Livro Samila - Verticais

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Samila Silva Soares

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Verticais Samila Silva Soares 2021 1ª edição - Copyright© 2021 Expressão Gráfica e Editora Todos os Direitos Reservados Edição: Revisão: Fernando Souza Projeto Gráfico e Diagramação: Thyago Nogueira Capa: Thyago Nogueira Ilustrações: Ana Victória Nascimento À minha avó materna, por ter deixado a vida em meus dias e os seus sinais em minha pele.

Reservado para Ficha Catalográfica


Muitas coisas podem ser ditas sobre Samila Silva Soares. Ela ama o vermelho e o mar. Gosta de ss, de pausas entre os versos, que são escritos para ser respirados, cara a cara, como se faz com o vento na praia. Essas pausas, essas vírgulas, os pontos, pontos-e-vírgulas e travessões marcam não apenas a cadência da leitura de sua poesia. São pulsações. São tremores. São espasmos. Sua poesia é repleta de ar, fogo, mar e paixão, elementos que também a compõem e nela se digladiam e se harmonizam conforme o ângulo de que se olhem. Há muita entrega em seus versos. Há neles muitos de seus amores e desamores, há sua gente, seu filho, há várias mulheres invisíveis das quais ela é feita, assim como a realidade também invisível das pessoas comuns: o ordinário riquíssimo do dia a dia de quem trabalha, pega ônibus lotado, junta grana para um feriado, toma porre para esquecer — ou para lembrar. Essas rotinas tão comuns e inalteradas são como conchas de beira de praia, todas, aparentemente, iguais. Contudo, transformar o ordinário em extraordinário é papel que a autora, poetisa que é, tomou para si há pouco mais de uma década, quando começou a catá-las, poli-las, lapidá-las e lhes perpassar cordões, criando, assim, pingentes que ela ostenta e que carregam mensagens antes impossíveis de serem ditas pelas conchas, originalmente, anônimas e incógnitas: leia; perceba; aceite; respeite; ame. “Ame!” é o que dizem seus olhos e suas palavras, ainda que as doloridas e desesperançosas. Assim é esta sua primeira publicação: uma mulher a ser lida, respeitada e amada, uma mulher comum e extraordinária, uma concha polida, única em seu cordão, contando alguns segredos do mar. A cadência sincopada e vertical de seus versos, a prosa poética e as metáforas rápidas não são apenas as suas características principais como escritora. Se compreendidas intimamente, podem ser percebidas como um organismo vivo, inquieto, feminino, em cuja pele os poemas estão tatuados: uma mulher, acima de tudo, que se fez poetisa para se entregar. Fernando de Souza


mar de luas • 11 dois sóis • 65 vento de areia • 119


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Etérea Ela é mar de água doce, é calmaria e furacão, neve e fogo num mesmo lugar. É choro de uma noite inteira, alegria de mais um dia nascendo, é vida que vem e que vai, respira. Ela está viva.

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Solidão

Calendário Gosto das minhas cicatrizes, dos sinais que tenho no corpo, das estrias e varizes; meus poros dilatados, das rugas que surgem no rosto toda vez que sorrio. Vejo que o tempo passou por mim e que vivo.

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Voltei a dormir, a enxergar o sol quando amanhece, que do chão só se passa depois da morte, e estar sozinha é melhor quando se está. Os dias se arrastam ao se levantar da cama; no sinal vermelho das avenidas, a vida parece parar. Mas tenho conseguido chegar sem pressa, mais perto de mim.

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Infinitivo Quero dividir meu abraço inconstante e as horas, as benditas e as malditas do dia, ser quem sou de verdade e não negar minha tristeza sem fim; quero dar meu sorriso mais sincero pra quem sincero também for e fazer amor, porque o sexo não me satisfaz; quero ver além da pele sem sangrar, alcançar a retina e me tornar luz nos olhos de alguém.

Entrelaço Eu me perco nos entrelaces das almas, onde tudo parece não ser vazio; mãos são pra tocar, olhos enxergam, bocas sentem, e o coração bate, sempre. O tempo pode parar.

