ERICO Prefacio- Meu senso de guerra fica gritante... Meu
nome é Erico. Erico Eduardo Luis de Paula Stirling. Ou simplesmente Erico. Meus pais são Gustavo e Rita Stirling. E eu não conheço outras pessoas melhor do que a eles. Por quê? Quase toda a minha vida foi o espaço interno de duas malas. Duas simples malas de viagem. Em especial, viagens pelo mundo e conhecendo outras pessoas. Fazendo outras amizades. Fazendo parte de diversas comunidades. E conhecendo o mundo por vários olhares alem do de uma criança. É, eu sei. Este é o sonho de muita gente, mas quando você mora em um lugar diferente a cada mês, desde que nasceu é que percebe como seria bom ter os mesmos amigos durante um ano inteiro pelo menos. Bem, o que eu venho (ou melhor, nós viemos) fazer é dizer para outras crianças, que assim como nós, caíram totalmente de páraquedas no meio de deuses e monstros. Agora, tudo o que vocês precisam entender é que primeiro: necessitamos de muita, muita coragem para continuar vivos a cada dia. Segundo, se alguém estranho aparecer e te fazer uma proposta irrecusável, recuse! E fuja. E terceiro, não pare nunca! Não faça como nós. Não entre atrás daquela porta escura e misteriosa. Por mais divertida que possa parecer, por mais excitante. Pois você poderá acabar em sérios perigos. Estamos aqui para te avisar que ser um herói sempre tem o seu preço. Que as vezes, mesmo quando precisamos salvar o nosso lar, podemos entrar em algo que jamais sairemos. De qualquer forma, eu acredito que deva começar do inicio. Ou do nosso inicio. Normalmente, em dias mais agitados, um adolescente comum sai com os amigos e vai à escola; e em dias mais calmos, como os de chuva, fica em casa com os pais ou amigos. Talvez assistindo algum filme e comendo pipoca.
Eu sei que não foi culpa nossa aquele dragão e os throlls terem aparecido na cidade de Belfast. Eu sei também quais foram as decisões em relação ao grupo. Mas que fique dito: Sou Erico Stirling, e não vou desistir de lutar pelo nosso mundo! À parte de terem aparecido throlls e um dragão na capital norteirlandesa, isso só aconteceu porque tínhamos que salvar Rosallie. Tudo bem, ela sempre diz que não quer saber de nós, que o nosso grupo não passa de um bando de nerds e desajustados que existe para acabar com a paciência dela. Em especial eu. Não me pergunte por que as garotas são assim. Pelo menos as mais patricinhas. Mas, fazer o que? Ela é irmã do Traves, então temos que aceitá-la e aturá-la. Mesmo com todos os momentos de brigas e discussões que temos, ainda assim não podemos simplesmente abandoná-la. Ate porque, por algum motivo, que não poderemos esclarecer agora (ou entender), ela também faz parte disso tudo. Ta bem, ta bem. Eu sei que estou me desviando do verdadeiro objetivo.
