FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ARQUITETURA FAVELADA
redesenho urbano habitacional em heliópolis
Trabalho Final de Graduação
Tiago Martinelli Lourenzi orientação: Fábio Gonçalves
Junho 2013
Agradeço ao Professor Fábio Mariz, pelo ensino. À Professora Karina Leitão, pela ajuda. Ao Professor Khaled Ghoubar, pela atenção. Aos da Prefeitura, pela disponibilidade. Em especial Criscia Sacardo. A todos os amigos que ajudaram ideologicamente ou concretamente neste trabalho. Não foram poucos. À ajuda da Julia, sem a qual não conseguiria começar e à dos meus “estagiários”, Thominhas e Kat, acabar.
3
“Ele deixou sua mente viajar enquanto fitava a cidade, meio favela, meio paraíso. Como um lugar podia ser tão feio e violento, mas bonito ao mesmo tempo?”
4
CHRIS ABANI
sumário introdução 1| favelas: definições 1.1| definições e termos utilizado 1.2| morfologia
9 15 17
2| favelas: história 2.1| surgimento do problema habitacional no brasil 2.2| as primeiras e seu crescimento 2.3| favela e estado 2.4| conclusão
21 22 24 27
3| heliópolis 3.1| história
31
4| estudo de caso: análise 4.1| local da intervenção
41
5| estudo de caso: projeto 5.1| questões projetuais 5.2| unidades habitacionais 5.3| projeto urbano 5.4| números alcançados conclusão referências projetuais bibliografia utilizada bibliografia sugerida
53 54 64 92 97 100 102 104
5
“Fisicamente, acreditamos morar em cidades; espiritualmente, habitamos nãocidades, espaços privados onde estamos, mais do que tudo, “privados” de liberdade. Liberdade não é prolongar para o público aquilo que fazemos e desejamos na intimidade, mas a possibilidade de darmos um destino público às nossas ações e desenvolver plenamente as nossas potencialidades na medida em que as dirigimos à comunidade à qual pertencemos. Isso só é possível quando nosso trabalho escolhe destinar-se ao outro, permitindo-nos transcender a finitude de nossa existência particular e de nossa temporalidade mortal”. CARLOS ANTÔNIO LEITE BRANDÃO
consideraçþes iniciais
“Por que o “Pattern” bairro é sempre o exemplo a ser seguido em detrimento do inventivo e rico, tanto culturalmente quanto formalmente, “Pattern” favela? Porque não tentar seguir o “Pattern” Favela, tentando aprender com a sua complexidade e riqueza formal? “ PAOLA BERENSTEIN JACQUES
8
introdução
A presença forte das favelas em nosso país revelou uma vontade pessoal de seu estudo como último trabalho de graduação para aprendizado e pela importância que um urbanista tem em enfrentar este problema.
As favelas são muitas vezes comparadas com centros históricos europeus medievais, principalmente italianos e gregos. Apesar de terem origens e contextos totalmente diferentes, as ruelas, as sinuosidades, arquitetura vernacular e formas de apropriação do espaço se tangenciam. As reentrâncias e diversidade de espaço quebra a monotonia desses lugares não planejados e encantam as pessoas que visitam os centros medievais. Entretanto, diferentes destes, nas favelas as qualidades genuínas desaparecem diante da falta gritante de infraestrutura básica e simbolizam a precariedade e miséria. Quando recebem intervenções, é promovido um urbanismo visto nas classes mais nobres, um urbanismo que promove a distância entre as pessoas. Por que não agregar qualidades urbanísticas e salubres nas favelas sem desencantá-las? Claro que há tantos fatores e características em cada,
9
mas é preciso impor um padrão de apropriação urbana falida que vemos já nas classes mais favorecidas? Este “urbanismo da distância” insustentável que se caracteriza pela falta de espaços de convívio dos bairros de classes médias aos mais privilegiados é baseado no desvinculo entre cidadãos e cidade. Os espaços comuns e a interação entre as pessoas são substituídos pela ostentação de áreas privadas grandiosas dentro de altos muros e atrás de guaritas e seguranças. Um urbanismo individualista e rodoviarista que manifesta a segregação social onde se vende a ideia de áreas públicas violentas e da segurança no exílio dentro de quatro paredes. Mas não haveria outra forma?
Por essas questões, foi desenvolvido este trabalho que é basicamente dividido em duas etapas. Primeiro um rápido levantamento histórico das favelas que mostra o seu surgimento, crescimento e alguns planos políticos. Segundo um estudo de caso onde é contextualizada Heliópolis e proposto um exercício de redesenho da gleba N, procurando um urbanismo onde favoreça o convívio entre as pessoas.
10
Por se tratar de um exercício acadêmico de graduação, este trabalho não possui participação da comunidade, o que seria insensato sua ausência se fosse um trabalho concreto. A relação entre projetista e usuário é essencial em qualquer desenvolvimento projetual. Vale ressaltar que o exercício aqui é da reconstrução completa da gleba de Heliópolis, o que não significa que seja sempre a melhor solução. Intervenções e qualificações
Heliópolis: favela e novos conjuntos habitacionais |fonte: Folha de SP Pasaisópolis: favela e condominios de luxo | fonte: Folha de SP
Favela do Alemão Crianças jogando futebol nas ruas
Nápoles, Itália |fonte: Autor Cinque Terre, Itália |fonte: Autor
Não há semelhanças na produção de habitações popularem com o isolamento produzido nas classes mais altas? Os bairros populares apresentam forte inter-relação, porque não agregar esse valor quando se produz novas habitações? Lugar de insabulidrade e péssimas condições séculos atrás, as vielas napolitanas hoje possui grande convívio social, como o improviso do futebol entre as casas e vielas. Cinque Terre, patrimônio da humanidade pela UNESCO, lembra as favelas de encosta.
11
“São Lugares pobres, mal acabados, mal ventilados, mal iluminados, eventualmente mal cheirosos, cheio de sons e ruídos de rádios, televisões, CDs e pregações de todas as naturezas e com gente demais sem qualquer privacidade. Têm tudo para promover a desarmonia. Mas, de fato, dá para identificar aí, parcerias e cumplicidades, convivência e afetividade, unidade e solidariedade.” HENRI MICHEL LESBAUPIN
1| favelas: definiçþes
“A palavra ‘favela’ é fortemente conotada de forma negativa no universo semântico cotidiano em todo o Brasil. Dizemos, assim, que algo é ‘favelado’ quando desejamos associá-lo à ideia de pobreza, desorganização, feiura, mau gosto ou má educação. Em outros termos, “favelado” é tudo aquilo que rejeitamos pela falta de prosperidade, de elegância, de ordem, de beleza ou de polidez, entre outros aspectos, no qual são ressaltadas as ausências.” PAULO CÉSAR DA COSTA GOMES
14
1.1| defições e termos utilizados
Foi no final do século XIX, pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, o surgimento da definição de “slum” como “uma área de
becos e ruelas sujas, principalmente quando habitada por uma população miserável e criminosa”*. Hoje existem alguns termos para esses tipos de habitações. A UNHABITAT (Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas) define favela como “excesso de população, habitações pobres ou informais,
acesso inadequado à água potável e condições sanitárias e insegurança da posse de moradia.” (DAVIS, 2006:33).
O IBGE conceitua aglomerado subnormal (favela e seus semelhantes) como “conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais
(barracos, casas, etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa”. E ainda define critérios para sua identificação
como ocupação ilegal de terra, urbanização fora dos padrões vigentes, construções não regularizadas e precariedade de serviços urbanos (IBGE, 2010).
Podemos dizer que são duas condições básicas que caracterizam as favelas: precariedade da ocupação humana e a ilegalidade fundiária. * The Slum of Baltimore, Chicago, Ney York and Philadelphia, 1984. IN DAVIS, 2006.
15
Para diferenciar os tipos de aglomerados subnormais – cortiços, favelas, núcleos urbanizados e loteamentos irregulares – utiliza-se a definição da SEHAB:
“Cortiços: Moradia multifamiliar, constituída por uma ou mais edificações em um mesmo lote urbano, subdividida em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título. Várias funções são exercidas no mesmo cômodo; uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias; circulação e infraestrutura precárias e, em geral, superlotação de pessoas. Favelas: Núcleos habitacionais precários, com moradias autoconstruídas, formadas a partir da ocupação de terrenos públicos ou particulares. Estão associados a problemas da posse da terra, a elevados índices de precariedade ou à ausência de infraestrutura urbana e serviços públicos e população com baixo índice de renda. Núcleos Urbanizados: é um conceito relacionado a uma favela que já recebeu infraestrutura, mas ainda não está regularizada juridicamente. Loteamentos Irregulares: Lotes que não podem ser regularizados por não atender às legislações de parcelamento e uso do solo. Apesar de o morador ser adquirente, não tem garantida a posse do imóvel. Soma-se a essa irregularidade a moradia autoconstruída e os baixos níveis de renda das famílias”. (SEHAB, 2010) A precariedade das habitações comumente associada às favelas tem se alterado nos últimos anos. As favelas se adensaram, verticalizaram e seus barracos de madeiras começaram a ser substituídos por alvenaria. Os tijolos aparentes substituem a imagem do barraco. Apesar da melhoria na qualidade da habitação (as unidades começam a ter unidades sanitárias), o adensamento, inadequação das condições de luz, ventilação e segurança ainda acarretam habitações insalubres e de grande precariedade (DENALDI, 2003).
16
|fig. 6| Favela do Jaguaré: ocupação desordenada |fonte: google earth - acesso maio 2013 |fig. 7| Favela União de Vila Nova: ocupação desordenada |fonte: google earth - acesso maio 2013
1.2| morfologia O processo de ocupação das favelas é a invasão, mas isso não significa que a desordem das moradias na gleba seja critério suficiente de definição de favela. Podendo ser organizada ou espontânea, o modo da posse influência diretamente na sua morfologia. Em inúmeros casos se observa uma intenção de organização da população no momento da invasão, apresentando uma distribuição razoavelmente organizada e uniforme no terreno, assemelhando-se aos loteamentos populares (FREIRE, 2006). Sendo a mais comum, 90,82% dos casos (BUENO, 2000), a ocupação espontânea se desenvolve normalmente por um pequeno grupo de famílias se instalam em áreas ambientalmente frágeis, morfologicamente complexas e de difícil ocupação, locais de desinteresse do mercado imobiliário e criam um pequeno núcleo que gradualmente cresce (FREIRE, 2006). Outros casos com semelhante formação são os de locação governamentais provisórias de algumas famílias formando os primeiros núcleos, atraindo outras pessoas e lentamente tornam-se grandes favelas.
e lotes semelhantes às cidades formais. Utilizam da frente para a rua para abrirem comércio próprio para ajudar na renda. Os demais ocupam os fundos dos terrenos preservando vielas de acesso. As localizadas em encostas são normalmente desprezadas pelo mercado formal devido a sua declividade de grande vulnerabilidade. Asrampas e escadarias são características destas. Presentes nas áreas de mananciais, as favelas ocupam essas regiões por serem áreas de proteção ambientais e assim, livres de construções formais. É comum o esgoto ser jogado diretamente na água. E por último, as extensivas são as que se beneficiam de terrenos menos acidentados e se expandem por todas as direções. Por muitas vezes não possuírem barreiras físicas, apresentando-se em grandes dimensões.