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Lágrima

Andarilha

Moro na imensidão absolutamente sozinha, minha mente nunca está vazia; é chão frio que dá vontade de andar de pés descalços, às vezes, fica molhado e eu caio pra trás.

Quero é que me valha a dor de qualquer pena para que eu possa sentir, mesmo que, em ferro, o fogo queime no meu peito, lágrimas sequem no meu rosto a ternura, e dura a vida seja. Que eu esteja sempre de braços abertos, sabendo ou não se no caminho certo está meu coração.

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Voo livre E todo amor que tentei viver foi em vão, partido em mil pedaços pelo chão. Todas as vezes em que me joguei, caí sem paraquedas.

Marreta Ela tá em cima do muro, avisa a vizinha. — Ela pode cair! Passou uma, duas, três décadas, e ela tá naquela de não saber se vai pular pro lado daqui ou pro lado de lá. — Segura!

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Caixa preta Meio-fio no chão e o aviso de frágil. — Segura bem, pode cair! Aos cuidados de quem entrega. — Repara bem se o coração alguém abrir.

Cais O meu coração é um amar profundo; no raso, deixa de ser mar.

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Maré A paz que eu preciso, sossego que o mar traz, mais de tudo isso, e sem mas. Não olho para trás pra me arrepender, só para lembrar do que foi, por um dia, uma vez na minha vida, pra nunca mais.

Inconstância Se me deixar ir, saudade, nem mais outro sentimento; uma hora ou outra, o amor também vai embora.

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Ampulheta

Avante E sem ter forças pra seguir diante de tudo que é abalado, o coração frustrado sente, em doses nada doces, o amargo; mas quer, antes, ser valente, engole o mundo, se necessário. Lágrimas escorrem no peito de quem sente — bom seria se fosse o contrário. A queda é parte do asfalto, no voo, voo bem alto e, se mergulho, vou fundo, não fico no raso.

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Ela quer ver o mundo correr pelos seus pés, porque cansou de ver o amor escorrer por suas mãos.

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Resiliência Hora de voltar pra casa e sentir as dores que se antecipam, o peso de um grama pra quem se sente só é de um quilo multiplicado por cem; sinto tudo outra vez no mesmo ritmo amplificado. Silencio o meu peito com a certeza de que tudo passa e o tempo cicatriza meu coração ferido; então respiro.

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Fim de ano Eu queria ficar, sempre quis criar raízes, fazer elos, mas a rotina me cansa, desmotiva; é ter a vida e se sentir morta. Dia após dia, a mesma nota, correria que nada antecipa, só atrasa; a alegria vem de graça, e a tristeza, também.

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Bipolaridade O tempo é cruel, cheio de limitações, limites entre o inferno e o céu. E eu fico num limbo de emoções.

Dois mil e vinte Medo de tudo, do mundo inteiro, dos primeiros dias de janeiro, das luzes apagadas na madrugada vazia e cheia de solidão; até do que não vejo, de quem me põe de pé. A comida tem gosto de qualquer coisa, salva nem o café; dá um desgosto olhar e não ver o próprio rosto quando olho no espelho.

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Depressão Eu quero tirar tudo que é pesado, o fardo que carrego acaba com dois palmos abaixo do chão; o silêncio, aos poucos, mata, feito bala que acerta o coração.

Ansiedade Me mata aos poucos, como se fosse uma cena se repetindo, e eu fico assistindo tudo outra vez, e outra, e mais outra. Não tem outro canal.

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Vale Tem ida que não pode ser adiada. O fim é o início de mais uma jornada; entre os olhos da solidão, um abismo, escuridão de mão dada comigo. É hora de ir, me dissipar.

Amarelo Me leva hoje, não quero acordar nesta manhã. Me leva pra bem longe, onde não exista o ontem, nem haja o amanhã. Um lugar onde o sol não se põe, onde nunca escurece; me leva, antes que

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Amarelo Eu me perdi em todo ser que atravessei .

Hoje Tudo que mais quero é um abraço pra segurar no peito o coração saindo pela boca, mãos pra acalmar meu corpo trêmulo, ombro pra me encostar enquanto choro amores e dores de uma vida que era pra ontem.

