Ídolos do coração

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1ª Edição

IVIS FERNANDES

ÍDOLOS DO CORAÇÃO

www.todahelohim.com | 2012


Ivis Fernandes 1 Ídolos do coração

Sumário PREFÁCIO ............................................................................................................. 4 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5 2. COMPREENDENDO O CORAÇÃO ...................................................................... 8 2.1. O uso do termo “ídolo” nas Escrituras ................................................................................................ 8 2.2. O uso do termo “coração” nas Escrituras ......................................................................................... 10 2.3. Conceito ............................................................................................................................................ 12

3. COMPREENDENDO A IDOLATRIA ................................................................... 16 3.1. A raiz do pecado ................................................................................................................................ 16 3.2. Uma relação de troca ........................................................................................................................ 18 3.3. O egoísmo por trás da idolatria ......................................................................................................... 19 3.4. A “idolatria” a Deus ........................................................................................................................... 21

4. O CAMINHO PARA A IDOLATRIA .................................................................... 22 4.1. Conceitos errados (Cognitivo) ........................................................................................................... 22 4.2. Desejos errados (Afetivo) .................................................................................................................. 24 4.2.1. Desejos pecaminosos .................................................................................................................. 25 4.2.2. Desejos e necessidades .............................................................................................................. 26 4.2.3. Motivações básicas ..................................................................................................................... 30 4.2.4. Estimulação dos desejos ............................................................................................................. 32 4.3. Hábitos errados (Volitivo) ................................................................................................................. 33

5. O CAMINHO PARA A TRANSFORMAÇÃO ....................................................... 35 5.1. Conceitos corretos (Cognitivo) .......................................................................................................... 35 5.2. Desejos corretos (Afetivo) ................................................................................................................. 37


Ivis Fernandes 2 Ídolos do coração 5.3. Hábitos corretos (Volitivo) ................................................................................................................ 39 5.4. O processo de transformação ........................................................................................................... 40 5.5. Despojar, renovar e revestir .............................................................................................................. 43 5.6. Tarefas práticas e mudança de hábitos ............................................................................................. 46 5.7. Obediência versus sentimentos ........................................................................................................ 48

6. ESTUDO DE CASOS BÍBLICOS .......................................................................... 51 6.1. Raquel e Ana ..................................................................................................................................... 51 6.2. Asafe e Paulo ..................................................................................................................................... 54 6.3. Pedro e Paulo .................................................................................................................................... 55

7. CONCLUSÃO ................................................................................................... 58 APÊNDICE ........................................................................................................... 61 Perguntas para aconselhamento ............................................................................................................. 61 1. Físico ................................................................................................................................................. 61 2. Comportamental ............................................................................................................................... 61 3. Desejos/Emoções .............................................................................................................................. 62 4. Conceitos/Crenças ............................................................................................................................ 62 5. Prioridades ........................................................................................................................................ 63 Tarefas para aconselhamento .................................................................................................................. 63 1. Diário de pensamentos ..................................................................................................................... 63 2. Mudança de pensamentos ............................................................................................................... 66 3. Folha de solução de problemas ........................................................................................................ 67 4. Decisões orientadas pela Bíblia ........................................................................................................ 68 5. Outras tarefas ................................................................................................................................... 69

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 70


Ivis Fernandes 3 Ídolos do coração

EDIÇÃO ............................................................................................................... 72


Ivis Fernandes 4 Ídolos do coração

Prefácio

Desde a minha conversão, algumas questões ardem em meu coração: Por que eu faço isso? Por

que caio repetidamente nestes pecados? Como posso mudar minha maneira de agir e crescer em santidade? No princípio, aventurei-­‐me a dar alguns passos por conta própria em busca das respostas. Creio que o Espírito Santo me encaminhou até algumas delas, ainda que lhes faltasse profundidade naquele momento. Depois, dei mais alguns passos sob a tutela de cristãos mais experientes. Ainda hoje caminho nesta direção, desejoso de compreender cada vez mais a Deus e Sua vontade e o enganoso coração humano (Jr 17.9), debaixo da orientação das Escrituras e do Espírito Santo, para ajudar outros cristãos que, como eu, desejam ser mais semelhantes a Cristo.

Esta obra foi escrita para ser um trabalho acadêmico. Por isso, você perceberá a existência de

alguns termos técnicos e o uso de palavras em grego e hebraico sem a devida transliteração. Ao mesmo tempo, minha preocupação foi a de desenvolver uma ajuda simples e prática para aqueles que desejam crescer em santidade e auxiliar outros a lidar com o pecado em suas vidas. Desse modo, procurei apresentar, da forma mais clara que me foi possível, uma compreensão bíblica do coração e uma proposta, que também creio ser bíblica, de como buscarmos as mudanças necessárias do coração. Minha oração é que este trabalho seja uma bênção para a sua vida e que o ajude a dar os passos necessários rumo à transformações duradouras e significativas! -­‐-­‐ Ivis Fernandes -­‐ 08/11/2012


Ivis Fernandes 5 Ídolos do coração

1. Introdução Algo que pode intrigar muitos estudiosos da Palavra de Deus é como o povo de Israel pôde envolver-­‐se com a idolatria mesmo testemunhando tão de perto a ação divina. Logo após contemplar as grandes realizações de Deus ao livrá-­‐los da escravidão do Egito, o povo abandonou ao Senhor e se envolveu na adoração de um bezerro de ouro (Gn 32). Como Israel poderia cometer tamanha loucura? Parece algo extremamente difícil de entender e aceitar. Corre-­‐se o risco de pensar que hoje nunca faríamos nada semelhante a isso. Contudo, quando analisamos a Palavra de Deus mais atentamente, vemos que também os cristãos podem cair no mesmo erro, embora de uma forma um pouco distinta. Dificilmente veríamos um autêntico cristão prostrado diante de uma imagem. Porém, infelizmente, está se tornando cada vez mais comum observarmos crentes presos a hábitos pecaminosos escravizadores. A idolatria acontece no seu interior. Pessoas se prostram diante de ídolos que colocam em seus corações, adoram-­‐ nos e satisfazem os seus desejos. A idolatria ainda persiste em nossos dias. Contudo, teremos uma visão limitada se entendermos que ela está restrita apenas à adoração de imagens feitas por pagãos. Existe um número cada vez maior de idólatras nas igrejas. O problema é que muitos ainda não se deram conta disso. É preciso entender este problema à luz das Escrituras, de modo que a igreja possa prestar um auxílio eficaz no combate a este pecado tão abominável aos olhos do Senhor. Apesar da adoração a imagens e outros deuses ser uma prática igualmente abominável diante de Deus, nosso foco está voltado para a idolatria do coração. Isso se deve a três motivos básicos. O primeiro deles é que, nos evangelhos, vemos que Jesus voltou-­‐se para o coração do homem, preocupado não apenas com as ações em si, mas com o interior humano. O segundo refere-­‐se ao fato de que todo comportamento pecaminoso (inclusive a adoração de imagens) está ligado ao coração e, desse modo, a transformação deve partir daí. Além disso, o terceiro motivo refere-­‐se ao fato de que, como já mencionamos, o principal problema dos cristãos em nossos dias não está tão ligado à idolatria de imagens quanto à idolatria do coração. O presente estudo parte do pressuposto de que se está abordando um cristão. Apenas a graça de Deus manifestada em Cristo torna possível qualquer tipo de transformação genuína e duradoura. Desse modo, caso o indivíduo em busca de ajuda não seja cristão, é necessário um pré-­‐ aconselhamento, que foca o evangelho. Este trabalho se propõe a compreender biblicamente a idolatria do coração, que se manifesta em muitos e distintos tipos de pecado. A compreensão do pecado sob a forma de ídolos do


Ivis Fernandes 6 Ídolos do coração coração auxilia o conselheiro bíblico a ajudar pessoas que lutam contra seus pecados. Conforme afirma David Powlison: “se quisermos ajudar as pessoas a volver os olhos e ouvidos para Deus, devemos saber bem quais os deuses alternativos que clamam por atenção. Essas forças e influências não determinam e nem desculpam o nosso pecado. Mas nutrem, canalizam, e exacerbam nossa pecaminosidade em determinadas direções. Freqüentemente são influências atmosféricas, invisíveis, inconscientes. O arrependimento consciente começa a florescer quando eu vejo tanto as minhas 1 distorções quanto as distorções que me são impingidas pelas outras pessoas.” (grifo nosso).

Não se trata, contudo, de um estudo exaustivo. Os limites deste trabalho permitem apenas uma visão panorâmica sobre o assunto, traçando linhas gerais, que consistem numa introdução ao tema. Além disso, seria excessiva pretensão querer resumir em poucas páginas a complexidade do coração pecaminoso do homem, ao qual foram dedicados muitos volumes redigidos por pessoas competentes e profundamente conhecedoras do assunto. Entretanto, isso não significa que o coração humano não possa ser compreendido de forma objetiva e simples. Por trás da complexidade e variedade de expressões pecaminosas, que são fruto da singularidade de cada ser humano, existem fundamentos gerais, comuns a todas as pessoas. Nas palavras de Jay Adams: Abaixo dos estilos variados de pecado existe muito em comum. (...) Os estilos (combinações de pecados e evasões) são peculiares de indivíduo para indivíduo; porém, abaixo desses estilos ficam os temas comuns. O trabalho do conselheiro 2 consiste em descobrir esses temas abaixo das individualidades .

Este trabalho se propõe a buscar compreender estas linhas gerais, que estão por trás de todo comportamento pecaminoso, fazendo isso da perspectiva das Escrituras. Não negligenciamos, entretanto, a perspectiva secular e humanista e nem mesmo o ponto de vista daqueles que buscam conciliar a Palavra de Deus com a palavra de homens. Apesar destas vertentes terem sido analisadas durante o processo de pesquisa, pouca atenção é dedicada a elas, pois a ênfase principal do trabalho é compreender o que a Bíblia diz sobre o assunto. Também buscaremos identificar qual é o caminho que conduz à idolatria, de modo a podermos seguir o caminho inverso, de acordo com a orientação das Escrituras, e eliminar os ídolos, 1

POWLISON, David. Ídolos do coração e feira das vaidades. Brasília: Refúgio, 1ª edição, 1996, p. 57.

2

ADAMS, Jay E. O manual do conselheiro cristão. São José dos Campos: Fiel, 6ª edição, 2006, p. 123.


Ivis Fernandes 7 Ídolos do coração utilizando uma fórmula bíblica para entendê-­‐los e tratá-­‐los. Além disso, esta pesquisa se propõe a apresentar estudos de casos bíblicos, nos quais serão verificadas as questões do coração, nos moldes propostos por este trabalho. Por fim, apresentaremos alguns elementos práticos para o aconselhamento bíblico, bem como perguntas a serem utilizadas no momento do aconselhamento e também tarefas práticas, que poderão ser dadas ao aconselhado com vistas a representarem uma forma de ajudá-­‐lo a praticar os princípios bíblicos sobre o tema, e assim livrar-­‐se de práticas pecaminosas.


Ivis Fernandes 8 Ídolos do coração

2. Compreendendo o coração3 Começando nossa jornada em busca da compreensão do coração humano, é essencial um estudo, ainda que breve, sobre a forma pela qual as Escrituras entendem o assunto. Várias tentativas de se interpretar os problemas do homem falham por estarem baseadas numa perspectiva essencialmente humanista. O resultado disso é a utilização de técnicas para combater o pecado que acabam mostrando-­‐se infrutíferas ou paliativas. Por isso, é indispensável buscar na Palavra do Criador a correta forma de interpretar o coração da criatura. Muitos poderiam pensar que a Bíblia pouco fala sobre o assunto, mas a verdade é que muito pode ser encontrado sobre este tema nas Escrituras. O conteúdo bíblico nos fornece o necessário para abordar o assunto de forma suficiente, de modo a chegarmos a conclusões claras sobre o funcionamento do coração humano.

2.1. O uso do termo “ídolo” nas Escrituras Comecemos ponderando sobre os ídolos. O termo “ídolo”, ou equivalente, aparece cerca de duzentos e quarenta vezes nas Escrituras. A maior parte destes usos ocorre no Antigo Testamento, onde é utilizado pouco mais de duzentas vezes. Pelo menos quinze palavras são usadas no hebraico para se referir, direta ou indiretamente, aos ídolos ou às imagens: ‫רפִים‬ ָ ‫( ְתּ‬idolatria, ídolos, imagens); ‫ה‬

‫אֲשֵׁר‬

(deusa babilônica); ִ‫( אֱלִיל‬de nada, sem valor); ‫ה‬

‫בָּמ‬

(lugar alto, colina); ֵ‫גִּלּוּל‬

(ídolos); ‫( הֶבֶל‬vapor, fôlego, vaidade); ִ‫( צִיר‬imagem, ídolo); ‫שׁקֻּץ‬ ִ (ídolo, abominação); ‫שּׁוְא‬ ָ (vacuidade, falsidade); ֶ‫( עֲצַבּ‬ídolo, imagem); ‫( פֶּסֶל‬ídolo, imagem); ‫בנִית‬ ְ ‫( ַת‬figura, imagem); ‫( מַסֵּכָה‬libação, imagem fundida); ָ‫( מִפְלַצְתּ‬coisa horrível, repugnante); ‫לם‬ ֶ ‫( ֶצ‬imagem, vazio) e ‫( סֵמֶל‬imagem, estátua, ídolo). Podemos observar que existe uma certa ênfase no fato de que os ídolos são “imagens”. Com efeito, o termo usado para se referir à imagem de Deus no homem (Gn 1.26), também é aplicado aos ídolos ( ‫צלֶם‬ ֶ ). Os ídolos, portanto, refletem a imagem de algo, mas não a de Deus, pois as

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Os estudos de vocábulos (não exaustivos) deste capítulo foram feitos pelo autor com o uso dos programas Bíblia on-­‐line e Libronix digital library system.


Ivis Fernandes 9 Ídolos do coração Escrituras referem-­‐se a eles como “abominação” ( ‫שׁקֻּץ‬ ִ ), “coisa horrível e repugnante” (ָ‫ )מִפְלַצְתּ‬ e “falsidade” (‫שּׁוְא‬ ָ ). Esta é a razão pela qual Deus proíbe o homem de fazer qualquer representação ( ‫ )פֶּסֶל‬ de coisas criadas com o intuito de adorá-­‐las. Deus é infinito, e não pode ser representado. Qualquer tentativa seria uma aberração e uma imagem distorcida da pessoa de Yahweh. O próprio Deus tomou o cuidado de não se manifestar a Israel sob algum tipo de forma que poderia ser distorcida e adorada pelo homem (Dt 4.15-­‐18). A Bíblia mostra que ídolos são representações vazias, desprovidas de conteúdo. Se o objetivo da imagem é representar de algum modo a divindade, Deus afirma que são símbolos inúteis, pois aquilo a que se propõem a representar não existe (Is 44.9-­‐20). Por isso, as Escrituras chamam os ídolos de “nada” e “sem valor” (ִ‫ ;)אֱלִיל‬ “vapor”, “fôlego” e “vaidade” (‫ ;)הֶבֶל‬ “vacuidade” e falsidade ( ‫שּׁוְא‬ ָ ); “vazio” ( ‫צלֶם‬ ֶ ). Deus também proíbe expressamente a criação de ídolos (‫ )פֶּסֶל‬ que tenham a semelhança de qualquer elemento da criação (Ex 20.4). Nada, além de Deus, deve receber a adoração dos homens (Ex 20.5). No Novo Testamento, a palavra mais usada é ε “réplica”. Etimologicamente, o termo é derivado de ε

δώλον, que significa “imagem”,

δος, que significa “aparência externa”, “forma”.

Contém a idéia de algo que representa a forma de um objeto, seja de modo real ou imaginário. Essa é a idéia básica das Escrituras a respeitos dos ídolos: são imitações. Na Septuaginta também encontramos alguns termos usados para se referir aos ídolos. Em Ezequiel 14.3, o termo ֵ‫ גִּלּוּל‬é traduzido como διανοήµατα (διανοήµα). O significado básico desta palavra grega é de "pensamento, conteúdo do raciocínio". O mesmo termo é usado em Lucas 11.17 para se referir ao fato de que Jesus conhecia os pensamentos das pessoas que O acusaram de expulsar demônios em nome de Belzebu. Em Ezequiel 16.36, 18.6, 23.37 e outros, a Septuaginta utiliza o termo

νθυµήµατα para traduzir a mesma palavra (‫)גִּלּוּל‬. O significado básico é semelhante ao de διανοήµατα, fazendo referência aos pensamentos de uma pessoa. Contudo, em Ezequiel 14.22,23 e 24.14 é usado para traduzir ‫עֲלִילוֹה‬, que significa obras devassas, ações perversas. Mas a maioria de seus usos está ligado a ídolos ( ‫)גִּלּוּל‬.


Ivis Fernandes 10 Ídolos do coração Em 1 Reis 21.26 o termo usado é Septuaginta para o termo

βδελυγµά. Também é a tradução feita pela

‫גִּלּוּל‬. O significado básico desta palavra grega abrange a idéia de algo

"detestável", "abominável". Transmite um sentimento muito forte de repugnância e asco. O termo, assim como tantos outros usados para se referir aos ídolos, destaca a idéia repetida pelas Escrituras de que qualquer tentativa representar e substituir a Deus é uma completa aberração aos olhos do Senhor. Podemos observar que o uso do termo “ídolo” nas Escrituras tem a conotação de uma reprodução da imagem de algo existente com o intuito de adorá-­‐la. No entanto, são vazias, pois a divindade que visam representar não existe. Mesmo se tratando de uma representação do Deus verdadeiro, a imagem não é aceitável, já que o uso de qualquer coisa criada para representar o Criador seria uma limitação da imagem do Deus infinito. Por isso, em qualquer circunstância, os ídolos são abominações diante do Senhor, pois afastam o homem da adoração que somente a Ele é devida. Os ídolos são imitações vãs e distorcidas de um Deus que não pode ser imitado. Sendo descritos como “abominação” ( ‫שׁקֻּץ‬ ִ ), “coisa horrível e repugnante” (ָ‫)מִפְלַצְתּ‬, eles representam a imagem, não de Yahweh, mas do próprio coração humano pecador, que possui em si mesmo, o desejo de ser como Deus (Gn 3.5). Nesse sentido, da mesma forma como o homem foi criado à imagem ( ‫צלֶם‬ ֶ ) de Deus, o homem criou deuses que refletem a imagem da maldade de seu próprio coração. Com efeito, o livro de Isaías deixa claro que o homem cria, a partir da madeira, um ídolo que seja à sua semelhança ( ‫בנִית‬ ְ ‫ ) ַת‬ e que expresse a sua própria beleza ou glória (‫ תִפְאֶרֶת‬-­‐ Is 44.13). Além disso, não podemos desconsiderar o fato de que as Escrituras destacam a idéia de que por trás dos ídolos existe uma influência demoniaca (Lv 17.7; Dt 32.17; Sl 106.37), que deseja desvirtuar a imagem de Deus (2 Ts 2.4). Diante disso, podemos concluir que o uso do termo "ídolo" nas Escrituras aponta para o fato de que se trata de uma imitação criada pelo homem com o objetivo de reproduzir a Deus, mas que é, na verdade, cópia de seu próprio coração caído, e que, por conseguinte, acaba ocupando o lugar de Deus na vida do ser humano. Neste sentido, a Bíblia repetidamente os qualifica como abominações.

