investir, viver e morar na cidade urbanidade e domesticidade na Rua Domingos de Moraes (1897-1920)
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação Serviço Técnico de Biblioteca Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Gavioli, Ticiana Hipólito Investir, viver e morar na cidade: urbanidade e domesticidade na Rua Domingos de Moraes (1897-1920)/ Ticiana Hipólito Gavioli; orientador Joana Mello de Carvalho e Silva. - São Paulo, 2021. 146. Trabalho Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1. Cidade. 2. Domesticidade. 3. Vila Mariana/SP. 4. Gênero. I. Silva, Joana Mello de Carvalho e, orient. II. Título.
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investir, viver e morar na cidade
urbanidade e domesticidade na Rua Domingos de Moraes (1897-1920)
Trabalho Final de Graduação Ticiana Hipólito Gavioli Orientado por Joana Mello de Carvalho e Silva
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São P aulo agosto de 2021
abstract The present work seeks to investigate the urbanization process of Domingos de Moraes street in Vila Mariana, between the end of the 19th century and beginning of the 20th century, pointing the variety of activities and social actors involved in the production and appropriation of the place, highlighting the role of urban housing in the construction of the city. Through the crossing of documentary sources — house plans from the Private Works Series of the Historical Archive of São Paulo and periodical newspapers — we attempt to understand the urban life of the neighborhood from street and house scale. Based on material evidence, we sought to question a supposed homogeneity in the occupation of the city’s territory, investigating how domestic life absorbed or resisted to the project of the modern habitat, working with concepts such as “worker’s house” and “palace” in a nuanced way, converging with other researches that try to complexify the domesticity and urbanity of São Paulo’s neighborhoods during the studied period. The house is not only a privileged object in the city’s production process, but also allows us to critically analyze gender relations and roles, based on the material organization of the building. Keywords: City, Domesticity, Vila Mariana/SP, Gender.
resumo O presente trabalho busca investigar o processo de urbanização da Rua Domingos de Moraes no bairro da Vila Mariana, entre o final do século XIX e início do século XX, evidenciando a pluralidade de atividades e atores sociais envolvidos na produção e apropriação do lugar, destacando o papel da moradia urbana na construção da cidade. Por meio do cruzamento de fontes documentais — plantas de casas da Série de Obras Particulares do Arquivo Histórico de São Paulo e jornais de época — procura-se compreender a vida urbana do bairro a partir da escala da rua e da casa. Procuramos, a partir dos indícios da materialidade, colocar em questão uma suposta homogeneidade na ocupação do território da cidade e investigar como a vida doméstica absorveu ou apresentou resistências quanto ao projeto de construção do habitat moderno e matizando conceitos como “casa operária” e “palacete”, indo ao encontro de outras pesquisas que buscam complexificar a domesticidade e urbanidade dos bairros de São Paulo no período estudado. A casa além de objeto privilegiado no processo de produção da cidade também nos permite analisar de maneira crítica as relações e papéis de gênero, a partir de sua organização material. Palavras-chave: Cidade, Domesticidade, Vila Mariana/SP, Gênero.
agradecimentos à Joana por ter me guiado, com sua brilhante e atenciosa orientação, por caminhos incríveis que eu não imaginava vir a trilhar. à Ana Lanna e Vânia Carneiro de Carvalho pela gentileza e disposição de aceitarem fazer parte desse importante momento. à Ana Castro e Beatriz Bueno pelas contribuições fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa. aos funcionários do Arquivo Histórico Municipal, especialmente Tomico, pelo suporte dado apesar das dificuldades do momento atual. aos meus pais, Vânia e Tiziano, por terem me proporcionado uma vida repleta de afeto, oportunidades e experiências sem as quais eu não seria quem estou me tornando. a Matheus por todo o carinho e parceria, pela leitura atenta do trabalho e por fazer as minhas palavras melhores. à Bruna pelo imenso apoio ao longo de tantos anos e por ter acompanhado com entusiasmo o desenvolvimento deste trabalho. aos queridos e sempre presentes amigos que fiz durante a graduação, especialmente: Cris Emi, Cris Ito, Claudia, Flavia, Karina, Larissa, Miguel, Pedro, Pietro, Nicolas e Rogério. Levarei um pouco de vocês comigo para sempre. às minhas e meus camaradas, pois com vocês não termino em mim mesma. à FAU por ter possibilitado tantas experiências, aberto novos caminhos e encontros. Por ter sido uma casa nesses seis anos e meio.
sumário Introdução
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Capítulo 1 | A casa na construção da cidade Moradia como investimento ........................................................................... 19 Casa como espaço sanitário ...........................................................................21 Esposa, mãe, trabalhadora e dona de casa profissional .............................. 24 A normatização da casa e da cidade ............................................................ 28 Para além do palacete e da vila operária ...................................................... 32 A casa e a conformação de um bairro misto ................................................ 38 Rua Domingos de Moraes: articulando urbanidades .................................... 43
Capítulo 2 | A casa e sua materialidade arquitetônica Redes de infraestrutura e equipamentos domésticos .................................. 65 Cozinhas e banheiros, operadores de domesticação ................................... 67 Materiais e técnicas construtivas, organização espacial e arquitetura ........ 76
Capítulo 3 | Agenciamento e apropriações do espaço doméstico
84
Casas isoladas no lote ................................................................................... 86 Casas geminadas ......................................................................................... 100 Casas com uso misto .................................................................................... 120
Considerações finais Referências
130 134
Introdução
Definir o objeto de pesquisa do presente Trabalho Final de Graduação foi um percurso construído em conjunto com autores que agregaram novas camadas de interpretação a respeito da casa e do morar na cidade para minha formação enquanto arquiteta e urbanista. A partir das discussões acerca da construção da ideia de lar, família e papéis de gênero feitas na disciplina AUH0545 Estudos em História da Arquitetura e do Urbanismo – Cidade, Arquitetura e Domesticidade Moderna, ministrada por minha orientadora Joana Mello em 2017, a relação entre casa e cidade foi posta sob uma nova perspectiva. Assim, a habitação urbana apareceu para mim de maneira mais complexa, indo além das demandas pragmáticas, muitas vezes tratadas como universais e naturais, que surgiram no exercício projetual de habitações nas disciplinas do Departamento de Projeto da FAU. Na qualidade de arquitetos mobilizamos diversos conceitos ao analisar, estudar e projetar espaços domésticos: conforto, higiene, privacidade, setorização, funcionalidade, organização. Tal qual uma receita empregada a fim de se obter uma espacialidade qualificada para a moradia, esses princípios podem acabar sendo utilizados de maneira automática, sem maiores reflexões quanto aos processos histórico-sociais que levaram ao seu estabelecimento como qualidades intrínsecas da casa. A ideia de lar, por ser muito próxima de nós, pode nos levar ao engano de que ela sempre existiu da maneira como a conhecemos, ou de que se trata simplesmente da justaposição de demandas e desejos essencialmente humanos. Entretanto, como nos mostra uma vasta bibliografia, a casa como abrigo da família, confortável, dotada de diversos equipamentos e espaços com funções bem definidas, nos quais certas práticas e comportamentos são executados é fruto de um longo processo histórico, repleto de interesses e disputas. Da mesma maneira, o ideal da família nuclear e papéis de gênero que habitam a casa foram construídos paralelamente a esse processo de definição da moradia como esfera íntima e privada da vida. No caso das famílias burguesas, em geral, a mulher ocupou o papel de gerenciamento do lar e representação social da posição econômica privilegiada da família, funções que, se pensadas na dicotomia das esferas pública e privada, estão no espectro da vida privada, 11
introdução
apartada do mundo do trabalho assalariado e da vida pública — competências do gênero masculino. Quando colocamos as mulheres da classe trabalhadora em questão essa oposição público e privado, trabalho e não trabalho se embaralham ainda mais. Além de dona de casa — atividade na qual há trabalho, o trabalho de reprodução social, conforme conceituam autoras feministas de tradição socialista e marxista, como Cinzia Arruzza — a mulher da classe trabalhadora também exerce atividades remuneradas fora do lar, ou para fora do lar, a fim de completar a renda da família. O artigo “As mulheres trabalhadoras em São Paulo: de operárias não-qualificadas a esposas profissionais” de Barbara Weinstein foi importante para entender em que setores de atividade assalariada essas mulheres atuavam, bem como seu papel enquanto donas de casa, fundamental para manutenção da saúde física e moral da família e do lar. Para as mulheres, ser parte da classe trabalhadora não significa a mesma coisa que para os homens: o idealizado modelo de feminilidade burguesa foi imposto às mulheres, vinculando-as ao lar e ao cuidado da família ao mesmo tempo em que as condições materiais levaram-nas a buscar trabalhos remunerados, gerando contradições entre ser trabalhadora assalariada e mulher. Com o intuito de me aproximar dos modos de morar da classe trabalhadora iniciei a leitura de obras que tratam sobre vilas operárias e núcleos fabris, como o trabalho de Eva Alterman Blay, entretanto foi ficando claro que o desejo de entender as relações entre a cidade e a casa, a interface entre vida doméstica e vida urbana e o fazer a cidade seria contemplado com um alargamento das referências bibliográficas, que apontaram para o papel fundamental da moradia urbana no processo de urbanização da cidade. Além disso, a classe trabalhadora é composta por uma miscelânea de tipos profissionais, não apenas operários na indústria, mas também costureiras, criadas, professoras, tripeiros, sapateiros, advogados, médicos etc. englobando desde os mais pobres até os setores médios. A preocupação dos médicos e engenheiros e do poder público em relação a higiene e salubridade da moradia urbana, principalmente dos mais pobres, é destacada nos trabalhos sobre vilas operárias, o que me levou à outra chave de leituras, acerca da preponderância do discurso da higienista na urbanização 12
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tanto de São Paulo quanto de outras capitais brasileiras. Autores como Telma de Barros Correia, François Beguin e Sidney Chalhoub destacam o papel fundamental do saber médico para a construção do ideal de moradia urbana higiênica e confortável, abrigo da família saudável e regrada — na virada do século XIX para o século XX — fundamental para a efetivação do projeto de cidade que levaria o país à “civilização” e ao “progresso econômico”. Interessada em verificar como os preceitos da higiene incidiram na materialidade da cidade e desvelar outros tipos de moradia para além dos “palacetes” e da casa na vila operária, me aproximei do trabalho de autores que lidam com a cidade na escala do bairro. Mobilizando diversas fontes documentais tais trabalhos procuram, a partir da materialidade do processo de urbanização, evidenciar as diferentes tipologias habitacionais, as atividades econômicas e os diversos atores sociais envolvidos na produção e ocupação dos bairros. Dentre estes trabalhos destaco a tese de doutorado de Monique Borin, que discute, sobretudo, a ideia de modernização presente na historiografia sobre a capital paulista, com o intuito de lidar com o processo de fazer a cidade sob outro paradigma. A interpretação da urbanização da cidade construída pela historiografia que buscou, a partir de supostos indícios da ocupação colonial, narrar uma espécie de saga do progresso de São Paulo até tornar-se a metrópole mais importante do país, assim como parte da visão crítica à essa explicação, cristalizaram imagens de “bairros das elites” e “bairros operários”, tomando o território como homogêneo. Ambas as explicações operam na chave da ideia de modernização: a primeira considera que tal processo explicaria o “destino grandioso” da cidade, consolidando a imagem do bandeirante como desbravador e conquistador de novos territórios, ressaltado o suposto êxito da ação civilizatória; a visão crítica a esta, por vezes, trabalha com a noção de que a modernização teria sido incompleta, por isso “deu errado” e gerou os diversos problemas urbanos da metrópole contemporânea, sem considerar que o processo de urbanização em si é fruto de um projeto de sociedade forjado sob o modo de produção capitalista no qual o colonialismo foi basal na construção das cidades brasileiras. 13
introdução
Ao lidar com a escala do bairro e da rua percebemos que a cidade não foi construída de maneira homogênea, identificando a presença de múltiplos atores na correlação de forças da produção da cidade e de uma vida urbana complexa e misturada. Outro trabalho fundamental para a definição do objeto de pesquisa foi o mestrado de Clara de Carvalho sobre os promotores de moradias da Vila Mariana, bairro que foi construído por ação de indivíduos dos setores médios e que apresenta — desde sua conformação como arrabalde de São Paulo — múltiplas formas de morar e uma vida urbana movimentada e diversa. Meu interesse em estudar a urbanidade e os modos de morar em São Paulo no início do século XX se aliou ao fato de ser moradora da Vila Mariana há muitos anos e perceber então a possibilidade de investigar a formação urbana do meu bairro, compreendendo a moradia como fundamental para esse processo e mobilizando a bibliografia que me acompanhou no movimento de decisão do tema para este trabalho. Além disso, com a pandemia de COVID-19, minha relação com a cidade ficou ainda mais circunscrita ao bairro, de forma que o deslocamento para pesquisa de campo foi limitado aos lugares próximos à minha casa. Assim, definimos que a pesquisa compreenderia o levantamento da dimensão material do processo de urbanização da Vila Mariana e dado o tempo disponível para o desenvolvimento do TFG, mais especificamente da Rua Domingos de Moraes. Consultamos registros de imóveis da rua na Série de Obras Particulares do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo (AHM-SP OP), documentação amplamente utilizada em trabalhos de história urbana e que permite o contato com a materialidade arquitetônica das casas e os agentes envolvidos em suas construções. Essa documentação dá conta da cidade legal, construída seguindo as regulamentações necessárias para a aprovação dos imóveis pela prefeitura, não correspondendo necessariamente ao espaço de fato construído e vivenciado, dado que é possível que diversas edificações fossem erguidas sem autorização. De qualquer modo, a Série de Obras Particulares (SOP) é uma importante fonte de informações, que mostra as soluções arquitetônicas adotadas, os profissionais construtores e os proprietários. A pandemia trouxe limitações quanto à pesquisa dessa documentação, pois só tivemos acesso às plantas anexadas aos pedidos 14
introdução
de construção e reforma até o ano de 1915, visto que são estes os documentos digitalizados disponíveis no AHM-SP, que não estava recebendo visitantes até o início do mês de julho, período em que já estávamos no processo de finalização do trabalho. Assim, só foi possível analisar as informações presentes nos desenhos (plantas, cortes, fachadas etc.) já que não tivemos acesso aos pedidos propriamente ditos. Outra fonte de pesquisa foram os jornais e revistas da virada dos séculos que permitiram entrever diversos aspectos da vida cotidiana do bairro e da rua. Na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional pesquisamos pelo termo “Rua Domingos de Moraes” em todos os jornais publicados em São Paulo entre os anos 1897 e 1920, com alguns avanços e recuos pontuais nessa periodização. Procuramos, do mesmo modo, pelo nome dos proprietários dos imóveis e pelo número das casas na rua — encontrados nos registros da SOP — a fim de compreender quem de fato eram esses indivíduos e para obter mais informações sobre as casas (se estavam a venda ou para alugar, se os moradores apareciam nas notícias etc.). Buscamos também a legislação vigente naquele período, que regulamentou a construção tanto da casa quanto da cidade, com intuito de entender como o poder público induziu e condicionou suas formas e modos de organização espacial. Consultamos as Atas da Câmara Municipal em que a Rua Domingos de Morais foi mencionada, que possibilitaram saber quais infraestruturas estavam presentes na rua, bem como as demandas por “melhoramentos” apresentadas por vereadores. Por meio dessas fontes tivemos contato com os diferentes tipos de moradia existentes no bairro, que não necessariamente se encaixam nas tipologias delineadas por uma historiografia da arquitetura que tendeu à especialização analítica das casas encontradas na cidade de São Paulo, como o trabalho de Maria Cecília Naclério Homem a respeito dos “palacetes paulistanos”. A autora traz importantes caracterizações da residência unifamiliar da elite cafeeira no que concerne aos cômodos da casa e seus usos e conexões, porém como se dedica, sobretudo, a afirmar um conceito — a existência da tipologia habitacional palacete — acaba por reduzir as possibilidades críticas da análise do fenômeno. 15
introdução
Procuramos, a partir de uma apropriação crítica dos autores que lidam com a materialidade arquitetônica da casa, analisar a produção habitacional da Rua Domingos de Moraes trabalhando com os indícios da realidade concreta fornecidos pela documentação. Mais do que encaixar as casas da Domingos de Moraes em modelos arquitetônicos residenciais, nosso esforço tem como objetivo tatear como a vida doméstica absorveu ou apresentou resistências quanto ao projeto de construção do habitat moderno, matizando conceitos como “casa operária” e “palacete”, indo ao encontro de outras pesquisas que buscam complexificar a domesticidade e urbanidade dos bairros de São Paulo no período estudado. Além disso, consideramos a casa — partindo de seus padrões de ordenação material — como lugar privilegiado para entender as relações e papéis de gênero produzidos e reproduzidos na esfera doméstica. Para tanto, o trabalho de Vânia Carneiro de Carvalho foi fundamental no sentido de fornecer as bases de entendimento do uso dos espaços e rotinas domésticas na perspectiva das relações de gênero, problematizando a dicotomia entre público e privado e a noção de casa apartada da esfera do trabalho. A estrutura do trabalho é fruto da conversa na mesa de discussão da disciplina TFG 2, na qual a professora Ana Castro sugeriu que a narrativa fosse construída a partir da moradia, e não como uma aproximação que partisse da cidade como um todo, passando pelo bairro e pela rua, até chegar às especificidades da casa. Assim, buscamos colocar em foco o papel da habitação como central para o desenvolvimento da cidade, do bairro e da rua, costurando as contribuições das fontes documentais, iconográficas e da bibliografia de maneira que os próprios limites entre casa e cidade fossem relativizados. Partimos do quadro geral da problemática da habitação urbana e suas contribuições para a feitura da cidade e do bairro, passando pela vida urbana da Rua Domingos de Moraes e seus moradores; por fim entramos nas casas, para lidar com a materialidade arquitetônica e agenciamento doméstico. Outra grande contribuição advinda da discussão na disciplina de TFG 2 foi quanto ao tratamento da iconografia levantada ao longo da pesquisa: Raquel,
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uma colega de FAU me apresentou ao livro “A Pirâmide dos Piques: São Paulo narrada pelo Largo da Memória” do arquiteto e designer Gustavo Piqueira. Utilizando diversas fontes visuais ― fotos, ilustrações, anúncios de jornal, cartões-postais etc. ― Piqueira faz colagens e intervenções, criando imagens que operam além do que meras ilustrações da narrativa histórica do livro: atuam como ferramentas na composição do trabalho. Desse modo, procuramos manipular as fotos na mesma lógica de trabalhar de maneira analítica ― própria do instrumental do campo da arquitetura ― intervindo nelas com a adição de cores, texturas e recortes de jornais, transformando-as em parte fundamental do processo de desenvolvimento e construção do trabalho. O estudo de caso tem como objetivo indicar possibilidades de leituras da urbanização da cidade de São Paulo, destacando o papel da moradia urbana na estruturação desse processo, sem intenção de esgotar as perspectivas analíticas de desenvolvimento da Vila Mariana e da Rua Domingos de Moraes, muito menos negligenciar a inserção do bairro no processo geral de ocupação da cidade.
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Capítulo 1 A casa na construção da cidade 18
Moradia como investimento A produção de habitações em São Paulo, no início do século XX, foi um negócio bastante lucrativo. Afinal, a cidade nesse período conheceu um significativo crescimento populacional, passando de 64.934 a 239.820 habitantes entre os anos de 1890 e 1900, para chegar a 579.033 habitantes em 19201, fato que provocou uma volumosa demanda por moradia. A cidade absorveu o enorme contingente de imigrantes italianos e de outras nacionalidades subvencionados pelo governo que vieram ao Brasil trabalhar em atividades da indústria cafeeira, e posteriormente abandonaram as lavouras de café e dirigiram-se para a cidade. Assimilou também imigrantes espontâneos, que tinham a cidade como seu destino.2 Rendendo altas taxas de lucro, o mercado imobiliário na capital paulista passou a ser um atraente meio de reprodução de capital em função do aumento da demanda acima mencionada, mas também de mudanças na política de terras e nos modos de trabalho a partir de meados do século XIX.3 Multiplicaram-se os que investiam na construção de casas para aluguel: industriais, fazendeiros, donos de pequenos comércios e oficinas, profissionais liberais, funcionários públicos.4 A moradia de aluguel, proporcionada pela construção de diferentes tipos de edifícios, foi um ótimo negócio tanto para grandes investidores quanto para famílias dos estratos médios, algumas que poderíamos até considerar pobres, mas que conseguiram construir uma ou mais casas ao longo da vida em 1 Eva Alterman Blay, Eu não tenho onde morar. Vilas operárias na cidade de São Paulo, São Paulo, Nobel, 1985, p. 10. 2 Ana Lucia Duarte Lanna, “Aquém e além-mar: imigrantes e cidades”, Varia história, Belo Horizonte, 2012, p. 874 e 880-881. 3 Conforme Raquel Rolnik aponta, durante a transição para o trabalho livre ao longo do século XIX, a terra progressivamente substituiu o escravo na composição da riqueza. A Lei de Terras de 1850, resultado desse processo, permitiu que a terra fosse hipotecada, servindo de garantia para a contratação de empréstimos bancários. Com isso a terra foi paulatinamente valorizada, representando a maior parte dos ativos, com o declínio da mão de obra escravizada. A partir do início do século XX, os bancos passaram a aceitar hipotecas de propriedades urbanas como garantia de empréstimos, o que motivou o investimento em imóveis urbanos. apud Joana Mello de Carvalho e Silva, O arquiteto e a produção da cidade: a experiência de Jacques Pilon em perspectiva (19301960), Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo), FAUUSP, São Paulo, 2010, p. 42. 4 Eva Alterman Blay, op. cit., p. 11. 19
capítulo 1
sistemas complexos de investimento e dívida. O desemprego e a predominância de trabalhos temporários espalhados pela cidade levavam a população mais pobre e também os remediados a morar de aluguel em casas ou quartos, cortiços e pensões, dividindo espaço com outras pessoas que não necessariamente da mesma família.5 Nesse cenário, a propriedade da casa tornou-se um bem fundamental para os segmentos médios, não apenas como moradia própria, mas também para viver de rendas alugando-a ou utilizando o imóvel para contrair empréstimos que possibilitaram o investimento em outros imóveis, para estabelecer um negócio próprio ou mais casas e negócios para aluguel, por exemplo. Investir na construção de moradias foi a estratégia muitas vezes escolhida, mesmo que isso implicasse a necessidade de endividamento, como aponta a historiadora Maria Luiza Ferreira de Oliveira em seu trabalho com inventários do final do século XIX.6 No período entre 1875 e 1900 a posse de bens imóveis abarcava setores sociais dos mais diversos, havendo, claro, diferenças no montante das posses e nos tipos e localização dos imóveis. Os inventários revelam que, embora aqueles que ao morrerem deixavam algum bem, por vezes também deixavam dívidas; isto é, a posse do imóvel não significava, obrigatoriamente, garantia de estabilidade ou prosperidade financeiras. Para os mais pobres, perder o imóvel era comum; as tentativas de ascensão social eram interrompidas ao depararem-se tanto com instabilidades gerais da conjuntura econômica brasileira, quanto com dificuldades de âmbito pessoal, como doença ou morte na família e impaciência do credor.7 Viver de rendas era uma condição ambicionada por grande parte dos setores médios atingidos pelas incertezas econômicas, e é possível que as famílias que não adotaram a estratégia de endividamento, com intenção de conseguir um imóvel, acabassem por desfrutar um melhor padrão de vida. Não obstante, além 5 Vânia Carneiro de Carvalho, Gênero e Artefato. O sistema doméstico na perspectiva da cultura material - São Paulo, 1870-1920, São Paulo, EDUSP/FAPESP, 2008, p. 305. 6 Maria Luiza Ferreira de Oliveira, “Em casas térreas com alcovas: formas de morar entre os setores médios em São Paulo, 1875 e 1900”, Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, 2001. 7 Ibid. p. 56. 20
a casa na construção da cidade
da possibilidade de rendimentos imobiliários, a posição de proprietário também carregava forte aspecto simbólico de distinção social.8 Outrossim, a casa se configura como um objeto central para a reprodução da força de trabalho, na medida em que, sob o capitalismo, a maior parte do trabalho de manutenção da vida e de reprodução das próximas gerações (reprodução social), necessário ao processo de reprodução societal, é executado no interior da unidade familiar9, ou seja, no espaço doméstico. Consequentemente, a demanda por moradias de aluguel era imensa, em uma cidade que recebia cada vez mais trabalhadores que não tinham outra opção, num primeiro momento, senão viver em habitações alugadas. Nesse contexto, então, a casa configura-se, segundo Susanna Magri, como uma mercadoria que entra especificamente na reprodução da força de trabalho.10 É justamente por esse papel fundamental da moradia na produção e reprodução do capital — tanto na produção da cidade quanto na reprodução da força de trabalho — que a habitação urbana será alvo de forte preocupação do estado e da burguesia. Porém, como veremos, essa demasiada atenção não será dirigida igualmente para todos os tipos de residências urbanas: as ações desse projeto higienista recaíram, principalmente, sobre a moradia dos mais pobres.