A ocupação organizada é formada por uma reunião de pessoas em comunidade instituída, com representantes e lideranças, que objetivam um movimento ou reinvindicação por moradia. A ocupação é realizada com data e hora marcada após escolha do terreno. Normalmente são assessorados por técnicos ligados aos movimentos sociais por moradia ou políticas locais com interesses específicos, ocupando áreas públicas ou particulares que apresentam boas condições para a ocupação e posterior urbanização. Estes tipos de ocupação procuram definir um padrão espacial de organização e parcelamento lotes de forma mais ou menos padronizadas e regulares (FREIRE, 2006). Além do perfil de ocupação, podemos reunir as favelas em quatro grupos: miolo de quadra, encosta, áreas de mananciais e as extensivas (LESBAUPIN, 2011). O primeiro normalmente são terrenos previstos para abrigar áreas verdes ou equipamentos institucionais e são ocupadas para moradias. Normalmente os primeiros se alinham junto às calçadas com organização
17
“As favelas são, afinal, produto direto do urbanismo moderno e sua história se confunde com a formação do Brasil.” BRUNO CARVALHO
2| favelas: hist贸ria
“As cidades são uma expressão espacial das relações econômicas, politicas e culturais de uma sociedade e sua história”
20
JOÃO WHITAKER FERREIRA
2.1| surgimento do problema da habitação no Brasil
A Lei de Terras, de setembro de 1850, representou a implantação da propriedade privada do solo no Brasil. A partir dela, a terra deixava de ser concedida pela Coroa e só podia ser adquirida através da sua compra. A lei consolidou o modelo de grandes propriedades fundiárias no país que foi iniciada nas décadas anteriores, entre 1822 e 1850, através da ampla e indiscriminada ocupação das terras e a expulsão, pelos grandes proprietários rurais, dos pequenos posseiros. (FERREIRA, 2005) Sua promulgação estava relacionada diretamente com o fim da mão-de-obra escrava ocorrida poucas semanas depois. O poder e riqueza das elites eram avaliados pelo número de escravos, mas este trabalho se encaminhava para a proibição – principalmente por pressões inglesas – com o fim de seu tráfico realizado semanas depois. Assim, com a terra convertida em mercadoria, as elites tinham outro parâmetro de riqueza quando iniciado o trabalho assalariado: a terra possuída. A terra, agora mercadoria com difícil acesso, não ficou disponível para a população que trabalhavam nas grandes plantações, mas garantiu a posse para a elite que agora se sustentava em um sistema de pouca ou nenhuma concorrência. O patrão é livre da incumbência da moradia, sendo agora responsabilidade do trabalhador providenciá-la e pagá-la. Entretanto, essa mudança não implicaria na generalização do assalariamento e formação do mercado urbano de moradias (MARICATO, 2002b).
21
Consolidou-se então a divisão da sociedade e o problema da habitação nacional. Agora existiam duas categorias bem distintas: os proprietários fundiários de um lado, e do outro, os escravos, sem nenhuma possibilidade de comprar terras e libertos apenas em 1888, e os imigrantes, presos às dívidas com seus padrões ou não tinham conhecimento de todos os procedimentos para obter o título de propriedade (FERREIRA, 2005). A troca de mão-de-obra escrava pela assalariada gerou outro déficit de habitação para as cidades. Com a concentração das terras para a elite, os escravos libertados se deslocaram para as cidades onde não encontravam moradias e acabavam se fixando em cortiços.
“Os trabalhadores livres, afastados da possibilidade de tornarem-se proprietários de terra sem acesso ao mercado livre de habitação, são levados a ocupar morros e várzeas e a habitar os cortiços” DENALDI
(2003:9).
Vale ressaltar que a nova legislação não afetava apenas o campo. A regulamentação do acesso à terra urbana definia padrões de uso e ocupação nas cidades e também serviriam, ao longo do tempo para o privilégio das classes dominantes. Ou seja, a regularização do acesso das terras foi realizada para não se alterar em nada a hegemonia do controle das elites, seja no campo ou na cidade (FERREIRA, 2005). “As principais
mudanças ocorridas no país nunca romperam com heranças arcais como relação de poder baseada no mando que decorre do patrimônio”
(MARICATO, 2002b:2).
22
não estavam à vista da classe dominante brasileira. O Pode Público já implementava políticas urbanas que representassem apenas os interesses das elites como instrumentos tributários, reguladores de uso e formas de ocupação do solo. Desde a virada do século XIX para o XX, nas primeiras ondas de crescimento das cidades brasileiras, o Estado fazia suas grandes intervenções exclusivamente aos bairros das elites, salvo raríssimas exceções. Essa matriz de exclusão fundiária perdura até hoje (FERREIRA, 2005).
2.2| as primeiras e seu crescimento
As primeiras favelas brasileiras foram formadas no Rio de Janeiro com o fim da Guerra de Canudos (1896-1897). O Governo despreparado com a locação dos ex-combatentes da guerra cedeu o Morro da Providência, localizado atrás do quartel militar, para a construção de suas moradias. A ocupação ficou conhecida como Morro da Favela, em referência a planta típica do morro que ocuparam em Canudos. A irresponsabilidade governamental é destacada por FREIRE (2005:25), “Observa-se que a
origem da favela no Rio de Janeiro, no fim do Século XIX, já traz consigo elementos que acompanharão todo o desenvolvimento das favelas no Brasil: omissão e permissibilidade por parte do Estado”.
É preciso lembrar que o meio urbano tinha vital importância no modelo agroexportador do país. Todo o controle comercial dos produtos acontecia nas cidades, o que gerou políticas sistemáticas de segregação espacial dentro delas.
Mas foi com a industrialização que a segregação espacial se tornou mais visível e os assentamentos precários ganharam grandes proporções. A localização desse sistema de produção passa a ser na própria cidade e não no campo, o que aumenta consideravelmente a população de baixa renda nas cidades, pela necessidade de mão de obra barata, e exalta a importância do solo nas cidades.
A capital Rio de Janeiro e o centro cafeeiro São Paulo ganhavam destaque no cenário comercial internacional, antes mesmo das dinâmicas do capitalismo industrial, e “não podiam ser a expressão do atraso nacional frente ao modernismo das grandes cidades europeias” (FERREIRA, 2005:5). As intervenções nas cidades buscavam a exclusão das classes mais pobres criando “uma cidade para inglês ver”. Começara a expulsão e afastamento das classes mais baixas de áreas mais privilegiadas para locais onde
Até os anos 30, a iniciativa privada garantiu as habitações para operários qualificados, funcionários públicos e outros trabalhadores da baixa classe média, mas não aos mais pobres. Para estes restavam os cortiços que se proliferavam como solução para a classe baixa, mesmo combatidos em nome da saúde pública, sendo ótimos investimentos aos proprietários que tinham baixos custos de construção e manutenção. Quando obstáculos para as iniciativas de renovação urbana das áreas
mais nobres, os cortiços eram demolidos e deslocados para áreas menos valorizadas do mercado (FERREIRA, 2005).
calculava-se 50.000 o número de favelados. Já agora poder-se-ia estimar em mais de 70.000” * .
Nessa época o Brasil viveu uma grande migração do Nordeste em direção ao Sul à procura do sonho em empregos industriais. Essa dinâmica intensificou a procura por moradias que nas décadas seguintes viu um mercado insuficiente em produção. Foi então que a política populista de Vargas assumiu a responsabilidade por políticas habitacionais públicas, retirando do mercado privado a responsabilidade pela demanda que se criava. Entretanto, o Estado se mostrou ineficaz na sua produção. Os Institutos de Aposentadoria e Pensões, entre 1937 e 1964, criaram apenas 140 mil moradias (FERREIRA, 2005).
Além dessas desapropriações do plano de Prestes Maia, o déficit de habitação crescia com as expulsões de famílias pobres de cortiços realizados pela própria prefeitura. Com a falta de acesso às formas tradicionais de moradia, só restava à população trabalhadora a criação de favelas ou procura de loteamentos de periferia, onde habitavam em alojamentos precários em regiões sem nenhum equipamento ou infraestrutura urbana.
A Lei do Inquilinato de 1942, que congelaria os aluguéis, intensificou o problema de habitação e é relacionada com o surgimento das favelas na capital paulista. Com a oferta de moradia de aluguel declinando e a ausência do Estado, os trabalhadores eram despejados das áreas centrais e procuravam áreas periféricas e várzeas de córregos para criação de assentamentos. Crê-se que a primeira favela seja da década de 40, na região da Mooca, conhecida como Favela do Oratório, já extinta, com 245 pessoas em habitações de tábuas e apenas seis vasos sanitários para “pessoas pobres e não vadios e malfeitores” (TASCHNER, 1984:1). Outras favelas na Várzea do Penteado, Lapa, Barra Funda, Ibirapuera, Vergueiro e Vila Prudente surgiram na mesma época (FREIRE, 2005), (FERREIRA, 2005), (PASTERNAK, 2011).
A garantia do “milagre econômico” brasileiro e ascensão do país à condição de oitava economia do mundo foram fundados em dois problemas que agravaram o desenvolvimento do país: primeiro era baseado no atraso tecnológico – já que eram importadas tecnologias já obsoletas – e, segundo, pela alta concentração de renda – uma vez que a mão-de-obra era de baixo custo, necessariamente sub-salariada (FERREIRA, 2005).
Para BUENO (2000), o crescimento das favelas paulistanas foi intensificado entre 1942 e 1945 com o Plano de Avenida da Capital de Prestes Maia. A prefeitura desabrigava famílias para a realização de avenidas e improvisava barracões em terrenos municipais para as famílias sem posses. Essas vias ainda criavam terrenos vazios, ociosos, sem tratamento urbanístico ou paisagístico, passíveis de ocupação. O mesmo ocorreu nos anos 60 com a retificação dos rios Tietê e Pinheiros e suas marginais. A drenagem dos meandros dos rios em terrenos públicos e privados criaram áreas para a ocupação paulatina de favelas e também para criação inicialmente de abrigos de emergência que se tornaram favelas, descrito pela própria prefeitura: “Com a retificação do Rio Tietê,
várias faixas inaproveitadas estão sendo ocupadas, bem como outros próprios municipais e não poucos terrenos particulares. [...] Em 1957
“A ‘urbanização com baixos salários’ e as características excludentes do mercado imobiliário obrigaram a apelar para a produção doméstica e a invasão de terras“ (DENALDI, 2003).