Eu acho que eu devia ter começado assim. Normalmente nós iríamos para a casa do Traves para conversarmos e ajudar uns aos outros com nossas atividades escolares. E geralmente é o Dick e a Donna quem nos ajudam com Geometria, Biologia e Literatura Inglesa, Traves e Nova nos ajudam com Gramática e Ciências de Analise à História Britânica — esta matéria pega alguns fatos e acontecimentos da história local e analisa para depois discutirmos em aula. Particularmente, pra quem já viajou o mundo como eu, não sei se posso realmente dizer que essa é uma disciplina considerável. Mas... com tudo o que já vi não posso reclamar. Já o Christiano e o Dakota, com quase todo o resto, como Língua Espanhola, Língua Francesa, Álgebra, Química e Geografia. Porem naquele dia resolvemos ficar na lanchonete em frente a nossa escola. Nós estudamos na Bluemore High School, isso mesmo que você imaginou. Uma escola com nome de Azul Forte. Então dá
para imaginar os apelidos que nós recebemos: azulzinhos; azulões e etc... Alem do mais recente, Avatar. Bem, estávamos na Linda’s Chá, Café e Bolo. Conversando e jogando papo fora. Lá tem um dos melhores muffins de chocolate com marshmalow que eu já comi na minha vida. E olha que eu já comi muitos. Bebia café expresso (ou cappuccino cremoso com chantili) para esquentar, fazia frio, pois estávamos no inverno. O que parece ser ridículo dizer porque aqui sempre parece ser inverno, pois sempre faz frio. E por que eu estava como sempre: o meu habitual casaco de lã sintético verde, xadrez, em cima de varias camisetas e usando duas calças, a de cima era de brim. Estava com os meus tênis Nike, nunca me importei com marcas, porque sempre pego a primeira coisa que vejo, e se servir, coloco. Não gosto de me descrever. Sou um aluno mediano; não consigo me enturmar com a mesma facilidade que meus amigos (mas sei me virar); sou um pouco baixo e ainda pareço ser uma criança que tomou muito hormônio de crescimento, por de repente, a partir dos onze anos simplesmente ter crescido muito em quase um ano. Não gosto de esportes (talvez de andar de bicicleta) nem de malhar, então sou magro e pequeno em comparação aos outros adolescentes da minha idade (tenho 14). Alem de ter a pele opaca e clareada, sou mestiço. Quer dizer, minha mãe é negra e o meu pai é branco (alvo, pálido, na verdade), portanto, sou (quase) moreno, num tom entre o moka e o matinê. Bom, continuando, não tínhamos muitos planos para aquele final de tarde. Nossas atividades extracurriculares e as da escola mesmo já tinham sido feitas. Então resolvemos fazer o que não fazíamos a muito tempo desde que o semestre começou. Não podíamos contar com a presença da MC, Maria dela Conceicion (ela não gosta do próprio nome), da Donna, do Gale, da Kad ou do Dakota e do Dick. O que significa que a Nova era a única garota do grupo, presente. Mas não foi isso que cortou o nosso assunto ou nos impediu de conversar. — Há-há-há! — riu Douglas Wright junto do seu grupo de ignorantes e brutamontes de boa parte do time de Hurling da nossa escola. Ele é e sempre foi o mais babaca de toda a escola. — Traves,
você é um dos maiores atletas do time, cara, porque você continua andando com esses perdedores? — eu não dei importância àquelas palavras ate então. E eu não fui o único a ficar mais tenso. Se o Chris não segurasse o braço da Nova com certeza ela teria dado um soco naquele cara. — Douglas, vocês não têm que ir atrás de algum animal indefeso ou alguma criançinha para assustar? — perguntou Traves friamente, ele já havia terminado seu expresso com chocolate e leite. Ele tinha maior resistência com Douglas. Alem de saber responder melhor aos seus insultos. Douglas não riu, nem eu ou o Chris, porem a trupe de idiotas e Nova sim. Traves ainda abriu os lábios num sorriso meio forçado, talvez, que pareceu ser meio tímido. Em resposta Douglas se inclinou ate o ouvido de Traves. Para cochichar, eu pensei. Mas ele falou em tom tão alto e claro que foi impossível não escutar também. — Não pense que eu não sei o que estão fazendo! — ele falou como se isso fizesse algum sentido. Eu ia perguntar o que aquilo queria dizer ou talvez me levantar e esbofeteá-lo ate que ele dissesse por que falou aquilo. Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele foi em direção a outra mesa ali perto e os outros o seguiram, nos deixando sem entender nada. — Hã... Será que alguém poderia me explicar o que foi que aquele garoto falou? — perguntou Nova. Ela parecia enervada com toda aquela situação. Talvez ate um pouco mais que o resto de nós. — Bem, eu que jogo no time com ele não sei, quem vai saber? — Traves riu. E nós rimos também. Ele vestia-se igual a qualquer garoto da sua idade (com poucas exceções, como Christiano e Gale), com calças jeans e jaqueta de tweed e um monte de roupas que não reconhecia (e prefiro não saber quais são) por baixo. E moccasins negros como a mais escura noite, mas surrados (e de tempos longínquos, como diria meu tio Arnold). Ele é meio bronzeado de sol, e também louro (isso mesmo, as garotas — e alguns garotos também — sempre “babam” quando ele passa), bonito e alto, serviria perfeitamente para um comercial de pranchas de surfe. Traves é um cara inteligente e (quase) albino, alem de rico, filho de uma das governadoras mais bem conhecidas e renomadas da
Bretanha inteira. Então ele poderia ter escolhido qualquer outro grupo para andar, e ate mesmo fazer como Douglas e amedrontar criancinhas, e ate ser esnobe como sua irmã. Mas não, ele é legal. Simples, introvertido e engraçado, ainda que as vezes se mostre bastante tímido. E por isso nos sentimos especiais por ele ter nos escolhido. Assim como temerosos por a qualquer momento ele dizer: “Isso tudo não passou de uma brincadeira e vocês os meus brinquedinhos! Tchau...”, e ir embora por nos achar desprezíveis e sem importância. — Vai saber o que se passa na cabeça daquele cara...! — ele disse rindo. — E ele tem cérebro? — Chris disse enquanto apreciava o aroma do seu chá de hortelã em um pires de porcelana, bem ao lado de Nova. Foi a ele que eu quis dizer que é uma exceção, pois tem 16 e veste-se como se tivesse 40. Com suéter azul de caxemira quadriculado, em cima de muito mais roupa, calças skinny de algum tom escuro de verde (ou marrom), tênis de corrida branco ele é o típico nerd que mais vemos nas escolas. Mas não o chame assim, ele não gosta. Chris é moreno na cor do cabelo e tem pele na cor de chocolate derretido. De cabelo encaracolado, ele costuma não se pentear. Gordinho por não praticar esportes, ele é péssimo na aula de ginástica. Gosta de muitas coisas, inclusive de matemática, mas, gosta mais de sua mais antiga paixão: Nova Sargsyan Rasmussen Barreto, ou, nossa amiga Nova. Ele também é órfão, muito tímido e vive se constrangendo por qualquer coisa, mas é só receber elogios por alguma coisa que já deixa subir à cabeça e fica se achando. Porem ele é um cara legal também, e o mais inteligente de nós, e acha que não sabemos de sua paixão secreta por Nova. Mas somente ela acredita que ele sente apenas amizade, pois eles são amigos de anos e quase cresceram no mesmo orfanato. — É que ele usa a cabeça como adorno! — Nova arranca mais risos do grupo. Com seu sobretudo de gabardine moka ela parecia ser mais nova, mas era só olhar para os seus All Stars de cano alto brancos com desenhos de estrelas de caneta hidrocor que você mudaria esse pensamento. Ela está sempre com os mesmos jeans usados e gastos.