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Aguar A flor murchou nos olhos dela; e o amor partiu pra reza de sétimo dia.

Spoiler O fundo do poço é vazio .

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Provador Em alguns dias, nos vestimos de amor; noutros, não queremos roupa nenhuma.

Queda d’água Respiro a dor de ter a vida consumida num instante e me preparo para a nova, que surge nos olhos marejados, igual lágrima que não pode ser contida.

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Eu

Relação

Tenho mais sorrisos nos olhos do que nós na garganta e choro risos de memórias que se foram, foram. Não tem mágoa que apague o fogo deste coração demasiado em tudo o que sente. Sobrevivo e volto a sorrir.

Que eu me permita amar outra vez, e outra e mais outra e outras mais. Não caibo em um sexo casual, mensagens de bom-dia e boa-noite não me satisfazem. E me faço caber onde não tenho de me deformar pra ser aceita — tudo é muito ou pouco e nunca suficiente.

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Fases O amor é céu de lua cheia: às vezes, míngua, noutras, cresce, e sempre se renova.

Seca É muito chão pra pouco céu, viro e mexo o papel, não vejo afirmação; caneta na mão e o coração ao léu, nem inspiração pra um cordel, eu tenho não.

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Rotina Era dia, sol da manhã, a vida corria feito rolimã, a gente nem via. Casa, trabalho, salário: se sobrasse, ia, faculdade ou técnico. Era a vida, é ainda, corrida e cheia de tédio. Remédio pra tudo tem, menos pra felicidade — esse, tem pra ninguém.

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Ressaca Sol de começo do dia, devagar o céu clareia; acordo, é segunda-feira, e a rebordosa de ontem não caiu tão bem. Agora, ensolarada, abro os braços, vivente, sobre os percalços, contagio; ante o presente, passado não se sente; futuro é para quê?

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Filho De repente um choro encanta, e o sorriso emana de um pequeno ser. O olhar perdido e a fixação precisa me fazem amar mais do que já amei. Ele me orienta quando me perco e me abraça quando me deito. Vivê-lo é tudo que me basta.

Terra à vista Avista quem o dia nasce, quem é noite quando todo mundo dorme e sustenta o peso da prole sozinha. Do barro à vida! De olho bem aberto, aprecia a vista que nunca pode ser vendida — memoriza. Memória que faz história desde que a Terra gira.

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Maria Maria, cinco letras, uma se repete: quem vê Maria sabe que não a esquece. Maria some de noite e, quando é dia, aparece. Até parece! Quem conhece sabe que Maria anoitece e amanhece, é sol e é lua no céu.

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Teus sinais de pele, na minha, herança; veio sabendo que ia e, no maior mau tempo, teve de lutar até não ter mais força. Teve, no sorriso estampado sem dentes, a alegria, de uma vida vivida bem; os olhinhos cansados diziam o que a boca não podia mais dizer: “Cheguei até aqui, não vão ficar sofrendo quando eu for embora.”

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Marielle

Adeus

Foi na tua pele, deflagrou à queima roupa a tua vida e a nossa, Marielle, Guerreira, Ativista, Mãe, Negra, Mulher; e quantas outras e mais quantas mulheres terão e serão caladas, crivadas de balas? Tiros não nos silenciarão!

Pretinha do cabelo branco, tua despedida é a mais sentida; chorei sobre tua pele fria. No meu adeus, tinhas partido.

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Perda

Baile A cor da pele mata, mata quem vê o preto valendo nada. É mais uma ocorrência que a arma aponta, dispara, e foi legítima defesa. Nos ponteiros do relógio, o luto: passou mais um; não, mataram nove!

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Ante a expectativa do amor perdida, a dor consome o coração e a alma; nada acalma a fala embargada e o choro de ter perdido um filho.

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Listrado A nossa ignorância é do tamanho da nossa penitência.

Carapuça Me visto de verde e amarelo, vou às ruas, canto o hino nacional. Sou a maioria opressora sobre a oprimida. Retroceder é o processo de ordem para o progresso. Quem tem medo, tema! E viva a democracia brasileira.