Diferente dos EUA e da Europa, onde era necessário um padrão mínimo de poder aquisitivo operário para a expansão e sobrevivência do mercado de consumo, no Brasil (não apenas, já que também foi o modelo adotado em países localizados na periferia do capitalismo) era condição para industrialização os baixos salários para garantir a diminuição dos custos e assim ser atrativos ao mercado. As multinacionais se instalavam aqui antes de tudo para exportação, tornando o mercado interno formado apenas pelo residual e a favela era a solução de moradia em decorrência da falta de recursos para habitação dos sub-salariados, tornando o papel do assentamento informal não marginal, mas fundamental aos baixos custos (FERREIRA, 2005) e (SAMORA, 2009). “Na cidade, a invasão de terras é uma
regra, e não uma exceção. Mas ela não é ditada pelo desapego à lei ou por lideranças que querem afrontá-la. Ela é ditada pela falta de alternativas.” (MARICATO, 2003:2).
* SÃO PAULO (CIDADE), Divisão de Serviço Social, “Desfavelamento do Canindé”. São Paulo, 1962. In BUENO (2000)
23
O modelo das favelas se baseava no crescimento periférico da cidade através da autoconstrução da casa própria em loteamentos irregulares e distantes da cidade. Um sistema viário e transporte público, mesmo precário, permitia o espraiamento da urbanização que passou de 420km2 em 1954 para 900 km2 em 1998 e a metrópole passou de 750 km2 em 1965 para 2.139 km2 em 2002, subsidiando o sistema rodoviarista imposto ao país. “O desafio era conciliar a oferta constante de mão-de-obra barata com
o valor crescente dos terrenos, e a solução preferida não foram os aluguéis elevados – o que teria forçado os salários a subir –, mas a periferização e o amontoamento da população” (DAVIS, 2006:71).
A partir dos anos 1970 as favelas se desenvolvem em larga escala e na década seguinte o crescimento do número de favelados tem grande aumento em relação à população total da cidade. O número de favelados subiu de 1% no início da década de 1970 para 8% em 1987. Em 2000 a população favelada representava 11% da população paulistana e os números se tornam mais assustadores se observados que hoje quase metade da população das metrópoles do Rio de Janeiro e de São Paulo mora em favelas ou loteamentos ilegais. Podemos dizer que vivemos em cidades onde a exceção é a cidade formal. (MARICATO, 2002) e (FREIRE, 2005). (ver tab.2) Ainda se compararmos com o crescimento metropolitano, a população da metrópole paulista cresceu entre 1991 e 2000 15,6%, a taxa de 1,63% ao ano, enquanto a favelada cresceu 57,96%, uma taxa de 5,21% ao ano. Mesmo com números apenas do município de São Paulo, a população da cidade formal cresceu 0,9% contra 2,97% das pessoas em favelas (FREIRE, 2005). Na Amazônia, uma das regiões de maior velocidade de crescimento do mundo, 80% das suas cidades são favelas, em grande maioria, sem infraestrutura, transporte ou serviços, o que nos leva a pensar que a
“urbanização é impulsionada pela reprodução da pobreza, não pela oferta de emprego” (DAVIS, 2006:25). A urbanização virou sinônimo de favelização
e, ao invés de cidades de vidros e aço como imaginados por arquitetos no passado, nossas cidades estão se constituindo por “tijolo aparente,
palha, plástico reciclado, bloco de cimento e restos de madeiras. Em vez
24
das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração” (DAVIS, 2006:28). ano
número de favelas
número de domicílios
população favelada
população do município de SP
%
1950
141
8.488
50.000
2.198.096
2,3
1973
542
14.650
71.840
6.590.826
1,1
1975
919
23.926
117.237
7.327.312
1,6
1980
1.239
108.887
594.527
8.493.226
5,2
1987
1.532
190.452
712.764
9.108.854
8,9
1992
1.805
192.801
1.044.981
9.742.641
10,7
2002
2.018
291.983
1.160.597
10.338.196
11,2
|tab.2| Crescimento da população favelada no município de São Paulo. fonte: FREIRE, 2005
Atualmente, o processo de favelização não está mais associado aos fluxos migratórios. Existe um processo de empobrecimento das camadas mais populares que quando não conseguem mais pagar alugueis optam pelas favelas como moradias. Hoje, São Paulo exige mais de dez salários mínimos como renda familiar para entrar no mercado habitacional formal, o que exclui 60% das famílias da região metropolitana, como bancários, professores secundários, policiais civis e militares, funcionários públicos e trabalhadores regularmente empregados. Moram hoje, nas favelas da cidade de São Paulo, aproximadamente dois milhões de pessoas (MARICATO, 2003).
“O que poucos percebem é que grande parte da população urbana brasileira não tem condições de comprar a moradia no mercado privado legal. Não estamos nos referindo aqui ao trabalhador do informal, sem emprego fixo e sim ao trabalhador da indústria automobilística fordista, ou ao bancário ou ao professor secundário. Essa é a explicação para que funcionários da Universidade de São Paulo, a mais importante do país, morem nas favelas que circundam a universidade.” (MARICATO, 2002b:2).
O que se viu aqui é a necessidade da existência da precariedade urbana para a expansão do sistema capitalista no Brasil e nos outros países periféricos. Não é importante a garantia de qualidade de vida aos operários, muito pelo contrário. Os custos de eventuais melhorias prejudicariam o preço final do produto e assim o lucro de alguns. Em um país onde não é interessante a melhoria salarial e, somado com isso, a dificuldade de terras, os cortiços, favelas ou loteamentos informais se tornaram uma das bases para a nossa industrialização global. “Os pobres urbanos têm de
resolver uma equação complexa ao tentar otimizar o custo habitacional, a garantia da posse, a qualidade do abrigo, a distância do trabalho e, por vezes, a própria segurança” (DAVIS, 2006:39)
2.3| estado e favela
Inicialmente, ainda no final do século XIX, o Estado se caracterizava pela “higienização urbana” e social das cidades, como a transformação do Rio de Janeiro que visava se transformar em símbolo de beleza e modernidade. Cortiços são proibidos no centro da capital em 1893 e em postura semelhante em 1894 em São Paulo. Na década de 1940, os primeiros projetos urbanísticos eram obras emergenciais pontuais em certos assentamentos precários com previsão de remoção no futuro e não obras definitivas para atendimento habitacional digno (SAMORA, 2009). Como já dito anteriormente, as elites – com suporte do governo – tinham interesses de expulsar os pobres das regiões centrais para o embelezamento das cidades, simbolizando o progresso nacional. As primeiras ações do governo eram na tentativa de extinguir as ocupações precárias (FREIRE, 2005). Em 1964 é criado o BNH (Banco Nacional de Habitação) que centralizava as ações das habitações e urbanização. Com ele, é difundida a ideia da casa própria que esperava alcançar a ordem e estabilidade social. A favela era tratada como déficit de moradia. A ação do BNH se baseava na erradicação das favelas e construção
de conjuntos habitacionais na periferia da cidade. Um modelo arquitetônico e urbanístico era criado e repetido independente das características físicas, ambientais e culturais. A política visava apenas número de unidades produzidas como único índice de eficiência do modelo, desprezando a falta de qualidade proposto, gerando grandes conjuntos-dormitórios mal servidos de transporte público, infraestrutura equipamentos. O programa ainda não beneficiava os mais pobres, trabalhando com renda para população de cinco salários-mínimos. Este compulsório remanejamento da população para afastados locais, ocasionando grandes custos de transporte, além do custo da própria habitação fez com que muitos moradores deixassem de pagar o financiamento ou repassassem a moradia a terceiros. Fatores estes que fez o BNH mudar a estratégia de ação e investir em obras urbanas, como o PROMORAR (Programa de Erradicação de Sub-Habitação), que foi pioneiro em procurar erradicar as favelas através do saneamento e urbanização de áreas já ocupadas. O BNH teve outros programas e estima-se que entre 1964 e 1986 foram financiadas 4,5 milhões de moradias (FREIRE, 2005) e (ZILIO, 2011).
Com o fim do BNH em 1986, houve uma descentralização da política habitacional. Antes concentrado no poder federal, agora os estados e municípios assumem a questão habitacional. É proposto às favelas, que ainda apresentavam densidade relativamente baixa e diante de poucos recursos disponíveis, projetos que levavam estruturas e sua consolidação, sendo a Urbanização da Favela do Brás de Pina (RJ) a pioneira e o FavelaBairro, também no Rio de Janeiro, a maior política-habitacional da década de 1990. Este programa previa urbanização e regularização inicialmente de 66 comunidades faveladas em quatro anos, totalizando 300 mil moradores e em um segundo momento de outras 64 comunidades, atendendo mais 240 mil habitantes. Os números de atuação passaram de 150 comunidades, chegando a mais de 550 mil favelados envolvidos, ou seja, mais da metade da população em favelas cariocas (FREIRE, 2005) e (ZILIO, 2011). O programa visou à intervenção no espaço urbano, não focando
25
nas habitações, trazendo integração da favela ao bairro formal próximo e qualificação de espaços livres e comum. “Um aspecto marcante das
intervenções é o caráter simbólico dado aos equipamentos e espaços comunitários, trata-se de trazer para dentro da favela os valores urbanísticos e os elementos arquitetônicos da cidade formal criando ou reforçando símbolos de referência da localidade.” (FREIRE, 2005: 78-
79). É importante lembrar a presença, pela primeira vez, de arquitetos e urbanistas nas questões da habitação popular, sendo coordenadores do programa, diferente de São Paulo onde as equipes multidisciplinares têm escritórios de engenharia com essa tarefa, limitando as ações dos profissionais da arquitetura e urbanismo (FREIRE, 2005). Em São Paulo, destaca-se o programa Guarapiranga, elaborado em 1992, mas com recursos liberados apenas anos depois já na gestão de Paulo Maluf (1993-1996), que visava à recuperação sanitária e ambiental dos mananciais por meio de urbanização e infraestrutura dos aglomerados sub-normais presentes na bacia. Além desse, em 2002 foi proposto o Programa Bairro-Legal visando integrar e promover a integração das favelas e loteamentos irregulares à cidade, além de melhorias de infraestrutura, serviços e equipamentos. Este programa tinha o intuito de inserir essas habitações na lógica da cidade formal com suas regras de uso e ocupação do solo. Também visava o reassentamento de moradias em áreas de risco ou insalubres e regularização fundiária das favelas. A regularização fundiária trás segurança ao morador que com garantias de posse passa a investir em melhorias nas unidades. Deve-se ainda observar a participação popular neste programa. (FREIRE, 2005)
Paralelo a esses programas urbanos, o município de São Paulo ainda idealizou outros projetos habitacionais. Importante mencionar os mutirões introduzidos por Luiza Erundina (1989-1992). Destaca-se desse projeto a qualidade arquitetônica produzida, já que eram sempre assessorados por técnicos capazes e a queda do custo da produção ocorrida principalmente pela redução ou eliminação dos custos indiretos da mão-de-obra assalariada substituída pelos próprios moradores e dos lucros das construtoras.
