2008, os organizadores se utilizaram do aparato policial para retirar o carro de som do GT GLBT da então Coordenação Nacional de Lutas (atual CSP-Conlutas), o que resultou na agressão e prisão de vários companheiros. Parte fundamental da explicação do porquê das Paradas terem virado o que são hoje em dia tem a ver com algo que nós, do PSTU e de diversos outros grupos que mantém uma postura “combativa”, sempre dissemos: a independência, política e financeira, é um fator determinante para qualquer movimento social. E abrir mão

disto, como fizeram os organizadores das Paradas (submetendo-as aos interesses dos governos – federal, estaduais ou municipais –, do mercado do turismo e dos patrocinadores), só pode resultar em situações que se voltam contra o próprio movimento. A recente onda de ataques que presenciamos em São Paulo desde o final de 2010 é um dos frutos podres que brotou desta situação. E a única forma de impedir que outros “brotem” é cortando este mal pela sua raiz: lutando contra o sistema que promove a opressão e se utiliza dela para superexplorar enormes setores da população.

Só a luta muda a vida

O caminho para isto está sendo apontado pelo próprio movimento LGBT, pelo menos por aqueles setores que não têm sido cúmplices da falta de vontade política do governo, pois, se o início do ano foi marcado por ataques homofóbicos, no mesmo período também surgiram fortes sinais de resistência. Exemplos disto não faltam, como o próprio Guilherme recorda: “No ano passado,


os ataques, físicos ou ideológicos (como no caso do reitor do Mackenzie ou outros fascistas como Bolsonaro) começaram a enfrentar a resistência de ativistas que saltaram da internet (particularmente do Facebook) para rua. Tivemos dois atos em dezembro e, em fevereiro, antes mesmo do ataque que sofri, houve outro na Paulista. Mais recentemente, em abril, na Virada Cultural, realizamos uma belíssima campanha de denúncia. São coisas como estas que me dão à certeza de que podemos resgatar o ‘espírito de Stonewall’ e, acima de tudo, colocar o movimento novamente na rua, com força para arrancar os direitos que merecemos e precisamos”. Estas mobilizações e os grupos que as têm convocado, como muitos têm percebido, tem trazido novos ativistas e novos ares para o movimento. É aí que reside a possibilidade de se dar um novo rumo à luta LGBT, principalmente para seus principais eventos, as Paradas do Orgulho LGBT, recolocando-as no caminho da luta.

Novas contradições exigem mais ações e não festa

Para alguns, a recente aprovação, no Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, de um parecer que, basicamente, reconhece, para todos os efeitos, que uma “união afetiva estável” pode ser composta por casais não exclusivamente formados por um homem e uma mulher, pode significar uma “contradição” em relação a tudo que afirmamos acima. Contudo, apesar das conseqüências concretas da medida ainda não estarem totalmente claras, a primeira coisa que precisa ser dita é que a votação do Supremo é, antes de mais nada, um reflexo do acúmulo de lutas incessantes que vêm sido travadas pelo menos desde o final da ditadura, quando o movimento LGBT ganhou forma.

Se há uma contradição, ela encontra-se no interior do próprio sistema e do governo. Há tempos, uma série de medidas aprovadas em órgãos municipais ou estaduais já tem reconhecido os casais homossexuais e lhes estendido alguns poucos direitos. Enquanto isto, a ação organizada das bancadas conservadoras no congresso, aliada e alimentada pelo descaso dos partidos governistas, tem impedido que seja votada legislação específica, não só para garantir direitos, mas também para punir os atos de homofobia. Para tal, seria necessário, no mínimo, aprovar o PLC 122, que criminaliza a homofobia e a parceria civil que regulamentaria os direitos. Por isso mesmo, como lembra Guilherme: “Exatamente por termos consciência que a votação do Supremo foi uma vitória duramente arrancada depois de 30 anos de lutas, o momento não é de festa. Ou dizendo de outra forma, a melhor forma de festejar isto é intensificando as

lutas e não ficando parado, “aplaudindo” o Supremo. É hora de irmos para ofensiva e a melhor forma para se fazer isto está sendo apontada pelo próprio movimento: no próximo dia 18 de maio, iremos realizar um ato em Brasília e, na seqüência, precisamos realizar Paradas completamente diferentes das atuais. Precisamos de Paradas politizadas e combativas que, efetivamente, pressionem Dilma e seus aliados e arranque os direitos que precisamos. Até porque estamos cansados de saber que a burguesia é a primeira a desrespeitar ou não dar a mínima para as leis que eles próprios criam”.

