Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Letras Tópicos em Psicolinguística Profª. Maria Cristina Name
A Síndrome de Williams e o instinto da linguagem
Daniel Augusto de Oliveira Pilar Mattos Thais Cassiano Martins Thiago Wierman Henriques
1º semestre de 2012
O INSTINTO DA LINGUAGEM Com a emergência das Ciências Cognitivas na segunda metade do século XX, ocorreu considerável mudança no que tange aos estudos que focavam as pesquisas sobre a origem da linguagem humana. Entre os estudiosos envolvidos em pesquisas relacionadas à linguagem, estava Noam Chomsky, que foi o primeiro cientista a condecorar tal artefato como algo instintivo. Como Pinker (2002) reconhece: “No século 20, a tese mais famosa de que a linguagem é como um instinto foi elaborada por Noam Chomsky, o primeiro linguista a revelar a complexidade do sistema e talvez o maior responsável pela moderna revolução na ciência cognitiva e na ciência da linguagem (p. 14)”. Além disso, na contribuição da teoria chomskyana, houve a indicação de duas ocorrências importantes no que diz respeito à linguagem: os enunciados proferidos pelas pessoas seriam combinações contínuas de palavras que se manifestariam a partir do que é colocado como “receita” ou “programa”. Neste ponto, haveria a assertiva, por parte de Chomsky, de que, a partir dessa faculdade inata em que haveria um número finito de palavras, construir-se-iam, ilimitadamente, enunciados, a partir de uma “gramática mental”. Outra questão observada por Chomsky foi o fato de que as crianças conseguem ampliar sua capacidade expressiva sem nenhum contato instrutivo formal quando em fase de desenvolvimento. Por conseguinte, como esboça Pinker (2002), a partir da afirmação de Chomsky, “as crianças têm de estar equipadas de modo inato com um plano comum às gramáticas de todas as línguas, uma Gramática Universal, que lhes diz como extrair padrões sintáticos da fala de seus pais (p. 15)”. Em consonância às assertivas chomskyanas, Steven Pinker também hipotetiza acerca desse ancestral debate sobre a linguagem. Não obstante as colocações de seus colegas lingüistas que, como ele mesmo expõe, “descreveram a linguagem como uma faculdade psicológica, um órgão mental, um sistema neural ou um módulo computacional”, ele arrola sobre a proposição de que se trata de um “instinto”. Como o estudioso defende: “A linguagem não é um artefato cultural que aprendemos da maneira como aprendemos a dizer a hora ou como o governo federal está funcionando. Ao contrário, é claramente uma peça da constituição biológica de nosso cérebro. A linguagem é uma habilidade complexa e especializada, que se desenvolve espontaneamente na criança, sem qualquer esforço consciente ou instrução formal, que se manifesta sem que se perceba sua lógica subjacente, que é qualitativamente a mesma em todo indivíduo, e que difere de capacidades mais gerais de processamento de informações ou de comportamento inteligente.” (Steven, Pinker,2004, O Instinto da Linguagem – Cap 1, pág 9).
Ainda, propõe que “a complexidade da linguagem é parte de nossa herança biológica inata”. Assim, não seria “algo que os pais ensinam aos filhos ou algo que tenha de ser elaborado na escola”,
mas sim uma aptidão inata humana específica. Para corroborar suas afirmações, Pinker tece argumentos como, por exemplo, o que foi esboçado anteriormente acerca das crianças: a espontaneidade com que um infante adquire a língua impressiona não somente pela capacidade para tal, mas também pela pobreza de estímulo com que convive. Portanto, chamar a linguagem de “instinto”, de acordo com Pinker, seria considerá-la não como uma invenção, assim como a escrita o é (observa-se, também, que há sociedades ágrafas), mas algo universal específico e único da espécie humana.