26
Na gestão seguinte, Paulo Maluf (1993-1996) implantou o PROVER (Programa de Verticalização e Urbanização de Favelas), conhecido popularmente como Cingapura. Apesar de promover a verticalização para consolidação das áreas ocupadas, o programa era fundamentado na repetição compulsória de implantação e tipologia sem qualquer estudo do local ou tentativa de quebra de monotonia e é marcado pela ausência de participação popular. Ainda mais grave foi a escolha das implantações. Não se visava à remoção das habitações em piores condições, mas sim que os prédios ficassem entre as grandes avenidas e as favelas, funcionando como um cortina visual escondendo a cidade informal dos olhos dos passantes. Dos 41 conjuntos em construção em 1996 (época das eleições do sucessor do prefeito), 40 se localizavam nas margens de avenidas de grandes fluxos, funcionando como barreira visual (FREIRE, 2005). Esse programa ainda se caracterizou pelo uso constante de abrigos provisórios. Os prédios não comportavam o mesmo número de famílias que eram removidos e por mais que visava o adensamento, não eram atendidos nem mesmo a própria população removida. Em 2011, a Prefeitura de São Paulo propôs o concurso Renova SP, que visa à realização de projeto e urbanismo para 22 perímetros da cidade. Em destaque desse concurso temos a grande variedade e qualidade arquitetônica a serem implantados. Em âmbito de programas habitacionais, não voltado diretamente às favelas, em 2009 o Governo Federal propõe o Programa Minha Casa Minha Vida com o objetivo da construção de um milhão de casas. Pela primeira vez é incluído no programa o atendimento às camadas mais pobres (até três salários mínimos). Mas o que se vê atualmente é a sua utilização como ferramenta de produção econômica e geração de empregos, principalmente diante da crise mundial de 2008. Assistimos uma produção em massa de casas sem parâmetros de qualidade seja urbana ou habitacional. Repetição de tipologia em grandes áreas afastadas de emprego, serviço, equipamentos e infraestrutura marcam essa atual etapa de produção habitacional do país (FERREIRA, 2012).
2.4| conclusão
Apesar da tentativa de auxilio na questão da moradia, os programas propostos não atuam diretamente nas causas dos problemas, como a desigualdade das cidades, a distribuição fundiária – acesso à terra urbana bem localizada – e a renda. Muitas dessas tentativas são apenas pontuais e outras até induzem o adensamento de muitas favelas (programas isolados e descontínuos em favelas que são urbanizadas as tornam atrativas para novos moradores) assim como o aparecimento de favelas cada vez mais periféricas (SAMORA, 2009). A solução deve vir de alterações no sistema de produção praticado no país. Ainda assim, apesar da importância de alguns esforços do Estado para intervir nos assentamentos precários (mesmo que não atacando nos principais pontos críticos já citados) estes planos não poderiam ter tido melhor qualidade? Não poderiam ter enriquecido o ambiente dos bairros intervindos? É importante dizer que a baixa qualidade atingida na habitação social também é resultado do objetivo que são dominantes nesse processo, que não é a qualidade e sim o lucro. Essa baixa qualidade também revela outro fato corriqueiro: as alternativas de apartamentos sem qualidades e péssima localização é muitas vezes rejeitados pelos favelados que preferem continuar onde estão ou, quando relocados, retornam a assentamentos precários depois da experiência nestes tipos de projetos. As favelas são lugares de espaços insuficientes, alta densidade e insalubridade composta principalmente por jovens e crianças que ainda possuem a carência de infraestrutura e equipamentos públicos (escolas creches, lazer e áreas verdes, etc.). Por toda essa necessidade, é o apego e a força dos laços sociais que sustentam a vida dessas pessoas e é essencial sua consideração no processo projetual. Todos precisam ter seu “ninho seguro”, das classes mais altas, às mais baixas.
“Um “ninho seguro” – um espaço conhecido à nossa volta, onde sabemos que nossas coisas estão seguras e onde podemos nos concentrar sem sermos perturbados pelo outros – é algo que cada indivíduo precisa tanto quanto o grupo. Sem isso, não pode haver colaboração com os outros. Se você não tem um lugar que possa chamar seu, você não sabe onde está. Não pode haver aventura sem uma base para onde retornar: todo mundo precisa de alguma espécie de ninho para pousar.”
(HERTZBERGER, 2002:28).
27
“A história é marcada por diversas ocorrências envolvendo grileiros, invasões, mutirões, informalidade, lutas contra a polícia, mas também conquistas por instalação de infraestrutura e pela posse da terra. A comunidade desde 1971 foi buscar alternativas e soluções através das suas ações individuais e coletivas.” CLÁUDIA SOARES
3| heli贸polis
“Raramente as favelas aparecem ligadas a atividades empolgantes, como quando as redes de TV mostraram a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, constituída de jovens moradores da favela, que vão participar, em três cidades alemãs, de um festival internacional.”
MARIA RUTH DE SAMPAIO
30
3.1| história
Hoje com mais de setecentos mil metros quadrados e aproximadamente 100 mil habitantes (SÃO PAULO, 2010), Heliópolis era a maior favela da cidade de São Paulo até em 2006 receber a condição de bairro, a Nova Heliópolis (SOARES, 2010). Localiza-se na região Sudeste da cidade de São Paulo mais precisamente no distrito de Sacomã e é dividida em 14 glebas (nomeadas de A a N). Já sofreu intervenções de diversos programas como os mutirões na gestão Erundina, Cingapura de Paulo Maluf e Bairro Legal de Marta. Deste 2005, está inserido no Programa de Urbanização de Favelas da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), com planejamento até 2024, com o objetivo de melhorias urbanas e habitacionais. Mas sua história se inicia no começo do século passado. A área abrigava, entre 1920 e 1940, empregados que trabalhavam para a família do Conde Silvio Álvares Penteado que a possuía, no Sítio Moinho Velho do Conjunto Residencial Vila Heliópolis. Trinta e seis residências entre casas térreas, sobrados isolados ou geminados – todos com dois dormitórios, banheiro e cozinha, com áreas entre 141 a 697 m2 – ocupavam o local que hoje é o Hospital Heliópolis e o início da Estrada das Lágrimas (SOARES, 2010). Com a intenção de construir casas passa seus associados, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), em 23 de abril de 1942, adquiriu área de 2.707.065 m² por 17.500 mil contos de réis. O projeto não saiu do papel, ficando assim uma imensa área sem uso (SOARES, 2010).
31
Em novembro de 1966 os diversos Institutos no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) foram unificados. A área passa para o Instituto de Administração Financeiro da Previdência e Assistência Social (IAPAS) que iniciou sua ocupação e venda. Já no ano seguinte, foi vendido 473.731m2 à Petrobrás, que em 1976 transmitiu a Raul Diederichsen pequenos terrenos totalizando 960 m2 (SOARES, 2010). Em 1968 começa a construção do Hospital Heliópolis e o Posto de Assistência Médica (PAM) pelo IAPAS na Avenida Almirante Delamare. Os trabalhadores da construção se instalaram nas casas, sobrados antigos e alojamentos. Foi em 1971 o primeiro acontecimento para o surgimento da atual favela de Heliópolis. A Prefeitura, do prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz, retira 153 famílias da Vila Prudente, uma das primeiras favelas de São Paulo, e as aloca provisoriamente na área próxima ao Hospital Heliópolis (perto da atual Gleba K), para a construção de anéis viários sobre o Rio Tamanduateí na região de Vila Prudente. As famílias nunca foram realocadas (SOARES, 2010). De 1977 a 1985, o IAPAS vende as casas e os terrenos para funcionários públicos estaduais e federais, químicos, motoristas, advogados entre outros. Em 1978, a SABESP fica com uma parte da área depois da desapropriação para a construção da Estação de Tratamento de Esgotos do ABC (começou a funcionar 20 anos depois) (SOARES, 2010).
|fig. 3.1| Heliópolis destacada na região metropolitana |fig. 3.2| Heliópolis destacada no entorno próximo
|fonte: google earth - acesso junho 2013 |fonte: google earth - acesso junho 2013
Ainda em 1978, acontece outro grande fato que determinaria o desenvolvimento dos assentamentos precários na região. O prefeito Olavo Setúbal realiza uma nova remoção da favela do Vergueiro e aloca mais sessenta famílias próximas à área da primeira. Essas instalações que eram provisórias no terreno do IAPAS, tornaram-se moradia fixas e permanentes para muitas famílias. Algumas delas ainda estão nessas áreas até hoje (SOARES, 2010). No entorno dos alojamentos (inicialmente) provisórios, de bicas d´água e do Hospital Heliópolis, foi onde amigos e parentes dos moradores se instalaram e iniciaram a expansão da favela. Essa proximidade a atual Gleba K não é por acaso. A região possuía campos de futebol e uma vasta área verde onde eram utilizadas pelos moradores vizinhos para lazer. Foi
32
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
N 50
25
|fig. 3.3| Heli贸polis em 1973 |fonte: saopaulocalling.com.br acesso maio 2013 |fig. 3.4| Heli贸polis em 1981 |fonte: saopaulocalling.com.br acesso maio 2013
|fig. 3.5| Heli贸polis em 1989 |fonte: saopaulocalling.com.br acesso maio 2013 |fig. 3.6| Heli贸polis em 1994 | fonte: saopaulocalling.com.br acesso maio 2013
33
então que grileiros tomaram a área e vendiam lotes às famílias que não sabia da ilegalidade das terras (SEHAB, 2010). “[...] ai Dona Lourdes falou com o tal do Mariano e esse homem vendeu um pedaço de terra para mim. Dona Lourdes me disse que não era dele não, mas mesmo assim ele financiou todo o meu barraco, de prego a telha, tudo, ficou um barraco tão bonito, 3 cômodos, ela comprou no depósito e pagou tudo à vista” Dona Conceição, liderança, moradora, 02/2008, In SOARES, 2010.
A área já atraia muitos moradores e em dez anos já possuía dez mil habitantes. (SAMPAIO, 2010). Eram famílias vindas do Nordeste, Sudeste (Minas Gerais) e também do ABC Paulista. Hoje a população é predominantemente formada por nordestinos: “Mais de 90 % da população de Heliópolis, inclusive eu, é formada por nordestinos que vieram para São Paulo. E nós aprendemos, desde muito cedo, uma coisa importante: não deixar nossos filhos passarem fome. Então, a educação, infelizmente, às vezes, fica relegada a segundo plano na escala de prioridade da pessoa“ João Miranda, liderança, ex-presidente da UNAS, 03/2007, In SOARES, 2010.
Aos poucos, os primeiros barracos com piso em terra socada, madeira e lona passaram a ser substituídos por casas de alvenaria, consolidando a região. Sampaio define Heliópolis como “um improviso da prefeitura que resultou em uma favela gigantesca”. * Depois de quatro décadas de existência e receber programas governamentais isolados, em 2005 foi iniciado um projeto urbano habitacional pela Prefeitura planejado até 2024. Com um sistema urbano projetado, inserção de infraestrutura e equipamentos, a área ainda recebeu e receberá edifícios habitacionais de conceituados escritórios de arquitetura como Biselli & Karchborian, Vigliecca & Associados, Projeto Paulista, Piratininga, entre outros.