A luta contra a homofobia é uma luta de todos nós

Em um ato realizado na porta da delegacia, exigindo a punição de seus agressores, pouco depois do ataque, Guilherme lembrou que sua história muito provavelmente só foi diferente de tantas outras: “Há tempos descobri a necessidade de me organizar, tanto no movimento GLBT, através da CSP-Conlutas, quanto num partido, o PSTU. Foi a consciência adquirida aí e a solidariedade de meus companheiros e companheiras que me deram força para lutar contra o ataque que sofri. E mais: é somente isto que me dá a certeza de que é possível derrotar a homofobia, pois é através destas organizações que podemos construir uma estreita aliança com os demais setores oprimidos (como negros e mulheres) e explorados (que se encontram nas fábricas, nas escolas e no campo) para derrotar o inimigo comum, o sistema capitalista, que se encontra por trás do machismo, da homofobia, do racismo e também da miséria que vitima tantos, todos os dias”. É para esta luta que eu gostaria de convidar cada um dos leitores de nossa revista. R

opressão

É hora da virada contra a homofobia

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CRISE AMBIENTAL

O capitalismo ameaça nosso futuro Denis Ometto* de São José dos Campos

Recentemente, o Japão foi acometido por uma autêntica catástrofe ambiental, com o vazamento de radiação de um reator nuclear em níveis alarmantes. O incidente provocou a contaminação do ar e da água, ameaçando a vida e o bem estar de milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, ganhou fôlego o debate sobre os perigos que envolvem a utilização da energia nuclear no mundo capitalista. Ao mesmo tempo, em nosso país, a reforma do Código Florestal também vem sensibilizando a juventude e provocando intensas discussões. Em uma aliança vergonhosa, Aldo Rebelo, deputado do PCdoB, e a bancada ruralista propõem alargar as concessões ao desmatamento e à degradação das florestas. “Comunistas” e latifundiários unidos no vale tudo pelo lucro. Frente a essas duas questões fica clara a atualidade do debate acerca da verdadeira crise ambiental a que fomos conduzidos. A burguesia, agente ativo na destruição da natureza, também procura dar sua resposta. Mas e os socialistas? Que saída apresentam?

Por que nos deparamos com essa situação?

Nosso planeta foi formado há cerca de 4,5 bilhões de anos. Os cientistas concordam que os primatas começaram a aparecer há somente 2 milhões de anos. Medir o tempo na escala de milhões ou bilhões de anos não é parte do nosso cotidiano. Mas se quisermos ter uma idéia da “juventude” de nossa espécie, basta considerar que se a idade da Terra fosse medida em um relógio de 24 horas, os primeiros humanos estariam por aqui há somente 30 segundos. Ainda assim, o impacto e a presença do Homem na Terra não têm qualquer parâmetro de comparação com nenhuma outra espécie. Nesse sentido, Robert Clark observa que: “O Homem não é, pois, um animal como os outros – quando mais não seja, porque

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a terra tem mudado desde que o Homem existe. Os outros animais instalam-se em zonas geográficas e climáticas bem precisas. Eles encontram aí aquilo a que se chama o seu ‘nicho ecológico’. O Homem, esse, invade tudo. Ele vive nas neves polares ou na floresta equatorial, no deserto e na montanha. Em todo o lado ele imprime a sua marca, mais do que o logra fazer qualquer outro animal”1. A história do Homem é, em um sentido, a história da sua capacidade de transformar a natureza em favor de suas necessidades. Mas a mesma espécie humana, que, portanto, chegou ao mundo recentemente, é a maior responsável pela degradação dos recursos naturais, necessários inclusive à sua existência. Jamais ocorreu algo parecido na história planetária. Nunca uma espécie explorou tanto a natureza a tal ponto que tenha se aberto a possibilidade de sua própria extinção. Mas será que a irracionalidade na exploração dos recursos naturais é uma característica natural e inevitável da existência da humanidade? A Juventude do PSTU opina que não. É um fato que a degradação ambiental passou a ser mais intensa nos últimos 200 anos. Esse período também marca a Revolução Industrial, o início da expansão capitalista e sua consequente fase imperialista, que vivemos até hoje. Em primeiro lugar, temos que reconhecer que a produção em larga escala foi uma enorme conquista da humanidade: reduziu o custo dos produtos e fez com que mais pessoas pudessem satisfazer mais necessidades. Porém, a contradição de se ter desenvolvido uma enorme produção social em paralelo a uma apropriação individual das riquezas, limitou dramaticamente o progresso na sociedade industrial. Suprir as necessidades humanas nunca foi o seu propósito, que, na verdade, sempre foi e ainda é gerar lucro para quem detém os meios de produção. Daí a necessidade contínua de se expandir. A indústria mor-

rerá se parar de produzir, mesmo que seus produtos não sejam mais necessários.