Nova tem 14 anos (a mesma idade que eu), quase 15. Tem cabelo crespo e preto, bem aparados, pele clara (mas não muito), então fica vermelha com — muita — facilidade. Meio baixinha e pequena parece uma Barbie guerreira e (bem) mais esbelta e pequena. Ela come de tudo, e feito um hipopótamo, e nunca engorda, não sei qual é o segredo dela, mas muitas garotas sentem inveja. Nova gosta de dizer que tem o seu próprio estilo de se vestir (e se portar com as pessoas — mas essa parte ela não diz) e que pretende continuar assim ate o final. E tentar sempre não parecer como as garotas esnobes da nossa escola. Ate ela chegar e entrar, a MC era a única garota do grupo. Ou melhor, trio, pois era só ela, o Chris e o Traves. Mas a Nova não é o tipo de garota que deixa a peteca cair. Para ela o único ponto fraco que a atinge é ofender ou machucar os seus amigos ou falar mal da sua família. Nova foi adotada por um casal homossexual, que veio de lá do Brasil para viver aqui na Irlanda. E vive com eles ate hoje, assim como seus outros quatro irmãos. Alias os seus pais são muito legais e o Seu Madsson faz um nhoque de primeira. Nova é uma garota extrovertida, gosta de sair e se divertir, mas também é bem caseira. Um filme de terror ou de suspense em casa com os pais e os irmãos junto com os amigos e muita pipoca amanteigada, a faria muito feliz! — Se perguntássemos para ele o que é a Teoria das Supercordas ele responderia... — eu não lembro direito o que foi que a Nova falou, eu só me lembro de ter visto um sombra enorme passar e rugir. A principio eu pensei que fosse uma nuvem de chuva e por isso não dei importância para o rugido. Pois afinal, muitas nuvens provocam trovões. Não é? Bem, não foi só isso que me distraiu. E eu tive certeza ate aquele momento que após o aparecimento de Douglas seria a única coisa com que nós teríamos de nos preocupar. Mas eu estava completamente errado! Primeiro em pensar que poderíamos curtir um pouco de paz em um café qualquer no meio da cidade logo depois a escola. E por acreditar que todos os insultos e xingamentos que Rosellie, a irmã de Traves, nos fez naquele dia mais cedo seriam os últimos. Que ela se acha a mais linda, a mais bonita, tudo bem. Mas quando Rosellie apareceu com calças Anselmi salmão de couro, com
jaqueta rag & bone convencional, sapatilhas-meia com meia calça de linho (eu notei) e cabelo solto, tive apenas um pensamento: UAU!!! Ela é loura, quase ruiva, com sardinhas em cima do nariz, de pele um pouco bronzeada de sol e alta (alta mesmo), ela sabe que é bonita e usa isso para conseguir que garotos mais inteligentes façam o seu dever de casa — é o que dizem. Em algumas provas soube que ela cola, e outras ela nem fazia. Mas sempre passava no final. Agora estamos na mesma serie, e em turmas próximas. Mas tento sempre não notar que ela está lá me tirando do serio. De forma completamente surpreende ela havia nos encontrado e começou a indicar para o seu irmão sair e falar com ela. Eu não sei bem porque devo falar dela. Ela é uma garota mimada e esnobe. Que acha que está a cima de todos e que o mundo inteiro é seu. Alem de ser muito bonita e ter um cheiro muito bom, ela gosta de passar muito tempo em shoppings e lojas de roupas. E naquele mesmo dia ela tinha ido com as suas amigas, Janet, Jullia e Evy, no Victoria Square Shopping Center. Ou pelo menos foi o que eu pensei. — Traves... olha lá quem veio te visitar. — eu fiz uma cara seria, mas não pude conter a irritação que senti. Nova viu e rio da minha cara, enquanto Chris a olhava fazendo cara de não entender. — O que...? — Chris perguntou quando Traves já estava saindo pela porta. Eu não os encarei. Estava irritado de mais com Rosellie por ela ter aparecido e estragado o nosso dia. — Por que você está com eles? — ela grita erguendo as mãos e encarando Traves. Ele não responde, mas a olha com clara desaprovação no rosto. Eles ainda continuaram discutindo, por motivos que não importam, Coisas de irmãos! Ate finalmente Rosellie sair andando. Não nego que senti um certo alivio na hora que a vi partir, mas também senti culpa. Culpa por não querer ela por perto, e também por saber que ela é a irmã mais nova de Traves e a odiá-la mesmo assim. Da mesma forma que ela me odeia!, eu havia pensado. Traves entrou e não estava com cara de animado. Ele veio ate a nossa mesa rápido e pisando firme. Baixou a cabeça e entortou o tronco do nariz, o apertando com força nos olhou.
