AS AVENTURAS DE MARTA MIRTILO E TIAGO QUIVI
O SENTIDO DA VIDA TIAGO SOUSA
Para a Marta
N
a manhã da véspera de Natal do ano de 3400, num tempo em que a evolução deu aos frutos vida própria,
os amiguinhos Marta Mirtilo e Tiago Quivi acordaram muito animados. Iam finalmente à procura do sentido da vida! Havia umas semanas que tinham ouvido sobre isso. Tinham cuscado na conversa dos adultos da Aldeia das Frutas Vivas que havia quem lá chegasse. Por exemplo, o Tomé Banana, amigo do pai da Marta Mirtilo, tinha descoberto que o seu sentido era ser batido. Virar smoothie era o que o preenchia e fazia verdadeiramente feliz. Isto não soava caso único e, por isso,
apesar
de
recente
e
muito
longe
da
compreensão, Marta Mirtilo e Tiago Quivi marcaram para dia 24 a grande busca. Estavam decididos a encontrar o sentido da vida e não aceitavam outro presente. Convictos de que o sentido da vida seria, em princípio, algo palpável como uma caixa de tesouro ou um folhado misto, delinearam um detalhado plano de
ação. Começaram no bosque das frutas secas, perguntaram às nozes e aos cajus se sabiam de algo. As frutas adultas riram-se com a ingenuidade. É normal das frutas secas. Na rijeza das suas cascas não entendem a liquidez do sentido da vida. As frutas jovens de nada sabiam, mas ansiavam as potenciais descobertas do par. Corria o boato que queriam escapar da dureza espiritual dos pais. Mas nada feito, no bosque dos frutos secos o sentido da vida com certeza não estaria. "Talvez já tenham apanhado todos", pensaram os dois. Não desanimaram, faltava ainda procurar no Bar do Carlos Papaia, no bairro das cascas comestíveis, na Biblioteca Municipal da Aldeia das Frutas Vivas e na Praça dos Combatentes da Guerra Morango no Frango. Animados, mas cada vez menos, passaram por todos estes sítios e em nenhum deles o sentido da vida. Carlos Papaia, o do bar, até tentou ajudar, disse que para ele o sentido da vida era ter um bar. Marta Mirtilo e Tiago Quivi não entenderam. Não queriam
nada ter um bar e muito menos isso lhes dava algum sentido à vida. Nas cascas comestíveis, ninguém tinha sentido na vida e, por isso, a dupla fugiu assustada. Na Biblioteca Municipal disseram que o sentido da vida estava, de certeza absoluta, nos livros. E quem o disse foi a Luciana Cabeça de Melão, a bibliotecária residente, uma autoridade na Aldeia das Frutas Vivas. Mas isso também não lhes fez sentido. Aliás, não descobriram o sentido da vida, mas descobriram que não fazia sentido existir uma biblioteca na aldeia. Não havia ninguém na aldeia, nem nas cidades à volta, que soubesse escrever. Nem sequer havia uma língua e, dentro do edifício, nada mais havia do que livros cheios de páginas em branco. "Enfim, as frutas sempre com a mania de importar humanismos e depois estas parvoíces
acontecem",
indignaram-se
os
dois
enquanto riam da certeza parva da Luciana Cabeça de Abacate. No largo dos Combatentes da Guerra Morango no Frango reinava um silêncio absoluto de luto profundo em homenagem a tão valentes mártires. Por
isso, nem quiseram intrometer-se e à mesma velocidade que lá chegaram, à mesma velocidade saíram. A verdade era triste e só uma: não havia sinal do sentido da vida em lado nenhum. Já era tarde, quase noite e sem a única prenda que desejavam para a noite de Natal, esperava-se que os dois regressassem frustrados a casa. Mas depois de um longo dia de procura intensa, cheia de conversa, questões e partilha, ambos tinham dentro de si sentimentos contraditórios. De mãos vazias de sentido da vida, crescia-lhes no peito o tão desejado presente. Não conseguiam compreender. E talvez fosse ainda demasiado cedo para o compreender. É arriscado confirmar suspeitas tão precoces sobre uma matéria tão sensível. Mas ambos se sentiam cheios de sentido da vida. Tinham debaixo do seu pinheiro de Natal interior mil caixas cheias dele. Não o podiam entender, mas podiam senti-lo. E a magia alegórica da noite de Natal
parecia
ter-se
tornado
real.
Sentiam-se
despertos de um sono que não sabiam dormir e não queriam voltar a dormir nunca mais. Marta Mirtilo e Tiago Quivi tinham, um no outro, o sentido da vida.
Mais uma aventura de Marta Mirtilo e Tiago Quivi. Desta vez esta dupla irrequita procura algo muito longíquo e poético: o sentido da vida... Depois de tanto procurarem, acabam por perceber que, talvez, o sentido da vida, não seja o que eles achavam que era.