2.2. O uso do termo “coração” nas Escrituras O termo “coração” aparece cerca de oitocentas vezes nas Escrituras. Destas, por volta de seiscentas e cinqüenta estão no Antigo e cerca de cento e cinqüenta estão no Novo Testamento.


Ivis Fernandes 11 Ídolos do coração No Antigo Testamento, apenas o vocábulo ‫( לֵב‬e sua variante ִ‫ )לֵבָב‬ é usado para designar a idéia de coração. O seu sentido abrange a idéia de alma (2 Rs 5.26), mente, conhecimento (1 Rs 3.12; 4.29), razão (Jó 12.24), reflexão (Ne 5.7), memória, resolução (2 Cr 24.4), determinação da vontade (Ex 25.2; 35.21), lugar das emoções (Ex 4.14; 1 Sm 2.1). Em Gênesis 8.21, é usado para se referir ao propósito “íntimo” do homem, que é mal. Também é utilizado para se referir à sede dos pensamentos (Gn 24.45). No Novo Testamento, pelo menos três vocábulos são traduzidos como “coração”. O primeiro deles é καρδία. Este vocábulo traz em si o sentido de órgão do corpo, centro da vida física e espiritual, fonte ou lugar dos pensamentos (Mt 9.4), crenças (Mt 24.48; Mc 11.23; Lc 2.35), desejos (Mt 5.28; 6.21), emoções (Jo 16.22; At 2.26), propósitos (Mt 9.4; At 5.4); centro da vontade e caráter (Mt 15.19; Lc 6.45). O segundo é ψυχ , que compreende a idéia de respiração, fôlego da vida (Mt 2.20), força vital que anima o corpo (Mt 10.28; Mc 10.45), alma (lugar dos sentimentos e afeições – Mt 26.38; Hb 10.38). O terceiro vocábulo é σπλάγχνον. Seu sentido literal é “entranhas”, “intestinos”. Também compreende a idéia de “sede das paixões”, já que se entendia que as vontade mais intensas do homem provinham de suas entranhas. Os termos traduzidos no Novo Testamento como coração algumas vezes são utilizados como contendo significados distintos e outras vezes são usados de forma intercambiável. Mas em quase todos os casos, a Bíblia se refere ao aspecto interior e imaterial do homem, o qual deve ser plenamente dedicado a Deus. Vemos em Mateus 22.37, por exemplo, que as Escrituras destacam a importância de que todo o ser interior do homem seja completamente devoto ao Senhor: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (καρδία), de toda a tua alma (ψυχ ) e de todo o teu entendimento (διανο

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mente, entendimento, pensamentos)".

Podemos perceber que o uso do termo “coração” nas Escrituras é muito distinto do conceito ocidental, que considera o coração simplesmente como um órgão ou como a sede das emoções. Para o judeu, o sentido era muito mais abrangente. Englobava ainda a idéia de razão, desejos e vontade. Para efeitos deste trabalho estamos estendendo o termo "coração" para além do simples significado dos termos ‫ לֵב‬e καρδία, e abrangendo todo o aspecto interior do homem e, conseqüentemente outros termos correlatos, na medida em que muitas vezes o conteúdo dos termos possui vários pontos de contato. Diante disso, podemos entender o coração como a sede dos pensamentos e razão (cognitivo), das emoções e desejos (afetivo) e da vontade e ação (volitivo). Isso nos mostra que é no seu interior que as escolhas e decisões são feitas. Por conseguinte, é nele que se trava a


Ivis Fernandes 12 Ídolos do coração batalha entre o pecado e a santidade, entre a dedicação a Deus e o amor pelas coisas deste mundo. É no coração que adoramos a Deus ou a ídolos.

2.3. Conceito Um texto importante para uma correta compreensão do significado de “ídolo do coração” é Ezequiel 14.3: “Filho do homem, estes homens levantaram os seus ídolos dentro do seu coração, tropeço para a iniqüidade que sempre têm eles diante de si; acaso, permitirei que eles me interroguem?” Diferentemente do uso mais comum do termo, o profeta Ezequiel o aplica à adoração que ocorre dentro do coração humano. A referência não é a imagens, estátuas ou coisas semelhantes, mas a tudo que o coração do homem venha a adorar dentro de si. O contexto indica que “ídolo do coração” é tudo aquilo que ocupa o lugar de Deus na vida de alguém: Ezequiel 14.7: porque qualquer homem da casa de Israel ou dos estrangeiros que moram em Israel que se alienar de mim, e levantar os seus ídolos dentro do seu coração, e tiver tal tropeço para a iniqüidade, e vier ao profeta, para me consultar por meio dele, a esse, eu, o SENHOR, responderei por mim mesmo (ênfase nossa).

O texto deixa claro que aquele que se aproxima de ídolos está se afastando de Deus. Isso acontece pelo fato de que o coração humano não comporta a dedicação dupla. A Bíblia destaca o fato de que é impossível servir a dois senhores (Mt 6.24). Desse modo, ao se aproximar de um ídolo o homem está se distanciando de Deus. O resultado natural disso é que esta escolha se torna motivo de constante tropeço para o idólatra, que tem o seu comportamento moldado por aquele a quem serve. Como a própria expressão deixa claro, a idolatria ocorre no coração. Levando em conta o uso do termo “coração” nas Escrituras como vimos anteriormente, podemos concluir que a idolatria afeta o entendimento e crenças (cognitivo), as emoções e desejos (afetivo) e vontades (volitivo). Veremos isso de forma mais detalhada posteriormente. Porém, podemos adiantar que um dos aspectos mais consideráveis na idolatria do coração são os desejos da carne, que anseiam por ser satisfeitos. É no ídolo que o homem pensa encontrar a satisfação para estes desejos. Avaliemos o exemplo bíblico de Raquel. Em Gênesis 30.1 vemos esta mulher demonstrando inveja e um grande desespero por não ter filhos, enquanto sua irmã Lia tinha vários: “Quando Raquel viu que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã. Por isso disse a Jacó: 'Dê-­‐me filhos ou morrerei!'”. Podemos dizer que o ídolo do coração de Raquel era “filhos”. Contudo, a razão de sua inveja e desespero é mais profunda do que o desejo de ter filhos. Ela os queria porque pensava


Ivis Fernandes 13 Ídolos do coração encontrar neles aquilo que iria satisfazer seu desejo mais profundo por significado dentro de sua família e dentro daquela sociedade, que enfatizava excessivamente o papel de mãe para as mulheres. Se não tivesse filhos, na compreensão de Raquel, ela perderia sua importância diante de seu marido para Lia (havia uma disputa entre as irmãs – Gn 30.20) e seu valor dentro da família (Gn 30.8). Raquel tinha um desejo idólatra de reconhecimento (orgulho). Os filhos, assim, se tornaram seu ídolo porque pareceram poder satisfazer seus desejos mais fortes. Apenas para uma melhor compreensão do assunto, fazemos uma distinção entre ídolos e desejos idólatras. Apesar de estarem intimamente relacionados, podem ser identificados como elementos distintos. Os desejos idólatras compreendem os anseios mais intensos do ser humano quando voltados para qualquer outro objeto que não seja o próprio Deus. O ídolo, por sua vez, é tudo aquilo a que um indivíduo se apega por entender que é nisso que encontrará a satisfação dos seus desejos. O desejo é o objetivo e o ídolo é o meio para alcançá-­‐lo4. Um exemplo disso, semelhante ao de Raquel, é o caso de alguém que anseia por ser apreciado e reconhecido pelas pessoas (desejo idólatra), e que encontra a sua satisfação no desenvolvimento de uma forma física que todos apreciem. Neste caso, a atividade física, apesar de não ser errada em si mesma, pode se tornar um ídolo.

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As razões para esta distinção ficarão mais claras no capítulo "Compreendendo a idolatria", p. 15.


Ivis Fernandes 14 Ídolos do coração

Esta pode parecer uma distinção um pouco artificial, na medida em que muitos identificam os dois elementos. Contudo, ela pode ajudar no aconselhamento. Pode ser fácil confundir-­‐se quando se busca identificar apenas o ídolo, pois muitos deles podem ser usados para satisfazer diferentes desejos idólatras. Do mesmo modo, anseios distintos podem resultar em ídolos semelhantes. No entanto, é importante que se identifique corretamente tanto os desejos como os ídolos, de modo que o aconselhamento não siga uma direção errada. Assim, quando não se faz distinção entre estes dois elementos, é possível que o conselheiro focalize apenas o "meio" (ídolo) e não o "objetivo" (desejo idólatra) do aconselhado. Raquel é um exemplo disso. Como vimos, seu ídolo era "filhos", mas seu desejo idólatra parece ser o de reconhecimento dentro da família (orgulho). Neste sentido, o aconselhamento seria mais difícil se o conselheiro focalizasse apenas nos filhos, e deixasse de lado aquilo que motivou esta busca pecaminosa. Esta distinção, todavia, parece abranger apenas problemas relacionados com coisas ou pessoas, que podem servir como "meios" para a satisfação dos anseios do coração. Por outro lado, nas dificuldades relacionadas com "ações" (ou omissões), não existe um objeto em si que pode se tornar o


Ivis Fernandes 15 Ídolos do coração ídolo, mas não podemos negar que os desejos idólatras estão presentes. No caso de ira no trânsito, por exemplo, se uma pessoa reage pecaminosamente, gritando e ofendendo outro motorista que cortou a sua frente numa avenida, o anseio de poder dirigir tranqüilamente e de ter coisas do jeito que quer (egoísmo) está presente, mas não existe, neste caso, um objeto para satisfazê-­‐lo. O desejo está no coração, e quando ele é ofendido, surge um comportamento pecaminoso com o objetivo de protegê-­‐lo. Desse modo, parece ser correto afirmar que todos os pecados possuem um desejo idólatra, mas nem todos possuem um ídolo. Diante disso, podemos entender “ídolo do coração” como sendo tudo aquilo que o homem adora por acreditar encontrar nisso a satisfação para os seus desejos mais profundos. É tudo aquilo que o ser humano ama mais do que a Deus, e que ocupa o lugar dEste em sua vida, mesmo que apenas momentaneamente. Essa idolatria ocorre como conseqüência de uma deturpação de conceitos e crenças (cognitivo), desejos (afetivo) e vontade (volitivo), ou seja, ocorre quando cada uma das principais áreas do coração é afetada. Esta compreensão amplia consideravelmente o campo da idolatria. Enquanto o entendimento comum considera a idolatria como a adoração a imagens ou a falsos deuses, as Escrituras parecem afirmar a existência de um culto que o homem celebra em seu coração quando dá prioridade a qualquer outra coisa que não o próprio Deus verdadeiro.


Ivis Fernandes 16 Ídolos do coração

3. Compreendendo a idolatria Prosseguindo nossa jornada em busca da compreensão do coração humano, passemos agora a avaliar a idolatria do coração e algumas questões a ela relacionadas.

3.1. A raiz do pecado Algo que a Palavra de Deus deixa claro é que o pecado vem do coração humano corrompido. Jesus destaca este ensinamento em Marcos 7.14-­‐23. Nesta ocasião, discutiu com os fariseus, que davam excessiva importância aos rituais externos, os quais não atingiam o cerne do problema. Jesus, então, mostra que a questão não envolve simplesmente o comportamento, mas a origem dele, ou seja, o coração. Neste sentido, muitos dos ensinamentos de Cristo visavam mudar o foco do comportamento para o coração. No Sermão do Monte vemos alguns exemplos disso. Ao falar sobre o homicídio, aponta para a ira do coração (Mt 5.21,22). Ao tratar do adultério, mostra que a questão envolve os maus desejos do coração (Mt 5.27,28). Jesus está mais uma vez mostrando que uma ação pecaminosa é resultado daquilo que existe no interior do homem. Jeremias 17.9 também mostra o problema do coração ao afirmar que “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” Ele é traiçoeiro e doente. Possui uma inclinação para aquilo que é errado. Isso nos mostra que o coração por inteiro (cognitivo, afetivo e volitivo) está corrompido pelo pecado. Por conseguinte, o pecado afeta a capacidade de conhecimento do ser humano. A maneira pela qual ele entende a realidade à sua volta é distorcida e envolvida pelo engano. Essa é a razão pela qual o homem desenvolve pensamentos que desconsideram a verdade revelada por Deus. É o caso da teoria da evolução, que nada mais é do que uma forma de reinterpretar a realidade da existência do universo desprezando a explicação bíblica, a qual considera loucura (1Co 2.14). O pecado também distorce os desejos humanos. Por isso, o que vemos é que o homem possui uma especial atração por aquilo que é errado. Isso pode ser visto no fato de que muitos sentem especial atração pelo sexo fora do casamento, e consideram “sem graça” a prática sexual monogâmica, nos padrões das Escrituras. São os desejos humanos inclinados para longe de Deus.


Ivis Fernandes 17 Ídolos do coração Além disso, o pecado também afeta a vontade humana. Suas escolhas e sua determinação para agir são influenciadas pela corrupção existente no coração. É por isso que o homem pratica atos pecaminosos, pois sua vontade não está voltada para Deus, mas para si mesmo. Diante de tudo isso, parece desnecessário afirmar que o foco para a transformação de vida é o coração e não a mudança do comportamento em si. É por isso que Jesus critica severamente a hipocrisia dos fariseus, que atentavam apenas para as ações, mas negligenciavam o coração: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles são cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo. Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade.” (Mt 23.25-­‐28)

De nada adianta mudar o comportamento, se o coração permanecer o mesmo. A maldade continuaria no interior do homem e encontraria outras formas de se expressar. Por isso Jesus ensina que é preciso limpar o interior do copo, ou seja, o coração, e a conseqüência disso é que o exterior do copo, ou seja, nossas ações, serão limpas. Apesar da ênfase dada por Jesus e pelas Escrituras em geral ao problema do coração, o que vemos em nossos dias é um distanciamento cada vez maior da doutrina bíblica sobre o pecado ocasionada por uma avaliação humanista do assunto. O pecado não é mais visto como procedente do coração humano, mas sim como uma conseqüência praticamente inevitável de influências externas. A criminalidade não é mais interpretada como fruto de escolhas erradas de um coração pecador, mas como resultado de pais ausentes e de uma infância privada de amor, segurança e exposta à violência e miséria. A ira não é mais um problema do coração humano, mas o resultado do stress do dia-­‐a-­‐dia e até mesmo uma predisposição genética. Esta transferência de culpa, entretanto, não é peculiar aos nossos dias. Ela ocorre desde a queda da humanidade. Quando Deus chamou o homem para prestar contas de seus atos, este imediatamente colocou a responsabilidade sobre Eva (Gn 3.11,12). Eva, por sua vez, acusou a serpente pela sua má escolha (Gn 3.13). Para o ser humano é extremamente difícil assumir a responsabilidade pelos seus pecados diante de Deus. A conseqüência disso é que o pecado deixa de ser responsabilidade do indivíduo, que passa a ser apenas uma vítima do erro de outras pessoas. Sem o reconhecimento da responsabilidade por seus atos não existe arrependimento e confisão de pecados, e, por conseguinte, não ocorre autêntica


Ivis Fernandes 18 Ídolos do coração transformação de vida. Portanto, todo processo de mudança do coração passa, necessariamente, pela compreensão de que a raiz do pecado está no coração, ou seja, que uma pessoa é responsável pelos seus atos diante de Deus, e que não pode responsabilizar outra pessoa por suas escolhas (Ez 18).

3.2. Uma relação de troca A idolatria representa nada mais do que uma relação de troca. O homem possui os seus desejos pessoais, que podem ser dos mais variados tipos e graus de intensidade. A satisfação destes desejos quase sempre depende de um elemento externo. Ao perceber que algo pode satisfazer seu desejo, se este não for controlado, a conseqüência será a idolatria, ou seja, o indivíduo fará de tudo para buscar neste elemento externo a satisfação dos seus desejos, criando, assim, uma relação idólatra. O ser humano sempre precisou lidar com esta questão, afinal, os desejos sempre fizeram parte do homem. Assim, ele desejava, por exemplo, a provisão de alimentos para poder sobreviver com tranqüilidade. Mas logo percebeu que não tinha controle sobre a natureza. Ele não podia determinar quando deveria chover ou quando deveria fazer sol. Foi neste momento que surgiu um tipo de idolatria. O homem passou a adorar o sol, ou o “deus do sol”. Também adorou ao “deus da chuva” e outros mais. Ele fez isso porque precisava que sua plantação crescesse, de modo a lhe garantir um sustento abundante. O homem começou a se relacionar com os deuses porque eram eles que poderiam lhe dar aquilo que ele desejava. Podemos ver um exemplo disso em Israel. No livro de Oséias, Deus faz uma comparação da idolatria do povo com uma mulher que adultera e trai o seu marido: “A mãe deles foi infiel, engravidou deles e está coberta de vergonha. Pois ela disse: 'Irei atrás dos meus amantes, que me dão comida, água, lã, linho, azeite e bebida'” (Os 2.5). Vemos que Israel se envolveu com a idolatria porque pensava que eram os ídolos que lhe davam o sustento. Eles adoravam Baal porque este era o deus que controlava a natureza e podia dar as condições para que tivessem os recursos que queriam. Mas Deus mostra algo diferente: “Ela não reconheceu que fui eu quem lhe deu o trigo, o vinho e o azeite, quem a cobriu de ouro e de prata, que depois usaram para Baal” (Os 2.8). Deus mostra que é Ele que lhes dava os recursos e não Baal. Em troca da satisfação de seus desejos, o homem dava aos deuses a sua devoção e adoração. Assim, o homem criava cultos, sacrifícios e rituais que agradassem aos deuses, e em troca os deuses lhes “davam” o que pediam. A idolatria, portanto, nada mais era do que uma troca. O mesmo acontece na idolatria do coração. Contudo, os deuses não são mais imagens ou qualquer tipo de


Ivis Fernandes 19 Ídolos do coração “divindade”, mas são todas as coisas deste mundo que, potencialmente, podem satisfazer os desejos idólatras do coração humano. O exemplo mais tradicional disso é o alcoolismo. Imaginemos uma pessoa que possui um forte desejo de “se libertar das preocupações” de sua vida, ou de se ver incluída no seu ambiente social de pessoas que bebem, ou ainda de perder a inibição para os relacionamentos. Ela possui um desejo idólatra por isso, que se torna maior do que sua vontade de agradar a Deus. Então ela encontra na bebida o “deus” que pode dar aquilo que tanto deseja, ainda que seja de forma limitada e que o preço para isso seja caro. Estabelece-­‐se, então, uma relação idólatra dependente, na qual a bebida satisfaz os desejos do “adorador” e este satisfaz os desejos do seu “deus”, dando à bebida um lugar de proeminência em sua vida. Esta relação de troca parece estar presente em todos os tipos de idolatria. É de grande ajuda que o aconselhado perceba que seu comportamento pecaminoso compreende uma troca, na qual seus desejos idólatras buscam satisfação. Isso lhe dará uma visão de como suas ações e atitudes estão permeadas pelo egoísmo. A exposição ao egoísmo e maldade do seu coração deve conduzir o aconselhado ao arrependimento e à busca do verdadeiro Deus.