Superprodução desnecessária

Toda a economia capitalista funciona dessa forma, em todos os setores. Tomemos como exemplo o seu grande símbolo, que é a indústria automobilística. Atualmente, em menos de um minuto um carro completo sai da linha de montagem em cada uma das fábricas existentes ao redor do mundo. Multiplique por 24 horas por dia e depois por 365 dias por ano e teremos um número absurdo de carros. Toda essa produção tem que ser consumida. Por isso, tudo é feito para que as pessoas comprem carros, desde a precarização dos transportes públicos até as linhas de crédito. Sem contar que, junto com essa produção toda, está a antiquada matriz energética baseada na queima de combustíveis fósseis, apesar de termos tecnologia suficiente para, de um dia para outro e sem maiores sobressaltos, passarmos a utilizar energia limpa. E depois disso tudo, o sistema acaba criando a necessidade e impondo às pessoas a obrigação de consumir toda essa produção. No final, acaba se comprando carros, através de crédito, um dinheiro inexistente, gerando lucro para as companhias automobilísticas, petroleiras e todas aquelas na cadeia produtiva. Sem esquecer dos bancos. O curioso é que, hoje em dia, ao fim desse processo, ainda dizem que, se você não deixar seu carro em casa, será responsabilizado pelo aquecimento global! Outro exemplo é a água, um recurso natural limitado e necessário ao surgimento, desenvolvimento e manutenção da vida. Pois a água do planeta está em grande par-

* Colaborou Jorge Badauí, da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU. 1 CLARK, Robert. O Nascimento do Homem. Presença, 1987.


te contaminada pelos dejetos da superprodução capitalista. E a parte não contaminada foi transformada em mercadoria. Hoje, se você quiser ter a certeza de que irá beber água não contaminada, terá que pagar a uma empresa que detém a concessão de uma ou mais fontes. Pela lógica do sistema, essas empresas não existem para matar a sede de ninguém. Seu objetivo não é outro senão gerar lucro para seus acionistas. Água é um recurso que tem que estar ao alcance de todas as pessoas. E de graça. Assim como o ar respirável, cuja fórmula existe na natureza e não é patenteada por empresa nenhuma. Ao menos por enquanto. Podemos citar vários outros exemplos, mas o importante é ter em mente que é da natureza do sistema capitalista expandirse perpetuamente, nem que seja sobre áreas que abrigam recursos naturais essenciais à vida, como querem agora, com a reforma do Código Florestal - a mais antiga lei brasileira que protege esses locais.

Ações individuais e a busca pela sustentabilidade

Na medida em que a crise ambiental em que nos encontramos não pode mais ser escondida, a burguesia dissemina a ideologia de que a degradação do meio ambiente é o resultado da soma de pequenas ações individuais de toda a humanidade. É a forma que o sistema encontra para não assumir a responsabilidade que tem pela barbárie ambiental em que vivemos. As campanhas pelo “consumo consciente”, pelo não desperdício de água, pelo incentivo à carona nos carros, etc são justas e corretas. Porém, quando a burguesia as assume, o faz para impor um conteúdo ideológico claro. Em essência, o que quer a

classe dominante é ocultar o que é verdadeiramente qualitativo para a destruição do meio ambiente: o modo de produção capitalista. Ou seja, o dano causado pela ação dos indivíduos é residual relativamente ao que é causado pelas grandes corporações em sua atividade produtiva, que, por sua vez, determina também os desequilíbrios na relação dos indivíduos com a natureza. A forma mais acabada dessa ideologia se encontra na proposta do “desenvolvimento sustentável”. De acordo com essa noção, é possível equilibrar os danos causados à natureza sem alterar a estrutura do modo de produção capitalista. Contudo, essa saída é, na melhor das hipóteses, utópica e ingênua. Isso porque enquanto atividade dos homens sobre a natureza estiver regulada pela competição e pelo mercado, será sempre mais vantajoso e lucrativo a diminuição de custos via a degradação do meio ambiente. Imaginemos, por exemplo, que todos os grandes industriais do mundo entrassem em consenso no sentido de minimizar radicalmente o impacto de suas fábricas sobre a natureza. Bastaria que apenas um quebrasse o acordo para ganhar enorme vantagem na competição. Assim, ou todos os demais voltariam a poluir ou iriam à bancarrota.