— E...? — pergunta Nova parecendo já saber o que viria por aí. — Vou ter que ir com ela. — ele falou sem vontade. Nova me olhou com cara feia e pareceu ter o mesmo pensamento que eu. Essa garota... Rosellie é cheia de exigências. Gosta de ter tudo o que quer e sabe como conseguir, mimada, pensa que tudo pode e que nada nem ninguém irá mudar isso. Como a minha mãe diria, ela tem o rei na barriga! — Se quiser a gente pode ir com você! — o Chris disse. Ele parecia estar mais vago, disperso, do que realmente estava. — E se pudermos também. — É! — concordou Nova. — Não tenho nada pra fazer mesmo. — Serio? — Sim, podemos ir sim. — digo sem animo e tomei um gole de café. Não queria ver seus rostos, alem do que, já estava o terminando. A Nova e o Chris me fitaram pedindo um pouco mais de ajuda. — Por que não, né? — disse. Nova me olhou por poucos segundos com um pouquinho de raiva por eu não estar cooperando, ate que ela relaxa o olhar e vira para o nosso amigo com compreensão. — Bem, se quiserem... — Sim. Podemos! — a Nova repetiu. Ela esboçou o seu melhor sorriso otimista. Mas todos nós sabíamos que isso não daria onde queríamos que chagasse. — É, podemos sim. — ...então... — Traves completou já um pouco mais feliz. As vezes me esqueço que de todos do nosso grupo, o Traves foi o mais “beneficiado” pelo destino e penso que ele também precisa de consolo e de ajuda. — Claro. — Chris sorriu sem dentes se levantando. Nova, de forma discreta, me ordenou que terminasse meu expresso e me levantasse. — Ta bem. — Traves pareceu agradecer sem palavras. — Sim, tudo bem. — digo me levantando e deixando parte do dinheiro da conta. Traves e Christiano já haviam pago por seus lanches,
e Nova não bebera nem comera nada. Então nos movimentamos em direção a porta conversando sobre banalidades, talvez o quanto aquele café e o chá (ou o momento) estavam bons ate que tivemos de sair.
Rosellie havia esperado pelo irmão na esquina da rua onde estávamos lanchando. E assim que ela nos viu abriu a boca para falar algo, ou simplesmente para rosnar, mas não o fez. Fitou Traves e nos indicou que a seguíssemos. Ela ia sempre na frente, talvez para que não pensassem que ela andava com um bando de garotos sem o mesmo “pedigree” que ela. Assim que saímos da rua do Café da Linda, entramos na May St., dobramos à 73 com a Victoria St., em direção ao Victoria Center. Janet, Evy e Jullia estavam nos esperando no outro lado da rua, perto da Glaucester St., as duas calçadas estavam bem movimentadas naquele dia, com prédios claros e altos, mas escurecidos pelas sombras da noite que se aproximava. Talvez todo mundo estivesse se escondendo do frio do outono de inicio de novembro, ou apenas pressentindo o que viria. Rosellie atravessou apressadamente a rua e correu ate suas amigas. E nos esperou com cara fechada, não a observei por muito tempo por causa disso. Para ela eu sou apenas o idiota que o irmão dela tem que defender dos valentões da escola. Chegando onde Rosellie no esperava, percebemos o erro que tínhamos cometido. Janet e Evy nos observaram como se fossemos cães de rua que poderiam lhes passar raiva ou sarna. Já Jullia não se permitiu gastar parte do seu tempo nos observando. — Oi. — disse Evy a nós com um pouco de compaixão. Talvez nem todas não tivesse salvação. — Oi. — dissemos quase silenciosamente (Nova tentou, mas não conseguiu não falar em tom seco). — Como vocês vão? — perguntara Traves timidamente. O cara pode ser um dos melhores atletas do time, mas quando o assunto é garotas, ele se mostra fraco. — Quer dizer, tudo bem?