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50%
* SAMPAIO, M. R. A. Heliópolis: o percurso de uma invasão. Tese para título de livre-docente. FAU-USP, 1991. In: SOARES, 2010
34
10 0
|fig. 3.7| Imagem aérea atual de Heliópolis |fonte: google earth - acesso junho 2013
N 50
25
|fig. 3.9| Heliópolis atual |fonte: Prefeitura de São Paulo |fig. 3.10| Gleba K |fonte: Prefeitura de São Paulo
|fig. 3.8| Divisão das glebas de Heliópolis |fonte: favelation.com.br - acesso maio 2012
35
|fig. 3.11| Vias de circulação |fonte: Prefeitura de São Paulo |fig. 3.12| A cidade informal e os programas habitacionais. |fonte: Prefeitura de São Paulo
36
|fig. 3.13| Gleba A |fonte: Prefeitura de São Paulo | fig. 3.14| Programa PROVER na Gleba L2 |fonte: Prefeitura de São Paulo
37
“Quanto mais isolados e alienados as pessoas se tornam em seu ambiente diário, mais fácil será constrolá-las com decisões.
HERMAN HERTZBERGER
4| estudo de caso: anรกlise
“A favela guarda algumas características peculiares importantes, tais como a interação e a solidariedade entre vizinhos. As edificações precisam favorecê-las.”
40
LÉO RODRIGUES E LUIZA LAGES
4.1| local de intervenção
Por já ter sofrido intervenções governamentais, possuir habitações já consolidadas em alvenaria e outras ainda em materiais precárioss (além de se encaixar em dimensões), a Gleba N foi escolhida como área de estudo desse trabalho. Foram utilizados seus dados físicos e densidade atual, mesmo que não atingido no projeto final, mas usado como parâmetro, principalmente com a finalidade de exercitar desenhos de alta densidade que aliem fatores de qualidade salubres e sociais. Com esses dados, é proposto um redesenho habitacional e urbano na Gleba N de Heliópolis. A gleba fica junto à Avenida das Juntas Provisórias, avenida de grande fluxo pela ligação com o ABC paulista. Em cada esquina com esta avenida, há a presença de viadutos se unindo com as vias de acesso à Heliópolis (através da Rua Comandante Taylor e da Avenida Almirante Delamare). São localizados nessas vias os pontos de ônibus para a região que ainda tem proximidade com a Estação Sumaré. A região já sofreu intervenções da COHAB e da Urbanização de Favelas e, como dito anteriormente, faz parte de um plano de ações integrado em Heliópolis.
41
|fig. 4.2| Vista aérea Gleba N |fonte: google earth - acesso fevereiro 2013
visó
rias
|fig. 4.1| Heliópolis com destaque à Gleba N, local do estudo de caso. |fonte: google earth - acesso junho 2012
r. c
et
ay
lor
av.
das
jun
tas
pro
mt
av. ela .d
alm r. alm. mariath
re
ma
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
42
N 50
25
|fig. 4.3 a 4.6| Fotos aéreas da Gleba N. Presença de barracos, habitações populares e moradias em alvenaria |fonte: Prefeitura de São Paulo
43
|fig. 4.7| Av. Almirante Delamare |fig. 4.8| Rua Comandante Taylor
44
|fonte: google |fonte: google
|fig. 4.9| Esquina da Av. Alm. Delamare com Av. das Juntas Provis贸rias |fig. 4.10| Esquina da R. Cmte. Taylor com Av. das Juntas Provis贸rias
|fonte: google |fonte: google
|fig. 4.11| Tipos de moradias na gleba. Vista a partir da Av. Alm. Delamare |fig. 4.12| Via de acesso a Gleba à partir da R. Cmte. Taylor
|fonte: google |fonte: google
|fig. 4.13 e 4.14| Habitações precárias no interior da região |fig. 4.15| Rua Almirante Mariath
|fonte: saopaulocalling.com.br - acesso fev/2013. |fonte: google.
45
Apesar de intervenções estatais, a Gleba possui um grande número de autoconstruções (fig. 4.16). Visualmente se pode notar que elas possuem grande densidade, confirmado se analizado juntos os mapas de gabaritos (fig. 4.17) com os coeficientes apresentados (fig. 4.18).
Em números, a gleba possui cerca de 67.693 m2 para 1.862 habitações (HABISP). Utilizando a pesquisa da Patrícia Samora (SAMORA, 2009) com os atuais números, chega-se ao número de 6.443 habitantes, totalizando uma densidade aproximada de 952hab/há (tab. 4).
O relevo, como podemos observar nas figuras 4.19 a 4.21, possui algumas regiões bastante acidentadas.
número habitantes
número habitações
%
1 componente
236
236
12,7%
2 componentes
767
383
20,6%
3 componentes
1.340
447
24,0%
4 componentes
1.533
383
20,6%
5 componentes
949
190
10,2%
6 componentes
569
95
5,1%
7 componentes
365
52
2,8%
8 componentes
298
37
2,0%
9 componentes
50
6
0,3%
10 componentes
130
13
0,7%
mais de 10 componentes
205
20
1,1%
6.443
1.861
100%
TOTAL
46
|tab.4| Separação das habitações conforme número de habitantes. Porcentagem utilizada segundo estudo da SAMORA (2009) atualizado conforme os números de habitações da habisp.com.br - acesso: março 2012
|fig. 4.16| Mapa das tipologias |fonte: Prefeitura de São Paulo
|fig. 4.17| Mapa de gabarito com a Gleba N em destaque.
|fonte: Prefeitura de S達o Paulo
|fig. 4,18| Mapa de coeficiente de aproveitamento |fonte: Prefeitura de S達o Paulo
47
|fig. 4.19| Declividade Gleba N
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
48
N 50
25
|fig. 4.20 e 4.21| Maquete fĂsica de estudo da declividade
49
“Devemos considerar a qualidade do espaço das ruas e dos edifícios relacionando-os uns aos outros. Um mosaico de inter-relações – como imaginamos que a vida urbana seja – requer uma organização espacial na qual a forma construída e o espaço exterior (que chamamos de rua) não apenas sejam complementares no sentido espacial e, portanto, guardem uma relação de reciprocidade, mas ainda, e de modo especial - pois é com isto que estamos preocupados-, na qual a forma construída e o espaço exterior ofereçam o máximo de acesso para que uma possa penetrar no outro de tal modo eu não só as fronteiras entre o exterior e o interior se tornem menos explícitas, como também se atenue a rígida divisão entre domínio privado e o público.”
HERMAN HETZBERGER
5| estudo de caso: projeto
“Quanto mais influencia pudermos exercer pessoalmente sobre a nossa volta, mais nos sentiremos emocionalmente envolvidos com elas, mais atenção daremos a elas e mais inclinados estaremos a trata-los com cuidado e amor”.”
52
HERMAN HERTZBERGER
5.1| questões projetuais A intenção desse estudo de caso não é de ser a proposição concreta de um projeto. A ideia é de utilizar os dados da região (relevo, localização, entorno, dados habitacionais, etc.) e propor um redesenho de habitações qualificadas e desenho urbano estimulante. Pela frequência de intervenções promovendo a substituição das moradias existentes por novas, escolheu-se o mesmo tipo de experimento para estudo do caso, mas procurando um desenho que proporcione a interação pré-existente, apesar de eliminar a sinuosidade vernacular. Assistimos uma realidade onde está sendo é produzida “cidades do medo”. Muros, cercas e guaritas que aparentam seguranças criam becos inseguros e matam o papel do espaço de convívio segmentando a cidade e transformando os espaços públicos em corredores para os automóveis particulares. Em uma realidade que produz espaços privados internos ao invés de grandes áreas de lazer e interação, o projeto procura o oposto, reacender a sintonia das pessoas através de uma organização do espaço que a favoreça. E são nos espaços públicos, formado pelos arranjos dos edifícios, que se deve aproveitar a possível oportunidade de quebrar a rígida separação entre habitantes e proporcionar o que restou do sentimento da participação do que ainda temos em comum. Entende-se que o arquiteto deve estimular a interação social através da organização espacial. A qualidade do espaço não está presa ao custo projetual, mas sim na forma com que os espaços se relacionam, associam-se e estimulam o uso de todos. Quando se cria habitações, devese fomentar o convívio e a inter-relação e não o seu isolamento. Talvez Hertzberger possa ter razão quando diz que a prosperidade das condições
53
econômicas das pessoas diminui a necessidade dos vizinhos, convivendo menos e, assim, estimulando o individualismo, mas cabe aos arquitetos e aos criadores dos espaços lidarem com isso e criar condições que a rua – e todas as áreas públicas – combatam esse isolamento. São sugestões adequadas que podem propiciar aos moradores a expansão da sua esfera de influencia às áreas públicas. “O segredo é dar aos espaços públicos uma forma tal que a comunidade se sinta pessoalmente responsável por eles, fazendo com que cada membro da comunidade contribua à sua maneira para um ambiente com a qual possa se relacionar e se identificar” HERMAN HERTZBERGER
a verticalização para atender a densidade necessária, porém foi desejada a maior eliminação possível de áreas de circulação comum que tem custo de construção, manutenção e ainda frequentemente se tornam lugares vazios e de pouco uso. Além disso, entende-se que a distância entre a porta da habitação e a rua favorece um desvinculo entre o morador e a mesma e o que se propõe é o oposto, a apropriação da rua, dos espaços comuns, públicos e da cidade. Importante ressaltar que não foi seguido a lei da área máximo que legislação pede por entender que seja insuficiente tal imposição e bastante prejudicial à qualidade das habitações nos casos onde há maior número de habitantes por unidade. Para atender aos diferentes tipos de famílias, foi requisito do projeto uma tipologia que tivesse variedade de área, adequando ao número de moradores por unidades.
5.2| unidades habitacionais
5.2.1| diretrizes das unidades
Por ser necessário a criação de um grande número de habitações, não seria possível a concepção de projetos particulares com diferentes características em cada habitação. Entretanto, vê-se que a particularidade da moradia leva a um melhor vínculo e cria afeição entre moradormoradia. Com essa limitação de diversidade das habitações, procurou-se um desenho do edifício que propusesse uma variedade no arranjo entre eles, isto é, por mais que se repita o tipo de construção, a ordenação dos edifícios proporcione unicidades de disposição, criando ao morador particularidade e familiaridade com área e não apenas do edifício. Outro ponto para desenvolvimento das unidades foi a máxima diminuição da distância da porta de acesso da casa com a rua. Foi preciso
54
5.2.1| conceitos do edifício
Para suprir as diretrizes estipuladas, chegou-se ao conceito demonstrado na figura a seguir (fig. 5.1)
|fig 5.1| Conceito dos blocos de habitação
O bloco funciona com a aproximação máxima da porta de acesso das unidades com a área pública, diminuindo a circulação comum. As unidades térreas - vermelha e roxa – são acessadas diretamente pela rua (unidades que podem ser adaptadas às necessidades especiais) e todas as outras teriam acesso às unidades no primeiro andar, utilizando da escada principal. As unidades amarela e ciano seriam de apenas um pavimento enquanto as outras quatro (verde, azul, rosa e laranja) o morado – a partir do primeiro andar – ao entrar na unidade utiliza sua escada privativa para acessar à unidade duplex. Esse desenho proporcionou a criação de blocos de oito unidades. O edifício possui modulação de 4,5 x 4,5m, o que permite variar a área das unidades. Ele não precisa variar uniformemente na sua modulação,
|fig 5.2| A modulação do bloco permitiu uma variedade de edifícios seguindo um único conceito.
podendo ter cada metade dos blocos em modulações diferentes (fig. 5.2). Dentro desse conceito, foi desenvolvido três tipos de “meio-bloco” para atender as diferentes famílias: até duas pessoas (Tipo A), três e quatro (Tipo B) e cinco ou mais (Tipo C). Essa variação de blocos, seguindo um mesmo conceito, ajudou na variação dos arranjos urbanos.