3.3. O egoísmo por trás da idolatria Se entendermos que o ídolo é aquilo que satisfaz os desejos humanos pecaminosos, significa que o homem, na verdade, adora a si mesmo, pois se prostra diante de tudo aquilo que o possa satisfazer. O idólatra não busca agradar o seu deus de um modo altruísta, mas está sempre buscando barganhar, objetivando algum tipo de retorno ou retribuição pelos favores prestados. Quando consideramos a idolatria do coração a realidade é a mesma. Mas neste caso, o objeto da adoração não é uma imagem e sim tudo aquilo que possa satisfazer o desejo pecaminoso do coração humano. Assim, se um indivíduo possui o forte desejo de ser aceito e amado pelas pessoas à sua volta, tudo aquilo que puder lhe proporcionar isso é um ídolo em potencial. Talvez o seu ídolo se torne o dinheiro, a aparência física ou a bebida, que lhe permite “se soltar” e se relacionar melhor com as pessoas. Como afirma Edward Welch: “o meu propósito não é exaltar o ídolo acima de mim, mas usar o ídolo para me dar o que eu quero. Quando estou com medo, olho para o ídolo do dinheiro para me dar segurança. Não quero que o dinheiro me governe;


Ivis Fernandes 20 Ídolos do coração quero, sim, usá-­‐lo para obter o que eu quero. Quando quero prazer, curvo-­‐ 5 me diante de ídolos como sexo, comida ou sono” .

Por trás de qualquer ídolo do coração existe um profundo egoísmo. Ao encararmos desta forma, podemos concluir que todo pecado envolve algum tipo de egocentrismo. Neste sentido, não parece adequada a posição de Wayne Grudem sobre o assunto, que afirma que nem todo tipo de egoísmo é ruim: “Muitas formas de egoísmo são boas e aprovadas pelas Escrituras, como quando Jesus nos exorta a ajuntar 'para vós outros tesouros no céu' (Mt 6.20), ou quando buscamos crescer em santificação e maturidade cristã (1Ts 4.3), ou mesmo quando buscamos a Deus por intermédio de Cristo com vistas à salvação. Deus certamente apela ao interesse egoísta dos pecadores quando diz: 'Convertei-­‐vos, convertei-­‐vos dos vossos maus caminhos; pois 6 por que haveis de morrer, ó casa de Israel?' (Ez 33.11).”

Grudem afirma que o pecado não pode ser entendido como egoísmo, pois o próprio Deus espera de nós algum tipo de egoísmo que não é pecaminoso. Contudo, o que o autor desconsidera é que buscar as bênçãos de Deus para si não é egoísmo, pois o homem é naturalmente inclinado a buscar a satisfação pessoal ao invés da vontade de Deus. Desse modo, buscar as coisas de Deus exige que ele negue seus próprios desejos e busque aquilo que não quer em sua carne. Por isso Jesus afirma que todo aquele que quer segui-­‐lO deve negar a si mesmo e tomar a sua cruz (Mt 16.24), deixando, assim, a sua própria vontade de lado. Isso não é egoísmo, mas é pensar em Deus ao invés de pensar em si mesmo. A inclinação natural de todo ser humano é a inimizade contra Deus (Rm 3.10-­‐12). Em sua natureza caída o homem deseja aquilo que é errado. Por isso, quando alguém busca a vontade de Deus e Suas bênçãos, isso não é demonstração de egoísmo. Pelo contrário, é demonstração evidente de que esta pessoa está deixando de lado os seus próprios interesses egoístas para buscar aquilo que Deus quer. Grudem também afirma que existem pecados que não estão relacionados ao egoísmo, tal como o ato de seguir uma falsa religião7. Porém, todo aquele que adora qualquer outro deus, está na verdade pensando em si mesmo e nos benefícios que este ídolo poderá lhe proporcionar. Todo 5

WELCH, Edward T. Motivação: por que faço o que faço? Artigo extraído das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Atibaia: SBPV, vol. 3, 1ª edição, 2004, p. 118.

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GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1ª edição, 2003, p. 404.

7

GRUDEM, Wayne. Op. cit. p. 404


Ivis Fernandes 21 Ídolos do coração pecado provém dos desejos egoístas do coração (Tg 1.14,15), como veremos com mais detalhes posteriormente.

3.4. A “idolatria” a Deus Considerando o que foi visto até agora sobre a idolatria do coração, podemos concluir que não são poucos os cristãos que praticam a “idolatria” ao “adorar” a Deus. Eles reproduzem nos seus relacionamentos com Deus o mesmo mecanismo de auto-­‐satisfação egoísta da idolatria. Isso acontece quando se voltam para Ele buscando a satisfação dos seus interesses pessoais. Quando isso acontece, o indivíduo não está realmente adorando a Deus, mas a si mesmo, e Deus se torna apenas um meio para satisfazer estes desejos. Entretanto, enquanto na relação com outros “deuses” busca-­‐se a auto-­‐satisfação, o relacionamento com Deus exige que o indivíduo negue os seus desejos e busque ativamente satisfazer os interesses dEle. Somente nesta hipótese existe uma real relação de adoração. As Escrituras nos mostram exemplos disso. Em Isaías 1.10-­‐17 vemos Deus condenando o culto hipócrita de Israel. Ele rejeita os sacrifícios (vv. 10,11), a presença do povo no templo (v. 12), as ofertas, incensos, festas e reuniões solenes (v. 13,14). Todas estas coisas foram ordenadas pelo próprio Deus a Seu povo. Contudo, o coração deles estava longe de Deus (vv. 16,17; 29.13). Esta rejeição não se deve ao fato de que as práticas de culto e adoração estivessem erradas. Elas estavam certas. O problema é que o povo as praticava sem a correspondente atitude do coração. Em outras palavras, Deus não estava recebendo a primazia no coração deles. A solução apresentada por Deus é que o povo se arrependa dos seus maus caminhos e se volte para a vontade divina. Neste sentido, existem muitas más teologias que motivam o tratamento a Deus da mesma forma que os pagãos tratavam os seus deuses. Busca-­‐se aquilo que Deus pode lhes dar, e não aquilo que Deus espera deles. É necessário resgatar uma adoração que não seja mais antropocêntrica, mas que seja teocêntrica, ou seja, centralizada em Deus e não no homem. Não podemos desconsiderar, porém, o fato de que muitas vezes Deus atende aos desejos do homem, quando estes são corretos, e responde às orações. Contudo, a Bíblia fala sobre pessoas que pediam e não recebiam porque o faziam para a satisfação dos prazeres pessoais (Tg 4.3). Apesar de ser certo que Deus ouve as petições, a Palavra ensina que é preciso deixar de lado os interesses pessoais egoístas e orar conforme a vontade de Deus (1 Jo 5.14). Caso isso não aconteça, corre-­‐se o risco de “idolatrar” a Deus.


Ivis Fernandes 22 Ídolos do coração

4. o caminho para a idolatria8 A Palavra de Deus aponta um caminho no qual o coração humano trilha em direção à idolatria. A compreensão deste processo é fundamental para entendermos o que conduz e prende alguém ao pecado, além de fornecer as ferramentas necessárias para mudar de direção, caminhando rumo a uma vida santificada. As etapas apresentadas a seguir, funcionam como uma verdadeira escada, na qual o coração humano sobe, degrau por degrau, até à idolatria e à escravidão a hábitos pecaminosos. Cada uma destas etapas está diretamente relacionada a um determinado aspecto do coração, como já visto (cognitivo, afetivo e volitivo).

4.1. Conceitos errados (Cognitivo) O primeiro degrau da idolatria envolve a mente, ou seja, os pensamentos e crenças. Precisamos entender que a mentira não é apenas um engano consciente que transmitimos a outra pessoa, mas são conceitos contrários à verdade das Escrituras, e que direcionam o comportamento humano. Toda ação humana é movida por um pensamento, por uma crença. Isso pode ser percebido especialmente no fato de que as Escrituras procuram basear um comportamento numa verdade bíblica. Assim, a prática do amor deve se basear na compreensão da verdade de que Deus manifestou Seu amor pelo homem em Jesus (1 Jo 4.19); uma vida santa deve se basear na compreensão da santidade de Deus (1 Pe 1.16), no entendimento da morte do crente para o pecado em Cristo (Rm 6.6), dentre outras verdades bíblicas. Além disso, Paulo destaca que toda transformação de vida exige a "renovação da mente" (Rm 12.2; Ef 4.22-­‐24; Cl 3.8-­‐10), ou seja, dos conceitos e crenças do coração, como veremos com mais detalhes adiante. Deus requer de seus servos um culto racional (Rm 12.1; Jo 4.23, 24). Em outras palavras, a adoração não deve ser uma prática vazia, mas deve ser uma ação em resposta à fé em alguma verdade. Isso mostra que as ações humanas sempre refletem crenças, sejam elas corretas ou erradas. Desse modo, se os conceitos que possuímos em nossa mente forem errados, nossa conduta também será errada ou pecaminosa. Precisamos nos lembrar que as Escrituras descrevem o 8

Baseado em anotações de aula da matéria de Aconselhamento, SBPV, ministrada por Gavin Aitken, 2005.


Ivis Fernandes 23 Ídolos do coração coração também como a sede dos pensamentos e crenças humanos. Sabemos que ele é corrompido pelo pecado (Jr 17.9). Isso significa que os pensamentos e crenças do homem são distorcidos, e são estas distorções na fé que conduzem as pessoas a comportamentos pecaminosos. Um dos exemplos mais claros deste princípio pode ser observado em Eva. Em Gênesis 2.15-­‐17 Deus comunica a verdade: ”O SENHOR Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-­‐lo. 16-­‐E o SENHOR Deus ordenou ao homem: "Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá".”

A verdade de Deus é que no dia em que o homem comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, certamente ele morreria. Enquanto Adão e Eva tivessem este conceito correto bem claro em suas mentes (ou coração), eles permaneceriam sem pecado, com uma conduta santa e correta. No entanto, as Escrituras nos mostram que não foi isso que aconteceu. A verdade de Deus foi questionada e contrariada pela serpente. Surgiu a mentira: ”Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o SENHOR Deus tinha feito. E ela perguntou à mulher: "Foi isto mesmo que Deus disse: 'Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim'?" Respondeu a mulher à serpente: "Podemos comer do fruto das árvores do jardim, "mas Deus disse: 'Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele; do contrário vocês morrerão' "." Disse a serpente à mulher: "Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal".” (Gênesis 3.1-­‐5)

A serpente astutamente enganou a Eva, transformando a verdade de Deus em mentira. Afirmou que Eva certamente não morreria caso viesse a provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Pelo contrário, ao invés de morrer, ela seria, como Deus, conhecedora do bem e do mal. Eva passou, então, a reinterpretar a realidade à sua volta. Passou a raciocinar não mais guiada pela verdade, mas pelo engano de Satanás. A serpente convenceu a Eva de que comer o fruto não só não traria prejuízo algum, como ainda seria algo benéfico a ela. Mas tudo continuaria bem se Eva cresse nas palavras de Deus. No entanto, ela preferiu crer na serpente. Sua decisão a afetaria profundamente, e a conduziria ao segundo degrau da idolatria.


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4.2. Desejos errados (Afetivo) Ao dar ouvidos ao engano e se desviar da verdade de Deus, Eva teve os seus desejos contaminados pela mentira. Gênesis 3.6 mostra a mudança: “vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento...” (grifo nosso). Ao dar ouvidos à mentira, Eva começou a desejar aquilo que era errado. Percebeu que a árvore era “boa”, “agradável” e “desejável”. Em outras palavras, ela começou a desejar aquilo que era pecaminoso. A Bíblia nos ensina que é a partir de nossos desejos que os pecados nascem. Tiago 1.14,15 destaca isso com clareza ao afirmar: “Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.” O desejo em si mesmo não é pecado. O texto é claro ao afirmar que o homem é inicialmente apenas tentado pelo desejo ou cobiça. Mas parece haver um processo envolvido que culmina no pecado. Tiago fala sobre “atração”, “sedução”, “concepção” e “nascimento”, o que aponta para uma gestação que termina dando a luz ao pecado. Se, como vimos anteriormente, ídolo do coração é tudo aquilo em que o homem busca a satisfação para os seus anseios pecaminosos mais profundos, podemos perceber que os desejos têm um papel importante na idolatria. Quando o indivíduo começa a ser levado pelos próprios desejos a amar algo que não seja a Deus, isso o torna um idólatra, pois o seu objetivo de vida passa a ser o de agradar o seu novo deus. É importante destacar neste ponto que “desejo errado” não é sinônimo de “desejo por coisas erradas”. Para se tornar um desejo idólatra o objeto desejado não precisa ser pecaminoso. Basta que a sua intensidade seja excessiva, estando acima da vontade que o homem tem de glorificar a Deus. Agradar a esposa, por exemplo, é algo correto. Mas quando se quer isso mais do que se deseja agradar a Deus, esse passa a ser um desejo pecaminoso. Diante da importância que os desejos possuem no caminho para a idolatria, é adequado fazermos algumas outras considerações sobre este ponto tão elementar, antes de prosseguirmos para o terceiro passo na idolatria do coração.


Ivis Fernandes 25 Ídolos do coração

4.2.1. D E S E J O S

PECAMINOSOS

As Escrituras nos mostram três tipos básicos de desejos que existem no mundo e que conduzem o coração humano ao pecado. É o que nos mostra 1 João 2.15,16: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo” (ênfase nossa). João começa falando sobre o dever do cristão de não amar o mundo nem as coisas que nele existem. Logo em seguida, mostra quais são os desejos básicos existentes no mundo, os quais devem ser evitados: concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida. O primeiro destes desejos básicos referidos por João é a concupiscência da carne. O termo usado no texto bíblico é

πιθυµία, que significa um desejo intenso. Mas não se trata de um

desejo qualquer. Trata-­‐se de um desejo forte ligado à carne. A expressão aplica-­‐se principalmente ao anseio que temos de satisfazer as vontades pecaminosas através do nosso corpo. Podemos incluir aqui todo o tipo de desejo sexual pecaminoso de impureza, lascívia, fornicação, adultério, etc. Também se aplicam aqui os problemas relacionados à comida, como gula, e bebida (alcoolismo). Até mesmo a preguiça pode estar relacionada a um desejo pecaminoso de satisfazer o corpo através do descanso. Enfim, João se refere a todo tipo de anseio pecaminoso que encontra sua expressão através do corpo. Quanto à concupiscência dos olhos, o termo usado é o mesmo (

πιθυµία).

Entretanto, neste caso trata-­‐se de um desejo forte ligado aos olhos. Este tipo de concupiscência está relacionado com a cobiça. Consiste na vontade de contemplar aquilo que agrada aos olhos, mesmo que se trate de algo proibido. É desejar excessivamente aquilo que não se tem. Isso ocorre quando se valoriza demais tudo aquilo que “enche os olhos”. A Bíblia apresenta alguns exemplos deste tipo de desejo pecaminoso. Eva, como já vimos, é um deles. Ela viu o fruto e o desejou (Gn 3.6). Davi também demonstra o mesmo problema. O texto bíblico nos mostra que ele viu Bate-­‐Seba tomando banho e a desejou (2 Sm 11.2). Outro exemplo que merece ser destacado é o de Acã. Ao ver uma capa babilônica e alguma quantidade de ouro e prata, cobiçou-­‐os e tomou-­‐os para si (Js 7.21). Em terceiro lugar, João usa a expressão

λαζονεία το

βίου, que é

traduzida na versão Revista e Atualizada como “soberba da vida”. A Nova Versão Internacional, por sua vez, a traduz como “ostentação dos bens”. Isso acontece porque a palavra βίος pode significar tanto


Ivis Fernandes 26 Ídolos do coração “vida” como os “recursos para manter a vida”9, ou seja, os bens materiais. É este o uso que João faz do termo em 1 João 3.17 ao afirmar que “aquele que possuir recursos (βίος) deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-­‐lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?” Apesar de entendermos que a melhor opção seja a de "bens", não queremos descartar a possibilidade do apóstolo estar se referindo também à "vida". Isso significa que João pode estar fazendo menção tanto a bens materiais que mantêm a vida como à própria vida em si. De qualquer forma, o sentido do texto é o de apreciar os recursos deste mundo (materiais: bens; imateriais: vida) que a pessoa possui e depositar neles a sua confiança. Neste sentido, toda confiança firmada nos recursos desta vida está incluida nesta categoria. Assim, quando alguém confia no seu trabalho ou nos bens materiais ou até mesmo na sua capacidade intelectual para sua provisão, de acordo com João, foi seduzido pelas coisas deste mundo e, conseqüentemente está se afastando de Deus. Estes são os desejos pecaminosos básicos do coração humano, como será visto com mais ênfase logo mais. É preciso que o conselheiro entenda o que a Palavra de Deus fala sobre a concupiscência, pois é ela que irá influenciar a vontade e as escolhas do aconselhado. Todavia, também é fundamental que se saiba discernir o que é um desejo, de modo a não confundí-­‐lo com outros conceitos, como o de necessidade.