— Tudo sim. — disse Jullia o observando. Ela é loira e pálida, mas baixinha. Sabe que é bonita e compartilha do mesmo pensamento que Rosellie sobre o mundo. Porem, o que ela não gosta de revelar e que esconde (mas que eu sei), é que veio do Brasil, é pobre e bolsista na nossa escola. A família dela veio a alguns anos para Belfast por uma “vida melhor”, mas o pai perdeu tudo e a mãe teve que conseguir empregos para todo mundo. Ela não é melhor do que qualquer um de nós, mas faz o impossível para provar o contrario! — E você? Elas são todas bonitas, o principal critério para estar no grupo (extremamente exclusivo) da Rosellie. Usavam roupas de marca: Janet e Jullia estavam com casaco e jaqueta channel — respectivamente — mas de confecções diferentes, alem do jeans branco que Janet usava. Já Jullia estava com legging violeta e estampada; enquanto que Evy, sempre modesta, estava com o seu thakoon preto e branco e calças prata de couro. E todas tinham tênis converse All Star, de tons neutros e estilos diferentes, nos pés. Já seus cabelos são tão iguais quanto os temperamentos de suas donas. Janet costuma diversificar nas cores de seu cabelo, ele já foi todo vermelho (quase rosa) e de um tom negro tão escuro quanto a sombra mais obscura. E agora está cinza, ou prateado, o que combina com a palidez de sua pele. Evy gosta de ter mexas verdes cor de hortelã em meio ao castanho de seus caracóis. E Jullia, como eu havia dito, faz juz a expressão loura e burra. Pois não tem interesse em nada que diga respeito a escola, e quanto ao nível de seu QI nem seria considerável dizer. E ela gosta de fazer tortura psicológica com as pessoas. — Aih, credo, né! — falou Rosellie torcendo o nariz. Isto e outras coisas, como o jeito de andar e alguns gostos, são tudo o que Traves e ela têm em comum. Pois são irmãos de criação, o que significa que ele é adotado. Só eu sei disso no nosso grupo inteiro (e na escola alem da Rosellie). Porque ele confia em mim e não gosta de pensar que a Nova, o Chris e os outros possam pensar que ele estivesse inventando isso para chamar atenção ou para que possa se parecer mais com eles ou com suas histórias. — Vocês não acham que isso é nojento demais para se fazer aqui na nossa frente? — Rosellie remexeu a cabeça de impaciência a Traves e Jullia. Eu não havia percebido ainda, mas, tirando Traves, Rosellie e as suas amigas, nós não sabíamos o que havíamos fazer ali.
— E o que exatamente é nojento demais? — perguntei em sibilo. E ninguém pareceu notar o que eu disse, ou deu importância. — Desculpa, mas ninguém procurou nada para “achar” alguma coisa! — Traves disse a cortando. Todos os observaram por algum momento, a tensão era visível, eles são irmãos, mas, assim como nós (os seus amigos), ele não a suporta, e isto é recíproco (e perceptível a quilômetros de distancia). — Bem, por que você nos trouxe aqui? — Nova perguntou parecendo relutante em falar. Ela não queria (alias, ninguém queria) se meter, mas Nova também não gosta de ver irmãos se dando mal, mesmo Traves e Rosellie. — Eu não trouxe vocês aqui! — exclamou Rosellie. — Gente, se quiserem podem ir, serio. — Traves falou olhando para nós com olhos de quem pede o contrario. — Éh, vão embora. — continuou Jullia. Ela é ainda pior que a Rosellie! — Ninguém quer vocês aqui mesmo! — Eu consigo sobreviver a Rosellie e as suas amigas! — Traves lançou um olhar de escárnio para as garotas. — Serio, pessoal. — ele voltou a nos fitar e desta vez ele estava sendo sincero. Rosellie não se intimidou, e nem suas amigas (talvez Janet). — Não precisa se preocupar. Nós vamos ficar! — Nova pareceu ser mais teimosa que Rosellie ou qualquer uma delas. — Então ta. — Evy deixou escapar. Ela parecia assoberbada, mas na verdade, ela estava enviando um sinal claro para que saíssemos correndo dali. Foram vocês quem pediram!, seus pensamentos ficaram quase nítidos para mim, como nuvens passageiras de chuva. — Então...? — repetira Nova segurando a cintura. Ela sempre foi bonita, mas parecia estar ficando mais brilhante por causa da raiva. Talvez por estar suando e estivesse usando muitas roupas de inverno, visto que moramos numa das regiões mais frias do país. — O que vocês querem com o nosso amigo? — E alguém te perguntou alguma coisa? — Rosellie virou-se para Nova com uma cara de Só fale quando for chamada!