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Visualizadores A quem não merece um só, plateia, tendo visto que, quando se encerra a peça, sozinho. Mais fácil ter amor do que ter amigos — ainda que números não digam, contam. Aviso aos vivos: parem de contar!

Redes sociais É ter o mundo nas mãos e, mesmo assim, se sentir refém de tudo.

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Utopia É fácil apontar o dedo na cara e passar deslizando pela vida dos outros. O amor ao próximo é para poucos e, geralmente, escolhe a quem se assemelha.

Incodicional O amor nos faz iguais.

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Ú ltimo poema Teus pés descalçam a imensidão, tua voz é nota de acorde escondida. Nas tuas mãos, moram o amor e a calmaria. Olhos cor de céu no olho do furacão. De tanto que inebria, explode e faz arder o coração de quem te vê.

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Carnaval Amar como se o amanhã não houvesse; depois do dia em que te vi, minha vida passeou pelo teu céu cor anil, boca sabor café, bala de hortelã, teu beijo — borboletas na barriga. É mais um dia pra falar de nós dois, amor que veio pra ser e é o que antes não tinha sido; ainda bem que a vida nos aproximou e o universo conspirou para sermos um.

O teu amor é chama que aquece meu coração frio, é o dia amanhecendo com barulho de chuva; é a versão mais bonita de tudo que escrevi e vivo.

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Casa


Sincronia Furta-cor Quando te vejo, coração assume a rota e, disparado, colide no teu, sem medo algum; única certeza que tenho é que estamos conectados na mesma frequência, lado a lado. Mesmo quando separados, o pensamento é um só: nós.

Teus sinais, sombras de luz no universo; é dito certo que seus olhos são, senão, os mais lindos vistos por mim ou algo assim que nunca vi antes.

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Asserção

Parênteses

É ter como existir na palavra euteamo antes, agora e depois. Desde o dia em que te vi passar por mim, não percebi, mas já sabia: seria eu o amor da tua vida no instante em que ouvi o coração confessar que era teu o meu amor.

Eu nem sabia como era ter (viver) um amor (de verdade). O coração carrega tantas desesperanças que cansa, é preciso desatar os nós que enlaçam a coragem de amar (sempre). E se entregar ao recíproco por vontade, querendo todos os dias ser pra toda vida a vida de quem realmente te quer.

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Atemporal

Dois e três

Chega mais perto e me olha dentro dos olhos, vê se sorrio ou se choro, se tenho promessas ou dívidas; duvida do que diz a minha língua e acredita no meu coração. O amor chegou no tempo certo, marcou pra sempre no temporizador, é terno e, eternamente espero todos os dias da vida à vista do teu coração.

Teu amor é céu de abril, o pedaço mais doce da fruta. Quem nunca te viu com os olhos com que te vejo, nem na boca provou o teu beijo, não faz ideia do que estou sentindo. Te amar é saber de cor todas as músicas sem ter ouvido a letra, é fazer da vida mais que um punhado de areia e ser dois num só.

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Efeito

Certa de que o coração é um só, ultrapasso o infinito no tempo quando estamos sós; e nós somos um. Sem espaços vazios, unidos por mãos, boca, suor e saliva em cada parte do corpo, um do outro, como quis.

Deslizar a ponta dos dedos sobre tua pele. A boca, a língua, chega arrepia a espinha. Tua mão, quando no meu corpo, o desnuda. Eu deslumbro e tu irradias. Dilatas a pupila e continuas, atravessas minha retina com teu olhar e acertas meu coração, que palpita em descompasso, mas no compasso do teu.

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Fusão


Censurado

Tua boca parece fruta suculenta, beijo e mais quero beijar. Tem gosto de mel tua saliva, muda as cores do céu com a tua língua. Mordo o corpo inteiro, mãos fincadas em teu cabelo, puxo, subo, desço e dilatas minha pupila.