4.2.2. D E S E J O S

E NECESSIDADES

Algo muito comum em nossos dias é a equiparação de desejos com necessidades. Aquilo que se deseja é confundido com aquilo que se precisa. Portanto, é de grande importância fazer uma breve consideração sobre o assunto, de modo a não haver qualquer tipo de confusão sobre os termos neste trabalho. Necessidades precisam ser satisfeitas. Trata-­‐se de algo sem o qual não é possível sobreviver. É tudo aquilo que é indispensável para o ser humano. Desejos, por sua vez, referem-­‐se àquilo que um indivíduo gostaria de ter, mas sem o que poderia viver normalmente. Conforme esclarece Edward Welch10, um dos usos mais comuns do termo “necessidade” é aquele que expressa a idéia de um desejo exagerado. Assim, ao se afirmar que “eu

9

Léxico Strong. Bíblia on-­‐line 3.0. Sociedade Bíblica do Brasil.


Ivis Fernandes 27 Ídolos do coração necessito de uma coca-­‐cola”, o indivíduo está dizendo que quer muito isso, embora não possa dizer que isso seja essencial para sua sobrevivência. Uma coca-­‐cola pode ser desejada, mas não é indispensável. Isso pode ser percebido pelo fato de que uma pessoa só "deseja" uma coca-­‐cola porque já a experimentou antes. O uso do termo neste sentido exige que o sujeito tenha uma experiência anterior com o objeto do desejo. Alguém que nunca comeu um hamburger não irá desejá-­‐lo. Isso indica que não se de trata realmente de uma “necessidade”, mas de um forte desejo. Outro sentido da palavra apontado por Welch refere-­‐se às necessidades biológicas, que são aquelas indispensáveis para a continuidade da vida, tais como água e comida. Não podemos negar a realidade destes elementos. O problema acontece quando os desejos são equiparados às necessidades biológicas, indicando falsamente que a sua satisfação é essencial para a sobrevivência. Um terceiro sentido indicado por Welch é o de necessidades espirituais. O homem precisa de perdão, justiça, santidade e poder para mudar. Trata-­‐se da principal das categorias. Todavia, sua extensão tem sido confundida com a das “necessidades psicológicas”. Contudo, esta equiparação gera dificuldades, pois da mesma forma que as necessidades espirituais precisam ser satisfeitas em Cristo, as pessoas pensam que as "necessidades psicológicas" também "precisam" ser satisfeitas em Cristo. As “necessidades psicológicas” compreendem um quarto sentido do termo, segundo o autor. Afirmam alguns que estas precisam ser satisfeitas para que o homem seja feliz e não se incline para o mal. Neste campo estão a aceitação de amigos, o amor dos pais, segurança, etc. As “necessidades” psicológicas foram gradualmente incluídas como sendo essenciais, sem as quais o homem estaria sujeito a “doenças”, como aconteceria se deixasse de comer. A questão que surge diante de nós é: “necessidades psicológicas” são necessidades ou desejos? O início desta questão surgiu com Freud, que apontou para a “necessidade de expressão sexual” e a “necessidade de pais permissivos”. Posteriomente, Dollard e Miller desenvolveram a idéia de que o comportamento humano é a resposta a impulsos primários, ou seja, existem no homem necessidades psicológicas que se não forem satisfeitas, determinarão um comportamento anômalo. Abraham Maslow, por sua vez, deu popularidade a esta posição, com sua compreensão de que as necessidades psicológicas são fundamentais, vindo apenas depois das necessidades biológicas. Esses entendimentos ganharam rapidamente o pensamento do cristão, que passou a buscar em Cristo a satisfação destas pseudo-­‐necessidades. Isso, porém, centraliza o homem na busca de uma satisfação

10 WELCH, Edward T. Quem somos? Necessidades, anseios e a imagem de Deus no homem. Artigo extraído das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Atibaia: SBPV, vol. 1, 2ª edição, 2000, p. 42.


Ivis Fernandes 28 Ídolos do coração pessoal egoísta, na qual Deus e o próximo são vistos como os “objetos” que suprem estas “necessidades”11. Após o desenvolvimento destas idéias o homem começou a não ser mais responsável pelos seus atos. A responsabilidade passou a ser transferida para outras pessoas que “não nos deram aquilo de que precisávamos”. Aos poucos começou-­‐se a adotar o raciocínio médico: se uma pessoa fica doente quando não supre suas necessidades alimentares, da mesma forma, alguém que não tem suas "necessidades psicológicas" supridas também desenvolve "doenças". O problema disso é que assim como não se cogita se uma pessoa é responsável por ter câncer, do mesmo modo, passou-­‐se a entender que o indivíduo não é responsável por suas "doenças psicológicas", mesmo que a Bíblia expressamente as qualifique como pecado. Aos poucos, alguns cristãos começaram a desenvolver uma solução “bíblica” para este problema. Muitos começaram a pensar que o indivíduo deveria satisfazer estas “necessidades psicológicas” em Cristo, centralizando a vida cristã no “eu” e considerando a Deus como Alguém que deveria satisfazer o homem e não a quem o homem deveria satisfazer. Este tipo de pensamento encontra sua base, principalmente, no conceito da imagem de Deus no homem. Alguns estudiosos argumentam que isso consiste no fato de que, assim como Deus existe num relacionamento harmonioso entre Pai, Filho e Espírito, também o homem foi criado com a necessidade de se relacionar. Na ausência disso, o comportamento humano é moldado de forma distorcida. É verdade que Deus busca Sua glória por meio dos relacionamentos. Contudo, precisamos compreender corretamente em que consiste esta imagem. Para isso, precisamos olhar para Deus e para o homem e identificar as semelhanças. Considerando o retrato bíblico de Deus, percebemos sua grandeza em glória inigualável (Ex 15.11; 16.10; 40.35; Is 6; Ez 1; Ap 4; Nm 14.21; Sl 8, 148, 150). Notamos ainda, que Seu propósito básico é a glória de Seu próprio nome (Rm 11.36; Is 48.11). Assim, quando Deus, em sua graça e misericórdia busca a restauração de Seu relacionamento com o homem, Sua motivação não é a de satisfazer algum tipo de anseio por relacionamento, como se Deus, em si mesmo não fosse suficiente, mas seu propósito é glorificar Seu grandioso nome (Jo 1.14; 12.28; 17.25). A imagem de Deus no homem não deve ser compreendida como uma necessidade de relacionamentos, mas como uma necessidade de refletir a glória divina. Do mesmo modo que o Senhor busca promover a Sua própria glória, o homem assemelha-­‐se a Deus nesta busca. O homem, porém, pode 11

WELCH, Edward T. Op. cit. p. 44-­‐47.


Ivis Fernandes 29 Ídolos do coração promover tanto a sua própria glória como a glória de Deus (Ex 34.29-­‐32; 2 Co 3.18). Neste sentido, as pessoas precisam de relacionamentos não para satisfazer suas necessidades, mas porque não podem cumprir a tarefa de glorificar a Deus adequadamente sozinhas. Diante desta compreensão, é preciso fazer uma revisão do conceito de necessidades tão comum no meio cristão em nossos dias. O homem não necessita de relacionamentos para obter a satisfação de carências psicológicas e de significado pessoal. Tal posição é essencialmente antropocêntrica, pois se volta para Deus para a satisfação pessoal. Ao contrário disso, vemos que o homem possui necessidade de refletir a glória de Deus por meio de uma vida que gradualmente se ajusta à vontade divina. Apenas assim o homem encontra o real propósito de sua existência. Tal posição é teocêntrica, pois coloca Deus em primeiro plano. Este entendimento possui muitas implicações práticas. A prática do aconselhamento é diretamente afetada por isso. Não se trata mais de identificar quais são as carências do homem que não foram supridas de algum modo e que precisam ser satisfeitas por Deus ou pelo próximo, mas de questionar o egoísmo que move o indivíduo a ficar excessivamente preocupado consigo mesmo, e verificar de que modo tem buscado a sua própria glória, e como pode negar os seus interesses e ativamente glorificar a Deus cumprindo Sua vontade. É preciso compreender que o principal foco das Escrituras não é a satisfação dos desejos, mas justamente sufocar as paixões e anseios pessoais. Todo cristão precisa se lembrar de 1 Co 10.31: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”. Existe uma inversão de valores que tem se infiltrado no meio evangélico de forma pouco perceptível. Vivemos numa sociedade altamente consumista, na qual idéias que favorecem a busca da satisfação pessoal, mesmo em Deus, são atraentes. Todavia, seguir estes conceitos produz um prejuízo ainda maior, na medida em que encaminha o homem na direção contrária da negação dos anseios pessoais e na busca da satisfação da vontade de Deus. Quando um conselheiro orienta pessoas a buscarem a satisfação destas "necessidades", está alimentando o principal problema do coração humano: o egoísmo. Assim, é preciso uma compreensão bíblica de quais são as verdadeiras necessidades do homem, diferenciando-­‐as dos meros anseios humanos.


Ivis Fernandes 30 Ídolos do coração

4.2.3. M O T I V A Ç Õ E S

BÁSICAS

Algo de grande importância para o aconselhamento bíblico é compreensão das motivações básicas do ser humano. O que move um pessoa? O que influencia sua vontade e, conseqüentemente, suas escolhas? A resposta para estas questões irá determinar o rumo de ação de um conselheiro. O psicólogo cristão Larry Crabb, em suas considerações sobre o que motiva as ações humanas, afirma que a conduta do homem é motivada por duas “necessidades” básicas: significado (propósito, importância, adequação a uma tarefa, valorização, impacto) e segurança (amor incondicional, aceitação permanente)12. Neste sentido, todo desvio de conduta ocorre quando algumas destas “necessidades” não estão sendo supridas. Mas será que as Escrituras realmente concordam com esta posição? Ao considerarmos o que a Bíblia diz, parece um equívoco concluir que a motivação básica do homem seja a satisfação de “necessidades” de significado e segurança. A motivação básica do homem, de acordo com as Escrituras, é satisfazer seus desejos. De acordo com Welch, “a raiz motivadora do coração é 'EU QUERO'” (...) “Por natureza, o coração é egoísta. Ele quer o que quer, quando quer”13. Ou nas palavras de Elyse Fitzpatrick, “seus problemas não têm origem nas suas necessidades não satisfeitas, mas sim na cobiça idólatra das coisas que considera como sendo necessidades”14. Neste sentido, a Bíblia apresenta alguns desejos que podem ser considerados como a motivação básica do homem: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e soberba da vida (1 Jo 2.16). Conforme destacado anteriormente, o apóstolo João apresenta alguns elementos do mundo que afastam o homem de Deus. Estes elementos consistem em desejos pecaminosos do coração humano, os quais, operando de forma e intensidades diferentes, acabam se manifestando nos mais distintos comportamentos pecaminosos. São estes desejos que compreendem a motivação básica do ser humano, que vive para satisfazer suas próprias concupiscências.

12

CRABB, Larry. Aconselhamento bíblico efetivo. Brasília: Refúgio, 2ª edição, 1999, p. 61.

13

WELCH, Edward T. Motivação:por que faço o que faço? Artigo extraído das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Atibaia: SBPV, vol. 3, 1ª edição, 2004, p. 114.

14

FITZPATRICK, Elyse e CORNISH, Carol. Mulheres ajudando mulheres. Rio de Janeiro: CPAD, 7ª edição, 2006, p.53.


Ivis Fernandes 31 Ídolos do coração Neste sentido, a solução apresentada por Crabb para o pecado não parece adequada. Para o autor, a solução para os desvios de comportamento está em buscar em Cristo o suprimento dessas “necessidades”15. É esclarecedora a avaliação de Winston Smith: De acordo com Crabb, o desejo ou 'sede' em si não é o problema; o problema é nossa busca mal orientada de satisfazer nossos anseios independentemente de Cristo. O alvo do aconselhamento, portanto, é orientar as pessoas em direção a 16 Cristo, o Único que pode satisfazer legitimamente seus desejos .

A posição de Crabb é extremamente sutil, pois sua afirmação de que o homem deve buscar a solução de seus problemas em Cristo é bíblica. Contudo, a forma como este psicólogo cristão aponta para Jesus é questionável. Para ele, o problema não está nos desejos e inclinações pecaminosos do ser humano. Pelo contrário, parece entender que muitos destes desejos são válidos. A questão, segundo Crabb, está no fato de que as pessoas buscam satisfazer estes desejos ("necesidades", no entendimento do autor) fora de Cristo. Esta compreensão, apesar de atraente, é anti-­‐bíblica. Isso se deve ao fato de que o autor deixa de lado o problema do coração para colocá-­‐lo em questões externas. O pecado, desta forma, não é tratado em sua raiz. Os desejos não são encarados como concupiscências pecaminosas, mas são vistos como necessidades. Desse modo, a conclusão é que não são os desejos que precisam ser negados, mas é simplesmente a forma pela qual eles são satisfeitos é que deve ser transferida de coisas do mundo para Cristo. Neste ponto, precisamos relembrar aquilo que foi destacado anteriormente sobre a “idolatria” a Deus, o qual não deve ser visto apenas como uma fonte para a satisfação humana (embora satisfaça). Se O encararmos desta forma, corre-­‐se o risco de desenvolver uma relação egoísta com Deus, na qual O buscamos não com o objetivo de satisfazê-­‐lO, mas de satisfazer a nós mesmos. Esta é a essência da idolatria. Por isso Jesus nos ensina que o segredo para ser Seu discípulo é negar a si mesmo e segui-­‐lO (Mt 16.24). A verdadeira adoração, portanto, envolve deixar de lado os desejos pessoais em favor de satisfazer a Deus, e não a busca de satisfação pessoal nEle. 15

CRABB, Larry. Op. cit. p. 71.

16

SMITH, Winston. Conexão: o poder restaurador dos relacionamentos humanos -­‐ o plano de Deus visando a cura emocional. Resenha extraída das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Atibaia: SBPV, vol. 3, 1ª edição, 2004, p. 165.


Ivis Fernandes 32 Ídolos do coração

4.2.4. E S T I M U L A Ç Ã O

DOS DESEJOS

As Escrituras nos mostram que a inclinação para as coisas da carne é inimizade contra Deus (Rm 8.7). Por outro lado, também afirma que a amizade com o mundo implica ser inimigo de Deus (Tg 4.4). Isso acontece porque carne e mundo são conceitos relacionados na Bíblia. O mundo é a fonte que estimula os desejos carnais do coração humano. É por isso que 1 João 2.15, 16 mostra que os desejos que existem no mundo não procedem de Deus, e que aquele que os tem não possui o amor de Deus. É por isso que as Escrituras apresentam uma série de alertas quanto ao mundo17: o meu Reino não é deste mundo (Jo 18.36a); “em que, noutro tempo andastes, segundo o curso deste mundo” (Ef 2.2a); guarde-­‐se da corrupção deste mundo (Tg 1.27); não se conforme com este mundo (Rm 12.2); não amem o mundo nem o que nele há (1 Jo 2.15); Demas, tendo amado o mundo, abandonou-­‐me (2 Tm 4.10); ganhe o mundo e perca a sua alma (Mc 8.36); nossa luta é contra as forças deste mundo e das trevas (Ef 6.12); aquele que é nascido de Deus vence o mundo; não se aborreçam se o mundo os odiá-­‐ los (1Jo 3.13). Tudo isso nos mostra que não é possível conciliar o amor ao mundo com o amor a Deus. Não é possível servir a dois senhores. No mundo encontramos toda sorte de estímulos para os desejos pecaminosos do homem. Como já vimos anteriormente, o pecado está intimamente ligado aos desejos do coração (Tg 1.13-­‐15). Logo, o mundo instiga o ser humano ao pecado. Não há como negar que o cristão está inserido no mundo. O próprio Jesus pediu ao Pai não para tirá-­‐lo do mundo, mas para guardá-­‐lo do mal (Jo 17.15). Desse modo, ele está sujeito a receber influências mundanas. E algo que tem minado a firmeza de muitos cristãos é justamente a assimilação destas influências. O cristão acostumou-­‐se com os desejos do mundo. A conseqüência natural disso é que a igreja contemporânea é limitada em seu poder e impacto, pois está entorpecida pelos seus próprios desejos. Não estamos nos referindo, entretanto, a desejos apenas por coisas pecaminosas, mais a desejos de proporções pecaminosas, ou em outras palavras, para uma vida voltada para os desejos. O cristão de nossos dias está de tal forma entretido com desejos pessoais simples, que não tem mais a disciplina espiritual necessária para vigiar em oração (Mt 26.41) e meditar na Palavra (Sl 119.11; Js 1.8), coisas estas indispensáveis para uma vida espiritual de poder.

17

GALLAGHER, Steve. Liberte-­‐se das paixões deste mundo. Rio de Janeiro: Graça Editorial, 1ª. edição, 2001, pp. 27,28.


Ivis Fernandes 33 Ídolos do coração Diante disso, é imprescindível que o cristão aprenda que não é possível seguir a Jesus sem negar a si mesmo (Mt 16.24). Não é possível servir a dois senhores (Mt 6.24). Apesar de Deus nos agraciar com alegrias e prazeres nesta vida, é preciso lembrar que o objetivo do cristão é satisfazer Aquele que o arregimentou (2 Tm 2.4). Tendo isso em vista, é preciso que o conselheiro ajude o aconselhado a evitar as influências mundanas, que estimulam seus desejos pecaminosos. Evitar ambientes, alguns tipos de programas de TV, também algumas revistas e músicas, bem como algumas pessoas pode ser útil e até mesmo necessário para aquele que quer aprender novos hábitos de vida condizentes com sua condição em Cristo.