A produção de mercadorias voltada à conquista do lucro é, portanto, inconciliável com a preservação ambiental. Falar em uma verdadeira sustentabilidade implica necessariamente em uma troca do atual modelo predador por um de economia planificada, cuja produção destine-se a suprir necessidades e mantenha os recursos naturais em um nível que permita que sejam utilizados por todas as pessoas, até as que ainda nem nasceram. As ações individuais no capitalismo certamente nos ajudam a fomentar a consciência da necessidade da preservação. Mas o mais decisivo é atacarmos a causa maior da degradação ambiental dos nossos dias - o capitalismo. Preservar a natureza não é apenas um problema a mais, mas parte fundamental da necessidade e da atualidade da luta pela mudança profunda na estrutura econômica da sociedade. É por isso que a luta pelo socialismo, em cujo sentido vai o programa da Juventude do PSTU, é também a luta em defesa do meio ambiente. Da preservação da natureza depende a preservação da própria humanidade. Assim, a juventude que quer lutar contra a barbárie ambiental que está instalada no mundo, encontra a saída para esse anseio na aliança com os trabalhadores pela revolução. R

crise ambiental

O capitalismo ameaça nosso futuro

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PARTIDO

O que o PSTU faz no MOVIMENTO? Henrique Canary

da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

e Clara Saraiva

da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU


E

m qualquer manifestação dos trabalhadores e da juventude é comum vermos bandeiras de diversos partidos políticos. Os que apostam na luta dos explorados e oprimidos para mudar a sociedade costumam participar ativamente dos movimentos sociais não para obter benefícios, mas para fortalecer e politizar suas lutas. Apesar de isso ser muito comum na história, não é difícil encontrar ativistas honestos que se colocam resolutamente contra os “interesses partidários” no movimento, como se fossem algo necessariamente estranho aos interesses do próprio movimento, seja dos trabalhadores, seja dos estudantes. Esse sentimento tem base real: a experiência com o PT, por exemplo, certamente serve de argumento para os que desconfiam dos partidos. Mas nem todos são iguais.

Por que existem partidos?

Os partidos políticos se caracterizam por ter um programa, ou seja, um projeto de sociedade, e por defenderem certos interesses de classe. Qualquer organização que atenda a esses dois critérios pode ser considerada um partido, ainda que oficialmente não carregue essa denominação.

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SOMOS LOUCOS POR POLITIZAR AS LUTAS, LIGÁ-LAS À REALIDADE MAIS GERAL, INVESTIGAR SUAS CAUSAS MAIS PROFUNDAS, ESTABELECER OBJETIVOS MAIS AMPLOS Quase todos os partidos acreditam que as eleições são o único meio de implementar o seu programa. São, por isso, partidos do sistema. Vivem de eleição em eleição. Seu alvo é o “eleitorado” em geral. Existem para gerir seus mandatos e buscar mais votos. Como a maioria esmagadora dos partidos age assim, tendemos a achar que essa é

uma lei universal, a forma natural de atuação de todos os partidos. Mas há uns poucos partidos cujo projeto de sociedade não pode ser implementado pela via eleitoral. São os partidos revolucionários. Seu objetivo é a revolução socialista e não a eleição de mais deputados, embora eles também utilizem as eleições como uma tribuna para falar com os trabalhadores. Por apostarem na mobilização direta das massas, o centro de atuação desses partidos só pode ser os movimentos sociais: os sindicatos, grêmios, associações, DCEs, etc.