Eu gosto da poesia no seu modo mais apurado, sobre mim, dedilhando cada parte, braile no meu corpo; lamber sem pressa, circular, vertical, lento e forte, seguro; como cada mordida, por trás. Meu seio coberto, despido pela tua boca, beijado no bico, aperta ainda mais, deliro. Te inclinas e deslizas pra dentro de mim, devagar, profundamente; até meus olhos abrirem dizendo te amo sem fim.

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Suprassumo


Bom dia Diário

Acorda, o sol demora, chove lá fora e molha dentro de nós. A janela sem cortina nos permite a vista na tua cama depois do amor; o barulho da chuva caindo, levando as folhas do cajueiro; o vento e o tempo sincronizados a cada batida do meu peito sobre o teu.

Ter teus olhos nos meus todas as manhãs é amanhecer dentro de mim.

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Passagem Até E cada respiração foi sentida no teu abraço, e todo beijo dado ficou suspenso, esperando o próximo até a próxima aproximação. E, na despedida, sinto o aperto que dá no peito, mas o sorriso no rosto é mais ligeiro e logo acalma o coração.

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O amor te deixa uma escolha: ou ama ou deixa de amar; não tem como partir e deixar as malas, se preparar para a viagem e não ter o passaporte. Amor não é jogo de azar pra carecer de sorte, mas sim coragem de dar a cara aos beijos e tapas das incertezas do amanhã.

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A Dois

Silêncio

A gente fala de amor baixinho, igual quem diz eu te amo ao pé do ouvido, aconchego que parece mais um pedido de paz, de mais um pouco do outro; e se estende por horas de conversas tortas, sem fundamento nenhum. O amor não é só de um.

Deixa o tempo calar. O que não precisa ser gritado perdeu força na curva mais acentuada. Hoje, o que precisa ser dito sai abafado, quase silenciando um eu te amo.

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Término Tristeza Ele me abriu os olhos no escuro e eu não consegui ver.

O coração dói, sente como se fosse a última vez, mas sente tudo de novo. Amor é para os loucos! Diz que ama, briga, chora, termina; pra falar de amor não tem rima, mas precisa de dois.

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Reprise

Tem gosto de adeus toda vez que te beijo.

E a história se repete, sempre: meus olhos perdidos de tanto te ver indo, partindo os meus sonhos de vez. Era o que foi e deixa de ser: o peito segura a batida, as mãos não se encontram mais; deixa a última na memória com tudo que ficou pra trás.

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Degustação


Mais uma dose Amnésia Tenho sono de ir embora, contar as estrelas do céu, esquecer-me do mundo, de ti; de tudo que vi, vivi e fui esquecendo esquecida.

Nada que eu faça vai mudar essa saudade. Ela acusa, tortura o coração que pulsa quase parando. Não tem cheiro na camisa que dure uma vida inteira, nem poema que mude meu último verso: no amor e na dor, a mesma medida, por favor.

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Singular Casarão A solidão é um quarto de hóspedes para o amor.

Um nó na garganta, um aperto no peito, e o entrelace das nossas almas foi desfeito. Juras e promessas de um começo que (não) teve um fim.

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Inércia Temos que partir. De vez em quando é melhor ir do que ficar, e sentir saudade faz parte de tudo que nos move, inclusive o amor; mas o medo te paralisa, te deixa inerte. Então, se mova, por amor ou por saudade, por vontade de ficar ou partir.

Pronome

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Saudade diz teu nome


Empate Não Os dias não nascem mais da janela do teu banheiro; não tem teu olho abrindo o meu quando clareia; nem o abraço que aquecia a manhã fria de domingo; meu café não tem mais gosto de mamão com granola e pão de coco; o sol não me espera atrás da porta; anoiteceu.

Não quero outra ida pra outra despedida, nem vamos esperar dar mais errado do que já deu. O amor tem limites. Se engana quem diz que não. Uma hora, tudo muda, e o que era amor vira um não sei. Tenta tudo de novo, mais uma vez, com alguém que não seja o outro.

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Abismo

Urgência

Não me julgue, não me jogue pedras; não sei me segurar quando estou caindo. É impossível voar com uma asa só.

Não posso esperar que venha, que se apresente; o amor, pra valer a pena precisa estar presente. Não tem ausência que acalme um coração; nenhuma dor é curada em uma cadeira de espera.