A SÍNDROME DE WILLIAMS A Síndrome de Williams é uma doença rara em que ocorre uma mutação genética, mais especificamente no cromossomo 7, responsável pela produção de elastina, o que acarreta problemas cardiovasculares, neurológicos, renais e odontológicos, podendo afetar também a fala. Também conhecida como Williams-Beuren, foi descrita pela primeira vez no ano de 1961 por John Williams, um médico cardiologista neozelandês, e no ano de 1962 foi descrita pelo médico A. J. Beuren, na Alemanha. Os médicos relataram quadros clínicos de crianças que apresentavam estenose aórtica supravalvular (estreitamento da aorta), retardo mental, face peculiar e hipercalcemia. Com uma incidência de 1 em cada 20 mil pessoas, pode afetar ambos os sexos na formação fetal e ser diagnosticada por um exame de DNA ou por sintomas como dificuldade de alimentação no primeiro ano de vida, face característica que alguns denominam élfica (nariz pequeno e empinado, cabelo encaracolado, lábios grandes, dentes pequenos), problemas cardiovasculares e pulmonares, dificuldade de locomoção e equilíbrio, atraso psicomotor, dificuldade de aprendizagem, déficit de atenção, memória excepcional para nomes de pessoas e de locais, grande sociabilidade, hipersensibilidade auditiva e voz anasalada. O tratamento é paliativo, buscando apenas aliviar os sintomas, principalmente os que podem comprometer o funcionamento dos órgãos mais atingidos, especialmente o coração. No caso de hipercalcemia, recomenda-se a remoção da vitamina D da dieta e redução da ingestão de cálcio. A cirurgia cardíaca é feita quando necessário, bem como o tratamento fonoaudiológico. Uma vez que os problemas renais são freqüentes em pacientes com a SW, se faz necessário avaliar a função renal periodicamente. Alguns pesquisadores acreditam que as lendas sobre elfos e gnomos podem ter surgido de portadores de SW por suas características faciais específicas, sua grande sociabilidade, baixa estatura e notada habilidade musical (Lenhoff et al. 1997). A caracterização geral de retardo mental, que pode variar de leve a severo, não exclui totalmente a possibilidade de alguma preservação cognitiva, ou seja, apesar dos portadores de SW
apresentarem uma cognição espaço-visual bastante prejudicada (são incapazes de desenhar ou desempenhar qualquer tarefa que demande um processamento visual e espacial e em geral não são capazes de fazer contas) e certa dependência, não se pode negar sua grande capacidade de reconhecer rostos de pessoas, mesmo as não conhecidas, possuem excelente habilidade musical e demonstram facilidade e gosto para conversar (Freitas, 2000).
O INSTINTO DA LINGUAGEM RELACIONADO À SÍNDROME DE WILLIAMS No livro ‘’O instinto da linguagem’’, de Steven Pinker, é defendida a ideia de que a capacidade de produzir linguagem é, além de inata, característica própria da espécie humana, é um instinto e não produto de uma invenção cultural, mas sim de uma necessidade. Pinker também defende em sua obra que para que um indivíduo consiga desenvolver linguagem, ele não precisar estar inserido em uma comunidade linguística. ‘’A universalidade da linguagem complexa é uma descoberta que enche os linguistas de admiração e temor, e é a primeira razão para suspeitar que a linguagem não é apenas uma invenção cultural qualquer mas ‘’produto de um instinto humano específico.’’ (Steven, Pinker,2004, O Instinto da Linguagem – Cap 2, pág 21)
No capítulo 2 do livro de Pinker, de nome‘’Tagarelas’’, o autor apresenta os vários distúrbios, primeiramente, aqueles em que a linguagem é prejudicada enquanto a cognição não é, como os portadores da afasia de Broca e de SLI, e mais tarde, descreve os distúrbios em que ocorre justamente o quadro contrário, como pode ser observado na Síndrome de Williams. A Síndrome de Williams, tema central de nosso trabalho, é abordada por Pinker no relato do caso da menina Crystal, de San Diego, até então deficiente mental e com síndrome de tagarelice, cujo os pais leram um artigo de Chomsky e se interessaram pelo assunto e resolveram procurar o especialista. Chomsky recomendou aos pais da menina que procurassem algo que estivesse diretamente relacionado com o problema da filha, no caso, o laboratório da psicolinguísta Ursula Bellugi, em La Jolla. No laboratório, examinaram Crystal juntamente com outras crianças e descobriram todas as raízes genéticas que caracterizam a rara forma de retardo mental, denominada Síndrome de Williams. A característica da doença que possibilitou Pinker fazer um relação com sua teoria, de linguagem como um instinto humano, é o fato de serem proseadores fluentes, de conseguirem construir frases complexas e agramaticais sem grandes problemas e a criatividade para criar palavras incomuns ao mesmo tempo em que não conseguem realizar tarefas simples, que demandam um bom controle motor e uma boa noção de lateralidade. Uma pessoa com a SW não conseguirá lhe dar uma informação de onde reside ou até mesmo não terá condições de dirigir um veículo. Como este quadro é possível? Não teriam os portadores dificuldades para se comunicar?