4.3. Hábitos errados (Volitivo) Vimos até agora que conceitos e crenças errados podem produzir desejos errados. Foi o que aconteceu com Eva. E quando o homem estimula estes desejos em seu coração e permite que cresçam, isso é um sério indicativo de que está prestes a subir o terceiro degrau da idolatria, do qual passaremos a tratar agora. Gênesis prossegue sua história mostrando que após ter mudado sua crença e conceito, os desejos de Eva também mudaram. Ela passou a desejar o fruto a tal ponto que o terceiro e último passo foi externar o que havia em seu coração através de um comportamento pecaminoso. O texto diz que “vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-­‐lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu” (Gn 3.6 – ênfase nossa). É verdade que Eva não possuía uma natureza pecaminosa até aquele momento. Contudo, o caminho para o pecado funcionava da mesma maneira. A grande diferença é que, após a queda, a humanidade passou a ser controlada por estes desejos pecaminosos do coração, que conduzem o homem para longe de Deus. Assim, o coração corrompido do homem agora é facilmente enganado em suas crenças e desejos. Os desejos afetam diretamente o comportamento humano. Pedro fala sobre desejos que “moldam” a conduta (1 Pe 1.14). Aquilo que está em nosso coração determina a prática. Lucas 6.46 afirma que “o homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração” (ênfase nossa). Tiago, por sua vez, afirma que as contendas que existiam entre os cristãos a quem escreveu eram conseqüência do desejo de satisfazer os


Ivis Fernandes 34 Ídolos do coração prazeres da carne (Tg 4.1). Paulo também afirma que aqueles que desejam ficar ricos também acabam caindo no pecado (1 Tm 6.9). A contaminação do coração com a mentira molda os desejos das pessoas, e estes, por sua vez, afetam fortemente o aspecto volitivo, ou seja, a vontade. Quando as concupisciências são alimentadas, a determinação interior do invíduo passa a ser a de buscar satisfazê-­‐las. A conseqüência natural disso é que as ações acompanham esta disposição interior. Isso nos mostra que o comportamento humano é fruto de suas crenças e desejos. Assim, se um indivíduo está envolvido numa prática sexual ilícita, isso demonstra que não crê que o plano de Deus para a sexualidade é o melhor para ele, ou, pelo menos, que esqueceu-­‐se da verdade bíblica e deixou-­‐se influenciar pelo pensamento mundano. Esta pessoa começa a flertar com a crença de que o sexo fora do casamento pode proporcionar um bem maior do que o do sexo praticado de acordo com a vontade de Deus. Por isso, acaba desejando o sexo ilícito. Quando se entrega a estes falsos conceitos, permite que a "barreira da verdade" caia por terra. O que acontece, então, é que o desejo encontra livre ação na vida do indivíduo. Quando este desejo é alimentado, surge a ação pecaminosa em si, que nada mais é do que a exteriorização daquilo que já existia em seu coração. É preciso lembrar que os desejos pecaminosos de nosso coração nunca se satisfazem. Isso faz com que um indivíduo queira sempre mais e mais, chegando ao ponto de se tornar um viciado, controlado pelos desejos de seu coração. Toda vez que o desejo chama, o indivíduo se curva e adora seu ídolo particular, rendendo-­‐se às suas exigências por meio de práticas pecaminosas. No alto do terceiro degrau da idolatria, a pessoa concretiza seu pecado. Caso não se arrependa, confesse e abandone o mal cometido, o aconselhado abriu uma brecha em sua vida para futuros erros semelhantes. O pecado pode, então, se tornar um hábito escravizador na vida do indivíduo, do qual não "consegue" se livrar, mesmo após sucessivas tentativas. Assim, é fundamental que o conselheiro conduza o aconselhado no caminho para a transformação.


Ivis Fernandes 35 Ídolos do coração

5. O caminho para a transformação Depois de compreender o caminho que conduz o homem à idolatria, é necessário buscar nas Escrituras o caminho para a transformação.

5.1. Conceitos corretos (Cognitivo) Considerando que as práticas pecaminosas procedem de conceitos e crenças errados, nada mais natural que o processo de transformação se inicie no aspecto cognitivo (Rm 12.2). Não é por menos que as Escrituras enfatizam tanto a importância de conhecer e permanecer na verdade (Jo 17.17,19; 8.32; Sl 119.9,11; Ef 1.13; 4.15,24; 2 Ts 2.12; 1 Tm 2.4; 2Tm 3.7; Tg 1.18; 1 Pe 1.22). Por isso o ensino da Palavra é tão enfatizado por Paulo (Cl 1.28,29; 2 Tm 4.2; Tt 2.15). Ao tratar sobre a santificação na epístola aos Efésios, Paulo afirma que a transformação implica o despojar de antigos hábitos e o revestir de novas práticas (Ef 4.22 e 24). No entanto, destaca que no meio deste processo é indispensável a renovação do entendimento (v.23). Em outro texto semelhante a este dirigido aos Colossenses, Paulo também salienta que o despojar e o revestir envolvem a renovação constante em direção ao pleno conhecimento da verdade (Cl 3.8-­‐10). A ênfase no aspecto cognitivo para a transformação também está presente em Pedro. Na sua segunda epístola, afirma que Deus concedeu ao cristão tudo aquilo que é necessário para uma vida piedosa (2 Pe 1.3). Prossegue afirmando que aquilo que é necessário para isso é o conhecimento cada vez mais profundo sobre Deus (v.3). E para que o homem tenha acesso a este conhecimento, foram-­‐ lhe concedidas as promessas divinas (v.4), que nada mais são do que as verdades registradas nas Escrituras. Desse modo, Pedro está apontando para o fato de que um cristão caminha para uma vida piedosa por meio do conhecimento da verdade. Mas não podemos concluir que apenas saber a verdade necessariamente resulta em transformação. Paulo fala sobre um grupo de mulheres que aprenderam muito, mas jamais chegaram ao conhecimento da verdade (2 Tm 3.7). Os fariseus e escribas conheciam como poucos as Escrituras, mas são chamados de hipócritas por Jesus, por não aplicarem esse conhecimento às suas vidas (Mt 23.25-­‐27). Não devemos considerar que nenhum conhecimento da Palavra tenha algum tipo de poder místico, que muda os indivíduos pelo simples fato de saberem alguma informação sobre ela. Isso é gnosticismo. Todo ensinamento e verdade bíblica deve ser recebido com fé (Hb 4.2). A verdade da Palavra de Deus auxilia o homem corrompido pelo pecado a interpretar adequadamente a realidade à sua volta. Como já vimos no exemplo de Eva, o abandono das instruções


Ivis Fernandes 36 Ídolos do coração divinas e o acolhimento da mentira da serpente conduziu-­‐a ao pecado. Ela reinterpretou a realidade de acordo com o engano. Comer o fruto já não era mais algo ruim, de acordo com as palavras divinas, mas bom, conforme afirmou a serpente. Assim, o processo de transformação envolveria não apenas o arrependimento do ato em si, mas o arrependimento por não ter crido na verdade de Deus.

Neste sentido, a transformação começa quando confrontamos o aconselhado com a verdade da Palavra de Deus, de modo que possa perceber quais são os conceitos errados que estão permeando sua mente e substituí-­‐los por conceitos bíblicos. Um exemplo apresentado por Tedd Tripp pode ser verificado em dois filhos que brigam entre si por um brinquedo. Por trás deste comportamento existem crenças equivocadas: Com este ponto de vista, você tem dois ofensores. As duas crianças revelam uma dureza de coração, uma para com a outra. Ambas estão sendo egoístas. As duas crianças estão dizendo: 'Eu não me importo com você ou com sua felicidade. Estou interessado somente em mim mesmo. Quero este brinquedo. Ele é a condição para 18 minha felicidade. Vou tê-­‐lo e serei feliz, não importa o que isso significa para você (grifo nosso).

18

TRIPP, Tedd. Pastoreando o coração da criança. São José dos Campos: Fiel, 3ª edição, 2002, p.17.


Ivis Fernandes 37 Ídolos do coração A solução para este problema envolve muito mais do que simplesmente entregar o brinquedo para o filho que o pegou primeiro, envolve mostrar as motivações egoístas do coração de cada um, ajudando-­‐os a entender o pecado que existe em seus corações e qual é o ideal de Deus para eles. Aliado a isso, os pais (ou conselheiros) devem apontar para a necessidade que as crianças possuem da graça de Deus para uma verdadeira mudança. Tal atitude produz dependência, ao invés de auto-­‐ suficiência. Diante disso, todo o processo de transformação se inicia pela renovação da mente como afirma Paulo em Romanos 12.2. É mudando as crenças pelo conhecimento de Deus através da Palavra que vidas podem ser libertadas do poder do pecado.

5.2. Desejos corretos (Afetivo) Podemos afirmar que o cristão possui uma dicotomia de vontade. Por um lado ele deseja agradar a Deus. Este desejo é colocado nele pelo Espírito. Por outro lado, ele também deseja agradar sua própria carne, e este desejo está em si mesmo. São desejos contrários que conflitam entre si. O cristão possui a capacidade de satisfazer a vontade da carne ou a vontade do Espírito. É possível, desse modo, na dependência do poder do Espírito Santo, fazer o que Deus quer e não o que desejamos (Gl 5.16,17). Esta parece ser a realidade expressa por Paulo no capítulo sete de Romanos. Apesar das controvérsias a respeito do real sentido de suas palavras, parece coerente entender que o cristão possui em si um conflito de desejos. Desse modo, apesar de querer agradar a Deus, por entender que a Lei é boa (v.16), existe no cristão o desejo por aquilo que é mal. E são freqüentes as vezes em que se rende a este desejo (v.15). Nesta batalha, as Escrituras orientam a negar os desejos carnais (Tt 2.12) e a buscar (e desejar) as coisas celestes (Cl 3.1, 2). A Palavra de Deus parece apontar para o fato de que o homem pode estimular o desejo pela vontade divina, de modo que este seja maior do que os impulsos carnais. É possível, assim, uma mudança de desejos. A Bíblia também ensina que é possível não andar de acordo com os desejos. Aqueles que estão em Cristo crucificaram sua carne, juntamente com as paixões e concupiscências (Gl 5.24). As Escrituras nos ensinam a negar as paixões (Tt 2.12) e a fugir dos desejos malignos da juventude (2 Tm 2.22). Além disso, a Bíblia nos exorta a não viver para a satisfação dos maus desejos humanos, mas para satisfazer a vontade de Deus (1 Pe 4.2).


Ivis Fernandes 38 Ídolos do coração É verdade que os desejos sempre farão parte da vida humana. Apesar disso, é possível para aquele que vive no Espírito não satisfazer estes desejos (Gl 5.16, 17). Mas também é correto afirmar que os desejos podem ser atenuados e até mesmo mudados. O processo de mudança começa pela renovação da mente (Rm 12.2). Se é correto afirmar, como o fizemos anteriormente, que os conceitos e crenças orientam os desejos, então parece correto entender que uma mudança nas crenças afetaria sensivelmente os desejos. Trata-­‐se nada mais do que o próprio processo de amadurecimento cristão: crescimento no conhecimento da verdade. É ela que liberta o cristão (Jo 8.32) e o habilita a mudar seus desejos e, conseqüentemente, suas ações.

Assim, a mudança de crenças na vida do cristão o conduz a uma mudança de desejos. Quando um indivíduo fica subjugado pelo pecado do adultério por entender que existe mais satisfação na relação extra-­‐conjugal, o primeiro passo na mudança do coração desta pessoa é mostrar nas Escrituras o plano de Deus para o sexo e apontar para o fato de que o projeto de Deus é muito mais realizador do que aquilo que o mundo pode oferecer. Desse modo, o ensino das Escrituras possui um papel fundamental no aconselhamento bíblico. Não são as idéias ou técnicas do conselheiro que irão auxiliar pessoas no processo de transformação, mas é o poder da Palavra de Deus corretamente exposta.


Ivis Fernandes 39 Ídolos do coração

5.3. Hábitos corretos (Volitivo) Mudando-­‐se os desejos, muda-­‐se também a motivação básica que, conforme vimos anteriormente, é a satisfação dos desejos. Desse modo, se o homem é movido pelo satisfação de seus desejos, quando estes são mudados, modifica-­‐se também o comportamento. É preciso destacar, porém, que a Bíblia parece mostrar que não é necessário que os desejos pecaminosos deixem de existir para que ocorra a mudança. Tiago 1.14,15 ensina que o homem é tentado pelos seus próprios desejos. Nunca ficaremos totalmente livres da tentação nesta vida. O que é necessário é que exista uma mudança na intesidade dos desejos. A prioridade deve deixar de ser a auto-­‐satisfação para ser a obediência a Deus.

A mudança do comportamento é algo incidental. O objetivo do aconselhamento não deve ser a mudança do hábito em si, mas a transformação do coração. A modificação do exterior sem a correspondente alteração do interior é, nas palavras de Jesus, hipocrisia (Mt 23.25-­‐28). A Bíblia condena a adoração falsa, que não provém de um coração devoto (Is 1.10-­‐16). Mas a mudança dos desejos e da vontade muitas vezes não é algo que acontece facilmente. Mesmo com a mudança dos conceitos e crenças o aconselhado provavelmente terá de lutar durante um tempo com um certo conflito interno. A chave aqui é motivá-­‐lo a obedecer aos princípios bíblicos independentemente dos sentimentos e emoções. Em outras palavras, é preciso que o aconselhado saiba que a mudança não acontecerá sem luta.


Ivis Fernandes 40 Ídolos do coração Apesar de ser correto afirmar que a mudança da vontade seja conseqüência de uma transformação dos conceitos e desejos, não se deve esperar que estes mudem para que se abandone a prática pecaminosa. Pelo contrário, os conceitos e desejos vão mudar a partir do momento em que o aconselhado compreende o plano de Deus para sua vida e se dispõe a praticá-­‐lo, independentemente de seus desejos e emoções. Assim, não se trata de lidar com cada uma destas áreas (cognitivo, afetivo e volitivo) seqüencialmente, mas simultaneamente. Em outras palavras, o conselheiro deve mostrar o conceito bíblico sobre o assunto, sondar os desejos que motivam a prática pecaminosa e apresentar um plano de mudança, num processo no qual estes partes são relativamente simultâneas.

5.4. O processo de transformação Jeremias 17.5-­‐10 apresenta uma ilustração que demonstra o processo pelo qual Deus transforma o homem. O texto faz uma comparação entre um arbusto e uma árvore. O primeiro encontra-­‐ se seco e sem vida, pois está no terreno árido do deserto (v.6). Este é o homem que confia no homem (v.5). A árvore, por sua vez, está perto de muita água e por isso permanece viçosa e no tempo certo dá muito fruto (v.8). Este é o homem que confia no Senhor (v.7). O texto mostra que aquilo que uma planta produz está intimamente ligado à sua raiz. A raiz em terreno seco não produz nada (‫)כְּעַרְעָר‬, enquanto que se estiver perto de água irá produzir frutos. Conforme já destacado anteriormente, o ser humano funciona de modo semelhante (Mt 15.19). Suas ações (frutos) são resultado daquilo que há em seu coração (raiz). As ações de um indivíduo, de acordo com Jeremias, são expressões daquilo em que o coração está depositando sua confiança. Se confiar no homem e na capacidade humana, a conseqüência será ausência de frutos (vv.5,6), mas se confiar no Senhor, o resultado será a produção de muitos frutos e a capacidade de ficar firme mesmo em tempos difíceis (vv.7,8). Jeremias apresenta, assim, uma ótima ilustração para compreender os problemas do coração e trabalhá-­‐los biblicamente. Quando identificamos um comportamento pecaminoso na vida de um indivíduo, isso demonstra que existe um problema na raiz, ou seja, no coração. Isso indica que esta pessoa não está confiando em Deus nesta determinada área de sua vida. Portanto, é preciso identificar qual aspecto do coração está em desacordo com a Palavra de Deus. O próprio Jesus adota uma ilustração semelhante para compreender o coração humano. Em Mateus 12.33-­‐35 afirma que é possível conhecer uma árvore pelo fruto que produz. Se o coração for mal irá produzir frutos maus, mas se o coração for bom irá produzir bons frutos (v.35). Desse


Ivis Fernandes 41 Ídolos do coração modo, pelo fruto, ou seja, pelo comportamento, podemos conhecer o que há no coração de um indivíduo (Mt 7.16,20). Posteriormente, o conselheiro precisa trabalhar de modo a deixar evidente que o aconselhado não está confiando no Senhor, mas no homem e na capacidade humana. Em seguida deve ajudar a conduzi-­‐lo no caminho para a confiança no Senhor, mostrando a orientação bíblica correta a respeito da área em que se está pecando. A partir de então, seguindo a ilustração de Jeremias, estaríamos removendo a planta e sua raiz de um terreno seco e colocando-­‐a junto a muitas águas. A conseqüência natural disso é que a planta receberia nova vitalidade e produziria frutos. Em outras palavras, haveria uma mudança de coração, e a partir daí, uma mudança de comportamento. O processo de transformação ocorre quando a raiz deixa de estar no terreno seco, ou seja, de confiar na capacidade humana e na compreensão humana sobre determinado assunto, e passa a confiar em Deus e a avaliar as circunstâncias da perspectiva divina, passando a raiz assim a estar num terreno provido de muita água.


Ivis Fernandes 42 Ídolos do coração

De acordo com esta ilustração apresentada por Jeremias, podemos sugerir um processo de transformação baseado em alguns passos19. O primeiro deles consiste em identificar o fruto. É importante que o conselheiro seja capaz de identificar, dentro das categorias bíblicas, o comportamento pecaminoso que precisa ser mudado. Em seguida, deve passar ao coração, buscando identificar o problema na raiz, ou seja, o conselheiro deve procurar entender em que sentido o aconselhado está deixando de confiar em Deus para confiar na capacidade humana. Deve-­‐se buscar compreender quais são 19

Baseado em anotações de aula da matéria de Aconselhamento, SBPV, ministrada por Gavin Aitken, 2005.


Ivis Fernandes 43 Ídolos do coração os desejos e conceitos por trás do hábito pecaminoso. O que o indivíduo tem desejado excessivamente em sua vida a ponto de o levar a pecar? Quais são os conceitos errados que têm alimentado este desejo? Estas são perguntas chave neste ponto. Em terceiro lugar, é preciso modificar a raiz, ou seja, conduzir o aconselhado a confiar no Senhor naquela determinada área de sua vida e a adquirir a perspectiva bíblica sobre o assunto. Não devemos, entretanto, nos esquecer da dificuldade de saber o que há no coração humano. Ele é enganoso e de difícil compreensão (Jr 17.9). Todavia, sabemos que Deus conhece os corações e pode nos mostrar o que há nele (Jr 17.10). Por isso, devemos fazer nossas as palavras do salmista: "Sonda-­‐me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-­‐me, e conhece as minhas inquietações. Vê se em minha conduta algo te ofende, e dirige-­‐me pelo caminho eterno” (Sl 139.23,24). Deus pode mostrar o que há em nosso coração. Mas é preciso sempre lembrar que mais importante do que conhecer o que está no coração é a disposição de obedecer à Palavra de Deus, ainda que não possamos compreender completamente as motivações do coração, ou, nas palavras de Edward Welch, “mais importante do que conhecer suas motivações é conhecer a Deus”20.