— Mas você... — Não, tudo bem. — Chris segurou Nova com os braços envolta dos dela. Ele teve que usar muita força para isso, percebi. — O que ela quis dizer é, por que você trouxe o Traves ate aqui? — nosso amigo tentou ser diplomático. Ele sempre teve mais experiência nisso. Rosellie soltou um suspiro de desagrado, como se falasse: vocês são tão intrometidos, por que simplesmente não desaparecem?, e Traves disse por ela: — Ela quer dinheiro emprestado. — ele parecia estar mais nervoso, querendo sair dali mais do que qualquer um de nós. — E como não estou com a minha carteira... — Ele veio ate aqui para que nos encontrássemos com as meninas e ir ao shopping depois! — a garota estava impaciente, como se devêssemos algo a ela e ainda não a pagamos. — Vamos agora? — Espera aí...? — Nova falou se desvencilhando de Christiano. — Era só por isso? — ela deu um passo e quase pulou nos pescoços delas. Nova sim se sentiu indignada, por estar com aquelas garotas que só nos estorvavam. — Você nunca ouviu falar em “caixa rápido”? E os seus cartões? — as quatro só riram. Nova se segurou para não atacá-las. — E os seus talões? — Nova refez a sua pergunta. Não sei o que foi tão engraçado!, disse mentalmente quando nossa amiga nos fitou um pouco constrangida. Nós três retribuímos o mesmo olhar uns com os outros. — Querida... — Janet tentou soar mais empática do que rude. Mas foi interrompida. — Janet, não tente explicar uma coisa que obviamente a caipira não vai entender! — disse Rosellie rindo da minha amiga. Meu sangue pareceu fogo em palha seca. Não conseguiria ver Nova passar por aquilo, mas também não saberia o que fazer. Então as encarei e não soltei uma palavra. — Não vale a pena. — completou simplesmente encerrando a piada. — Mas... — Chris tentou, mas não conseguiu dizer nada. Claro que ele iria querer defender a garota por quem é apaixonado. Mas estava no mesmo barco que eu.
— Nova, a destrambelhada da minha irmã esqueceu deles em casa. — Traves explicou olhando para nossa amiga. Ele quis ser generoso, mas só piorou a situação. Pois as garotas entenderam como parte da “brincadeira” meu amigo ter que explicar assim como, também, Rosellie não se ofendera com aquilo que ele disse. — As vezes ela faz isso. — Rosellie apenas virou o rosto como se estivesse levemente ofendida. — Ta... — Nova conformou-se com isso. Ela parecia não ter gostado da ajuda de Traves, mas relevou. — Agora vamos logo, Rosellie. — disse Evy parecendo não estar nem aí para Nova. Andamos em grupos. Rosellie e suas amigas na nossa frente e nós quatro atrás, como se isso representasse a “pirâmide social” subliminarmente. Mas, diferente delas, não conversamos em momento algum. Elas ficavam tagarelando todo tempo, e as vezes ate nos olhavam e apontavam. Numa vez dessas Rosellie olhou para traz, falou o nome de Nova e riu. Quando Janet e Jullia riram também nos fitando, isto me enfurecera muito. Mas alguém que sentiu-se mais ofendido claro, foi a própria Nova. — Mas... — ela começou. — o que...? — Não sei se gostei disso não. — Traves soltou entre os lábios. — Hey! Rosellie. — Sim, irmão querido. — ela soou falsamente. Eu queria estrangulá-las. Por mim, começaria pela Rosellie. Seria bom!, pensei. E assim que tive esse pensamento o afastei. — O que foi? — O que foi que vocês falaram ali? — ele perguntou parecendo nervoso, os ânimos do climão voltavam a se esquentarem. — O que foi que vocês falaram sobre a Nova? — O quê...? — Rosellie parecia não ter entendido. E isto seria mentira, se claro, ela não tivesse sido irônica. — O que? — ela repetiu olhando-o nos olhos, lançando o seu olhar. Um olhar penetrante e inquietante, que te paralisa e faz rever todos os seus erros, tudo o que você disse em toda a sua vida para ela e que pode não ter sido agradável. — Você vai defender ela agora...? — ela perguntou pondo as mãos na cintura. Ela parecia indignada, mas eu soube na hora que era