Estudando a teoria instintiva da linguagem e a Síndrome de Williams, podemos nos reportar à Teoria da Modularidade da Mente, de Chomsky: ‘’A teoria da modularidade defende a afirmação de que a mente é formada por vários módulos de processamento de informação, e esses módulos operam de forma relativamente independente uns dos outros, processando somente um tipo específico de informação (corporal, visual, auditivo, linguístico...).não apreendido. O que ocorre ao longo de nossas vidas é um uma adaptação destes módulos ao ambiente, possibilitando a aprendizagem.’’ (FODOR, Jerry, A. Fundamentos Epistemológicos da Teoria Modular da Mente – pág. 5)
A teoria Chomskiana nos permite entender a característica mais visível nos portadores da SW, a linguagem preservada . Tal capacidade linguística, estaria sendo processada de forma independente das outras capacidades cognitivas, por isso o fato de Crystal e outras crianças do Instituto de Ursula Bellugi, serem tão tagarelas ao mesmo tempo em que não conseguem realizar operações de cálculo matemático. Quando Pinker menciona ‘’Não é preciso estar bem conectado com a realidade’’, dente outras características para explicitar a capacidade de fala dos humanos, esta citação, tem bastante a ver com os portadores de SW. De fato, eles possuem um retardo mental, mas desenvolvem a linguagem como uma necessidade, como um instinto humano inato para que consigam viver em sociedade. Essa capacidade ainda que imperfeita, só é possível por estar dissociada de outros sistemas cognitivos.
OPINIÃO DO GRUPO A RESPEITO DA TESE ESTUDADA DE STEVEN PINKER Ao realizar a análise das teorias a respeito da aquisição da linguagem, nos deparamos com uma linha de pensamento que parte, em certo ponto, da teoria Behaviorista, exemplificada por Skinner, que trás por pressuposto a associação e a indução como metódos de obtenção desta, até passarmos então pela teoria gerativista, que, por intermédio de Noam Chomsky e afirmação de Steven Pinker, introduz a esse contexto, derrubando assim a tese anterior, a ideia de uma “Gramática Universal” inata a ser humano. Ainda seguindo o contexto, Chomsky apresenta a tese a denominada “Modularidade da Mente”, onde segundo a observação das condições em que a linguagem se desenvolve, como no caso da pobreza de estímulo, explicitada pelo mesmo autor, deveria haver, em nosso cérebro, uma peça de constituição biológica, complexa e especializada, que desenvolvesse espontaneamente na criança, sem qualquer esforço consciente ou instrução forma, sendo assim, a linguagem se daria sem qualquer indução externa, indo contra a teoria de Skinner, anteriormente citada. Na obra analisado de Pinker, para o presente trabalho, nota-se como o mesmo busca desenvolver esta teoria inatista, sempre com o uso de exemplos científicos que deem suporte às suas indagações. Neste percurso, Pinker parte do pressuposto da universalidade da capacidade linguística,
onde a linguagem não seria apenas uma invenção cultural, reforçada por exemplos como o do homem das cavernas da Nova Guiné, adicionando, ao correr do texto, as demais características que irão formar sua tese, como a da complexidade da linguagem, onde a onipresença desta seria uma prova inegável de que a linguagem seja inata ao ser humano. Nesta parte da obra, Pinker introduz exemplos de crianças que reinventam a língua geração após geração, buscando por meio destes indícios sobre a criação de línguas a partir do zero, comprovar que a linguagem complexa seja portanto universal. Obrserva-se os exemplos a respeito da passagem do pidgin ao crioulo, da linguagem de sinais, bem como do uso do chamado “black english”. Ainda na sequência de Pinker, a próxima característica apresentada é a respeito do inatismo, onde, segundo Chomsky, o design básico da língua seria algo inato, observado devido à pobreza de