A “auto-construção”

Os militantes do PSTU ostentam orgulhosamente sua bandeira nas atividades do movimento e divulgam as idéias do partido com o objetivo de ganhar novos militantes. É o que muitos chamam de “se construir às custas do movimento”. Ora, é claro que queremos fortalecer nosso partido e ganhar novos membros. Seria ridículo negar. Mas o que quer dizer “se construir às custas do movimento”? É evidente: quer dizer “em detrimento”, “em prejuízo” do movimento. Quem se constrói “às custas do movimento” é quem usa o movimento em benefício próprio, para


obter privilégios. No entanto, é difícil demonstrar que a atuação do PSTU nos movimentos sociais tem esse resultado. A antiga Convergência Socialista, uma das principais correntes fundadoras do PSTU, cumpriu um papel muito importante na reconstrução da UNE em 1979 e na construção da CUT em 1983. Basta lembrar também o papel cumprido hoje pelo PSTU na greve dos trabalhadores da construção civil em Fortaleza, nas paralisações nas obras do PAC e em tantas outras lutas. Onde está o “prejuízo” à luta e à organização dos trabalhadores e estudantes? Um ativista que em meio a uma greve resolve aderir a um partido está por isso menos comprometido com o movimento do que um grevista independente? Ajuda menos? Mobiliza menos? A realidade vem provando que não.

O “crime” da “politização” do movimento

Não é casual que a questão da participação dos partidos políticos no movimento tenha se tornado mais polêmica sobretudo após o fim da URSS no início da década de 1990. A campanha sobre a morte do socialismo repercutiu gravemente na consciência dos ativistas. A presença dos partidos nos movimentos sociais causa tanta polêmica porque a ideologia neoliberal e pós-moderna conseguiu enfiar na cabeça das pessoas que as grandes causas não são mais dignas e que o que vale é o micro, o imediato, o econômico; que as classes sociais se dissolveram em um aglomerado de indivíduos com “múltiplas identidades”; que os partidos são todos iguais e que a política é uma prática suja e mesquinha, da qual é melhor se afastar; que no mundo inteiro só existe... eu, e nada além de mim. Mas não serão justamente essas idéias as verdadeiras razões da atual fraqueza dos movimentos sociais? Assim, a tentativa de impedir a participação dos partidos de esquerda no movimento, de negar-lhes o direito de disputar suas posições de maneira franca e aberta, acaba contribuindo para que prevaleça a despolitização das lutas e se dissemine a mais reacionária das ideologias: a de que o poder não importa. De nossa parte, somos loucos por politizar as lutas, por ligá-las à

Em nossa concepção de socialismo, são os trabalhadores, por meio de suas próprias organizações de massas, que tomam o poder realidade mais geral, por investigar suas causas mais profundas, por estabelecer objetivos mais amplos. Nosso raciocínio é simples: quem não sabe pelo que luta, nem quem são seus inimigos, não pode vencer.

O que queremos então?

Declaramos abertamente: nosso objetivo é a libertação completa da humanidade

do jugo do capitalismo, a construção do comunismo no mundo inteiro. Nesse sentido, politizar as lutas significa para nós ligar cada pequeno embate dos trabalhadores e da juventude às suas raízes mais profundas, localizadas no modo como a sociedade atual se organiza. Fazemos questão de afirmar que a luta por melhores condições de vida, por uma educação pública de qualidade, pelo fim das opressões, são lutas que devemos travar desde já, mas só terão sucesso na medida em que se derrube o capitalismo. Nenhum partido ou corrente pode imaginar alcançar sozinho esse objetivo. Por isso, o PSTU não deseja substituir a classe trabalhadora em sua luta contra o capitalismo ou na construção da futura sociedade comunista. Em nossa concepção de socialismo, são os trabalhadores, por meio de suas próprias organizações de massas, que tomam o poder, não o partido político. Como Marx, acreditamos que a libertação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores, o que pressupõe a existência de movimentos sociais fortes, organizados, combativos e autônomos. É isso que queremos. Esse é nosso interesse partidário e somos orgulhosos dele. R

partido

O que o PSTU faz no movimento?

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PARTIDO

Como funciona o PSTU

Henrique Canary e Israel Luz, da Secretaria Nacional de Juventude do PSTU

O

PSTU é um partido revolucionário. Isso significa que queremos fazer uma revolução socialista contra a burguesia e seu Estado. Pequeno problema: como nos organizamos para isso? A história não conhece nenhuma revolução que tenha sido dirigida por um partido indisciplinado, não-centralizado. Por outro lado, sempre que se tentou fazer da obediência a principal virtude do militante, as coisas não acabaram bem. Como resolver essa contradição? É sabido que, historicamente, os partidos revolucionários de tipo leninista buscaram a resolução desse problema na fórmula do centralismo democrático: liberdade total na discussão – disciplina total na ação. No entanto, para isso, o partido revolucionário de tipo leninista deve funcionar por meio de organismos regulares.