Assegurou-se o alinhamento vertical das áreas molhadas, favorecendo a economia do edifício. Os edifícios são feitos por alvenaria estrutural.
55
5.2.2A| “meio-bloco” simples tipo A B
B
A
A
PLANTA TIPO A | térreo ESC. 1:125
0,5 0
2
A
PLANTA TIPO A | 2 pav.
B
1
A
ESC. 1:125
0,5 0
2 1
B
B
B
A
A
PLANTA TIPO A| 1 pav. ESC. 1:125
0,5 0
A
A
PLANTA TIPO A | 3 pav.
2
ESC. 1:125
B
1
0,5 0
2 1
B
PORTA BALCÃO RECUADO melhora a iluminação e permite melhor interação com a rua
FLOREIRAS
ÁREAS ÚTEIS
56
0,5
CORTE A ESC. 1:250
0
2 1
32,36 m2 25,23 m2 35,72 m2 35,95 m2 0,5
CORTE B ESC. 1:250
0
2 1
o recuo das portas balcão permite a colocação de floreiras
MAXIM-AR
nas áreas molhadas
FACHADA PRINCIPAL
5.2.2B| “meio-bloco” simples tipo B B
B
A
A
A
PLANTA TIPO B | térreo ESC. 1:125
0,5 0
2
A
PLANTA TIPO B | 2 pav.
1
ESC. 1:125
B
0,5 0
2 1
B
B
B
A
A
PLANTA TIPO B | 1 pav.
ESC. 1:125
0,5 0
A
A
PLANTA TIPO B | 3 pav.
2
ESC. 1:125
1
0,5 0
2 1
B
B
PORTA BALCÃO RECUADO melhora a iluminação e permite melhor interação com a rua
FLOREIRAS
o recuo das portas balcão permite a colocação de floreiras
CONTRAMARCO PRÉ-MOLDADO
ÁREAS ÚTEIS
0,5
CORTE A ESC. 1:250
0
2 1
49,92 m2 42,51 m2 51,28 m2 53,59 m2 0,5
CORTE B ESC. 1:250
0
2 1
protege a incidência de luz direta, facilita a contrução e também pode ser usado para suporte como vasos, por exemplo.
MAXIM-AR
nas áreas molhadas
FACHADA PRINCIPAL
57
5.2.2C| “meio-bloco” simples tipo C B
A
A
PLANTA TIPO C | térreo ESC. 1:125
0,5 0
2 1
B B
A
A
PLANTA TIPO C | 1 pav. ESC. 1:125
0,5 0
2 1
B
ÁREAS ÚTEIS
58
0,5
CORTE A ESC. 1:250
0
2 1
67,78 m2 60,36 m2 71,74 m2 71,53 m2 0,5
CORTE B ESC. 1:250
0
2 1
B
A
A
PLANTA TIPO C | 2 pav.
ESC. 1:125
0,5 0
2 1
B B
A
A
PLANTA TIPO B | 3 pav. ESC. 1:125
0,5 0
2 1
B
PORTA BALCÃO RECUADO melhora a iluminação e permite melhor interação com a rua
FLOREIRAS
o recuo das portas balcão permite a colocação de floreiras
CONTRAMARCO PRÉ-MOLDADO protege a incidência de luz direta, facilita a contrução e também pode ser usado para suporte como vasos, por exemplo.
MAXIM-AR
nas áreas molhadas
FACHADA PRINCIPAL
Pode-se notar que as aberturas dos ambientes são concentradas na fachada, criando ventilação cruzada em aberturas do outro lado. Porém, a escolha das aberturas dos ambientes ser em um lado foi feita para criar a possibilidade de duplicar o número de unidades por bloco, isto é, se espelharmos o edifício, mantendo os mesmo conceitos descritos no item 5.3, pode-se criar um bloco duplo, com quatro unidades sendo acessado pelo térreo e outras quatorze pela escada principal. Perde-se a ventilação cruzada, mas ganha o dobro da densidade mantendo as qualidades iniciais. Além disso, essa variação enriquece as possibilidades de arranjos urbanos. Assim, o projeto possui dois tipos de edifícios. O simples para implantações onde apenas a fachada principal poderia receber boa insolação e o duplo para implantações onde os dois lados receberiam boas condições de insolação.
59
5.2.3A| “meio-bloco” duplo tipo A
5.2.3B| “meio-bloco” duplo tipo B
B
A
B
A
A
PLANTA TIPO A | térreo ESC. 1:250
0,5 0
2 1
A
A
ESC. 1:250
0,5 0
2
0,5 0
2
B
ESC. 1:250
0,5 0
1
2
ESC. 1:250
0,5 0
2
B
C
PLANTA TIPO B | 2 pav. ESC. 1:250
B
1
0,5 0
2 1
B
A
PLANTA TIPO A | 3 pav.
C
PLANTA TIPO B | térreo
B
A
1
B
C
B
A
ESC. 1:250
C
PLANTA TIPO A | 2 pav.
B B
PLANTA TIPO A | 1 pav.v
B
C
B
C
PLANTA TIPO B | 1 pav. ESC. 1:250
1
0,5 0
2 1
B
C
C
PLANTA TIPO B | 3 pav. ESC. 1:250
0,5 0
2 1
ÁREAS ÚTEIS TIPO A 32,36 m2 25,23 m2 35,72 m2 35,95 m2
ÁREAS ÚTEIS TIPO B
60
0,5
CORTE A ESC. 1:250
0
2 1
0,5
CORTE B ESC. 1:250
0
2 1
0,5
CORTE A ESC. 1:250
0
2 1
B
49,93 m2 42,51 m2 51,28 m2 53,59 m2
B
5.2.3C| “meio-bloco” duplo tipo C B
A
B
A
A
PLANTA TIPO B | 3 pav.
PLANTA TIPO B | 3 pav. ESC. 1:250
0,5 0
ESC. 1:250
B
2
A
0,5 0
1
B
2 1
B
A
B
A
0,5 0
2
ESC. 1:250
B
1
A
PLANTA TIPO B | 3 pav.
PLANTA TIPO B | 3 pav. ESC. 1:250
A
0,5 0
2
B
1
ÁREAS ÚTEIS
0,5
CORTE A ESC. 1:250
0
2 1
67,78 m2 60,36 m2 71,74 m2 71,54 m2 0,5
CORTE B ESC. 1:250
0
2 1
61
5.2.4| exemplos de blocos
Como foi visto no item 5.2, a flexibilidade do projeto proporcionou a criação de seis junções diferentes de blocos tanto para os simples, como para os duplos. Para ilustrar como seriam essas junções, aqui se demonstra dois edifícios possíveis: um simples formado por “meios blocos” tipo A e C; e um duplo formado por dois “meios blocos” tipo C. FACHADA PRINCIPAL
PLANTA BLOCO SIMPLES TIPO C - A | térreo ESC. 1:250 0,5 0
0,5
0,5 0
ESC. 1:250
0
ESC. 1:250
2 1
PLANTA BLOCO SIMPLES TIPO C - A | 1 pav.
62
PLANTA BLOCO SIMPLES TIPO C - A | 2 pav.
PLANTA BLOCO SIMPLES TIPO C - A | 3pav. ESC. 1:250
2 1
2 1
0,5 0
2 1
FACHADA PRINCIPAL
PLANTA BLOCO DUPLO TIPO B - B | térreo ESC. 1:250 0,5 0
ESC. 1:250 0,5
1
0
PLANTA BLOCO DUPLO TIPO B - B | 1 pav. ESC. 1:250 0,5 0
PLANTA BLOCO SIMPLES TIPO C - A | 2 pav.
2
PLANTA BLOCO DUPLO TIPO B - B | 3 pav. ESC. 1:250
2 1
2 1
0,5 0
2 1
63
5.3| projeto urbano 5.3.1| arranjo das unidades A variedade dos tamanhos dos blocos e o seu desenho permitiu uma rica variação de arranjos. Adaptando o layout quando necessário para adequar as aberturas, o projeto urbano utilizou dessa riqueza para a implantação das habitações criassem praças de convívio, tão presentes em bairros paulistanos, com diversa variedade – tamanhos variados, mais retilíneo ou retangular -, formando também jardins privados para algumas unidades e as vias de acesso. Essa diferenciação das praças foi a unicidade alcançada para criar a particularidade aos moradores, que assim desenvolvem maior vínculo com suas moradias.
Estudos dos arranjos dos blocos
64
5.3.2| proporção dos tipos de unidades Foi utilizado a tab. 4 para que fosse seguido a proporção dos tipos de unidades segundo o número de pessoas por famílias. Assim, habitações para famílias de até duas pessoas (tipo A) correspondem a 33,3% do total; de três a quatro (tipo B) formam 44,6%; e cinco ou mais representam 22,1%.
Av. da s
R.
Ju
nta
Pil õe s
sP rovi só ria
s
5.3.3| diretrizes urbanas
ylor
Ta nte
da man
R. Co
Foram implantados pontos comerciais em regiões onde se imaginou mais propenso como nas praças das escadarias, esquinas, próximo ao centro comunitário e ainda foram criados nichos junto à AV. das Juntas provisórias.
andares extras em regiões que o relevo permite, com entrada do edifício realizado na outra cota.
Av. .D
Alm ala
ria rovi só
s Pil õe R.
s Pil õe R.
sP
s ria rovi só sP nta Ju as Av. d
nta
ylor
e Ta dant
man
Av. ala
.D
Alm
N
are
10
m
are
m
50 20
50
0
20
ria s
Pil õe s
sP rovi só nta
R.
Ju as
ylor
e Ta dant
man
are
m
N 10 0
ala
.D
Alm
50 20
stro
va Ca l. Sil
R. Ce
stro
va Ca l. Sil
R. Ce
Ainda nas Rua Comandante Taylor e Avenida Almirante Delamare, foram utilizado recuos de modo que criassem pequenas praças de convívio.
Av.
are
m
ala
.D
Alm
50 20
Os viadutos constituem fortes barreiras, por isso em suas esquinas foram criadas escadarias de acesso à gleba com chegada em praças de uso misto.
R. Co
ylor
e Ta dant
man
R. Co
Av.
N 10 0
Ainda para melhor vinculo com o entorno, foi criado um eixo de equipamentos (foram respeitado os 5% de área total para equipamentos institucionais) no sentido transversal dessa via. Os equipamentos institucionais escolhidos foram: posto de saúde, creche, jardim de infância e um centro comunitário com área verde de lazer.