Casa como espaço sanitário A imagem da moradia urbana enquanto uma ameaça à saúde dos habitantes da cidade foi construída pelo saber médico ao longo do século XIX. Preocupados com a disseminação de epidemias nos centros urbanos, os sanitaristas, primeiramente apoiados na teoria miasmática e posteriormente 8 Ibid. p. 57. 9 Não pretendemos, aqui, discutir profundamente os aspectos da teoria unitária da reprodução social. Resumidamente, a reprodução societal diz respeito à reprodução de um sistema inteiro de relações sociais, e a reprodução social refere-se mais especificamente ao trabalho envolvido na manutenção da vida. Assim, a reprodução societal inclui a reprodução social. Cf. Cinzia Arruzza, “Funcionalista, determinista e reducionista: o feminismo da reprodução social e seus críticos”, Cadernos Cemarx, Campinas, 2017, p. 40-41. 10 apud Eva Alterman Blay, op. cit., p. 21. 21
capítulo 1
na microbiologia, apontaram quais seriam os perigos existentes na cidade, que causavam o adoecimento da população, entre eles, por exemplo: aglomerações, contato e represamento de fluidos, falta de ventilação e iluminação nos edifícios etc. De fato, a falta de sistemas de coleta e tratamento de esgotos e de distribuição de água colaborou para o espalhamento de doenças nas cidades, assim como a falta de higiene nas habitações, mas a verdade é que não se tratava de uma questão meramente técnica e de saúde física. O grande mal a ser combatido, no âmbito da higiene, era a casa dos trabalhadores pobres. Essa ideia foi construída por meio de um discurso pretensamente científico e racional, que tratou a cidade como um organismo, transpondo explicações do campo da biologia para o urbanismo. A miséria e a disseminação de doenças seriam anomalias desse organismo social ideal — a cidade — e não frutos do próprio processo de urbanização, que não é espontâneo e nem segue leis naturais. É fruto da ação humana, logo, carregado de interesses e disputas.11 A ideia de que a partir da habitação do pobre as doenças se alastrariam para toda a cidade, ameaçando a todos, fez parte de um projeto político pautado no progresso econômico da nação. A noção de higiene não se limitava a aspectos puramente físicos: o discurso médico associou a falta de higiene à imoralidade. A ausência de conforto e salubridade das moradias supostamente lançaria seus moradores para os “perigos” das ruas, para a convivência com vadios e sujeitos imorais ao não oferecer um ambiente doméstico acolhedor e tranquilo. A convivência muito próxima dos corpos de diferentes idades e sexos, fossem da mesma família ou não, em habitações coletivas levaria a comportamentos promíscuos. A ausência de cômodos específicos para cada função doméstica e a consequente mistura de atividades nos ambientes dos cortiços, assim como o compartilhamento, entre diversos núcleos familiares, de latrinas e de espaço para o preparo de alimentos eram condenados pelos sanitaristas por configurarem um espaço que 11 Philip Gunn e Telma de Barros Correia problematizam o uso de concepções biológicas para tratar dos fenômenos urbanos no artigo: “O Urbanismo, a Medicina e a Biologia nas palavras e imagens da cidade”, Pós, Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, São Paulo,2001. 22
a casa na construção da cidade
levaria à degradação da família. A ideia de que o meio formava os indivíduos era corrente no saber médico da época e, sendo assim, seria possível reprimir e corrigir comportamentos indesejáveis se a moradia fosse transformada em um ambiente regrado e higiênico. Em contraposição à moradia precária dos pobres — cortiços, pensões, casas de cômodos etc. — a casa higiênica, limpa, arejada e iluminada em todos os cômodos, construída de maneira econômica e com bons materiais e conectada aos sistemas de água e esgoto urbanos seria “suporte material para a construção de uma família proletária moralizada, saudável e produtiva”.12 A vida doméstica seria alterada por meio de uma organização do espaço da casa que preconizava a higiene, a separação dos corpos e dos usos em cômodos especializados, um espaço de bem-estar restrito ao núcleo familiar, estabilizando as relações e comportamentos e fixando os indivíduos no lar, longe dos perigos das ruas e da “comunicação excessiva”, lasciva e causadora de agitação política.13 A casa salubre e organizada, como um espaço modelar, foi associada à ideia de conforto, que seria capaz de modificar o comportamento e as relações familiares, criando um lar saudável, espaço de privacidade reservado ao núcleo familiar, “referência espacial fixa da família”,14 em oposição às ameaças que a cidade representava. O desconforto das habitações coletivas15 causaria, nesse discurso sanitarista, prejuízos econômicos de diferentes maneiras. A crença de que o contato com a sujeira, de modo geral, acarretaria em doenças norteou a higienização da moradia 12 Telma de Barros Correia, “Habitação proletária: representação e projetos”, Cadernos de estudos sociais, 1993, p. 165. 13 Idem, A construção do habitat moderno no Brasil - 1870-1950, São Carlos, RiMa, 2004. 14 Ibid. p. 31. 15 Para os engenheiros e médicos sanitaristas, habitação coletiva era, geralmente, sinônimo de insalubridade. Sidney Chalhoub comenta que “o elemento decisivo na identificação de uma habitação coletiva como um cortiço era mesmo o julgamento do observador”. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial, São Paulo, Companhia das Letras, 2018, p. 39. Dessa forma, a classificação de uma habitação coletiva como salubre ou não, dependia da observação de elementos subjetivos, explicitando o caráter ideológico da questão. A casa unifamiliar era idealmente a moradia mais saudável, na qual o convívio doméstico restringia-se ao núcleo familiar, sem aglomeração dos corpos, em oposição aos cortiços. Entretanto, como discutiremos mais adiante, na realidade, a casa (pretensamente) unifamiliar poderia conter arranjos familiares mais alargados. 23
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no sentido de evitar o adoecimento da população e mortes prematuras, pois isso resultaria em gastos com doentes, ausências no trabalho e na futura diminuição de trabalhadores disponíveis. Mas como vimos, a higiene não era uma questão puramente relacionada à saúde física: a concepção do lar confortável tinha como objetivo evitar comportamentos considerados perigosos e a desagregação da família. Dessa forma, o propósito da moradia como espaço sanitário e seu correspondente modo de vida era o de impedir quaisquer interferências no processo de reprodução societal. Com os trabalhadores disciplinados e longe de sujeitos “perigosos”,16 que poderiam causar agitação política, revoltas e reivindicações populares e com a manutenção da vida cotidiana sendo feita no ambiente doméstico, atualizaram-se as relações de exploração e dominação nesse momento de consolidação da mudança do trabalho escravo para o trabalho livre.
Esposa, mãe, trabalhadora e dona de casa profissional A construção do ideal da casa como um lar, física e moralmente saudável, lugar da intimidade familiar, não pode ser apartada da concepção de um determinado modelo de feminilidade e de relações intra familiares. A materialidade arquitetônica da casa higiênica não seria suficiente para disciplinar seus moradores, era necessário, também, normatizar os comportamentos na esfera doméstica. O papel da mulher na qualidade de esposa e mãe em uma família nuclear foi fundamentado pelo saber médico — assim como a relação entre sujeira e degradação moral — que evocava uma suposta vocação natural feminina para a procriação, para o cuidado com o marido e os filhos e para as demais tarefas necessárias à manutenção do lar. O discurso médico-sanitarista procurava persuadir as mulheres, utilizando argumentos “científicos”, de sua tarefa inata e sagrada de mãe e esposa devotada.17 16 A noção de sujeitos perigosos tinha base na ideia de que os pobres eram maus trabalhadores e sendo a aversão ao trabalho e a ociosidade os piores dos vícios humanos, o pobre então carregava vícios, que produziam os malfeitores, estes últimos perigosos à sociedade. Em suma, os pobres seriam, por definição, perigosos. Cf. Sidney Chalhoub, op. cit., p. 22. 17 Margareth Rago discute a concepção desse modelo de feminilidade baseado no ideal da 24
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Diferentemente da mulher na família burguesa, que tomava parte numa função de representação social da posição privilegiada da família e dos negócios do marido e de gerenciamento do funcionamento da casa18, a mulher da classe trabalhadora, de maneira geral, além de responsável pelos afazeres domésticos também exercia algum tipo de atividade remunerada. Tanto entre as famílias dos setores médios quanto nas famílias operárias, as mulheres também trabalhavam fora do lar, ou para fora do lar, a fim de complementar os rendimentos familiares. O emprego fora de casa era visto como uma ameaça ao papel de esposa/dona de casa/mãe de família, por isso considerado uma necessidade deplorável, embora muitas vezes inevitável. Em vista disso, estava também em questão o tipo de trabalho que seria adequado e aceitável para as mulheres.19 Logo, o campo de atuação da mulher no trabalho assalariado circunscreveu-se às atividades de cuidado, educação, indústria têxtil etc. que de alguma maneira aproximam-se das funções exercidas no âmbito da reprodução social. A verdade é que as mulheres não pertencentes às famílias ricas, muitas vezes, precisavam trabalhar fora de casa, fosse por causa dos baixos salários de seus maridos, fosse para conseguir manter um certo estilo de vida na cidade. De qualquer modo, seu papel como dona de casa continuou a existir, a responsabilidade por cuidar do lar e de sua família segundo os pressupostos higiênicos era sua, e mesmo que necessário à sobrevivência, o trabalho assalariado era visto com maus olhos por desviar a mulher de suas obrigações naturais dentro dos limites do lar e da família. Sua tarefa principal mulher como esposa-dona de casa-mãe-de-família no capítulo A Colonização da Mulher, em seu livro Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar e a resistência anarquista, São Paulo, Paz e Terra, 2014, p. 86-129. 18 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 157. Sobre esse papel de representação social, a autora aponta que no ambiente da sala de visitas a mulher exercia “sua função de ornamento, brilhando nas recepções sociais, nos chás, jantares e almoços”. As habilidades manuais, musicais, de conversação etc. da mulher culta eram exibidas para entretenimento dos convidados e como demonstração simbólica e material da posição social elevada da família. 19 Barbara Weinstein, “As mulheres trabalhadoras em São Paulo: de operárias não-qualificadas a esposas profissionais”, Cadernos Pagu, Campinas, 1995, p. 146. No artigo, Weinstein trata da formação profissional das mulheres, tanto para realizar trabalhos fora de casa quanto dentro dela, entendendo o processo de construção da identidade da “mulher trabalhadora”, que apesar de estar intrinsecamente em conjunção com o papel de dona de casa, muitas vezes estes foram colocados como opostos. 25
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deveria ser sempre a de “guardiã do lar”, zelando pela saúde moral e física da família, mantendo-a unida e regrada, em um ambiente doméstico higiênico e organizado; portanto, considerado adequado ou não, “o seu trabalho assalariado é vivido como subordinado e complementar; seu vínculo principal é com a família”.20 Assim como a casa higiênica, o trabalho da mulher no domínio da reprodução social, exercido dentro dessa casa, foi fundamental para a conformação do ambiente doméstico como espaço fixo da família nuclear de acordo com os princípios sanitaristas, que tinham como intuito, conforme já discutimos, disciplinar os trabalhadores para uma conduta alinhada aos objetivos do progresso econômico nacional. A casa e seus consequentes modos de morar seriam capazes de moldar o caráter da força de trabalho, assim como suas gerações futuras, “daí, a enorme responsabilidade moral atribuída à mulher para o engrandecimento da nação”.21
A normatização da casa e da cidade Com o objetivo de garantir a aplicação das prescrições higienistas na materialidade da casa e do espaço urbano, a municipalidade paulistana regulamentou a forma geral da construção de edifícios e da cidade, além de ter estabelecido condutas permitidas e proibidas no espaço público, por meio de legislação específica. Os códigos, padrões municipais e leis incidiam sobre todas as escalas do espaço urbano: sanear a casa significava sanear, também, a cidade. Nesse sentido, “cidade e habitação eram fatores indissociáveis no sistema de higiene urbana — a necessidade de limpeza e organização eram questões prementes em todas as escalas do espaço”.22 20 Maria Valéria Junho Pena, “A mulher na força de trabalho”, Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, Rio de Janeiro, 1980, p. 209. 21 Margareth Rago, op. cit., p. 110. 22 Clarissa de Almeida Paulillo, Corpo, casa e cidade: três escalas da higiene na consolidação do banheiro nas moradias paulistanas (1893-1929), Dissertação (Mestrado), FAUUSP, 2017, p. 27. 28
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Questões como largura mínima, alinhamento e nivelamento, limpeza e uso das ruas estão postas no Código de Posturas Municipal de 1886, que estipulava as obrigações dos proprietários sobre seus terrenos e regras de comportamento dos moradores em espaços públicos. Era responsabilidade do proprietário, por exemplo: solicitar à municipalidade o alinhamento e nivelamento das vias para ter a permissão de edificar em seus terrenos e abrir novas ruas, construir passeios na frente das edificações e terrenos seguindo o nivelamento da rua, fechar com muros de no mínimo 2 metros de altura terrenos vazios. A limpeza e desobstrução das ruas eram responsabilidades dos moradores da capital paulista, que deveriam manter limpas, até a sarjeta, as testadas de suas casas; eram proibidos de jogar lixo e quaisquer outras imundícies nas ruas, além de não poderem deixar objetos e animais nas calçadas. Tal código, por meio do Padrão Municipal, também regulava diretamente a arquitetura das casas: foram proibidos postigos, janelas e portas com abertura para fora no pavimento térreo das edificações, bem como rótulas e sacadas de madeira. Foram estipuladas medidas para alturas dos edifícios e dimensões de janelas, além de afastamento dos soalhos, em pelo menos 50 centímetros, do solo, para evitar contato do piso da casa com a umidade. Essas eram as prescrições para habitações num geral, entretanto havia um item específico com normas a serem aplicadas para cortiços, casas operárias e cubículos, o que evidencia, novamente, que o problema da higiene das moradias era uma questão de classe. Segundo o padrão, tais tipos de moradia eram proibidas no perímetro do comércio e só poderiam ser construídas mediante licença, seguindo além das regras já colocadas para habitações no geral, algumas outras, quais sejam: pé direito mínimo de 4 metros no primeiro pavimento e 3,5 metros no segundo, dimensões mínimas de portas e janelas que deveriam possuir caixilhos envidraçados, todos os cômodos deveriam ter aberturas para o exterior etc. Além disso, deveriam passar pela vistoria de um fiscal, que informaria à Câmara se elas estavam dentro dos padrões, antes de poderem ser de fato utilizadas. Princípios semelhantes de regulação da casa e da cidade estavam presentes no Código Sanitário estadual de 1894. Sobre as habitações num 29
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todo, o código dispunha que elas deveriam ser construídas apenas em solo saneado e livre de umidade assim como orientava sobre a utilização de materiais de construção sólidos, resistentes e refratários à umidade; similarmente ao Código de Posturas, havia itens específicos para as habitações coletivas e para a “habitação das classes pobres”. Quanto a esses tipos de moradias, o código estabelecia que vilas operárias deveriam estar sempre fora da aglomeração urbana; cortiços eram terminantemente proibidos em qualquer parte da cidade e os existentes deveriam desaparecer por ação das municipalidades. Todas as normas habitacionais supracitadas se aplicavam para habitações das classes pobres, as adições diziam respeito à necessidade de ventilação e iluminação em todos os cômodos e à lotação máxima das habitações. Com isso, o Código Sanitário definia quais habitações eram consideradas insalubres e prescrevia as qualidades da moradia higiênica, com especial atenção para a moradia dos pobres. As regulações habitacionais na cidade tendiam também na demarcação do perímetro urbano, que circunscrevia a abrangência da arrecadação do imposto predial, utilizado para promover melhorias urbanas. Consequentemente, essa demarcação acabava por definir o alcance das infraestruturas, que seriam implantadas apenas onde houvesse o recolhimento de impostos. Justamente por isso, o Código Sanitário apresentava algumas situações que seriam toleradas, como a presença de fossas em habitações e iluminação pública a gás, de modo que, mesmo não sendo soluções ideais do ponto de vista dos sanitaristas, era necessário lidar com a realidade das áreas que não geravam receita para que fossem feitas melhorias, por estarem fora do perímetro de arrecadação de impostos.23 O perímetro urbano estabelecido pela Lei Municipal nº 64 de 1893 abrangia apenas a área central mais adensada de São Paulo, deixando de fora os arrabaldes, localizações em contínua expansão naquele momento24 e que justamente por não haver cobrança de impostos, [...] tendiam a concentrar os segmentos mais pobres da população. Essa tendência era estimulada pelos 23 Ibid., p. 57. 24 Ibid., p. 58 e Lei Municipal nº 64, de 16 de outubro de 1893. Approva a tabella de impostos municipaes. São Paulo, 1893. 30
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próprios poderes públicos que restringiam a existência de vilas operárias e outras modalidades de habitação coletiva (como os cortiços) às áreas situadas fora da delimitação urbana da cidade.25
Além da tolerância às soluções supracitadas, o poder público utilizava como recurso, para lidar com o problema das localidades não prioritárias no atendimento dos serviços públicos da cidade, a expansão dos limites do perímetro urbano ou o estabelecimento de imposto predial em áreas que necessitavam do prolongamento da infraestrutura. Ainda assim, isso não garantia a implantação dos serviços, de sorte que, segundo Paulillo, apenas em 1914 a questão das áreas densamente ocupadas e fora do perímetro urbano foi regularizada legalmente. A Lei Municipal nº 1788 definiu o perímetro suburbano, o qual deveria ser dotado de melhoramentos à medida que as construções fossem se desenvolvendo.26 Os códigos e as leis aqui referidos oferecem uma síntese das preocupações higienistas com relação à cidade e à moradia urbana, legislando a respeito de sua localização e materialidade, com o objetivo de dar forma ao modo de vida no lar familiar e saudável e de estabelecer legalmente a casa como espaço sanitário na lógica de organização da cidade. De que maneira a legislação diretamente condicionou a organização espacial da casa, as soluções arquitetônicas e o uso de determinados materiais de construção, trataremos mais adiante neste trabalho. O estado, ao garantir a posse da propriedade privada, forneceu as bases para um processo de urbanização no qual a questão da moradia esteve no domínio da ordem privada.27 Portanto, na correlação de forças, não houve antagonismo entre estado e investidores, pelo contrário, há cooperação e salvaguarda de interesses mútuos já que nem mesmo havia representação popular autêntica na câmara municipal. Os vereadores eleitos eram membros ou representantes da burguesia e dos proprietários de terras e imóveis
25 Clarissa de Almeida Paulillo, op. cit., p. 57. 26 Lei Municipal nº 1788, de 28 de maio de 1914. Divide em três perímetros o município de São Paulo. São Paulo, 1914. 27 Eva Alterman Blay, op. cit., p. 136. 31
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urbanos.28 Assim, o poder público teve participação ativa na construção da segregação sócio espacial.