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Oito ou oitenta Verso

Não quero o bem que não mereço, nem o mal que não aguardo; no começo e no fim de tudo, existe um marco ou uma marca. De olhos fechados, não se enxerga, nem ouvido ouve quando muito se fala. No amor e na dor, é tudo ou nada; se sente pouco, prepare sua retirada.

Perdoa esse meu coração cansado de tanto amar que falhou; perdoa eu não acreditar no teu amor, a distância me arruinou.

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Antônimo Chegou uma hora em que deixou de ser, o que era bom passou a ser ruim. É o fim batendo em nossa porta. Nos retiramos sem dar nem um pio; acabou. A presença oportuna virou inoportuna.

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Retiro Parti dos olhos que tanto pedi; o amor não se faz mais presente. É hora de ir, mas vai ficar o teu nome na minha boca quando o silêncio me fizer calar.

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Laringe

Respira e anda

Tenho nós nas minhas cordas vocais

O amor que tira o teu ar é o mesmo que tira o teu chão.

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Noturna Desuso

Havia esquecido o som do vento nas folhas, pé de manga no quintal fazia barulho de chuva; no final, sabia que esquecer não ia, outra vez. O frio chegado nesse amanhecer de domingo parecia algo vindo; eu acordei.

Dividir meio a meio um coração inteiro e não entregar nem uma parte.

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Nenhum Nem uma sombra, nem pele fresca, seca ou molhada de boca e desejo, não senti; nem um gozo, ternura, mãos que se encaixem, olho no olho, não vi. Tudo é imensidão, e eu só me sinto cheia e vazia de ti.

Da tua boca eu quero o amargo e o doce.

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Paladar


Apolo Exatas

Eu quis derramar os meus dias nos teus dias e dancei uma música qualquer, fechei meus olhos e fiquei abraçada à tua alma no descompasso do teu coração; porque não adiantava mais dizer eu te amo.

Todas as nossas somas e subtrações deram resultado negativo.

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Oração Mesa pra um O amor e a tristeza não dividem a mesma mesa; quando um senta, o outro se levanta.

Que as nossas verdades não sejam absolutas, mas sim constantes. E o amor tenha suas variantes, não sua anulação. Que todo o mal que foi feito caia por terra, e o bem prevaleça.

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Sinergia Abrigo

O gosto do beijo; primeiro toque;

Guarda os teus sonhos e o teu coração ao alcance dos teus olhos todos os dias.

mãos que se unem; último adeus. (...)

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Veleiro Vem do mar, veleja quando é dia, conta estrelas quando anoitece. E, se sonha, diz que não me esquece. É vento de areia, tenho de fechar os olhos e esperar passar.

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Canção de ninar E eu explico tudo que quiser, ponho a mesa, faço o seu café; mas não me deixe nessa solidão, você não sabe a situação em que estou a te esperar, sonhando que, um dia, vai chegar e me encontrar aqui, te esperando... eu já cansei de tanto esperar, você partiu e não soube voltar. E eu que pensei que tinha tanto... eu cedi aos teus encantos; mas... tanto faz.

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Ilusão Chão de céu, mãos de areia, ondas de saudade! Vi o mar e te vi, no pôr do sol indo... e só parti ao te ver partir.

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Pretérito Tênue

Era teu o meu amor e todas as coisas que te cercam; de olhos fechados, te enxergo à sombra do bem que mais quero. E te perder à vista foi minha tristeza. Não te ver indo embora dói ainda.

E então, os laços estremecidos ficam alinhados, e o amor, que ora foi dado, estendido pelo chão. Daria pra ser, se o coração fosse maior que o peito, e a alma, maior que o corpo; tudo quanto a gente faz e fala depende de um e de outro; tem tudo pra ser, mas não é.

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Artigo Definido Tem cheiro de flor da terra, de terra que nasce flor, olhar penetrante como o cair da tarde. Quando a olho, me perco do mundo e me encontro em nuvens cor de rosa em um céu todo azul. Boca de água doce molha o meu ser e mata a sede na minha saliva. Corpo que queima e treme de prazer, me enche e esvazia, quase mata e faz viver.