Av. d
Av. d
as
R.
Ju
nta
Pil õe s
sP rovi só
ria s
stro
va Ca l. Sil
R. Ce
stro
va Ca l. Sil
R. Ce
Para tentar diminuir a poluição visual, acústica e do ar vinda da Av. das Juntas Provisórias foi criado uma calçada mais larga, afastando um pouco mais as habitações da avenida e ainda foram colocadas árvores.
R. Co
ylor
e Ta dant
man
R. Co
ala
.D
Alm
10 0
Os acessos para o interior da gleba é feita por vias de uso misto, priorizando o uso dos pedestres e com a intenção de sua maior apropriação
Ju
stro
Av.
N
as
va Ca l. Sil
R. Ce
O projeto procura a interação da gleba com o entorno próximo, por isso foi escolhido uma via de ligação unindo as ruas Pilões e Coronel Silva Castro.
Av. d
are
50 20
s
Nestes casos, os andares térreos das habitações foram transformados em comércios ou ainda criados
m
N 10 0
65
D
Pi lõ e R.
un as J Av. d
F
E
CRECHE
s
tas P
rov is
óri
as
A
D CENTRO COMUNITÁRIO
JARDIM DE INFANCIA
B B
POSTO DE SAÚDE
r
o Tayl
G
nte
nda
G
oma
R. C
F
E
.A Av
Rua Almirante Ma
A
lm
C e ar
riath
am
al
.D
IMPLANTAÇÃO GERAL ESC. 1:2.500
20
50
tro Cas
2010 0
N
ilva
0
50
el. S
10
R. C
N
COMERCIO
C
Vista geral do projeto
67
F
A RU R LO AY ET
T AN ND MA CO
B
B
POSTO
ÚDE
DE SA
F
AMPLIAÇÃO A ESC. 1:750 5 0
20 10
COMERCIO
N
Pontos comerciais e ĂĄreas pracinhas criadas. No canto direito o posto de saĂşde
69
A
E
POSTO
E
ÚDE
DE SA
G
G
A
.A AV . LM MA
LA
DE RE
AMPLIAÇÃO B ESC. 1:750 5 0
20 10
N
O arranjo dos blocos cria praças de convívio, favorecendo o uso do espaço público
71
C
EL
.D
LM .A AV RE
A AM
AMPLIAÇÃO C
C
ESC. 1:750 5 0
20 10
COMERCIO
N
Ponto comercial criado
73
AMPLIAÇÃO D
D
ESC. 1:750 5 0
N
20 10
AV . PR DAS OV J IS[ UNT OR A IAS S
COMERCIO
A
R.
CO
M
AN
CR
DA N
TE
EC
HE
TA YL OR
D
JA IN RDIM FA NC DE IA
CE CO NTR MU O NI T[A
RIO
A
Escadaria acessando às unidades e à creche onde hoje é a fig. 4.12
75
CR
EC
HE
AV . PR DAS OV J IS[ UNT OR A IAS S
A
E CE CO NTR MU O NI T[A
JA IN RDIM FA NC DE IA
RIO
O DE POST E
SAÚD
AMPLIAÇÃO E ESC. 1:750 5 0
20 10
COMERCIO
N
A
E
O arranjo cria diferente tipos de praças. Ao centro, o jardim de infância.
77
78
Esquina da Av. das Juntas Provisórias com a Av. Alm Delamare (fig. 4.9), é criado uma praça comercial na escadaria de acesso à gleba
Esquina da Av. das Juntas Provisórias com a R. Cmte. Taylor (fig. 4.10), é criado uma praça comercial na escadaria de acesso à gleba
79
80
Nichos comerciais s茫o criados na Av. das Juntas Provis贸rias
Centro comunitårio , localizado de forma que possa ser usado por pessoas de fora da Gleba, proporcionando interação da Gleba com o entorno
81
82
Ao invés de acompanhar a Av. Alm. Delamare como hoje (fig. 4.7 e 4.11), a disposição das habitações cria possibilidade de pequenas praças aos moradores
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
N 50
25
5 0
84
20 10
CORTE A ESC. 1:500
O relevo cria condições para a criação de um ou dois andares a mais nos blocos com acessos em cotas diferentes. Esses andares extras podem ser de novas habitações ou comércio
85
0
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10
N 50
25
5 0
86
20 10
CORTE B ESC. 1:500
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
5 0
25
20 10
CORTE C ESC. 1:500
N 50
87
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
5 0
88
25
20 10
CORTE D ESC. 1:500
N 50
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
5 0
25
20 10
CORTE F ESC. 1:500
N 50
89
0
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10
N 50
25
5 0
90
20 10
CORTE E ESC. 1:500
0 a 7% 8 a 15% 16 a 30% 31 a 50% acima de 50% 10 0
5 0
25
20 10
CORTE G ESC. 1:500
N 50
91
5.4| números alcançados Em uma área de 67.692,6 m2 foram criadas 1.689 habitações destinadas à 5.747 pessoas. A densidade alcançada foi de 848,91 hab/há. Observa-se na tabela 5.2 que a proporção dos tipos de unidades foram próximas às apresentadas atualmente. Vale ressaltar que ainda foram projetados 2.166,75 m2 destinado ao comercio. A tabela 5.1 mostra as áreas destinadas a equipamentos institucionais. Foi respeitado o valor de 5% em relação a área total, que seria de 3.384,6m2
área (m2) posto de saúde
317,5
centro comunitário
1.763,4
creche
492,6
jardim de infância
813,7
TOTAL
3.387,2
|tab. 5.1| área institucional
tipo habitações
número habitações
média pessoas/ habitações1
número de habitantes
% final 2
% original3
tipo A
617
1,62
999
36,53%
32,6%
tipo B
695
3,46
2.406
41,14%
44,6%
tipo C
377
6,21
2.342
22,32%
18,87%
1.689
3,46
-
-
TOTAL
5.747
4
Obtido através de cálculos segundo os dados de SAMORA, 2009 Porcentagem da quantidade do tipo de habitação em relação ao total obtidas no projeto 3 Porcentagem da quantidade do tipo de habitação real (SAMORA, 2009), utilizado como referência na definição dos números de cada tipo 1 2
92
|tab. 5.2| número de habitações atingidas
“A razão pela qual os habitantes da cidade se tornam estranhos em seu próprio ambiente de vida é porque o potencial da iniciativa coletiva foi grosseiramente superestimado ou porque a participação e o envolvimento foram subestimados.”
HERMAN HERTZBERGER
consideraçþes finais
“Talvez o que esteja em jogo seja também o sentimento da perda da liberdade promovida pelo avanço feroz do interesse privado e dos prazeres imediatos sobre o domínio público e a satisfação do espírito. Desprovida desse sentido, a cidade tem sido considerada apenas como valor de troca e circulação de mercadorias. O mesmo tem ocorrido com nossa maneira de ver e construir as casas em que habitamos, mais determinadas pelo valor de troca do que pelo de uso.”
96
CARLOS ANTÔNIO LEIRE BRANDÃO
conclusão Como foi visto, não será possível erradicar a precariedade dos assentamentos informais com a continuidade dos modos de produção atual, já que ela é fundamental para a sua existência, subsídio e continuará “a se
reproduzir enquanto o mercado privado e os governos não apresentarem alternativas habitacionais” (MARICATO, 1003:4). As mudanças não serão solucionadas apenas com planos urbanísticos ou arquitetônicos, mas sociais.
Mesmo em frente a essa desigualdade trágica das cidades brasileiras, os urbanistas ainda devem procurar cidades mais justas, que ofereçam qualidade de vida aos seus habitantes e combater a miséria da falta de atendimento básico. Mas não é só na precariedade das favelas que vemos uma produção problemática nacional. É preocupante notar que apesar da insalubridade e falta de infraestrutura básica, estas moradias ainda apresentam uma riqueza que é ausente na monotonia da cidade formal. A cidade deveria ser o lugar do diálogo e dos encontros, mas tem-se transformado no lugar do consumo. Neste exercício desenvolvido, acredita-se que as limitações dos projetos populares não impediram a criação de um projeto urbano de melhor qualidade, uma arquitetura favelada, não pela falta de estrutura, mas por fomentar o convívio tão rico entre os favelados e tão pobre nas classes altas.
97
Levantei de manhã triste porque estava chovendo. (. ..) O barraco está numa desordem horrivel. E que eu não tenho sabão para lavar as louças. Digo louça por hábito. Mas é as latas. Se tivesse sabão eu ia lavar as roupas. Eu não sou desmazelada. Se ando suja é devido a reviravolta da vida de um favelado. Cheguei a conclusão que quem não tem de ir pro céu, não adianta olhar para cima. E igual a nós que não gostamos da favela, mas somos abrigados a residir na favela. ...Fiz a comida. Achei bonito a gordura frigindo na panela. Que espetaculo deslumbrante! As crianças sorrindo vendo a comida ferver nas panelas. Ainda mais quando é arroz e feijão, é um dia de festa para êles. Antigamente era a macarronada o prato mais caro. Agora é o arroz e feiião que suplanta a macarronada. São os novos ricos. Passou para o lado dos fidalgos. Até vocês, feijão e arroz, nos abandona! Vocês que eram os amigos dos marginais, dos favelados, dos indigentes. Vejam só. Até o feijão nos esqueceu. Não está ao alcance dos infelizes que estão no quarto de despejo. Quem não nos despresou foi o fubá. Mas as crianças não gostam de fubá. Quando puis a comida o João sorriu. Comeram e não aludiram a côr negra do feijão. Porque negra é a nossa vida. Negro é tudo que nos rodeia. ...Nas ruas e casas comerciais já se vê as faixas indi- cando os nomes dos futuros deputados. Alguns nomes já são conhecidos. São reincidentes que já foram preteridos nas urnas. Mas o povo não está interessado nas eleições, que é o cavalo de troia que aparece de quatro em quatro anos. ...O céu é belo, digno de contemplar porque as nuvens vagueiam e formam paisagens deslumbrantes. As brisas suaves perpassam conduzindo os perfumes das flores. E o astro rei sempre pontual para despontar-se e recluir-se. As aves percorrem o espaço demonstrando contentamento. A noite surge as estrelas cintilantes para adornar o céu azul. Há varias coisas belas no mundo que não é possivel descre- ver-se. Só uma coisa nos entristece: os preços, quando vamos fazer compras. Ofusca todas as belezas que existe.
CAROLINA MARIA DE JESUS QUARTO DE DESPEJO | 23 DE MAIO
98
“Me tiraram do meu morro me tiraram do meu cômodo me tiraram do meu ar me botaram neste quarto multiplicado por mil quartos de casas iguais. Me fizeram tudo isso para o meu bem. E meu bem ficou lá no chão queimado onde eu tinha o sentimento de viver como queria no lugar onde queria não onde querem que eu viva aporrinhado devendo prestação mais prestação da casa que não comprei mas compraram para mim. Me firmo, triste e chateado, Desfavelado.”