Para além do palacete e da vila operária Até aqui, relatou-se como um amplo aparato ideológico foi articulado por meio de um discurso técnico e científico, pretensamente neutro, com o objetivo de moralizar a higiene em prol de um projeto de cidade que conduzisse o país à “civilização”.29 Nessa conjuntura do final do século XIX e início do século XX, as habitações urbanas de grandes capitais brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro por exemplo, foram alvo dos sanitaristas em diferentes termos; as casas urbanas mais abastadas assimilaram a presença das redes de água e esgotos, de iluminação (primeiro a gás, depois elétrica) e dos demais serviços urbanos presentes em determinados locais da cidade. Em alguma medida, elas foram normatizadas pelos códigos, que apresentavam regras gerais quanto à sua materialidade; porém, como observamos, para o poder público as residências de famílias mais ricas não eram um obstáculo para a consolidação do lar salubre. Os palacetes30 apresentavam o máximo conforto e higiene disponíveis à época, já que além de localizarem-se em áreas servidas de infraestrutura, 28 Ibid., p. 109. 29 Chalhoub ressalta que os pressupostos da Higiene foram configurados “como uma ideologia: ou seja, como um conjunto de princípios que, estando destinados a conduzir o país ao “verdadeiro”, a “civilização”, implicam a despolitização da realidade histórica, a legitimação apriorística das decisões quanto às políticas públicas a serem aplicadas no meio urbano [...] e somente a submissão da política a técnica poderia colocar o Brasil no “caminho da civilização”. Sidney Chalhoub, op. cit., p. 35. 30 Utilizaremos, de maneira crítica, o conceito de palacete elaborado por Maria Cecília Naclério Homem, que o define como um “tipo de casa unifamiliar, de um ou mais andares, com porão, ostentando apuro estilístico, afastada das divisas do lote, de preferência nos quatro lados, situada em meio a jardins, possuindo área de de serviços e edículas nos fundos”. O palacete paulistano e outras formas urbanas de morar da elite cafeeira: 1857-1918, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 14; entendendo que o palacete, enquanto uma tipologia de moradia das famílias burguesas paulistanas da época, pode ser posto em questão, pois tais residências abastadas poderiam apresentar formas diversas de configuração espacial, não se enquadrando necessariamente na definição da autora. Ver Pedro Beresin Schelder Ferreira, Modos de morar na São Paulo Moderna (18771916). Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Escola da Cidade, São Paulo, 2013. 32
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seus proprietários possuíam recursos para construir e morar de acordo com o ideal higienista. No caso das habitações das classes pobres, as autoridades governamentais interferiam de maneira direta, constantemente lidando com o descompasso, gerado por ação do próprio poder público, entre legislação e realidade concreta. A normatização dessas moradias, como já mencionado, visava transformálas em lares familiares, saudáveis e confortáveis; entretanto, o conforto nesse caso estava não só diretamente associado à higiene e organização doméstica enquanto mecanismos disciplinares, mas também relativizado conforme a disponibilidade de recursos financeiros; as casas higiênicas para os pobres deveriam ser salubres e confortáveis, contudo sempre econômicas em sua construção. Sob esse aspecto, a casa operária foi a solução que equalizou tais necessidades: uma moradia higiênica e barata para abrigar e fixar a família proletária na intimidade do lar. As leis nº 498 de 190031 e nº 1098 de 190832 definem normas e prerrogativas, respectivamente, para a construção de casas para habitação operária: na primeira estabeleciam-se a quantidade e áreas mínimas dos compartimentos, recuo do alinhamento da rua e outras questões relativas à materialidade arquitetônica; a segunda favorecia a construção de casas operárias facilitando a obtenção de recursos financeiros e cedendo terrenos da municipalidade à sociedades de construção, estimulando a edificação deste tipo de habitação em maior número, além de apresentar normas acerca da relação inquilino-proprietário; em ambas estabeleceu-se a isenção de impostos municipais — predial, de aprovação e alvará, construção e reconstrução, alinhamento, taxa sanitária, entre outros. Segundo a lei de 1908, as casas operárias eram destinadas à venda em prestações ou aluguel a quem não era proprietário ou não tinha recursos para alugar uma [casa] “hygienica”. Desse modo, através dos incentivos fiscais e concessão de terrenos, a municipalidade impulsionou a construção dessas casas, muitas vezes de maneira seriada, configurando “vilas” e 31 Lei Municipal nº 498, de 14 de dezembro de 1900. Estabelece prescrições para construção de casas de habitação operária. São Paulo, 1900. 32 Lei Municipal nº 1098, de 09 de julho de 1908. Concede favores para a construção de casas operárias. São Paulo, 1908. 33
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No interior desse processo de produção de vilas, diferencia-se um outro processo especificamente destinado à produção de vilas operárias. A diferença essencial que distingue as vilas operárias reside no fato de que elas são propriedade das próprias indústrias empregadoras e se destinam basicamente ao uso da força de trabalho ligada à empresa. Originalmente estas vilas são construídas pelas próprias indústrias ou são compradas já prontas.33
Nesse sentido, as vilas operárias operam de maneira a reduzir o custo da reprodução da força de trabalho e como um mecanismo de maior controle do comportamento e da vida cotidiana dos trabalhadores: ao vincular diretamente o emprego à moradia, muitas vezes descontando o aluguel do salário, a possibilidade de reivindicações e greves foi extremamente reduzida, já que eventuais retaliações por parte dos empregadores acarretariam não só na perda do emprego; a moradia, fundamental para a manutenção da vida, também estava em jogo. Além disso, a vila operária possuía uma forma de organização espacial que tinha por objetivo afastar os trabalhadores “de tudo o que os possa desviar de uma vida regrada e voltada ao trabalho”;34 localizadas fora do perímetro urbano, por determinação da legislação, elas constituíam núcleos que dispunham de todos os equipamentos necessários para uma vida cotidiana regrada e longe dos perigos à moralidade higienista. Isto significa que a vila operária equalizou a necessidade de disciplinarização da força de trabalho com o aumento da geração de lucro, visto que o industrial era empregador e locador, exercendo um duplo mecanismo de dominação sobre o operário-inquilino.35 A vila operária era composta por casas de habitação operária; contudo, nem todo agrupamento de casas operárias configurava uma vila propriamente dita. Conforme tratamos na seção “Moradia como investimento” deste trabalho, a promoção de habitação para aluguel foi um ótimo negócio não apenas para indústrias e empresas de construção, mas também para 33 Eva Alterman Blay, op. cit., p. 11. 34 Telma de Barros Correia, “Os núcleos fabris: a prevenção à cidade e a moralização do trabalhador”, Cadernos de estudos sociais, 1994, p. 217. 35 Eva Alterman Blay, op. cit., p. 15. 34
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investidores dos estratos médios. O capital aplicado em pequena escala por estes investidores foi responsável por construir parte significativa da capital paulista, ao edificarem moradias em conjuntos de duas ou mais casas, dando origem às denominadas casas em série. De acordo com Luciana Gennari,36 as casas em série são aquelas projetadas e construídas em número maior que um, empreendidas por um mesmo proprietário, podendo ou não ter plantas idênticas. O que diferencia essas casas de um conjunto de cubículos — tipo de organização espacial de cortiços — é o fato destas serem unidades habitacionais completas e autônomas, sem o compartilhamento de equipamentos hidráulicos. Não necessariamente as casas em série eram sempre do tipo “casa operária”, elas poderiam apresentar outros programas, configurações espaciais e formas arquitetônicas, sendo destinadas a públicos variados. Isso, aliado ao fato de que era possível construir apenas duas casas ou várias quadras, fez com que esse investimento fosse possível para diversos montantes de capital, abrangendo múltiplos perfis sociais de investidores dos setores médios.37 Assim, pouco a pouco, trechos da cidade foram sendo construídos com recursos heterogêneos de promotores de moradias “anônimos”.
36 Luciana Alem Gennari, A construção de casas em série no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, como um modo de produção do espaço urbano. Monografia (Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano), UFRJ, 2006. Neste trabalho, Gennari trata da produção de casas em série no bairro de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro, utilizando a mesma metodologia aplicada em sua dissertação de mestrado sobre o processo de formação dos bairros do Brás e da Mooca, São Paulo, ambos constituídos, em parte, por casas em série. Cf. Idem, As casas em série do Brás e da Mooca: um aspecto da constituição da cidade de São Paulo, Dissertação (Mestrado), FAUUSP, 2005. 37 Nos setores médios podemos encontrar diversas ocupações profissionais, como: funcionários públicos, profissionais liberais, comerciantes, operários qualificados, trabalhadores dos setores de transporte e energia, militares e policiais, por exemplo. Luciana A. Gennari, op. cit., p. 14. 35
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A casa e a conformação de um bairro misto Considerar a promoção de habitação feita por esses investidores particulares como parte significativa do processo de urbanização de São Paulo abre espaço para se complexificar a ideia de homogeneidade em determinadas partes da cidade. De fato, em alguns bairros predominou a existência de casas da alta burguesia e em outros a de habitações operárias; além de nos primeiros não haver, comumente, a presença de usos industriais,38 essa separação ocorreu, em parte, por medidas legais do poder público, já mencionadas anteriormente. Entretanto, a urbanização paulistana não seguiu, necessariamente, uma lógica de predominância ou concentração de certas camadas e tipos sociais no território, nem mesmo concentrou nas “áreas altas tidas como saudáveis e mais caras” os diversos segmentos da burguesia, enquanto nas “zonas de várzea, inundáveis e insalubres” estabeleceram-se os bairros operários.39 A Vila Mariana é o caso de um bairro, localizado majoritariamente em uma zona alta da cidade, no qual tanto promotores de habitação quanto os moradores
(por vezes
as mesmas pessoas) possuíam diversas condições
econômicas e ocupações. O bairro foi se construindo através da promoção de moradias por particulares que edificaram casas de tamanhos, implantação e programas distintos. O modelo das casas em série foi frequentemente adotado; na Rua Domingos de Moraes, encontramos alguns exemplares desse tipo de empreendimento em diferentes escalas: as nove casas de três cômodos (e latrina nos fundos) empreendidas por Francisco Pamplona entre 1913 e 191440, cinco casas de quatro cômodos (e banheiro junto à casa) realizadas por Julius 38 Eva Alterman Blay, op. cit., p. 51. 39 Ibid., p. 51. Apesar de indicar que poderiam haver casas da pequena ou mesmo alta burguesia em bairros operários, e que em bairros mais caros era possível, eventualmente, encontrar residências operárias, Eva Blay ainda assim trabalha com uma certa dicotomia entre “tipos” de bairros, sem indicar que poderia existir, dentro do processo de urbanização da cidade, a conformação de localidades mais complexas e heterogêneas para além dos “bairros operários” ou “bairros da alta burguesia”. Os trabalhos de Ana Lanna, Clara de Carvalho, Philippe Arthur dos Reis e Monique Borin foram fundamentais para pensar a cidade além das noções de homogeneidade cristalizadas no ideário de parte da historiografia sobre São Paulo.’ 40 AHM-SP OP 1913 001.916 e 1914 001.645. 38
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Hartmann em 190941, as catorze casas de seis cômodos (e banheiro interno) com jardim na frente empreendidas por Gustavo Fignea em 191042, além de diversas outras construídas em pares. Desse modo, encontramos uma parte da cidade que foi urbanizada de maneira a conformar um bairro misto, tanto no que se refere aos usos do solo, quanto sobre a presença de diferentes tipos de moradia. Na Vila Mariana, assim como no Bexiga, 43por exemplo, encontramos múltiplas formas de morar, havendo a coexistência de diversos arranjos familiares e estratos sociais habitando as casas do bairro. A análise dos imóveis da Rua Domingos de Moraes, por meio da série de obras particulares, revela que a rua abrigava uma variedade de casas destinadas à população dos mais diversos setores médios urbanos, concentrando grande parte das moradias populares para esses setores no bairro. Muitos dos promotores de habitação da região seguiram o padrão conhecido na cidade de investimento em imóveis por vizinhança: construíam casas de aluguel próximas à sua moradia própria, frequentemente até mesmo na mesma rua.44 O italiano Bortolo Calgaro, chegou ao porto de Santos em abril de 1897, na ocasião com 19 anos, acompanhado de sua família — pai, mãe e duas irmãs — oriundos do Vêneto, norte da Itália. Estabelecido em São Paulo, Bortolo construiu sua casa de quatro cômodos na Rua Dona Júlia — travessa da Domingos de Moraes — em 41 AHM-SP OP 1909 000.919. 42 AHM-SP OP 1910 000.898. 43 Analisando a série de obras particulares do AHM e Inventários do Judiciário, o trabalho de Ana Lanna sobre a construção do Bexiga, bairro central de São Paulo marcado pela presença de imigrantes italianos, revela um bairro em que variados estratos sociais e modos de morar coexistiam no território. Com isso a autora também problematiza a noção de habitação coletiva como sinônimo de pobreza, dado que havia diversas casas, algumas de padrão alto, que abrigavam mais de um núcleo familiar. Ana Lucia Duarte Lanna, O Bexiga e os italianos em São Paulo, 1890/1920, em: São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo, Alameda, 2011. 44 Encontramos esse padrão de investimento descrito no trabalho de Ana Lanna, supracitado, acerca do bairro do Bexiga, e também em seu texto sobre a Rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros. Ana L. D. Lanna, Teodoro Sampaio, conectando a cidade (Não publicado), p. 18. No caso da Rua Domingos de Moraes, além de encontrarmos, na série de obras particulares, imóveis pertencentes aos mesmos promotores de moradias, esse padrão de investimento é abordado na dissertação de mestrado de Clara de Carvalho sobre o bairro da Vila Mariana. Clara Cristina Valentin Anaya de Carvalho, Os setores médios e a urbanização de São Paulo: Vila Mariana, 1890-1914, Dissertação (Mestrado em História), UNIFESP, Guarulhos, 2016. 39
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1906; no ano seguinte construiu outra casa, de três cômodos, na Rua Domingos de Moraes, sem número. Alguns anos mais tarde, em 1911, estabeleceu negócio, na mesma rua, esquina com a Rua Santa Cruz: um armazém combinado com moradia de três cômodos. Em 1912 abriu outro negócio: um açougue na mesma rua de sua residência; por fim, em 1913, construiu duas casas de três cômodos na Rua Domingos de Morais, nº 293.45 Percebe-se que Bortolo primeiro estabeleceu sua residência para posteriormente construir imóveis para aluguel, tanto somente moradia, quanto moradia conjugada com negócio; isso pode indicar que, ao longo dos anos, o italiano foi angariando fundos para a construção desses imóveis, até mesmo por meio de empréstimos, prática que acontecia entre os setores médios, como já comentamos previamente. Interessante também notar que seus descendentes mantiveram a presença na Rua Domingos de Moraes, como podemos observar na lista de Imposto Predial e Taxa de Esgotos de 1927, publicada no Correio Paulistano, nos números 251 e 255 da rua constam os nomes de Margarida Calgaro e Pedro Calgaro Netto.46 O material mobilizado a fim de entender a vida urbana e doméstica dos moradores da Rua Domingos de Moraes nos revela uma rua na qual existia uma ampla diversidade de atividades econômicas. Nos jornais as notícias de fatos cotidianos, reclamações e pedidos de melhoramentos pela população, anúncios de aluguel e venda de imóveis e serviços desvelam os múltiplos modos de usar e viver a cidade que se articulavam à volta da rua. A Domingos desenvolveu-se como um importante eixo para a Vila Mariana, conectando o arrabalde ao sul da Sé — que com o passar do tempo consolidou-se como bairro — com a urbanidade referente às áreas que atualmente chamamos de “centro”, mas que no início do século XX eram simplesmente denominadas de “cidade”.
45 Informações sobre os imóveis de Bortolo Calgaro na Rua Domingos de Moraes encontrados em: AHM-SP OP 1907 000.534, OP 1911 001.303 e OP 1913 001.917. Demais dados em Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 170. 46 Correio Paulistano, edição 22944 de 1927. Sabemos que Pedro Calgaro Netto é filho de Bortolo Calgaro pois este é mencionado no Correio Paulistano, edição 00156 de 1932, por ocasião de seu casamento. 40
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Rua Domingos de Moraes47: articulando urbanidades Antes de ser efetivamente uma rua, a Domingos de Moraes era conhecida, por volta de 1770 e 1800, como “Caminho do Carro” para Santo Amaro. O caminho ia do Largo da Pólvora, passando pelas ruas da Liberdade, Vergueiro e do Paraíso, percorrendo a Domingos de Moraes e por fim seguia ao sul em direção à Santo Amaro. Outra importante trilha de tropeiros e carros naquele momento era a “Estrada do Mar”, que levava ao litoral e era derivada da “Estrada de Carros” para Santo Amaro.48 Posteriormente, os trilhos da Estrada Carris de Ferro São Paulo a Santo Amaro foram assentados no mesmo trajeto do Caminho do Carro, com bondes passando pela Liberdade, Vila Mariana e chegando a Santo Amaro. Conforme Clara de Carvalho nos informa, a linha férrea foi um negócio promovido conjuntamente com a construção do novo Matadouro Municipal, pelo engenheiro alemão Alberto Kuhlmann, sócio da Companhia Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro, responsável pelos bondes. Foi Kuhlmann quem apresentou proposta à Câmara para construção de um novo matadouro, e após ter vencido concurso para a planta do equipamento, quando foram reabertas as discussões sobre a localização, em 1884, defendeu sua instalação na Vila Mariana, ressaltando a facilidade no transporte da carne verde, dada a proximidade com a estrada de ferro da companhia da qual era sócio. Tanto a decisão sobre a localização do Matadouro, quanto a autorização para a Carris de Ferro realizar o desvio do ramal de bonde para atender o equipamento de 47 A grafia atual da rua é Domingos de Morais, porém optamos por utilizar a grafia antiga por se tratar de um nome próprio e por esta ser a grafia corrente nos documentos de época. A rua foi oficialmente nomeada, em 1896, em homenagem a Domingos de Corrêa Moraes, natural da cidade de Tietê, engenheiro civil, trabalhou na Companhia Cantareira de Esgotos, foi diretor da Companhia de bondes de São Paulo e da Cia Paulista de Vias Férreas. Desenvolveu carreira política no Partido Republicano sendo eleito vereador à Câmara de São Paulo e posteriormente deputado federal, senador estadual em 1897 e vice-presidente do Estado. Rua Domingos de Morais, Saúde, Dicionário de ruas: história das ruas da cidade de São Paulo, Disponível em: <https://dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/logradouro/rua-domingos-de-morais>. Acesso em: 20 abr. 2021. 48 Pedro Domingos Masarolo, O Bairro de Vila Mariana, São Paulo, Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo, 1971, p. 14-15. 43
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abate foram definidas pela Câmara no mesmo dia de 1885. No mesmo ano foi inaugurado o trecho da linha de bondes entre a estação de São Joaquim e de Vila Mariana e no ano seguinte o trecho até a Freguesia de Santo Amaro entrou em funcionamento; ambos passando pelo caminho que viria a ser a Rua Domingos de Moraes. O Matadouro Municipal foi inaugurado logo depois, em 1887.49 Naquele momento a Vila Mariana era um arrabalde relativamente distante do limite urbano, de maneira que a existência do Matadouro nesta localidade estava de acordo com as prescrições higienistas do Código Sanitário, que tinha por objetivo afastar da aglomeração urbana usos indesejáveis, atrelados à sujeira e insalubridade. Fato é que os interesses particulares de Kuhlmann foram decisivos para a instalação do equipamento público e das linhas de bonde no bairro visto que O binômio Matadouro e Estrada de Ferro era um empreendimento vantajoso, pois além da concessão de exploração do equipamento municipal de abate, o transporte das carnes também renderia lucro, curiosamente, como vimos, para os mesmos cofres.50
De modo a evitar a proximidade de matadouros com áreas residenciais adensadas, a legislação estadual prescrevia também que estes deveriam ficar em direção oposta à tendência de expansão dos povoados. Porém, o que ocorreu na Vila Mariana, com a instalação desse equipamento associado à linha férrea, foi um estímulo ao adensamento do arrabalde, tanto pelo dispositivo público de abate que atraiu trabalhadores, tripeiros e curtumes para a região, quanto pela presença de transporte coletivo. Por conseguinte, quase três décadas após o início das atividades do Matadouro, encontramos queixas quanto à falta de higiene do lugar; o que chama a atenção é a relação de incompatibilidade entre as atividades do equipamento e um bairro “importante e populoso” estabelecida na notícia, além de indicar que não se tratava de um problema 49 Clara C. V. A. de Carvalho, op. cit., p. 58-59. 50 Ibid., p. 59. 46