Ciclo Pra todo fim tem um começo; e todo começo teve um fim.

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Espelho

Sobre

Pele despida, somos só nós duas, abraço levemente apertado, mas seguro, encostado. Minhas mãos sobre o seio dela, macio, deslizo uma para o quadril, o corpo encaixa, ainda mais, um no outro. Ela pulsa, respira e geme. Ofegante, beijo-lhe a nuca, tão nua e cheia de segredos.

É que quando me beijou deixou seu gosto espalhado pelo meu corpo, e não tem outra boca que eu queira. É na batida do teu coração que o meu faz nota, tece versos no violão — afina as cordas, que estou pronta pra cantar nossa história.

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Pólen Verso nos teus olhos cor de lis, flor do jardim que não é meu. Sou pedaço desde que fui inteira; foi quando me dividi nas estrofes que fiz, dos poemas que te fizeram e não passam hoje de poeira nos meus olhos.

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Talvez E certa de que não poderia ficar, parti pra longe dos teus olhos, que era onde eu queria estar, nem que por mais alguns minutos, pra ver sol da manhã nascer, fim de tarde, pôr do sol, anoitecer e ser tudo que eu sempre quis — ao teu lado, teria sido feliz.

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Insônia O coração é tão patético, dói, sente, quer você presente. Não entende que acabou e te guarda com carinho, cuida, zela por tua lembrança, ainda. Fecho os olhos e enxugo as lágrimas, é só distância; passado que não esqueço, mas posso, se me amar outra vez.

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Próximo O amor não pede troco e passa depressa; logo a catraca gira e chega a hora de descer.

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Átono Te ver mais uma vez, depois de tanto tempo e ainda lembrar teus olhos verdes castanhos, os mesmos de muitos anos. E, desta vez, sinto, em cada respiração e no ar que me falta, o desejo que mantive sem te ver.

Viajante Ele é hemisfério, me divide e me completa; mediterrâneo, mar interior escondido entre as terras, o maior que há entre elas. Eu sou o ponto de chegada e a despedida; o cais de um porto; um beco sem saída, e, sem mas, me disponho a amar demais.

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Casual Minhas pernas nuas entrelaçadas nas tuas, laçadas de prazer, frente a frente, de tudo se vê e sente; razão e coração nas mãos de quem desliza no corpo quente e suado o abraço mais terno e demorado que senti e; silencia cada segundo em que meus olhos ficaram nos teus, cheios de assunto, e eu não soube o que dizer.

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Outra Apego sem medidas, apelos e tentativas, ponto de partida sem chegada; é o em vão que vem a cada palavra fingida, forçada e temida. Não faço jus às juras e recaídas, nem todo amor é fiel e, todavia, não deixa de ser amado.

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Relicário Certamente não te esqueço, sobrevivente dos meus pensamentos; acordo e logo penso nos teus beijos e olhares e, se deito, sonho contigo eternidades. Meus olhos saudosos de saudades tuas te buscam pelas ruas em vão. Já se passaram tantas luas; mas você, não.

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Constatação Era meu coração que batia, ansiava, tanta saudade guardava que não via que te ver já não era. E sem razão de ser não se permanece; o amor não cresce sem estímulo.

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Bate e volta E acabou, acabou de vez, sem pensar em outra despedida; não tem mais frio na barriga; tudo se desfez. Chega dezembro, e entra janeiro, nunca durou o ano inteiro; devia saber que esse amor, nunca teve endereço, ia e vinha e sem muito apreço se fez.

Cochilo Dorme ao fim do meu verso, do meu sonho acabado; dorme, que eu já não rezo, não vejo motivo nem agrado; dorme, enquanto eu decido se adio ou precipito o fim.

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Pinha E tudo inspira um poema, tudo que tem alma e flui despercebido dos olhos alheios. Teu olhar baixo, mais achado que muito perdido, remete a cores distintas da íris; arco-íris de dores, não, a m o r e s, criados e vividos. Como é que sei disso? Vi no teu olho, que é preto ou castanho!