INPUT do meio, como no caso de pais não escolarizados, porém com filhos capazes de realizar construções gramaticais complexas. Tudo isso leva, ao final da obra, à teoria, também de Chomsky, sobre a Modularidade da Mente, onde, acredita-se existir um local/estrutura, no cérebro dos seres humanos, que seria responsável a capacidade da aquisição espontânea de uma língua, que segundo Pinker, deve haver genes responsáveis por tal desenvolvimento. É, nessa parte de sua obra, que Pinker cita casos de pacientes com funções intelectuais intactas porém graves problemas relacionados à linguagem, e vice-versa, como no caso, em questão, da Síndrome de Williams, abordada neste trabalho. Com isso, Pinker conclui sua tese sobre a linguagem como um instinto, explicitando, o possível local no cérebro, onde haveriam genes responsáveis para tal função. Em face a esse quadro apresentado, torna-se necessário ainda, a inclusão de um novo item para então reforçar a opinião do grupo, responsável pela presente tarefa. Não é possível chegar a uma conclusão somente com as exposições de Pinker, de que a linguagem seja completamente inata, sem qualquer influência do meio para tal desenvolvimento. Torna-se necessária a busca por novas teorias a respeito do assunto, como é o caso de estudos mais recentes relativos à linguística cognitiva, como é o caso dos “Modelos Baseados no Uso”, citado por Tomasello (2003), onde as habilidades cognitivas não são específicas da linguagem, mas relacionadas também a outros domínios cognitivos. Portanto, mesmo com os indícios apresentados por Pinker, não se pode chegar a uma conclusão absoluta acerca desse assunto, bem como não torna possível a afirmação de que realmente existam genes responsáveis somente pela capacidade da linguagem. Porém, a opinião do grupo, não vai contra à ideia do inatismo da linguagem, porém, somente essa teoria, não é suficiente para explicar certos casos com os quais ainda nos deparamos, como o fato de buscar uma explicação de como a criança liga a gramática universal abstrata às particularidades da língua específica que ela está aprendendo, por exemplo. Portanto ao grupo, fica a ideia de que não há comprovação suficiente na tese de Pinker para sustentar que a capacidade da linguagem seja simplesmente inata ao homem e
que tenha um gene responsável somente para que tal função se desenvolva, mesmo sem influências e induções externas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CANDIOTTO, Kleber Bez Birolo. Fundamentos epistemológicos da teoria Modular da mente de jerry a. Fodor. São Paulo: Trans/Form/Ação, 2008. CHOMSKY, N. Linguagem e pensamento. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971 FERRARI, Lilian. Introdução à linguística cognitiva. São Paulo: Contexto, 2011 FREITAS, Maria Cláudia de. Uma avaliação das habilidades linguísticas de portadores da Síndrome de Williams. Tese UC. Ex.2 PUC-Rio. 2000. FODOR, Jerry, A. Fundamentos Epistemológicos da Teoria Modular da Mente – pág. 5) ROSSI , N. F.; MORETTI-FERREIRA, D.; GIACHETI, C. M. Genética e linguagem na síndrome de Williams-Beuren: uma condição neuro-cognitiva peculiar. PróFono Revista de Atualização Científica, Barueri (SP), v. 18, n. 3, p.331-338, set.dez. 2006. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento. 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Steven, Pinker,2004, O Instinto da Linguagem BELLUGI, U.; WANG, P. P.; JERNINGAN, T. L. William's syndrome: an unusual neuropsycological profile. In: BROMAN, S. H.; GRAFMAN, J. Atypical cognitive deficits in developmental disorders: implication for brain function. Hisdale (NJ): Erlbaum, 1994 Links: EULINA, oliveira. Doenças desconhecidas, mas não esquecidas. Revista OnLine VivaSaúde. <http://revistavivasaude.uol.com.br/Edicoes/27/artigo223882.asp>. Último acesso em: 10 de maio de 2012 às 07:12.