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novo, pois segundo o jornal, o Matadouro “já deveria ter sido removido há muito tempo [da Vila Mariana]”.51 A ferrovia como nova orientação da mobilidade urbana alterou radicalmente não só o transporte da carne verde na cidade, como também configurou uma forma diversa de constituição social do espaço urbano, na qual outros caminhos e eixos de expansão surgiram52 diminuindo as distâncias entre a cidade e os arrabaldes ao colaborar com a circulação de pessoas e mercadorias. A Rua Domingos de Moraes, com os trilhos da Carris de Ferro — vendida em 1900 para a Light & Power Co., que alguns anos depois começou a utilizar bondes elétricos na linha Liberdade-Vila Mariana53 — teve seu papel histórico de conexão entre a cidade e o arrabalde impulsionado, transformando-a em um eixo que atraiu investimentos de diversas naturezas: redes de infraestrutura, comércio, serviços públicos, instituições de ensino, espaços de lazer e moradias.54 Muito embora calçamento regular e redes de energia, água, esgotos e gás estivessem presentes na Domingos, tal infraestrutura não abarcava todas as ruas do bairro. Em consulta às Atas da Câmara, verificamos que em 1899 a municipalidade autoriza obras para a macadamização da rua e nos anos seguintes os vereadores solicitam melhoramentos como: instalação de iluminação pública, rede de esgotos, arborização, reparos no calçamento, construção de bueiros e remoção do “casebre indecoroso” que servia de estação de bondes da Saúde.55 Tais solicitações nos permitem entrever conflitos e desigualdades no processo de urbanização do bairro; em 1911 o vereador Armando Prado indica a necessidade 51 A Gazeta, edição 02411 de 1914. 52 Ana Lúcia Duarte Lanna, “Comprar, vender, comer: o consumo da carne e os circuitos mercantis e sociais em São Paulo; 1852-1927”, URBANA: Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos sobre a Cidade, Campinas, 2015, p. 119. 53 Clara C. V. A. de Carvalho, op. cit., p. 65. 54 Ibid., p. 80 e 93. Segundo tabelas elaboradas pela autora, a Domingos era a rua do bairro com o maior número de construções no período entre 1886 e 1915, além disso concentrava a maior parte dos edifícios comerciais, de lazer, educação, serviços públicos e moradias, com forte presença de uso misto (moradia conjugada a alguma forma de atividade econômica). A presença de uso fabril também é considerável. 55 Atas da Câmara Municipal de São Paulo, 01/12/1899, 09/03/1907, 27/08/1910, 03/12/1910, 03/03/1911, 01/09/1911, 09/09/1911 e 24/11/1911. 52
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de calçar a paralelepípedos a Domingos em toda sua extensão, e nos anos seguintes há diversas outras indicações de mesma natureza ressaltando o “estado lastimável” em que a via se encontrava. Somente em finais de 1913 foi realizado o novo calçamento, em parte da extensão da rua, que veio a receber críticas, logo no início de 1914, dado seu “péssimo estado”.56 Tais melhoramentos no calçamento da Domingos de Moraes — primeiro macadam e posteriormente paralelepípedos — não aconteceram nas ruas adjacentes: em 1915 houve indicações para assentar o macadam retirado da Domingos — que por sua vez achava-se amontoado no largo em frente ao Instituto Dona Ana Rosa — em suas travessas, pois com as chuvas, nestas ruas acumulava-se terra, entupindo bocas de lobo e passeios.57 Falas de vereadores na Sessão Ordinária nº 30 em 1915 revelam que nem mesmo a Rua Vergueiro, caminho até a estrada para o litoral, possuía calçamento de paralelepípedos, o que gerava trânsito elevado na Domingos, por esta ser a alternativa mais cômoda ao fluxo de pessoas dirigindose a Santos.58 Nos jornais também nos deparamos com reclamações a respeito do estado do calçamento da rua e pedidos para promover abastecimento de água no trecho próximo ao Bosque [da Saúde].59 A persistência de queixas e pedidos por melhoramentos indicam que o poder público era constantemente cobrado a manter a Domingos de Moraes em estado condizente com a imagem saudável do bairro e com a importância desta via nas dinâmicas de deslocamentos e urbanidade da Vila Mariana; era recorrente no discurso a mobilização das supostas qualidades de higiene e salubridade e do contínuo crescimento das atividades econômicas e da população moradora do bairro, como forma de justificar os pedidos por ampliação e manutenção de redes de infraestrutura e melhoramentos. Ademais, não esqueçamos que, após a definição dos perímetros urbano e suburbano alguns melhoramentos deveriam ser realizados nessas áreas, por prescrição da 56 Atas da Câmara Municipal de São Paulo, 20/10/1911, 16/02/1912, 15/03/1912, 24/03/1913 e 07/02/1914. 57 Atas da Câmara Municipal de São Paulo, 10/04/1915. 58 Atas da Câmara Municipal de São Paulo, 14/08/1915. 59 A Gazeta, edições 03149 e 03167 de 1916. 53
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própria legislação.60 Ou seja, os moradores reivindicavam tais obras, também, por se tratar do cumprimento de deveres legais da municipalidade. Os interesses dos proprietários também estavam em jogo, visto que as melhorias significaram a valorização de seus imóveis, por estes estarem em uma localização dotada de redes de infraestrutura e transporte. Algumas falas na 24ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal, em 1919, são reveladoras nesse sentido: o sr. Marrey Júnior pondera a respeito do quanto os aluguéis na capital paulista significavam “um grande peso sobre os pequenos orçamentos”, dificultando a vida das “classes menos favorecidas”; apesar dessa questão ser de conhecimento geral, segundo ele alguns proprietários aumentavam o valor do aluguel mensalmente “sem o menor motivo”. Entretanto, curiosamente, em sua fala seguinte, o próprio sr. Marrey aponta quais seriam os “motivos desconhecidos” para o aumento dos aluguéis: melhoramentos em uma determinada rua, mesmo que não implicassem aumento tributário ao proprietário, acarretavam o aumento dos aluguéis. Exemplifica relatando conhecer um locador que “elevou imediatamente o aluguel de seus prédios na rua Domingos de Moraes, assim que a Câmara conseguiu a iluminação elétrica dessa rua”. Segue então dizendo que o poder público não possuía recursos e meios legais para impedir os abusos praticados pelos proprietários, e preocupa-se com a “transformação dos costumes” promovida pela aglomeração da população em casas pequenas, gerando uma “verdadeira promiscuidade de indivíduos que mal se conhecem, com prejuízo para a educação, com real ofensa à moral e esquecimento dos preceitos religiosos”. 61 Fica bastante evidente a problemática do projeto sanitarista de urbanização: ao mesmo tempo em que se desejava criar um meio urbano salubre e moradias 60 A Lei Municipal nº 1788 de 1914 indicava que no perímetro urbano — no qual a Domingos estava parcialmente inserida, no trecho até a esquina com a Rua França Pinto — deveriam ser introduzidos todos os melhoramentos relativos a “higiene, comodidade e conforto, como convém ao futuro da cidade”. Tais melhoramentos incluíam por exemplo: galerias de águas pluviais e esgotos, iluminação pública e calçamento das ruas e praças em paralelepípedos ou asfalto. O restante da rua — até o Bosque da Saúde — encontrava-se no perímetro suburbano, o qual deveria ser dotado de melhoramentos à medida que as construções fossem se desenvolvendo, com intenção de “preparar este perímetro para ser incorporado ao urbano”. 61 Atas da Câmara Municipal de São Paulo, 05/07/1919. 54
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higiênicas — com especial preocupação, como já vimos, a respeito da habitação dos pobres — o acesso às infraestruturas necessárias para promover a limpeza da cidade e da casa não eram direitos, mas sim privilégios, por isso mesmo nomeados como melhoramentos. O próprio discurso higienista é tensionado: há o reconhecimento da impossibilidade de certas camadas sociais arcarem com os custos de vida em áreas dotadas dos serviços públicos necessários aos ideais de limpeza e conforto, pois esses serviços foram implementados de maneira heterogênea no território, a partir de interesses particulares articulados com o Estado; as diferenças na oferta de infraestruturas significaram maior ou menor valorização econômica da terra urbana, implicando, necessariamente, na segregação dos mais pobres para áreas urbanas menos valorizadas, ou na existência de diversos arranjos domésticos nas casas higiênicas de bairros “saudáveis”, a tal aglomeração promíscua expressada nas falas do vereador Marrey Júnior. Os custos com moradia consumiam grande parte do orçamento familiar. Ao levantar dados da época quanto a média de valores dos aluguéis de uma casa composta por três ou quatro cômodos em São Paulo e no bairro da Vila Mariana, e dos salários de trabalhadores empregados nas funções de pedreiro, carpinteiro, carteiro, operário tecelão e funcionário da Cia. Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro, Clara de Carvalho estima que o aluguel no bairro estava ao alcance dos funcionários do Matadouro, das empresas de transporte e dos operários das fábricas locais.62 Assim como a autora, também não encontramos indícios — dentre o material levantado sobre a Rua Domingos de Moraes — da existência de imóveis com as características mais comumente compatíveis com cortiços ou casa de cômodos, de sorte que nos parece ter sentido a hipótese da existência de casas com moradores de mais de um núcleo familiar, e famílias que alugavam ou sublocavam parte de suas moradias como forma de reduzir os gastos com habitação. Eva Blay também aponta a existência dessa estratégia, de forma que o orçamento doméstico era composto pela soma do salário dos moradores, por outras formas de rendimentos provenientes de 62 Clara C. V. A. de Carvalho, op. cit., p. 197. 55
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trabalhos esporádicos, aposentadorias e também pelo trabalho doméstico não remunerado desempenhado pelas mulheres, “amplamente apropriado através da mercadoria produzida pela família: a força de trabalho”.63 Dessa forma, era possível assegurar um determinado padrão de consumo e até mesmo a possibilidade de investimento em imóveis — estratégia amplamente utilizada por famílias dos setores médios, conforme já apontamos — de maneira que as despesas da casa eram cobertas por essa espécie de fundo familiar coletivo. Outro fator que influenciou a dinâmica de localização das habitações dos trabalhadores urbanos foram os altos preços das passagens dos bondes da Light, que geraram duras manifestações da população em 1909, reivindicando a redução das tarifas. A Companhia, em resposta, passou a adotar carros especiais para operários e trabalhadores em geral, em determinadas linhas, que não transitavam pela “colina central da cidade”; com passagens mais baratas, nesses bondes os passageiros, mesmo descalços, tinham direito de utilizar o serviço, caso estivessem indo ou voltando do trabalho. Uma das linhas que possuíam tais carros especiais era a do Matadouro.64 Por consequência, era possível que diversos trabalhadores morassem próximos a seus trabalhos, de modo a reduzir os custos com transporte, mesmo com os aluguéis elevados, pois como já mencionamos, a possibilidade de coabitação de diversos núcleos familiares reduziria as despesas com moradia. Destarte, poderia ser vantajoso morar na Vila Mariana, principalmente na Domingos de Moraes, tanto para aqueles que precisavam deslocar-se pela cidade, quanto para os que trabalhavam nos comércios e fábricas locais. A oferta de bondes era mencionada em diversos anúncios de venda e aluguel de casas, que destacavam a presença de “bonde à porta”, assim como os símbolos de 63 Eva Alterman Blay, op. cit., p. 202 e 205. Conforme entrevistas feitas pela autora com moradores de vilas operárias na capital paulista, de cada 10 famílias apenas 3 conseguiam se manter com os rendimentos de apenas um núcleo familiar, sendo comum arranjos em que os filhos casados, constituindo novo núcleo, permaneciam na casa dos pais, além de famílias que sublocavam cômodos de suas residências. Interessante notar que nos relatos a necessidade material que levava famílias a se utilizarem de tais estratégias era ocultada: as narrativas destacam relações de solidariedade e ajuda mútua, que poderiam sim existir, entretanto, sem mencionar diretamente a insuficiência dos rendimentos para cobrir o consumo. 64 Ibid. p. 93. 56
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conforto do habitat moderno; a casa de seis cômodos do nº 15 estava à venda em 1914, o anúncio salientava as qualidades materiais da residência: água encanada, instalação a gás e quintal, sem antes deixar de mencionar que sua localização estava “a dez minutos do centro”.65 Diversas atividades econômicas na Domingos empregavam trabalhadores: a Fábrica de Fósforos de Segurança, a primeira da província de São Paulo, fundada por Jorge Eisenbach em 188766, empregava muitos moradores do bairro, em sua maioria mulheres e crianças;67 em 1920, a Fábrica de Pianos Nardelli, existente no bairro desde a década anterior, anunciava em um jornal vagas de trabalho para marceneiros.68 Moradores ofereciam seus serviços: o professor Manuel Caio da Fonseca, residente no nº 17, lecionava em sua casa e também atendia a domicílio;69 um pianista, morador do nº 84-A, “dispondo de variado repertório” oferecia-se para tocar em reuniões sociais;70 o médico Dr. Eduardo Martinelli, atendia os pacientes em sua residência, no nº 57.71 Havia demanda de famílias moradoras da rua por diferentes serviços domésticos: na casa do nº 103 precisava-se de uma costureira,72 já no nº 7 procurava-se uma cozinheira “boa e asseada”73 e os moradores do nº 269 contratavam uma criada, de preferência portuguesa, “para todo serviço, menos encerar”. 74 A ampla oferta de infraestruturas bem como a localização privilegiada da Domingos de Moraes no contexto de urbanização da cidade e da Vila Mariana fizeram com que algumas figuras influentes, como o advogado e senador da República José Freitas Valle, estabelecessem suas residências na rua. Morador da Villa Kyrial, nº 24.75 Freitas Valle era mecenas, sócio fundador da Sociedade 65 A Gazeta, edição 02442 de 1914. 66 Clara C. V. A. de Carvalho, op. cit., p. 60 67 Pedro D. Masarolo, op. cit., p. 48-49. 68 Diario Español (continuación de La Voz de España), edição 04257 de 1920. 69 A Gazeta, edição 02995 de 1916. 70 A Gazeta, edição 02678 de 1915. 71 Il Pasquino Coloniale, edição 00491 de 1917 e O Combate, edição 00646 de 1917. 72 A Gazeta, edição 03003 de 1916. 73 Correio Paulistano, edição 19538 de 1917. 74 Correio Paulistano, edição 19563 de 1917. 75 AHM-SP OP 1912 001.585. O registro diz respeito a uma ampliação na Villa Kyrial (construção de novo banheiro e galeria de quadros). Não encontramos, dentre os registros da série de obras 57
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de Cultura Artística e realizava encontros culturais — saraus literários, musicais e banquetes — em sua casa, inserindo-se num circuito social de prestígio e forte representação social.76 Apesar de existirem algumas residências de maiores dimensões e programas mais extensos, estas não eram a maioria na rua: das 134 casas analisadas por meio da série de obras particulares, somente 12 possuíam dez cômodos ou mais, 15 eram casas de até seis cômodos conjugadas com negócio, 62 tinham entre cinco e nove cômodos e 45 com três ou quatro cômodos. A grande maioria dos imóveis levantados eram de uso residencial ou misto, sendo apenas 15 de usos exclusivamente fabris, de lazer, serviços públicos, religiosos ou comércio.77 As notícias de fatos cotidianos da rua evidenciam a vida urbana na qual havia grande circulação de pessoas em diferentes meios de deslocamento, que acabavam por ser, muitas vezes, conflitantes. Em uma noite, conduzindo um bonde que vinha do Bosque da Saúde, o motorneiro Vicente Sabbatino atropelou a brasileira Francisca Maria de Jesus, de 40 anos, na Domingos de Moraes; Francisca faleceu e o inquérito para averiguar o ocorrido foi conduzido no posto policial do Sul da Sé.78 Atropelamentos eram recorrentes, assim como acidentes envolvendo motoristas de automóveis e cocheiros, bondes que se chocavam com objetos deixados sobre os trilhos etc. Brigas e desentendimentos em botequins e armazéns ocorriam com frequência: certa noite, por volta das 23 horas o carpinteiro português de 37 anos, José Lopes, em companhia de seu amigo Sylvestre Pini bebiam vinho no armazém do também português Augusto, no nº 28 da Domingos. Algumas horas e muitos copos de vinho depois, José, embriagado, “promoveu grande particulares que possuem plantas digitalizadas, os desenhos do restante da casa. 76 De acordo com Marcia Camargos, Freitas Valle estabeleceu-se na Villa Kyrial em 1904, no nº 10 da Domingos de Moraes, porém de acordo com a planta de ampliação da casa, o imóvel era no nº 24. apud Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 47. 77 Analisamos 106 registros de imóveis da série de obras particulares do Arquivo Histórico Municipal. Dentre estes, 13 referem-se a imóveis repetidos — por serem solicitações de ampliação, alterações, etc. Cerca de 16 registros de imóveis de uso residencial tratam-se de casas em série, por isso o total de casas (unidades habitacionais) pesquisadas é de 134. 78 Correio Paulistano, edição A16041 de 1908. 58
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desordem”, sendo convidado a se retirar do estabelecimento. Houve resistência e os dois portugueses trocaram agressões físicas até que, ao sair correndo do negócio, José foi baleado por Augusto com um tiro de espingarda.79 Os amigos José e Sylvestre não eram moradores do bairro. As narrativas dos jornais trazem informações quanto ao ocorrido revelando os nomes, nacionalidade, idade, ocupação e local de moradia dos envolvidos, por vezes também as consequências e providências tomadas pelas autoridades. A forma dessas notícias nos permite identificar diversos tipos sociais que moravam e circulavam pela Domingos de Moraes e suas formas de sociabilidade. Tratar da rua e da Vila Mariana é irrealizável sem considerar a presença dos estrangeiros, no entanto, não podemos fazê-lo partindo da predominância de alguma identidade étnica específica. Dentre os imigrantes, encontramos muitos italianos, portugueses, alguns alemães e espanhóis. Podemos entrever possíveis redes migratórias:80 por relatos de memorialistas sabemos que o primeiro núcleo de italianos a se estabelecer no bairro foram de imigrantes vindos de Mântua, norte da Itália, em 1878 e que “por meio deles é que vieram mais imigrantes para a futura Vila Mariana”; posteriormente muitos outros italianos, estes do sul, vieram para o bairro após a inauguração do Matadouro trabalhar como tripeiros.81 A imigração de homens que vinham sozinhos e após se estabelecerem mandavam dinheiro para outros membros da família emigrarem era comum, tanto entre italianos quanto entre outras nacionalidades. Esse tipo 79 Correio Paulistano, edição 20473 de 1920. 80 Oswaldo Truzzi, “Redes em processos migratórios”, Tempo Social, 2008. De maneira geral, as cadeias ou redes migratórias eram caracterizadas pela transmissão de informações e sobre oportunidades e dificuldades encontradas no país de destino e recursos, passadas dos que já haviam emigrado para os que pretendiam fazê-lo. Essas redes eram compostas por vínculos pessoais, em que a confiabilidade das informações fornecidas eram fundamentais para a decisão de emigrar. Além disso, novas redes podem surgir, a partir da própria experiência migratória, através de novas identidades e reconhecimentos no local de destino. 81 Pedro D. Masarolo, op. cit., p. 22 e 50-51. O autor, por ser descendente de italianos que se estabeleceram no bairro, acaba por privilegiar as experiências mais próximas de si, dando maior ênfase aos imigrantes desse país no processo de urbanização da Vila Mariana, além de associar a chegada dos europeus a ideia de progresso e desenvolvimento da cidade. Entretanto, o material mobilizado nesta pesquisa indica que imigrantes de outras nacionalidades também foram fundamentais para a conformação urbana e modo de vida do bairro. 59
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de movimento, que mantinha laços com o país de origem, era fundamental para viabilizar o trabalho e moradia no destino e garantir a sobrevivência.82 O jovem casal Rosa Fernandez — espanhola — e Miguel Schain — uruguaio de origem árabe — haviam emigrado para a Argentina e, posteriormente, encontrando dificuldades financeiras, Miguel decidiu vir para São Paulo. Após receber uma carta do marido orientando que vendesse as posses da família e embarcasse para o Brasil, Rosa chegou à capital paulista, mas não encontrou o marido e ficou hospedada na casa de sua cunhada Refisa, residente na Rua Domingos de Moraes nº 12. A espanhola dirigiu-se à Polícia Marítima, desesperada, por não saber do paradeiro de seu esposo.83 Na Domingos de Moraes podia-se ir ao Cinema Apollo de Antonio Gagliardi no nº 153,84 que também recebia festas e bailes dançantes de clubes de futebol locais e reuniões políticas da Liga Operária de Villa Marianna.85 Os clubes realizavam partidas de futebol em campos situados na rua: o A. A. Juvenil Lacta enfrentou o Juvenil Corinthians Paulista em seu campo no nº 32, em um domingo de 1921.86 No nº 18 era possível comer e ter encontros no Emporio e Confeitaria Guanabara.87 Enfim, nessa rua majoritariamente residencial, na qual existiam diferentes tipos de materialidade e arranjos do espaço doméstico, encontramos também uma variedade de outros usos necessários e associados ao morar urbano nas primeiras décadas do século XX em São Paulo.