5.5. Despojar, renovar e revestir Efésios 4 apresenta mais instruções bíblicas essenciais para o caminho da transformação do homem a partir do coração. Após ter apontado para a nova vida que o cristão recebeu de Deus por meio da fé em Cristo (Ef 2.1-­‐10), o apóstolo Paulo convoca os cristãos para desenvolverem uma conduta coerente com esta nova vida a que foram chamados (Ef 4.1-­‐3). Neste sentido, orienta seus leitores a abandonarem o comportamento característico dos gentios ignorantes a respeito da vontade de Deus e a caminharem rumo a uma vida de santidade (Ef 4.17-­‐32). O cerne desta transformação pode ser destacado em três verbos utilizados pelo apóstolo nos versos 22 a 24: despojar (ἀποτίθημι, v.22), renovar (ἀνανεόω, v.23) e revestir (ἐνδύω, v.24). Estes são aspectos que não podem ser negligenciados durante o aconselhamento bíblico. O verbo "despojar" significa "pôr de lado, tirar do caminho, remover21". Aponta para a necessidade de retirar da vida algumas práticas que não são condizentes com a nova condição do indivíduo que está em Cristo (Ef 4.1). O texto afirma que o que deve ser despojado é o "velho homem", 20

WELCH, Edward T. Op. cit. p. 121.

21

Léxico Strong. Bíblia on-­‐line 3.0. Sociedade Bíblica do Brasil.


Ivis Fernandes 44 Ídolos do coração que é corrompido pelos enganos dos desejos pecaminosos. O verbo "revestir", por sua vez, complementa o primeiro vocábulo, acrescentando a idéia de que não basta apenas remover, mas ainda é preciso acrescentar algo. O sentido deste outro verbo é o de "entrar numa (roupa)", "vestir-­‐se22". O cristão deve se revestir do "novo homem", criado por Deus em justiça e retidão, conforme a imagem do próprio Deus. Assim, Paulo está enfatizando neste texto a necessidade do cristão substituir práticas pecaminosas do velho homem, características daqueles que vivem na ignorância (4.18) por novos hábitos santificados do novo homem, próprios daqueles que conhecem a verdade (4.24). O verbo "renovar" transmite a idéia de "tornar novo". O alvo desta renovação envolve o "entendimento" (νοῦς). Esta palavra significa "mente, incluindo igualmente as faculdades de perceber e entender bem como a habilidade de sentir, julgar, determinar (...), a capacidade para verdade espiritual, os poderes superiores da alma, a faculdade de perceber as coisas divinas, de reconhecer a bondade e de odiar o mal 23". Num texto paralelo a este, Paulo utiliza o verbo ἐπίγνωσις, que no Novo Testamento é especialmente utilizado para se referir ao conhecimento das coisas de Deus (cf. Ef 1.17 e 4.13). É interessante observar que os verbos "despojar" e "revestir" estão na voz média, indicando que o sujeito sofre os efeitos da ação praticada por ele mesmo. Neste sentido, parece correto afirmar que as ações de "despojar" e "revestir", no que se refere à substituição de práticas pecaminosas por práticas santas, são realizadas pelo próprio cristão em sua vida. O verbo "renovar", por sua vez, pode encontrar-­‐se tanto na voz média como na passiva, pois a terminação de ambas são iguais no tempo presente. Se considerarmos que se trata de voz média, a conclusão é que o cristão pratica para ou em si mesmo a ação de renovar. Mas se o verbo for passivo, significa que o sujeito sofre a ação de renovar, que é praticada por outro. Existem evidências que apontam para a voz passiva no verbo "renovar"24. Vimos que a renovação envolve o "entendimento", que não consiste em simples aquisição de conhecimento, mas na capacidade de conhecer as coisas de Deus. Este tipo de compreensão não decorre do esforço humano, mas da ação do Espírito Santo na vida do cristão. Porém, não podemos desconsiderar o fato de que as Escrituras ordenam, diversas vezes, que o indivíduo busque e medite na verdade da Palavra de Deus. Esta é uma responsabilidade de iniciativa do homem. Entretanto, a renovação é operada interiormente pelo 22

Idem.

23

Idem

24

O léxico Strong classifica este verbo como estando na voz passiva. cf. Bíblia on line 3.0 e Biblioteca digital da bíblia. Sociedade Bíblica do Brasil.


Ivis Fernandes 45 Ídolos do coração Espírito como conseqüência de uma busca a Deus na Palavra, com fé. Esta posição também é coerente com a doutrina da iluminação, que afirma que seria impossível o real entendimento das Escrituras se não fosse a atuação do Espírito Santo na mente do homem. Outro texto que parece apontar neste sentido é Romanos 12.2. Ao ordenar que o cristão passe pelo processo de transformação (μεταμορφόω) por meio da renovação (ἀνακαίνωσις) da mente (νοῦς), Paulo utiliza o imperativo presente, que também possui formas iguais para a voz média e passiva. Contudo, parece um equívoco alegar que o apóstolo está ensinando que o cristão é capaz de transformar a si mesmo pela simples aquisição de conhecimento bíblico. Em Gálatas 5.16-­‐26, Paulo ensina que o fruto de uma vida transformada é operado pelo Espírito Santo, enquanto que o resultado daquilo que é feito na dependência de si mesmo são as obras da carne. O que é requerido do cristão neste texto é que ande (περιπατέω) no Espírito, mas a transformação vem de Deus. Desse modo, podemos afirmar que é de responsabilidade do cristão o ato de "despojar" e "revestir", conforme descritos anteriormente. Contudo, no que tange ao "renovar", o homem é responsável apenas pela busca do conhecimento de Deus na Palavra, mas a mudança do entendimento é operada pelo Espírito Santo. Além disso, o fato do verbo estar no presente aponta para a necessidade de uma renovação contínua. Assim, é possível ajudar o aconselhado a perceber a perspectiva bíblica sobre determinado assunto, mas a mudança que é decorrente de um renovar do entendimento é feita por Deus. O conselheiro deve ajudar o aconselhado a envolver-­‐se neste processo bíblico de mudança. Começando pelo despojar, é preciso confrontá-­‐lo biblicamente, fazendo-­‐o perceber o comportamento pecaminoso que deve remover de sua vida. Isso pode ser feito, basicamente, pelo poder da Palavra de Deus, que atua como um espelho, mostrando aquilo que precisa ser mudado (Tg 1.23-­‐25). É necessário que haja verdadeiro arrependimento e confissão de pecados (1 Jo 1.9), e que o cristão veja a necessidade de deixar os ídolos e de se converter a Deus (1 Ts 1.9). A seguir, é preciso apresentar para o aconselhado quais são as alternativas bíblicas para o comportamento pecaminoso. Para que o processo de transformação seja completo é necessário não apenas o despojar, mas também o revestir. A mudança é completa não quando o indivíduo deixa de lado a conduta pecaminosa, mas quando a substitui por um comportamento santificado. Paulo deixa isso claro em Efésios 4 ao afirmar que não basta apenas deixar de mentir, mas é preciso falar a verdade (v.25). Também não basta deixar de usar as mãos para furtar, é preciso usar as mãos para trabalhar e assim ter condições de ajudar o próximo (v.28). As palavras torpes, por sua vez, precisam ser substituídas por


Ivis Fernandes 46 Ídolos do coração palavras edificantes (v.29). O conselheiro, portanto, deve conduzir o aconselhado a perceber quais são as alternativas bíblicas para o seu comportamento. Em tudo isso, é essencial haver a renovação do entendimento. Os conceitos errados que moldam o comportamento do aconselhado precisam ser mudados. É preciso alcançar o cognitivo. Ele precisa interpretar a realidade à sua volta do ponto de vista bíblico. É fundamental que desenvolva uma perspectiva correta de Deus, de si mesmo e das circunstâncias que o cercam. O aconselhado precisa ser exposto à Palavra, de modo que o Espírito Santo possa renovar sua mente e operar as transformações necessárias a partir de seu interior. Este procedimento irá auxiliar o indivíduo a derrubar os ídolos do seu coração. Juntamente com isso, o aconselhado deve dar passos práticos rumo ao despojar de comportamentos pecaminosos e o revestir de hábitos bíblicos através das tarefas propostas pelo conselheiro.

5.6. Tarefas práticas e mudança de hábitos Não queremos ser excessivamente simplistas, mas as diretrizes bíblicas para a mudança de comportamentos pecaminosos envolve a simples compreensão da verdade bíblica sobre o assunto e a disposição em praticá-­‐la. Tudo aquilo que o cristão precisa para uma vida piedosa está à sua disposição no conhecimento de Deus através da Palavra (2 Pe 1.2, 3). Mas apesar disso, é necessário considerar o fato de que as mudanças não acontecem com um simples assentimento ao padrão bíblico, ou seja, não basta apenas concordar com o que a Bíblia diz. É preciso que os novos conceitos sejam realmente assimilados e se tornem convicções. Para que isso aconteça é fundamental que o indivíduo inicie o processo de “despojar e revestir”, conforme destacamos acima. Efésios 4.22-­‐24 afirma que a mudança bíblica ocorre quando se remove o hábito pecaminoso (despojar) e se substitui por um hábito santificado (revestir), coerente com a verdade. E este procedimento é permeado com a renovação do entendimento, que abrange o processo que descrevemos até aqui. Esta substituição de hábitos envolve a disposição de se praticar os novos conceitos bíblicos adquiridos. De acordo com Larry Crabb “a prática da verdade tira essa verdade da esfera abstrata das meras declarações decoradas, transportando-­‐as para a esfera da profunda convicção e certeza”25. Ou nas palavras de Jay Adams: “os padrões de comportamento não evoluem automaticamente. Tornam-­‐se 25 CRABB JR, Larry. Op. cit. p. 168.


Ivis Fernandes 47 Ídolos do coração parte da vida da pessoa através da prática”26. Neste sentido, é extremamente importante que o conselheiro ajude o aconselhado a formular um plano de mudança, que o ajudará neste processo de despojar e revestir, pois é a prática dos princípios bíblicos que o capacitará a assimilar as novas convicções. A Palavra de Deus ensina que o conhecimento bíblico sem a correspondente prática é de pouca utilidade para a vida de alguém (Tg 1.22-­‐25). Além disso, o conturbado estilo de vida de nossos dias exige que o aconselhado seja “pressionado” a planejar uma forma de incorporar as verdades aprendidas num novo estilo de vida. Do contrário, as verdades permanecerão no “mundo das idéias”. Junte-­‐se a isso o fato de que a pecaminosidade do coração humano resiste às mudanças que se fazem necessárias. Tudo isso aponta para o fato de que um plano de mudança se faz necessário. Nas palavras do apóstolo Paulo a Timóteo: “Exercita-­‐te, pessoalmente, na piedade” (1 Tm 2.7b). “A disciplina é o segredo da piedade”27.

26

ADAMS, Jay E. Op. cit. p. 198.

27

ADAMS, Jay E. Op. cit. p. 198.


Ivis Fernandes 48 Ídolos do coração Não se trata, entretanto, de um legalismo, ou de uma confiança na capacidade humana. Pelo contrário, a inclinação do homem é a de confiar em seus próprios conceitos e formas de interpretar a realidade e em seus próprios sentimentos, desejos e emoções. A busca pela renovação da mente (Rm 12.2) e pela prática dos ensinamentos bíblicos demonstra fé no fato de que a interpretação bíblica da realidade e o caminho apontado pelas Escrituras são verdadeiros. Desse modo, quando o aconselhado os pratica em sua vida está demonstrando crer que a orientação divina é suficiente para operar uma transformação interior. Assim, elaborar planos de mudança não é um sinal de confiança na própria capacidade humana de mudar, mas é uma demonstração de fé na realidade de que Deus irá operar uma transformação no coração daquele que seguir as instruções de Sua Palavra. As mudanças são efetuadas por Deus. As tarefas são apenas um instrumento para ajudar ao aconselhado a meditar nas verdades bíblicas e a ponderar sobre formas práticas de como exercitar o conhecimento aprendido. Nas palavras de Paul Tripp: “Deus é quem opera mudança nos aconselhados. O que distingue o aconselhamento bíblico é a confiança em um Deus Redentor que tem poder para transformar radicalmente o coração do homem”(...) O problema é que as pessoas perdem de vista a Deus em meio às pressões circunstanciais e ao egocentrismo de seu coração. (...) As tarefas práticas oferecem uma oportunidade maravilhosa para 28 trazer Deus de volta à lembrança” .

Diante disso, é fundamental que o conselheiro sempre tenha em vista a importância das tarefas práticas no aconselhamento como uma forma de promover ao aconselhado uma oportunidade de exercitar sua fé nas convicções bíblicas aprendidas, e assim possibilitar a atuação de Deus no processo de mudança interior.

5.7. Obediência versus sentimentos Apesar do que foi visto até agora a respeito do processo de mudança a partir do interior do homem, seria um equívoco imaginar que alguns aspectos do coração se alterariam sem antes a existência de alguns passos de fé. Mesmo propondo que o aspecto emocional possa ser modificado com a substituição de conceitos mundanos por conceitos bíblicos, estes, por si só, não produzem efeito se forem desacompanhados de fé, como já destacado anteriormente. Desse modo, é enganoso acreditar que os sentimentos precisam se modificar antes que aconteçam atos de obediência e fé. 28

TRIPP, Paul David. Tarefas práticas no aconselhamento bíblico:uma base teórica para formulação e uso. Artigo extraído das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Atibaia: SBPV, vol. 2, 1ª edição, 2000, p. 44.


Ivis Fernandes 49 Ídolos do coração Muitos aconselhados se deparam com uma séria dificuldade no processo de transformação quando têm de lidar com os sentimentos que envolvem a mudança. Não são poucos os que consideram um ato de hipocrisia, legalismo ou algo impossível ter que obedecer à Palavra de Deus enquanto o sentimento aponta em outra direção. Enganam-­‐se acreditando que é necessário primeiro mudar as emoções antes de se dedicarem à obediência. Jay Adams afirma que se trata "de uma astuta 'artimanha' de Satanás, a fim de tentar os homens a pensarem que não podem fazer aquilo que Deus requer, porque não sentem o desejo de fazê-­‐lo, ou então que precisam fazer aquilo que sentem, sem poder tomar outro curso de ação" (ênfase do autor)29. Um exemplo apresentado por Adams é o de um casal que decide se divorciar por não haver mais o "sentimento de amor" entre eles. A expressão de surpresa do marido ilustra o entendimento de muitos cristãos: "– O que? O senhor quer dizer que devemos tentar amar-­‐nos um ao outro contrariamente a todos os nossos sentimentos? – Exatamente! – Mas isso não seria hipocrisia? – Não, seria obediência a Deus, o qual ordenou: 'Maridos, amai vossas mulheres... 30 (ênfase do autor)"

A palavra de Deus nunca condiciona a obediência aos sentimentos". Não é a toa que muitos consideram o aconselhamento bíblico como legalista. Entendem que as tarefas e outros recursos que auxiliam a obediência não fazem sentido quando o aconselhado "não sente" a mudança em seu interior. Os que têm esta visão esperam a alteração dos sentimentos promovida por uma suposta intervenção divina sobrenatural antes de tomar atitudes concretas para a obediência. A conseqüência disso é que muitos desistem do aconselhamento, pois entendem que a mudança não está acontecendo, quando na verdade são apenas as emoções que ainda não mudaram. De acordo com o que foi visto até agora, os comportamentos pecaminosos são resultado dos desejos maus que existem no coração humano. Naturalmente, os sentimentos e a vontade de um indivíduo acompanham as suas concupiscências. Entretanto, o processo bíblico de transformação envolve negar os desejos e vontades pessoais em favor da obediência a Deus. Isso significa que, num 29

ADAMS, Jay E. Op. cit. p. 118.

30

Idem. pp. 118, 119


Ivis Fernandes 50 Ídolos do coração primeiro momento, o aconselhado irá se deparar com sentimentos errados, que são fruto de seus desejos pecaminosos. Ele deve negar estes desejos e dar passos de obediência, independentemente dos sentimentos que possam surgir, sem que, com isso, esteja agindo com hipocrisia. Jay Adams demonstra isso de forma esclarecedora num diálogo com um aconselhado: – Não, nunca é uma hipocrisia obedecer a Deus. Vocês caíram na armadilha do diabo, pensando isso. Todas as manhãs -­‐ em contrário aos meus sentimentos (os quais me impelem antes a puxar a coberta sobre a cabeça e cair novamente no sono) -­‐ eu me levanto. Isso faz de mim um hipócrita? – Não, penso que não. – O que faria eu ser um hipócrita, portanto? – Bem, suponho que o senhor seria um hipócrita caso se vangloriasse de que gosta 31 de levantar-­‐se da cama de manhã. (ênfase do autor) .

Portanto, apesar de propormos o processo de mudança bíblico nesta seqüência (cognitivo, afetivo, comportamental), isso não significa que os passos durante o aconselhamento não envolvam abordagens simultâneas em todas estas áreas. Em outras palavras, é fundamental que o aconselhado pratique tarefas relacionadas à modificação de comportamentos pecaminosos, enquanto substitui seus conceitos errados por verdades bíblicas. Isso irá, oportunamente, resultar em alterações nos desejos e sentimentos pecaminosos. Pensar que os sentimentos precisam ser mudados antes da obediência é errado e pode prejudicar o processo de aconselhamento. 31

ADAMS, Jay E. Op. cit. p.119.


Ivis Fernandes 51 Ídolos do coração

6. Estudo de casos bíblicos Depois de visto, ainda que de forma elementar, o que a Palavra de Deus tem a ensinar sobre o processo de transformação do ser humano, é de grande validade observarmos estes ensinamentos em questões práticas. Por isso, apresentamos a seguir alguns estudos de caso baseados em problemas sofridos por personagens bíblicos, nos quais procuramos identificar a raiz do problema do coração sem muitas especulações, mas nos esforçamos em nos limitar, o máximo possível, às informações apresentadas pelo texto bíblico. Também propomos soluções bíblicas baseadas no modelo descrito até aqui, e com especial atenção às soluções apresentadas no próprio contexto bíblico em que os personagens estão inseridos.