Bolcheviques e mencheviques: uma história mal contada

O problema dos organismos esteve no centro dos desacordos entre mencheviques e bolcheviques na Rússia no início do século 20. Ao contrário do que se pensa, a discussão entre eles não era “revolução x reforma” ou “centralismo x democracia”. Essas divergências vieram depois. O que dividiu bolcheviques e mencheviques em 1903 foi a polêmica sobre se os militantes deveriam necessariamente fazer parte de algum organismo regular do partido ou se, ao contrário, bastava uma adesão política ao seu programa. Yuli Martov, dirigente da fração minoritária (menchevique) propunha que fosse considerado membro do partido todo aquele que se declarasse adepto do seu programa e se subordinasse à sua disciplina (havia acordo que deveria ser um partido disciplinado). Lenin, líder dos bolcheviques (fração majoritária), dizia que isso não era o suficiente e que para ser considerado membro do partido, era preciso, além de se submeter à disciplina, pertencer a algum organismo partidário.

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Lenin propunha, dessa forma, um partido orgânico, com uma estrutura clara desde sua direção até a base. Eram necessários organismos nos quais a política do partido fosse discutida democraticamente e votada. Depois, esses mesmos organismos deveriam preparar a atividade prática unitária de todos os militantes, ou seja, aplicar o centralismo. Os organismos eram, assim, a base de tudo, a garantia dos dois pólos do regime partidário: da democracia e do centralismo. A fórmula de Lênin acabava com a divisão entre trabalho físico e intelectual dentro do partido. Pensamento e ação cabiam a todos os militantes e ninguém sabia dizer ao certo se isso era um direito ou um dever. A concepção de Martov, ao contrário, criava um partido frouxo, inorgânico e anti-democrático de fato, pois não havia mecanismos através dos quais os militantes pudessem exercer um verdadeiro poder de decisão. Sua fórmula se baseava na autoridade pessoal dos líderes que elaboravam políticas e emitiam ordens, e não em um coletivo organizado para discutir e atuar. Ao reivindicar a tradição leninista, o PSTU adota o mesmo princípio organizativo do partido bolchevique: o centralismo democrático baseado em um funcionamento orgânico regular.

Os organismos no PSTU

Ao ingressar no PSTU, todo militante é incorporado a um organismo, um núcleo de base. Nas reuniões de núcleo se discutem as políticas nacionais e locais do partido e se centraliza a atividade militante de cada um. É nos núcleos que os militantes expressam suas divergências com a linha geral do partido e comunicam essas divergências aos organismos superiores. Nos núcleos os militantes também polemizam entre si sobre as melhores formas de atuar em seus locais de trabalho ou estudo, fazem os balanços das políticas aplicadas e recebem formação marxista elementar. Em um partido sem organismos regulares, no qual aqueles que aderem ao seu

programa apenas assinam uma ficha de filiação e se reúnem (se o fazem) raramente, não há a possibilidade de interferir nos rumos cotidianos do partido. Mas, então, quem decide se aquela campanha foi um acerto ou um erro? Se aquele panfleto tinha que ser de um jeito ou de outro? Esse é o problema. Sem qualquer discussão na base da organização, a direção toma as decisões do dia-a-dia, as figuras públicas falam o que querem e, na prática, conduzem isoladamente e sem democracia o partido. O centralismo, pressupõe democracia, por isso não reivindicamos os partidos centralizados burocraticamente. Neles, podem até existir organismos de base. Contudo, a atividade cotidiana é definida pela direção sem considerar quaisquer debates feitos nos núcleos. Os maiores exemplos desse modelo de organização são os partidos stalinistas.

A Direção Nacional e o Congresso do partido

Os núcleos do PSTU são um dos pólos de uma estrutura cujo outro extremo é a direção nacional. A direção nacional elabora as políticas nacionais e dirige o conjunto da organização em sua atividade cotidiana. Acima da direção nacional está o congresso do partido, o organismo máximo. O congresso não é um mero evento, mas um verdadeiro processo de discussão. Sua realização é precedida por um período chamado de “pré-congresso”. Durante o précongresso, que dura cerca de 6 meses, são discutidas todas as grandes questões políticas, teóricas e organizativas do partido. Nesse período, todo militante que discorde das posições da direção nacional pode formar agrupamentos para defender a mudança da política do partido ou disputar a direção da organização. No congresso, os delegados, eleitos em plenárias na base do partido, votam as diretrizes gerais da organização e elegem a nova direção nacional. Encerrado o congresso, os agrupamentos se dissolvem e todo o partido aplica a linha votada pela maioria.