82 Ana Lucia Duarte Lanna, 2012, p. 882-884. 83 Correio Paulistano, edição 18274 de 1914. 84 AHM-SP OP 1912 001.596, OP 1912 001.597 e OP 1912 001.598. 85 O Combate, edição 01611 de 1920 e edição 01212 de 1919. 86 A Gazeta, edição 04658 de 1921. 87 Correio Paulistano, edição 18240 de 1914. 62
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Redes de infraestrutura e equipamentos domésticos A configuração do espaço doméstico foi radicalmente alterada a partir da implementação das redes de saneamento, que se conectaram às casas — novos pontos de fornecimento e coleta de água — viabilizando a aplicação das premissas sanitárias necessárias ao ideal de moradia higiênica. A distribuição de água nas cidades, existente muito antes do abastecimento doméstico, servia a banhos e lavagem de roupas realizados em público, enquanto excrementos e águas servidas eram despejados em cursos d’água. Estes fluxos, antes dispersos pela cidade, foram paulatinamente concentrados e organizados por meio da nova tecnologia de canalizações, controlando o uso da água e descarte dos dejetos.1 Desse modo, a circulação dos fluidos foi sendo domesticada, concentrando na casa aparelhos técnicos que não haviam sido, inicialmente, idealizados para o espaço da habitação.2 Essa mudança, portanto, impactou não apenas o desenho da cidade, pois diversas atividades passaram para o interior da casa, obedecendo a uma outra lógica que não mais a do espaço público, afinal, eram agora desenvolvidas em família, no espaço circunscrito do lar. Os múltiplos operadores de domesticação, segundo Beguin, não se restringiram somente pela arquitetura, mas envolveram todos os mecanismos e instrumentos que permitiam a realização das práticas cotidianas no espaço da moradia. Ou seja, há uma significativa interdependência entre os “megaaparelhos urbanos” — sistemas de distribuição de água, eletricidade e coleta — e o funcionamento dos equipamentos domésticos.3 A conexão com essa nova infraestrutura urbana possibilitou que as práticas domésticas cotidianas se transformassem e se vinculassem por meio de um conjunto de artefatos a novos valores de limpeza e pudor. Contudo, a articulação da casa com as redes de abastecimento e coleta não foi suficiente para determinar o caráter da casa 1 Clarissa de Almeida Paulillo, op. cit., p. 149. 2 François Beguin, “As maquinarias inglesas do conforto”, Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo, 1991, p. 52. 3 Ibid., p. 52-53. 65
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higiênica: os espaços da moradia que receberam os pontos de entrada e saída dessas redes precisaram ser reorganizados. A nova ordenação da materialidade arquitetônica da casa, em função de sua ligação com os sistemas de saneamento, foi um agente fundamental para a transformação das práticas e comportamentos de cuidado e higiene do corpo e do lar. Em paralelo com a implantação da infraestrutura, o poder público utilizouse da legislação para regulamentar as construções, em especial esses espaços conectados às redes de infraestrutura urbana, com o objetivo de garantir a aplicação das premissas sanitárias por elas viabilizadas no espaço da casa. O Código Sanitário de 1894 prescrevia que todas as águas servidas deveriam ser conduzidas para os esgotos, proibindo o descarte de dejetos em córregos; caso não houvesse galeria de esgotos, fossas seriam toleradas, sempre na parte externa da casa, feitas de material impermeável e higienizadas a cada mês. As latrinas — conectadas à rede sanitária ou não — deveriam ser de material liso e impermeável, dotadas de sifão hidráulico e localizadas em gabinete bem ventilado e iluminado, nunca unido aos aposentos de dormir. O Código de Posturas de 1886 estabeleceu que as habitações das classes pobres deveriam ter no mínimo três cômodos; tal prescrição foi reiterada na Lei n° 498 de 1900, e acrescentava que, obrigatoriamente, um desses cômodos deveria ser a cozinha, cada um deles com no mínimo 10m². Esse movimento de consolidação da cozinha e do banheiro como cômodos da casa, devidamente circunscritos pela arquitetura, destinados a usos específicos e exclusivos para o núcleo habitante da residência unifamiliar, evidencia a importância de tais ambientes na afirmação de uma nova lógica de organização doméstica necessária para a efetivação do ideal de higiene e conforto do habitat moderno em construção. Uma lógica orientada por saberes médicos e novas técnicas de higiene e salubridade que se associavam a valores burgueses de família e modos de morar que reforçaram diferenças entre residências unifamiliares de alto padrão e habitações coletivas, comumente associadas à sujeira e à desorganização pela falta de acesso
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à rede de infraestrutura urbana e também ausência de compartimentação funcional dos ambientes. As condições precárias de higiene e a sobreposição de diferentes usos eram apontadas pelos sanitaristas como graves problemas. Além de ressaltar a sujeira e desorganização, os médicos que inspecionaram cortiços na região da Santa Ifigênia, em 1893, relataram “mau gosto” na organização do espaço — que não era uma cozinha propriamente dita, mas um ambiente, nos fundos, dotado de fogão a lenha, no qual eram realizadas atividades de preparo dos alimentos, compartilhado por diversas famílias e que também abrigava outras atividades — evidenciando que as noções de higiene e conforto na moradia também incluíam o arranjo do mobiliário e uso de equipamentos sanitários, visando maior eficiência na realização do trabalho doméstico. A ausência da cozinha como um compartimento específico e a improvisação das instalações necessárias ao preparo das refeições deveriam ser combatidas; a definição de casa unifamiliar limpa e organizada, dependia fortemente da existência da cozinha como um cômodo circunscrito, sem comunicação direta com aposentos de dormir e latrinas, construída com materiais sólidos e impermeáveis, dotada de fogão e outros móveis e equipamentos fundamentais para exercício das novas práticas preconizadas pelo saber médico.4
Cozinhas e banheiros, operadores de domesticação A individualização das moradias, contando com a cozinha em seu interior, representava o ideal da casa higiênica para os pobres, aproximando-a das casas mais abastadas “ao menos no que diz respeito à exigência de higiene e áreas separadas para cada atividade”.5 Os códigos agregaram, ao longo tempo, as preocupações dos médicos sobre a necessidade de definir o local e equipamentos adequados para o preparo de alimentos, evitando improvisações e superposição 4 João Luiz Maximo da Silva, “Transformações no espaço doméstico: o fogão a gás e a cozinha paulistana, 1870-1930”, Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, 2007, p. 203-204. 5 Ibid., p. 205. 67
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de funções no espaço. Com o principal objetivo de manter a limpeza e organização, a legislação estabeleceu tamanho, forma de circulação e materiais do cômodo que se desejava consolidar para a cozinha.6 Estas definições eram muito diversas da experiência das antigas casas paulistas, nas quais as atividades relacionadas ao preparo das refeições eram dispersadas pelo quintal, numa grande área de serviços não circunscrita em um espaço fisicamente delimitado, muitas vezes fora do corpo principal da casa,7 que abrigavam atividades de preparo, estocagem e beneficiamento de alimentos, além da criação e abate de pequenos animais. Estas últimas práticas foram proibidas pela legislação sanitária de serem realizadas nas habitações,8 inclusive porque deixavam de ser necessárias e incentivadas desde a criação do Matadouro Municipal que, nesse sentido, pode ser entendido como um dos aparelhos técnicos que possibilitaram o processo de conformação da casa como espaço sanitário e como unidade de consumo, outrossim, inserido nos limites do universo doméstico. Nesse processo, a casa adentrou o mercado consumidor em uma outra lógica de produção e circulação de produtos, que garantiu uma diminuição da escala dos processos de preparo das refeições e com isso da área destinada ao preparo e conservação dos alimentos. O Código Sanitário de 1894 determinava que o compartimento destinado à cozinha deveria ser bem iluminado e ventilado e estar afastado dos dormitórios, além da necessidade de ter solo e as paredes, até 1,5 metro de altura, revestidos de material liso e impermeável, com o intuito de facilitar a limpeza do ambiente. A respeito das dimensões do cômodo, a Lei nº 498 prescrevia que a cozinha das casas operárias deveria ter ao menos dez metros quadrados, área mínima que foi reiterada, para todas as habitações, no Padrão Municipal de 1920. Dentre as moradias da Domingos de Morais encontramos a solução habitual da cozinha no térreo aos fundos da casa. Nas residências de programa mais 6 Ibid., p. 206-207. 7 Ibid., p. 201-202. 8 O Código de Posturas definia, no título XII, que animais criados para consumo humano deveriam ser abatidos somente no Matadouro Municipal. No Código Sanitário também encontramos um capítulo específico a respeito da localização, construção, normas de higiene e de controle de qualidade das carnes que deveriam ser seguidas em tal equipamento público de abate. 68
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extenso ela está associada a copa, como no sobrado do nº 579 e na casa isolada no lote do nº 42.10 No caso das moradias menores, localiza-se em “puxado”, sempre com ligação direta com a casa, seja pela sala, corredor ou varanda, como é o caso das residências conjugadas com negócio dos nº 157 e 183.11 Em algumas plantas, pia, fogão e revestimento em azulejos do piso estão representados. Do mesmo modo, o banheiro residencial foi paulatinamente incorporado ao corpo da casa, como espaço delimitado e exclusivo para as práticas de higiene e cuidado corporal, bem como para o afastamento dos excrementos e águas servidas. Com a definição de um compartimento específico que abrigasse os equipamentos sanitários, não apenas a racionalização e a redução dos custos foram resolvidas, também foram atendidas as novas premissas de higiene que se refletiam nos hábitos pessoais da população. Apesar de altamente recomendada por sanitaristas, a concepção de um espaço que abrigasse ao menos lavatório e latrina não era claramente descrita no Código Sanitário. Em todo o caso, devido à necessidade de conexão entre os dispositivos de mediação de entrada e saída de água com os respectivos equipamentos sanitários, era preferível que banheiras, lavatórios e vasos sanitários fossem fixados em ambientes exclusivos, de modo que A determinação desse espaço atendia à necessidade de racionalizar a distribuição das canalizações pela casa para viabilizar financeiramente as instalações, já que tubulação e peças eram importadas. Além disso, concentrar o encanamento em um único ambiente certamente tornava mais fáceis e menos dispendiosas as obras de assentamento e manutenção.12
O Código de 1894 dispunha, especificamente, apenas sobre a localização, materiais e limpeza das latrinas, mencionando o termo “banheiro” de forma ambígua, podendo corresponder ao espaço de abrigo dos equipamentos e à 9 AHM-SP OP 1914 001.626. 10 AHM-SP OP 1908 000.695. 11 AHM-SP OP 1914 001.638 e OP 1911 003.962. 12 Clarissa de Almeida Paulillo, op. cit., p. 164. 69
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peça sanitária da banheira. Clarissa Paulillo indica que tal ambiguidade existia igualmente quanto ao uso dos termos “latrina” e “water closet (w.c.)”, referindose simultaneamente ao receptáculo e ao recinto que o abrigava, confirmando a articulação entre aparelho e espaço para acolhê-lo. Ou seja, assim como o equipamento pressupunha a existência desse espaço, a presença do ambiente só se justificava pela instalação do equipamento em seu interior.13 A Lei nº 498 de 1900 estabelecia que cada casa de habitação operária deveria possuir ao menos uma latrina e a partir de 1911, o Código Sanitário definiu áreas mínimas do seu compartimento, localizados tanto no interior quanto no exterior das casas. Dentre as moradias, na Rua Domingos de Moraes, que analisamos mais detalhadamente, estão presentes os três tipos de localização do cômodo sanitário descritas por Paulillo: banheiro externo, banheiro junto à casa com acesso externo e o banheiro integrado ao interior da casa. Além das diferentes posições no arranjo da casa, outro fator de diferenciação entre os modelos de banheiro é a dimensão: os externos são exíguos, limitando-se, em geral, a abrigar a latrina; já ao aproximar-se e adentrar a casa, o tipo interno possui maior área, abrigando outras atividades de limpeza do corpo. As diferentes denominações do ambiente também refletem seus diferentes usos de acordo com a solução adotada: “latrina” ou “w.c.” para os tipos menores e externos e “banho” ou “banho e w.c.” para o maior e interno, no último caso, explicitando que o ambiente acolhia mais de uma atividade. Outrossim, a anotação em planta de vãos, aberturas, equipamentos e acabamentos, era diferente a depender do tipo de banheiro: quando abrigava somente a latrina, o gabinete externo ou encostado à casa raramente apresentava janela ou qualquer outra abertura além da porta; os internos, que geralmente recebiam outras práticas de higiene, possuíam, além de janelas, a representação dos acabamentos e equipamentos — vaso sanitário e por vezes a banheira.14 Assim como a cozinha, os banheiros deveriam ser revestidos, no piso e paredes, com material liso e impermeável.
13 Ibid., p 165. 14 Ibid., p. 184-186. 70
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Nas duas casas geminadas de seis cômodos do nº 8415, encontramos uma solução diversa: apesar dos equipamentos não estarem representados em planta, o cômodo possui dimensões compatíveis com os banheiros internos de outras casas geminadas da rua, que abrigam latrina e banheira; entretanto, neste caso, o banheiro está encostado no corpo da casa, com acesso externo pelo pequeno terraço localizado nos fundos da edificação. Outro caso que apresenta solução diferente dos três tipos de banheiro descritos por Paulillo é o das seis casas de quatro cômodos do nº 35-37:16 limpeza do corpo e excreção são divididas em dois compartimentos junto à casa — denominados como “banho” e “latrina” — possuindo acessos externos e independentes. Tanto o banheiro — no mínimo o gabinete com a latrina — quanto a cozinha eram entendidos pelos sanitaristas como imprescindíveis para a conformação de uma casa higiênica: eram espaços primordiais na limpeza e organização da moradia. A determinação, pela lei nº498 de 1900, de que a nenhuma casa poderia ter menos de três cômodos, sendo um deles obrigatoriamente a cozinha, aliada à prescrição do Código Sanitário sobre a existência de um compartimento destinado a abrigar a latrina, definiram o programa da casa higiênica mínima. Carlos Lemos ressalta que esse programa mínimo era fruto de imposições econômicas e não uma solução construída a partir de condicionantes da cultura popular.17 De fato, como vimos, a definição dos cômodos considerados fundamentais para o funcionamento da casa deu-se a partir de pressupostos sanitários. A denominada casa operária, de três cômodos, deveria ser higiênica e confortável para a família proletária, evidenciando que o sentido de conforto para os mais pobres relacionava-se à limpeza, substituindo o luxo das residências abastadas.18 15 AHM-SP OP 1913 001.908. 16 AHM-SP OP 1909 000.919. 17 Carlos Lemos, Alvenaria burguesa: breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo café, São Paulo, Nobel, 1984, p. 68. Lemos salienta o descompasso que existia entre a legislação e a realidade concreta ao comentar sobre os requerimentos de interessados em tolerâncias e flexibilizações por parte da prefeitura que alegavam “involuntária ignorância das posturas legais” e “permanente falta de recursos”. 18 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 290. 71
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Cozinha
e
banheiro
deveriam
ser
consolidados
como
cômodos
especializados e limitados pela arquitetura para abrigar equipamentos, que conectados às redes de infraestrutura urbana, permitiram a realização das atividades exclusivas de cada ambiente seguindo os preceitos da higiene. Assim como para o banheiro havia a necessidade de vaso sanitário, lavatório e eventualmente banheira, a “cozinha modelo” — limpa e organizada — deveria conter pia, mesa de trabalho e fogão, dispostos no ambiente de maneira a facilitar a execução do trabalho doméstico. As empresas de distribuição de energia e gás para uso residencial, utilizaram-se do discurso médico para promover o fogão a gás como equipamento fundamental para a higiene da cozinha e a alimentação saudável. As propagandas eram direcionadas não apenas à mulher, responsável pelo trabalho de preparo das refeições, mas também aos homens, responsáveis pela compra do aparelho. Dirigindo-se diretamente ao marido a publicidade invocava argumentos racionais e técnicos considerando a cozinha como o “laboratório da casa” no qual a boa saúde da esposa e dos filhos seria fabricada através do preparo da comida no fogão a gás, o “aparelho mais sanitário e higiênico que a civilização criou”.19 Assim como os médicos e engenheiros, as propagandas apresentavam argumentos que associavam o fogão a gás à higiene, e para o homem como destinatário dessa propaganda na qualidade de comprador, era enfatizada a necessidade da alimentação sadia. Além de propiciar higiene e asseio, o fogão teria a capacidade de transmitir essas qualidades à comida nele preparada. E, para isso, o papel da cozinheira – e mais ainda o da dona de casa – seria decisivo, no uso adequado do fogão e na escolha do cardápio. O papel do homem estaria esgotado na aquisição do fogão a gás e do pagamento mensal do fornecimento do gás, dados que [...] não são apresentados especificamente [na propaganda].20
Outro aspecto salientado por Silva na propaganda do fogão a gás é o 19 Revista Fon Fon (nº 31, 1913) apud João L. M. da Silva, op. cit., p. 215. 20 João L. M. da Silva, op. cit., p. 215. 72
a casa e sua materialidade arquitetônica
ocultamento das eventuais dificuldades no manuseio do aparelho, além de não ser explícita a conexão com a rede urbana. A mulher, quando presente nos anúncios, era representada utilizando o fogão com uma postura elegante, bem vestida, sugerindo que o trabalho de preparo do alimento era fácil e prazeroso. Qualquer indício do trabalho exercido pela dona de casa precisava ser ocultado, apesar de ser ele o responsável pela manutenção da estética doméstica. As atividades cotidianas que proporcionavam o conforto do lar deveriam ser invisíveis aos olhos dos seus habitantes, principalmente do marido — suposto provedor da família, mesmo que um modesto trabalhador. A mulher, nesse sentido, é transformada em principal item de conforto da casa: era a responsável pelo preparo da comida, pela limpeza, pela educação dos filhos, pela administração dos recursos financeiros da família, pelo exercício da sexualidade e afetividade e por todo arranjo do lar — para que este fosse visualmente confortável, afastando-se das fainas do mundo do trabalho, trazendo descanso e felicidade ao esposo.21 A dona de casa, fosse em uma família de parcos recursos, fosse em um lar no qual era possível contratar criadas para realizarem parte dos serviços, era encarregada pelo conforto, “entendido como o produto mais refinado do trabalho doméstico” e que tinha “na mulher o seu elemento-chave”.22 Na prática todo o trabalho implicado na manutenção do lar e dos membros da família é extremamente exaustivo, não à toa os manuais femininos insistiam que a mulher não deveria deixar o homem perceber o esforço envolvido na promoção da sensação de aconchego do lar como lugar de reposição das forças perdidas no trabalho fora de casa. Ao mesmo tempo, a ideia do trabalho doméstico como antítese de trabalho serviu para a construção ideológica do papel da mulher como essencialmente ligado ao lar e suas atividades, mantendo o trabalho de reprodução social invisível e desvalorizado. O fogão a gás — assim como pias, tanques, banheiras e latrinas — era um equipamento sanitário, destinado à higiene e salubridade domésticas, conectado às redes de infraestrutura urbana, que submetia a casa à dependência 21 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 289-291. 22 Ibid., p. 289. 73
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dos serviços das companhias de distribuição de gás.23 De qualquer modo, a “cozinha moderna” dos anúncios publicitários e manuais femininos era um modelo, representava um ideal de higiene e comodidade, não correspondendo necessariamente às cozinhas em sua realidade concreta, visto que o mobiliário e os equipamentos — e seus custos de manutenção — recomendados não eram acessíveis a todas as famílias; a rotina diária de preparo de alimentos demandava esforço e fazia sujeira, além do que em casas mínimas, de apenas três cômodos, muito provavelmente a cozinha era utilizada para outros fins além do preparo de refeições, dado a exiguidade do espaço. O fogão de ferro — a lenha ou carvão — cabia no compartimento dedicado à cozinha por ser menor e mais limpo do que o tradicional fogão a lenha e era uma opção provavelmente mais econômica ao gás. Na casa n° 84-A, disponível para locação em 1914, a cozinha possuía fogões a gás e carvão, indicando que por vezes houve a convivência de ambos os tipos de equipamento.24 O conforto proporcionado pelos equipamentos sanitários — em conexão com os sistemas urbanos — e pelas atividades da dona de casa foi uma arma poderosa para fixar os indivíduos ao lar e acostumá-los ao modo de vida por ele oferecido. A casa confortável forneceu um ambiente favorável para o desenvolvimento da intimidade familiar, com trocas afetivas reguladas, bloqueando a “promiscuidade”. Isso porque o conforto atinge uma forma de bemestar que ninguém deseja nem tem meios de recusar [...] é portanto um processo de invasão ao qual não se pode resistir, mas cujos efeitos são modulados segundo o lugar que ocupamos na sociedade.25
A casa urbana foi constituída pelo saber médico, — que operou tanto no discurso quanto nas prescrições legais — pela sua conexão com a infraestrutura urbana, por condicionantes de ordem econômica, pela apropriação dos moradores etc. Graças à disponibilidade de novos materiais e técnicas construtivas a 23 João L. M. da Silva, op. cit., p. 217. 24 O Estado de São Paulo, 23/04/1914, p. 12. O anúncio destaca a presença dos fogões a gás e carvão na cozinha, além de uma despensa e “chuveiro e banheiro”. 25 François Beguin, op. cit., p. 48. 74
capítulo 2
arquitetura da moradia pôde corresponder a esses diferentes fatores e abrigar o ideal do habitat moderno.