apenas para fazer piada. Mas Traves pareceu ficar levemente nervoso. — Alem de defender o pirralho daquele garoto, — Rosellie apontou para mim. E eu fiquei nervoso também. — você vai ajudar essa daí? — Ah, vai te catar! — Traves soltou simplesmente. E por pouco não fiquei surpreso, ele não fala assim sempre com as pessoas. — Você não presta e ainda anda com elas! — ele apontou desta vez para o grupo de Rosellie. E apenas Janet e Evy se sentiram ofendidas. — Quer saber... — Nova tentou começar, mas foi interrompida por Janet. — Desculpa se nós incomodamos, Traves, mas não foi nós que... — Janet, não se meta. — Rosellie foi seca com a própria amiga. E ela voltou para onde estava parecendo segurar para não explodir com a Rosellie (o que particularmente, admito que ela não era a única). — E Traves... — Por que você é assim, hein? — Nova perguntou pegando Rosellie totalmente de surpresa, entre Rosellie e o nosso amigo. Elas ficaram se olhando, Nova querendo não bater na irmã de Traves e Rosellie pensando se valeria a pena perder a linha com ela. — Garota, você poderia aproveitar o cara legal que o seu irmão é e... — Não venha me dizer como eu devo agir com o meu irmão! — Rosellie a olhou de cima cortando-a. — Você nem tem irmãos de verdade! — Não fala assim com ela! — Chris gritou ao lado de Nova. Após eu sair do torpor de surpresa por vê-lo reagir desta forma, percebi o que ele queria fazer. Rosellie levantou a mão para bater na minha amiga e Christiano foi defendê-la. — Alem do que, ela tá certa! — falei em um tom alto sem perceber. Mas os outros não deram atenção, enquanto Rosellie fez o contrario. — E você agora sabe falar?! — disse no seu tom de ironia. Ela veio ate mim, chegando perto demais, mais perto do que eu gostaria. — Antes você, Idiotão, se escondia atrás do meu irmão. Mas agora resolveu abrir a boca! — ela disse trincando os dentes e quase rosnando.
— Hei, idiota é você! Que anda com uma garota como a Jullia. — Nova falou aos berros. Aparentemente, a mensagem era (só) para Jullia, mas Janet e Evy sentiram-se tão ofendidas quanto. Entretanto, não intercederam em nenhum momento. — Ela é tão medíocre e horrível por dentro quanto você! — O que foi Boy-girl? — Rosellie falou o apelido de Nova na escola. Ela sabia que minha amiga detesta isso, por fazer parecer que ela seria mais masculina que o “normal” por usar roupas pretas, cumpridas e ter cabelo curto. Alem de ser meio preconceituoso. — Resolveu criar coragem? Resolveu usar as calças que tem...? — Desculpa, mas não temos trocados! — Jullia disse interrompendo Rosellie e entregando 55 libras para Nova. — Então você vai ter que aceitar só isso aqui... — O que...? — Nova ficou a observando confusa. — Estou fazendo a minha parte. Estou fazendo caridade para os mendigos! — Jullia se fez ouvir, e assim fazendo com que todo mundo parasse. Ate o ar pareceu parar para assisti-la. — Rosellie, você está vendo, não é, que eu tentei ajudar alguém com mais necessidades e menos condições que eu? — ela observou por poucos segundos a sua amiga e voltou-se para Nova novamente. Rosellie não respondeu, só tentou não rir. Nova e todos os outros (inclusive eu) não falávamos nada. Nem Traves parecia saber o que falar, Chris não piscava e eu não sabia o que fazer. E também como defendê-la depois disso. Meu sangue gelou na hora, pois eu tinha total e completa noção que aquilo machucou Nova. E muito. Ela teve um passado complicado e que não deveria ser usado como ofensa ou motivo de piada. Porque as vezes ninguém sabe as dores que podemos trazer junto ao coração. E dores que quase sempre, vêm do passado mais sombrio e obscuro, e que, em alguns casos, preferimos esquecer. E a Nova e eu sou (como diria a vovó Fabíola mesmo?), provas vivas que isso as vezes é verdade.