Os critérios de militância

Todo militante do PSTU tem o direito a voz e voto em seu organismo e também o direito de ser eleito aos organismos superiores, incluindo o congresso e a direção nacional. Mas para ser considerado militante, todo companheiro deve cumprir de maneira permanente e estável alguns critérios. Em primeiro lugar, deve pertencer a um organismo do partido. Por todas as razões já expostas, esse é o primeiro e mais importante direito-dever do militante. Em segundo lugar, todo militante deve contribuir financeiramente com a organização de maneira regular. Esse é um critério fundamental, não somente porque é a garantia da independência financeira do partido, mas também porque é o que torna, em certo sentido, todos os militantes iguais. Evidentemente, uns contribuem mais, outros menos. A igualdade entre os militantes não está no valor da contribuição, mas no esforço por contribuir. Esse sim, deve ser equivalente para todos. Em terceiro lugar, não pode ser considerado militante aquele que não divulga as ideias do partido. Esse critério é importante porque o sentido da existência do partido é a luta pela consciência das bases onde atuamos. Por isso, todo militante do PSTU vende o jornal do partido, nosso principal instrumento de disputa política, que acaba de completar 15 anos. Em quarto lugar, só é militante do PSTU aquele que atua segundo a política discutida e votada nos organismos do partido. As reuniões de núcleo não são missas nas quais se lê algum tipo de evangelho sem qualquer relação com a realidade prática. Militante é aquele que milita, que desenvolve alguma atividade a serviço do partido.

A moral revolucionária

Um partido revolucionário é uma organização que se propõe a enfrentar o poder do Estado e da burguesia. É, portanto, por definição, uma organização perseguida, uma confraria de conspiradores. Cada militante precisa ter a segurança de que pode confiar sua vida ao companheiro que está do seu lado. Tais laços de confiança e solidariedade são impossíveis de serem construídos se as relações entre os militantes forem marcadas pelas mesmas atitudes

partido

Como funciona o PSTU

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que contaminam e destroem as relações humanas sob o capitalismo. Entretanto, o militante, pelo simples fato de ingressar em um partido revolucionário, não se livra de todos os valores e falta de valores da sociedade capitalista decadente. O partido não é uma espécie de nirvana, onde só entram os puros de coração. Ele atua e se constrói em um mundo decrépito e degenerado, e reflete, inevitavelmente, parte dessa realidade. Por isso, o PSTU trava um combate permanente contra a moral individualista, supostamente universal e a-histórica da burguesia. Em seu lugar, defendemos uma moral construída por homens e mulheres que, na luta conjunta, constroem valores e relações de confiança. É uma necessidade de nossa luta que seja assim, afinal se trata de nada menos que combater uma classe que possui inúmeras vantagens: dinheiro, exército, imprensa de massas etc. É por essa razão que para a moral revolucionária é inaceitável a opressão de mulheres, LGBTs, negros e negras. É inaceitável que um companheiro engane o outro para obter vantagens de qualquer natureza. É inaceitável que o vale-tudo capitalista impere na conduta dos militantes. Essa moral está, portanto, estreitamente ligada ao projeto de sociedade que defendemos.

Disciplina e liberdade

O pensamento liberal e pós-moderno nos ensina que liberdade e igualdade são conceitos opostos. Onde há igualdade, não poderia haver liberdade e vice-versa. Ser livre, segundo esse conceito, seria atuar sem nenhuma limitação ou controle. Essa lógica pode ser verdadeira para os representantes da burguesia e das classes médias abastadas, que dispõe de todas as condições para realizar os mais variados caprichos, satisfazer as mais estapafúrdias vontades. Mas os indivíduos da classe trabalhadora não dispõe dessas alavancas. Para um operário, a liberdade individual irrestrita, liberal, não tem nenhum valor porque ele sabe que o inimigo que o explora só pode ser enfrentado por uma ação coletiva e disciplinada, nos marcos de um coletivo organizado. Frente ao patrão e sua polícia, qualquer individualidade se desfaz

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No partido, todos podem expressar sua individualidade de modo muito mais completo do que o capitalismo permite. em pancadas de cassetetes e tiros de bala de borracha. Para ele, a própria disciplina é uma alavanca para sua individualidade, um meio de sua liberdade. É por isso que enquanto o capitalismo nega aos trabalhadores e à juventude a realização de suas capacidades individuais, no partido todos têm a oportunidade de, dentro de um projeto coletivo, expressar sua individualidade de modo muito mais completo do que os interesses da produção de mercadorias e lucro permitem.