Materiais e técnicas construtivas, organização espacial e arquitetura A inserção dos novos materiais e formas de construir no contexto das moradias urbanas foi um processo gradual que se deu desde a metade dos oitocentos e seguiu durante os primeiros anos do século XX. Até a década de 1880, apesar das casas térreas de taipa alinhadas com a rua serem ainda predominantes na cidade, casas e quintais fechados com muros de tijolos começaram a aparecer.26 Nesse período, houve a convivência do uso da taipa com o novo sistema de alvenaria de tijolos, bem como de outros materiais industrializados como vidro e ferro, acarretando em um hibridismo nas casas: moradias em taipa mas com alguns ambientes, como a varanda, construídos em tijolo e com o uso de janelas envidraçadas ou a adição de recuos com portão de entrada lateral, contudo, mantendo a mesma divisão interna da casas tradicional.27 A disponibilidade de novos materiais, técnicas e soluções arquitetônicas e as prescrições dos códigos sanitário e de posturas não acarretaram em uma ruptura com os modos de construir e morar pregressos. A mudança ocorreu por meio de um processo mesclado, que conservou em partes o uso da taipa e de certas soluções arquitetônicas, ao mesmo tempo em que novas soluções e materiais passaram a ser empregados. O sentido da vida doméstica na cidade foi pouco a pouco se alterando, a diferenciação social até o final do século XX se expressava, majoritariamente, pela presença de sobrados no alinhamento da 26 Maria Luiza F. de Oliveira, op. cit., p. 63. De acordo com os inventários de 1880 estudados pela autora, a maior parte das casas era térrea, em taipa, com soluções arquitetônicas simples: porta e janela e porta e duas ou três janelas. Até 1900 os sobrados encontrados, sempre bem mais valiosos, só apareciam entre as camadas mais abastadas e nesse mesmo momento aparecem com mais frequência, nos arredores da cidade, as casas recuadas do alinhamento, com portões e gradis de ferro. Eudes Campos afirma que é sobretudo a partir da década de 1870 que começaram a “despontar timidamente” as casas térreas em alvenaria de tijolos e com porão para afastamento do solo. Cf. Eudes Campos, Arquitetura paulistana sob o império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura). FAUUSP, São Paulo, 1997, 523. 27 Maria Luiza F. de Oliveira, op. cit., p. 64. 76
a casa e sua materialidade arquitetônica
rua, localizados nas áreas mais valorizadas da cidade — o que hoje chamamos de centro antigo — e pelas sedes das chácaras nos arredores da cidade. Ainda não vigorava a ideia de se fazer da casa a “vitrine” da família, os arranjos das moradias eram muito semelhantes, sem muito investimento financeiro em diferenciação por meio da ornamentação, decoração, mobiliário e objetos domésticos.28 A adição de recuos laterais da casa em relação ao lote possibilitou que todos os cômodos contassem com aberturas para o exterior, em resposta a proibição de alcovas e a necessidade de iluminação e ventilação em todos os cômodos da habitação estabelecidas pelo Código Sanitário de 1894. As casas isoladas — ou seja, afastadas de todas as divisas do lote — sofreram alterações mais significativas no que diz respeito aos cômodos e sua organização espacial, aproximando-se, em maior grau, da distribuição interna do modo de morar à francesa.29 Já nas casas em série, geminadas ou com recuo frontal e em apenas um dos lados, o ordenamento dos cômodos se manteve muito próximo ao da casa de tradição colonial — térrea, sem luz direta em todos os cômodos e com compartimentos sucessivos, todos em comunicação direta entre si.30 As modificações nesse arranjo da casa urbana colonial deram-se justamente pelo acréscimo de recuos, pela proibição das alcovas, pelo afastamento do solo com uso de porão, pela nova tecnologia construtiva e conexão com as redes de infraestrutura urbana e pelos novos conceitos de intimidade familiar e conforto doméstico. Os ambientes de repouso, antes sem aberturas para o exterior (alcovas), foram convertidos em dormitórios propriamente ditos, sempre dotados de janelas, geralmente abrindo-se para o 28 Ibid., p. 74. 29 Conforme nos informa Maria C. N. Homem, a residência da burguesia francesa do século XIX, afastava-se os limites do lote e possuía uma planta composta em três grandes setores independentes: social, íntimo e serviços, articulados por meio de vestíbulo/hall e de entradas distintas, a social e a de serviços. Nas residências paulistanas que se aproximavam desse modelo, como aponta a autora, ocorreram certas mudanças em tal configuração e inclusive devido a essas particularidades a autora procura elaborar o conceito de “palacete paulistano”. Cf. Maria C. N. Homem, op. cit., p. 14. Nas casas isoladas no lote da Domingos de Moraes que analisamos, pode-se notar certa proximidade com o ideal de morar à francesa, mesclado com as formas de domesticidade da casa tradicional paulistana, que trataremos mais adiante. Entretanto, como já explicitado, o esforço deste trabalho concentra-se em estudar as formas de morar a partir da materialidade arquitetônica das moradias, menos do que encaixá-las em tipologias e conceitos previamente definidos. 30 Eudes Campos, op. cit., p. 523. 77
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recuo lateral. A fim de promover maior privacidade entre esses quartos de dormir, ao separar os corpos e assim regular as relações intrafamiliares, surgiu o corredor que distribuiu a circulação para cada compartimento de maneira individual. Essa forma de organização espacial dos cômodos encarreirados, com os ambientes de estar na frente, os de repouso ao centro e nos fundos a varanda e cozinha permaneceu por muitos anos em grande parte das casas urbanas.31 Encontramos habitações com tal ordenação espacial dentre as casas que pesquisamos na Rua Domingos de Morais, mas também em outros lugares da cidade de São Paulo, como nos mostra o trabalho de Clarissa Paulillo e do mesmo modo em outras capitais brasileiras, segundo a pesquisa de Luciana Gennari em relação ao bairro de São Cristóvão no Rio de Janeiro. A permanência desse aspecto da moradia de tradição colonial se deve, em partes, à forma e relação entre a casa e o lote — de testada exígua e bastante profundo — que não sofreram significativa alteração no período.32 Na legislação não eram apresentadas características técnicas, nem especificação dos materiais de construção que deveriam ser empregados — salvo indicação para casas de operários e cubículos do Código de Posturas, que obrigava o uso de soalho de madeira no interior das habitações — havia apenas a indicação de que eles deveriam ser sólidos, resistentes, de boa qualidade, refratários à umidade e maus condutores de calor; a respeito dos revestimentos dos pisos e paredes de cozinhas e banheiros a indicação é que deveriam ser “revestidos de camada lisa e impermeável”. Assim, a escolha dos materiais ficou a cargo de sua disponibilidade no mercado e dos saberes construtivos de artesãos, pedreiros e demais trabalhadores da construção civil;33 a alvenaria de tijolos atendia aos requisitos da legislação e havia disponibilidade tanto do material quanto de 31 Dentro desse tipo de organização dos ambientes da casa encontramos diversas variações: no posicionamento, acréscimo ou inexistência de determinados cômodos, ausência de corredor de circulação ou existência de dupla circulação com corredores paralelos, comunicação direta ou não entre os compartimentos, presença de uso comercial na frente da casa etc. Trataremos de alguns desses exemplos no capítulo seguinte. 32 Nestor Goulart Reis Filho, 1973, p. 16 apud Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 99. 33 Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 149. 78
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mão de obra qualificada na cidade.34 Os imigrantes desempenharam papel importante na introdução dos novos materiais e formas de construir, entretanto, a reestruturação do conhecimento técnico em construção, de fato, se deu a partir do estabelecimento do saber formal da engenharia.35 De qualquer forma, a chegada a São Paulo de imigrantes que possuíam algum tipo de qualificação e saberes artesanais36 foi fundamental para o estabelecimento do padrão construtivo na cidade em um momento em que a construção civil passou a exigir mão de obra possuidora de técnicas de modelagem, pintura decorativa, habilidades em carpintaria e marcenaria etc. Segundo Eudes Campos, a adoção da alvenaria de tijolos como técnica construtiva não foi suficiente para promover o “apuro estético” das construções. Muito embora o novo sistema construtivo atualizasse as técnicas, utilizando novos elementos como assoalhos de madeira, telhas francesas, calhas e condutores de ferro, vidros gravados ou lapidados, pisos de ladrilhos hidráulicos e lajotas de mármore, estuques em relevo nos tetos etc., isso não serviu “para compor ambientes de bom gosto”. Para tanto foi necessário “assumir as regras compositivas e o vocabulário formal e ornamental do Neoclassicismo, e até do Historicismo/Ecletismo”.37 Nesse sentido, a ornamentação das residências responde ao desejo de diferenciação social das famílias nesse momento em que se consolidaram as novas relações de trabalho livre e em que a casa se estabelecia como unidade de consumo. O ornamento era produtor de significados estéticos, valorizando a produção industrial e agindo como um elemento de conciliação 34 A produção dos tijolos — e outros materiais cerâmicos, como telhas — em olarias encontrava a matéria prima nas margens de cursos d’água. Na Vila Mariana havia, no início do século XX, a Olaria de Luiz Nosé, às margens do córrego do Sapateiro, próximo ao Matadouro, assim como a de Roberto Parola na Rua Machado de Assis. Cf. Pedro D. Masarolo, op. cit., p. 57 e 60. 35 Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 150. 36 Buscando qualificar a imigração italiana para o Brasil, Ana Lanna indica que até o final do século XIX o movimento era predominante de imigrantes subsidiados, oriundos do norte da Itália, pauperizados e de tradição agrícola. A partir do início do século XX, ampliou-se a entrada de imigrantes com alguma qualificação, tendo como origem cidades italianas, principalmente do sul, e como destino cidades brasileiras. Seriam estes últimos então os que contribuíram para “a construção da associação entre imigrante e trabalho qualificado relacionado a saberes artesanais”. Ana L. D. Lanna, 2012, p. 881. 37 Eudes Campos, op. cit., p. 507. 79
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entre a “reprodutibilidade da escala industrial com o particular e singular da produção artística”.38 Com a ampla produção de moradias na construção civil, sobretudo para os mais diversos estratos médios — que desejavam se distanciar da situação permanente de instabilidade profissional e financeira dos pobres e não proprietários, e ao mesmo tempo ter acesso ao mesmo modo de vida luxuoso dos mais ricos — a ornamentação de fachadas e a decoração dos ambientes da casa por meio do consumo de diversos objetos domésticos foram fundamentais para indicar visualmente a diferenciação social e construir a intimidade intrafamiliar.39 O consumo dos ornatos acontecia de formas diversas, de acordo com a disponibilidade de recursos financeiros. Nas casas mais abastadas a relação do proprietário-morador com o profissional responsável pelo projeto — neste caso sempre engenheiros-arquitetos — era muito mais próxima; em todo o processo de desenho e execução da ornamentação interna e externa se fazia sentir a presença do profissional e o desejo de expressão da individualidade do morador. Por outro lado, os profissionais responsáveis pela construção da maior parte das casas da cidade foram práticos licenciados, que segundo os engenheiros-arquitetos com educação formal, eram meros “imitadores” que teriam banalizado o uso dos motivos decorativos.40 Isso porque proprietários dos setores médios de casas de aluguel, que desejavam embelezar as fachadas das casas mas que não teriam como pagar por 38 Solange Ferraz de Lima, “O trânsito dos ornatos: modelos ornamentais da Europa para o Brasil, seus usos (e abusos?)”, Anais do Museu Paulista, 2008, p. 163. 39 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 295-299. A autora aponta que “a fruição visual que a decoração proporciona é uma prática vinculada à contradição desse período — uma realidade social instável que, em vez de gerar um impulso de mudança, acaba gerando um forte desejo pela vida contemplativa e auto-referenciada”, de forma que a casa torna-se lugar privilegiado para a paz e felicidade, em um momento de transformação no papel da moradia para a família nuclear. Novas demandas individuais dentro da família — como o atendimento das necessidades emocionais e afetivas — são criadas e alimentadas pelo estímulo da vida material doméstica, vinculando subjetividade e consumo e tornando a decoração doméstica uma necessidade. “Assim, a casa da segunda metade do século XIX, organizou-se de modo a dar pleno impulso à expansão da intimidade como parte da identidade de cada membro da família, e a mulher foi peça central nesse processo”. 40 Solange F. de Lima, op. cit., p. 175. A imitação era indesejada por ser entendida como “simulação, mentira e fingimento” por parte de arquitetos. Dessa forma, os práticos licenciados “se ocupavam das construções no pólo oposto àquelas projetadas pelos grandes escritórios de arquitetura”. No artigo a autora discute a inserção do ornamento na formação profissional de artesãos e no gosto dos consumidores a partir da disseminação, no Brasil, de repertórios, enciclopédias, manuais e guias de estilo europeus impressos. 80
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ornamentos exclusivos projetados por arquitetos, adquiriam ornatos em casas e lojas de decoração, que vendiam elementos decorativos a preços razoáveis, feitos em série e com materiais mais baratos a partir de moldes anteriormente confeccionados sob encomenda de ricos proprietários.41 Desse modo, os setores médios reproduziam alguns dos elementos decorativos das casas de classes mais abastadas, adquirindo cópias desses componentes. Os itens comercializados pelas lojas de decoração eram justamente um dos alvos das críticas à imitação, demonstrando que o que estava em jogo era a diferenciação de grupos sociais num cenário de amplo uso dos ornatos nas residências. A banalização era consequência da atuação de supostos maus profissionais, justamente esses os responsáveis pelos projetos arquitetônicos de moradias das camadas menos favorecidas. Encontramos, dentre as casas da Rua Domingos de Moraes, a ampla utilização nos novos materiais e técnicas construtivas, além de elementos decorativos nas fachadas, em maior ou menor escala. As residências são em alvenaria de tijolos, com janelas envidraçadas, elevadas do solo e com soalho de madeira; em alguns casos vemos representado em planta o uso de ladrilhos em cozinhas, banheiros e parte da área de circulação externa; os portões de entrada e gradis de ferro na testada do lote são recorrentes, tanto em casas maiores quando nas menores; o uso das platibandas, e consequentemente de calhas e condutores de ferro também é notável, assim como a presença de tubulações de ferro para conexão com a rede de distribuição e coleta das águas — que podemos depreender a partir da presença dos equipamentos sanitários em cômodos encostados ou integrados ao corpo da casa; a representação dos telhados em corte nos indica que telhas cerâmicas eram utilizadas. A consolidação do uso da nova tecnologia construtiva junto com os novos sentidos que a dimensão visual e estética da moradia adquiriu produziram um mercado consumidor no qual a casa e a família são os principais dependentes. Do mesmo modo que as novas formas de construir foram implementadas de maneira gradual, o modo de vida, práticas e agenciamento domésticos foram se modificando ao longo do tempo, num processo com permanências e atualizações. 41 Yvoty Macedo Pereira Macambira, 1985, p. 35 apud Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 151152 e Solange F. de Lima, op. cit., p. 176. 81
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Agenciamento e apropriações do espaço doméstico 84
A partir dos registros da Série de Obras Particulares levantados, selecionamos onze projetos de residências da Rua Domingos de Moraes para tratarmos mais detidamente. Essas casas foram escolhidas com base na identificação de padrões e diferenças entre as moradias da rua, buscando, com essa pequena amostragem, apresentar as soluções arquitetônicas adotadas e de que maneira elas se inserem no processo de conformação do novo ideal de domesticidade que se consolidava no período. Adotamos alguns critérios de escolha: a qualidade do desenho e das informações presentes nas plantas (indicação de nomes dos cômodos, de aberturas, materiais, etc.), a localização da casa na rua e a disponibilidade de informações a respeito do proprietário ou da casa nos jornais. Visto que a intenção do trabalho não é categorizar as habitações, tampouco analisá-las a partir de sua aproximação com certos modelos, a divisão das casas neste capítulo diz respeito à sua implantação no lote, e tem por objetivo organizar a construção das análises e argumentos a respeito do espaço doméstico. Pretendemos alcançar a domesticidade por meio da investigação dos desenhos arquitetônicos em diálogo com a bibliografia, com as fontes documentais e com as ferramentas próprias do campo da arquitetura, estudadas e desenvolvidas ao longo da graduação. Partiremos das casas isoladas, que se encontram afastadas dos limites do lote, passando pelas casas geminadas, construídas em série, normalmente localizadas em lotes profundos com pouca frente, tendo uma parede compartilhada com a casa vizinha, construídas em pares ou em maior número. Por fim, as casas conjugadas com compartimento para atividade comercial, que apresentam implantação no lote por vezes mais próxima das casas geminadas e por vezes uma configuração diversa e específica. O mapa 04 indica a numeração estimada da rua no período das casas levantadas — entre 1906 e 1914 — com base em informações encontradas nas plantas, como por exemplo indicação de esquinas bem como o nome das travessas. Na época ainda não vigorava o sistema métrico de numeração da rua,
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de modo que não havia muitos critérios para a lógica dos números dos imóveis, em alguns casos encontramos edificações diferentes com o mesmo número, por exemplo. Além disso, a numeração foi sofrendo alterações ao longo dos anos, portanto, a indicação dos números aqui colocada é uma estimativa que tem por objetivo localizar minimamente as residências ao longo da rua, entendendo que essa informação é importante para situarmos a casa nas dinâmicas do espaço urbano.
Casas isoladas no lote O morador do nº 42 era José Fernandes Costa, comerciante,1 proprietário da residência de doze cômodos construída em 1908.2 [01] Os limites do lote não estão representados, mas podemos deduzir, dado a presença da escadaria que leva ao terraço da entrada lateral e à ampliação de 19123 para a construção de garagem e cocheira, que o terreno era de grandes dimensões. A casa é elevada do solo e possui três entradas distintas com escadas; a da frente leva a um pequeno hall que distribui a circulação para o salão, saleta e gabinete. O hall funciona como uma triagem de quem chega, sendo o único espaço acessível após a entrada, que leva às portas dos demais cômodos. Assim, é nítido que a entrada frontal era um acesso destinado primordialmente aos visitantes, que poderiam ser recebidos no salão, no gabinete ou dirigidos à sala de jantar, passando pela saleta. A área de recepção da residência concentra-se na frente e articula-se de maneira independente por meio do hall e da saleta, sendo que o gabinete e o salão só podem ser acessados a partir desses ambientes de distribuição, ficando distantes da área de convívio íntimo da família. Dada a ocupação de José Fernandes Costa e a presença desses cômodos notadamente destinados aos visitantes e articulados por uma circulação exclusiva é de se 1 Correio Paulistano, edição 01470 de 1920. A ocupação de José Fernandes Costa é mencionada nessa edição por estar na lista de sócios da Caminho do Mar S.A. Em O Combate, edição 00956 de 1918 o comerciante é indicado como suplente do conselho diretor da Câmara Portuguesa de Comércio. 2 AHM-SP OP 1908 000.695. 3 AHM-SP OP 1912 001.588. 86
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imaginar que o comerciante recebia pessoas para tratar de negócios em seu gabinete4 e que o salão também desempenhava papel importante para a recepção, que poderia ser relacionada a arranjos políticos e econômicos dos quais a mulher geralmente não participava, ou talvez recepções sociais voltadas ao entretenimento e demonstração dos dotes da esposa.5 Chama a atenção o fato de que o gabinete só poderia ser acessado pelo pequeno hall de entrada, configurando-se como o ambiente mais apartado do resto da casa, indicando que de fato se tratava de um cômodo voltado para o exterior, para assuntos que, se poderiam influenciar a vida doméstica, se afastavam dela, com atributos associados ao gênero masculino. Outro cômodo bastante afastado da dinâmica interna da residência é o quarto localizado ao lado do gabinete, mas sem conexão direta com ele, acessado pela saleta ou diretamente pelo terraço da entrada lateral. A posição desse aposento no arranjo da casa aponta que o uso do cômodo estava igualmente associado às pessoas de fora do núcleo familiar, sendo destinado aos hóspedes. O acesso pela frente da casa é dotado de diversos filtros de privacidade, começando pela escadaria, que afasta o espaço doméstico do nível da rua, chegando ao hall exíguo, o qual só permite o acesso aos aposentos da moradia mediante autorização, no caso a abertura de alguma das portas. Outrossim, a saleta aparece como um compartimento distribuidor da circulação e que faz a mediação entre os acessos externos, os cômodos dirigidos aos visitantes e as áreas de maior intimidade familiar. Na lateral da casa há uma escadaria que leva ao estreito terraço, o qual permite o acesso direto ao quarto e aos ambientes da frente da casa — por meio 4 O gabinete era “um pequeno cômodo, destinado ao dono da casa, trancado a chave”, localizado sempre na parte da frente da casa, com entrada independente, reconhecido como “o lugar da absoluta privacidade masculina” e a sua localização no arranjo doméstico acentua a ligação do homem com o espaço exterior à casa. No gabinete o marido se recolhia para ler, estudar e cuidar da administração de seu patrimônio sossegadamente, sem ser interrompido pela esposa e os filhos. Nesse espaço também recebia amigos e reuniões para acertos que envolviam a família ou os negócios. Vânia C. de Carvalho, op. cit. p. 137-138. 5 Não temos como inferir se o salão da residência de José F. Costa era um ambiente mais próximo ao universo feminino de exibição de habilidades da mulher cultivada, já que as fontes consultadas não permitem saber qual era sua decoração, mobiliário etc. 89
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da saleta — e também adentrar a moradia pela sala de jantar. Além de prover a circulação, o terraço funciona como uma pausa, um marcador de entrada e da passagem entre exterior e interior da habitação, assim como o patamar da escada da frente. Como podemos observar, esse elemento não está presente no acesso dos fundos, que concentra os fluxos relacionados aos serviços. A sala de jantar leva aos quartos, tanto os separados dela apenas por portas, quanto aos que se localizam no bloco dos fundos, acessados por meio do corredor. O espaço parece misturar usos formais e informais; por ser o maior compartimento da casa, em que os fluxos vindos dos cômodos de repouso convergem, sem a presença de diversas camadas de filtros de privacidade, a sala de jantar fazia parte das atividades cotidianas mais intensas, para onde a vida familiar conflui. Por outro lado, sua forma de acesso — seja pela saleta, seja pelo terraço — indica que o cômodo também poderia se destinar a compromissos sociais mais cerimoniosos.6 Os quartos individualizam a vida íntima dos membros da família, em um novo contrato no qual a entrada nos dormitórios só é permitida sob a permissão de quem o ocupa. Os aposentos mais próximos à área de serviços destinam-se aos filhos, que por vezes ficavam sob o cuidado de uma preceptora ou governanta, ou seja, numa relação mais próxima com as trabalhadoras domésticas. Os quartos que se abrem para a sala de jantar, afastados dos aposentos dos filhos e dos serviçais, eram do casal; provavelmente o de menor dimensão seria um “quarto de vestir” ou para a realização da “toalete”,7 uma prática que se relaciona com o novo modo de vida pautado pela higiene. O volume da casa localizado aos fundos8 concentra os serviços, com entrada 6 Segundo Vânia C. de Carvalho, a sala de jantar que mantém usos “formais e informais, masculinos e femininos, encontra explicação na persistência e uma tradição paulistana colonial, em que a casa se configurava de forma mais pragmática, ou seja, preservando espaços maiores para as atividades mais intensas do cotidiano e reservando para os eventuais encontros formais [...] um espaço menor”. Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 120. 7 A toalete consistia em cuidados de higiene, limpeza e embelezamento do corpo e também no conjunto de peças destinadas a esses cuidados e o mobiliário que guardava esses itens. Clarissa de A. Paulillo, op. cit., p. 243. 8 Nota-se na planta que os aposentos localizados a partir do corredor têm suas paredes externas recuadas alguns centímetros do alinhamento das alvenarias externas dos cômodos da frente, 90