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE DESFAVELADO
99
referencias projetuais Livro realizado Greater London Council para recontrução da cidade no pós guerra, é exemplificado como realizar uma rede de espaços públicos. O livro ainda centros históricos medievais como referências. |fonte: GREATER LONDON COUNCIL (1985)
Projetado por Álvaro Siza, a habitação social Doedijnstraat (Holanda) foi uma das principais referências para a diminuição da área de circulação comum.
|fonte: Internet
100
Procurar manter as características das favelas em projetos de qualidade foi o estudo realizado no projeto de Elisabetta Romano foi uma das fontes que sugeriu a temática deste trabalho. |fonte: ROMANO (2001)
São as qualidades dos projetos em habitação popular de Vigliecca foram utilizados na realização desse projeto. Um exemplo utilizado nesse projeto são as portas-balcão recuada com floreira, melhorando a iluminação |fonte: site do autor
Projeto para concurso “Habitação para todos“ da CDHU realizado pelo Instituto Cidade, foi referencia no modo como as unidades se associam, diferente dos prédios usuais |fonte: icidade.org.br
Novos tipos de habitações com preocupação no conforto e moradores, os projetos do Elemental foram bastante utilizados neste trabalho. |fonte: site do autor
101
bibliografia utilizada LIVROS
DOUTORADOS
DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina. Londres: Boitempo, 2006. 270p. Título Original: Planet of slums. SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Superintendência de Habitação Popular. A cidade informal do século XXI. 3 ed. 2011. 188p.
SAMORA, P. R. Projeto de habitação em favelas: Especifidades e parâmetros de qualidade. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2009. 347p.
GREATER LONDON COUNCIL. Introducción al Diseño Urbano em áreas residenciales. Edição Castelhana. Madrid: Hermann Blume, 1985. 176p. Titulo Original: An Introduction to Housing Layout.
DENALDI, R. Políticas de Urbanização de favelas: evolução e impasses. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2003. 229p.
HERTZBERGER, H. Lições de Arquitetura. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 272p. Título Original: Lessons for students in architecture.
BUENO, L. M. M. Projeto e Favela: metodologia para projetos de urbanização. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2000. 176p.
FERREIRA, J. S. W. (Coord). Produzir casas ou contruir cidades? Desafios para um novo Brasil Urbano. São Paulo: FUPAM, 2012. 200p. OLIVEIRA, N. (Org.). Cenas de Favelas: as melhores histórias da periferia brasileira. Rio de Janeiro: Geração Editorial, 2007. 232p.
MESTRADOS
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). São Paulo: Projetos de Urbanização de favelas. São Paulo, 2010, 117p.
SOARES, C. C. Heliópolis: Práticas educativas na paisagem. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010. 237p.
MASCARÓ, J. L. Manual de loteamentos e urbanizações. 2 ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1997. 237p. ELEMENTAL. Incremental Housing and Participatory Design Manual. Ostfildern (Alemanha): Hatje Cantz Verlag. 2012. 509p.
FREIRE, L. M. Encostas e favelas: deficiências, conflitos e potencialidades no espaço urbano da favela Nova Jaguaré. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006. 183p.
TFG | FAU ZILIO, D. T. Jardim Margarida – Taboão da Serra: possibilidades de intervenção em uma favela. Trabalho Final de Graduação – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2011. 119p.
102
Artigos
OUTROS
MARICATO, E. Conhecer para resolver a cidade ilegal, in: CASTRIOTA, L. B. (org.), Urbanização Brasileira: Redescobertas. Belo Horizonte, editora Arte, 2003. P.78-96. Disponível em: <www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca>. Acesso em: 26/03/2012.
IBGE. Censo Demográfico 2010: aglomerados subnormais. 2010 ROMANO, Elisabetta; TONOLI, Giancarlo. Código genético das favela: Identificação, Interpretação e Aplicação. Conferenza Workshop Internazionale Cooperare attraverso
MARICATO, E. Dimensões da tragédia urbana. Ciência Revista eletrônica de jornalismo científico, São Paulo. SBPC vol 29, pág 18, 2002. Disponível em: <www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca>. Acesso em: 26/03/2012.
l’atlantico. Milão. 2011.
MARICATO, E. Erradicar o analfabetismo urbanístico. Texto para revista da FASE. Março 2002. Disponível em: <www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca>. Acesso em: 26/03/2012.
SITES
MARICATO, E. Favelas: um universo gigantesco e desconhecido. Disponível em: <www. usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca>. Acesso em: 26/03/2012. FERREIRA, J. S. W. A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. IN: Anais do Simpósio Interfaces das representações urbanas em tempos de globalização, UNESP Bauru e SESC Bauru, 2005. Disponível em: < www.fau.usp.br/ docentes/depprojeto/j_whitaker/artigos>. Acessado em: 25/06/2012.
Sites (acessados de março/2012 a junho/2013) www.fabricidades.blogspot.com.br www.favelization.com www.geoportal.com.br www.habisp.inf.br
PARTENARK, S. Espaço e População nas favelas de São Paulo. Apresentado no XIII Encontro da Abep. Novembro 2002 Disponível em: <www.abep.org.br/?q=publicacoes/ anais >. Acessado em: 10/2012. TASCHNER, S. P. Favelas em Sâo Paulo – censos, consesnso e contra-sensos. Apresentado no III Seminário da Abep. Junho 1984. Disponível em: < http://www.cadernosmetropole.net/component/content/article/31/49-Suzana_Pasternak_Taschner >. Acessado em: 10/2012.
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/dados_estatisticos www.saopaulocalling.org/project/sao-paulo-heliopolis
GOMES, P. C. C., Estranhos vizinhos: o lugar da favela na cidade brasileira. Anuário Americanista Europeo. 2003. Disponível em: < www.red-redial.net/revista/anuarioamericanista-europeo>. Acessado em: 05/04/2012.
103
bibliografia sugerida TEXTOS LESBAUPIN, H. M. Uma arquitetura que o arquiteto não cria. Maio 2011. Disponível em: <www.sinaenco.com.br>. Acesso em: 26/03/2012. RODRIGUES, L.; LAGES, L. A reinvenção da favela: especialistas refutam antagonismo entre a cidade formal e a informal. Revista Diversa, Belo Horizonte, nº 17, agosto 2009. Disponível em: < www.ufmg.br/online/diversa>. Acesso em: 26/03/2012. JACQUES, P. B. Estética das favelas. Arquitextos Vitruvius, jun 2001. Disponível em: <www.vitruvius.com.br/revistas/browse/arquitextos >. Acessado em: 04/04/2012. SAMPAIO, M. R. A. Heliópolis, bairro educador . O Estado de São Paulo, São Paulo, 12/04/2010. Disponível em < http://www.estadao.com.br>. Acessado em: 04/2012 BRANDÃO, C. A. L. A Cidade em crise. Revista Diversa, Belo Horizonte, nº 17, agosto 2009. Disponível em: < www.ufmg.br/online/diversa>. Acesso em: 26/03/2012.
LIVROS ZALUAR, A.; ALVITO, M. (Org.). Um Século de Favela. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora FDV, 2006. 372p. ANGÉLIL, M.; HEHL, R. (Edit.). Building Brazil! The Proactive Urban Renewal of Informal Settlements. Berlim : Ruby Press, 2011. 464p. VALLADARES, L. P. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 204p. JACQUES, P. B. Estética da Ginga – A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2001. 160p. LEFEBVRE, H. Das contradições do Espaço ao Espaço diferencial. In:_____. A produção do espaço. Paris: Editions Anthropos, 1974. Título Original: La production de l’espace
CARVALHO, B. A favela e sua hora. Revista Piauí, nº 67, abril 2012. Disponível em: < http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-67>. Acessado em: 05/2012.
TESE
ZIZEK, S. O novo eixo da lute de classes. Folha de São Paulo, São Paulo, 05/09/2004. Disponível em: < www.folha.uol.com.br/fsp/mais >. Acessado em 27/05/2013.
SAMPAIO, M. R. A. Heliópolis: o percurso de uma invasão. Tese (Título de livre-docente). – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 1991.
Revista LOTUS. Favelas, learning from. Milão: Editoriale Lotus, nº 143, 2010. 129p.
Artigo HASAN, A.; SADIN, A.; AHMED, S. Planning for high density in low-income settlements: four case studies from Karachi. IIED. 2010. 52p.
104
“Nós não criamos a arquitetura ou o urbanismo de nossas favelas, mas se nos dedicássemos, conseguiríamos certamente tirar partido daquilo que nelas é qualidade ou mérito para torna-las igualmente prestigiosas.” HENRI MICHEL LESBAUPIN
105
“Quando examinamos um dos muitos livros sobre arquitetura que estão sendo publicado hoje em dia e vemos todas aquelas fotografias brilhantes, tiradas, sem exceção, em perfeitas condições de tempo, não podemos deixar de nos perguntar o que se passa em mente dos arquitetos, como eles veem o mundo; às vezes chego a pensar que eles têm uma profissão diferente da minha! Pois a arquitetura não pode ser outra coisa senão o interesse pela vida cotidiana, tal como vivida por todas as pessoas; é como o vestuário, que não deve apenas nos vestir, mas ajustar-se bem a nós. E, se é moda hoje em dia preocupar-se com as aparências exteriores, ainda que habilmente investidas de referencias a coisas superiores, então a arquitetura foi degradada a um tipo inferior de escultura. O essencial é que, seja lá o que se faça, onde quer que se organize o espaço e de que maneira, ele terá inevitavelmente certo grau de influência sobre a situação das pessoas. A arquitetura, na verdade, tudo aquilo que se constrói, não pode deixar de desempenhar algum tipo de papel nas vidas das pessoas que a usam, e a principal tarefa do arquiteto, quer ele goste, quer não, é cuidar para que tudo o que faz seja adequado a todas estas situações. Não é apenas uma questão de eficácia no sentido de ser prático ou não, mas de verificar se o projeto está corretamente afinado com as relações normais entre as pessoas e se ele afirma a igualdade de todas as pessoas. A questão de saber se a arquitetura tem uma função social é totalmente irrelevante, pelo simples motivo de não existirem soluções socialmente indiferentes; em outras palavras, toda intervenção nos ambientes das pessoas, seja qual for o objetivo especifico do arquiteto, tem uma implicação social. Assim, na verdade, não somo livres para ir em frente e projetar exatamente o que nos agrada – tudo o que fazemos traz consequências para as pessoas e para seus relacionamentos. Um arquiteto não pode fazer muita coisa, o que torna ainda mais importante não desperdiçar as poucas oportunidades existentes. Se você acha que não pode melhorar o mundo com o seu trabalho, pelo menos não o piore. A arte da arquitetura não consiste apenas em fazer coisas belas – nem em fazer coisas uteis, mas em fazer ambas ao mesmo tempo – como um alfaiate que faz roupas bonitas e que servem. E, se possível, roupas que todos possam usar, não apenas o Imperador. Tudo o que projetamos deve ser adequado a cada situação que surja; em outras palavras, não deve ser apenas confortável, mas também estimulante.”
HERMAN HERTZBERGER