6.1. Raquel e Ana Nosso primeiro estudo de caso bíblico refere-­‐se à idolatria do coração quanto aos filhos. Temos dois exemplos nas Escrituras que são drasticamente contrastantes no que se refere a este assunto. Trata-­‐se da história de Raquel e Ana. Podemos observar duas mulheres com o mesmo problema: incapacidade de ter filhos (Gn 30.1; 1Sm 1.5). Além disso, ambas sofriam com a rivalidade de outra esposa que podia ter filhos (Gn 30.8; 1Sm 1.6). Diante de situações muito semelhantes, aquelas mulheres reagiram de formas diferentes. Embora ambas tenham ficado abaladas emocionalmente pela dificuldade dos problemas que enfrentavam, podemos observar uma diferença significativa entre elas. Raquel demonstrou uma reação pecaminosa. Gênesis 30.1 nos mostra isso: “Quando Raquel viu que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã. Por isso disse a Jacó: 'Dê-­‐me filhos ou morrerei!'" A reação de Raquel se mostrou pecaminosa em vários sentidos. Ela teve inveja de sua irmã porque esta podia ter filhos. Ela se mostrou desesperada a ponto de cogitar a possibilidade de morte. Além disso, ela buscou a solução de seu problema na capacidade humana (Jr 17.5) ao pedir a Jacó que lhe desse filhos e não a Deus. Isso pode ser claramente percebido na resposta de Jacó no verso dois, quando afirma que não está no lugar de Deus para lhe dar filhos. Apesar da resposta de seu marido, ela continuou a procurar soluções humanas. Ela deu a Jacó sua serva Bila, de modo que pudesse satisfazer seu desejo idólatra por filhos. Ana, por sua vez, reagiu de maneira adequada. Apesar de ter demonstrado uma forte reação emocional (1 Sm 1.6, 7), ela não confiou na capacidade humana (Jr 17.7). A Bíblia nos mostra que Ana buscou a Deus e entregou seu sofrimento para Aquele que poderia realmente ajudá-­‐la (1 Sm 1.9-­‐11).


Ivis Fernandes 52 Ídolos do coração Diante dessas reações, devemos tentar identificar o que há no coração destas mulheres. Quais os desejos que estavam alimentando as reações de cada uma delas? Vemos em Raquel um desejo idólatra por filhos. Gênesis 30.1 é claro ao expressar sua concupiscência: "Dê-­‐me filhos ou morrerei"! Ana, por outro lado, manifestou um desejo equilibrado por filhos. Ana soube lidar com seus desejos. Ela os entregou ao Senhor e descansou: “eu estava derramando minha alma diante do SENHOR" (...) Eli respondeu: "Vá em paz, e que o Deus de Israel lhe conceda o que você pediu". Ela disse: "Espero que sejas benevolente para com tua serva!" Então ela seguiu seu caminho, comeu, e seu rosto já não estava mais abatido (1 Sm 1.15-­‐18). Identificados os desejos, precisamos agora observar quais os conceitos que os estavam alimentando. Podemos compreender que naquele contexto, a importância de uma mulher estava muito ligada à capacidade de ter filhos, que eram considerados como bênção do Senhor. Nada mais natural, portanto, que as esposas desejassem ter filhos. Na vida de Raquel, porém, vemos a idéia de que os filhos seriam um meio para sua auto-­‐glorificação. Ela estava travando uma disputa dentro do lar com sua irmã para ver quem seria a mais importante para o marido e para a família (Gn 30.8, 20). Aquilo que Raquel tinha dentro de seu coração ficou evidente quando teve o primeiro filho, que nasceu de seu próprio ventre. Ao invés de agradecer a Deus, ela simplesmente pede outro filho. Sua preocupação era consigo mesma e não com a glória de Deus: “Ela engravidou, e deu à luz um filho e disse: 'Deus tirou de mim a minha humilhação'. Deu-­‐lhe o nome de José e disse: 'Que o SENHOR me acrescente ainda outro filho'” (Gn 30.23, 24). A atitude de Ana, por outro lado, foi diferente. Sua preocupação era com a glória de Deus. É claro que desejava um filho, mas submeteu este desejo à glória de Deus. Ana se dispôs a abrir mão de algo que era extremamente importante para ela naquele momento em favor da glória de Deus. Ela dedicaria seu filho ao Senhor por toda a vida (1Sm 1.11). Isso mostra um desprendimento, pois ela não ficaria com o filho para si. Mas outros conceitos errados ainda podem ser observados em Raquel. Ela desconsidera o fato de que os filhos são dados pelo Senhor e são herança que vem dEle (Sl 127.3). A conseqüência disso é que pede por filhos a Jacó (Gn 30.1) e não a Deus. Outros conceitos errados podem ser percebidos nos nomes que Raquel deu a seus filhos. Ao dar a luz a José, afirma o seguinte: Ela engravidou, e deu à luz um filho e disse: "Deus tirou de mim a minha humilhação" (Gn 30.23). Raquel estava se sentindo humilhada por não ter nenhum filho dela. Ela estava colocando toda sua expectativa de valor no fato de ser mãe. O pensamento aqui é: “Não ser mãe é motivo de humilhação.” Raquel acreditava que seu valor como mulher, esposa e como parte de


Ivis Fernandes 53 Ídolos do coração uma família dependia totalmente de ter filhos. A conseqüência disso foi que ela reagiu com problemas emocionais quando percebeu que não podia ter filhos. Além de José, o nome de Dã também mostra algo do coração de sua mãe. Gênesis 30.6 diz: “Então Raquel disse: 'Deus me fez justiça, ouviu o meu clamor e deu-­‐me um filho'. Por isso deu-­‐ lhe o nome de Dã” (um juiz). Raquel sentia-­‐se injustiçada pelo fato de sua irmã ter vários filhos, enquanto que ela não tinha apenas um. Para ela, não ter um filho era sinônimo de injustiça. O conceito presente aqui é: “Deus será justo comigo apenas se me der outros filhos.” Além disso, vemos em Gênesis 30.8 a seguinte declaração: “Então disse Raquel: 'Tive grande luta com minha irmã e venci'. Pelo que o chamou Naftali” (luta). Havia um competição entre irmãs. As duas estavam disputando o papel de “esposa principal” dentro daquele lar. O pensamento aqui é: “vou conquistar meu espaço em casa se tiver um filho.” Não podemos censurar nenhuma destas mulheres pelos sentimentos que tiveram quando perceberam que não estavam conseguindo ter filhos. O problema delas não foi os sentimentos ou a ausência de filhos, mas o que elas fizeram com isso. Raquel interpretou as circunstâncias de forma errada e teve uma visão equivocada sobre Deus e sobre o seu valor pessoal. O resultado foi um desejo idólatra. Ana, por sua vez, entregou a questão nas mãos de Deus, pois sabia que Ele é poderoso para ajudá-­‐la. Ela teve uma visão bíblica sobre Deus e as circunstâncias. O resultado foi um desejo equilibrado e um comportamento que glorificou a Deus. Este é o exemplo correto a ser seguido. Um conselheiro poderia ajudar a Raquel confrontando biblicamente seus desejos e convicções, apontando a necessidade de arrependimento e confissão. Ainda que pouca revelação estivesse disponível para ela naquele contexto, podemos perceber que Jacó e Ana tinham informações suficientes sobre Deus para ter uma reação equilibrada diante daquela realidade, conforme já destacado. Raquel poderia ser ajudada a perceber que os filhos vêm de Deus, e que a preocupação excessiva de ser a "esposa principal" de Jacó revela um orgulho de ser importante dentro da família, o que encontrou sua expressão no desejo obsessivo por filhos. Tarefas no sentido de observar e meditar sobre o poder e cuidado de Deus seriam úteis para este problema. Além disso, seria interessante que Raquel praticasse a humildade, demonstrando amor por sua irmã, com quem estava rivalizando, e pelos filhos dela. Algo digno de ser destacado aqui é a diferença entre as conseqüências da atitude de cada uma destas mulheres. Ana entregou um de seus desejos mais profundo nas mãos de Deus, confiou e descansou. O resultado foi que se tornou mãe do grande profeta Samuel, um homem de Deus. Raquel, por sua vez, alimentou o seu desejo idólatra e não se arrependeu. O resultado foi que morreu durante o parto de seu segundo filho (Gn 35.16-­‐19). Aquilo que ela mais amava foi o que destruiu sua vida.


Ivis Fernandes 54 Ídolos do coração

6.2. Asafe e Paulo Nosso segundo estudo de caso bíblico está relacionado àquilo que se costuma chamar de depressão. O primeiro personagem a ser considerado é Asafe. O Salmo 73, que é atribuído a ele ou a alguém de sua família, relata uma profunda crise vivenciada pelo salmista, que quase o levou a se desviar (Sl 73.2). Ele manifestou inveja (v.3) e chegou a considerar a possibilidade de que o seu esforço em manter a integridade era inútil (v.13). O problema de Asafe teve início quando começou a desenvolver um padrão errado de avaliação de sua vida. O salmista passou olhar para os ímpios e a comparar a sua vida com a deles, ao invés de enxergar a situação da perspectiva divina. O texto afima: “Pois tive inveja dos arrogantes quando vi a prosperidade desses ímpios” (v.3). Ele começou a verificar que os ímpios viviam desfrutando dos prazeres do pecado e ainda assim aparentavam prosperar em suas vidas (vv.4-­‐12). Sua conclusão inicial foi a de que a obediência a Deus não valia a pena (v.13), pois tinha que pagar um alto preço para isso (v.14). Por trás de sua reação de inveja e desânimo, podemos observar um desejo que a alimentava. O salmista desejava ter uma vida próspera como a dos ímpios. Por isso o texto afirma que teve inveja dos aparentes benefícios que eles desfrutavam (v.3). Este desejo o levou à conclusão prévia de que a vida que os injustos levavam valia mais a pena do que a busca pela piedade. Asafe parece não querer mais sofrer e se afadigar por causa de seu empenho pela pureza (vv.13, 14). Por trás destes desejos existem conceitos equivocados. O salmista demonstra crer que os benefícios transitórios que os ímpios desfrutavam eram mais valiosos do que uma vida de pureza e obediência ao Senhor. Ele se esquece que Deus usa os sofrimentos e dificuldades da vida para moldar o caráter de Seus servos. Além disso, demonstra não crer na justiça de Deus. Asafe desconsidera o fato de que os ímpios deverão prestar contas de suas ações diante do Senhor. Tudo isso é conseqüência do fato de que houve uma avaliação das circunstâncias à parte da perspectiva divina. O padrão de Asafe foi a comparação de sua vida com a dos incrédulos. Uma forma de ajudar Asafe é confrontá-­‐lo biblicamente, mostrando a necessidade de arrependimento e confissão. Além disso, é preciso mostrar o padrão equivocado pelo qual está avaliando sua vida, e indicar o padrão correto das Escrituras. Tarefas práticas podem ser propostas no sentido de levar Asafe a meditar sobre a bondade de Deus e os benefícios de uma vida santa. Relacionar numa lista os privilégios de ser fiel a Deus é uma boa tarefa para esta situação. A solução para o mal de Asafe é apresentada no próprio Salmo 73. O salmista mudou sua perspectiva. Seu critério de avaliação deixou de ser a comparação com os ímpios. Ele deixou de olhar para os injustos e começou a olhar para Deus (v.17). Foi considerando a justiça de Deus que o salmista


Ivis Fernandes 55 Ídolos do coração percebeu que os ímpios não permanecerão sem a justa retribuição. Ao deixar de considerar o momento e as circunstâncias e olhar para o todo, notou que Deus não deixará de retribuir a cada um de acordo com suas obras. Paulo, nosso segundo personagem, também passou por momentos difíceis. Teve experiências das mais diversas. Experimentou a humilhação e a fome (Fp 4.11, 12), trabalhos, prisões, açoites, perigos de morte, apedrejamento, naufrágios, vigílias, frio, nudez e muitos outros perigos e dificuldades (2 Co 11.23-­‐28). Apesar disso, Paulo aprendeu a viver contente em toda e qualquer situação (Fp 4.11). A razão básica pela qual Paulo não teve uma reação semelhante à de Asafe, apesar das dificuldades ainda maiores que enfrentou, é que Paulo não comparou sua vida com as dos incrédulos. Os olhos do apóstolo estavam em Cristo. Ele aprendeu a deixar todas as demais coisas de lado e fixar sua atenção no alvo, buscando o “prêmio da soberana vocação em Cristo” (Fp 3.12-­‐16). Seus pensamentos estavam focados em Jesus e nas coisas celestiais (Cl 3.1-­‐4). Ele havia aprendido que sua vida era para Cristo, e também tinha uma perspectiva da recompensa eterna, pois sabia que morrer era lucro (Fp 1.21). Uma vida sendo vivida desta forma faz toda a diferença, pois dá ao cristão uma perspectiva correta de auto-­‐avaliação. Asafe quase caiu porque colocou sua atenção sobre os benefícios que este mundo pode oferecer, ao comparar sua luta pela santidade com a boa vida dos ímpios. Paulo, contudo, colocou seus olhos em Cristo e na retribuição eterna, tornando-­‐se, portanto, capaz de lidar com os sofrimentos do presente.

6.3. Pedro e Paulo Nosso terceiro estudo de caso bíblico está ligado ao temor a homens. Podemos observar este problema na vida do apóstolo Pedro em pelo menos uma ocasião. As Escrituras mostram que Pedro sabia que o evangelho havia alcançado os gentios e que aquilo que Deus havia purificado o homem não deveria considerar impuro (At 10.15). Contudo, no capítulo dois da carta aos Gálatas, vemos uma ocasião, narrada por Paulo, na qual Pedro precisou ser publicamente repreendido. Afirma o texto bíblico que este apóstolo estava em Antioquia, convivendo com gentios e que comia com os mesmos (Gl 2.12). Porém, quando chegou um grupo da parte de Tiago, constituído provavelmente por judeus, o apóstolo retirou-­‐se do meio deles ( ποστελλω) e depois afastou-­‐se com uma provável atitude discriminatória (Gl 2.12). Com efeito, o termo usado aqui é


Ivis Fernandes 56 Ídolos do coração φωριζω, que significa “separar-­‐se de outros pelo estabelecimento de limites ou uso de critérios”32. Pedro separou-­‐se do grupo de gentios pelo fato de serem incircuncisos, como fica claro na repreensão feita por Paulo (v. 14). O livro de Atos mostra que Pedro sabia que os judeus consideravam proibido ajuntar-­‐ se com alguém de outra raça (At 10.28). Também sabia que os judeus condenavam compartilhar de uma refeição com um incircunciso (At 11.3). Desse modo, o que aconteceu nesta ocasião foi que o apóstolo temeu mais a homens do que a Deus. Gálatas 2.12 deixa isso claro ao afirmar que Pedro fez tal coisa “temendo os da circuncisão”. Sua preocupação, naquele momento, estava voltada para o que os judeus iriam pensar e não na avaliação de Deus. Vemos, assim, que o comportamento pecaminoso de Pedro foi o de discriminar os gentios por sua incircuncisão, e assim, contribuir para o entendimento errado de que a salvação dos gentios exigia algo mais do que a fé (Gl 2.14-­‐16). Por trás desta conduta, podemos observar o desejo errado de querer agradar a homens mais do que a Deus. Pedro desejou ser bem visto e aceito pelos enviados de Tiago. Mas o que alimentou este desejo foi um conceito errado de que a aceitação da liderança judaica era mais importante do que a agradar ao próprio Deus. Paulo, por outro lado, apesar de estar presente na mesma ocasião, reagiu de forma diferente. Ele não só permaneceu firme, mesmo diante da influência pecaminosa de Pedro, a qual afetou até mesmo Barnabé (v. 13), como ainda temeu a Deus o suficiente para confrontar publicamente o pecado de Pedro, considerado o líder dos apóstolos. A diferença de comportamento pode ser explicada por uma distinção entre os desejos de cada um, pelo menos naquele momento. Pedro, naquela ocasião, desejou mais agradar a homens do que a Deus. Paulo, por sua vez, deixou claro que estava em busca do favor de Deus e não do de homens. Considerava a si mesmo como um servo de Cristo, e, portanto, sua ênfase estava em servi-­‐lo e agradá-­‐lo (Gl 1.10). Portanto, por trás da obediência de Paulo está um desejo intenso de agradar e glorificar a Deus, mesmo que isso venha a desagradar a homens. O que nutre este desejo é a convicção de que Deus é infinitamente superior, e que a avaliação divina é mais importante do que a avaliação humana. Não queremos afirmar, entretanto, que este era um problema habitual de Pedro. Pelo contrário, temos vários motivos para crer que o apóstolo era impetuoso e ousado no serviço a Deus. Aparentemente este foi um problema isolado, ainda que também precisasse ser devidamente tratado. 32

Léxico de Strong. Bíblia on line 3.0. Sociedade Bíblica do Brasil.


Ivis Fernandes 57 Ídolos do coração Um conselheiro poderia ajudar a Pedro ou outra pessoa com problema semelhante, fazendo o que Paulo fez, ou seja, confrontando-­‐o com a verdade, de modo a mostrar-­‐lhe a necessidade de arrependimento e confissão. O aconselhado precisaria ser relembrado de que é servo de Cristo e não de homens. Tarefas práticas no sentido de motivá-­‐lo a agir em obediência a Deus sem se preocupar com a reação de homens seriam válidas neste caso. Pequenos passos de obediência em situações nas quais o aconselhado costuma reagir de forma pecaminosa podem ser planejados e executados com o encorajamento e acompanhamento do conselheiro.


Ivis Fernandes 58 Ídolos do coração

7. Conclusão Tão intrigante quanto compreender como Israel pôde se curvar diante de falsos deuses e imagens feitas por homens é entender como o coração humano funciona. Trata-­‐se de uma verdadeira fábrica de ídolos, que são frutos da corrupção existente no interior do homem a partir da queda de Adão e Eva. Muitos conselheiros e profissionais no comportamento humano, esquecendo-­‐se ou ignorando este princípio básico das Escrituras, acabaram por prescrever tratamentos paliativos para o comportamento humano. Sem dúvida alguma, foram muitos os cristãos que tiveram suas vidas transformadas pelo poder de Deus sem ter qualquer conhecimento sobre "ídolos do coração" ou sobre grande parte dos conceitos apresentados neste trabalho. O próprio autor se inclui entre estes. O que Deus requer do cristão é que este o busque de todo o coração (Jr 29.13) e que O ame acima de todas as coisas (Mt 22.37). Quando fazemos isso, Deus liberta e transforma o homem, pois o desejo de glorificar a Deus se torna maior do que qualquer outro desejo idólatra de auto-­‐gratificação. Apesar disso, não podemos ignorar o fato de que muitos cristãos se encontram "presos" a comportamentos pecaminosos dos quais não "conseguem" se libertar, mesmo após inúmeras tentativas frustradas. Deus tem a solução para isso, e cremos que ela está na Bíblia. A Palavra divina ensina o processo pelo qual o homem pode mudar. O ponto de partida para isso, conforme vimos, é o coração. Por isso, nossos esforços neste trabalho foram no sentido de esboçar uma compreensão bíblica do coração e deste procedimento de mudança de modo a auxiliar o conselheiro a entender a raiz do problema e a tratá-­‐lo a partir daí. Vimos que, apesar da aparente complexidade dos estilos de comportamento humano, existe por trás disso um certo tema comum. Apesar de muitos estudiosos da área humana (da perspectiva humanista e teológica) afirmarem que a conduta humana é extremamente intrincada, verificamos que a Bíblia afirma que o pecado do homem é motivado pelos seus desejos ou concupiscências. Onde estiver o objeto de desejo de alguém, ali estará o seu coração (Mt 6.21). Quando um indivíduo deseja qualquer outra coisa mais do que a Deus, seu desejo é idólatra, pois está ocupando o lugar que deve pertencer exclusivamente a Ele. Não é possível servir a dois senhores (Mt 6.24). Ou agradamos a Deus ou aos ídolos. Quando optamos por estes, o coração humano é invariavelmente atingido e levado para longe de Deus (1 Jo 2.15). Conseqüentemente, nossas ações são afetadas, pois é do coração que procede o comportamento (Pv 4.23; Mt 15.18,19). Sendo o coração a sede que comanda a conduta do ser humano, nada mais natural que todo conselheiro tenha uma compreensão bíblica a respeito do coração e de seu funcionamento.