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específica, afastada das demais, segregando não só as atividades realizadas nesses ambientes, mas também as serviçais responsáveis por sua realização. O patamar da escada leva diretamente a copa, que dá acesso para a cozinha, banheiro e despensa, caracterizando-se como um espaço de organização e distribuição dos movimentos da área de serviços, e não como um local para realizar refeições — conforme entendemos contemporaneamente o cômodo assim denominado. Percebe-se que a compartimentação do espaço doméstico, por meio das paredes, busca separar as atividades, as pessoas que frequentam a moradia — membros da família, visitas e serviçais — e estabelecer novas formas de intimidade intrafamiliar. As portas são oportunidades para a superação dos limites entre os cômodos, sempre mediante aviso e autorização. A residência de José Fernandes Costa não dispõe das diversas salas de recepção e representação existentes em muitas residências da alta burguesia — da senhora, de piano, de bilhar, de chá etc. — tampouco compartimentos específicos para a realização de certos serviços — costura, passar roupas, engomar — ou aposentos de permanência das criadas. Ainda assim, percebemos a separação dos usos mais íntimos da família dos ambientes de visitas e trabalho masculino. Há também o afastamento dos serviços, principalmente da parte da frente da residência, ao serem acessados a partir dos fundos, sem a necessidade das criadas passarem por dentro da casa. José Fernandes Costa era proprietário de um automóvel, que ele mesmo dirigia. Em uma tarde de 1920, atropelou o operário Vicento Rizzo, de 17 anos, quando este descia de um bonde na Rua Vergueiro. Rizzo foi “arremessado violentamente” ao solo, ferindo-se na cabeça e tórax. Culpado pelo acidente, por ter sido imprudente ao “ignorar a postura” que proibia ultrapassar bondes quando estes estavam parados para embarque e desembarque de passageiros, Costa foi preso em flagrante.9 A notícia informa que o comerciante dirigia há muitos anos, provavelmente iniciara em algum momento após 1912, quando configurando um volume ligeiramente deslocado do restante do corpo da casa. 9 Correio Paulistano, edição 20511 de 1920. 91
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construiu a garagem no terreno de sua residência. É curioso notar que a ampliação se tratava de uma garagem e uma cocheira, atestando a convivência de antigos modos de circulação pela cidade com a inovação do automóvel.10 No lado oposto, nº 57, esquina com a Rua Dr. Nicolau de Queiroz, encontramos o sobrado de dez cômodos11 do médico italiano Eduardo Martinelli.12 [02] A casa implantada em um terreno de esquina, é recuada do alinhamento da Domingos de Moraes e uma escada encostada no muro da rua perpendicular chega a um patamar com a porta que abre-se para o hall. Nesse curto percurso, entre o portão e a porta de entrada da casa, nos deparamos com os dispositivos que afastam a habitação da rua, proporcionando maior privacidade: o portão, o recuo frontal, a elevação do nível do piso e a porta. Passando pelo hall dividem-se os fluxos de circulação: para os ambientes na parte da frente, mais voltados às visitas e aos pacientes do Dr. Martinelli; os cômodos de convívio cotidiano e serviços, acessados pela sala de jantar; e a área íntima de repouso da família, no andar superior. A entrada dos fundos leva à cozinha, copa e banheiro e é acessada, a partir do portão de entrada, por meio do recuo lateral. O escritório de Martinelli é maior do que o gabinete de José Fernandes Costa, isso porque este era o consultório do médico, local onde ele realizava todo o seu trabalho, diferente da natureza do espaço do comerciante, que possivelmente utilizava o cômodo como espaço secundário de trabalho e não como escritório principal de seus negócios. As portas são fundamentais para a configuração da sala de jantar, que apesar de estar diretamente ligada aos cômodos de serviços domésticos — sala 10 De acordo com a pesquisa de Clara de Carvalho, das 48 cocheiras encontradas na Vila Mariana, 33 eram conjugadas às residências, tanto as mais ricas como a de José Fernandes Costa quanto as mais modestas, em que o morador trabalhava como cocheiro. Cf. Clara C. V. A. de Carvalho, op. cit., p. 145. 11 AHM-SP OP 1914 001.626. 12 Il Pasquino Coloniale, edição 00491 de 1917 e O Combate, edição 00646 de 1917. Eduardo Martinelli era especialista em moléstias de crianças, em seus anúncios nos jornais indicava que o endereço da Rua Domingos de Moraes era sua residência e consultório. Foi inspetor sanitário da prefeitura e faleceu em 1919, vítima da epidemia de gripe espanhola. Cf. Relatórios dos Presidentes dos Estados Brasileiros (SP), 1919. 92
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de costura, cozinha, copa e banheiro — quando as portas são fechadas distanciase deles, servindo como um ambiente mais formal, “um lugar público, expressão de cultura e civilidade em oposição à cozinha, domínio feminino”.13 A copa, além de espaço que antecede o banheiro do piso inferior, também poderia comportar um fogareiro, para esquentar a comida antes de ser levada à sala de jantar.14 A confecção e reparo de roupas, atividades realizadas por mulheres, possuía um aposento exclusivo, como um anexo da sala de jantar: a sala de costura. O “w.c. e banho” compartilhava uma parede com a cozinha, na qual inclusive vemos a representação de uma pia, revelando a lógica racional e de economia das instalações hidráulicas. Subindo as escadas, no patamar, há um pequeno espaço com as portas de acesso aos quartos e ao banheiro. O andar superior, com pé direito de 3,80 metros, concentra os ambientes de repouso, separando-os da parte mais “pública” da casa; ao mesmo tempo as paredes e portas dos quartos separam os membros da família. Os dormitórios com aberturas para os fundos são conectados por uma porta e tem acesso aos terraços, sendo estes provavelmente destinados ao casal; os dois da frente tem área ligeiramente diferente, devido a parede divisória estar no mesmo alinhamento da parede do pavimento inferior, entre sala e escritório. O banheiro superior está totalmente integrado à dinâmica doméstica, numa aproximação que só foi possível com a conexão da casa com a rede de água e esgoto; a presença da latrina tão próxima aos quartos revela uma importante mudança em relação às práticas de higiene e excreção: com os fluidos canalizados e afastados do contato humano, o banheiro não era entendido como um potencial disseminador de doenças. Assim, ao aproximar-se dos dormitórios, adentra a zona íntima da casa, recebendo as atividades de toalete e demais cuidados com o corpo, não ficando mais circunscrito à zona de serviços.15
13 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 119. 14 João L. M. da Silva, op. cit., p. 208. 15 Clarissa de A. Paulillo, op. cit., p. 214-216. 94
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Assim como na residência de José Fernandes Costa, percebe-se a separação das atividades de foro mais íntimo da família e de funcionamento da casa das áreas destinadas a receber visitantes. Nesse caso, a intimidade familiar é ainda mais preservada em relação aos de fora, com os dormitórios em um nível superior. Por outro lado, a proximidade entre os quartos na residência de Eduardo Martinelli configura uma relação intrafamiliar mais próxima do que na casa de Fernandes Costa. O hall direciona quem vem de fora, mediante a permissão dos moradores ao abrirem as portas, aos aposentos de estar e ao consultório do Dr. Martinelli. A sala de jantar é igualmente um cômodo que mescla a vida cotidiana mais intensa da família com a formalidade da recepção social, a depender de quais portas estão abertas ou fechadas. A entrada dos fundos possibilita que a circulação dos serviçais seja feita sem interferir nas outras funções da casa. Nota-se na fachada o apuro estético com o emprego da platibanda e a utilização de elementos de ferro no portão lateral, janelas, aberturas de ventilação do porão, gradis do terraço e na mão francesa da cobertura presente sobre o patamar de entrada. Já no início da Domingos de Moraes, em uma casa de sete cômodos no nº 8,16 morava o italiano Isidoro Nardelli, dono da Fábrica de Pianos Nardelli, instalada em um terreno na Avenida A. [03] O fundo do lote de sua residência encostava no terreno da fábrica, que existia antes da casa — construída em 1912 — pois em 1910 já encontramos anúncios de venda, conserto, afinação e aluguel de pianos17 da Fábrica Nardelli.18 Passando pelo portão de entrada e 16 AHM-SP OP 1912 001.582 e A Gazeta, edição 03688 de 1918. Em anúncios, por volta de 1918, o endereço consta como nº 14. 17 A respeito do piano como um objeto doméstico, os inventários do final dos oitocentos analisados por Maria Luiza F. de Oliveira revelam que este ainda não era muito presente nas residências, citando inclusive a falência de um austríaco dono de uma fábrica de pianos. O funcionamento da Fábrica Nardelli por muitos anos na Vila Mariana, com seus pianos sendo vendidos em lojas no perímetro central, como a Casa Pratt, nos leva a crer que a partir do início do século XX tal objeto se difundiu entre parte dos lares paulistanos. O piano como parte da educação social das mulheres de “boas famílias” é citado por memorialistas e presente também na literatura, em livros e contos de Machado de Assis. Em Helena um dos dotes da personagem era saber tocar piano bem. Cf. Maria L. F. de Oliveira, op. cit., p. 72-73. 18 Gazeta Artistica - Musica, Literratura e Bellas-Artes, edição 003 de 1910. 95
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seguindo pelo corredor na lateral direita da casa, em direção aos fundos, chegase a uma escada, que desce e permite o acesso ao terreno e ao edifício da fábrica. Na frente da casa há uma escadaria que ascende ao terraço, no qual há a porta de entrada, único acesso ao interior da residência. Ao passar pela porta há o vestíbulo, que distribui a circulação para a sala de visitas e para o escritório — cômodos completamente apartados das áreas de convívio cotidiano da família, visto que são acessados somente pelo vestíbulo. A posição e formas de acesso destes ambientes revelam que eram voltados para receber visitantes, ocultando, por meio da porta do corredor, os bastidores do funcionamento da casa. Nardelli, proprietário de uma fábrica, tinha no gabinete seu espaço de trabalho junto à sua moradia e ao mesmo tempo longe dela, devido a entrada autônoma do aposento.19 Assim como nas outras duas casas isoladas, nota-se que moradia e trabalho não estão completamente separados. Ademais, nesse caso — tal como na residência de Eduardo Martinelli — há uma proximidade ainda maior, já que além da existência do gabinete, a casa articula-se com a fábrica de pianos. O vestíbulo leva a um segundo terraço, na lateral esquerda, que por sua vez é a forma de acesso externo à sala de jantar. Alguns móveis estão representados em planta, como a mesa de jantar, retangular, posicionada bem no centro do cômodo, o qual pode ser acessado por meio de quatro portas: uma externa, duas no corredor central e outra que leva à cozinha, passando pela despensa. A aparente fixidez do mobiliário relaciona-se a noção da sala de jantar como um aposento que representa a figura “sólida” do homem, espaço de exibição e representação masculina.20 Os múltiplos acessos proporcionam relações diferentes com o cômodo, ora mais próximo à recepção, ora mais integrado à vida cotidiana e à área de serviços. Salta aos olhos a redundância nas circulações: o corredor central dá acesso a todos os cômodos do interior da casa e ao mesmo tempo, esses ambientes 19 Em anúncio no jornal italiano Il Pasquino Coloniale, edição 00624 de 1919, o endereço do escritório da fábrica é o mesmo da residência de Isidoro Nardelli, e o da fábrica propriamente dita na Rua Eça de Queiroz (antiga Avenida A). Ou seja, o escritório presente na casa não era um local de trabalho secundário como normalmente eram os gabinetes em moradias. 20 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 119. 97
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têm circulação entre si. De um lado há a conexão entre sala de jantar, despensa e cozinha, do outro w.c., banho e o quarto. É interessante como o banheiro está mais relacionado ao uso íntimo do quarto do que aos serviços, como geralmente ocorre quando este se localiza encostado na cozinha. O banheiro divide-se em dois compartimentos: o banho, interligado ao dormitório, que contém a banheira e mobiliário relacionado a toalete; outro com apenas a latrina, acessado pelo corredor ou a partir do quarto, passando pelo banho. Assim, o aposento de cuidado e higiene do corpo (banho) relaciona-se diretamente com o dormitório, conformando uma zona de práticas íntimas da família. Nesse caso também observamos, como nas residências supracitadas, a divisão das atividades de acordo com sua natureza, principalmente em relação aos espaços de recepção, na frente da casa, separados da vida cotidiana familiar. Todavia, a circulação central pelo corredor ou por dentro dos cômodos separa, de uma maneira diversa, o fluxo de serviços do fluxo mais íntimo. Além disso, a residência de Isidoro Nardelli não dispõe de entrada exclusiva de serviços aos fundos, de forma que o afastamento entre família e criadas e entre as atividades de serviços e de estar tinham maiores chances de cruzamento e interação. Observamos nessas casas uma tentativa de setorização dos cômodos de acordo com seus usos, separando fluxos e pessoas por meio dos ambientes de distribuição da circulação. Aqui também notamos que portas abertas ou fechadas são elementos essenciais para o agenciamento da vida doméstica, permitindo ou não a relação entre os espaços e os indivíduos. Os fluxos e interrupções tem como base o estabelecimento da privacidade tanto entre os membros da família quanto em relação aos que vêm de fora, sejam visitas ou empregados. Todas apresentam, em diferentes medidas, filtros de privacidade em relação ao espaço público, construindo camadas de separação, nas quais alguns cômodos estão mais expostos e relacionados à vida fora da casa do que outros. A presença do trabalho masculino é ambígua, ao mesmo tempo em que os escritórios e gabinetes fazem parte da residência, estão sempre numa lógica mais próxima à vida pública, com acessos diretos ao exterior e sem comunicação
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com a área íntima da moradia. O mesmo ocorre com as salas voltadas à recepção: sempre na frente da casa, acessadas pelo hall ou vestíbulo, ocultam para os visitantes o cotidiano da família, permitindo a manipulação da imagem mostrada. Ao mesmo tempo, a sala de jantar aparece como um espaço que matiza as zonas social, íntima e de serviços: serve tanto para realizar jantares formais quanto para a vida familiar cotidiana ou associada aos serviços domésticos, tudo depende da abertura e fechamento das portas. Tal configuração da sala de jantar é diversa da descrita por Maria Cecília N. Homem no palacete paulistano, que segundo a autora “transformou-se em lugar solene, destinado apenas ao ritual exigido pelos novos cardápios e pela etiqueta”, despojando-se dos serviços, da recepção a visitas íntimas e do convívio familiar que outrora abrigava.21 Os banheiros, dotados dos equipamentos sanitários necessários para excreção e limpeza do corpo, conectados às redes urbanas, integram-se ao espaço doméstico, consolidando as novas práticas de higiene e intimidade do habitat moderno. As cozinhas configuram-se como ambientes higiênicos exclusivos para preparo dos alimentos, limitados pelas paredes e pela elevação do nível do piso. Apesar de ainda estarem nos fundos da casa, não tem relação direta com os quintais, como ocorria na casa de tradição colonial. Diferentemente do que veremos nas casas geminadas e com uso misto, não encontramos nas casas isoladas a lavanderia, configurada como tal, dada a prática de mandar as roupas serem lavadas fora, visto que o trabalho das lavadeiras ainda era bastante comum. Verifica-se que a setorização presente no “palacete” também aparece nessas casas, bem como os ambientes que articulam circulação entre as zonas de estar, serviços e repouso: vestíbulo ou hall. Entretanto, não há a presença das inúmeras salas voltadas à recepção; a sala de jantar configurase como um ambiente múltiplo, que abriga atividades relacionadas a mais de uma dessas três zonas.
21 Maria C. N. Homem, op. cit., p. 249. 99
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Casas geminadas Em 1912, Nicolau Florenzano, dono de uma fábrica de camas de ferro na Rua Florêncio de Abreu,22 construiu duas casas de sete cômodos no nº 10 da Domingos de Moraes.23 [04] Florenzano também era proprietário de um armazém no nº 1224 e de outros dois imóveis na Vila Mariana.25 As residências têm a planta alongada, com os cômodos dispostos sucessivamente, como é comum nas casas construídas em série. Mesmo no estreito lote, a implantação deixa recuos laterais, que fornecem iluminação e ventilação a todos os ambientes, em conformidade com a legislação. O recuo frontal afasta as casas da rua e deixa espaço para um jardim, elemento importante para simbolizar a distinção social almejada por famílias dos estratos médios. Pela lateral, ao subir a escada, estão as entradas da casa: a primeira leva a sala de visitas, que se abre para um pequeno terraço com vista para o jardim. Seguindo pelo corredor externo é possível entrar na moradia pela sala de refeições. O acesso pela sala de visitas oculta os bastidores da casa dos que não são do núcleo familiar, que ao entrarem na casa só podem permanecer nesse cômodo, devido à porta para o corredor interno, a qual, quando fechada, não permite a intromissão de estranhos na vida doméstica. Ao mesmo tempo, a sala de visitas poderia também fazer parte do convívio familiar, como espaço importante para a expressão do conforto doméstico físico e visual, a depender de sua decoração e mobiliário, que induz a outras práticas menos voltadas à recepção social.26 Entrando pela sala de refeições pode-se ir em direção à frente da casa, pelo corredor interno, e acessar o dormitório e o toilette. Chama a atenção as grandes dimensões dos dois compartimentos, principalmente a área exclusiva 22 Correio Paulistano, edição 18001 de 1913. 23 AHM-SP OP 1912 001.584. 24 AHM-SP OP 1914 001.624. 25 Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 253. 26 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p.165-166. Segundo a autora, os segmentos médios paulistanos foram o público alvo principal de campanhas publicitárias e conselhos que previam o estabelecimento da sala de visitas menos como zona de recepção social e mais como área de convívio familiar, íntimo e confortável, conforme o modelo inglês do living-room. 100
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destinada às atividades da toalete. O mobiliário não está representado, tampouco possíveis instalações sanitárias providas de água encanada, de modo que poderia ser usado para as práticas de cuidado com o corpo mas também funcionasse como mais um dormitório, de acordo com as demandas da família. Os dois corredores paralelos de circulação — um externo e outro interno — são recorrentes em residências implantadas em lotes alongados. Neste caso, essa solução proporciona maior privacidade aos cômodos de repouso localizados entre as salas: quem circula pelo corredor externo não tem acesso aos ambientes e no corredor interno, por possuir portas entre ambas as salas, só adentra quem tem a permissão dos donos dos aposentos. Voltando à sala de refeições, há outro corredor interno que leva à cozinha nos fundos da casa, passando por dois dormitórios e pelo banheiro. O fato desses dois cômodos de repouso estarem separados — por portas e pela sala — dos outros mais a frente da residência, indica a separação dos moradores, numa relação de intimidade familiar que se assemelha à residência de José Fernandes Costa, hierarquizando os dormitórios de acordo com a posição de cada indivíduo na família. Do mesmo modo, a sala de refeições é para onde a vida familiar converge, é nela onde pais e filhos se encontram durante os rituais de alimentação, nos quais a família se legitima, reconhecendo e respeitando os lugares de cada um.27 Dotados dos equipamentos sanitários necessários à higiene e seguindo as prescrições do Código Sanitário a respeito dos revestimentos do piso, a cozinha e o banheiro localizam-se nos fundos, como é de costume em casas de planta longa. O banheiro completo, contém o vaso sanitário e a banheira, concentrando em um só compartimento as atividades da rotina de limpeza corporal. Além disso, a fim de diminuir os gatos, compartilha com a cozinha a parede na qual estão as tubulações de ferro galvanizado, um elemento caro por ser importado.28 As generosas dimensões da cozinha comportam a existência de 27 Tania A. Lima, 1995, p. 143 apud Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 119. 28 Carlos Lemos, op. cit., p. 78. Segundo Lemos, o binômio banheiro-cozinha foi uma característica da arquitetura de tijolos no início do século XX, justamente por economizar no uso da tubulação de ferro. 103
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pia e fogão, representados no desenho, sobrando espaço para a disposição do mobiliário de maneira cômoda, facilitando a execução das tarefas pela dona de casa e empregadas, conforme indicado para “a cozinha moderna”.29 Outrossim, na cozinha há uma escada para o porão e nos fundos do lote há outro jardim com tanque para lavagem de roupas encostado a um gabinete com latrina. Provavelmente esse gabinete era destinado aos serviçais, separando-os do convívio mais íntimo da família que acontecia no banheiro interno. Apesar das duas casas possuírem o mesmo número de cômodos que a residência de Isidoro Nardelli, seu programa e arranjo do espaço doméstico é diverso. Nesse caso não há hall ou vestíbulo, a distribuição da circulação é feita por meio de corredores, conectando os ambientes dispostos sucessivamente. Essa circulação dupla por corredores paralelos é igualmente encontrada nas casas de seis cômodos do nº 84, de propriedade de Marianna Medeiros da Rosa e Arminda de Medeiros Petrella.30 [05] Entretanto, nesse caso a lógica está invertida: o corredor externo fica encostado na parede divisória entre as moradias, de modo que o volume das casas se estende até as divisas laterais do lote. Assim, o recuo que permite a entrada de luz e ventilação situa-se entre as duas casas. Marianna Medeiros também era proprietária de uma casa de nove cômodos na Domingos construída em 190731 e de outros dois imóveis no bairro, construídos em 1915.32 Poucas são as mulheres dentre os registros da série de obras particulares que encontramos: além de Marianna e Arminda Medeiros há apenas outras quatro mulheres proprietárias de imóveis na Domingos de 29 Revista Feminina, nº 55, dez. 1918, p. 79. O artigo intitulado “A cozinha moderna” descreve com detalhes como deveria ser o cômodo e inicia dizendo que “deve estar aparelhada de maneira que haja o máximo de eficiência e comodidade para o trabalho, que tem de ser executado nela. Não nos referimos aqui à cozinha modesta das famílias que têm hábitos excessivamente frugais, mas à cozinha moderna, que tem de ser modelar”. A própria revista deixa claro, logo no primeiro parágrafo do artigo, que as prescrições se referem a um modelo de cozinha que não pode ser alcançado por famílias pobres, numa clara demonstração de que a comodidade e higiene domésticas estavam relacionadas à posição social. 30 AHM-SP OP 1914 001.631. 31 AHM-SP OP 1907 000.538. 32 Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 252. 104
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Moraes. O que não significa que a presença feminina na vida da rua e do bairro era escassa; nos jornais as mulheres aparecem buscando e oferecendo serviços, como a professora alemã, residente no nº 117, que procurava uma colocação para ensinar línguas estrangeiras ou como dama de companhia ou até mesmo como costureira.33 Envolviam-se em brigas e acidentes de trânsito, como foi o caso de Ignacia Maria das Dores, moradora do bairro, que numa tarde agrediu “a socos e pontapés” Thereza da Silva, preta, 50 anos, com quem “há muito tempo andava de rixa”. Ignacia foi presa em flagrante na Domingos de Moraes e encaminhada ao posto policial de Vila Mariana.34 Mathilde Garcia, de 19 anos, e sua amiga Zaira Mioli, de 16, regressavam de uma “matinée dançante” acontecida na Rua Quintino Bocaiúva quando um “imprudente condutor”, que guiava o automóvel em alta velocidade, atropelou Mathilde no momento em que ela descia do bonde na Rua Domingos de Moraes; a vítima faleceu a caminho do hospital da Santa Casa de Misericórdia devido aos graves ferimentos do acidente.35 Voltando às casas do nº 84, após subir a escada, o corredor central leva às duas entradas da moradia: a primeira, se abre para um pequeno corredor no qual há as portas do gabinete e da sala. Mais uma vez temos os ambientes de recepção dos visitantes e de trabalho masculino na frente da casa, distantes dos cômodos mais íntimos e de serviços. Seguindo ainda pelo corredor externo, a outra entrada alcança a sala de jantar, que se assemelha à antiga “varanda” da casa de tradição colonial.36 Esse cômodo é a sala para a família, onde a convivência cotidiana acontece, além de dar acesso ao “puxado” onde se localizam o banheiro e a cozinha. A existência de uma pequena cobertura na entrada da frente nos leva a crer que este era o acesso prioritário, relegando à entrada no 33 Correio Paulistano, edição 18849 de 1916. 34 Correio Paulistano, edição 15784 de 1907. 35 Correio Paulistano, edição 20553 de 1920. 36 Carlos Lemos, op. cit., p. 78. Lemos descreve a lógica da circulação dupla que começou a aparecer nas casas dos estratos médios no final do século XIX: “um [corredor] externo, descoberto, ligando o portão de ferro à varanda [...] e outro coberto, no interior, ligando a sala da frente e o gabinete à mesma sala de jantar, passando ao largo dos dormitórios. Esta varanda é que dava acesso ao resto da casa, ao “puxado” da cozinha e acomodações de serviço”. Segundo o autor a denominação “varanda” para o ambiente, que em muitos casos foi chamado de sala de jantar, perdurou por muitos anos. 107