Ingresso A roda gigante do amor te faz subir ao ponto mais alto e te faz descer ao mais baixo.

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Miragem Vi nas linhas dos teus lábios, nos traços do rosto, palavras e cores desconcertantes, formas variantes de ti mesmo. Me rendi a esse apelo do acaso: distante, embora perto pareça. Sentido em tanto agrado me causou tanta estranheza; certeza tenho é nenhuma. E te quis e quero logo, mesmo que em teus intervalos eu me perca.

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Aparência Finjo caras, faço bocas, o teu rosto me atordoa, finjo ser feliz. Meu deserto claro e mudo, fujo até o fim do mundo, pra saber se te quis. Agora é difícil olhar pra trás e ver o amor se perder; quando a gente quer, nada é demais; vem, meu amor, amanhecer. As luzes da cidade vão brilhar, o sol já não quer mais acordar; vem, meu amor, vem me amar, vem pra saber se és feliz.

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Porto Eu aguento toda essa distância, aguento te deixar ir toda vez em que vens; e te ver partir, sem saber se volta. Aguento a tua ida, a dor da despedida, aguento o teu silêncio, tudo tem seu tempo. Mas não demora, vem depressa e vê se não regressa, seja pra quem for. Meu coração ainda te espera, meu amor.

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X9 Palavras não dizem tanto quanto o silêncio .

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Sina Arritmia

Um poema e nada mais para que eu te esqueça e te faça cinzas em mim e não poeira, como algo abandonado; para que estejas morto em meu ser desencontrado e eu nunca mais procure por ti.

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Em meu peito, bate em quase dor um coração que não esquece, vira e mexe lembra alguém que muito amou.

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Hipocrisia Garganta seca, tudo engasga, é porque peso igual não tem medida exata; e o lance no olho que ninguém vê por alguém é visto, só não é lembrado a ponto de ter juízo. Quando o sujo fala do mal lavado, parece estar limpo.

Presságio Só sei amar onde o coração me espera e não tem hora marcada. O que tenho não é reserva, é criado; tem início, meio e... só consigo ir, se não tiver medo do fim.

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Fotografia Luz que brilha, guia; atravessa a retina, cria imagem invertida, através da lente, na câmera de um fotógrafo, logo; será uma foto, se os olhos forem luz.

Ângulo Podia ter olhado as estrelas no meu céu, mas preferiu olhar a lama no meu chão.

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Luz

Nominal

Voltei meu rosto para o sol, e as sombras ficaram para trás.

Tem mais do meu coração em uma palavra do que em um texto escrito à mão.

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Oásis A água do mar lembra a lágrima, salgada na língua, na pele, sara a ferida e o coração; maré baixa ficou alta, inundou cada fase do meu ser. O sol que sempre nasce se despede, brilha e queima antes de ir. Vento forte na areia se dissipa, finjo fechar os olhos para ver.

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Nominal Tem mais do meu coração em uma palavra do que em um texto escrito à mão.

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Ao senhor Assis Cavalcante, escritor, que, logo que eu quis que este livro existisse, disse: vamos fazer! Eu, sem nem saber como, disse espantada: vamos! E uma felicidade sem tamanho tomou conta de mim. E às palavras encantadas do senhor Tarcísio Mattos, um gênio de tantos saberes, de quem guardo toda atenção e gentileza em meu peito. Ao meu professor, poeta e amigo Fernando de Souza. O que seria desta poetisa sem o primeiro olhar que deu àqueles versos na última folha do caderno no fim da aula do cursinho? A todos, minha gratidão.

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Li e reli cada verso em que me decomponho e componho outros. Aprendi que todas as coisas na vida têm inícios, meios e fins. Escrevi sobre mim, elas e eles, sentimentos que tenho e não tenho mais. Leram quem sou de verdade, o tanto que amei e o tanto que senti muito. Tudo que na mente vagueou e no peito bateu em palavras. Poesia transborda pela boca, olhos, dedos, ouvidos e chega no coração. Dito isso, explico: não, não há contradição onde tudo é mutável.

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