Ivis Fernandes 59 Ídolos do coração Vimos que, na compreensão judaica, o coração é a sede dos conceitos, desejos e vontades do ser humano. Quando a queda atingiu a humanidade, cada um destes aspectos foi afetado. Agora, a natureza caída afasta-­‐se da verdade divina e se envolve em mentira e engano. Estes falsos conceitos afetam a interpretação humana de si mesmo, de Deus e da realidade à sua volta. Conseqüentemente, os desejos passam a se voltar para a auto-­‐satisfação e não para a realização da vontade divina. O resultado daqueles que se entregam a estes desejos é uma conduta pecaminosa escravizadora. Se o pecado se origina no coração, a mudança também deve partir deste ponto. Jesus condenou a hipocrisia dos fariseus que se preocuparam apenas com o exterior, deixando o aspecto interior de lado (Mt 23.25, 27-­‐29). A solução apontada por Jesus é limpar o coração, e a conseqüência disso seria uma vida transformada (v.26). Diante destes ensinamentos tão claros, parece surpreendente que tantos estudiosos que se propõe a ajudar o homem a mudar negligenciem tanto o que a Palavra de Deus ensina sobre o coração. É por isso que muitas propostas concentram-­‐se apenas no comportamento, e por isso acabam não produzindo uma mudança efetiva, mas apenas uma "troca de ídolos". Vimos que o coração possui três aspectos básicos: o cognitivo, que se refere à sede dos conceitos e crenças do ser humano; o afetivo, que é o centro dos desejos, e que, sendo assim, influencia diretamente os sentimentos, na medida em que nos envolvemos emocionalmente com aquilo que desejamos e o volitivo, que está relacionado à vontade, entendida como aquela disposição interior que determina as escolhas de cada um e, conseqüentemente, suas ações. Cada um destes aspectos foi diretamente atingido pelo pecado original. O resultado disso é que eles não operam mais como deveriam, mas conduzem o homem para o pecado. Pela graça de Deus, o cristão recebeu um novo coração, ou seja, uma nova disposição interior para buscar a Deus, mas a influência do pecado ainda paira sobre o homem. Desse modo, conforme vimos, os conceitos e crenças errados levam o ser humano a desenvolver desejos errados, que por sua vez afetam a sua vontade e suas escolhas, gerando comportamentos pecaminosos. Assim, é importante que o aconselhamento leve em consideração cada um destes aspectos, na busca de oferecer um auxílio efetivo e uma transformação duradoura. Com base nisso, procuramos apresentar um procedimento de aconselhamento bíblico que aborde o coração baseado em Jeremias 17.5-­‐10. Consiste numa forma de tratar o aspecto interior do homem. Segundo o texto, aquele que confia na capacidade humana, tem suas raízes (coração) em terra seca. O resultado é que não produz nada de bom (comportamento). Assim, por meio das ações (ou frutos) identifica-­‐se o que há no coração (ou raiz). Com muita oração, o conselheiro precisa fazer perguntas que o ajudem a perceber quais são os desejos (afetivo) que estão moldando as escolhas (volitivo) do


Ivis Fernandes 60 Ídolos do coração aconselhado. Juntamente com isso, o conselheiro deve sondar para verificar quais são os conceitos e crenças (cognitivo) que estão gerando estes desejos. Em seguida, é preciso colocar a raiz junto às águas, ou seja, é preciso conduzir o aconselhado a confiar em Deus. Para isso, o conselheiro deve confrontar as crenças erradas do indivíduo com a verdade bíblica, dando passos rumo à renovação da mente (cognitivo). O resultado é a mudança dos desejos (afetivo) e escolhas e ações (volitivo). Neste processo, com base em Efésios 5.22-­‐24, o conselheiro precisa ajudar o aconselhado a despojar o comportamento errado e a se revestir de uma conduta santificada, de modo que ocorra mudança verdadeira e completa. Para isso, as tarefas são essenciais, pois permitem que os novos conceitos sejam praticados pela fé e se tornem convicções, que resultarão em novos hábitos de vida. Todo este procedimento bíblico é aplicável aos cristãos, pois apenas eles possuem os recursos necessários para uma transformação efetiva. Em Cristo, eles foram libertos do poder do pecado, e por isso não precisam mais servir aos desejos da carne como escravos (Rm 6.6; Gl 5.24). O Espírito Santo os capacita à obediência, a Palavra de Deus os orienta na verdade e a oração estimula a dependência necessária para que o cristão não conte com sua própria força, mas com a capacitação divina. Sem Cristo, nada se pode fazer (Jo 15.5). Toda a luta do homem contra o pecado ocorre na esfera do coração. É nele que o homem decide se vai obedecer a Deus ou fazer sua vontade. É nele que se trava a batalha entre a verdadeira adoração e a idolatria. É nele que se escolhe entre Deus e os ídolos. Diante disso e de tudo o que foi visto neste trabalho, não podemos deixar de reconhecer a sabedoria do provérbio bíblico que diz que "sobre tudo o que se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da vida" (Pv 4.23).


Ivis Fernandes 61 Ídolos do coração

Apêndice

Perguntas para aconselhamento 33 É fundamental que o aconselhamento conduza as pessoas no processo de transformação. Ocorre que muitos aconselhados chegam ao conselheiro com o objetivo de procurar alívio para o sofrimento. Sua preocupação está em modificar a situação que produz o desconforto. De modo geral, o indivíduo não está em busca da mudança do coração, mas de simples alívio. Por isso, é comum que os aconselhados não focalizem o verdadeiro problema do coração. Aliás, é mais provável que eles nem tenham a percepção do real problema. As circuntâncias, nas quais irão focalizar, são apenas a ponta do "iceberg". Por isso, o conselheiro precisa saber sondar o aconselhado com perguntas que lhe tragam as informações necessárias. Alistamos, a seguir, alguns questionamentos que podem ser úteis, divididos em categorias.

1. F Í S I C O 1. Como você descreveria sua saúde? 2. Como são os seus hábitos de sono? 3. Fale sobre como é um dia típico em sua vida. 4. Fale-­‐me sobre o seu trabalho e as suas exigências. 5. Quais problemas de saúde você já enfrentou?

2. C O M P O R T A M E N T A L 1. Fale-­‐me sobre alguns hábitos seus que o incomodam. 2. Como você descreve sua vida com Deus? 3. Descreva como é o seu relacionamento com...(pais, esposa, patrão, etc.). 4. Considerando o seu passado, quais algumas escolhas das quais você se arrepende? 33

Baseado, mas com várias modificações e acréscimos, em Apostila de treinamento em aconselhamento bíblico e discipulado em profundidade. Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos. Material traduzido da Grace Communiy Church, apêndice de suplementos pp. 13-­‐16.


Ivis Fernandes 62 Ídolos do coração 5. Considerando os dez mandamentos, com qual deles você encontra mais dificuldade em obedecer? 6. Em que área você tem mais lutas na sua vida cristã? O que você tem feito para mudar? 7. Fale-­‐me sobre a última vez em que você... (mentiu, cobiçou, irou-­‐se, etc.).

3. D E S E J O S /E M O Ç Õ E S 1. Qual é o seu maior desejo/sonho atualmente? Fale um pouco sobre ele. 2. Quando você tem um tempo para relaxar e ficar sozinho, para onde vão seus pensamentos? Que emoções estes pensamentos produzem? 3. Quais são as emoções mais comuns em sua vida? 4. Como você avalia sua vida emocional? Por que pensa assim? 5. Você poderia me dar exemplos de situações em que experimentou esta emoção? 6. Você poderia me dar exemplos de situações em que você perdeu o controle de suas emoções? 7. Que emoções surgem em você quando...

4. C O N C E I T O S /C R E N Ç A S 1. Fale-­‐me sobre o significado de Deus em sua vida. 2. Fale-­‐me sobre o que pensa de si mesmo. 3. Quais os problemas e circunstâncias de sua vida que mais o preocupam? Como você os relaciona com sua vida e com a idéia que tem de Deus? 4. O que você pensa sobre o que está acontecendo em sua vida hoje? 5. Descreva o que passou em sua mente quando... 6. O que você pensa sobre a Bíblia? 7. O que você pensa sobre a forma como tem lidado com o problema?


Ivis Fernandes 63 Ídolos do coração

5. P R I O R I D A D E S 1. O que você ama? O que você odeia? 2. O que você quer, deseja, anseia, cobiça? 3. Quais são seus objetivos de vida? O que você espera na vida? 4. Complete a frase: "As coisas seriam diferentes se...". 5. O que você teme? O que você não quer? O que o deixa preocupado? 6. O que você entende ser a sua maior necessidade? 7. Complete a frase: "Ficaria realmente feliz e realizado se...". 8. Complete a frase: "Eu preciso de...". 9. Pelo que você ora? 10. Como você usa seu tempo?

Tarefas para aconselhamento É praticamente inesgotável a possibilidade de tarefas práticas para o aconselhamento. Isso é verdade pelo fato de que cada princípio bíblico pode ser aplicado de muitas maneiras diferentes, dependendo da necessidade, das circunstâncias, da realidade do aconselhado e da criatividade do conselheiro. Desse modo, a lista a seguir pretende apenas servir como um modelo prático de tarefas que visam sondar o coração do aconselhado, identificar possíveis padrões pecaminosos e os ídolos por trás deles, bem como oferecer ajuda na remoção dos ídolos.

1. D I Á R I O

DE PENSAMENTOS Uma tarefa muito útil para o aconselhamento é a elaboração de um diário, no qual se

faz um registro dos pensamentos mais comuns que acometem o aconselhado durante o dia. Muitas pessoas não possuem o hábito de refletir sobre os próprios conceitos. Isso dificulta a tarefa do conselheiro, pois faz com que o indivíduo não consiga relacionar suas ações com aquilo que alimenta em sua mente. Neste sentido, o diário de pensamentos ajudará a perceber um certo padrão na forma de pensar, bem como ajudará a identificar a relação entre o hábito a ser abandonado e os pensamentos que ocupam a mente do aconselhado.


Ivis Fernandes 64 Ídolos do coração 34

DIÁRIO DE PENSAMENTOS

SEG

TER

QUA

QUI

SEX

SAB

DOM

1. Ao acordar

2. De manhã

3. De tarde

4. De noite

5. Ao deitar

34

Modelo elaborado com base em descrição de FITZPATRICK, Elyse e CORNISH, Carol. Op. cit. p. 74.


Ivis Fernandes 65 Ídolos do coração Nesta tarefa a seguir, temos a identificação da circunstância e dos pensamentos associados a ela. Além disso, fornece ajuda ao aconselhado para avaliar as crenças que precisam ser modificadas. 35

LISTA DE PENSAMENTOS A. Circunstância

B. Pensamento principal (muitas vezes uma expressão de sentimento)

Ataque de pânico quando penso em ver minha mãe.

Tenho medo de confrontá-­‐la e de dizer a verdade.

Gritei e berrei e depois fui frio com meu filho.

C. Porque...

D. E se isto aconteceu, ou se isto é verdade, então...

Ela ficará com raiva, Seria a pior coisa do brava. mundo. Eu não conseguiria lidar.

E. Minha crença básica que precisa mudar é...

Ela deve ter um critério bem alto para mim.

Estou com tanta Ele faltou o respeito Eu mereço um Eu tenho o direito de comigo. tratamento melhor. ser respeitado. raiva e amargura de meu filho.

Eu não consigo fazer Eu me sinto nada -­‐ eu não deprimida e com o consigo produzir. mundo inteiro nas costas.

Eu nunca serei a mãe que deveria ser.

É melhor eu desistir Eu não posso mudar logo. e/ou eu preciso fazer tudo perfeitamente ou ser condenada.

35

Tabela e exemplos extraídos da Apostila de treinamento em aconselhamento bíblico e discipulado em profundidade. Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos. Material traduzido da Grace Communiy Church, apêndice de suplementos p. 7.


Ivis Fernandes 66 Ídolos do coração

2. M U D A N Ç A

D E P E N S A M E N T O S 36 A tarefa a seguir é útil para ajudar a conduzir o aconselhado a identificar as crenças

erradas que permeiam seus pensamentos. Mas além disso, visa motivá-­‐lo a buscar as verdades bíblicas que devem substituir os conceitos errados. O ensino do conselheiro tem um papel fundamental nisso. Finalmente, o aconselhado deve alistar maneiras de se praticar a verdade bíblica em sua vida e deve ser encorajado a colocar em ação algumas delas durante a semana, de modo a se tornarem hábitos. MUDANÇA DE PENSAMENTOS A MENTIRA DO INIMIGO

A VERDADE DE DEUS

A PRÁTICA DA VERDADE

(Descreva o conceito errado)

(Descreva a verdade bíblica)

(Aliste formas práticas e mensuráveis para aplicar a verdade)

36

Tabela adaptada a partir de TRIPP, Paul David. Tarefas práticas no aconselhamento bíblico: exemplos de tarefas para diferentes fases do processo. Artigo extraído das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico. Atibaia: SBPV, vol. 2, 1ª edição, 2000, p. 51.


Ivis Fernandes 67 Ídolos do coração

3. F O L H A

D E S O L U Ç Ã O D E P R O B L E M A S 37 A tarefa a seguir ajuda o aconselhado a ponderar sobre o seu problema. Ele precisa

identificar as situações em que o pecado costuma se manifestar, e também descrever como é sua reação diante delas. Em seguida, deve buscar alternativas bíblicas de como reagir de forma agradável a Deus. Caso, não consiga encontrar os textos referentes, o conselheiro pode ajudá-­‐lo nisso. Em seguida, deve pensar em passos práticos e mensuráveis para incorporar em sua vida as reações adequadas. FOLHA DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS O que aconteceu

O que fiz

O que deveria ter feito

O que devo fazer agora

Problema (descreva)

Minha reação (descreva)

Reação bíblica (cite e explique referência)

Descreva os passos a serem dados para corrigir as coisas)

37

Tabela extraída, com algumas modificações, de ADAMS, Jay E. Op.cit. p. 288.


Ivis Fernandes 68 Ídolos do coração

4. D E C I S Õ E S

ORIENTADAS PELA

B Í B L I A 38

Uma dificuldade muito comum ocorre no campo das decisões. Não são poucos os cristãos que são orientados pelos desejos. Muitos estão de tal forma em busca da satisfação imediata, que fazem escolhas com base naquilo que pode lhes trazer prazer ou alívio momentâneo, e deixam de lado os princípios da Palavra de Deus, que podem trazer satisfação eterna, ainda que o preço disso seja um sofrimento momentâneo. Com base nisso, a tarefa a seguir visa expor ao aconselhado as opções que envolvem sua decisão e ajudá-­‐lo a fazer a escolha certa, fundamentada em princípios bíblicos e não nos desejos. TOMADA DE DECISÕES CRISTÃS (Leia Hebreus 11.24-­‐27 antes de tomar sua decisão) SEGUNDO OS MANDAMENTOS

SEGUNDO OS DESEJOS

A decisão começa com a pergunta:

A decisão começa com a pergunta:

"O que Deus quer?"

"O que eu quero?"

(Resposta)

(Resposta)

Escolha o sofrimento presente a fim de receber uma satisfação a longo tempo.

Escolha o prazer presente e esqueça o sofrimento a longo tempo.

(Anote aqui o sofrimento imediato e as conseqüências futuras)

(Anote aqui o prazer presente e as conseqüências futuras)

Juntamente com Moisés, sua decisão é uma oportunidade para "preferir Cristo". Escreva aqui sua decisão:

38

Idem p. 122.


Ivis Fernandes 69 Ídolos do coração

5. O U T R A S

TAREFAS Muitas outras tarefas podem ser alistadas aqui. Embora o objetivo deste trabalho não

seja exaurir o assunto, podemos mencionar mais algumas. Algo fundamental, e que deve ser explorado na vida dos aconselhados, é a prática de disciplinas espirituais. Não são poucos os que não possuem hábitos de estudo bíblico, oração, memorização de versículos e que não sabem como tratar o pecado. Neste sentido, várias tarefas podem ser dadas com o objetivo de dar estas ferramentas básicas ao aconselhado. A leitura de um livro bíblico durante a semana e a prática de devocionais diários com algum tipo de guia devocional são tarefas úteis para estimular o aconselhado a dedicar tempo com Deus. A cobrança de um tempo mínimo de oração por dia também é uma tarefa que visa estabelecer este hábito espiritual. O conselheiro também pode indicar versículos relacionados ao problema enfrentado, que devem ser memorizados durante a semana. Porém, em nossos dias, muitos são relutantes em relação a decorar textos. Assim, algo útil seria dar ao aconselhado a tarefa de ler o versículo vinte e cinco vezes por dia durante toda a semana. O resultado final será a que a pessoa terá memorizado o texto até o próximo encontro, e, além disso, evita-­‐se o uso da tão temida palavra "decorar".


Ivis Fernandes 70 Ídolos do coração

Bibliografia

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Edição Este trabalho foi editado conforme se encontra para livre distribuição. É intuito do autor, Ivis Fernandes e do editor, Thiago Zambelli, que este material seja bem utilizado por todos aqueles que já reconhecem a Bíblia como fundamento de fé e prática para suas vidas, bem como por aqueles que buscam conhecer a Verdade. Sabemos que a Verdade inexiste fora de Deus e os conselhos e decretos de Deus são, tanto para a glória do Criador, como para o alcance da felicidade da criatura, infalivelmente da perspectiva do próprio Deus.

É expressamente proibido o uso deste trabalho para fins comerciais.


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