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final do corredor os serviços. Os dois dormitórios estão no meio da planta e possuem circulação interna, assim como ocorria nas casas dos oitocentos antes da proibição das alcovas; contudo, agora recebem a iluminação e ventilação provisionada pelo corredor. A porta entre os cômodos altera significativamente a dinâmica de intimidade entre os membros da família, abrindo possibilidades de convívio, compartilhamento, conflitos e intromissões que não ocorreriam caso a abertura não existisse. Essa “alcova moderna” adaptava os preceitos da higiene aos hábitos considerados elegantes, que por um lado recomendavam o mínimo de objetos possível para evitar o acúmulo de pó e por outro estimulavam o consumo de objetos domésticos como símbolo de requinte.37 Nos fundos há o habitual binômio banheiro-cozinha, e a escada que leva ao quintal. Ainda que integrado ao interior da casa, o banheiro está mais afastado dos quartos do que em outras residências que tratamos anteriormente, há a sala de jantar e uma porta separando-os. Nesse arranjo, mesmo pouco distantes, dormitórios e banheiro tem uma relação distinta, sendo o espaço de limpeza e excreção menos incorporado à vida íntima dos indivíduos. No nº 82 existiam outras duas casas de sete cômodos [06] empreendidas por Hermann Telles Ribeiro,38 vice-presidente da Casa Pratt, loja na Rua São Bento que comercializava caixas registradoras, pianos Nardelli etc.39 A Rua Domingos de Moraes não está representada no desenho, de forma que não sabemos o quanto as casas estavam recuadas da via. De qualquer modo, a casa afasta-se do espaço público com a elevação do solo, de sorte que para chegar à porta de entrada é preciso subir as escadas na lateral. Diferentemente das casas geminadas supracitadas, estas não seguem a lógica da planta corredor; ao passar pela soleira de entrada há um pequeno 37 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p.160. Tratando do modelo ideal de quarto para uma moça, a autora aponta que a elegância na decoração tinha estreita relação com a organização funcional e seus efeitos visuais, mesmo em espaços reduzidos ao extremo de forma que “a produção decorativa, por mais simples que fosse, pressupunha um ambiente aprazível. Para isso, o pré-requisito era neutralizar os vestígios das fainas domésticas e das sensações físicas do corpo em atividade”. 38 AHM-SP OP 1914 001.629. 39 A Vida Moderna, edição 00326 de 1917. 110
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vestíbulo com três portas que levam ao gabinete,40 à sala de visitas e à sala de jantar. Nota-se mais uma vez a importância das portas no jogo da privacidade: quando aberta a que existe entre as salas — que aliás possui maior dimensão — e fechada a que leva ao corredor, era possível transformar sala de visitas e de jantar em espaços de recepção ou de convívio familiar interligados. Invertendo o arranjo, altera-se o caráter dos cômodos: a sala de jantar volta-se para a convivência intrafamiliar, ao passo que a sala de visitas atua como espaço para receber quem vem de fora. Banheiro e cozinha estão nos fundos, mas não como um bloco que sucede o corpo principal da casa: a dupla de cômodos se encaixa paralelamente aos três quartos, numa ordenação que os aproxima. Os dormitórios compartilham o corredor de circulação, conformando uma zona íntima de repouso, em conformidade com a nova lógica de intimidade familiar na qual cada um faz de seu aposento um refúgio. Entretanto, diversamente das casas geminadas do nº 10 e da residência de Fernandes Costa, não há hierarquização entre os quartos: todos partilham das mesmas camadas de privacidade em relação às visitas, à cidade e às atividades de serviços. Em 1909 o alemão Julius Hartmann, sócio da gráfica Companhia Lithographica Hartmann-Reichenbach41 construiu cinco casas de quatro cômodos nos nº 35 e 37.42 [07] Proprietário de onze imóveis na Vila Mariana, Hartmann se mudou para o bairro em 1910, estabelecendo residência em uma casa de onze cômodos na Rua Vergueiro.43 As casas são afastadas do solo, conforme indicavam os códigos, todavia, é notável, pelo reduzido número de degraus na escada, como a elevação do nível do soalho é menor do que nas residências isoladas e geminadas que tratamos até agora. A ordenação dos cômodos e forma de acesso ao interior da 40 O cômodo não está nomeado, mas por suas dimensões, posição na frente da casa e acesso pelo vestíbulo deduzimos que se trata de um gabinete ou escritório. 41 Correio Paulistano, edição 14458 de 1903 e edição 16425 de 1909. A gráfica de Hartmann foi responsável por imprimir diversas plantas gerais da cidade de São Paulo, como as de 1913 e 1916. 42 AHM-SP OP 1909 000.919. 43 Clara C A. de Carvalho, op. cit., p. 181-182. 112
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habitação tem a mesma lógica das casas dos nº 10 e 84, no entanto, neste caso há somente o corredor externo, que leva à única entrada da moradia, pela sala de jantar. A circulação interna é realizada passando por dentro dos cômodos encarreirados: na frente há os dois quartos, que são separados da cozinha pela sala de jantar. A ausência de um corredor que distribua a circulação para cada quarto individualmente torna bem mais próxima a relação entre os habitantes, que não dispõe de um aposento no qual só se entra mediante autorização, afinal inexiste outra opção de percurso a não ser passar por entre os cômodos. O banheiro é dividido em dois compartimentos, um para a latrina e outro para o banho. A grande diferença em comparação às casas que tratamos até então está no fato de que esses ambientes não estão no interior da casa, mas sim encostados, de modo que seu acesso é feito externamente. Mesmo existindo uma cobertura que atenua a exposição às intempéries, há uma mudança significativa quanto às práticas, afinal para utilizar o banheiro era necessário sair da casa e descer a escada. Além disso, encontra-se bastante afastado dos dormitórios, relacionando-se muito mais com os serviços do que com as atividades da área de repouso. A relação com o quintal também se modifica, a habitação está muito mais próxima do nível do chão e o banheiro com acesso por fora da casa torna mais recorrentes as idas até a área externa dos fundos. Percebe-se que conforme o programa da casa se reduz, as áreas sacrificadas são as de recepção de visitantes e de convívio familiar aos moldes do living room, bem como os filtros de privacidade em relação à rua e que ocultam os detalhes da vida cotidiana no lar aos não moradores da casa. Outrossim, os ambientes para cuidado e higiene do corpo reduzem-se e tornam-se mais pragmáticos: na casa de programa mínimo não há espaço para o supérfluo como a toalete. Veremos a redução ainda maior do programa e das práticas de cuidado corporal nas casas de três cômodos do nº 265 [08] empreendidas pelo português Francisco Pamplona, que em 1913 construiu quatro casas e no ano seguinte mais cinco foram erguidas no mesmo endereço.44 A implantação nesse caso é diversa: 44 AHM-SP OP 1913 001.916 e OP 1914 001. 645. 114
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a partir da Domingos de Moraes uma viela dá acesso às casas, que ocupam a parte interna da quadra, como uma “vila”.45 Francisco Pamplona, era militar e chefe da estação da Light na Vila Mariana; entre 1910 e 1914 promoveu a construção de dezessete imóveis no bairro.46 O responsável pelo projeto das nove casas do nº 265 foi o arquiteto brasileiro Francisco Martins Pompeo, que tinha seu escritório na Praça da Sé.47 Casas de três cômodos eram as menores residências permitidas pela legislação; chamadas de casa operária, estariam isentas do pagamento dos impostos municipais se estivessem de acordo com as prescrições da Lei nº 498 de 1900.48 Como não tivemos acesso aos requerimentos que acompanham as plantas, não se pode saber se Pamplona registrou-as como casas operárias a fim de ser desobrigado a pagar os impostos.49 As casas são geminadas em ambos os lados, apenas o volume da cozinha é recuado a fim de permitir a existência, no quarto, de uma janela que se abre para o quintal; sala e cozinha têm janela para a viela de acesso e para os fundos, respectivamente. O único corredor, interno, liga a soleira de entrada à cozinha, com portas para a sala e para o quarto, cômodos que também são conectados entre si. A exiguidade de espaço sem dúvidas obrigava famílias com mais de dois moradores a utilizar a sala como dormitório, bem como pais e os filhos de sexos opostos a dormirem no mesmo compartimento. Ou seja, arranjos que eram entendidos pelos médicos como perigosos por supostamente promover a 45 Na planta do registro de 1914 o projeto inclusive foi nomeado como Villa D. Orlinda Pamplona. 46 Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p.183. 47 O nome do responsável pela obra consta no registro AHM-SP OP, as informações sobre o arquiteto Francisco Pompeo foram obtidas no trabalho de Lindener Pareto Junior, Pândegos, rábulas, gamelas: os construtores não diplomados entre a engenharia e a arquitetura (18901960), Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo), FAUUSP, São Paulo, 2016, p. 381. 48 As casas de habitação operária deveriam ter no mínimo três cômodos de pelo menos 10m², sendo um deles obrigatoriamente a cozinha e cada um com pelo menos uma porta ou janela abrindo-se para o exterior; a altura mínima das paredes deveria ser de 3 m; o piso de madeira deveria ser afastado do solo em pelo menos 50 cm e ter o porão ventilado; as paredes internas deveriam ser caiadas; deveriam ser construídas com recuo frontal de pelo menos 5 m. 49 Na Vila Mariana 5% dos requerimentos se referiam a residências para operários, que não necessariamente eram casas mínimas, variando entre três e seis cômodos. Cf. Clara C. A. de Carvalho, op. cit., p. 106. 116
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promiscuidade e desagregar a família. Aos fundos há o compartimento da latrina, a “casinha”, e o tanque para lavagem de roupas. A ausência de um cômodo para o banho alterava significativamente a rotina de higiene corporal, que era realizada no quintal, utilizando bacias, panos e dispositivos como o “banho portatil”.50 Em uma tentativa de limitar a lotação das casas, o Código Sanitário prescrevia que nos aposentos de dormir deveria haver no mínimo 14 metros cúbicos para cada indivíduo. O poder público não tinha condições de fiscalizar todas as moradias da cidade a respeito do cumprimento da regra e obviamente tal norma não era seguida, visto que em uma casa de apenas três cômodos, sendo um deles a cozinha, não era preciso muitas pessoas morando juntas para que esse limite fosse ultrapassado. Na casa mínima, apesar de estar diretamente submetida às prescrições do saber médico, muitas das práticas de higiene, organização e setorização domésticas tão recomendadas no discurso sanitário, em manuais e revistas femininas e na publicidade não poderiam ser seguidas por impedimentos de ordem material e espacial. Como fazer a toalete, ter hábitos de cuidado e embelezamento do corpo e cultivar sentimentos de vaidade em uma casa dotada apenas do gabinete com a latrina no fundo do lote? De que maneira um casal com cinco filhos poderia conformar seu modo de vida ao ideal de intimidade da família nuclear burguesa em uma residência de quarto e sala? Assim, está claro que o poder público ao definir como seria a casa operária considerava os trabalhadores mais pobres como cidadãos de segunda classe. Ademais, nota-se o despojamento da ornamentação das fachadas conforme o programa das casas vai se reduzindo e consequentemente diminui-se também o poder aquisitivo de seus moradores. Do mesmo modo, as preocupações relativas à educação e ao desenvolvimento das crianças expressadas por médicos, que procuravam ensinar as mulheres como criar seus filhos de maneira saudável e regrada, 50 La Tribuna Italiana, edição 08607 de 1903. No anúncio é enfatizada a economia do dispositivo para que não necessitava de instalações específicas, apenas uma bacia, sendo “um banho acessível na casa do mais modesto operário” [tradução nossa], e necessário principalmente no verão. 117
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não se aplicavam à realidade de muitas famílias trabalhadoras. Nos jornais é comum encontrar notícias que revelam crianças que trabalhavam, que andavam sozinhas pelas ruas, sofriam acidentes, se envolviam em brigas, faziam da cidade seu espaço de lazer. A operária de 13 anos, Previna Ferronato, moradora da Rua Vergueiro, teve a mão esmagada por uma engrenagem durante o trabalho em uma fábrica existente da Domingos de Moraes.51 Enquanto brincava na rua, Alice de Freitas, de 3 anos, moradora do bairro, foi atropelada por um bonde; o motorista causador do acidente foi autuado e encaminhado “ao xadrez”.52 Esses movimentos revelam autonomia e proximidade com o universo dos adultos, numa lógica muito distante do tratamento que deveria ser concedido às crianças segundo médicos, manuais e revistas femininas.
Casas com uso misto Muitas das casas conjugadas com espaço para armazéns e quitandas, tanto na Vila Mariana quanto em outras partes da cidade, possuíam arranjo espacial semelhante às moradias de padrão operário, como é o caso da casa de quatro cômodos de propriedade de Maximiliano Maculan no nº 157.53 [09] Antes da moradia, no lote estreito, existia uma oficina de marceneiro54 também de propriedade de Maculan, que possuía mais uma casa na Domingos de Morais n° 15.55 A solução da moradia térrea com comércio na frente era recorrente em São Paulo desde o século XIX.56 Casas feitas para aluguel muitas vezes previam a necessidade do sustento caseiro alternativo. Assim, muitas eram construídas 51 Correio Paulistano, edição 18496 de 1915. 52 A Gazeta, edição 03273 de 1916. 53 AHM-SP OP 1914 001.638. 54 AHM-SP OP 1912 001.599. 55 Correio Paulistano, edição 18235 de 1914. 56 Maria C. N. Homem, op. cit., p. 31. 120
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com sala de negócio na frente57 e esse recurso continuou a ser utilizado após a virada do século. A moradia e o comércio poderiam ser construídos para uso próprio ou alugados para a mesma ou famílias diferentes. Obviamente neste caso o trabalho é de outra natureza, ainda assim, há novamente a mistura entre casa e trabalho, tal como nas residências isoladas e algumas das geminadas dotadas do gabinete. Tornando a casa do nº 157, sua implantação é a mesma de algumas casas com planta corredor que vimos: há o recuo lateral no qual estão as janelas dos cômodos, o portão e o corredor externo que leva até a entrada da residência, nesse caso o acesso é feito pela varanda ou pela cozinha. A sala da frente ao invés de ser de uso doméstico, é o espaço destinado para o comércio ou oficina e separa-se do interior da casa por uma porta que se abre para o corredor interno, que permite a entrada para os quartos, chegando até a varanda. A privacidade da vida doméstica é garantida pelo fechamento da porta entre a casa e o negócio, bem como pela entrada lateral que chega até a varanda,58 espaço onde se concentravam todas as atividades cotidianas e que se conecta com o volume da cozinha, encostado ao corpo da casa. A porta de entrada pela varanda aproxima a dinâmica doméstica do quintal, de modo que tanto ela quanto a cozinha são como pontos intermediários entre interior e exterior. Outrossim, o uso da latrina e da lavanderia encostados na cozinha torna o vínculo cotidiano com o quintal mais estreito. A casa de cinco cômodos do nº 141, [10] quando foi construída em 1910, não era conjugada ao armazém, que foi erguido somente no ano seguinte.59 Os dois imóveis de propriedade de João Brinatti foram projetados pelo arquiteto italiano Alexandre de Battisti, com escritório na Rua Vergueiro nº 704.60 A entrada da parte residencial da casa é feita a partir do portão lateral, que leva até a 57 Maria L. F. de Oliveira, op. cit., p. 66. 58 O autor do projeto é o mesmo das casas do nº 265, o arquiteto Francisco Pompeo. O fato do profissional ser brasileiro pode explicar por que o cômodo é denominado em planta como “varanda”, de acordo com a tradição da moradia urbana paulistana do século XIX. 59 AHM-SP OP 1910 000.892 e OP 1911 001.297. 60 Lindener Pareto Junior, op. cit., p. 298. 122
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porta, a qual se abre para a sala de visitas. Não há dispositivos que distribuam a circulação, que é feita passando diretamente de um cômodo para outro. Assim, da sala de visitas pode-se acessar um dos dormitórios e ir para a sala de jantar, que por sua vez dá acesso ao outro quarto e à cozinha. É interessante como essa solução preserva a privacidade dos aposentos de repouso, que são fechados por portas, e ao mesmo tempo faz com que as atividades cotidianas sejam desenvolvidas nas salas e na cozinha. Outra alternativa de circulação seria continuar pelo corredor lateral externo, até os fundos, e adentrar na casa pela cozinha. O gabinete da larina, também chamado de “casinha” localiza-se no quintal,61 acompanhado do tanque para lavar roupas. O armazém funciona como um anexo da parte residencial, não interferindo nas camadas de privacidade entre a casa e a rua; simultaneamente, aproxima o uso comercial da vida doméstica com a porta de acesso pelo quintal. Mais uma solução recorrente desde meados do século XIX é o sobrado com moradia em cima e comércio no térreo. Na esquina da Domingos de Moraes com a Rua França Pinto encontramos o sobrado de Antonio Pavan, construído em 1909 e ampliado em 1914. [11] O proprietário era carpinteiro e possuía capital particular empregado em empréstimos que, provavelmente, permitiram que construísse oito imóveis no bairro. No térreo da parte que foi erguida primeiro havia um armazém, um quarto, uma sala e uma diminuta cozinha embaixo da escada que leva ao andar superior. Na esquina nota-se o chanfro que contém uma das portas de entrada do estabelecimento, elemento obrigatório segundo o Código de Posturas. Do armazém podia-se adentrar no quarto e na sala — ambos com conexão entre si — e a partir desta, na cozinha, que possui uma porta para o exterior. Subindo a escada, acessada pela França Pinto, chega-se a uma sala que leva às portas do banheiro e dos quatro dormitórios, que possuem portas de acesso entre si. A ampliação de 1914 acrescentou um volume encostado na empena da Rua França Pinto e deslocou a escada existente. No térreo do novo bloco não 61 Clarissa de A. Paulillo, op. cit., p. 185-188. 124
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há moradia, apenas uma oficina e dois compartimentos de apoio: um depósito e um quarto para ferramentas, ambos com portas de acesso a um espaço exterior, coberto pelo terraço do segundo pavimento. Subindo a escada chega-se a uma sala e — assim como na construção existente — há quatro quartos. Entretanto, o banheiro foi suprimido para dar lugar a uma área descoberta, provavelmente para iluminar e ventilar um dos quartos — apesar de não haver indicação de abertura em planta. Na sala de jantar há uma porta que leva para o terraço e a partir dele acessa-se a cozinha. Os desenhos não revelam se esse terraço era dotado de cobertura tampouco há indicação dos guarda-corpos. A organização espacial do sobrado permitia que ele fosse alugado em diversos arranjos. Os usos residenciais e comerciais poderiam ser locados por uma mesma família ou não e é possível também que os quartos fossem ocupados por pessoas sem relação familiar. De qualquer modo, assim como nas outras casas de uso misto, a solução parece ser uma boa forma de equacionar a vida doméstica com o trabalho fora de casa. Ao mesmo tempo em que se preserva a privacidade do lar, também o aproxima da vida urbana e da atividade econômica necessária para a sobrevivência. Além disso, as casas conjugadas ao negócio eram uma opção rentável tanto para aqueles que as construíam para uso próprio quanto para os que desejavam alugá-las. Na Domingos de Moraes os imóveis com três a cinco cômodos eram a maioria das casas de uso misto, o que demonstra que parte significativa da atividade comercial de pequena escala era exercida por famílias dos estratos médios mais baixos.
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A análise dessa breve amostra de casas da Rua Domingos de Moraes nos revela de que maneira o ideal de moradia urbana, forjado a partir dos preceitos da higiene, se deu em um bairro que se desenvolveu com a presença de múltiplos agentes, tanto na construção quanto na apropriação dessas habitações. A noção de privacidade da vida doméstica em relação à cidade, fundamental para a consolidação das novas relações de trabalho e familiares e para a organização e desenvolvimento do espaço urbano, foi modulada a partir dos dispositivos arquitetônicos que proporcionaram, em maior ou menor grau, o resguardo das práticas que deveriam, a partir de então, ser restritas ao núcleo familiar. E como vimos, a aplicação desses dispositivos na moradia acontecia de maneira diversa, a depender da disponibilidade financeira de quem construía e dos que viriam a habitar a casa. Os padrões de higiene moldaram a concepção de conforto doméstico, que também é balizada em função do poder econômico. O discurso que apelava para a importância do conforto na casa mobilizou argumentos de ordem científica e racional ao mesmo tempo em que estimulava sentimentos de ansiedade e culpa quanto à falta de limpeza. Ao associar qualquer indício de sujeira com a propagação de doenças, o discurso higienista preconizava que apenas a limpeza absoluta seria satisfatória e assim, o trabalho doméstico necessário para atingi-la ganhou imensa significação emocional.1 A limpeza como algo verificável visualmente, em conjunto com a promoção desses sentimentos de ansiedade foram necessários para estimular o consumo dos mais diversos objetos domésticos como essenciais para transformar o lar em ambiente de paz e conforto, que trariam felicidade para a família. Nesse sentido, o conforto está atrelado ao consumo como forma de subjetivação dos indivíduos e de criar um ambiente doméstico propício para o desenvolvimento da intimidade familiar, na qual os membros se expressam e interagem em um espaço de reconhecimento e acolhimento representado pelo
1 Adrian Forty, Objetos de desejo. Design e sociedade desde 1750, São Paulo, Cosac Naify, 2007, p. 220-228. 131
considerações finais
lar.2 Os segmentos médios, como um estrato heterogêneo, utilizaram-se dos recursos materiais disponíveis não só “para suprir necessidades psicológicas de tranquilização, mas para criar formas de diferenciação interna no grupo”. Para os mais pobres, o discurso sanitarista destinou formas de conforto mais
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relacionadas à limpeza, salubridade e organização funcional da casa do que ao consumo de objetos supérfluos. A própria noção de família para parte dos trabalhadores pobres poderia ser muito distinta do ideal burguês difundido entre os setores médios, de modo que essa população nem sequer compartilhasse dos mesmos valores da economia simbólica que atingiu a moradia e seu correspondente modo de vida. Igualmente, o ideal de feminilidade que acompanhou o estabelecimento da intimidade familiar incidiu de maneiras diversas para mulheres trabalhadoras, sobretudo as não brancas. As fontes consultadas para o desenvolvimento deste trabalho encontram limites quanto à aproximação da vida cotidiana dos setores mais pauperizados da sociedade, afinal há maior enfoque na visão dos empreendedores e do Estado, que buscaram normatizar e higienizar a moradia e os movimentos da população. É possível que a ampliação das fontes primárias consultadas, como a documentação do arquivo do judiciário, consiga levar a uma maior aproximação com o poder de agência desses moradores frente aos conflitos e medidas de controle estatal, que não foram possíveis de serem tratadas nesta pesquisa. De qualquer modo, procuramos evidenciar a importância da moradia no processo de construção da cidade, tanto como objeto essencial para a manutenção da vida, quanto como uma mercadoria fundamental na produção e reprodução de capital no fazer da cidade. Para a formação de arquitetos e urbanistas, estudar os modos de morar, bem como quais elementos estão envolvidos no estabelecimento da domesticidade urbana é essencial para pensar de maneira crítica sobre como chegamos até a representação contemporânea da habitação e sua relação com o espaço urbano. Afinal, os limites entre casa e cidade não são dados somente pela arquitetura, mas por todas as estruturas 2 Vânia C. de Carvalho, op. cit., p. 298. 3 Ibid., p. 309-311. 132
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e dispositivos necessários para o funcionamento da moradia urbana integrada ao mercado consumidor de energia, abastecimento e coleta, de alimentos, de móveis e equipamentos, de lazer etc. Além disso, a construção do lar como espaço apartado da esfera do trabalho não significou a retirada completa do trabalho de dentro da casa: como apontamos, diversas residências apresentam espaços destinados ou conectados a atividades econômicas. Outrossim, não esqueçamos do trabalho doméstico, fundamental para o funcionamento da casa e manutenção da vida, que procurou ser invisibilizado e entendido como “não-trabalho.” Ao estudar o processo de formação da cidade a partir de bairros e ruas, nos deparamos com uma realidade na qual a ideia de expansão urbana do centro para as periferias e da constituição de bairros homogêneos, tanto nos usos do solo quanto nas camadas sociais, não se sustenta. Faz-se necessário encarar o processo de urbanização como fruto de um espaço de disputa, colocando em foco os atores, interesses e correlação de forças envolvidos e tendo em vista a dimensão colonial para o estabelecimento da sociedade capitalista e consequentemente, das cidades brasileiras. A trajetória da Vila Mariana, de arrabalde a bairro de São Paulo, expõe a atuação dos produtores “anônimos” e seus interesses na urbanização de um pedaço da cidade, que assim como em outros, teve forte presença habitacional e intensa vida urbana. As conexões do arrabalde com a cidade, bem como com outros territórios mais ao sul, foi impulsionada pelo transporte sobre trilhos, que diminuiu as distâncias e demonstra que a formação urbana de São Paulo não se deu numa lógica da cidade que avançou conquistando e ocupando os “vazios”. Apesar de ser tema amplamente trabalhado na historiografia, a São Paulo na virada do século XIX para o século XX ainda é um campo fértil para pesquisas que buscam desmontar concepções históricas cristalizadas e construir outras formas de lidar com as experiências da urbanização e com o que foi feito da cidade.
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