Juventude e partido

É compreensível que a juventude desconfie da disciplina. Seria estranho se adorasse regras e formalidades. Desde cedo a família, a escola e a igreja nos ensinam

a virtude do silêncio e do bom comportamento: sentar direito, dormir cedo, não se sujar, pedir em oração. Crescer é, em certa medida, romper essa lógica, levantar a cabeça, colocar-se de pé. Assim, em base à sua experiência real, a juventude renega a obediência e a submissão como alheias ao seu espírito. E nisso está certa. Mas não deve esquecer que continua vivendo em uma sociedade doente, em franca decomposição, para a qual não há nenhuma saída a não ser o socialismo. Essa sociedade injusta e opressora esmagará seus sonhos e sufocará seus desejos na próxima esquina se assim for necessário para o bom funcionamento do sistema. Na construção de um partido revolucionário a juventude encontrará uma causa pela qual vale a pena viver e lutar. Nos organismos deste partido de rebeldes e inconformados, os jovens encontrarão um coletivo verdadeiramente democrático e fraterno, mas ao mesmo tempo crítico e duro em relação a cada um de seus membros. Sobre as bases da disciplina partidária, transformada agora em ato consciente e voluntário, poderão expressar os verdadeiros traços de suas personalidades, aqueles que o capitalismo reprime e dilacera. Nos marcos do coletivo, se apoiando em seus pares, poderão exercer uma verdadeira liberdade. R


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Em

o m s i x r a M Defesa do tsky de Leon Tro

rtantes bras mais impo o as d a m u o, o arxism ica cr ucial: com m lê o p Em defesa do m a m u e d te, y, gira em torno ais especificamen m o, de Leon Trotsk ad st E m u e dialética de classe d a base sólida da definir o caráter re b o S ? ta is lin eira ica esta s fatos, de man o el p da União Soviét ar n io ss re , o vedeixar imp ernal e educativa at marxista, sem se fr o p m te o m do e ao mes r contraditório te rá ca o clara e simples, a d n ve lchevique des . lho dirigente bo ção de Outubro lu o ev R a m co o acordo entre el p o d ea d Estado surgido ca en unda do debate des co antes da Seg u o O livro é fr uto p a, ic ét vi o S Workers ta e a União tor do Socialist se Alemanha nazis m u a o d en rd n l. Respo rnacional, que afi te In ta Guerra Mundia ar u Q a d perário, e-americana r um Estado o se Party, seção nort e d o d xa ei d SS havia es, a URSS mava que a UR as transformaçõ as d to e d ar es craque, ap o operário buro ad st E Trotsky explica m u o m ha então co rotsky são s escritos de T ainda se mantin o im lt ú es st E ssão erado. fazer uma discu o m ticamente degen co e d ão rdadeira liç também uma ve revolucionário. o d ti ar p m u e d política dentro artir de junho Disponível a p as melhores livrarias dermann e n na Editora Sun

Sociedade de Classe, Direit o de Uma perspec tiva marxista Classe: e atual

de Juary Chag

as

Avenida Nove de Julho, 925 Bela Vista, São Paulo, SP CEP 01313-000 Telefone: (11) 3253-5801 site@editorasundermann.com.br www.editorasundermann.com.br editorasundermann.wordpress.com twitter: @ESundermann Facebook: Editora Sundermann

O mais novo la nçamento da E ditora Sunder m relação entre di ann discutirá a reito e sociedad e, de uma perspe Fortemente insp ct iv a marxista. irado nos trabal hos teóricos de Eugeny Pachuka Piotr Stuchka e nis, os militantes bolcheviques re elaborações jurí sponsáveis pela dicas dos primei s ros anos do esta soviético, Juary do revolucionár Chagas retoma io em seu livro este sobre qual é o re importante deba al caráter do dire te ito na sociedade bu os socialistas re rguesa, e como volucionários de vem atuar no di reito burguês.

Lançamento n o Congresso d a ANEL, 2 com palestra do autor e con 5 de junho, vidados


ontem éramos tunisianos,

hoje somos egípcios

amanhã

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R


seremos todos

livres! cartaz na praรงa tahrir - egito

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